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Discurso do sr. ministro das obras publicas, Lourenço de Carvalho, pronunciado na sessão do 20 de fevereiro, e que devia ler-se a pag. 420, col. 1.ª
O sr. Ministro das Obras Publicas (Lourenço de Carvalho): — Eu ouvi com verdadeiro deleite o discurso que acaba de proferir o sr. deputado Pinheiro Chagas, meu antigo amigo e condiscipulo; admirei mais uma vez o talento e a graça com que s. ex.ª trata dos assumptos, mesmo quando elles não têem os dotes naturaes para recrearem uma assembléa.
Com respeito á proposta que s. ex.ª apresentou, direi que todas as contradicções e incoherencias que s. ex.ª tem notado por parte do governo com respeito ás leis já votadas, decretando os caminhos de ferro da Beira Alta, da Beira Baixa e do Algarve, não vem senão, na minha opinião, demonstrar a inutilidade e ociosidade de qualquer prescripção com respeito a estes caminhos.
Se temos mudado de systema, de theoria com relação aos caminhos de ferroada Beira Alta, da Beira Baixa e do Algarve; se temos por umas vezes adoptado e defendido um systema, e depois, por effeito das circumstancias meramente eventuaes, temos propugnado pela adopção de outro systema; isto, na minha opinião, não vem demonstrar senão uma verdade incontestavel: é que cada caminho de ferro se construe n'um dado momento pelo modo que é mais conveniente e consentaneo com os interesses publicos.
Ora, se o illustre deputado me dissesse que o governo, reconhecendo a necessidade da construcção immediata e simultanea dos caminhos da Beira Baixa o da Beira Alta, devia adoptar e acceitar as mesmas faculdades para a Beira Baixa que se adoptassem para a Beira Alta, de accordo; mas s. ex.ª sabe que o governo n'este momento se occupa em satisfazer a uma necessidade verdadeiramente nacional, a exigencia da opinião publica, que se occupa da construcção do caminho de ferro da Beira Alta.
O governo ainda não abriu concurso para o caminho de ferro da Beira Baixa; ainda não se deram as circumstancias de opportunidade para que esse concurso seja aberto e para que essa linha seja começada.
Eu não sei se o caminho de ferro da Beira Baixa, posto uma vez a concurso, logrará que sejam apresentadas propostas em condições de serem acceitaveis pelo governo. Não digo pelo actual, mas por qualquer governo que mande proceder á arremetação d'essa linha.
Mas não quer isto dizer que se não tente esta hypothese.
Se, porventura, dada essa circumstancia, a proposta do concurso não for conveniente, em vista das condições prescriptas na lei, o governo de então resolverá como entender esse negocio, trazendo uma proposta á camara para esse fim.
Eu sou muito mais amante do caminho de ferro da Beira Baixa do que s. ex.:l julga. E s. ex.ª, que teve a bondade de me denominar o Barba Azul dos caminhos de ferro portuguezes, permitta-me que lho diga, invocando aquelle proverbio francez L'on revient toujours à ses premiares amours, que eu ainda espero sentir renascer um dia no meu coração os antigos amores por áquella linha.
Estou persuadido de que ainda me hei do ver enamorado do caminho de ferro da Beira Baixa. Estimarei muito que me esteja reservada a ventura de o mandar construir, não como segnificando o desejo de uma longa permanencia nos bancos dos ministros, mas para poder mostrar, até certo ponto, quanto aprecio a construcção d'esta linha.
S. ex.ª referiu-se ao facto de eu ter declarado em conversação particular com o illustre deputado que não tinha duvida em acceitar a sua proposta.
Eu julguei que por esta fórma dava a s. ex.ª uma demonstração sincera da sympathia que me merece o caminho de ferro da Beira Baixa. Mas não podia de modo algum comprometter-me a acceitar, nem eu o fiz publicamente, a sua proposta. De mais a mais o illustre deputado sabe perfeitamente bem que esta proposta tinha de ser sujeita ao exame das commissões e não desejaria, em ponto algum, achar-me em divergencia com a maioria das commissões ou com a maioria d'esta casa; desejo quanto possivel, e todo o governo, ir de accordo com as commissões e com a maioria da camara; não desejaria collocar-me em divergencia sobre uma questão que me parece mais de interesse platonico, do que de alcance real.
As commissões, como s. ex.ª disse com toda a verdade, s. ex.ª não era capaz de faltar a ella, reconhecem a justiça da proposta, entendem, porém, que é uma disposição especial relativa ao caminho de ferro da Beira Baixa, e como o pensamento d'este projecto é a construcção do caminho de ferro da Beira Alta, a inserção d'esta disposição era deslocada e inopportuna por ser inteiramente estranha a este mesmo pensamento.
Aqui tem s. ex.ª explicada com placidez e com toda a franqueza a rasão por que a sua proposta não foi attendida no projecto, comquanto seja considerada no relatorio da commissão.
Não quero deixar de me referir aos dois illustres deputados que incetaram este debate, os srs. Luiz de Campos e Luiz de Lencastre.
A este respeito tenho a dizer a s. ex.ªs que me parece
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que a realisação de qualquer d'estes ramaes é dependente de circumstancias inteiramente indifferentes ao projecto que se discute.
Considerando a proposta do sr. Luiz de Campos, pediria a s. ex.ª, não para lhe lembrar o que elle de certo lhe não esquece, e por isso melhor direi para notar que a lei de 1876 considera a construcção não só do ramal do Vizeu, mas ainda dos ramaes que dizem respeito ás outras linhas a que a mesma lei em geral se refere.
A construcção d'esses ramaes estava determinada em condições de opportunidade descriptas na mesma lei, e por consequencia não é muito de estranhar, com respeito ao actual projecto de lei, que o ramal de Vizeu não seja incluido n'elle, porquanto não fica de modo algum derogada a disposição da lei de 1876 em relação a este ramal.
A questão mantem-se exactamente no estado em que estava, e eu realmente, por muitos desejos que tivesse de ver construido esse ramal, não podia de modo algum considerar a sua construcção como obrigatoria para ser realisada simultaneamente com a linha principal; quando de mais a mais, como v. ex.ª sabe, os ramaes de que trata a lei de 1876 devem ser construidos, segundo as disposições d'aquella lei, de via estreita.
Quanto á proposta do sr. Luiz de Lencastre direi que sympathiso muito com a sua idéa.
Reconheço que o caminho de ferro de Coimbra á Figueira, e digo Coimbra sem definir bem o ponto de emergencia, porque é isso uma questão ainda para se estudar; reconheço, digo, que esse ramal deve ter toda a importancia, deve ser uma linha de movimento consideravel, quer pelo lado de passageiros, quer pelo lado de mercadorias.
V. ex.ª não ignora de certo que a Figueira é uma das praias mais frequentadas para uso dos banhos do mar; que tem aquelle ponto uma concorrencia e uma affluencia de banhistas e de pessoas que ali vão passar umas certas temporadas muitissimo numerosa, e que por consequencia o movimento de passageiros n'aquelle ramal deve ser de grande importancia.
Tambem ninguem desconhece que a Figueira é um porto de mar que tem já um movimento importante, e que o póde o deve vir a ser mais importante ainda, quer para a exportação, quer para a importação de todos os generos que são destinados ao abastecimento, não direi só de Coimbra, mas de uma parte consideravel d'aquella região.
Por consequencia, reconheço que este ramal tem elementos de prosperidade, os quaes estou convencido que mais tarde hão de dar facilidade á sua realisação; parece-me porém conveniente que a sua construcção não seja decretada sem estar perfeitamente estudado e definido o nosso systema geral de viação acelerada.
Quasi se póde assegurar que a linha que ligue a Figueira com a linha do norte deverá ser de via larga.
Com effeito, em tão pequeno trajecto convem muito evitar as baldeações; e, se olharmos bem para o traçado, veremos que elle, pelas suas condições, não é d'aquelles que exigem a adopção de via estreita, porque é um caminho de ferro que em grande parte póde ser construido com curvas do grande raio.
Parece-me, portanto, que o pensamento do illustre deputado não póde ser attendido nas actuaes circumstancias, mas não fica de modo algum prejudicado em relação a ser realisado quando se tratar da construcção dos mais importantes caminhos de ferro complementares das nossas linhas geraes.
Por esta occasião não se me offerece nada mais a dizer á camara a este respeito.
Discurso do sr. ministro das obras publicas, Lourenço de Carvalho, pronunciado na sessão de 20 de fevereiro e que devia ler-se a pag. 423, col. 2.ª
O sr. Ministro das Obras Publicas: — Ouvi com muito prazer o sr. visconde de Moreira de Rey, e tanto maior prazer quanto que me pareceu que s. ex.ª não se apresentou hoje com as mesmas apprehensões que manifestou ha dias n'esta casa; pois que, referindo-se então á nossa situação financeira, ella creára no seu espirito a duvida de nós estarmos habilitados para poder desde já proceder á construcção do caminho de ferro da Beira Alta.
Hoje, um pouco compenetrado dos argumentos que apresentei, na certeza de que não eram novos para s. ex.ª...
O sr. Visconde de Moreira de Rey — Peço a palavra.
O Orador: — Sei muitissimo bem que o sr. visconde de Moreira de Rey se interessa pelo caminho de ferro do Douro, e que era melhor conciliar as conveniencias do thesouro com as conveniencias geraes do paiz.
Sei muitissimo bem que s. ex.ª deseja que este caminho se conclua para que o capital gasto na parte que já está construida, possa encontrar uma remuneração que mais directa e rapidamente allivie o thesouro dos encargos que lhe fizeram contrahir.
Perfeitamente de accordo com esta opinião, que me parece um excellente principio de administração.
Mas direi a s. ex.ª que a parte que se não vê, que os lucros implicitos que o paiz d'ahi aufere são incomparavelmente superiores. (Apoiados.)
Bom é que o estado aufira da exploração directa dos caminhos de ferro a remuneração sufficiente para que os encargos financeiros que d'ahi derivam fiquem, se não annullados, pelo menos muito proximo d'isso. E melhor ainda quando houver sobras provenientes da exploração.
Perfeitamente de accordo. Mas se nós considerassemos isto como uma doutrina invariavel, como uma norma impreterivel, eu pergunto a s. ex.ª como é que nós podiamos ter feito as estradas, ou como é que nós podemos fazer estradas? (Apoiados.)
Não digo que não haja estradas onde se não paguem impostos de transito, mas digo que o capital do estado invertido n'estes melhoramentos, não encontra uma remuneração directa, resultante de uma tarifa kilometrica. E ninguem contestará a vantagem d'esse melhoramento.
Eu creio que os beneficios indirectos que vem para o paiz, da construcção dos caminhos de ferro e de outros melhoramentos, são os principaes fundamentos da sua execução, e as rasões que mais fortemente devem actuar nos poderes publicos para os decretar. (Apoiados.) Esta a minha convicção, e creio mesmo que é uma verdade economica que póde ser talvez erigida em systema financeiro.
Decretar e construir um caminho de ferro, equivale na applicação financeira á suppressão de muitos impostos que o paiz paga. Esta é a verdade.
Ora sr. presidente, eu sou o primeiro enthusiasta do caminho de ferro do Douro, não sou o seu auctor, mas tenho sido talvez por desgraça minha o seu modesto executor. E digo por desgraça minha, porque comquanto esteja convencido de que empreguei ali toda a minha boa vontade e capacidade, (Apoiados.) não tenho tirado d'ali nenhum motivo de gloria, e v. ex.ª sabe, pelo contrario, que os pequenos serviços que ali tenho feito, estão muito longe de ter sido considerados pelos poderes publicos e talvez por diversas pessoas que se têem encarregado de estudar ou de alludir a taes assumptos.
Tenho a convicção de que desempenhei as minhas funcções da melhor maneira por que me era dado fazel-o. (Apoiados.)
Eu não sou, como disse, auctor d'este caminho, tenho sido executor, e tenho a profunda convicção de que aquelle caminho significa um importantissimo melhoramento para este paiz, a regeneração economica, e como que o levantamento de um verdadeiro estado de sitio de uma provincia inteira, e portanto sou deveras enthusiasta por este caminho de ferro.
Mas sem contrariar o pensamento do sr. visconde de
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Moreira de Rey, acho inutil a inserção d'esta substituição ao artigo 1.°, em primeiro logar porque não póde ter uma execução immediata, e em segundo logar porque entendo como o governo, que os caminhos de ferro devem ser votados tanto quanto possivel pelos poderes publicos, com perfeito conhecimento de causa; e direi a s. ex.ª que venham os factos apoiar esta asserção ou não, eu não prescindo dos projectos e orçamentos, por menos confiança que elles possam merecer ao illustre deputado.
Entendo que um projecto é sempre um trabalho até certo ponto susceptivel de modificações, mas é um trabalho indispensavel.
Um orçamento não póde ser superior á força dos factos, nem de modo algum se póde subtrahir a execução de uma grande obra ás consequencias e ás circumstancias que se dão tanto no nosso paiz como em todos os paizes.
Agora peço licença para me referir ás suas apreciações sobre o orçamento.
Em primeiro logar as linhas do Douro e Minho não são linhas caras e podem ser contrapostas a qualquer linha estrangeira, com toda a vantagem e com toda a honra para o paiz; (Apoiados.) não digo só emquanto ao seu custo, como tambem (e n'isto não vae em nada empenhada a minha modestia) emquanto á sua execução. (Apoiados.)
Posso citar alguns factos de um paiz bem proximo de nós; á Hespanha.
A rede de Madrid a Saragoça e Alicante, na extensão de 1:425 kilometros, foi orçada em 35:000$000 réis e custou mais de 48:000$000 réis. A do norte de Hespanha, de 719 kilometros, foi orçada em 39:000$000 réis e custou 83:000$000 réis. A rede de Saragoça, Barcelona e Pamplona, foi orçada em 42:000$000 réis e custou mais de 58:000$000 réis.
Emfim, para não fazer muitas outras confrontações, termino por uma que é singularmente notavel.
A linha de Alar dei Rey a Santander, orçada em réis 49:000$000 custou 136:000$000 réis! Isto vem a proposito para provar que a fallibilidade do orçamento é inevitavel.
S. ex.ª de certo já tem mandado construir alguns muros de vedação nas suas propriedades, estou persuadido que ha de ter feito os respectivos orçamentos, que ha de ter consultado os mestres de obras e homens competentes, e depois de discutir real a real, verba por verba, artigo por artigo, esses orçamentos ha de ter muitas vezes reconhecido que excedem a sua previsão. E porque? Porque um orçamento só é digno de confiança quando é elaborado em condições de previsão iguaes ás condições da realisação.
Tenho dito isto muitas vezes e repito ainda; o orçamento kilometrico do caminho de ferro do Douro foi de 33 contos e uma fracção, e se se for analysar os preços que serviram de base para esse orçamento com os preços reaes n'aquella epocha, estou perfeitamente seguro do que d'esse exame, d'essa comparação minuciosa, e feita a correcção devida não póde senão resultar a convicção de uma conformidade entre uns e outros; mas quem fez o orçamento computando os jornaes, supponhamos a 300 ou 400 réis, póde ser responsavel pela exactidão do seu calculo se quando a obra se realisar os jornaes subiram de 300 a 500 réis, ou de 400 a 700 réis? (Apoiados.) Esta é a realidade.
Pôde o engenheiro encarregado de fazer o orçamento de qualquer obra estabelecer a seu falante e por seu livre alvedrio, preços que não são os d'essa epocha, sómente para até certo ponto prevenir a elevação dos salarios? Não póde ser.
Eu declaro que pela minha parte posso, elaborando um orçamento, designar uma certa somma para os imprevistos; mas levar tão longe as minhas previsões que altere n'uma proporção tão elevada os preços elementares do orçamento, não o faria nunca.
Tenho pena de ser obrigado a tratar de uma questão que é tão especial, e que ao mesmo tempo é tão enfadonha; mas realmente, quando s. ex.ª vem lançar uma condemnação geral sobre os orçamentos portuguezes, e vem por declaração sua dizer que os governos podem prescindir dos projectos e dos orçamentos, realmente na minha opinião é uma apreciação demasiado severa com respeito aos trabalhos dos funccionarios que procuram, quanto possivel, quanto cabe nas suas faculdades, desempenhar um dever como lhes cumpre. (Apoiados.)
Por outro lado parece-me ser a abdicação, a meu ver injustificada, de mais importante direito que tem o parlamento, que é o de conhecer as questões de facto com toda a clareza e com toda a especificação.
Mas permitta-me v. ex.ª que ainda compare, em questões de custo de caminhos de ferro, os do Minho e Douro com os dos principaes paizes da Europa.
O custo kilometrico dos caminhos de ferro hespanhoes foi de 58:000$000 réis. E note v. ex.ª que a media d'estes caminhos, computadas as suas difficuldades de construcção e circumstancias especiaes que podem influir sobre a carestia ou barateza de uma linha, é muito superior, comparado com as duas linhas do Minho e Douro, especialmente do Douro.
Mas não é só em Hespanha que os caminhos de ferro custaram este dinheiro; permitta-me v. ex.ª que eu faça mais algumas citações.
Na Inglaterra o custo kilometrico dos caminhos de ferro foi de 101:000$000 réis. E não se diga que é influencia de serem os caminhos todos de duplas vias, porque a Inglaterra, que tem 26:000 kilometros de caminhos de ferro, 14:000 são de duas vias e 12:000 de uma só via.
Na França o custo kilometrico dos caminhos de ferro foi sem subvenção 73:000$000 réis, e com subvenção 85:783$000 réis.
Na Belgica o custo kilometrico dos caminhos de ferro foi de 52:800$000 réis, na Allemanha foi de 44:100$000 réis, na Austria de 50:040$000 réis, na Italia de 58:500$000 réis.
Os caminhos de ferro francezes, chamados da nova rede, quasi todos de uma só via, custaram em media uma somma muito superior.
Para cada uma das companhias os preços são:
Norte 58:300$000 réis – Meio dia 61:400$000 réis — Orleans 74:500$000 réis —Paris, Leão, Mediterraneo — 79:700$000 réis — Leste 82:400$000 réis — Oeste réis 83:880$000.
Estes são os caminhos da segunda rede. Ora, pois, póde dizer-se porventura que caminhos que custam a 50:000$000 réis, acceite esta media para duas linhas, sejam caros, comparados com os caminhos de ferro de toda a Europa, muito principalmente nas condições e difficuldades que carecterisam aquelles caminhos de ferro, e particularmente o do Douro?
Peço desculpa de ter fatigado a camara com estas comparações, mas como este negocio deriva da apreciação do orçamento não podia deixar de tocar n'este ponto.
O sr. visconde de Moreira de Rey apresentou uma proposta que por todos os motivos me é sympathica. Acceito inteiramente o seu pensamento, mas como já ha pouco disse, não me parece esta a occasião propria e opportuna para a resolução do parlamento sobre este assumpto.
Apenas esteja habilitado o governo com os estudos para a continuação do caminho de ferro do Douro até Barca d'Alva, e que por parte da Hespanha este caminho seja continuado de Salamanca, hei de trazer á camara a proposta para que seja construido immediatamente a parte que nos resta a fazer.
Posso assegurar a v. ex.ª que eu, como ministro, não hei de de modo algum concorrer para que o caminho de ferro do Douro seja atrazado nem um mez na sua conclusão até Barca d'Alva.
Este caminho de ferro tem uma importancia que v. ex.ª
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reconhece, e que toda a gente vae reconhecendo, e que por muito tempo foi posta em duvida.
Estou convencido de que esta linha ha de ser a de maior receita kilometrica do nosso paiz, que ella ha de attingir proporções muito vantajosas para o thesouro, e para isso não será necessario que ella vá ligar com a rede de Hespanha. (Apoiados.)
E direi ao sr. visconde de Moreira de Rey, que concordo com a apreciação que s. ex.ª fez.
O caminho de ferro do Douro, ligado com o caminho de ferro hespanhol até Salamanca, ha de ter um trajecto obrigado para uma grande parte do movimento que das provincias do norte se deve effectuar para o interior da Europa.
Digo mais: aquella linha está destinada a ser a linha de ligação das provincias do norte de Hespanha, que constituem o antigo reino da Galliza, as provincias do sul d'aquelle paiz e todas aquellas cuja exploração prende com o centro de Madrid, ou mais um pouco para o norte, com o importante ponto de Medina del Campo.
Demais, a linha do Douro tem condições de ser linha de mercadorias de uma vastissima região de Hespanha, porque essa linha fica em condições de menor percurso em relação a qualquer linha de Hespanha, ainda mesmo em relação á linha de Alar a Santander, a, que ha pouco me referi, cujo custo kilometrico foi de 136:000$000 réis.
Alem d'isso a linha do Douro offerece para toda a provincia de Salamanca uma reducção de percurso de 100 kilometros em relação á Beira Alta.
Não se entenda que por esta fórma pretendo de modo algum amesquinhar o futuro da linha da Beira Alta; porque esta linha considerada nacional, já tem bastante importancia; corre cento e tantos kilometros em terreno em que ha producção considerabilissima e a população é muito densa.
Ha de ter grande movimento de passageiros e mercadorias, e já se póde antecipar que nas suas relações com a Hespanha, e principalmente com o centro da Europa, tem uma importancia, não digo que esteja acima de toda a discussão, não quero desconsiderar a opinião de ninguem, mas para mim intuitiva.
Eu insisto n'este ponto que já muitas vezes tenho indicado.
Mas a linha da Beira Alta, considerada só que fosse como linha nacional, havia de ter um movimento de passageiros muitissimo importante; e para isto não ha senão a apresentar as condições de analogia.
V. ex.ª sabe perfeitamente que a media da população nos tres districtos interessados directamente na linha da Beira Alta, quer dizer, de Coimbra, de Vizeu e da Guarda, passa de 60 habitantes por kilometro quadrado.
Ora, se s. ex.ªs forem comparar esta característica, este coefficiente da densidade da população com a densidade da população e movimento de passageiros nas regiões do paiz já atravessadas por caminhos de ferro, hão de ver que tudo leva a fazer-nos esperar com todo o fundamento que o numero de passageiros n'aquella linha ha de ser, pelo menos, de 3:000 por kilometro; e já s. ex.ªs vêem que isso devo dar para os 200 kilometros da linha um movimento total de 600:000 passageiros.
Isto serve para dizer que a linha ferrea da Beira Alta, alem de ter as condições de uma linha verdadeiramente nacional, alem de todas as rasões de conveniencia interna, que, como se vê, são evidentes, tem a rasão suprema de não poder deixar de ser considerada uma linha internacional, e direi mais ainda, uma linha continental. (Apoiados.)
Peço desculpa á camara de me ter alargado mais do que contava sobre este assumpto, e, resumindo, direi que a construcção do caminho de ferro da Beira Alta não prejudica de modo algum a continuação do caminho de ferro do Douro, desde o momento em que as cousas estiverem preparadas para que essa construcção possa ter logar.
Isto suppõe a elaboração e a approvação, já se vê, dos projectos e orçamentos d'aquella linha, e eu calculo que durante um anno se poderão concluir os projectos definitivos até á Barca á Alva. Por parte de Hespanha é provavel, e até muito provavel, que o governo procurará dar todo o andamento aos estudos da sua linha que vem ligar-se com a nossa n'aquelle ponto.
Não sei se o sr. visconde de Moreira de Rey ficará satisfeito com estas explicações; mas, em todo o caso, nas circumstancias actuaes, não posso dar-lhe outras.
Peço licença para, antes de concluir, me referir á proposta apresentada pelo sr. Telles de Vasconcellos, para que n'este artigo se declarem como pontos forçados da directriz Celorico e as proximidades da Guarda.
Devo dizer a s. ex.ª, que me parece perfeitamente dispensavel, e até ociosa, esta declaração, e isto por uma rasão muito simples; é porque ninguem, nem engenheiro, nem outra qualquer pessoa, poz ainda em duvida que Celorico devesse ser ponto forçado da directriz do caminho de ferro da Beira Alta.
O sr. Sousa Brandão fez um estudo pela margem esquerda, e a directriz lá ía ter a Celorico; fez o estudo pela margem direita, e lá foi passar. Depois o sr. Cambelles fez outro estudo, e no traçado estudado por este engenheiro Celorico era um ponto forçado da linha; ultimamente o sr. engenheiro Eça, melhorando o traçado do sr. Sousa Brandão, da mesma maneira fazia passar a linha em Celorico.
A linha effectivamente não póde deixar de passar n'este ponto, assim como não póde deixar de passar na Portella da Villa das Naves; são condições fataes do terreno, e por isso entendo que é perfeitamente escusado declarar na lei aquillo que a natureza decreta, e que ainda ninguem poz em duvida.
Peço, pois, ao meu amigo o sr. Telles de Vasconcellos, que me não julgue contrario á sua proposta, mas que me parece inutil inseril-a na lei, pelas rasões que acabo de expor.
Vozes: — Muito bem, muito bem.