Página 1
N.° 51
SESSÃO DE 6 DE JULHO DE 1891 001
Presidencia do exmo. sr. Antonio de Azevedo Castello Branco
Secretarios - os exmos. srs.
José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira de Sousa
SUMMARIO
Um officio da presidencia da camara dos dignos pares, solicitando nova copia de um additamento á lei de meios, a que se refere um officio do director geral interino da secretaria da camara dos senhores deputados. - Outro, do ministerio do reino, em satisfação ao requerimento do sr. Francisco José Machado, ácerca de contratos para fornecimento de impressos. - Segunda leitura de um projecto de lei do sr. Adriano Monteiro, sobre vaccinação. - Representação dos proprietarios e lavradores do concelho de S. Vicente, do Funchal, apresentada pelo sr. José Julio Rodrigues. - Justificação de faltas dos srs. Henrique de Mendia e Sousa Machado. - Approvada a ultima redacção dos projectos n.º 15 e 4. - Sob proposta do sr. Julio de Moura são aggregados á commissão de negocios ecclesiasticos os srs. Matheus Teixeira de Azevedo, Freire de Figueiredo, Adriano Cavalheiro, Silva Cardoso e Xavier da Cunha. - O sr. Julio de Moura apresenta o parecer sobre um projecto de lei do sr. Teixeira de Sousa; o sr. Jacinto Candido, sobre um projecto de lei do sr. Cesario de Lacerda; e o sr. Greenfield de Mello, sobre a proposta de lei n.º 12-E. - Sob proposta do sr. Alberto Pimentel, é aggregado á commissão de instrucção secundaria o sr. Greenfield de Mello. - O sr. Ferreira de Almeida apresenta um projecto de lei sobre isenção do pagamento da contribuição de registo, por um legado á camara de Albufeira. - O sr. Avellar Machado occupa-se largamente da questão de lanifícios para o exercito, sustentando a justiça das representações dos industriaes, fabricantes, lavradores, associações agrícolas e commerciaes, contra algumas das basca e condições do concurso aberto pelo ministerio da guerra. - Pronuncia-se no mesmo sentido, e especialmente em defeza dos industriaes da Covilhã, o sr. Elvino de Brito. - O sr. ministro da fazenda faz o elogio d'aquella laboriosa cidade, assegurando que o governo ha de attender sempre aos legítimos interesses da agricultura e dos industriaes. - Dando a hora para se passar a ordem do dia, a camara resolve conceder a palavra ao sr. Pimentel Pinto para responder aos srs. Avellar Machado, Elvino de Brito e Adriano Monteiro, mas aquelle desiste da palavra, de accordo com a presidencia, resolvendo-se uma discussão especial, sobre o mesmo assumpto, na primeira sessão.
Na ordem do dia (compra de metal para amoedar, resposta ao discurso da corôa e projecto n.° l5), o sr. Fuschini julga deficiente e incompleto o primeiro projecto, pedindo explicações ao sr. ministro da fazenda. -
Responde-lhe o sr. ministro da fazenda, justificando o projecto. -
Trocam-se ainda explicações entre os srs. Fuschini e ministro da fazenda, aprovando-se a final o projecto. - O sr. Fuschini sustenta uma questão previa na discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa, respondendo-lhe o sr. ministro da fazenda. - O sr. Manuel de Arriaga sustenta uma proposta de substituição á ultima parte do projecto, sendo em seguida approvado o projecto. - É votado sem discussão o projecto de lei n.º 15. - Antes de se encerrar a sessão, usa da palavra o sr. Jacinto Candido, a proposito de um incidente levantado na camara dos dignos pares, ácerca de um additamento que foi approvado na occasião da votação da lei de meios. - Tomam parte n'este incidente os srs. Luciano Cordeiro, Francisco Machado, ministros das obras publicas e do reino, Emygdio Navarro e Dias Costa. - E nomeada a commissão que ha de apresentar a Sua Magestade a resposta ao discurso da corôa.
Abertura da sessão - As tres horas da tarde.
Presentes â chamada 46 srs. deputados. São os seguintes: - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alexandre Maria Ortigão de Carvalbo, Alfredo Mendes da Silva, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio de Azevedo Gastello Branco, Antonio Maria Cardoso, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Augusto José Pereira Leite, Augusto Maria Fuschini, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Carlos Lobo d'Avila, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Elvino José de Sousa e Brito, Fortunato Vieira das Neves, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Frederico de Gusmão Correia Arouca, João de Paiva, João Pinto Moreira, João Simões Pedroso de Lima, João de Sousa Machado, Joaquim Germano de Sequeira, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Bento Ferreira de Almeida, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Rodrigues, José Maria Cbarters Henriques de Azevedo, José Maria Greenfield de Mello, José Maria de Oliveira Peixoto, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Julio Antonio Luna de Moura, Luciano Cordeiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Luiz Virgílio Teixeira, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Pedro Ignacio de Gouveia e Thomás Victor da, Costa Sequeira.
Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Emílio de Sousa Cavalheiro, Agostinho Lucio e Silva, Alfredo Cesar Brandão, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Eduardo Villaça, Antonio José Pereira Borges, Antonio Maria Jalles, Antonio Maximo de Almeida Costa e Silva, Antonio Mendes Pedroso, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto Cesar Elmano da Cunha e Costa, Bernardino Pereira Pinheiro, Caetano Pereira Sanches de Castro, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo de Jesus Teixeira, Eduardo José Coelho, Emygdio Julio Navarro, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Francisco do Almeida e Brito, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco de Castro Mattozo da Silva Corte Real, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Ignacio José Franco, Jacinto Candido da Silva, João Alves Bebiano, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Lobo de Santiago Gouveia, João Marcellino Arroyo, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, Joaquim Simões Ferreira, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José Dias Ferreira, José Estevão de Moraes Sarmento, José Freire Lobo do Amaral, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria dos Santos, José Monteiro Soares de Albergaria, Manuel de Arriaga, Manuel d'Assumpcão, Manuel Francisco Vargas, Manuel Pinheiro Chagas, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Marianno Cyrillo de Carvalho, Matheus Teixeira de Azevedo, Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Tito Augusto de Carvalho.
Não compareceram â sessão os srs.: - Adolpho da Cunha Pimentel, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio José Arroyo, Antonio José Ennes, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Pessoa de Barros
36
Página 2
2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
e Sá, Antonio Sergio da Silva e Castro, Aristides Moreira da Motta, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto da Cunha Pimentel, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Bernardino Pacheco Alves Passos, Carlos Roma du Bocage, Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda, Conde do Covo, Conde de Villa Real, Eduardo Abreu, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Feliciano Gabriel de Freitas, Fernando Mattozo Santos, Fidelio de Freitas Branco, Francisco José de Medeiros, Francisco Severino de Avellar, Frederico Ressano Garcia, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Jayme Arthur da Costa Pinto, João de Barros Mimoso, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Alves Matheus, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Antonio de Almeida, José de Azevedo Castello Branco, José Domingos Ruivo Godinho, José Frederico Laranjo, José Luiz Ferreira Freire, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Latino Coelho, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Maria de Sousa Horta e Costa, José Paulo Monteiro Cancella, Julio Cesar Cau da Costa, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel Affonso Espregueira, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Manuel Vieira de Andrade, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Pedro Augusto de Carvalho, Pedro de Lencastre (D.), Pedro Victor da Costa Sequeira, Roberto Alves de Sousa Ferreira, Visconde de Tondella e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.
Acta - Approvada.
EXPEDIENTE
Officios
Camara dos dignos pares do reino. - Presidencia. - N.º 163. - Illmo. e exmo. sr. - Tendo-se, levantado um incidente n'esta camara, era sessão de hoje, sobre o additamento a lei de meios, assignado pelo director geral interino da secretaria da camara que v. exa. dignamente preside, tenho a honra de solicitar de v. exa. nova copia do referido additamento assignada pela mesa.
Deus guarde a v. exa. Palacio das côrtes, em 6 de julho de 1891. - Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados. = Antonio Telles Pereira de Vasconcellos, presidente.
Para a secretaria.
Do ministerio do reino, participando, em satisfação ao requerimento do sr. deputado F. J. Machado, que por este ministerio nenhuns contratos só têem realisado para fornecimento de impressos, visto como todos os impressos que são necessarios para serviço das diversas repartições do mesmo ministerio se mandam promptificar na imprensa nacional.
Para a secretaria.
Segunda leitura
Projecto de lei
Senhores. - É certo que as circumstancias, tristemente excepcionaes da nossa vida economica absorvem, no presente momento da nossa historia nacional, toda a iniciativa dos altos poderes do estado. O paiz, attento como está na salvação da nossa nacionalidade pela regeneração economica que deve movimentar as nossas forças productivas, de modo que o verdadeiro trabalho nacional se approxime das necessidades do consumo, pelas diversas manifestações de actividade agricola, industrial e commercial para nos libertarmos quanto possível das influencias deprimentes estrangeiras, digo eu, senhores, o paiz não pôde ainda assim, apesar da temerosa crise que nos assombra esquecer a satisfação das necessidades palpitantes da saude publica; não tenho auctoridade scientifica, nem mesmo pessoal para recommendar â vossa consideração o assumpto de que vou occupar-me e que constitue o objecto especial do presente projecto de lei. Mas espero que a benevolencia da camara verá n'este meu pobre trabalho o movimento espontaneamente humanitario de um representante da grande população dos campos e das povoações ruraes animado pelas solicitações de benemeritos facultativos da minha terra natal (Evora), especialmente do illustre clinico o sr. dr. João Baptista Rollo, a quem presto aqui fervoroso culto de admiração pelas suas altas e brilhantes qualidades medicas e humanitarias. Ninguem desconhece que a terrível molestia a varíola, continua a ser em Portugal a epidemia mais traiçoeira do que qualquer das outras que se fazem acompanhar pelo cortejo de terrores panicos.
A varíola mata surdamente milhares e milhares de pessoas, e deixa muitas outras incapazes de trabalhar pelas deformidades physicas em que abunda a cegueira. Ora se nós não recuâmos diante de maiores sacrifícios pecuniarios para evitar epidemias de cholera ou febre amarella, chegando a estabelecer dispendiosos cordões sanitarios para calar o animo publico, embora os resultados possam ser duvidosos, segundo opiniões scientificas de alto valor, pergunto eu porque não empregaremos a prophylaxia estudada da variola, a vaccinação?!
É passado mais de um seculo quasi que o sabio Eduardo Jenner descobriu a vaccina, cuja efficacia está hoje provada por milhões de casos, caminham actualmente na mesma esteira brilhante para a cura de outras molestias não menos horríveis, a hydrophobia e a tuberculose, homens eminentes na sciencia, como são Pasteur e Weck, e nós, que tudo esperâmos do estrangeiro, ainda não pensámos na vaccinação obrigatoria para as classes civis!!!
Se em corporações officiaes, como são o exercito c a armada é obrigatoria a pratica da vaccinação, não vejo rasões justificaveis, á face da hygiene publica e privada, que aconselhem o contrario para as classes civis. Pôde dizer-se que os espíritos incultos resistem ás innovações; assim ó em parte, mas subjugam-se pelos factos e muito particularmente quando elles prendem com a saede do corpo, que é o alojamento da alma sempre amiga das suas commodidades. E tanto é verdadeira esta minha affirmação, que já presentemente, consideravel parte da população dos nossos campos corre voluntariamente á casa da camara dos seus concelhos, para receber os benefícios da vaccinação, como eu mesmo tenho presenceado em Evora, a primeira cidade agricola do nosso paiz. Não seria difficil, e até poderia ser lucrativo para o thesouro, pelas multas impostas por virtude de penalidades, tornar obrigatoria a vaccinação e revaccinaçao pelos meios legaes que assegurassem, o melhor resultado d'esta humanitaria instituição. E assim evitaríamos, em grande parte, um flagello a que, é verdade, estamos costumados, mas que concorre para a estatistica obituaria em 1/10 da mortalidade da nossa população! É mesmo incomprehensivel que o desleixo criminoso, embora irresponsavel pela ignorancia de alguns pães de famílias continue a alimentar a ceifa de vidas de milhares de creanças e adultos, que facilmente poderiam escapar de uma morte certa pelo uso obrigatorio da vaccinação. Pelo que tenho exposto, cuja imperfeição sou o primeiro a reconhecer, e muito prazer teria em ver corregida, tenho a honra de sujeitar ao vosso sabio criterio e esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É obrigatoria a vaccinação de todas as creanças durante o primeiro anno da sua existencia, nascidas em Portugal, continente e ilhas adjacentes.
§ 1.° É igualmente obrigatoria a revaccinação succes-
Página 3
SESSÃO N.° 31 DE 6 DE JULHO DE 1891 003
siva para os indivíduos, em que a vaccina não tenha pegado nas inoculações anteriores, até um limite de idade conveniente.
§ 2.° É da responsabilidade exclusiva das camaras municipaes a vaccinação e revaccinação dos expostos.
Art. 2.° É o governo auctorisado a decretar as providencias regulamentares necessarias á execução rigorosa d'esta lei.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario a esta.
Sala das sessões, 4 de julho de 1891. = O deputado por Evora, Adriano Augusto da Silva Monteiro.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de saede publica.
REPRESENTAÇÃO
Dos proprietarios e lavradores do concelho de S. Vicente do districto do Funchal, pedindo a adopção de medidas tendentes a difficultar a importação do melaço estrangeiro e a introducção de aguardente de cereaes.
Apresentada pelo sr. deputado José Julio Rodrigues e enviada á commissão de petições.
JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS
Participo a v. exa. e á camara que por motivo justificado deixei de comparecer a algumas sessões. = O deputado, Sousa Machado.
Participo a v. exa. e á camara que por justos motivos tem deixado de assistir a algumas sessões e ainda faltará a outras o sr. deputado Henrique da Cunha Matos de Mendia. = O deputado, Sousa Machado.
Para a secretaria.
O sr. Santos Viegas: - Por parte da commissão de redacção mando para a mesa as ultimas redacções dos projectos n.ºs 4 e 12, a que a commissão não fez alteração alguma.
Foram approvadas.
O sr. Julio de Moura: - Por parte da commissão de negocios ecclesiasticos, proponho que sejam aggregados a esta commissão os srs. Matheus Teixeira de Azevedo, Albino Abranches Freire de Figueiredo, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Antonio Augusto da Silva Cardoso e Eduardo Augusto Xavier da Cunha.
Mando tambem para a mesa o parecer sobre o projecto de lei apresentado pelo sr. Teixeira de Sousa, auctorisando o governo a desviar annualmente da verba de 500$000 réis do rendimento da igreja de Sanfins, destinada ao seminario de Lamego, a quantia de 200$000 réis para obras na igreja matriz da mesma freguezia e suas dependencias.
O sr. Presidente: - O parecer vae a imprimir.
Foi approvada a proposta do sr. Julio de Moura.
O sr. Jacinto Cândido: - Por parte da commissão de fazenda, mando para a mesa o parecer relativo ao projecto de lei apresentado em sessão de 2 de junho do anno findo, pelo sr. deputado Cesario de Lacerda, e que tem por fim a extincção dos fóros impostos nos terrenos do extincto convento de Almoster.
Peço a v. exa. que mande imprimir, com urgencia, este parecer para poder entrar em discussão.
O sr. Presidente: - Vae a imprimir com urgencia.
O sr. Greenfield de Mello: - Por parte da commissão de instrucção superior e especial, mando para a mesa o parecer sobre a proposta de lei n.° 12-E, determinando que nos professores da cadeira de desenho da escola polytechnica, que estiverem nas condições do artigo 1.° da carta de lei de 18 de julho de 1889, seja contada para todos os effeitos a antiguidade no magisterio, a partir da data em que começarem a regencia da sua ou outra cadeira da mesma escola, em qualquer categoria.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que, dispensando-se o regimento, entre este projecto em discussão.
O sr. Presidente: - Não ha numero na sala para a camara deliberar.
O sr. Alberto Pimentel: - Por parte da commissão de instrucção secundaria, proponho que seja aggregado á mesma commissão o sr. deputado Greenfield de Mello.
Foi approvada.
O sr. Avellar Machado: - Mandou para a mesa ura requerimento de Raymundo de Jesus Campos, chefe da secção da guarda fiscal com a graduação de alferes, pedindo a effectividade da sua graduação no quadro da mesma guarda.
Tendo perdido as esperanças de ver presente o sr. presidente do conselho e ministro da guerra, para dar á camara explicações ácerca da escolha de padrões para o exercito, e não confiando tambem em que o sr. ministro da fazenda possa vir dar essas explicações, não só porque não poderia obter informações do seu collega, por estar ausente, mas por estar muito sobrecarregado com serviço, ia expor as reclamações feitas pelos fabricantes, industriaes, lavradores, associações agrícolas e commerciaes, contra algumas das bases admittidas pelo ministerio da guerra na escolha de padrões e condições de arrematação.
Se a questão não fosse de tanta magnitude, se não estivessem em discussão os interesses da agricultura, da industria portugueza e da propria economia do exercito, não tomaria tempo á camara, assim não poderia deixar de o fazer, não só como representante do povo, mas como membro do exercito e como cidadão portuguez.
Desde 1846 a 1884 o exercito vestia-se com panno, na sua maior parte, briche entrançado e mescla.
No briche era empregada a lã preta, que representava 4/5 da producção de lã no paiz, e na mescla e lã branca, que representava 1/5.
N'alguns annos, excepcionalmente, como a lã nacional não chegasse, importava-se uma pequena porção de Hespanha e passavam-se cinco e seis annos sem ser necessario importal-a. O preço da lã regulava então a 6$000 ou 7$000 réis cada 15 arrobas.
Em 1884 o ministro da guerra, o sr. Fontes Pereira de Mello, entendeu dever modificar os padrões, convidando as fabricas a apresentar as suas amostras e nomeou uma commissão que, depois de as estudar largamente e de as fazer analysar devidamente, analyse que importou em 900$000 réis, deu o seu parecer e adoptou-se um padrão, em cuja apreciação não entrava.
Ultimamente, ha dois anãos, entendera o sr. ministro da guerra que esse panno não era da melhor qualidade, mas o que podia affirmar era que, a não ser na mescla para os capotes, os pannos eram mal confeccionados com lã americana e por consequencia via a camara, se os pannos até hoje adoptados não serviam, não era porque as lãs não fossem das reputadas as melhores que havia, que eram as do Montevideu e Buenos-Ayres, o que demonstrava que a questão não era de lãs nacionaes ou estrangeiras, mas da maneira do as manufacturar e das tinturas n'ellas empregadas.
Como dissera, durante o longo período de 1846 a 1884 não houve reclamações a respeito do briche entrançado de que se fornecia o exercito e apenas appareceram algumas contra a mescla com que se fabricavam os capotes e em que era empregado o mungo.
A commissão que propozera os novos uniformes passou a mescla dos capotes para o melton e o panno castanho para azul.
Na primeira arrematação que se fizera em 1886, sendo ministro da guerra o sr. conde de S. Januario, determi-
Página 4
4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
nára-se que só fossem, admittidos os fabricantes ou seus legítimos representantes, apparecendo quinze concorrentes.
Estes concorrentes, á excepção de um, que se encarregara do fornecimento de panno para capotes, fabricavam as suas fazendas com lã nacional. Esses padrões sendo depois estudados por uma commissão, foram reputados maus e propostos outros.
O sr. Serpa Pimentel, sendo ministro da guerra, tambem mandou que fossem preferidos os typos compostos com lã nacional ou pelo menos em que esta entrasse na sua maior parte; mas o actual sr. ministro da guerra, no concurso que mandou abrir, excluiu por completo ou quasi por completo a lã nacional, dando para esse concurso apenas o praso de dezoito dias, que depois foi prorogado a instancias dos fabricantes e industriaes.
O fornecimento agora proposto era para tres annos, ao passo que até aqui esses fornecimentos só be faziam por um ou dois annos e por uma coincidencia notavel, no mesmo Diario em que apparecia o annuncio para a arrematação de lanifícios para o exercito, dando-se para ella o praso de dezoito dias, vinha tambem inserido um outro do ministerio das obras publicas em que para a arrematação de papel e artigos de escriptorio se dava o praso de vinte dias.
Porque não se havia de voltar atraz e adoptar os antigos padrões, tanto mais que d'isso resultava uma economia de 50 por cento?
Cria não ser preciso apresentar outro argumento para justificar a vantagem de se adoptar a lã nacional no fabrico de pannos para o exercito, tanto mais que era facílimo ao governo ter um fiscal junto das fabricas, para verificar. A maneira como era feito o fabrico, fiscal que podia ser pago pelos proprios fabricantes.
Uma das cousas que o sr. ministro da guerra devia fazer era pôr em dia os pagamentos, porque desde que tinha encargos pendentes, era evidente que estava debaixo da impressão moral pelo menos d'aquelles que eram credores do estado.
Estava na convicção de que o futuro do paiz dependia do desenvolvimento da agricultura e do trabalho nacional, e, portanto, a seu ver, o primeiro cuidado do governo devia ser contribuir para esse desenvolvimento.
Todos os fabricantes da Covilhã, e com elles outros que não eram d'aquella localidade, affirmavam que se podiam fabricar pannoa bons com todas as qualidades de resistencia que possa ser exigida para o fim a que são destinados, e não havia rasão alguma para não acreditar essa affirmação, porquanto, como dissera, de 1846 a 1884 o exercito se vestira com pannos fabricados de lã nacional e ninguem se queixára.
Sentia não ver presente o sr. ministro da guerra, porque desejava que s. exa. lhe declarasse quaes os motivos porque não deferira as representações que lhe foram apresentadas, e persistira na sua teima.
Era-lhe indifferente que os fardamentos fossem d'esta ou d'aquella côr, o que desejava era que a materia prima empregada no seu fabrico fosse a lã nacional, e isso em beneficio da agricultura.
Entendia, portanto, que o sr. ministro da guerra devia adoptar uns padrões, fossem quaes fossem, mas em que se exigisse o emprego da lã nacional, e quando se reconhecesse que não se podia só com lã nacional fazer artigos bons, resistentes e com as demais qualidades para vestir o soldado, adoptasse-se então um padrão em que se empregasse a maior percentagem possível de lã nacional.
Analysou alguns dos relatorios da commissão encarregada de estudar o assumpto e declarou que voltaria a occupar-se d'esta questão, que reputava da mais alta gravidade.
(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão, quando o orador restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da fazenda Marianno de Carvalho): - Agradeço ao illustre deputado a condescendencia que s. exa. teve em não me exigir explicações, que eu n'este momento não estava habilitado a dar.
Já me foi communicada uma grande parte dos esclarecimentos sobre o assumpto, mas esses esclarecimentos não são ainda tão completos como eu desejaria. Nem eu, preoccupado com outros negocios de tanta urgencia, tive tempo de lhe dedicar a minha attenção. Esteja, porém, s. exa. tranquillo que em breve praso estarei habilitado a responder.
O sr. Avellar Machado: - Registo a declaração do sr. ministro, e opportunamente conversarei com s. exa. a este respeito.
O sr. Elvino de Brito: - Em vista da declaração feita pelo sr. ministro da fazenda e do adiantado da hora, não faria largas explanações a proposito da questão, aliás importantissima e grave, que desde bastante tempo tem occupado a attenção do parlamento e da imprensa periodica, a questão dos fornecimentos de lanifícios para o exercito. Acha-a muito grave, e, n'este momento, no seu período agudissimo.
Por entre as questões que actualmente se agitavam no paiz e que trazem mais ou menos presa a attenção dos poderes publicos, parecia-lhe que não era para ser desprezada, antes reclamava cuidado solicito e particular desvelo, a dos fornecimentos de pannos para o exercito, porque com ella se prendiam a um tempo os interesses da industria fabril nacional, os da agricultura portugueza e os do proprio exercito, como exuberantemente o demonstrara o illustre deputado que o precedêra no uso da palavra, e como fôra já demonstrado, sem contestação, na imprensa periodica de todas as côres políticas, que tão sensatamente e tão patrioticamente tem defendido a causa das industrias nacionaes. E em seu parecer - porque o não ha de dizer franca e desassombradamente no seio do parlamento? - com esta questão prende, porventura, a propria questão da ordem publica, só a prudencia e o tino governativo lhe não souberem dar remedio prompto, efficaz e opportuno.
Redigira para submetter á apreciação e voto da camara uma moção do ordem, que synthetisava o seu pensamento, e com certeza o dos seus collegas, que, a despeito do seu credo político, não podem deixar de se associar fervorosamente ao legitimo favor, tantas vezes promettido quantas olvidado, á industria nacional; mas resolvêra, bem penduradas as circumstancias quo no actual momento assoberbavam o governo, não a submetter ao voto do parlamento, para evitar debates políticos e discussões irritantes em torno de uma questão que, sabia-o de fonte certa, merecia devotada sympathia a muitos dos actuaes ministros da corôa, entre os quaes citaria o illustre ministro da fazenda, que desde muito advoga no parlamento e na imprensa, com a pujança do seu bello talento e da sua auctoridade, a causa dos industriaes portuguezes, o progresso e o desenvolvimento das industrias nacionaes.
E não estava só no gabinete, porque é de justiça dizer-se que o nobre ministro do reino, certamente o ministro que é honrado com o maior numero de adhesões na maioria parlamentar, tem já manifestado, segundo geralmente se affirma, o vehemente desejo de ver modificadas, no sentido favoravel á industria nacional, as clausulas e condições do concurso, aberto no ministerio da guerra, para o fornecimento de lanifícios para o exercito.
Por taes motivos, e porque fazia ao governo, na maioria doa seus membros, a justiça de acreditar que se esforçará por obter do sr. ministro da guerra a annullação do concurso aberto, ou, ao menos, como o reclamam os honrados industriaes da Covilhã, a eliminação de algumas clausulas que, com serem menos liberaes e menos conformes com os princípios de uma administração austera e equitativa, restringem a concorrencia e annullam as vantagens que de um concurso publico deveriam advir aos quo sinceramente n'elle confiassem,
Página 5
SESSÃO N.° 31 DE 6 DE JULHO DE 1891 005
Mas se a moção redigida deixa, pelos motivos expostos, de ser o pretexto e a arma de combate para discussões apaixonadas dos diversos agrupamentos políticos, não deixará de figurar nos registos parlamentares como sendo a synthese, a aspiração sincera, justa o convicta, de quantos a serio e desinteressadamente cuidam de proteger as industrias nacionaes contra a corrente dos que, a despeito da crise economica que fere o paiz e atrophia as principaes fontes da riqueza publica, teimam, na insensatez de um capricho infantil, mas funesto, em cercear as mesmas industrias das necessarias garantias que as colloquem ao abrigo da concorrencia estrangeira, disfarçada embora com apparencias, mais ou menos ardilosas, de fabrico nacional.
Lerá, por isso, á camara a moção que redigira e é do teor seguinte:
«A camara estimaria que os legítimos interesses da industria nacional fossem attendidos pelo governo, deferindo-se a reclamação dos industriaes covilhanenses na parte em que insta pelo adiamento do concurso relativo aos lanifícios, era ordem a que nos concursos que hajam de abrir-se para os fornecimentos futuros se introduzam preceitos claros e expressos, que ao mesmo tempo garantam uma concorrencia franca, aos industriaes e uma protecção efficaz ao fabrico nacional, com vantagens para a agricultura portugueza e sem inconvenientes para os interesses e commodidade do exercito. Sala das sessões, em 6 de julho de 1891. = O deputado pela Covilhã, Elvino de Brito.»
Tem a certeza de que esta sua moção seria acceita e approvada por toda a camara, e acredita que ninguem a votaria com mais enthusiasmo do que o illustre ministro da fazenda, e, porventura, a maioria dos seus collegas no ministerio, porque o governo não ignora quanto convem, na presente occasião, em que tantas e tão graves questões assoberbam a administração do estado, arredar cuidadosamente todas aquellas que opprimam a economia nacional e aggravem a crise tremenda que, por mal nosso, a todos entristece e preoccupa, e a muitos entimida e apavora.
Quer fazer justiça a todos, porque não é do seu animo negal-a a quem quer que seja, e por isso não tem duvida em declarar que até a faz, inteira e completa, ao illustre deputado collocado á testa da administração militar e que parece estar em campo opposto n'esta questão de lanificios.
Respeita as suas intenções, rectas e honradas, mas está convencido de que labora n'um erro, não obstante ser um funccionario zeloso e um ornamento distincto do nosso exercito. Não é favor; é justiça que presta, e gostosamente, a um illustre collega, que respeita e considera.
Ao governo dirá, sem intenção de o melindrar ou de lhe crear quaesquer embaraços á sua administração, que não olhe de leve para esta questão, que pôde, de um a outro momento, converter-se n'uma questão seria de ordem publica.
A Covilhã, a cidade laboriosa por excellencia, tem direito a que as suas reclamações, que não usam ser de mesquinhos interesses de política partidaria, ou de questões ridículas e futeis do campanario, sejam devidamente consideradas pelos poderes publicos. Está n'estes casos o concelho inteiro da Covilhã, que tem a honra de representar no seio do parlamento. Acautele-se, pois, o governo, pois não vá o desdem, que seria menos digno, ou a indifferença, que fôra imperdoavel, levantar labaredas por entre povoações laboriosas e honestas, que só na paz e pela paz toem curado até hoje, atravez das vicissitudes por que ha passado a industria fabril, sob diversos regimens, dar-lhe todo o desenvolvimento compatível com os recursos, por vezos minguadissimos, de que têem podido dispor. Repare o governo, e com a attenção que o caso reclama, na circumstancia de ser a Covilhã o centro fabril mais importante do paiz, e aquelle em que ainda, mercê de Deus, não pôde a propaganda da anarchia atear o rastilho com que n'essa rede de ramificações multiplas, distribuídas pelas diversas terras da provincia, se pretendo demolir o existente em nome da moralidade e da justiça.
Os povos da Covilhã, aguardam, com a serenidade propria dos que pugnam pelo justo e equitativo, a resolução do governo, e a este cumpre prover de remedio aos males, que elles apontam, deferindo promptamente a reclamação, que, respeitosamente dirigiram a Sua Magestade e na qual os honrados industriaes, que a firmam, pedem, ou o adiamento do concurso, até que a questão possa ser seria e proficuamente estudada com a intervenção de industriaes e technicos competentes, ou que a condição 12.ª das publicadas pela direcção da administração militar seja alterada no sentido de permittir que á licitação verbal, quando tenha logar, sejam admittidos, sem excepção, todos os proponentes que concorrerem á arrematação dos lanifícios.
Nada mais justo e nada mais digno de ser attendido por um governo que, como o actual, deseja não se afastar das mais austeras normas da moralidade em todos os actos da publica administração.
Pede ao sr. ministro da fazenda, em quem a industria covilhanense confia, que advogue calorosamente a sua justa causa junto dos seus collegas, convencendo o sr. ministro da guerra de que o momento não é azado para teimosias, que só podem produzir consequencias desgraçadas para o governo e, o que é peior, para o paiz. Attentem os ministros na grave responsabilidade que assumem, desprezando os conselhos sinceros, que, amigos e adversarios, lhes têem dado no parlamento e na imprensa, e, sobretudo, tenham em vista que podem, pela sua obstinada resistencia, converter o centro pacifico e ordeiro dos operarios covilhanenses n'um foco de perturbação e de desordem, a despeito das boas intenções, de provado patriotismo e do bom senso dos honrados e illustrados industriaes, que se achara á testa das fabricas da Covilhã.
Ninguem pôde duvidar, por um momento sequer, de que elles envidarão todos os esforços para que a ordem só não perturbe e sejam mantidas as honradas tradições dos artistas e operarios d'aquelle centro fabril; mas isso não bastará, se o governo, por sua parte, não demonstrar, por factos e não por palavras, que as suas reclamações e os seus interesses são desveladamente attendidos pelas estações officiaes.
Não quer cansar a attenção da camara, e, por isso, concluirá fazendo votos para que a boa rasão prevaleça nos conselhos da corôa, e que, no interesse da industria e da agricultura nacionaes, e, em bem do paiz, que precisa ver resolvidas as diversas questões que o assoberbam n'este momento, se faça justiça inteira, tal como a pede-a benemerita associação industrial e commercial da Covilhã, ás legitimas aspirações dos industriaes e fabricantes portuguezes.
(O discurso será publicado na integra e em apendice a esta sessão quando o orador restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Declarou que não tinha senão que prestar homenagem ao patriotismo da Covilhã na grave crise que o paiz atravessa.
Oxalá que todas as terras e em todas as questões tivessem procedido com tanto patriotismo, com tanto bom senso, e com tanto zêlo e dedicação pela ordem publica como a Covilhã, que entre todas as povoações se assignala pelo seu amor ao trabalho.
Aquella terra sabia bem o amor e dedicação que elle, orador, tinha por ella desde muitos annos, desde o tratado de commercio com a França.
Achava, portanto, justíssimas as considerações do, sr. Elvino de Brito a respeito d'aquella cidade.
Discrepava, porém, do sr. Elvino de Brito, em alguns pontos.
S. exa. alludíra a factos passados no seio do gabinete,
Página 6
6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Podia haver discussão para se chegar a accordo em alguns assumptos, mas não havia desharmonia, principalmente no que respeita á protecção de que carecem a agricultura e o trabalho nacional, e sobretudo no que se refere á manutenção da lealdade nos concursos.
Se houvesse desharmonia a respeito d'estes pontos, todos os ministros sabiam qual era o caminho que tinham a seguir.
No concurso para o fornecimento de lanifícios para o exercito havia de ser mantida a lealdade, e, se houvesse vislumbre de que elle não correspondia aos interesses da causa publica, não se realisaria.
Se o concurso se realisar e se o fornecedor não quizer comprar as lãs nacionaes, ainda que as haja em quantidade sufficiente, o governo tem a pauta das alfandegas com que pôde contrariar este proposito.
O governo havia de procurar evitar que qualquer fabricante de lanifícios, de phosphoros ou de alcool, ferisse os interesses legítimos da agricultura, porque na actual crise o ponto principal do seu programma é fazer desenvolver a agricultura, a industria e o commercio.
Quando não lhe fosse possível cumprir o seu programma n'esta parte, sabia o que tinha a fazer.
(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.
O sr. Francisco Machado: - Eu peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que o sr. Pimentel Pinto use da palavra.
Vozes: - Falle, falle.
A camara decidiu affirmativamente.
O sr. Pimentel Pinto: - Começo por agradecer á camara a honra que me dispensou permittindo-me que usasse da palavra.
Eu sei muito bem que...
O sr. Presidente: - Eu peço a v. exa. que restrinja o mais possivel as suas considerações, porque já deu a hora de passar á ordem do dia.
O sr. Pimentel Pinto: - É absolutamente impossível responder em poucas palavras a tudo quanto disseram os srs. Adriano Monteiro, Elvino de Brito e Avellar Machado, em longos discursos.
O sr. Presidente: - N'esse caso é melhor ámanhã abrir-se uma discussão especial sobre este assumpto.
O sr. Pimentel Pinto: - Perfeitamente, e n'esse caso eu peço desde já a v. exa. o favor de me inscrever para ámanhã, se mé permittido.
O sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia.
ORDEM DO DIA
O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto de lei n.° 14. Leu-se na mesa o seguinte
PROJECTO DE LEI N.° 14
Senhores. - A vossa commissão de fazenda, tendo estudado a proposta de lei n.° 12-A, ponderou as considerações de alta conveniencia publica que movem o governo a apresental-a, e as relações necessarias que a prendem por um lado á presente crise, e por outro ao mais conveniente e facil exercicio da auctorisação conferida recentemente para a remodelação do nosso meio circulante, resolvendo consequentemente propor-vos que approveis o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É o governo auctorisado, sem prejuizo dos direitos conferidos aos contratadores do ultimo emprestimo sobre a concessão dos tabacos, a levantar, pelos meios que julgar mais convenientes, até á quantia de 7:200 contos de réis effectivos, exclusivamente destinados á compra do metal para amoedar, podendo, para esse effeito, crear e fazer cotar os títulos de divida publica que mais convier.
§ 1.° No uso d'esta auctorisação não poderá o governo alienar ou em especial hypothecar qualquer rendimento ou propriedade da nação.
§ 2.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer da presente auctorisação, logo que tenha usado d'ella.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 2 de julho de 1891. = Manuel Pinheiro Chagas = Abílio Lobo = Francisco de Barros Coelho e Campos - José de Castro - Jacinto Candido - João Arroyo = A. M. de Almeida Costa e Silva = Antonio Arroyo - Pedro Victor = Luciano Cordeiro, relator = Tem voto dos srs. deputados: Lopes Navarro = Sergio de Castro - Mattozo Santos = Urbano de Castro.
N.° 12-A
Senhores. - No projecto da lei de meios já votado nas duas casas do parlamento foi o governo auctorisado a mudar o nosso systema monetario quando assim convenha para a melhor defeza das reservas metallicas do paiz e para regular o curso dos cambios. Será esta providencia, que, combinada com a reforma do banco de Portugal e auxiliada pela provavel melhoria dos cambios do Brazil, deve permittir o rapido restabelecimento da circulação metallica, com o que terminará a crise que desde algum tempo tem opprimido o reino.
O governo espera poder alcançar o metal necessario para a cunhagem da moeda, sem recorrer a emprestimo consolidado, mas esta esperança pôde ser desmentida por circumstancias superiores á sua vontade. Quando esta hypothese se dê, ainda o thesouro poderá recorrer á emissão supplementar do 9.000:000$000 réis effectivos prevista no contrato do ultimo emprestimo e no da concessão do exclusivo do fabrico dos tabacos, mas tambem pôde essa operação não ser conveniente ou vantajosa no momento em que se torne preciso comprar metal para amoedar. Por isso, a fim de poder estar preparado para todas as eventualidades, quanto na previdencia humana cabe, vem o governo pedir-vos a necessaria auctorisação para poder levantar até á quantia de 7.200:000$000 réis effectivos, exclusivamente destinados á acquisição de metal para amoedar, podendo para isso crear os títulos que mais convenha conforme as circumstancias e sem prejuízo dos direitos conferidos aos banqueiros contratadores do ultimo emprestimo.
Taes são os fundamentos da proposta de lei, que tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame.
PROPOSTA DE LEI
Artigo 1.° E o governo auctorisado, sem prejuízo dos direitos conferidos aos contratadores do ultimo emprestimo sobre a concessão dos tabacos, a levantar pelos meios que julgar mais convenientes ate á quantia de 7.200:000$000 réis effectivos, exclusivamente destinados á compra de metal para amoedar, podendo para esse effeito crear e fazer cotar os títulos de divida publica que mais convier.
§ 1.° No uso d'esta auctorisação não poderá o governo alienar ou em especial hypothecar qualquer rendimento ou propriedade da nação.
§ 2.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer da presente auctorisação, logo que tenha usado d'ella.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio dos negocios da fazenda, 30 de junho de. = Mariammo Cyrillo de Carvalho.
O sr. Presidente: - Está em discussão.
O sr. Augusto Fuschini: - Sr. presidente, pedi a palavra para breves considerações ácerca d'este projecto. Em primeiro logar, como v. exa. sabe, na lei de meios o sr. ministro da fazenda pediu auctorisação para modificar o systema monetario, se conviesse, e como v. exa. tambem ha de catar lembrado, negou-se terminantemente a dar es-
Página 7
SESSÃO N.° 31 DE 6 DE JULHO DE 1891 007
clarecimentos sobre a maneira como tenciona fazer esta modificação. Respondendo-me, s. exa. chegou a dizer que poria a questão de confiança n'este e n'outro ponto, mas que se negava a esclarecer o parlamento.
Ora, sr. presidente, na questão de moeda comprehendia-se que então podesse haver rasão plausível para tal pertinacia; tratando de a modificar e do comprar prata em Inglaterra, este metal podia encarecer, por qualquer declaração de compra avultada. Agora, porem, que no relatorio que precede este projecto, se diz muito claramente qual é a intenção do governo, qualquer explanação do sr. ministro não tem inconveniente algum, podendo mesmo affirmar-se que a compra da prata já está contratada.
Logo a unica rasão forte e acceitavel, que o sr. ministro poderia produzir para não apresentar as suas idéas ácerca do novo systema de circulação metallica, desappareceu, e, havendo desapparecido, no uso dos meus direitos de deputado peço a s. exa. que muito clara e expressamente nos diga quaes as suas opiniões, idéas e planos.
Sr. presidente, ha quem tenha pensado largamente sobre o assumpto. Confesso a v. exa. que tenho, com a rainha pequena competencia e sciencia, procurando tambem estudar o problema.
Das declarações, do sr. ministro da fazenda, combinadas com as do sr. ministro da justiça, nasce, porém, tal quantidade de duvidas e de incertezas que, por mais hypotheses que se formulem, não é facil chegar a comprehender por maneira clara, qual seja o plano governamental.
Ora, a modificação da moeda é em toda a parte questão economica das mais graves e serias.
Não sabemos, effectivamente, se é o bi-metallismo que se vae estabelecer, se um systema intermedio, a que parece haver-se referido o sr. ministro da justiça, quando disse que o governo não pensava estabelecer o bi-metallismo puro.
Qualquer d'estas soluções é assas delicada.
Não fallarei com a minha auctoridade, que é pequena, mas com a auctoridade de um homem, quê passa por ser um dos mais distinctos economistas do nosso tempo, o sr. Leroy-Beaulieu, que, referindo-se não só ás medidas do governo em geral, mas especialmente á questão do bi-metallismo, diz, que será grande erro se Portugal adoptar esta transformação.
Ignoro, portanto, as idéas do governo; e por isso peço ao sr. ministro da fazenda que nos queira expor o que pôde e deve dizer sobre o assumpto. Se s. exa. continuar na mesma pertinacia em não dar explicações, deixar-lhe-hei e ao ministerio as responsabilidades, que d'ahi possam advir em futuro mais ou menos proximo.
Outro ponto para que chamo a attenção da camara é a phrase: que serão respeitados os direitos adquiridos dos contratadores do emprestimo dos tabacos.
Desejava saber quaes são esses direitos e privilegios. E para s. exa. o ministro dizer isto por fórma completa, podia mandar publicar o contrato d'este emprestimo.
Julgo tambem conveniente que para este emprestimo, embora hypothetico, se fixe o maximo para os encargos, como é costume fazer-se em todas as auctorisações d'esta natureza.
Effectivamente, s. exa., com um fim muito patriotico mas nada politico, declara que não vae alienar nenhum rendimento do paiz nem hypothecar qualquer receita publica; parece-me, porém, que isto não basta e que seria conveniente tambem fixar o maximo do encargo d'este emprestimo, na hypothese de se realisar.
Não quero de fórma alguma alongar-me na minha exposição, por isso vou terminar; se s. exa. apresentar as suas idéas ácerca da transformação da moeda metallica, alguma cousa direi, senão reservo-me para mais tarde fallar sobre o assumpto.
Unicamente desejo que a camara note bem que o problema da moeda é dos mais graves, pela influencia que forçosamente deve ter sobre o conjuncto dos factos e das transacções da nossa vida economica. Parece-me que n'uma questão d'estas, visto que já não existe a rasão do encarecimento da prata, o sr. ministro da fazenda não devia querer assumir a pesada responsabilidade, que deriva do seu absoluto silencio.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Disse que o relatorio da proposta declarava que o governo espera alcançar o metal necessario para a modificação do systema monetario, sem recorrer a emprestimo consolidado; mas não declarava se o metal era oiro, prata ou nickel.
Alem d'isto o mesmo relatorio não definia o systema monetario a adoptar.
Quaesquer revelações podiam fazer falhar as combinações já esboçadas e começadas para se reorganisar o banco de Portugal e para se restabelecer a circulação metallica, e por isso julga conveniente não as fazer.
Se fizesse revelações teria menores responsabilidades; mas prefere as responsabilidades maiores, contanto que melhor zelasse os interesses publicos.
Não vinha longe o dia em que o parlamento e o paiz o podiam julgar.
Quanto aos direitos adquiridos pelos contratadores dos tabacos, devia dizer que estes direitos são: o do governo, durante um certo praso não poder contratar emprestimo algum, sem o consenso d'elles; e o de em outro praso a seguir terem elles a preferencia em igualdade de circumstancias.
N'esta epocha, em que por qualquer motivo só abre uma campanha de descredito, o governo não quizera que se imaginasse que este paiz deixava de respeitar os seus compromissos.
(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Fuschini: - Affirma s. exa. o ministro que não pôde dizer cousa alguma sobre a remodelação da nossa moeda; teima systematicamente no silencio, porque entende que pôde assim melhor salvaguardar os interesses do paiz, do que o proprio parlamento, que é o seu legitimo representante!
Usa, ou abusa, da sua força, visto que a tem, ou parece ter, n'este momento. Tanto peior para s. exa.
Em relação ao contrato do ultimo emprestimo, feito pelo sr. Cunha, s. exa. respondeu-me muito bem, que havia de manter, com as praças estrangeiras e com os banqueiros, todos os compromissos tomados!
Ninguem lhe diz o contrario; sómente não é s. exa., mas o paiz, que honradamente ha de manter todos os seus compromissos e obrigações. Eu tinha, porém, pedido a s. exa., em voz de resposta tão patriotica, que mandasse publicar o contrato; e s. exa. a este ponto nada me respondeu.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - V. exa. deseja que o contrato se publique? Não tenho duvida nenhuma em me comprometter a isso; e creia o illustre deputado, que opportunamente será publicado.
O Orador: - Já é alguma cousa; e aproveito a occasião para pedir que seja tambem publicado o segundo contrato, ou cousa parecida, que s. exa. fez em Paris, para obter os ultimos 9:300 contos de réis.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Acho n'isso inconveniente, porque a execução do contrato ainda não está completa; mas se s. exa. quizer examinal-o particularmente está ás suas ordens.
O Orador: - Então irei examinal-o.
Tambem s. exa. não respondeu a um ponto, que frizei bem: parecia-me conveniente determinar o maximo do encargo effectivo, ou da taxa real, como s. exa. quizer, para este novo emprestimo.
N'estas auctorisações devemos ter, ao menos, o direito de fixar os encargos maximos.
Convem fazel-o, mesmo para o paiz saber o estado do
Página 8
008 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
seu credito. Já que nos negam todos os elementos do discussão parlamentar e nos querem fazer suppor que o ministerio tem mais capacidade e melhor desejo de resolver as questões pendentes, do que o parlamento, reduzindo assim as attribuições do poder legislativo, ao menos, marquem no projecto, que nos apresentam, o maximo dos encargos.
O systema parlamentar, que o governo segue, é funestissimo. Hei de provar esta asserção, quando se discutir a resposta ao discurso da corôa, porque este projecto, sim, vae ter larga discussão. Parece que convem ter o parlamento aberto para novas auctorisações.
É gravíssimo o que s. exa. está praticando; em logar, de fornecer ao parlamento e ao paiz documentos, factos, idéas e planos, s. exa. faz passar em silencio pedidos de auctorisações, muitas das quaes podem trazer gravissimos inconvenientes para a nação e para o proprio governo.
A seu tempo liquidaremos estas contas.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Declarou que não se trata de passar diplomas de incapacidade ou de menos boas desejos á camara.
A respeito dos bons desejos de todos não podia haver a menor duvida; e a respeito da capacidade era evidente que, ainda que fosse muito pouca a de cada um dos srs. deputados, quando aliás é muita, a de todos reunidos valia muitíssimo mais do que a do governo.
Trata-se apenas de uma questão de publicidade ou não publicidade. Havia cousas que publicadas produziam inconvenientes graves, e as explicações que s. ex.ª desejava estavam n'este caso.
Imaginava o illustre deputado que o governo ainda pediria mais auctorisações ao parlamento.
Podia affirmar-lhe que n'este momento o governo não tem a mínima idéa de que lhe seja necessario pedir novas auctorisações.
Quanto ao maximo dos encargos para o emprestimo, devia notar que o governo, em virtude das auctorisações permanentes, podia levantar as sommas de que carecesse, por meio de operações de thesouraria, e que para as operações de thesouraria não ha fixado maximo de encargo. O governo, porém, preferira pedir esta auctorisação, e, se fizesse um emprestimo consolidado com encargo moderado, teria feito um bom serviço ao paiz.
Não se fixara o maximo do encargo para este emprestimo, porque podia ser baixo, e, por consequencia, não se poder realisar a operação, o que daria graves resultados; ou podia ser elevado, e então era um elemento do descredito.
Pedia, portanto, ao sr. deputado, que não insistisse n'uma cousa que n'este momento não é conveniente.
(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Não havendo mais ninguem inscripto, vae votar-se o projecto.
Foi approvado o projecto de lei n.° 14.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 13.
Leu-se na mesa. É o seguinte:
PROJECTO DE LEI N.° 13
Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza: - Felicito-me por poder inaugurar a sessão legislativa de 1891 no meio de uma tranquillidade publica, que, sempre mantida durante a suspensão dos trabalhos parlamentares pela cordura do povo, dá testemunho de como elle sabe conciliar os impulsos do pundonor com o espirito de ordem e a confiança nas livres instituições que o regem. Espero e desejo ardentemente que essa tranquillidade haja de se firmar com o resultado das negociações diplomaticas, que ainda pendem, com o governo de Sua Magestade Britannica ácerca da delimitação definitiva das espheras de soberania c influencia de Portugal e da Gran-Bretanha no continente africano.
Na previsão de que essas negociações não poderiam ser promptamente ultimadas, pareceu conveniente ao meu governo ajustar, tambem com o de Sua Magestade Britannica, um accordo por seis mezes, destinado a segurar, durante esse periodo, os limites territoriaes fixados pela convenção de 20 de agosto, que não chegou a ser ratificada. Infelizmente esse accordo não pôde obstar a que no districto de Manica occorressem incidentes desagradaveis, mas derivaram d'elle as justas providencias que o governo inglez adoptou para fazer respeitar os seus compromissos.
Com o Estado Independente do Congo subsiste igualmente um desaccordo concernente ao protectorado nas terras de Lunda, cujos povos mantiveram sempre com os habitantes da província de Angola frequentes relações commerciaes, ainda mais estreitadas pela missão portugueza que nos annos do 1884 a 1888 percorreu os estados do Muatianvua; todavia, este desaccordo está a ponto de ser submettido em Lisboa a uma negociação directa, que é de esperar que torne dispensavel o recurso previsto a mediação ou arbitragem. Com o mesmo Estado ha tambem a resolver duvidas ácerca da demarcação de fronteiras, mas relativamente a estas foi já proposto e acceite o juizo arbitrarr do conselho da Republica Helvetica, a que foi igualmente confiada, por accordo do meu governo com o dos Estados Unidos da America e o da Gran-Bretanha, a liquidação dos interesses ligados ao caminho de ferro de Lourenço Marques á fronteira do Transvaal,
Senhor. - A presença de Vossa Magestade no seio da representação nacional, ao inaugurar os trabalhos da presente sessão legislativa, foi, como sempre, muito grata a esta camara, que vê na alliança tradicional do principio que Vossa Magestade representa com o regular funccionamento das livres instituições que nos regem a mais segura garantia da ordem e do progresso. A camara já approvou as bases para o tratado entre Portugal e a Gran-Bretanha, delimitando definitivamente as respectivas espheras de soberania e influencia na Africa, por considerar que a solução a que se chegou, ao cabo de arduas e prolongadas negociações, se não correspondia a todas as nossas aspirações nacionaes, representava todavia uma transacção decorosa, que punha termo, por uma fórma acceitavel, a uma ingrata pendencia que tantos desgostos e prejuízos causara ao paiz.
A camara examinará com igual cuidado e attenção os tratados celebrados com o Estado Independente do Congo, e muito estimará que elles ultimem, por um modo satisfactorio, os desaccordos que haviam surgido com o mesmo Estado. Da arbitragem do conselho federal da republica helvetica, ácerca da liquidação dos interesses ligados ao caminho de ferro de Lourenço Marques á fronteira do Transvaal, espera a camara obter toda a equidade, porque confia na imparcialidade e rectidão de tão distincto tribunal.
Página 9
SESSÃO N.° 31 DE 6 DE JULHO DE 1891 009
Áparte estas divergencias, folgo de poder assegurar-vos que a nação portugueza tem recebido, de todas as outras nações e dos seus soberanos e governos, inequivocos testemunhos de sympathia, que a obrigam a reconhecimento.
Tendo-se tornado necessario, para cumprimento dos deveres e exercício dos direitos inherentes á soberania portugueza na Africa oriental, occupar e defender mais effectivamente alguns territorios da província de Moçambique, o meu governo ordenou que fosse reforçada a briosa guarnição d'essa província com destacamentos de diversas armas do exercito do continente, que em breves dias seguirão para o seu destino. Esta ordem, dictada pelas mais ponderosas conveniencias publicas, está sendo cumprida com um fervor de dedicação patriotica a que me ufano de poder tributar publica homenagem, o que recommendo, senhores, ao vosso agradecimento em nome da nação. O exercito portuguez foi agora, como sempre será, digno da sua historia.
Cumprindo gostosamente o seu dever constitucional de solicitar a vossa cooperação zelosa e esclarecida, o meu governo submetter-vos-ha, pelos diversos ministerios, propostas de lei que acudam ás necessidades da administração publica mais instantes e reclamadas, e que se inspirem, quanto possível, em princípios que gosem do um geral consenso. Assim, havereis de examinar planos de reorganização dos serviços de instrucção publica, que abranjam o ensino primario e secundario, incluam as academias de bellas artes, providenceiem para que nos museus nacionaes se reunam os objectos de arte nacional que andam dispersos e em risco de perda, e se completem pela remodelação do curso superior de letras, destinado a escola normal do professorado secundario.
Igualmente podereis occupar-vos de uma reforma das instituições policiaes, que as habilite para melhor velarem pela ordem e segurança publica, sem offensa dos direitos individuaes.
Tendo cessado as circumstancias extraordinarias em que foi promulgado o decreto n.° 5 de 29 de março ultimo, hoje convertido era lei, o governo espera quo não duvidareis aperfeiçoar algumas das suas disposições, especialmente para restabelecer a intervenção do jury ou introduzir tribunaes collectivos no julgamento dos delictos de imprensa.
Tambem elle tem elaborado, e ha de apresentar-vos, uma proposta regulando o processo commercial, em conformidade com os estudos feitos pela zelosa commissão nomeada nos termos do artigo 5.° da lei de 28 de junho de 1888.
No empenho de melhorar o regimen das forças defensivas da nação, alem de usar das auctorisações legaes para ir, opportuna e successivamente, reorganisando os quadros e serviços militares, o governo introduzirá modificações na lei do recrutamento, que tornem a sua applicação mais equitativa, e proporá a reforma profunda da administração militar, e um conjuncto de medidas combinadas para alliviarem o exercito das funcções policiaes, que actualmente lhe fraccionam e dispersam as unidades, obstando á sua instrucção profissional.
Attendendo ás necessidades indeclinaveis da marinha de guerra, considerada em si e como meio de defeza e policia das provincias ultramarinas, tambem o governo recorrerá ao poder legislativo para a dotar com o material e o pessoal de que tanto carece; e para que essas províncias honrem, com o seu desenvolvimento, a soberania portugueza, e retribuam ou aligeirem os sacrifícios que por ellas faz a metropole, sujeitará ao vosso exame, alem de um sincero orçamento do ultramar, reformas radicaes na sua administração e contabilidade e a revisão das suas pautas aduaneiras.
Tão pouco ficará desattendido o fomento material do paiz. O ministerio das obras publicas, commercio e industria empenhar-se-ha em proteger o trabalho nacional, e nomeado.
A camara folga de que a nação portugueza tenha recebido de todas as outras nações, e dos seus soberanos e governos, inequivocos testemunhos de sympathia, que do certo obrigam o seu reconhecimento.
A expedição mandada á provincia de Moçambique para cumprimento dos deveres e exercicio dos direitos inherentes á soberania portugueza na Africa oriental, não tem esta camara a menor duvida de que haja sabido cumprir o meu dever com dedicação patriotica, e aqui lhe tributa, satisfazendo a recommendação de Vossa Magestade, e em nome da nação, a homenagem de agradecimento a que tem direito, pois está persuadida, como Vossa Magestade, do que o exercito portuguez ha de ser sempre digno da sua historia.
A camara examinará, como lhe cumpre, com a devida attenção, as propostas do governo sobre tão importantes assumptos de administração publica, como são os que se referem á instrucção, ás instituições policiaes e processo criminal, e a quaesquer alterações que pareça conveniente fazer no decreto n.º 5, de 29 de março do anno findo, ácerca de delictos de imprensa, no sentido de conciliar todas as garantias da liberdade com a responsabilidade effectiva pelos seus abusos.
Examinará igualmente quaesquer propostas no empenho de melhorar as forças defensivas da nação, modificações nas leis do recrutamento e reforma de administração militar, assim como as que attendam ás necessidades da marinha de guerra, e que tenham por fim que as províncias ultramarinas honrem, com o seu desenvolvimento, a soberania portugueza, e retribuam ou aligeirem os sacrificios da metropole.
A camara apreciará, com particular interesse, as propostas destinadas a proteger o trabalho nacional e a agricultura, a atalhar a emigração, o a continuar a utilisar
36*
Página 10
10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
damente a agricultura, occupar-se-ha, de accordo com o ministerio da justiça, da remodelação do regímen da emphyteuse, esforçar-se-ha por atalhar a emigração que ameaça despovoar o paiz, e continuará os melhoramentos publicos já iniciados, embora, muito a seu pezar, se abstenha de iniciar outros, emquanto não for mais desafogada a situação da fazenda.
Ás necessidades derivadas d'essa situação ha de o meu governo subordinar todas as suas iniciativas. Essas necessidades foram, e ainda são, duras. Uma avultada divida fluctuante, cujos encargos tinham de ser satisfeitos em curto praso, a hostilidade acintosa dos portadores dos titulos do emprestimo de D. Miguel, o retrahimento dos capitães nos mercados estrangeiros, aggravado pelas difficuldades de solvencia de uma importante cata bancaria de Londres, cercaram por momentos de graves embaraços o thesouro portuguez. Esses embaraços, é certo, foram removidos por um supprimento que o governo negociou ha pouco na praça de Paris, e ha já agora fundadas esperanças de que a situação fazendaria se desafogue inteiramente em virtude da consolidação da divida fluctuante; todavia, esse desafogo não nos dispensará da obrigação impreterivel de administrar prudente e sobriamente, para que não tenhamos necessidade de, tão cedo, recorrer a novas operações de credito.
É este o inabalavel proposito do governo, que certamente ajudareis a manter. Urge restaurar o equilíbrio orçamental, e o meio de conseguil-o só pôde ser a economia, pois que a situação do contribuinte prohibe impor-lhe novos tributos. Nem esse equilíbrio exige sacrificios e cerceamentos que hajam de desorganisar os serviços ou sustar-lhes os progressos: dado o augmento que têem tido as receitas, mercê da natural expansão da riqueza publica, bastará que as despezas ordinarias não transponham o limite a que attingiram no anno economico de 1887-1888, ainda bem proximo de nós, para que fique um excesso de rendimentos que cubra os encargos das despezas extraordinarias impreteriveis, como são as da defeza do paiz o ns do seu domínio ultramarino. A situação fazendaria nem chega pois a ser difficil desde que saibamos resignar-nos a uma administração sobria, que regule os gastos pelos redditos, e esse é o unico esforço que o meu governo pedirá á nação e aos seus representantes, aos quaes submetterá um orçamento geral do Estado elaborado n'esta conformidade, propondo-lhe ao mesmo tempo algumas providencias tendentes a activar e regular a cobrança dos impostos, sem os acrescentar.
Dignos pares do reino e senhores deputados. - A resenha que vos fiz dos principaes trabalhos que deverão preencher a sessão legislativa ordinaria do corrente anno, devo ter-vos indicado que o meu governo continua empenhado, principalmente, na solução dos problemas governativos, internos e externos, que recentemente trouxeram dias de tribulação e de anciedade á nossa tão querida patria. Confio em que haveis de collaborar n'esse emponho com o conselho esclarecido e o voto auctorisado, concorrendo assim para realçar o nome e alevantar o credito de Portugal perante estranhos, e assegurar á nação portugueza a paz e a confiança, de que ella ha mister para preparar o futuro de prosperidades que tanto merece o seu passado do glorias.
Está aberta a sessão.
convenientemente os melhoramentos publicos já iniciados, emquanto as circumstancias impedem o emprehendimento do outros novos.
As difficuldades financeiras, embora não sejam insuperaveis, impõem de certo ao governo a obrigação impreterivel de administrar prudente e sobriamente. N'esta empenho, a camara auxiliará sinceramente o governo, a fim de se caminhar para a restauração do equilibrio orçamental, tão necessario, não só para a regularisação do nosso estado financeiro, mas ainda para o natural desenvolvimento da economia nacional. A camara faz votos para que se alcancem os resultados que todos desejam, e de harmonia com similhantes intuitos, examinou e examinará todas as propostas do governo, tendentes a este fim.
Senhor. - Collaborar no empenho de resolver os problemas governativos internos o externos, que trouxeram recentemente á patria dias do tribulações e de anciedade, é o nosso dever, e a camara deseja vivamente poder concorrer para levantar o credito de Portugal e assegurar á nação a paz o a confiança de que ella ha mister, para preparar o futuro de prosperidades que tanto merece o seu passado do glorias.
Sala das sessões da commissão, 1 de julho de 1891. = Antonio de Azevedo
Castello Branco = Manuel Pinheiro Chagas = Perdro Victor Sequeira - Antonio Maria Cardoso = Carlos Lobo d'Avila, relator = Tem voto do sr.: José Novaes.
Página 11
SESSÃO N.º 31 DE 8 DE JULHO DE 1891
O sr. Presidente: - Tem a palavra para uma questão previa, o sr. Fuschini.
O sr. Fuschini: - Sr. presidente, em conformidade com o regimento mando para a mesa a seguinte proposta:
(Leu.)
Leu-se na mesa a seguinte:
Proposta
Attendendo ás circumstancias graves do paiz, proponho que a camara approve por simples formalidade a resposta ao discurso da corôa e que convide o governo a apresentar ao parlamento medidas dignas de discussão. = A. Fuschini.
Foi admittida e ficou em discussão conjunctamente com o projecto.
O sr. Fuschini: - A minha questão previa é a seguinte:
«Attendendo ás circumstancias graves do paiz, proponho que a camara approve por simples formalidade a resposta ao discurso da corôa e convide o governo a apresentar ao parlamento medidas dignas de discussão.»
Á camara comprehende bem que o homem, que outr'ora classificou as discussões meramente políticas de jogos floraes e nunca entrou em discussão d'esta natureza, tem algum direito de fazer n'estas circumstancias a proposta, que vou mandar para a mesa.
Esta rasão será, sem duvida, de pequeno valor; mas as que passo a expor têem-n'o grande.
A camara sabe, tão bem como eu, que a lei de meios, approvada já pelo parlamento, não só fez má impressão no paiz, mas no estrangeiro; o que é mais grave n'este momento.
De facto, a fórma por que foi apresentada a lei de meios, as suas disposições enredadas, obscuras e ambíguas não foram de molde para dar ao espirito publico e á espectativa das praças estrangeiras a confiança, que apenas se conquista com a clareza e a percisão de idéas e de planos.
Sr. presidente, Portugal nas circumstancias actuaes está, por assim dizer, diante da objectiva de uma grande machina photographica, que tem os seus clichés em Londres e Paris. O que aqui se passa e se diz, a mais insignificante phrase, tudo é transmitido para aquellas duas praças.
O mau regimen parlamentar, a pessima direcção das discussões, a imperfeição dos projectos apresentados, o silencio obstinado do ministerio nas questões mais importantes, tudo isto tem produzido uma impressão detestavel nos espiritos illustrados quer nacionaes, quer estrangeiros.
O sr. ministro da fazenda disse-nos, quando se simulou discutir a lei de meios, que era necessaria, principalmente, para que no estrangeiro se acreditasse que íamos entrar n'um largo período de severas economias e de rigorosa administração.
Chamo a attenção da camara para esta declaração. O sr. ministro necessitava d'aquelle conjuncto de medidas para restabelecer o nosso credito.
Pois n'aquellas duas importantes praças deu-se um facto singular logo depois de publicada a lei; as cotações dos titulos portuguezes desceram por fórma assustadora.
As previsões do sr. ministro foram perfeitamente illudidas, graças á falta de criterio e de habilidade política, com que foi imposto ao parlamento e por elle submissamente approvado, o mais singular projecto de lei dos tempos modernos; sem exemplo até entre nós, que não somos, certamente, os melhores modelos parlamentares.
Senão, vejamos as ultimas cotações em Londres e Paris.
O projecto da lei de meios, relatado (perdoem-me a expressão) pelas commissões, começou a ser discutido na noite de 23 de junho passado, e a discussão continuou no dia 25; pois bem, tomarei as cotações desde este dia até hoje.
Para simplificar apresentarei, apenas, as cotações de abertura e de encerramento das bolsas, sem attender ás oscillações do dia.
[ver tabela na imagem]
Londres
Em relação a estas cotações, devo observar que nas de junho se comprehende o coupon, e nas de julho, se suppõe o coupon cortado (ex-coupon); a homogeneidade obter-se-ha, portanto, subtrahindo ás primeiras 1,5.
A cotação de hoje é apenas a de abertura, visto que, até á hora em que fallo, não chegaram os telegrammas do encerramento.
D'aqui se conclue, a meu ver muito claramente:
1.° Que as cotações se conservam sensivelmente estacionarias em junho.
2.° Que, apenas cortado o coupon, as cotações de julho se precipitam rapidamente; com effeito a descida é a seguinte:
De 1 para 2 de julho 0,810
De 2 para 3 de julho 0,880
De 3 para 4 de julho 0,690
De 4 para 6 de julho 0,685
3,065
Isto é, mais de tres pontos em cinco dias!
Vejamos, agora, em igual período as cotações em Paris:
[ver tabela na imagem]
As mesmas considerações geraes, feitas antecedentemente, são applicaveis n'este ponto; salvo, apenas, em que o coupon foi cortado no dia 6, o que quer dizer que a cotação d'este dia, ex-coupon, de 40,31, seria com coupon de 42,31.
Em Paris dão-se exactamente os mesmos pbenomenos que em Londres.
1.° As cotações mantêem-se estacionarios em julho.
2.° Em julho a descida é rapidissima.
Página 12
12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
De 1 para 2 de julho.... 0,940
De 2 para 3 de julho.... 0,775
De 3 para 4 de julho.... 0,155
De 4 para 6 de julho.... 1,570
3,440
Isto é, quasi 3,5 pontos em cinco dias!
Ora, aqui não foi a influencia do corte do coupon, que precipitou as cotações; logo, posso attribuir á pessima impressão, produzida pela lei de meios, esta depressão accentuada na cotação do nosso papel e portanto no nosso credito.
Pelo menos, estou auctorisado a responder ao sr. ministro: que as suas esperanças na boa influencia da lei de meios foram completamente illudidas, como o demonstram os factos.
Mas, pôde dizer-se que se a lei de meios não beneficiou o credito, tambem o não peiorou; que o facto da depressão seguiu a lei, não derivando d'ella. Post hoc, non propter hoc.
Vamos, pois, procurar alguns outros factos para demonstrar, se effectivamente foi esta triste lei, que produziu estes resultados.
Se a camara quizer ler L'Economiste français de sabbado, 27 de junho, encontrará um artigo de Leroy Beaulieu intitulado Finanças avariadas. Republica Argentina, Brazil, Portugal, Hespanha, Grecia, etc., etc.
Chamo a attenção da camara para estes periodos:
"Portugal, muito embaraçado ao mesmo tempo por faltas numerosas e por circumstancias desfavoraveis, taes como as difficuldades coloniaes com a Inglaterra, phantasia um deboche (sic!) de projectos um pouco incoherentes.
E mais adiante:
"A todos estes paizes impõe-se o mesmo dever, eliminar os deficits orçamentaes e levantar o curso cambial; estes dois fins são connexos; não é por expedientes que se pôde prover de remedio a estes males, mas por uma vontade firme, um regimen severo, seguido com paciencia durante muitos annos consecutivos."
Aprecie a camara as opiniões d'este illustre economista ácerca dos planos do sr. Marianno de Carvalho.
Eu podia citar outros artigos e outras apreciações, mas é inutil.
E não se pense que a critica de Leroy Beaulieu tem pequena influencia no mundo financeiro. A auctoridade scientifica d'este nome é hoje europêa; importante até entre nós, que tantas vezes o temos ouvido citar na camara e o vimos, ainda ha pouco, fazendo parte da administração de uma poderosa companhia portugueza.
Alem d'isso, esta critica tem tanto mais valor, quanto assenta sobre factos verdadeiros, que foram apontados até no parlamento portuguez.
Ha, ainda, n'este artigo um periodo, que desejo ler á camara, porque dá plena rasão ás minhas teimosas insistencias, para que o sr. ministro diga o que pensa sobre a transformação da moeda:
"Comprehende-se, tambem, que o ministro das finanças em Portugal falle em estabelecer o duplo estalão (o bi-metalliamo) no momento em que nem um só paiz do mundo se acha n'este regimen effectivo, que importa uma perda de 25 por cento na totalidade da circulação monetaria?"
Este artigo, que não podia conhecer quando a este ponto me referi na camara, prova o bem fundado do meu receio, quando oiço fallar vagamente em modificação da moeda.
Pôde ser isto, ainda, um pessimo expediente de momento, que nos acarretará - quem sabe? - enormes difficuldades futuras.
O sr. ministro, porém, não quer fallar e o parlamento acceita-lhe benevolamente esta pertinacia. Sou fraco para luctar só com o ministro, quanto mais...
Ainda outro ponto.
Ha poucos dias foi dirigida uma carta a alguem de importancia, que vive em Lisboa, na qual um banqueiro francez, fazia a seguinte pergunta:
"- Poder-me-ha dizer alguma cousa sobre essa enigmatica lei de meios, que foi publicada ultimamente."
O nosso illustre conterraneo devia responder pouco mais ou menos isto:
"- Enygma por enygma, é tão completo em França como em Portugal. Cá ninguem a percebe."
O sr. Fernando Palha: - A resposta é de banqueiro.
O Orador: - Será, mas com banqueiros é que nós tratamos; foi aos banqueiros francezes e inglezes que o sr. ministro dirigiu e sobrescriptou a sua lei de meios, como o plano salvador das finanças portuguezas; portanto, a opinião ha de ser dos banqueiros, aos quaes o sr. ministro pertendeu infundir confiança.
Francamente, se em logar de ser de banqueiros, a opinião fosse de confeiteiros, não lhe daria importancia alguma; mas, n'este caso, alguma lhe devemos ligar.
O que acabo de expor, leva-me a crer que se ao paiz sensato não agrada a maneira incorrecta, pela qual o governo está procedendo para com o parlamento, e a fórma verdadeiramente enigmatica, como apresenta pedidos de auctorisação, que, estou quasi a affirmar, não sabe ainda como ha de usar d'ellas, muito menos agrada tudo isto aos homens serios estrangeiros, que nem, ao menos, têem a paixão política para lhe obscurecer e desvairar as faculdades.
Por estas rasões, parece-me mais conveniente que a camara resolva não discutir a resposta ao discurso da corôa, e convide o governo a apresentar medidas dignas de discussão.
Francamente, é ridícula a discussão de um documento, que tem seis ou sete mezes de existencia e do alto da sua inutilidade já viu não sei quantas reconstrucções ministeriaes; votemos, pois, por formalidade, a resposta á falla de Sua Magestade para ella não se agastar, e passemos a outras questões. Se o governo não tem cousa valiosa para discutir, feche o parlamento e vá estudar, o que não sabe, durante as ferias parlamentares.
Depois de reduzir o parlamento a simples chancella, exactamente nos assumptos que mais interessam a administração publica, é melhor não discutirmos a resposta ao discurso da corôa para nos pormos na situação do Christo escarnecido pelos phariseus.
Todo o respeito e consideração pela camara se reduzirá a deixal-a discutir, amplamente, um documento politico, sem valor na essencia e na fórma antiquado, velha formula já condemnada em todos os paizes.
Effectivamente, os discursos do throno podem ter alguma importancia, quando envolvem questões internacionaes, ou são as palavras sagradas dos grandes oraculos da paz europêa; no nosso pequeno paiz são inuteis em geral e ás vezes, como no caso presente, ridiculos.
Parece me um supremo sarcasmo, ou uma ironia pungente, não fornecer ao parlamento elemento algum de trabalho util e positivo, e deixal-o discutir em jogos floraes a resposta ao discurso da corôa.
Se querem fazer economias, fechem o parlamento, visto que elle para nada lhe serve.
Privar-nos-hemos, porventura, de um ou outro bom discurso, de caracter politico-nacional; podemos, porém, fazel-o em família, ou escrevel-o. Pela minha parte não tenho duvida alguma em auctorisar, com o meu voto, quo se publique no Diario da camara, como pertencendo a uma hypotetica discussão, qualquer discurso florido e matisado.
Assim salvaremos tudo, a rethorica dos jovens oradores, a sabedoria dos velhos e até a logica.
Se não somos capazes de discutir a questão financeira; se os interesses nacionaes podem ser melhor salvaguardados pelos homens que se sentam n'aquellas cadeiras (as do governo} do que por nós; se não temos o direito de apresentar ao paiz uma apreciação estudada e pensada da sua
Página 13
SESSÃO N.º 31 DE 6 DE JULHO DE 1891 13
situação, visto que nos negam planos e idéas, factos e documentos; se não temos o orçamento rectificado, porque o sophismaram na lei de meios; se não publicam os contratos senão mezes depois de realisados os respectivos emprestimos; se para conhecer as ultimas operações realisadas em Paris, pelo sr. Marianno de Carvalho, é necessario que os deputados conversassem confidencialmente com o mesmo sr. ministro; se tudo se entrega ao patriotismo do ministerio, que julgo grande, e aos seus famosos planos, que julgo ainda maiores; se o parlamento não é senão uma simples chancella para, ao sabor do poder executivo, pôr o signal da responsabilidade nacional por baixo de documentos, de que ignora absolutamente o alcance; se nós, parlamento, nada fazemos, então fechemos isto e vamos para casa descansar, deixando aos novos salvadores o direito de fazerem de nós o que bem quizerem.
Em momento opportuno, apenas teremos de investigar qual o premio que devemos conceder a estes illustres dictadores, se leval-os em grande triumpho até ao Capitolio, se obrigal-os a dar um passeio, mais largo, até á beira da Rocha Tarpeia.
Que, elle, ha um meio seguro de evitar a Rocha Tarpeia. É em tempo opportuno uma emigração rapida.
Espero ainda não desejo de fórma alguma, que tal aconteça, quando o paiz estiver a braços com graves difficuldades e olhar em volta de si, procurando os seus causadores, conscientes ou inconscientes, espero ainda vel-os, veraneando ou invernando em Paris, em Londres, em Vienna, no goso de avultadas fortunas, emquanto que, morrendo á fome, ficarão no paiz, aquelles que hoje, como hontem, não foram ouvidos sequer na administração publica, nem attendidos nos seus protestos e nos seus conselhos.
É possível que se diga que fallo d'esta tribuna com certa liberdade de linguagem, que antigamente não empregava. É certo, e a mim proprio este facto me causa espanto!
Francamente, attribue-o mais á acção do meio exterior sobre mim, de que a modificações profundas na minha essencia e no meu caracter.
Outr'ora, suppunha-me um elemento parlamentar activo e pensante. Estudava as questões como podia e devia, expunha perante o parlamento e o paiz, o que julgava justo em face dos princípios e util em face dos interesses publicos.
Hoje, não; sinto-me amesquinhado e inutil. Reduzido a uma especie de minoridade, esmagado por uma tutela, que eu talvez mereça, mas que o meu caracter não supporta.
Vejo caminhar os acontecimentos, prevejo-lhe os resultados, presinto que na mesma catastrophe se subverterão homens e instituições e a minha palavra e a minha acção são impotentes.
A oligarchia politica absorveu tudo. O governo do paiz está concentrado na mão de um pequeno numero de políticos, que apertam as fileiras para que ninguem entre de novo, que escondem as suas idéas, se as possuem, para que ninguem as discuta.
Estamos na epocha dos genios. A política, isto é, a sciencia da administração publica, tornou-se secreta. É uma verdadeira alchimia.
Seis milhões de homens soffrem, seis milhões de portuguezes, entre os quaes ha, certamente, tão bons cerebros, tão boas competencias, tão acrisolado patriotismo, pelo menos, como os dos homens, que a todo o transe teimam em governar o paiz; pois bem, a nação inteira que se entregue adormecida e confiada na mão d'estes hypotheticos salvadores!
Mas, foram exactamente esses homens que nos impelliram para este cumulo de difficuldades? Elles proprios o confessaram!
Estão arrependidos? Quem sabe. O mysterio envolve, absolutamente, as suas idéas e até as suas intenções.
São sinceros patriotas? Talvez. A prova da regeneração só o futuro a póde dar. Estranha theoria de governo é esta! Acceite-a quem quizer, não eu.
Portugal não é o unico paiz parlamentar do mundo; direi até tristemente, é o ultimo. Creio que, se os meus illustres collegas abrirem os annaes parlamentares de todas as nações, não verão em algum declarações parecidas, com as que acaba de fazer o sr. Marianno de Carvalho. Não porque todas as nações não tenham atravessado crises tão graves, como aquella que nós atravessámos, e circumstancias ainda mais difficeis; mas porque lá não existem genios; não ha homens, que tenham a audacia de se impor ao seu paiz como salvadores, negando-lhe o direito de apreciar os meios o os processos de salvação.
Porventura a França, a Inglaterra, a Belgica e a propria Hespanha até, que no regimen parlamentar ainda nos é superior ao menos pelo respeito apparente pelo parlamento, não têem atravessado crises?
Quando se ouviu dizer aos seus estadistas que guardam segredo absoluto sobre questões, que envolvem interesses nacionaes mais sagrados e importantes, porque têem medo de prejudicar os seus planos e as suas idéas?
Francamente, fechem o parlamento; restaurem o governo absoluto, escolham o Senhor D. Carlos I ou o Senhor D. Miguel II, para mim é indifferente, lancem-se abertamente no campo da reacção; mas não sophismem grosseiramente o regimen parlamentar.
O regimen parlamentar tem inconvenientes, certamente; mas resgata-os com vantagens indiscutiveis. Não será bom, mas não ha melhor por emquanto.
É o governo do paiz pelo proprio paiz; não é o governo do paiz por um simples grupo de homens, em circumstancias tanto mais aggravantes, quando quasi todos são fautores directos das difficuldades, em que elle se encontra!
Sr. presidente, é preciso acabarmos com estes sophismas, que não enganam alguem. Quem são os responsaveis pelo estado actual de cousas? É o sr. Arriaga, republicano, que nunca foi ministro? São os outros membros d'esta camara, que nunca foram ministros e têem protestado, com a sua palavra e com os seus actos, contra a direcção política e administrativa do paiz nos ultimos annos?
Não! Os responsaveis são os que directamente collaboraram n'este terrivel trabalho de imprevidencia e de destruição.
Os maiores responsaveis são aquelles que, no fastigio do poder, tiveram por largo tempo na sua vontade e na sua mão os destinos do paiz.
São esses vinte ou trinta ministros effectivos e honorarios, com assento n'esta e na outra casa do parlamento, que descuraram a administração, viciaram a política, desconceituaram o parlamento e deixaram, imprevidentemente, enleiar a nação na rede de dificuldades, que a aperta e suffoca!
São esses mesmos, que hoje, perante o paiz attonito, fazem acto de contricção; continuando, aliás, a empregar os mesmos processos, que foram a causa da nossa ruina!
A opinião publica que os julgue imparcialmente no seu passado, e, acordando energica e resolutamente, acautele no futuro, aliás incerto e temeroso, os interesses sagrados da patria portugueza.
Tenho dito.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Declarou que seria muito breve, não porque não lhe merecessem muita consideração as ponderações do illustre deputado, mas porque s. exa. não trouxera nada de novo para o debate.
O sr. deputado sustentara a necessidade da resposta ao discurso da corôa ser considerada como simples comprimento á corôa, mas a maneira como procedera não estava em harmonia com a opinião que manifestara, porque esti-
Página 14
14 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
vera tratando de differentes assumptos, que nada tinham com o assumpto em discussão.
Dissera o sr. deputado que depois da publicação da lei de meios os nossos fundos tinham descido lá fóra. Infelizmente, assim era; mas as causas não eram as que o illustre deputado referira.
Quando os fundos lá fóra sohem ou descem, procura saber qual a rasão. Um dia houve uma baixa nos fundos, procurou saber a rasão d'isso, e soube que quarenta e oito horas depois de se começar a pagar em Paris o bond, em Londres se affirmára que o bond se pagaria em Londres, mas não em Paris.
Cada dia se inventava um boato, devido a que os jogadores da bolsa especulavam com tudo. Os jornaes estrangeiros até especulavam com actos bem intencionados, mas ás vezes imprudentes, de jornaes portuguezes, que pintavam o nosso estado com cores mais negras do que realmente elle é.
Dissera o illustre deputado que dos bancos do governo tinham saído vozes de desanimo. Isto não era exacto, porque dos bancos do governo nunca saíram vozes de desanimo, e pelo contrario, o governo tem dito que ha de sair triumphante d'esta crise, como temos saído de outras, e tanto mais facil sairemos triumphantes, quanto mais formos prudentes e mais formos zelosos em cumprir as nossas obrigações.
Não lhe parece que no discurso do illustre deputado houvesse mais algum ponto que merecesse resposta da sua parte; mas se o houvesse e lhe fosse indicado tomaria de novo a palavra.
(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Francisco Beirão: - Pedi a palavra para declarar, em nome da minoria progressista, que votámos o projecto em discussão como um acto de cortezia para com o chefe do estado.
O sr. Manuel de Arriaga: - Sustento a seguinte
Moção
Proponho que o final do projecto da resposta ao discurso da corôa seja substituido pelo seguinte periodo:
Isto diriamos a Vossa Magestade se podessemos continuar no caminho das ficções constitucionaes que temos trazido até hoje.
Como, porém, aquellas praxes, apparentemente inoffensivas, esconderam e em parte originaram os desastres que actualmente affectam o capital, o trabalho, o commercio, a industria e a agricultura, e trazem sobresaltado o espirito publico, derramando por toda a parte o receio e a desconfiança; e como por outro lado a salvação publica reclama um systema de medidas radicaes que destruam pela base o mal já feito, e inspirem dentro e fóra do paiz o credito a que a nação portugueza tem indiscutivel direito; a camara espera que essas medidas só não farão esperar; e que tendo de trazer comsigo sacrificios, a ninguem seria mais agradavel recebel-os e mesmo offertal-os, do que ao primeiro magistrado da nação.
Sala das sessões. - O deputado por Lisboa, Manuel de Arriaga.
O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta apresentada pelo sr. Manuel de Arriaga.
Lê-se a seguinte:
Proposta
Proponho que o final do projecto da resposta ao discurso da corôa seja substituído pelo seguinte período:
Isto diriamos a Vossa Magestade se podessemos continuar no caminho das ficções constitucionaes que temos trazido até hoje.
Como, porém, aquellas praxes, apparentemente inoffensivas, esconderam e em parte originaram os desastres que actualmente affectam o capital, o trabalho, o commercio, a industria e a agricultura, e trazem sobresaltado o espirito publico, derramando por toda a parte o receio e a desconfiança; e como por outro lado a salvação publica reclama um systema do medidas radicaes que destruam pela base o mal já feito, e inspirem dentro e fóra do paiz o credito a que a nação portugueza tem indiscutivel direito; a camara espera que essas medidas se não farão esperar; e que tendo de trazer consigo sacrificios, a ninguem seria mais agradavel recebel-os e mesmo offertal-os, do que ao primeiro magistrado da nação.
Sala das sessões. = O deputado por Lisboa, Manuel de Arriaga.
Foi admittida.
O sr. Presidente: - Como não está mais nenhum sr. deputado inscripto vae ler-se o projecto para se votar.
Lê-se o projecto.
O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta apresentada pelo sr. Fuschini.
Lida e posta á votação foi rejeitada.
O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta apresentada pelo sr. Manuel de Arriaga.
Lida e posta á votação foi rejeitada.
Em seguida foi approvado o projecto n.º 13.
O sr. Alberto Pimentel: - Por parte da commissão de redacção mando para a mesa a ultima redacção do projecto n.º 14.
Foi approvada.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto n.º 15.
Leu-se na mesa o seguinte:
PROJECTO DE LEI N.° 15
Senhores. - A vossa commissão de instrucção primaria e secundaria foi presente o projecto de lei n.º 156-D, apresentado em sessão do 15 de julho do anno findo, para serem, dispensados a Manuel de Oliveira Neves os preparatorios exigidos pelo artigo 11.° da lei de 12 de agosto do 1854, para ser admittido a exame de pharmacia.
A vossa commissão, considerando que o interessado tem oito annos de pratica do serviço de pharmaceutico, legalisados pelo competente registo na escola medico-cirurgica de Lisboa, e que exerceu em pharmacia propria, na villa do Dondo, o serviço de pharmaceutico por mais de dois annos, com auctorisação da junta de saude naval da provincia de Angola, e com boas informações do delegado de saude;
Considerando que em Loanda não existe, infelizmente, um lyceu onde o interessado podesse obter os exames de preparatorios para, em virtude da lei vigente, poder fazer exame na escola medico-cirurgica de Lisboa;
Julgando, porém, que não é justo que um pharmaceutico, a quem sejam dispensados os preparatorios, fique em condições perfeitamente iguaes aos da sua classe, que deram todas as provas exigidas por lei; é de parecer que seja approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° São dispensados a Manuel de Oliveira Neves os preparatorios exigidos pelo artigo 11.° da lei de 12 de agosto de 1854, para ser admittido a exame de pharmacia de que trata o artigo 136.° do decreto de 29 de dezembro de 1836, ficando assim habilitado exclusivamente para exercer pharmacia nas provincias ultramarinas, sem direito a entrar nos quadros do pharmaceuticos da mesma província.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão de instrucção primaria e secundaria, em 2 de julho de 189l. = Amandio E. da Mota Veiga = Luciano Monteiro = Costa Moraes = Alberto Pimentel = L. Cordeiro, relator = Tem voto do sr. Marcellino de Mesquita,
Página 15
SESSÃO N.° 31 DE 6 DE JULHO DE 1801 15
N.º 156-D
Senhores. - A provincia de Angola está ainda hoje desprovida de todos os melhoramentos scientificos indispensaveis para o progresso e desenvolvimento intellectual dos seus naturaes, que alguns, felizmente, a par dos poucos recursos que aquella província possue, têem já dado brilhantes provas do seu talento.
Muitos existem, porém, em embryão, e continuarão existindo, emquanto aquella provincia não for dotada de estabelecimentos scientificos que tão indispensaveis se tornam.
Na ausencia d'esses estabelecimentos scientificos, que poderá fazer a mocidade estudiosa, quando se lhe exigir para o adiantamento da sua carreira documentos justificativos e legaes?
Como alcançal-os? Abandonando a sua terra natal, e custando-lhe a sua mais modesta educação o quadruplo ou mais, do que a educação mais completa. E se presentemente se não pôde dotar a província de Angola d'esses estabelecimentos, não ha rasão, nem se justifica, que não possa obter-se pela pratica aturada, com estudo consciencioso, como se obtem nas escolas, o que no reino se exige acompanhado da theoria unicamente reconhecida nas escolas.
O parlamento, por considerações similhantes, melhor deduzidas naturalmente, já attendeu, pela lei de 13 de março de 1884, a André Gonçalves Pinto, a dispensa de preparatorios exigidos, para ser admittido a exame de pharmacia, pelo artigo 11.° da lei de 12 de agosto de 1854, aos candidatos a pharmaceuticos.
Acresce que com Manuel de Oliveira Neves dá-se o facto de ter a pratica de oito annos registada na escola medico-cirurgica de Lisboa, sendo cinco annos em pharmacia propria na villa. do Dondo, como os documentos juntos comprovam.
São incalculaveis os serviços prestados por Manuel de Oliveira Neves á humanidade, não só n'aquella villa, como nos arredores, pela sua profissão, que se veria desacompanhada do soccorro da medicina quando se não desse essa valiosa cooperação ao medico; e comtudo, doura momento para o outro, quando já não esteja em idade do encetar nova carreira, pelo facto de não se habilitar legalmente, pôde ser-lhe caseada a licença do logar que até ahi exerceu sempre bem, dando provas de competencia.
Em virtude das rasões expostas, e de outras que não desenvolverei, e que á illustrada comprehensão da camara naturalmente lhe suggere, tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° São dispensados a Manuel de Oliveira Neves os preparatorios exigidos pelo artigo 11.° da lei de 12 de agosto de 1854, para ser admittido a exame de pharmacia, de que trata o artigo 165.° do decreto de 29 de dezembro de 1836.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. - Sala das sessões da camara dos deputados, em 15 de julho de 1890. = Pedro Ignacio de Gouveia, deputado pelo segundo circulo de Loanda.
O sr. Presidente: - Está em discussão.
(Pausa.)
Como nenhum sr. deputado se inscreve, vae votar-se.
Foi approvado o projecto.
O sr. Presidente: - Como o sr. Jacinto Candido tinha pedido a palavra para antes do se encerrar a sessão, a fim de tratar de um negocio urgente, tem a palavra o sr. Jacinto Candido.
O sr. Jacinto Candido (para antes de se encerrar a sessão): - Sr. presidente, pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão, e peço um pouco a attenção de v. exa. e da camara para um assumpto importante, que acaba de chegar ao meu conhecimento, e que determinou uma discussão, hoje, na camara dos dignos pares do reino, sobre a lei de meios.
Refiro-me a uma emenda apresentada pelo sr. Elvino de Brito e acceita pelas commissões, devidamente modificada, de accordo com o governo, que esta camara votou, e que foi inserida n'aquella lei. Os factos são os seguintes: O sr. Elvino de Brito apresentou, na sessão nocturna de 23, a seguinte emenda:
(Leu.)
Como v. exa. vê, foi apresentada em sessão diversa d'aquella em que teve logar a votação da lei de meios. Essa proposta foi submettida á apreciação das commissões, e estas, de accordo com o governo, fizeram-lhe uma alteração, introduzindo-lhe no final as seguintes palavras:
(Leu.)
Estas palavras foram escriptas pelo proprio punho do sr. ministro das obras publicas. Quando se tratou da votação do projecto, foi a emenda lida na mesa, assim, d'esta fórma, com este additamento introduzido nas commissões, e eu, por parte das commissões reunidas, declarei que, de accordo com o governo, se acceitava essa proposta.
Procurando se, porém, no Diario das sessões d'esta camara, a sessão d'esta noite, em que foi approvada a lei de meios, encontra-se a emenda do sr. Elvino de Brito coma approvada, mas tal qual como elle a apresentara na sessão de 23, isto é, sem o additamento feito nas commissões.
De fórma que dos registos officiaes d'esta camara não consta o additamento, e por isso naturalmente surprehendeu que na lei apparecesse uma disposição, que não era aquella que no Diario das sessões fóra votada, e d'esta surpreza, perfeitamente justa, derivou a questão, que acaba de ter logar na camara dos dignos pares.
Como se vê tudo provem de um erro do Diario das nossas sessões, e a esse erro se resuma tudo. Se na acta d'essa sessão tivesse vindo a emenda do sr. Elvino de Brito, lida na mesa, isto é, tal como foi approvada pelas commissões, com o respectivo additamento, não havia rasão para o menor reparo, porquê foi assim que ella foi votada pela camara; e por isso inserida na lei tal qual se encontra. D'este erro se induziu que a emenda fóra votada tal qual o sr. Elvino de Brito a apresentara, e por consequencia que o additamento só poderia ter sido feito posteriormente á votação.
Ora isto é que é falso, porque os factos passaram-se como eu acabei de expor a v. exa. e á camara.
De uma parte, ha este Diario das nossas sessões; de outra, ha o meu testemunho, que garanto com a minha palavra de honra, porque tenho exacta e perfeita memoria dos factos, e ha o testemunho da mesa, que ainda ha pouco ouvi, consultando-a sobre se se lembrava d'este caso, e penso que haverá o testemunho de quantos assistiram a essa sessão, e prestaram devida attenção ás votações, a ouviram a leitura das emendas.
Depois do que levo dito creio que não ficará a menor duvida sobre a fórma porque as cousas se passaram, e que fica bem manifesto o erro, praticado na confecção d'esta sessão, e que acabo de notar n'este Diario.
Claramente o empregado, que a organisou, não foi ver as emendas, nos seus autographos, e guiou-se pelo que constava da acta da sessão, em que o sr. Elvino de Brito as apresentou, e por isso a transcreveu sem o additamento introduzido e com o qual eu affianço á camara ter sido votada. (Apoiados.)
O sr. Francisco Machado: - O illustre deputado pôde fazer um pedido á mesa, é que se mande ler a acta da sessão e confrontal-a com o extracto da sessão, porque o extracto ás vezes differe muito da acta.
Orador: - Eu tenho aqui a acta official.
O sr. Francisco Machado: - Peço perdão, isso não é a acta da sessão, é o Diario das sessões d'esta camara. O que pedia a v. exa. era a fineza de mandar vir o manuscripto da acta. É só para esclarecer.
O Orador: - Não tenho n'isso a menor duvida. O meu proposito era fazer a v. exas. e á camara esta declaração, e garantir lh'a com o testemunho da minha boa fé, da minha honestidade e da minha palavra do honra.
Página 16
16 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
A letra, que se encontra na emenda, e pela qual foi feito o additamento, é do sr. ministro das obras publicas; e creio que s. exa., como todos os membros do governo, como a mesa, e todos d'esta casa, estão superiores a quaesquer suspeições, que pretendam levantar-se, sobre a possibilidade da introducção de uma emenda, illicita, illegal, ou indevidamente. (Apoiados.)
O original da proposta apresentada está na secretaria d'esta casa, pôde ser visto e examinado por quem o queira fazer; tem a nota de approvada, posta pela mesa; emfim está legalissima. E póde a camara ter a certeza, de que, effectivamente, quando teve logar a votação da emenda, já o additamento lá estava escripto, e assim foi mandada para a mesa e votada.
Mas em todo o caso entendo, talvez, para aclarar mais este assumpto, ser conveniente a camara pronunciar-se novamente sobre o assumpto.
A rasão de ser d'este additamento foi entender-se nas commissões que era mister considerar se a necessidade de manter os contratos, que estavam em via de execução regular no momento presente; e que seria prejudicial ou nocivo aos interesses publicos, e offenderia mesmo direitos já creados, o negar-se-lhes o visto do tribunal de contas; e por outro lado ainda a lei devendo começar a vigorar apenas, no momento em que fosse approvada, não podia, por isso, legislar para os contratos legaes e regulares, e já existentes áquella data.
O fim unico das commissões, foi garantir estes direitos adquiridos; foi este o pensamento, que presidiu áquella excepção; e foi assim que a emenda foi apresentada á camara, lida na mesa, e approvada.
O sr. Francisco Machado: - O illustre deputado dá-me licença?
O Orador: - Sim senhor.
O sr. Francisco Machado: - Se v. exa. não viesse aqui fazer essa declaração, poupava pelo menos ao paiz 6 contos de réis por anno; e se a camara quer eu demonstro-lh'o. Era melhor s. exa. deixarem as cousas como estavam.
O sr. Presidente: - O illustre deputado não tem a palavra.
O sr. Francisco Machado: - O illustre orador deu-me licença para interrompei o e fazer esta pequena observação.
O Orador: - Eu dou a minha palavra de honra ao illustre deputado, que não sei absolutamente nada do que significa esta lei, sob o ponto de vista d'este, d'aquelle, ou d'aquell'outro contrato particular, ou especial.
Sei apenas que isto representa uma alteração introduzida no projecto com o intuito de salvaguardar contratos feitos até esta data, e que já estavam em execução legal, contratos que podiam ser prejudicados, e cuja annullação podia ir offender direitos de terceiros.
Sei que existem esses contratos; se dizem respeito a Antonio, a José, ou a Manuel, não sei, nem d'isso procuro saber. Se são legaes devem subsistir, se o não são não lhes dá validade a excepção da lei, e continuam nullos, e sem valor.
Este ponto é que é preciso firmar bem. A excepção, representada pelo additamento, não pôde ter os effeitos que o illustre deputado receia, porque não vae dar validade ao que é nullo, nem regularisar o que é irregular.
Não cria nem dá direitos novos. Mantem apenas os direitos já existentes. (Apoiados.)
Quando aprecio uma lei nos seu preceitos ou nos seus effeitos, não olho, nem posso olhar, a casos especiaes, nem a hypotheses individuaes, considero-a sob um ponto de vista geral, e attendo a uma generalidade de casos.
Esta aclaração, que venho fazer, tem por fim firmar o pensamento, que presidiu áquella emenda, e provocar uma manifestação da camara sobre a fórma como ella foi votada.
qui o que houve foi erro, um lapso, quando se fez esta sessão; houve pouco cuidado; quem a fez, em vez de transcrever a emenda, tal qual foi approvada, copiou a emenda da anterior sessão.
A questão, portanto, reduz-se a uma questão de erratas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Francisco Machado: - Sr. presidente, eu tenho a dizer o seguinte: A aclaração que o meu illustre amigo o sr. Jacinto Candido fez, e tenha s. exa. a certeza de que eu acredito que ella é feita na melhor boa fé, traz uma despeza de 6 contos de réis por anno! Não me parece que as declarações do governo, de que quer fazer economias, se coadunem com estes processos, que não são nada regulares. Vou dizer á camara qual o fim para que se quer introduzir agora uma emenda n'uma lei já votada.
Consta-me, que se fez no testamento do ministerio regenerador, e quando o governo já estava demittido, um arrendamento de duas herdades no Alemtejo denominadas Almarjão e Chancellaria, para estabelecimento de potris militares, por 6 contos de réis por anno, ficando o proprietario com os rendimentos do azeite e cortiça, unicos que produzem! O tribunal de contas não quiz pôr o visto para este pagamento, porque descobriu que o contrato do arrendamento não estava legal. Creio que ha mais algumas propriedades arrendadas nas mesmas condições, e que se pretende com esta emenda salval-as.
O tempo explicará tudo.
Ora, s. exa., com essa aclaração, vae fazer, repito, com que o estado pague 6 contos de réis por anno, e isto n'uma occasião em que se diz que querem fazer economias e não despezas!
Tenho a certeza das boas intenções de s. exa. Mas o que é facto é que este proprietario não só fica com a cortiça, cora 6 contos de réis annuaes, mas exigiu que o ministerio da guerra lhe comprasse todo o gado que ali existe por 12 contos de réis, tendo segundo me consta recebido já algum dinheiro por conta. Esse gado consta de cabras, vaccas, porcos e ovelhas. Só vaccas tem cento e tantas!
Se a aclaração, que s. exa. veiu fazer é para isto, como parece, eu declaro que a acho phenomenal, alem da originalidade de se introduzir uma emenda n'uma lei já votada, emenda que prejudica o paiz.
Mas, como o governo declara que nos quer salvar com estes processos, eu registo-os para em tempo opportuno liquidarmos contas.
Não digo mais nada, porque a responsabilidade fica a quem se mette em taes aventuras.
O sr. Ministro do Reino (Lopo Vaz): - Aqui ha diversas questões, a primeira é saber o que se votou na camara dos senhores deputados, a segunda é saber a interpretação que pôde ter essa emenda, a terceira é saber se assim interpretada é conveniente ou nociva aos interesses publicos.
A primeira e mais importante n'este momento é áquella a que acaba de referir-se o illustre relator da lei de meios, o sr. Jacinto Candido. Eu pedia para ella a attenção da camara, porque, se ella tivesse votado uma cousa differente d'aquella que foi enviada á camara dos dignos pares, esse caso envolveria um vicio de lei, quer a disposição seja boa ou má; se, pelo contrario, a camara dos senhores deputados votou, como creio, a emenda que foi remettida (Muitos apoiados) á outra camara, o vicio da lei desapparece completamente.
Associo-mo ao pedido do sr. relator do projecto da lei de meios, para que a camara dos senhores deputados tome uma resolução official sobre este assumpto, desde que se levantaram duvidas a este respeito; por isso mesmo que a verdade dos factos pôde influir na verdade e na constitucionalidade da lei ultimamente promulgada.
É uma questão que pertence á camara decidir e com a
Página 17
SESSÃO N.º 31 DE 6 DE JULHO DE 1891 17
qual eu nada tenho, como membro do governo, salvas as providencias a adoptar no caso de estar viciada a lei.
Em relação ás vantagens da emenda que foi inserta na lei de meios, se por acaso se reputasse que ella é menos conveniente aos interesses publicos, a camara tem a possibilidade de por meio de uma nova lei destruir esta disposição; e se se propozer fazel-o, o governo, perante as commissões respectivas, apresentará a sua opinião.
Todavia, devo dizer a v. exa. e á camara, em resposta ao sr. Francisco José Machado, que não me parece que o assumpto a que s. exa. se referiu possa ter as consequencias que s. exa. citou, em face da emenda de que estamos tratando. Acrescentarei, em relação ao arrendamento da propriedade para um potril, a que s. exa. se referiu, que que desde que o tribunal de contas votou contra o registro d'esse contrato, o que envolve a recusa do visto a quaesquer ordens de pagamento para execução d'elle, não póde o contrato ser considerado em execução regular; o governo não considera esse contrato em execução regular, (Muitos apoiados) e por consequencia não é elle abrangido, nem revalidado pela disposição final do additamento, que trata sómente de contratos em regular execução.
Já fiz esta mesma declaração na camara dos dignos pares e tenho o maior prazer em a deixar consignada na camara dos senhores deputados.
Qualquer que seja a opinião de cada um dos senhores deputados sobre o additamento ou emenda a que me tenho referido, urge assentar e resolver definitivamente sobre as duvidas que se suscitaram ácerca da votação d'esta camara, porque a lei está vigorando e se houver algum vicio constitucional é urgente que elle se emende, e se o não houve é necessario que o espirito publico se tranqnillise.
É indispensavel que não haja a mais pequena duvida sobre os factos aqui praticados, que se esclareçam todas as suspeitas, que se verifique se houve apenas, como creio, uma incorrecção na redacção da acta e do boletim parlamentar a que o sr. relator alludiu, ou se realmente ha differença entre o que a camara votou e a mensagem enviada á outra camara.
O sr. Luciano Cordeiro: - Eu creio, sr. presidente, que não se trata de renovar a discussão (Apoiados.) sobre um assumpto, que na memoria de todos nós ficou perfeitamente resolvido.
Mas é absolutamente necessario liquidar na acta a duvida que se suscitou sobre a genuidade da redacção do projecto, na sua passagem d'esta para a outra casa do parlamento, e eu, se a camara m'o permitte, por iniciativa propria, sem me auctorisar sequer com a qualidade do meu pessoal e directo testemunho como membro que tenho a honra de ser da commissão, de redacção, proponho já a seguinte aclaração, ou como v. exa. melhor classifique, para que peço urgencia:
(Leu.)
Leu-se na mesa o seguinte:
A camara declara que votou o additamento de que se trata, exactamente como se acha consignado na lei de meios. = L. Cordeiro.
Foi admittida.
O sr. Francisco Machado (para um requerimento): - Sr. presidente, eu requeiro a v. exa. que mande ler a acta d'essa sessão porque desejava confrontal-a com o respectivo extracto. Como são dois documentos differentes, o que não vem no extracto da sessão pôde vir na acta, pois pude ter havido um erro que esse documento venha desfazer.
O sr. primeiro secretario leu a acta.
O sr Presidente: - Esta acta, como v. exa. acaba de ouvir, refere-se á n.º 18, que está igual ao que se acha no Diario das sessões da camara.
O sr. Francisco Machado: - É uma curiosa coincidencia! Ambos os documentos estão errados em ponto tão importante!
O sr. Emygdio Navarro: - Pela sua parte não tinha a mais pequena duvida sobre a legalidade da lei, porque a camara não podia só por si annullar contratos legalmente feitos.
Ácerca do facto que tem suscitado toda esta controversia, tambem desejava dar alguns esclarecimentos.
Era facto que o presidente do conselho e ministro da guerra, sr. Antonio de Serpa, sendo-lhe apresentado na secretaria da guerra á sua assignatura na longa crise ministerial que houve, um contrato para arrendamento de uma propriedade no Alemtejo que servisse de potril militar, assignára esse contrato: mas s. exa. procedera tão honrada e lealmente, que, sendo-lhe apresentado mais tarde no tribunal de contas de que era presidente o mesmo contrato, votára contra elle.
S. exa. recusara o visto ao contrato apesar de o haver assignado, porque quando o assignou julgou ser um negocio de expediente ou de pouca importancia, e depois no tribunal recusara o visto do contrato, e desde que fôra recusado o visto do contrato não podiam ser processadas as ordens do pagamento.
Ora, recusado o visto do contrato, o mesmo contrato caducara. Esta era a situação actual do contrato.
Mas desde que no ministerio da guerra houve quem fizesse pagar prestações pela renda do contrato, desde que essas prestações não podiam ser pagas, ao governo cumpria averiguar este negocio.
O sr. Ministro da Fazenda: - Era facto que ao governo cumpria averiguar, mas ainda que esse pagamento irregular se fizesse, isso não tornava legal ou regular o contrato.
O Orador: - O contrato não estava nem podia estar de modo algum comprehendido na lei de meios, e não estava comprehendido, porque o contrato estava radicalmente nullo.
O que desejava, para tranquillisar os espiritos, era que o governo declarasse que interpretava assim a lei de meios.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão quando s. exa. restitua as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro das Obras Publicas (Franco Castello Branco): - Estava de accordo com o que acaba de dizer o illustre deputado o sr. Jacinto Candido.
Entendia tambem que o contrato, não estando em condições legaes, não podia eer comprehendido dentro da lei.
Antes da lei de meios ser votada, alguem lhe perguntara se se poderia fazer incluir n'essa lei uma declaração no sentido de revalidar esse contrato, a que respondera negativamente, e fôra por isso que se redigira a emenda no sentido de excluir esse contrato.
Declarava á camara, debaixo da sua palavra, que quando se redigiu a excepção, foi no sentido de deixar na situação em que estava o arrendamento d'aquella propriedade do Alemtejo.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão quando s. exa. restitua as notas tachygraphicas.)
O sr. Mattozo Corte Real: - Na occasião em que foram votadas n'esta camara as differentes emendas ao projecto da lei de meios, não ouvi ler o additamento a que acabam de se referir o sr. ministro das obras publicas e o relator d'esse projecto, o meu amigo e illustre deputado o sr. Jacinto Candido.
Eu não contesto a veracidade das asserções que s. exas. fizeram; mas não posso deixar de affirmar o que se passou na memoravel sessão, em que foram votadas aquellas emendas.
Sr. presidente, v. exa. de certo se recorda que eu e alguns outros srs. deputados pedimos, por mais de uma vez, a v. exa. que mandasse fazer a leitura das emendas apresentadas, por modo que podessemos ter perfeito conhecimento d'ellas.
Página 18
18 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Mas as nossas justas reclamações não foram attendidas e a discussão e approvação d'essas emendas correram por modo, que eu me abstenho de classificar, para não irritar este debate. (Apoiados.)
Já vê v. exa., que eu não posso dar um voto á proposta do sr. Luciano Cordeiro, em que se affirma que esta camara votou o additamento, a que me estou referindo.
O assumpto é muito grave, e parece-me por isso, que seria conveniente, que se elegesse uma commissão especial, a qual formulasse uma proposta que em termos podesse depois ser votada por todos os lados da camara. (Apoiados.)
Se se insistir pela approvação da proposta do illustre deputado Luciano Cordeiro, eu pela minha parte declaro que me abstenho de a votar, e creio que do mesmo modo procederão os illustres deputados do grupo político a que tenho a honra de pertencer. (Apoiados.)
O sr. Dias Costa - As declarações feitas pelo illustre deputado o sr. Emygdio Navarro são de altíssima gravidade, porque resulta d'ellas para o publico uma desconfiança perfeitamente fundamentada a respeito da seriedade com que no ministerio da guerra se procedeu á approvação do contrato para o arrendamento de uma propriedade destinada ao potril militar.
Se houve irregularidade é indispensavel que o governo mande proceder a uma syndicancia, a fim de se averiguar se ha um crime e quem é o criminoso; porque não é justo que funccionarios digníssimos, como os que ha nas repartições do ministerio da guerra estejam sob o peso de uma accusação que é muito prejudicial aos seus creditos de homens de bem.
Por consequencia espero que o governo mande proceder a uma syndicancia, que averigue quem delinquiu para ser punido rigorosamente.
(s. exa. não reviu.)
O sr. Ministro do Reino (Lopo Vaz): - Pedi a palavra para declarar o que já declarei na camara dos dignos pares, e é que o governo vae averiguar devidamente para tomar as providencias que julgar convenientes.
O sr. Jacinto Candido: - Pedi a palavra para mais uma vez deixar bem claramente consignado, debaixo da rainha palavra de honra,...
O sr. Castro Mattozo Côrte Real: - Eu não ponho em duvida as affirmações do illustre deputado e do sr. ministro das obras publicas, porque faço plena justiça ao seu elevado caracter e á sua notavel probidade.
A unica cousa que digo é que eu e os meus amigos não ouvimos ler a declaração de que se trata.
Isto é o que eu já disse, e o que repito agora.
O Orador: - Folgo muitíssimo por ter tomado a palavra. n'esta occasião, porque provoquei esta declaração do illustre deputado, que a camara acaba de ouvir.
Que s. ex.ª e os seus amigos não ouvissem é natural; mas fica consignado que este facto não importa uma contradicção ao que eu disse, e á informação da mesa a este respeito.
O facto do illustre deputado e seus amigos politicos não terem ouvido, e não poderem, por isso, dar testemunho pessoal, de que as cousas se passaram, como eu as expuz, será resultado de tudo menos de que os factos se não passassem, como eu affirmei. Tanto me basta, tanto nos basta a todos.
Em relação ao erro, de que tudo isto provera, derivaria da precipitação com que tudo se passou n'aquella sessão, apertados, como estavamos, pela urgencia do tempo; mas é um erro, pura e simplesmente, facil de emendar e corrigir, que não significa nem uma intenção má, nem um proposito censuravel, nem um designio mysterioso, que seria o que mal ficava ao parlamento, e concorreria para o seu descredito.
A proposta do sr. Luciano Cordeiro significa apenas uma errata á acta das nossas sessões. Houve um erro, emenda-se; ha uma duvida, esclarece-se. Eis tudo.
A illustre opposição progressista, abstendo só de votar esta proposta, não a contradiz.
Esta é que é a questão. Este o facto, que eu desejo accentuar, e que fique bem claramente estabelecido, em respeito ás afirmações que eu fiz.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - A deputação que ha de apresentar a Sua Magestade a resposta ao discurso da corôa será composta, além da mesa, dos srs.:
Antonio Maria Jalles.
Jacinto Candido da Silva.
Amandio Eduardo da Motta Veiga.
Julio Antonio Luna de Moura.
Francisco de Almeida e Brito.
Alberto Augusto de Almeida Pimentel.
José Bento Ferreira de Almeida.
Luiz Virgílio Teixeira.
Francisco José Machado.
Albino de Abranches Freire de Figueiredo.
Esta deputação será avisada do dia e hora a que Sua Magestade se dignará recebel-a.
O sr. Ministro do Reino (Lopo Vaz): - Sua Magestade digna-se receber ámanhã, pelas duas horas da tarde, a deputação da camara dos senhores deputados.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas e meia da tarde.
O redactor = Lopes Vieira.