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SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Diogo Antonio Palmeiro Pinto

Secretarios os Srs.

Henrique de Barros Gomes
Manuel Paes Villas Boas

Chamada - 50 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão - os srs. Adriano Pequito, Alves Carneiro, Simões, Pereira de Miranda, Villaça, Falcão de Mendonça, Silva e Cunha, Veiga Barreira, A. J. Pinto de Magalhães, Sousa e Menezes, Magalhães Aguiar, Montenegro, Barão da Ribeira de Pena, Barão da Trovisqueira, B. Francisco da Costa, Caetano de Seixas, Carlos Bento, Ribeiro da Silva, Custodio Freire, Palmeiro Pinto, F. de Mello, Coelho do Amaral, F. Diogo de Sá, Pinto Bessa, G. Quintino de Macedo, H. Barros Gomes, Noronha e Menezes, H. de Macedo, Vidigal, Corvo, Santos e Silva, Assis Pereira de Mello, Mendonça Cortez, Alves Matheus, Nogueira Soares, Cardoso, J. A. Maia, Galvão, Correia de Barros, Infante Passanha, Dias Ferreira, Firmo Monteiro, Lemos e Napoles, Teixeira de Queiroz, J. M. dos Santos, José de Moraes, Oliveira Baptista, Silveira e Sousa, Mendes Leal, Luiz de Campos, Camara Leme, Affonseca, M. A. de Seixas, Penha Fortuna, Paes Villas Boas, R. V. Rodrigues, Oliveira Lobo, Visconde do Carregoso, Visconde de Guedes.
Entraram durante a sessão - os srs. Agostinho de Ornellas, Ferreira de Mello, Sá Nogueira, Sá Brandão, Guerreiro Junior, Fontes, Antonio Pequito, Falcão da Fonseca, Saraiva de Carvalho, Eça e Costa, Belchior Garcez, B. F. Abranches, Conde de Thomar (Antonio), F. F. de Mello, Costa e Silva, Aragão Mascarenhas, Matos Correia, J. Pinto de Magalhães, J. Thomás Lobo d'Avila, Mello e Faro, J. M. Lobo d'Avila, Rodrigues de Carvalho, José de Mello Gouveia, L. Augusto Pimentel, Daun e Lorena, Affonso Espergueira, Valladas, Mathias de Carvalho, Calheiros, Visconde dos Olivaes, Visconde de Bruges.
Não compareceram - os srs. Braamcamp, A. J. de Seixas, Costa e Almeida, F. J. Vieira, F. L. Gomes, Fernandes Gil, Baima de Bastos, Ferrão, Bandeira de Mello, Sette, Holbeche, Luciano de Castro, Latino Coelho, Nogueira, Levy, Fernandes Coelho.
Abertura - Á uma hora da tarde.
Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio da fazenda, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Mathias de Carvalho, diversos esclarecimentos.
Á secretaria.
2.° Do ministerio do reino, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Jeronymo Pereira da Silva Baima de Bastos, os mappas demonstrativos do estado do cofre da junta geral de Santarem, em referencia aos expostos, desde l de junho de 1868 até 31 de maio ultimo.
Á secretaria.
3.° Do ministerio da marinha, declarando que o mappa da força expedicionaria a Moçambique se acha publicado no Diario do governo n.° 123, de 3 do corrente.
Á secretaria.
4.° Do ministerio das obras publicas, remettendo diversos esclarecimentos pedidos pelo sr. Manuel Paes Villas Boas.
Á secretaria.
5.° Do mesmo ministerio, remettendo esclarecimentos pedidos pelo sr. Cazimiro Antonio Ribeiro.
Á secretaria.
6.° Do mesmo ministerio, remettendo diversos esclarecimentos, pedidos pelo sr. Henrique Cabral de Noronha e Menezes, acerca da estrada de Guimarães a Entre-os-Rios.
Á secretaria.
7.° Do mesmo ministerio, remettendo diversos esclarecimentos pedidos pelo sr. Jeronymo Pereira da Silva Baima de Bastos.
Á secretaria.
8.° Do mesmo ministerio, remettendo a portaria de 30 de março de 1858, pela qual foi nomeado engenheiro civil Henrique Guilherme Thomás Branco, ficando assim satisfeito o requerimento do sr. Antonio Ribeiro da Costa e Almeida.
Á secretaria.

Participação

Participo a v. exa. e á camara que faltei á sessão de hontem por incommodo de saude. = O deputado pelo circulo n.° 61, Manuel Fernandes Coelho.
Inteirada.

Requerimentos

1.º Requeiro:
I Que pelo ministerio das obras publicas seja remettida a esta camara uma conta da despeza que a associação commercial da cidade do Porto tem feito com uma mesa para a sala da bolsa, e quanto importou a despeza depois de acabada, quando foi começada e quando estará concluida.
II Que se declare qual é a despeza feita com os estuques do grande salão a obras de talha de madeira. = José de Moraes Pinto de Almeida, deputado pelo circulo n.° 42.
2.º Requeiro que pelo ministerio das obras publicas seja remettido a esta camara, para ser enviado á commissão das obras publicas, o contrato celebrado em 13 de agosto de 1867, entre o governo e Frederich Darley Roso; um contrato addicional a este; e bem assim o contrato feito entre o governo e Duarte Medlicot e Thomás Rumball, em 21 de janeiro de 1868; cujos contratos têem por fim estabelecer telegraphos submarinos entre Inglaterra e Portugal. = Antonio Pinto de Magalhães Aguiar.
Foram remettidos ao governo.

Notas do interpellação

1.ª Roqueiro que seja previnido o sr. ministro das obras publicas, de que desejo interpellar s. exa. com a maior urgencia sobre se tenciona ou não mandar construir a estrada de Chaves á raia da Galliza, a entroncar na de Verin do reino vizinho, com cuja estrada tem immediata relação uma obra de encanamento parcial do rio Tamega, que obste aos grandes estragos que está fazendo o mesmo rio na riquíssima veiga de Chaves, pelas suas repetidas invasões e continuas corrosões n'uma das suas influxões ao sitio da Revolta, absorvendo e areando constantemente muitos hectares de terreno, com o que aquella veiga está soffrendo prejuizos enormes, e muitos mais ha de soffrer se immediatamente se lhe não fizer uma obra que reduza o rio ao seu antigo leito. = Antonio José Antunes Guerreiro Junior, deputado por Chaves.
2.ª Desejo interpellar o sr. ministro da justiça sobre o seguinte facto, que reputo da maior gravidade:
José Francisco Gomes Ricco foi condemnado por sentença que passou em julgado a degredo perpetuo para Africa, pelo crime de ter assassinado, no mez de maio de 1867, Antonio de Campos. Ultimamente procedeu-se a uma justificação no juizo de Aldeia Gallega, e apresentou-se uma certidão de obito, com que se pretende provar que aquelle Antonio de Campos não foi assassinado, mas falleceu de febre pa-

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ludosa no hospital da villa de Canha em setembro do mesmo anno.
Este negocio deve estar affecto ao governo, porque o dito José Francisco Gomes Ricco requereu que se suspendesse a execução da sentença.
Desejo saber que providencias o sr. ministro tomou, ou tenciona tomar, para a solução de um negocio de tanta gravidade, e que, se não for bem dirigido, póde dar em resultado ser punido um innocente com a pena de degredo perpetuo para a Africa, ou escapar á acção da lei um réu de crime de morte.
Sala das sessões, 8 de junho de 1869. = deputado, Queiroz.
Mandaram se fazer as devidas communicações.
Leu-se na mesa uma proposta para que a camara consinta que o sr. conselheiro Mendes Leal possa accumular, querendo, o logar de deputado com o de bibliothecario mór.
Foi concedida.
O sr. Presidente: - Como deu a hora, passâmos á ordem do dia.
Antes de dar a palavra ao sr. deputado que se segue, peço a attenção da camara.
Segundo a ordem da inscripção seguia-se a fallar contra o sr. Dias Ferreira, e depois sobre a ordem o sr. Carlos Bento.
O ultimo sr. deputado que fallou contra foi o sr. Corvo, seguindo-se a favor o sr. Carlos Bento. Mas podendo entrar em duvida se, pelo facto de o sr. ministro das obras publicas ter hontem tomado a palavra, a ordem da inscripção foi alterada, e não me querendo fazer cargo da responsabilidade ou reparo que alguem possa fazer sobre a pessoa a quem deve ser concedida a palavra, desejo que a camara se pronuncie a este respeito.
Os srs. deputados, que entendem que pelo facto de o sr. ministro ter faltado fica alterada a ordem da inscripção, tenham a bondade de se levantar.
Não foi approvado.
O sr. Presidente (continuando): - Peço á camara que repare bem. Como a ordem da inscripção não foi alterada, segue-se a fallar o sr. Carlos Bento.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 9

O sr. Carlos Bento: - Pedi a palavra unicamente, porque tenho interesse em fallar n'esta occasião, visto que mais de uma vez se tem alludido á minha humilde pessoa, e a actos da minha responsabilidade.
Em diversas occasiões alguns illustres deputados que se encontraram na mesma posição têem pedido á camara que lhes consinta dar explicações ás allusões que lhes têem feito, e eu achando-me no mesmo caso tenho necessariamente de responder ao que se me disse.
O sr. Presidente: - Peço perdão a v. exa. de o interromper.
Convido os srs. deputados a tomarem os seus logares, porque os srs. tachygraphos dizem que lhes é impossível, estando s. exa. agrupados em roda do orador, poderem ouvi-lo.
O Orador: - Inscrevi-me a favor da generalidade d'este projecto, mas essa inscripção não obsta a que eu mande uma proposta para a mesa, a qual tem por fim reduzir a importancia do capital effectivo do emprestimo.
A proposta na minha opinião é uma proposta séria, e nem eu, nem os meus collegas, eramos capazes de a fazer de outra natureza.
Entendi que devia pedir a palavra sobre a ordem, e estimo muito, apesar de não ter havido combinação entre mim e o sr. Lobo d'Avila; estimo muito, repito, que tivessemos o mesmo pensamento relativamente a diminuição do capital
pedido.
Votando a generalidade do projecto, em primeiro logar não me comprometto á approvação ou reprovação de qualquer condição que faça parte da especialidade do mesmo, tanto mais que elle como está redigido não é contrato, mas simplesmente auctorisação para contratar.
Declaro a v. exa. e a camara que posso e entendo que devo approvar a generalidade do projecto cm discussão, com a observação de que na minha opinião era conveniente, nas actuaes circumstancias, limitar a importancia d'elle.
Desde que a importancia do emprestimo não fosse indispensável, na sua totalidade, para occorrer ás nossas difficuldades, continha em si propria essa limitação como principio de credito; porque demonstrava que aceitavamos menos
do que nos era proposto, o que não quer dizer que o governo ficasse desarmado dos meios indispensáveis para occorrer ás difficuldades diarias, meios que effectivamente no parecer da illustre commissão são dados, mesmo sem limitação, ao governo para poder realisar o pagamento de algumas sommas a que é obrigado, como é o pagamento do encargo sobre o caminho de ferro de sueste. A auctorisação concedida ao governo para pagar as sommas devidas aos concessionários do caminho de ferro de sueste não se oppõe ao pensamento do sr. Lobo d'Avila; mas ou se opponha ou não, o caso ó que a apresentação da limitação do emprestimo entendo que está de accordo com a responsabilidade da approvação d'esta medida.
Os factos não se julgam absolutamente, julgam-se por comparação. É preciso que attendamos a que geralmente estes projectos de levantamento de emprestimos, cuja necessidade não ha ninguem que não reconheça, nas circunstancias em que nos achâmos, não me parece que se possam julgar absolutamente pelas condições em que são feitos, ainda que não sou d'aquelles que podem sustentar em these que todas as condições são aceitaveis em dados casos.
É preciso que nós comparemos o fim, que se teve em vista no levantamento d'este emprestimo, com as embaraços actuaes em que se encontra o governo, o que não cessariam com a sua saída d'aquellas cadeiras (as do ministerio) (apoiados), e que passariam para os seus successores. É preciso examinar as condições em que nos encontramos, taes como se apresentam.
Não se trata de realisar um emprestimo com condições onerosas, como recurso para satisfazer ás despezas do estado, mas da substituição de uma divida por outra divida.
Nas circumstancias actuaes do que se trata, é de examinar as condições em que está a nossa divida, em relação ás da divida que se vae contrahir com o emprestimo.
Não desconheço a dureza do contrato, nem essa confissão póde ser tomada como aggravada das suas condições; antes, pelo contrario, póde ser a abonação da imparcialidade com que sustento o projecto. Assim como não é a modestia do individuo que prova contra o seu merecimento (riso).
Declaro que não gosto d'este contrato, e estou persuadido de que a maior parte dos srs. ministros não gostam dos contratos que são obrigados a fazer pela força das circumstancias.
Parece-me que a responsabilidade dos srs. ministros que fazem quaesquer contratos deve se ir procurar, não á sua auctorisado, na totalidade da qual se não encontra essa pecha; mas á dificuldade das circumstancias em que nos achâmos
Não se trata de uma impressão de enthusiasmo, pela adopção de um projecto qualquer, mas da escolha de uma alternativa terrivel.
Muitas das condições d'este emprestimo são inconvenientes, mas existem actualmente algumas d'ellas cm grau muito mais serio do que aquellas que existem n'este projecto.
Achou-se inconveniente o principio obrigatorio da amortisação. Pois o que é a divida fluctuante externa a curto praso senão um emprestimo, com a amortisação eventual forçada, o mais humilhante, o mais aggravante, perigoso e fatal para um paiz?
Um emprestimo n'estas circumstancias fórma o tormento

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mais completo para o homem que tem a seu cargo a pasta da fazenda.
Por consequencia não tratemos de discutir se o principio da amortisação é bom ou mau, se foi renovado ha pouco em França, apesar de existir um déficit, se é adoptado pela Belgica, etc.; a questão é outra.
Nós tratâmos da emissão de um emprestimo que tem de ser feito em mercados estrangeiros. É preciso saber-se a circumstancia do mercado, se aceita mais esta fórma de emprestimo do que outra.
É preciso que attendamos á pratica, e porventura a pratica dos emprestimos amortisaveis, não é uma lei muito geral nos mercados estrangeiros?! É.
Quem não sabe que até o premio, na occasião da amortisação, é um engodo para os que fazem os emprestimos? Quem não sabe que as cidades mais importantes fazem emprestimos com premio? E comtudo essas cidades não se julgam desacreditadas.
Em ultima analyse, o que póde ser isto? Uma questão de preço, mas não uma questão de systema.
Alguns srs. deputados têem feito varias accusações e creio que estou complice n'ellas por ter augmentado a divida publica, vendendo inscripções.
Pois, sr. presidente, têem havido outros systemas peiores do que vender inscripções, é o te-las empenhado. Já se vê que esta questão é de preço, e nada mais.
Este principio de amortisação tem em si um meio de occorrer ao encargo que traz comsigo.
Eu já lembrei em uma das sessões passadas, que o meu amigo, o sr. Fontes Pereira de Mello, tinha podido conseguir uma reducção importante nas despezas publicas, capitalizando a amortisação de alguns emprestimos que se effectuaram, e n'este ponto não estou de accordo com o sr. ministro da fazenda, com a opinião que emittiu a este respeito.
Esta operação não é uma economia na accepção da palavra, mas é uma importante reducção, e tomára o sr. ministro da fazenda achar muitos emprestimos com amortizarão e poder capitaliza-los nas circumstancias actuaes.
O principio da amortização não está longo do corresponder á facilidade com que nos mercados estrangeiros se póde aceitar.
Uma operação d'esta natureza pôde-se facilmente reduzir no futuro sem compromettimento das condições do contrato, porque a respeito do principio de amortisação não se póde dizer que é o juro dos capitaes levantados para pagar outros juros.
É differente o capital da amortisação pago, do capital levantado com juro, uma vez que não se possa deixar de recorrer a essa reducção, que tem sempre o juro pago por meio de emprestimo.
Por consequencia digo que isto é um inconveniente quase póde remover de futuro, e talvez que mais tarde seja mais efficaz essa reducção, porque todos sabem por uma tabella qualquer de annuidades, em operações d'esta ordem que á ,medida que o tempo decorre, é que vae sendo maior a somma d'esta amortisação, e é então que se póde fazer uma grande economia, e não se diga que se sacrificam as gerações futuras á presente.
Eu sou d'aquelles que acreditam no futuro e que julgam que a esperança é uma necessidade indispensavel para arrostar com os dissabores de uma existencia que não é menos destituída d'elles quando se tem a honra de ser ministro da fazenda.
S. exa. disse que todos que tinham sido ministros da fazenda eram opposição.
Parece me que s. exa. foi tambem um pouco opposição a todos os ministros da fazenda, mas para lhe demonstrar que nem todos os que foram ministros da fazenda são da opposição basta o facto de eu ter pedido a palavra a favor da generalidade d'este projecto.
A posição do sr. conde de Samodães, como ministro da fazenda, é na verdade bastante desagradavel, mais ainda pelas difficuldades accidentaes da nossa situação, do que pelas condições permanentes do estado financeiro.
Já disse, e na verdade julgo-me obrigado a dizer, tudo que sei o que é exacto, porque o que é inexacto era eu incapaz de trazer á discussão a favor da situação do paiz.
Nós somos de um paiz dotado de uma tão fatal vivacidade de imaginação, que suppomos a nossa situação ainda peior do que ella na realidade é.
Com respeito ao que outro dia disse um cavalheiro que se senta n'esta casa, citando um jornal que apoiava o governo, em que se escrevia que as nossas finanças eram um pouco vantajosas, direi que os jornaes quasi todos icem um pessoal de redacção pouco numeroso, e vêem-se obrigados a tratar de todas as questões, sem ter meio e tempo de colher as necessarias informações.
Declaro a v. exa. e á camara que uma das difficuldades que encontrei para a renovação de letras de algumas centenas de milhares de libras foi um artigo de um jornal, que não era adverso á administração de que eu fazia parte, e que se considerava ser o mais serio em finanças e que me foi remettido por alguns possuidores de letras com um traço á margem do artigo, dizendo-me que á vista do que vinha publicado n'aquella folha não renovavam nem mais um real.
Este inconveniente só podia resultar de uma imaginação como a nossa.
Ainda mais, ha quem diga que temos perdidas as esperanças; e a esperança perdida é o mais completo suicidio moral para o individuo.
Eu acho que um dos maiores inconvenientes, que tem uma nação pequena, é serem grandes todos os individuos que tratam dos seus negocios, porque encontrando um horisonte demasiadamente limitado para a actividade das suas faculdades intellectuaes, não tendo mais que fazer, desanimam (riso.)
E não é indifferente que se saiba que são precisamente as pequenas nações que não têem deficit no momento actual. A Dinamarca não tem deficit; a Baviera não tem deficit; a Hollanda não tem deficit; a Suecia não tem deficit; a Belgica não tem tido deficit; Baden não tem deficit. Já se vê que não é impossível acabar o deficit n'uma nação que não seja de primeira ordem. E direi mais, quanto maior é uma nação, maior é o seu deficit. Tanto assim que a Prussia que era a mais bem regularisada de todas as nações em finanças emquanto não augmentou consideravelmente, nos ultimos tempos apparece com deficit e lá luta com as difficuldades inherentes ao augmento de impostos, porque, a dizer a verdade, o augmento de impostos não é agradavel nem mesmo sob o prestigio da gloria de brilhantes e importantes batalhas.
São as nações muito grandes aquellas que têem grande deficit. E, attenta a importancia do deficit que temos, podiamos ser considerados uma nação em posição muito elevada (riso); mas nós somos uma excepção das nações que não são de primeira ordem, porque a maior parte d'ellas ou a sua quasi totalidade, não tem deficit.
Não desanimem pois todos os homens dotados de uma grande actividade de recursos, porque é possivel acabar o deficit no nosso paiz. E nem invejam a gloria dos grandes homens de outras nações, porque eu digo, com a imparcialidade de historiador, que me parece muito mais facil ser Gladstone em Portugal do que em Inglaterra.
Creio que em Portugal não haveria quem não se atrevesse a fazer uma brilhante exposição de finanças, tendo a annunciar um excesso de receita de 3.000:000$00 a 4.000:000 libras; não imagino que nenhum orador, por mais modesto que fosse, deixasse de ser coberto de applausos pela camara, annunciando-lhe este acontecimento (apoiados - riso).
Mas nós não queremos crer que temos melhorado o deficit. O orçamento que se apresente nos ultimos tempos não tem um deficit tão consideral como em epochas antece-

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dentes se apresentava no mesmo orçamento. E não é isso devido a uma administração só. Eu pediria aos cavalheiros que, impellidos pelo calor do debate, vão alem, não só da verdadeira significação das suas idéas, mas mesmo das suas conveniencias politicas, julgando que são obrigados a levantar uma bandeira, que attendessem a que essa bandeira por mais de uma vez foi levantada com distincção. Fallo da bandeira das economias.
Nenhuma situação tem renunciado ao pensamento das economias, e se algumas vezes se tem procedido em sentido contrario, não tem sido por exclusiva culpa dos ministros.
Todos nós temos pedido caminhos de ferro, não só para a nossa provincia, mas para o nosso districto, para o nosso municipio e até para a nossa parochia (riso). Nos últimos tempos têem-se tornado mais moderadas essas exigencias, mas não aconteceu o mesmo em epochas anteriores, e eram exigencias, não só a respeito de melhoramentos incontestaveis; mas a respeito de outros muito contestaveis.
Até certo tempo qualquer deputado julgava que o melhor serviço que podia fazer ao seu circulo era pedir um caminho de ferro. Se não podia obter um caminho de ferro, pedia uma estrada. Se não podia obter uma estrada, pedia uma estação telegraphica. Se não podia obter uma estação telegraphica, pedia tres carteiros (riso). E nem sempre estas exigências das localidades estavam em harmonia com os interesses geraes.
Mas digo eu o seguinte; proclamou se o principio e foi tambem proclamado por aquelle lado da camara (o esquerdo), princípio que já anteriormente tinha sido consignado n'uma lei: que a dotação dos encargos necessarios para as despezas creadas de novo fosse sufficientemente estabelecida no orçamento.
Diz-se; mas essa lei sempre se desprezou. Não é tanto assim. Ultimamente ha uma tendencia salutar para que essa lei seja observada. No orçamento apresentado de 1869 para 1870 houve a mais a despeza de 600:000$000 réis, originada por um emprestimo que tinha effectuado o meu illustre amigo o sr. Fontes, mas é verdade, e os illustres deputados podem certificar-se, vendo aquelle orçamento, que nos encargos geraes do ministerio da fazenda apparece tambem a diminuição da despeza em uma somma tambem de um 600:000$000 réis, proveniente das reducções motivadas pela capitalização das amortisações de alguns emprestimos, e pela dos encargos das classes inactivas.
Já se vê que nós não marchamos sempre ao fatal caminho de augmentar a despeza sem augmentar a receita. Alem d'isso toda a gente sabe que, se alguns dos impostos apresentados pela administração de que fazia parte o sr. Fontes encontraram grande resistencia na camara, houve outros que não encontraram essa resistencia, e votou-se perto de 1.000:000$000 réis que do novo foram apresentados no parlamento e que subsistem actualmente.
Eu julgo de toda a necessidade dizer isto alto e bom som para que lá fóra se saiba que a camara ha de votar impostos, porque já se fizeram economias, já se creou receita. Esta é a melhor recommendação que se podia fazer na occasião de se contrahir um emprestimo.
No orçamento rectificado apresentado pelo sr. ministro da fazenda ha realmente uma consideravel reducção de despeza. Eu comparei o orçamento do sr. ministro da fazenda com o apresentado por mim, e demonstro que no orçamento rectificado ha uma despeza consideravel a menos da que havia no orçamento apresentado por mim.
Escolho a minha humilde pessoa porque, se eu me referisse á epocha de todos, os ministros interessados pediam a palavra para se justificarem, e eu não a peço talvez porque estou a fallar (riso).
Mas o caso é que ha uma differença, facil de explicar, de 450:000$000 réis, creio eu, de economias effectuadas nos differentes ministerios, e alem d'isso a differença proveniente das deducções nos vencimentos, importante em mais de 400:000$000 réis, que todavia deve ter caracter temporario.
Por conseguinte temos aqui uma reducção de despeza na importancia de cerca de 900:000$000 réis, alem do augmento do imposto anterior de 1.000:000$000 réis e das deducções que no encargo geral figuram em 600:000$000 réis a menos.
Não deve haver modestia em fallar de economias. O sr. ministro da fazenda disse que não queria fallar em certas deducções que tinha feito, porque não queria que tomassem isto como depoimento a favor da sua vaidade.
A urgencia das nossas circumstancias é que tem imposto a todos os ministros esta obrigação.
O sr. Ministro da Fazenda: - V. exa. tem feito tambem reducções.
O Orador: - Não se diga, fazem-se reducções na fiscalisação, lá vae a fiscalisação. Não, senhor, é o contrario.
Eu já disse n'esta camara que a Inglaterra em quarenta annos, desde 1821 a 1861, tinha reduzido o numero dos empregados das suas alfandegas de sete a cinco mil, o que deu de redução na despeza 170:000 libras.
Permitta-me v. exa., como effeito rhetorico, dirigir lhe esta pergunta. V. exa. sabe que a Inglaterra, desde 1821 até 1861, não passou pelo desgosto de ver desapparecer o seu commercio; antes, pelo contrario, o seu commercio augmentou muito, a ponto que, sendo em 1821 o movimento da navegação de 5.000:000 toneladas, creio eu, em 1861 era superior a 25.000:000 toneladas. Apesar d'isso, a Inglaterra tem reduzido consideravelmente a despeza com as suas cagas fiscaes. E o Brazil? Pois não se atreveu o Brazil a reduzir ultimamente 370:000$000 réis nas despezas de fiscalisação, sendo aquelle um paiz, cujo principal rendimento procede das alfandegas?
Portanto não se supponha que, havendo, como em algum caso efectivamente ha de haver, o perigo de desorganisar serviços fazendo certas reducções, não se supponha por que isso toda a reducção de despeza é um escandalo de irregularide administrativa, e envolve desorganisação de serviços.
Na occasião da transição do systema de monopolio do tabaco para o de liberdade, apesar do que o regimen actual não é o da liberdade, e ainda bem que o não é, porque ainda nos garante mais alguma cousa do que nos garantiria se o fosse completamente; n'esta occasião, digo, o ministro que então dirigia aquella repartição tomou todas as precauções, para que essa transição se effectuasse com o menor numero de inconvenientes possivel, e felizmente conseguiu-o.
Portanto é claro que n'esta occasião era preciso que existisse um certo numero de empregados, que depois era facil supprimir, na proporção das vacaturas muito frequentes em pessoal numeroso, e teria sido supprimido, se por acaso não existissem m exigências particulares, a respeito das quaes eu digo que é altamente salutar a pressão da opinião, que obriga a effectuar todas as reducções possiveis (apoiado).
Havia uma fiscalisação estabelecida nos centros da população, a qual tinha por fins exclusivamente verificar, em certos periodos do anno, muito afastados um do outro, as condições de uma certa existencia de generos, e esperar que a herva santa crescesse. Mas crescendo essa planta em epochas determinadas, os balanços podiam ser dados em epochas cortas, conseguindo-se portanto uma reducção de despeza. O sr. Dias Ferreira já indicava alguma cousa de similhante em alguma das suas propostas.
Portanto vê-se que temos creado algumas receitas. Mas isto não basta. Verdade é que ninguem ou quasi ninguem confia em que este emprestimo seja o ultimo, porque era todas estas occasiões se diz que o emprestimo de que se trata é o ultimo: mas não é menos certo que, se nós trabalharmos com mais alguma actividade no sentido do que já temos feito, veremos desapparecer o deficit. E direi mais.

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Se por acaso as propostas tributarias do sr. ministro da fazenda forem todas votadas na sua totalidade, e a cobrança corresponder á expectativa, nós sentiremos a surpreza de vêr acabar de repente o deficit.
Ora, eu entendo que, sem se ser inimigo das contribuições, póde-se ás vezes diversificar da opportunidade e da importancia de certas medidas, e direi ainda que ha mesmo, economica e financeiramente fallando, um certo inconveniente, quando de uma vez se lançam ao paiz umas certas contribuições, em deixar de ver se ellas podem influir nas contribuições já existentes.
É necessario prestar a isto muita attenção, e que estas cousas se façam de maneira que se não compromettam os rendimentos dos outros impostos.
E, sr. presidente, o que temos visto é que bastava, pelo testemunho dos factos, que nós tivessemos a garantia de que a nossa despeza não augmentava, para d'esse modo termos alcançado o mais lisonjeiro futuro financeiro, trabalhando ao mesmo tempo para que a receita não decrescesse, e para que não deixasse de ter o fomento necessario para o desenvolvimento e riqueza do paiz.
Mas eu direi, em resposta a uma observação que se nos tem feito, quando se diz que o augmento dos encargos é devido ao grande desenvolvimento que nós demos ás nossas obras publicas, que assim mesmo ha uma parte importante que não representa o juro dos encargos dessas obras publicas, o que demonstra que tem sido preciso subsidiar por meio de creditos despezas que não podem nunca entrar na categoria d'aquellas, em nome das quaes se nos apresenta constantemente o recurso ao credito, porque a despeza da junta do credito publico em 1853 e 1854, comprehendendo os quatrocentos e tantos contos de divida fluctuante, era proximamente de 3.000:000$000 réis, e, em relação ás despezas que temos feito com as obras publicas, os encargos da nossa divida publica fundada e fluctuante deviam ser approximadamente 6.000:000$000 réis, e são 8.000:000$000 réis; logo ha 2.000:000$000 réis que não representam o emprego de um capital, e que nós chamâmos despeza de obras publicas, no que não incluo o que se gasta com o clero, com a guerra, com a administração da justiça e com a instrucção publica.
Vista portanto a questão d'este modo, nós temos uma despeza a mais de 2.000:000$000 réis, que não corresponde aos encargos que nos trouxeram as obras publicas. E depois temos gasto muito dinheiro, e nem sempre com a applicação a mais judiciosa. Isto não se póde applicar a um ministerio só, mas a muitos, porque todos que lá têem estado têem feito obras publicas, e um só não podia tomar conta das responsabilidades de todos, responsabilidades que lhe não pertencem. Eu, sem partilhar d'esta idéa. de levantar altares baratos á rotina, entendo que é facil demonstrar que ha muitos cavalheiros, que com toda a dignidade, respondendo a accusações que lhe têem feito, querem tomar para si, na opinião de uns, a responsabilidade, na opinião propria, a gloria de terem feito essas obras. Posso mostrar que ha orçamentos passados de obras publicas, em que, com quanto os governos mostrassem todo o interesse pelo desenvolvimento das obras publicas, comtudo apresentam uma verba pequena para essas obras. Por exemplo o orçamento de 1866-1867 comprehende para despeza extraordinaria de obras publicas 2.600:000$000 réis, e note v. exa. que se comprehendeu na despeza ordinaria do ministerio das obras publicas o subsidio com a despeza technica para a construcção de estradas, na importancia da 200:0003000 réis approximadamente.
De maneira que se votaram n'essa occasião, sem ser para se fazerem caminhos de ferro, docas ou outras quaesquer obras que demandam maiores despezas, 2.800:000$000 réis!!...
No orçamento subsequente reduziu se essa despeza a réis 1.300:000$000, dos quaes devem ser deduzidos proximamente 200:000$000 réis, pela diminuição do corpo technico, e ahi temos um orçamento de 1.100:000$000 réis depois de um orçamento de 2.800:000$000 réis. Esta despeza é inferior á que se pede actualmente. Logo não se póde dizer que a grande diminuição em verbas destinadas a obras publicas teve logar na occasião presente.
Mas porventura essa differença no orçamento deve se aos cavalheiros que se sentam n'aquellas cadeiras, ou essa diminuição demonstra que os individuos que então a fizeram são bárbaros e não respeitam a conveniencia da feitura de obras publicas? Certamente que não.
Confesso que não sou d'aquelles que não reconhecem senão a existencia de factos do mundo material; mas tambem não sigo a opinião de alguns exagerados philosophos allemães que principiaram por negar a existencia d'esses factos.
Ha obras que se podem sustentar pelo lado do bello, mas que pelo lado util senão podem recommendar.
Nós por exemplo estamos n'um casa que não tem condições de acustica, mas se no mesmo edifício se gastaram mais de 300:000$000 réis em a melhorar certamente que o resultado não compensou a despeza.
Nós tambem nos illudimos com a feitura de uma casa para alfandega do Porto, obra certamente de grande utilidade; mas devemos confessar que as suas vantagens não representam os encargos da despeza que se fez e com que se não contava quando se emprehendeu.
Isto é incontestavel.
Com relação a estradas, por exemplo, fez-se uma de Lisboa ao Porto, e não é o sr. Fontes Pereira de Mello que tem toda a responsabilidade, eu tambem tenho alguma; mas essa estrada em concorrencia com o caminho de ferro póde dar o juro do capital que se despendeu com ambas as obras? Não.
O mesmo acontece a respeito de uma estrada do Alemtejo que ultimamente foi substituida pelo caminho de ferro.
Ha muita gente que julga ser necessario orar muito tempo para demonstrar as vantagens dos caminhos de ferro.
Aqui a difficuldade não é votar caminhos de ferro, a difficuldade é votar o subsidio para os encargos que elles nos trazem.
Por consequencia note v. exa. e a camara que, assim como ha alguma cousa de falso em se dizer ao paiz que não pague absolutamente, tambem é infundado dizer-lhe que terá de repente todas as vantagens que os outros paizes só conseguiram fazendo entrar o tempo como collaborador dos resultados obtidos.
O imperio francez, que tem visto desenvolver as suas obras com uma rapidez pasmosa, não nos apresenta estes espectaculos.
Ainda ha bem poucos dias, lendo uma estatistica ácerca dos caminhos vicinaes da França, eu vi que, devendo a França ter 350:000 kilometros de caminhos vicinaes de certa ordem, apenas d'elles tem construido cêrca de 150:000, tendo-se aliás começado a occupar d'este objecto desde o anno de 1836.
Ora, se a França, atravessando uma epocha de tanta prosperidade, ainda apresenta factos d'esta ordem, parece-me que ninguem com rasão poderá estranhar que nós, com os poucos recursos de que dispomos, não tenhamos podido avançar mais n'esta grande estrada de civilisação.
A Belgica deve muito aos seus caminhos de ferro, mas o seu estado de credito permittiu-lhe faze-los com um capital obtido por um preço mui rasoavel, e hoje apresenta o facto de ter amortisado completamente esse mesmo capital.
Eu não lisongeio ninguem, sou imparcial. Se me parece que é um argumento muito forte, e que ha muita rasão da parte d'aquelles cavalheiros que dizem, d'aquelle lado da camara, que, apesar do systema seguido pelo governo actual, nem por isso elle deixa de se encontrar em graves difficuldades; se este argumento é certo, como é, por outro lado não é menos verdade que as grandes sommas applicadas para melhoramentos indispensaveis, sem duvida, mas nem

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sempre bem dirigidos, n'uma escala mais elevada do que os nossos recursos comportavam, concorreram poderosamente para chegarmos ao estado em que nos encontramos. Portanto ambas estas opiniões são um pouco exageradas, e o meio termo parece-me que era o que mais nos convinha (apoiados).
Agora, no que estou de accordo com os illustres deputados, é em que nós temos incontestavelmente progredido no melhoramento das condições economicas do nosso paiz, e essas condições talvez tivessem mesmo dado um passo mais rapido do que os nossos recursos o permittiam, em relação ás nossas finanças... Não me occorre o que ía a dizer...
(Interrupção do sr. ministro da fazenda, que se não percebeu.)
O Orador: - Não era isso... é o mesmo. Mas a nossa situação, segundo o meu modo de pensar, não aconselha o seguir nem um nem outro systema exclusivamente; e se se debatessem as idéas de uma maneira exclusiva em qualquer d'essas escolas, fosse qual fosse a que prevalecesse, estou persuadido, de que os interesses do paiz soffreriam muito com isso. É necessario progredir, mas progredir de maneira que os capitães empregados n'esse progresso não venham a produzir um resultado igual áquelle que Camões nos conta
Do qual, quasi afogada, em pago morre.
Quando não houver descripção e prudencia na execução d'essas obras, ha inevitavelmente abuso de um principio, aliás muito aceitavel.
Diz-se que a prosperidade, que nós, relativamente, temos alcançado, é devida ao emprego que temos feito da nossa actividade para o desenvolvimento material do paiz. De certo dentro de certos limites.
O que porém eu devo dizer é que os individuos que dizem isto como opinião exclusiva são muito modestos, porque eu entendo que elles concorreram para o desenvolvimento e prosperidade do paiz, tornando, como governo, a iniciativa de medidas que deram em resultado o não termos ha dezoito ou vinte annos perturbações serias da ordem publica (apoiados). Esta é a expressão mais cabal e mais completa do progresso de uma nação, e se nós temos progredido incontestavelmente, é porque temos tido, a par da ordem, a liberdade, visto que, sem que uma cousa sirva de garantia á outra, nenhuma d'ellas deixa de ser precaria.
Nós tinhamos progredido pouco se nos contentassemos só com os effeitos beneficos d'esta existencia que temos atravessado, e pela qual não podemos deixar de confessar, que têem muita gloria em homens que trabalharam para isto, occupando aliás uma posição que lhes dava responsabilidade, se não conseguirem estes resultados. E eu digo isto a respeito de todos, porque hoje em dia é muito difficil fazer a distincção entre uma escola e outra. Se essa distincção é facil no momento actual, logo que avançamos um pouco é difficil. O que era elogio hontem, é vituperio hoje, e eu pela minha parte não tenho rancor ou odio politico a ninguem, e até me parece que esse sentimento me devia pesar bastante e ser-me altamente desagradavel.
Eu entendo que as nossas recordações politicas, ainda que tratemos de pôr em comparação os nossos sentimentos, servem-nos de pouco, porque para fazer essas recordações para com a política é muito tarde, e para com a historia é muito cêdo. Falta o interesse pelo lado da política e a imparcialidade pelo lado da historia. Mas a verdade é que esses individuos, que atravessaram tão grandes crises, e que pela sua energia conseguiram que a tranquillidade publica nunca fosse alterada durante tantos annos, mantendo a par d'isso toda a liberdade compatível com o estado da nossa civilisação, devem ser respeitados sempre (apoiados).
Eu ouço dizer a todo o momento, pensemos no futuro. Pois eu entendo que devemos tratar mais do presente. O futuro, acho-o completamente garantido desde que me garantam o presente. As difficuldades são todas de momento, e são principalmente difficuldades no modo, na fórma, porque se manifestam. Se o sr. ministro da fazenda tivesse no orçamento o deficit collocado em divida consolidada, e não tivesse o desequilíbrio entre a receita e a despeza na fórma de divida fluctuante, com certeza s. exa. não se achava n'estes embaraços. As difficuldades não são organicas, são principalmente de methodo.
Isto o que demonstra é que, vencida esta difficuldade e não se tornando a facilitar a existencia d'ella, nós saímos effectivamente d'este mau caminho.
Para isso é preciso empenharmo-nos na adopção d'aquelle principio de que se não deve crear uma despeza sem ao mesmo tempo se crear receita para ella (apoiado), de que se não deve acompanhar o papel fiduciario de promessas, sem haver a respectiva existencia metallica, que deve na occasião da exigencia ser necessaria á troca, para que o agio não seja augmentado, e o agio das esperanças descontadas tem subido muito no mercado politico.
Para isso não acontecer, o sr. ministro da fazenda não propõe só um projecto de emprestimo, propõe tambem projectos de impostos.
Mas o que tambem é verdade, e que é justa a consideração de que é desagradavel na occasião actual, quando se fazem economias, algumas das quaes são duras, a fórma de algumas das quaes é violenta, que as nossas difficuldades financeiras nos levem a realisar d'estas operações; porque é duro nas circumstancias actuaes, mais do que em nenhuma outra circumstancia, quando o governo se vê obrigado a exigir sacrificios a uma classe respeitavel da sociedade, que nós nos vejamos na triste necessidade de deixar de tirar todo o partido d'essas economias por termos de recorrer a operações que hão de trazer grandes encargos, e a actual traz encargos pesadissimos.
Eu já disse que um dos primeiros motivos que me movem a votar a generalidade do projecto em discussão é a consideração de que a parte principal d'este emprestimo é destinada a substituir por encargos de differente natureza os encargos que actualmente pesam sobre o estado.
Os encargos que se vão contrahir não são de certo inferiores aos que existem, mas collocam-nos n'uma posição muitíssimo menos desagradavel.
Pois alguem ignora qual é a posição do um ministro da fazenda, que quinze dias antes de estar obrigado a fazer um pagamento consideravel não sabe se o portador das letras, pela importancia d'este pagamento, está disposto a renova-las ou não?!
E isto aconteça frequentíssimas vezes. Muitas vezes succede que ha individuos com creditos sobre o governo, o qual não sabe quinze dias antes da epocha do pagamento se as letras poderão ser renovadas ou não.
Veja se em que circumstancias se acha um ministro da fazenda com relação a estes pagamentos. Tem havido occasiões em que para se fazer o pagamento de um mez, que importa em 1.000:000$000 réis, o governo não tem senão 100:000$000 réis.
Isto não está mesmo em harmonia com a existencia do nosso deficit, ou com o desequilibrio entre a receita e a despeza, que é mais devido a circumstancias extraordinarias e ao systema que temos adoptado do que á circumstancia que muitos acreditam, e é a de tomarmos encargos com que não podemos.
Prestei toda a attenção ao sr. ministro da fazenda, e animei-me a propor a reducção do capital de que se trata, porque me pareceu ouvir a s. exa., segundo a nota que tomei, que este banqueiro ou outro qualquer não duvidaria reduzir a importancia do emprestimo de que nos occupâmos.
Não desejo tirar d'aqui consequencia alguma a respeito da significação positiva ou categorica que possam ter estas observações, mas na minha opinião entendo que a reducção de 1.000:000 libras não inhabilita o governo para satisfazer aos seus encargos, e ao mesmo tempo mostra que da nossa parte estamos dispostos a recorrer ao elemento de

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credito só quando julgâmos absolutamente indispensável recorrer a elle (apoiados).
E, sr. presidente, mais pelos termos que empregamos do que pelas nossas attenções parecemos ás vezes possuidos de sentimentos hostis a respeito de contratos.
Ha certas avaliações de circumstancias, por onde se encara a inconveniencia de um contrato, com as quaes eu não estou conforme.
Por exemplo, sustentou-se que o accordo se fizera com a idéa da conveniencia de fazermos uma operação financeira, para tirar o paiz de dificuldades; e viu se n'isto certo odioso.
Depois da declaração terminante do governo, no sentido de que tivera em vista o desapparecimento de difficuldades que assoberbavam o paiz, realmente não se póde nem um instante duvidar de que esta idéa presidiu ao accordo.
A ligação entre operações financeiras e accordo com o caminho de ferro já era estabelecida pelo contrato de 14 de outubro de 1865 que foi feito claramente com a condição de ser adiantada uma certa somma ao governo.
Eu pela minha parte, não vejo inconveniente em reconhecer o governo que, de usar de procedimento equitativo e não rigoroso para com uma companhia, póde resultar o melhoramento das condições de qualquer mercado para se realisarem operações financeiras; nem entendo que d'aqui advenha nenhum odioso para quem associa esta idéa á celebração de um accordo (apoiados).
Até por outra rasão. Como é que nós, fazendo um contrato com capitalistas estrangeiros, podemos tomar novos encargos, estando em circumstancias difficeis, senão na occasião em que os grandes mercados nos poderem habilitar para satisfazermos a essas necessidades dos encargos que de novo tomâmos, resultantes d'esse contrato? (Apoiados.)
Já se vê, por consequencia, que esta idéa de querermos fazer a uma companhia concessões consentâneas com os principios da equidade não está em desharmonia com a idéa de melhorar as condições de um mercado, onde devemos figurar com credito, para verificarmos qualquer grande operação que queiramos emprehender (apoiados).
E, por esta occasião, devo declarar a proposito do assumpto que nos occupa, que muitas vezes me tenho arrependido da facilidade de dar um voto, que é muito agradavel n'um certo momento apresentar em publico, mas no qual depois se podem achar difficuldades quando as consequencias vem bater á porta e enfraquecer a satisfação da chamada independencia de voto (apoiados).
Independencia supponho eu que sempre se vota com ella; mas quero dizer, independencia relativamente a certos preconceitos ou opiniões.
E tambem devo dizer que nunca em minha vida declarei que o governo portuguez podia ter a idéa de confisco do caminho de ferro de sueste, não obstante o governo ter direito para o fazer, só porque aquella empreza não tinha podido realisar todas os condições a que pelo seu contrato se havia sujeitado. Entendo que o emprego de uma tal medida contra um capital modesto, como era por exemplo o capital das obrigações, era um acto que se não podia louvar, julgo mesmo, que o acto mais inqualificavel que se podia praticar era o usar do arbítrio do confisco.
Reajo pois contra a idéa de que se confiscasse o caminho de ferro, e desejava antes ver o governo tomar o encargo de uma annuidade de garantia do que o do desembolso de um capital pela acquisição d'este caminho, mas isto é uma questão em que eu não quero agora entrar. O que quero dizer é, que não é exacto que o governo fosse fazer um acto de pura generosidade, resolvendo de uma certa fórma a questão do caminho de ferro de sueste. O que o governo em todo o caso devia fazer era abster-se de empregar todo o rigor contra o capital, que, apesar de quaesquer erros que houvesse na construcção do caminho, ninguem póde deixar de reconhecer que vem trazer vantagens ao paiz (apoiados). E com quanto a hypothese do confisco fosse duramente legal, parece-me que não houve ninguem que aconselhasse um acto de tanta dureza.
Por ultimo devo reflectir que, tomando parte n'esta discussão, não é porque não conheça que a uma questão d'estas é indispensavel ligar uma resolução approvando ou rejeitando; e é por isso que me não faço cargo de muitas observações que tencionava apresentar. Supponho mesmo que não preciso muito defender-me de quaesquer accusações que se me possam fazer, porque entendo que o homem publico deve-se fiar um pouco nos factos; quando temos a convicção que procedemos rectamente, devemos estar certos que sempre em breve tempo os factos têem a palavra a nosso favor.
Por consequencia entendo não dever proseguir mais n'este debate, fazendo simplesmente uma observação, qual é a de que offereço, para as urgencias da discussão, a quantidade e apontamentos que tinha tomado.
Peço licença á camara para lhe agradecer a benevolencia com que me escutou, e peço desculpa aos oradores, cujos direitos na inscripção eu involuntariamente tenha prejudicado, do mal que lhes fiz por este motivo, e pelo de os haver obrigado a terem de me ouvir.
Tenho concluído.
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que seja reduzida a importancia do emprestimo em discussão á somma de 3.000:000 efectivos de libras esterlinas. = O deputado, Carlos Bento da Silva.
Foi admittida e entrou em discussão com a materia.
O sr. Dias Ferreira: - ... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que está dada.
Está levantada a sessão.
Eram quatro horas e um quarto da tarde.

1:205 - IMPRENSA NACIONAL - 1869

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