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SESSÃO DE 22 DE FEVEREIRO DE 1873

Presidencia do ex.mo sr. José Marcellino de Sá Vargas

Secretarios—os srs.

Ricardo de Mello Gouveia

Agostinho da Rocha e Castro

Mandam-se para a mesa differentes representações e participações; fallam os srs. Teixeira de Vasconcellos e Eduardo Tavares a respeito dos vencimentos dos empregados do thesouro, que pretendem ter iguaes vencimentos aos dos empregados de igual categoria de outras repartições do estado — Ordem do dia: continua a discussão sobre o artigo 3.° do projecto de lei para o chamamento da reserva, e fallam os srs. Mariano de Carvalho, ministros da fazenda e da guerra, e Barros o Cunha; e prorogando-se a sessão, a requerimento do sr. Eduardo Tavares, foi o projecto votado na especialidade.

Chamada — 50 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Adriano Sampaio, Agostinho de Ornellas, Agostinho da Rocha, Rocha Peixoto (Alfredo), P. de Miranda, T. de Vasconcellos, Correia Caldeira, Barros e Sá, Boavida, A. J. Teixeira, Pinto de Magalhães, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Falcão da Fonseca, Zeferino Rodrigues, Barão do Rio Zezere, Carlos Bento, E. Tavares, Francisco de Albuquerque, Correia de Mendonça, F. M. da Cunha, Pinto Bessa, Van-Zeller, Quintino de Macedo, Palma, Perdigão, Frazão, Candido de Moraes, Barros e Cunha, J. J. Alcantara, Ribeiro dos Santos, Mamede, Matos Correia, Cardoso Klerck, Dias de Oliveira, José Guilherme, Lobo d'Avila (José), J. M. dos Santos, Sá Vargas, Mello Gouveia, Nogueira, Mexia Salema, Lourenço de Carvalho, Luiz de Campos, Camara Leme, Affonseca, Pires de Lima, Alves Passos, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, Pedro Jacome, Ricardo de Mello, Visconde da Arriaga, Visconde de Montariol, Visconde dos Olivaes.

Entraram durante a sessão — Os srs. Adriano Machado, Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Cerqueira Velloso, Cardoso Avelino, Arrobas, Barjona de Freitas, Augusto Godinho, Sousa Lobo, Saraiva de Carvalho, Claudio Nunes, Pinheiro Borges, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Santos e Silva, Assis Pereira de Mello, Melicio, Bandeira Coelho, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Menezes Toste, Pinheiro Chagas, Paes Villas Boas, D. Miguel Coutinho, Pedro Roberto, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Val mór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs. Albino Geraldes, Soares de Lencastre, Carlos Ribeiro, Conde de Villa Real, Vieira das Neves, Gonçalves Cardoso, Francisco Mendes, Francisco Costa, Lampreia, Bicudo Correia, Silveira Vianna, Guilherme de Abreu, Vasco Leão, Lobo d'Avila (Joaquim), J. A. Maia, Baptista de Andrade, Dias Ferreira, Figueiredo de Faria, Costa e Silva, Moraes Rego, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Rocha Peixoto (Manuel), Placido de Abreu, Thomás de Carvalho.

Abertura— Ás duas horas menos um quarto da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officio

Do ministerio da marinha e ultramar, devolvendo o requerimento de Francisco Pedro Ferreira com todas as informações pedidas.

A secretaria.

Representações

1.ª Da camara municipal de Villa Nova de Famalicão, no districto de Faro, pedindo, para que o poder executivo seja auctorisado a prestar subsidio á navegação a vapor entre a capital e os diversos portos do Algarve.

2.ª De alguns habitantes do concelho do Cadaval, contra a proposta de lei sobre o real d'agua,

3.ª Do compromisso maritimo da cidade de Lagos, contra a realisação do contrato, celebrado entre o governo e o ex.mo marquez de Niza, sobre o estabelecimento de ostreiras nas costas do Algarve.

As respectivas commissões.

Participações

1.ª Participo a V. ex.ª que o sr. deputado Costa e Silva me encarregou de declarar a V. ex.ª e á camara, que não tem assistido, nem poderá, ainda por alguns dias, assistir ás sessões por falta de saude.

Sala das sessões, 21 de fevereiro de 1873. = Alves Passos.

2.ª Declaro que, por motivo justificado, não pude comparecer ás ultimas duas sessões d'esta camara.

Sala das sessões, 21 de fevereiro de 1873. — Eduardo Tavares.

3.ª Participo que está constituida a commissão de commercio e artes, sendo presidente o sr. deputado Dias de Oliveira, eu o secretario.

Sala das sessões, 21 de fevereiro de 1873. = Alfredo Felgueiras da Rocha Peixoto.

Inteirada.

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto apresentado a esta camara pelo sr. deputado José Dias Ferreira, em sessão de 2 de maio de 1867, publicado no Diario de Lisboa n.º 100 de 4 de maio, ácerca de recursos sobre o recrutamento para o exercito. = Barros e Sá.

Foi admittida e enviada á commissão respectiva.

O sr. Nogueira: — Mando para a mesa uma representação dos quarenta maiores contribuintes, e duzentos setenta e sete proprietarios do concelho da Lourinhã, pedindo que não se approve a proposta do governo sobre o real d'agua.

O sr. Mariano de Carvalho: — Ficaram hontem pendentes entre mim e o sr. ministro do reino negocios de Chaves e de Belmonte.

Não quero resuscitar hoje essa questão, embora o queira fazer em uma sessão proxima; mas a camara comprehendo que o meu desejo é não tomar tempo agora, visto que ha outros negocios importantes a tratar.

Por consequencia, repetindo que não estou satisfeito com as explicações do sr. ministro do reino, reservo-me para tratar dos negocios, em que fallei, em outra sessão.

Desejava que V. ex.ª me dissesse se, depois do projecto em discussão, está effectivamente marcada para a ordem do dia a minha interpellação ao sr. presidente do conselho sobre o despacho do sr. Tavares. Se V. ex.ª me disser que sim, fico completamente satisfeito.

Desejava tambem que algum dos srs. ministros presentes tivesse a bondade de prevenir o seu collega da justiça de que na proxima sessão pretendo dirigir-lhe algumas palavras a respeito da justiça no Fundão, a qual o sr. Dias Ferreira qualificou de justiça de Fafe.

Tenho necessidade de me dirigir a s. ex.ª a respeito d'este negocio, que é urgente; por isso peço a algum dos seus collegas que tenha a bondade de o prevenir a este respeito.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Mando para a mesa um requerimento dos empregados do thesouro publico, pedindo a esta camara que faça desapparecer a desigualdade que ha entre os seus vencimentos e os de outros empregados de igual categoria em outras repartições do estado.

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

As circumstancias d'estes empregados já estiveram para ser attendidas por iniciativa do meu amigo o sr. Anselmo Braamcamp, na reforma apresentada em 30 de dezembro de 1869. São de tal ordem que ha amanuenses com 200$000 réis de ordenado, emquanto os continuos da mesma repartição têem 300$000 réis (apoiados).

Em geral os nossos funccionarios são mal retribuidos (apoiados) Toda a gente o sabe, mas o estado da fazenda publica não é por ora favoravel á idéa que todos têem de melhorar as condições d'elles.

As retribuições da maior parte dos empregados foram marcadas em 1836 pela reforma do nosso chorado estadista Manuel da Silva Passos. Hoje as circumstancias são muito differentes, porque os preços dos generos, e em geral de todas as cousas necessarias á vida, subiram muito, de maneira que o bastante para viver modestamente n'aquella epocha, hoje não chega de nenhum modo.

Não tenho esperança de que a camara melhore as condições de todos os empregados publicos, nem eu lhe peço isso; o que pedia era que tornasse as condições d'estes empregados iguaes ás dos funccionarios de igual categoria em outras repartições; porque estes trabalham como os das outras secretarias, porém em condições impossiveis para viverem.

Um amanuense, que tem de apparecer decentemente vestido, e que consagra o seu tempo ao serviço do estado, não pede ter o ordenado de 200$000 réis. Isto não póde continuar (apoiados), e eu espero que a camara e o governo tomem este requerimento na consideração que merece.

O sr. J. M. Lobo d'Avila: — Mando para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro da marinha e do ultramar.

O sr. Silveira da Mota: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Armamar, pedindo que não seja votado o imposto apresentado pelo sr. ministro da fazenda, denominado real d'agua.

São sensatas, justas e por isso attendiveis as considerações expostas n'esta representação; e se as não reproduzo agora, é porque tenciono em tempo referir-me a ellas quando entrar em discussão o projecto, que tenciono impugnar, como fiz aos anteriores com relação ao mesmo assumpto.

Peço a V. ex.ª que, seguindo as indicações já aqui tomadas, se digne manda la publicar no Diario da camara. O sr. Mamede: — Mando para a mesa um projecto de lei, que tende a melhorar a situação dos professores vitalicios de instrucção primaria.

O sr. Alves Passos: — O sr. Costa e Silva encarregou-me de participar que não tem assistido, nem poderá assistir por alguns dias, ás sessões d'esta camara por incommodo de saude.

O sr. Boavida: — Mando para a mesa um requerimento documentado de uma viuva que, com a sua familia, está em deploraveis circumstancias, e cujo marido prestou serviços importantes ao paiz.

Peço a V. ex.ª que lhe dê o destino conveniente.

O sr. Eduardo Tavares: — Mando para a mesa uma declaração de que, por motivo justificado, não pude comparecer ás duas ultimas sessões d'esta camara.

Por esta occasião desejo dizer alguma cousa, ainda que muito resumidamente, ácerca da representação que, por parte de alguns empregados do ministerio da fazenda, foi ha pouco apresentada por um illustrado membro d'esta casa. É justissima a pretensão d'aquelles funccionarios infelizes.

A proposito d'este assumpto, podia adduzir muitas considerações valiosas; mas não o faço agora por não ser occasião opportuna. Não posso todavia deixar de protestar contra a opinião geralmente seguida, de que não é esta a occasião de se poder fazer justiça a quem tem incontestavel direito a ella.

Entendo que é sempre occasião de fazer justiça ás pessoas a quem ella é devida (apoiados). Desgraçado paiz aonde este principio de eterna verdade não póde ser seguido (apoiados).

O que é incontestavel é que os ordenados dos empregados, de que se trata, foram marcados em era bastante remota; custava-lhes ainda assim a viver com esses poucos recursos, mas tinham então uma esperança, que era a da promoção n'uma epocha mais ou menos proxima.

As sucessivas reformas, mais ou menos sensatas, introduziram nas repartições do ministerio da fazenda empregados de repartições extinctas, e outros sem serem de repartições do estado, como, por exemplo, os empregados do contrato do tabaco, que para lá foram por occasião da extincção d'aquelle monopolio. A ultima reforma reduziu os quadros, mas por fórma que hoje não se sabe quaes são os effectivos, nem quaes são os addidos. O complemento de tantas desconsiderações foram as deducções. Deducções em ordenados de 200$000 e 300$000 réis!

Por mais de uma vez pedi aqui a alguns dos srs. ministros da fazenda anteriores, que mandassem organisar os quadros dos empregados das differentes direcções do ministerio da fazenda, para que ficasse bem definido quaes eram os empregados addidos e quaes os effectivos.

Ainda não se póde conseguir isto! E não é uma cousa que não tenha necessidade do prompta resolução. É preciso que cada um saiba a lei em que vive.

Ha um decreto promulgado no tempo do ultimo governo do sr. marquez d'Avila, e assignado tambem pelo sr. bispo de Vizeu, que impõe uma certa ordem de obrigações aos empregados addidos das diversas repartições. Segundo as disposições d'esse decreto, os empregados addidos, no caso de haver vagas nas outras repartições, são obrigados a aceitar esses logares, sob pena de demissão.

N'estas circumstancias, é claro que os empregados addidos estão obrigados a cumprir as prescripções d'esse decreto, quando um ministro resolver manda-los para quaesquer logares vagos. É, pois, indispensavel saber quaes os addidos, porque os effectivos não estão comprehendidos n'essa arbitraria disposição.

Não quero demorar-me em considerações a este respeito; quero apenas sustentar a justiça d'aquella representação, e faço-o tanto mais desassombradamente, quanto que o ordenado que recebo é igual ao que se dá aos empregados de categoria igual á minha nas mais repartições do estado. Por consequencia, não venho aqui pleitear, como se costuma dizer, pro domo mea.

É isto o que se me offerece dizer a este respeito. Peço á respectiva commissão que se apresse a dar o seu parecer sobre aquella representação que se me afigura muito justa, como já disse, e digna de ser attendida. Na epocha actual, pretender que um empregado possa viver na capital com 200$000 ou 300$000 réis, sujeitos a deducção, é o mesmo que obriga-lo a pensar mais na sua desgraça, do que no serviço do estado. Continuos a 300$000 réis e bachareis a 200$000 réis!

Não digo mais nada. Em occasião azada empregarei a minha fraca voz em defender a justa causa dos opprimidos.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do artigo 3.° do projecto de lei n.º 7

O sr. Mariano de Carvalho: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara convida o governo a declarar qual é o maximo da despeza auctorisada pelo artigo 1.° do projecto em discussão; se tenciona crear novas receitas para occorrer a essa despeza; e, não creando, de que meios conta lançar mão.

Sala das sessões, 22 de fevereiro de 1873. = Mariana Cyrillo de Carvalho. Foi admittida.

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O sr. Ministro da Fazenda (Antonio de Serpa): — Não é esta a occasião de tratar detidamente da questão de fazenda, dos calculos do orçamento, do relatorio que tive a honra de apresentar a esta camara, dos projectos que o acompanham e de todos os outros pontos em que tocou o illustre deputado que me precedeu.

Alguns illustres deputados da opposição, que têem fallado n'esta materia, têem combatido o projecto em discussão, não se conformando com as suas disposições, mas propondo que em logar de virem os soldados que foram licenciados para a reserva, venham os que estão em divida nos differentes concelhos, que se adopte o serviço obrigatorio, que se trate de fortificações e de compra de armas, e emfim de diversos alvitres, produzindo todos elles a mesma ou maior despeza do que a proposta pelo projecto em discussão (apoiados), e portanto não combatem o projecto verdadeiramente, debaixo do ponto de vista financeiro.

Os illustres deputados não pozeram a questão de fazenda; no entanto, não posso deixar passar, não direi sem correctivo, mas sem rectificação, algumas asserções apresentadas pelo illustre deputado que me precedeu.

Começarei pelo que diz respeito ao governo, e depois tratarei um pouco ligeiramente do que me diz especialmente respeito, porque me é impossivel seguir todos os pontos tocados pelo illustre deputado.

Se quizesse seguir o illustre Reputado em todas as suas considerações, levaria algumas horas, e vejo que a camara, o governo e a opinião pedem que este projecto seja discutido com a brevidade possivel (apoiados).

Ha perto de dois mezes que alguns illustres deputados da opposição estão dizendo todos os dias que o governo exorbitou dos seus poderes constitucionaes, que faltou á lei, e que commetteu um grande crime e uma grande illegalidade no emprestimo que fez ultimamente.

Todos os srs. deputados da opposição têem dito isto, mas não o têem provado.

O illustre deputado, que acaba agora de fallar, poz, me parece, a questão nos seus verdadeiros termos; não digo que a resolvesse, como entendo que deve ser resolvida, mas pô-la nos verdadeiros termos.

O illustre deputado disse: «O governo contrahiu o emprestimo, ou contratou a venda de 500:000 libras (foi a esta parte que o illustre deputado se referiu especialmente); o governo contratou a venda de 500:000 libras em virtude da carta de lei de 5 de março de 1858, e a carta de lei de 5 de março de 1858 não é uma lei de execução permanente, é uma lei annual, é uma lei de occasião, é uma lei que caducou, é, emfim, uma lei que não está em execução.

O sr. Mariano de Carvalho: — Apoiado.

O Orador: — Admira-me que o illustre deputado, sendo tão versado, como é, nos documentos parlamentares, que os estuda tão minuciosamente, não tivesse visto durante quatorze ou quinze annos, que tantos ha que esta lei foi publicada; não tivesse visto, durante todo este tempo, que todos os governos d'esta terra, sem excepção de um só, todos têem considerado esta lei como de execução permanente (apoiados). Todos elles têem usado d'ella (apoiados), e quasi todos em muito mais largas proporções que o governo actual (apoiados).

Se o illustre deputado quizesse ter a bondade de olhar para quinze documentos publicados desde 1858 até ao presente, que são os relatorios annuaes do ministerio da fazenda, veria logo na primeira pagina, e em letras maiúsculas, o seguinte:

«Carta de lei de 5 de março de 1858, amortisação da divida contrahida sobre penhor de inscripções.»

Todos os governos têem vendido inscripções, e tem-n'as vendido em proporções muito mais consideraveis que réis 2.250:000$000, de que se trata agora; e tem-n'as vendido em virtude d'esta auctorisação (apoiados).

Eu peço licença para ter á camara alguns periodos d'este relatorio que tenho agora na mão, e posso ter todos os relatorios do ministerio da fazenda, porque todos elles começam exactamente por esta mesma inscripção.

O relatorio assignado pelo sr. Carlos Bento, que se refere em parte a gerencias anteriores, diz o seguinte:.

«As vendas de inscripções effectuadas pelo thesouro... constam do documento junto com o n.º 1. Por elle se mostra que se realisaram vendas de titulos de divida fundada interna do valor nominal de 2.230:150$000 réis, produzindo liquido 677:295$820 réis.»

Estas inscripções foram vendidas, como se vê, pelo desgraçado preço de 30 por cento! Mais abaixo diz o mesmo relatorio:

«Convém notar que a referida somma, na importancia nominal de 2.148:350$000 réis, tinha sido entregue ao agente, para as vender, em outubro de 1869.»

Em outubro de 1869 estava no poder o ministerio historico; por consequencia o ministerio de 1869, em virtude d'esta lei de 5 de março de 1858, d'esta lei que tinha caducado, d'esta lei que não tinha execução permanente, d'esta lei que era annual, d'esta lei que era de occasião; digo, o ministerio d'aquella epocha entregou a um agente para vender inscripções na importancia de 2.148:000$000 réis, quasi exactamente a somma que o actual governo é agora accusado do ter vendido sem auctorisação. Mas não é só isso.

O ministerio d'aquella epocha não vendeu só estas inscripções. Aqui está o relatorio do meu illustre e honrado amigo o sr. Braamcamp, aqui está o mappa que o acompanha, e que diz o seguinte:

«Vendas no nominal de 1.860:000$000 réis, porte do producto correspondente dos supprimentos effectuados para serem pagos pela dita venda 517:300$000 réis.»

Abram se todos os outros relatorios. Por exemplo, o do sr. conde de Samodões. Aqui está o mappa n.º 12 que diz: «Nota das inscripções vendidas pelo thesouro, somma total 3.448:900$000 réis.»

Estas inscripções vendidas produziram 1.264:000$000 réis, isto é, foram vendidas a menos de 30 por cento. O sr. Ministro do Reino: — Ouçam, ouçam. O sr. Mariano de Carvalho: — Tambem eu digo ouçam, ouçam.

O Orador: — Em todos os relatorios se encontram d'estes factos; todos os governos desde 1858 tem vendido inscripções em sommas consideraveis em virtude da auctorisação da carta de lei de 5 de março de 1858, todos sem excepção (apoiados); e é no fim de quinze annos, e em nome da sua consciencia, que os illustres deputados accusam o governo de ter infringido a lei! Durante quinze annos os illustres deputados que têem apoiado governos que têem feito uso d'esta auctorisação, que tem considerado esta lei como execução permanente, vem hoje accusar o governo actual de ter indevidamente feito uso d'esta mesma lei! (Apoiados.) Quando me refiro a todos os ministros, e especialmente ao meu bom e illustre amigo o sr. Anselmo Braamcamp, não é com o animo de o censurar; s. ex.ª fez o que não podia deixar de fazer; s. ex.ª, quando ministro, assim como todos os governos d'esta terra, e todas as camaras consideraram sempre esta lei como de execução permanente, não podia deixar de a considerar do mesmo modo. Como queriam então que o actual governo deixasse de a considerar como tal? (Apoiados.) Não accusei portanto o meu illustre amigo, nem accuso ninguem, defendo o procedimento do governo (apoiados), que é perfeitamente legal como foi o dos seus predecessores. Nem eu podia nunca censurar o illustre deputado o sr. Braamcamp, cuja administração tive a honra de apoiar, não com o meu voto, porque não o tinha então em nenhuma das casas do parlamento, mas com a minha insignificante penna na imprensa, e com o meu insignificantissimo concurso em uma commissão para que tinha sido nomeado pelo illustre deputado, então ministro.

Estes são os factos; todos os governos d'esta terra tem con-

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siderado esta lei como de execução permanente. (Apoiados.) O illustre deputado citou a minha opinião em 1858, quando se discutia esta lei. Quando se tratava de jure constituendo, quando se tratava de fazer a lei, a minha opinião era, que esta lei devia ser uma auctorisação restricta. É exacto; mas que valho eu, qual é a minha auctoridade em presença da auctoridade de todos os illustres financeiros que têem gerido a pasta da fazenda nos ultimos quinze annos? Qual é a minha auctoridade perante todos os ministerios, e todas as camaras que tem havido n'esta terra durante este longo periodo?

Aqui está pois a grande accusação feita ao governo, aqui está o tremendo crime que elle commetteu, fez o mesmo que fizeram todos os seus antecessores, sem excepção de um só! (Apoiados.)

Mas ha uma differença. O governo actual usou d'esta auctorisação entendendo, como todos os seus predecessores, que esta lei era de execução permanente, mas entendeu tambem que devia executar fielmente todas as suas disposições.

O artigo 4.º da lei determina que o governo possa consolidar a divida fluctuante, comtanto que para o estado não resulte um encargo superior a 7 por cento. Foi isto o que fez o governo. (Apoiados.) No contrato que fez para o ultimo emprestimo teve todo o escrupulo em estabelecer, que por caso nenhum os encargos podessem ser superiores a 7 por cento, de maneira que todas as outras pequenas despezas que podia accarretar esta operação, se se verificasse a emissão, deviam ficar por conta dos contratadores. Isto fez este governo, e que fizeram os mais? Aqui estão estes documentos por onde se vê que a venda de inscripções ordenada em 1869 foi feita a 28, 29, 30, 32, 33, 34 e 34 1/4, este foi o maximo. Isto é, trouxeram estas vendas para o estado um encargo, termo medio, de 9 1/2 por cento, quando a lei estabelece que o encargo não será superior a 7 por cento. Estes 514:000$000 réis, de que aqui fallei, realisação do nominal de 1.900:000$000 réis, ficaram a menos de 30 por cento. Por consequencia trouxeram para o estado um encargo de cerca, pouco mais ou menos, de 11 por cento, quando a lei determina que o encargo não poderá ser superior a 7 por cento (apoiados).

Todos os governos usaram d'esta auctorisação, mas todos ou quasi todos usaram d'ella faltando ás prescripções fundamentaes da lei, isto é, que o encargo não excedesse a 7 por cento, e este governo usou da lei, respeitando todas as suas prescripções (apoiados). Este governo é o governo que commetteu illegalidades, quando foi o unico que cumpriu a lei (apoiados. — Vozes: — Muito bem).

Como disse, não posso nem devo tratar n'este momento a questão de fazenda (apoiados), mas depois de ter respondido á grave accusação que se fazia ao governo, permitta-me a camara que eu diga alguma cousa a respeito de erros de calculo, e d'estas contradicções de que fui accusado.

Tomei varios apontamentos, mas limitar-me-hei apenas a tratar de alguns.

O illustre deputado que me precedeu, tratando da questão do real d'agua, a proposito do chamamento da reserva, estranhou que n'um documento que trouxe a esta camara, apresentando um projecto para a instituição do real d'agua, obtivesse em virtude das prescripções d'esse projecto uma receita que era exactamente a receita que tinha calculado no orçamento. Estranha coincidencia! Disse o illustre deputado — como é que, partindo-se de outra base, tratando-se de generos differentes que haviam de ser tributados, como é que o ministro chegou ao mesmo resultado?

Se esta observação me fosse feita por qualquer outro illustre deputado, não me admirava, mas que me fosse feita por um illustre e dignissimo professor de mathematica, admiro-me muito. Qual era o problema que eu tratava de resolver, como digo no meu relatorio? Era substituir a receita que estava calculada para aquelle imposto, ou substituir aquelle imposto por outro que desse a mesma receita. Por consequencia, qual era a parte conhecida, e aquella a que eu queria chegar? Tinha de diminuir a taxa do imposto, que era esse o compromisso do governo, que era isso que o governo tinha promettido, tinha de diminuir a taxa, mas augmentando a sua base para chegar ao mesmo resultado. Qual era pois a incognita d'esse problema? Não era o resultado, esse estava determinado, a isso é que eu queria chegar. Quaes eram as incognitas? Eram as taxas que eu havia de pôr na venda por miudo e por grosso, do vinho, e no arroz. Eram as taxas que havia de pôr, para em vista do consumo provavel, obter proximamente a receita calculada no orçamento para a legislação actual.

A incognita na resolução d'este problema era achar as taxas. O resultado era conhecido; d'este é que eu havia de partir para saber as taxas que conduzisse a esse resultado. Foi porventura por mero arbitrio que me pareceu conveniente que o imposto sobre o vinho vendido por grosso fosse de 3 réis, e não de 4 ou de 2, e que o imposto da venda a retalho fosse de 4, 5, 6 e 7 réis; que o imposto sobre o arroz fosse de 8 réis em vez de 10? Foi isto por acaso um mero arbitrio meu? Não; foi o resultado do calculo. A base era achar as taxas. O resultado estava sabido, que era dar ao estado uma receita equivalente a 1.182:000$000 réis. Por consequencia estando conhecidos estes dados do problema, o que restava era achar as taxas que se haviam de impor para se chegar a esse resultado. Essas taxas achei-as (apoiados).

Ora, depois na exposição do relatorio eu fiz um trabalho inverso: e quando, dadas as taxas, que eu já tinha calculado, partindo do facto conhecido, fui deduzir o producto d'ellas, está claro que havia de achar o mesmo resultado, 1.182:000$000 réis.

Eu commetti erros palmares nas minhas operações e nos meus mappas, diz o illustre deputado. Os mappas estão cheios de contradicções. Por exemplo: no orçamento, para achar o deficit, calculei o real d'agua em 1.282:00$000 réis; e para o achar por um outro systema calculei o producto do real d'agua em 600:000$000 réis. Isto é uma grande contradicção! Ora vejamos.

O deficit estava calculado no orçamento. Tratei de ver quaes eram as circunstancias que podiam modifica-lo, e entendi que ellas podiam reduzi-lo a 700:000$000 réis. Mas para comprovar esta minha asserção tratei de ver qual seria o deficit no anno actual. Por consequencia não se trata do deficit do anno que vem, calculado por duas differentes maneiras, uma vez com o imposto do real d'agua, devendo dar uma receita de 1.282:000$000 réis, e outra vez com uma receita d'esse imposto de 600:000$000 réis.

Para corroborar a asserção de que o deficit provavel do anno seguinte não seria superior a 700:000$000 réis, tratei, de ver qual seria o deficit do anno corrente, partindo dos factos occorridos, isto é, das receitas e despezas realisadas no primeiro trimestre d'este anno, depois de as quadruplicar e de lhes fazer as necessarias correcções. N'estas receitas realisadas entra a do real d'agua, pelo que se cobrou, isto é, por uma somma muito menor. E achando por este modo um deficit para o anno actual de 441:000$000 réis, acrescentei: «Logo para o anno de 1873-1874, conservando-se as mesmas receitas, e calculando que a do real d'agua, reformado este imposto na fórma que proponho, dará um augmento sobre a cobrança realisada, que será muito de sobra para compensar o augmento de despeza proposta no orçamento, poderiamos calcular com alguma probabilidade um deficit inferior áquelles 441:000$000 réis».

Disse-se tambem que no orçamento eu calculo o consumo da carne em 16.000:000 de kilogrammas, e no relatorio eu calculo o consumo da carne em 18.000:000 de kilogrammas; o orçamento foi apresentado aqui no dia 3, e eu no dia 3 dizia que era de 16.000:000 de kilogrammas o consumo da carne, e no dia 5 apresentei no meu relatorio o

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consumo da carne calculado em 18.000:000 de kilogrammas, que eu em dois dias mudara de opinião a respeito do consumo da carne.

Sr. presidente, a verdade nua, a verdade prosaica é a seguinte: este volumoso livro, que se chama orçamento, e que apparece, que costuma apparecer aqui impresso em 2 ou 3 de janeiro, datado d'esse dia, para ser impresso e estar aqui com esta data, é necessario que seja escripto muitos dias antes (apoiados). Quando este orçamento foi feito calculou-se o consumo da carne para o real d'agua do mesmo modo que vinha calculado no relatorio apresentado pelo meu collega o sr. Fontes, que tinha feito esse calculo por approximação, por falta de dados estatisticos, que não temos infelizmente muitos no nosso paiz. S. ex.ª, calculando pelo rendimento do antigo real d'agua a parte que correspondia ao vinho e a parte que correspondia á carne, achou approximadamente que seriam 16.000:000 de kilogrammas. É isto o que tinha sido já apresentado no relatorio anterior, e que apparece n'este orçamento.

Eu vim depois, e desejoso de obter dados os mais approximados da verdade, indaguei, e tive conhecimento de que na repartição de agricultura do ministerio de obras publicas havia um trabalho mais completo sobre este assumpto, porque era elaborado sobre os esclarecimentos que foram mandados vir de todos os concelhos a respeito da carne abatida nos matadouros, e esses esclarecimentos davam 18.000:000 de kilogrammas. Por conseguinte servi-me da estatistica que me pareceu mais exacta, e esta de certo era muito mais exacta, porque a outra tinha sido feita por um calculo approximado, e esta parecia-me muito mais proxima da verdade. (Vozes: — Muito bem.)

Relativamente ao mappa n.º 7, em que eu já fallei e que diz respeito á receita e despeza effectuadas em dinheiro no primeiro trimestre d'este anno, diz o illustre deputado que na receita vem incluidos os juros dos titulos na posse da fazenda, e que na despeza não vem; por consequencia que isto é uma grande irregularidade e uma contradicção.

Ora, sr. presidente, este mappa mandei-o eu fazer, porque me pareceu sempre conveniente toda a publicidade em assumptos economicos e financeiros; e já o meu illustre amigo, o sr. Carlos Bento da Silva, tinha prestado um bom serviço mandando publicar todos os mezes a nota da cobrança dos principaes impostos.

Julguei dever aperfeiçoar este trabalho mandando publicar mensalmente um resumo, não só da receita especificada d'estes principaes impostos, mas de toda a receita cobrada e de toda a despeza feita, movimento em dinheiro nos cofres publicos.

No capitulo relativo aos proprios nacionaes, especifica-se a receita do correio e do caminho de ferro de sueste, e o resto em globo. N'este resto vem os juros dos titulos na posse da fazenda. Ora estes juros são escripturados por encontro, e por consequencia se vem na receita é porque figuram tambem na despeza por igual importancia. Creio porém que algumas vezes por excepção e a respeito de pequenas quantias estes juros se cobram a dinheiro. Se d'aqui póde resultar um pequeno erro, elle é corrigido na conta final. Não me parece pois que se possa dizer que os juros na posse da fazenda são computados em regra n'estes mappas mensaes como receita e não como despeza, importando isso uma diminuição apparente e errada do deficit na importancia total d'esses mesmos juros.

Vou ainda a outro erro palmar, que é nada menos de 200.000$000 réis. Aos calculos relativos ao real d'agua que o illustre deputado me dava de presente para attenuar o deficit.

Ora peço perdão ao illustre deputado para lhe dizer que s. ex.ª sabe perfeitamente que não ha erro nenhum, que os calculos estão perfeitamente certos; o que ha é um erro na designação de uma verba. Talvez fosse erro meu ou erro de copia. O calculo está perfeitamente certo, repito; e o illustre deputado que examinou com toda a minuciosidade este relatorio, que se deu a essa tarefa ingloria, de certo verificou que as operações estão exactas.

Com effeito, 150.750:000 litros era em que se calculava a venda por grosso, pelos esclarecimentos que pude obter; por consequencia quando eu digo que isto se multiplica por 3 réis, está claro que comprehendi toda a venda por grosso; e como a venda por grosso, uma parte vae para vender por grosso e outra parte a retalho, uma parte do imposto accumula-se e outra parte não se accumula. Portanto devia dizer-se apenas — imposto da venda por grosso, ou então, em que uma parte se accumula e outra parte não se accumula.

O sr. Santos e Silva: — É muito mais.

O Orador: — Peço perdão, está enganado. Aqui está (leu).

Eu calculei mal, diz o illustre deputado, as despezas da agencia de Londres: pela despeza feita devia ser réis 900:000$000, e pelas contas dava 700:000$000 réis. Mas o illustre deputado não notou uma cousa, e era que nós tinhamos mais divida fluctuante do que temos agora. Por consequencia a despeza é menor, e essa é uma das vantagens da nossa situação actual.

O illustre deputado esforçou-se por mostrar aqui que estes 600:000$000 réis, ou o que é que se gasta com o chamamento da reserva, davam em resultado a ruina da fazenda publica.

Ora em primeiro logar o illustre deputado argumentou como se estes 600:000$000 réis fossem uma despeza permanente e não uma despeza por uma vez. A despeza permanente é unicamente o juro d'esta somma, que dá a 8 por cento ao anno 48:000$000 réis, e não 600:000$000 réis. Em segundo logar o illustre deputado accumulou algarismos e considerações para provar que o deficit do anno que vem ha de chegar a 2.000:000$000 réis, e que nós estamos no estado em que nos achavamos ha alguns annos quando tinhamos um deficit de 7.000:000$000 réis, e quando uma grande parte da divida fluctuante estava no estrangeiro e nos custava 10, 12, 14, 16, 20 e 22 por cento ao anno.

Ora as circumstancias são differentes. Primeiramente 2.000:000$000 réis não são 7.000:000$000 réis; e parece-me que uma situação em que, mesmo com todas as exagerações, se obtém aquelle deficit querendo-se accusar o governo por ter augmentado as despezas publicas, parece-me que não é uma situação igual á da epocha em que o deficit era de 7.000:000$000 réis, e a divida fluctuante nos custava 22 em vez de 7 por cento. A nossa situação tem melhorado consideravelmente, não só por causa dos impostos que todos os governos têem proposto e todas as camaras têem votado, mas em grande parte tambem pelo melhoramento das receitas, mesmo d'aquelles impostos que não foram augmentados. Isto o que prova, nem podia provar outra cousa, é o desenvolvimento da riqueza publica (apoiados),

Os illustres deputados devem saber que no anno proximo passado a receita das alfandegas augmentou em réis 700:000$000, e que este anno já augmentou relativamente a igual periodo do anno passado. As outras receitas cobram-se com summa facilidade, o que é um facto que se não dá ha muitos annos.

Tambem se está dando outro facto que ha muito se não dava. No mez de novembro, cuja conta de receita e despeza em dinheiro no continente do reino foi publicada em dezembro, as receitas publicas excederam as despezas em 430:000$000 réis. Isto não acontecia ha muitos annos. E por isso mesmo que no mez de novembro estiveram abertos os cofres publicos em varios districtos para o recebimento dos impostos directos, que só em novembro é que começaram a ser cobrados, acontece que actualmente, depois de pagas as despezas do mez, ficam nos cofres publicos para cima de 1,000:000$000 réis, e nas caixas centraes para cima de 700:000$000 ou 800:000$000 réis. De maneira que se nós ámanhã quizessemos despender estes

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600:000$0000 réis de que se tem fallado, podiamos despende-los sem augmentar um real na divida fluctuante.

Alem de que a confiança é tal que, apesar da descida de fundos que tem havido ha poucos dias por acontecimentos estranhos, e que todos sabem, apesar d'isso os offerecimentos ao thesouro continuam a ser os mesmos e os pedidos não são mais. Os illustres deputados sabem que a divida fluctuante, como o seu nome mesmo está indicando, fluctua; fazem-se emprestimos, geralmente são feitos a tres mezes, e quando acabam os prestamistas podem ou receber o seu dinheiro ou renovar o emprestimo; e nada mais natural do que, em occasião de crise e quando os fundos baixam, correrem todos ao thesouro a buscar a importancia dos seus emprestimos. Não tem acontecido isto, e o movimento é exactamente o mesmo, uns têem pedido e outros têem vindo offerecer, sem exigirem condições mais gravosas.

Portanto, sr. presidente, parece-me que são completamente infundadas, pelo menos demasiado carregadas e sinistras, as apreciações dos illustres deputados; que a despeza de 600:000$000 réis — despeza que a maior parte dos illustres deputados da opposição não negam, por isso mesmo que outras providencias demandariam a mesma ou maior despeza (apoiados) — não é o que ha de fazer periclitar o equilibrio das nossas finanças, e que nós não havemos por isso de voltar a tempos que não são para desejar.

Temos a vantagem de ter a maior parte da divida fluctuante no paiz; essa vantagem é muito grande (apoiados). Os illustres deputados sabem perfeitamente que nos mercados estrangeiros o preço do dinheiro tem uma fluctuação muito maior que entre nós; sabem que em Inglaterra o juro varia ás vezes de 3 a 10 por cento no espaço de um mez, e em poucos dias, o que não succede no nosso paiz. Não direi que isto significa permanentemente uma vantagem, que isto significa um bom estado economico e financeiro, mas é uma verdade, é uma realidade, e traz-nos uma grande vantagem, e é que no caso de qualquer crise não nos veremos, como ha poucos annos, obrigados a pagar 22 por cento e mais para podermos occorrer ás despezas correntes, e para podermos manter os encargos da nossa divida fluctuante.

Este facto, continuado por alguns annos, de pagar 22 por cento e mais pelos nossos supprimentos, conduzir-nos-ía a uma ruina certa (apoiados). Hoje felizmente não estamos n'esse caso, por isso que conseguimos transferir para dentro do paiz quasi toda a divida fluctuante. A parte que ainda temos lá fóra é muito pequena. O maior credor lá fóra é de 300:000 libras, e a agencia de Londres está habilitada para pagar em março estas 300:000 libras.

Não quero, como disse, levantar a questão financeira, porque me parece que não é esta a occasião propria para isso (apoiados). A camara não deseja que esta discussão se prolongue, e eu sem me despedir d'ella, nem dispensar de rectificar uma por uma todas as observações do illustre deputado, quando for tempo, quando se tratar do orçamento e das medidas de fazenda, entendo que n'esta occasião não devo dizer mais nada.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(S. ex.ª foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Eduardo Tavares: — Requeiro que seja prorogada a sessão até final votação do projecto (apoiados).

Foi logo approvado este requerimento.

O sr. Pinheiro Borges: — Passo a ter a minha moção, que é uma substituição ao artigo 3.° (leu).

No orçamento do estado será consignada a verba precisa para a execução das disposições d'esta lei, e para se começarem com o desenvolvimento conveniente as fortificações de Lisboa e seu porto.

Sr. presidente, poucas palavras direi para fundamentar esta proposta, por isso que, conhecendo quanto os oradores que estão inscriptos podem melhor tratar o assumpto, quero deixar-lhes logar para que fallem ácerca do artigo em discussão, que julgo da maior importancia (apoiados).

Começo por pedir desculpa a V. ex.ª de não ter mandado esta moção de ordem para a mesa na quinta feira; n'aquelle dia interrompi o meu discurso, porque percebi o desejo que uma parte da camara tinha em votar a generalidade, e porque me pareceu que seria mais proprio apresentar n'esta occasião esta minha moção, que exprime completamente o sentido por que votei o projecto.

Parece-me que a camara se lembrará perfeitamente de que lhe disse que votava o augmento da força publica proposto, porque esta, considerada como elemento de defeza, está muito distante do que deve ser, considerando mesmo o limite minimo da resistencia precisa para se lhe reconhecer efficacia, e que desejando que se tomassem providencias convenientes, de modo que ella attingisse as proporções devidas, na presença do modo deficiente porque temos organisada a reserva, não encontrava outro meio para obter o reforço que se me afigura necessario senão o chamamento extraordinario dos contingentes annuaes, que á denominada reserva fornece o exercito.

Eu considero a defeza do paiz como uma das necessidades primarias a satisfazer (apoiados), porque a considero como se fôra um seguro para a nossa independencia, que estará tanto menos ameaçada, quanto maiores forem os meios necessarios para a atacar. Quando a defeza estiver organisada de modo que o objectivo da invasão requisite 100:000 homens de tropas, e um grande material de sitio, quasi que podemos affirmar que nunca se effectuará; e não só esta segurança vale muito, como tambem vale a consideração de que, embora sejam avultados os meios pecuniarios precisos para estabelecer uma tal defeza, a exigencia e o sacrificio ainda ficam muito áquem dos juros dos prejuizos que das invasões podem resultar, quer se considerem as devastações, quer se considerem as contribuições e indemnisações de guerra (apoiados). Lembremo-nos de quanto nos custou a invasão franceza no principio d'este seculo, que se teria evitado se não se tivesse descurado então, como agora, a defeza do reino e a organisação do exercito.

O problema da defeza do paiz está por tal fórma estudado, que estão determinados os elementos necessarios para uma defeza inicial, isto é, os recursos, abaixo dos quaes a resistencia só produziria victimas e represalias, porque valeria tanto como se fosse nulla.

O conhecimento, e as convicções que tenho sobre o assumpto motivam a minha moção de ordem, e estas minhas convicções considero-as de algum valor, porque se fundam nos estudos feitos por uma commissão, que teve por presidente o illustre e respeitavel general marquez de Sá da Bandeira, e por vogaes os generaes Baldy, Palmeirim, barão de Wiederhold, Julio Guerra, Rufino de Moraes, e ainda outros militares de reconhecida competencia e de bem merecida reputação. O assumpto foi não só discutido em mais de cincoenta sessões, como nas visitas feitas ao campo, e nos reconhecimentos feitos ás margens do Tejo e barra.

Eu fui o secretario d'essa commissão, e encarregado por ella de relatar o resultado dos seus estudos e discussões. Esta commissão estabeleceu (peço á camara que tome nota d'isto) como limite minimo para a defeza do paiz 30:000 homens em armas, tendo por apoio defensivo as fortificações de Lisboa e seu porto.

Quer dizer, com 30:000 homens em armas e com as fortificações de Lisboa e seu porto não se póde evitar a invasão, mas póde demorar-se o invasor a tempo necessario para que o paiz se arme, e venha libertar a cidade do sitio, e reconquistar a sua independencia. Do mesmo modo que no tempo da guerra peninsular, com as linhas de Torres Vedras foi possivel reconquistar toda a peninsula.

Não estou de accordo com aquelles que dizem que 7:000 ou 8:000 homens não podem servir no caso de uma tentativa qualquer, esperada ou não esperada. Ha sempre van-

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tagem em haver um nucleo forte que dê força moral; é sobretudo n'essas circumstancias que demandam que o paiz corra todo ás armas, que o numero dá a coragem precisa para que o movimento natural e espontaneo não esfrie.

Repito, foi debaixo do ponto de vista da defeza do paiz que votei o projecto, parecendo comtudo conveniente que por um orçamento se marque a verba necessaria para fazer face aos encargos que d'elle provém (apoiados).

Não vejo rasão alguma para que não se possa fazer esse orçamento, porque s. ex.ª o sr. ministro da guerra deve ter na sua repartição todos os esclarecimentos precisos para o fazer.

Pelas notas que tenho presentes, que não affirmo tenham a precisa exactidão d'aquellas que s. ex.ª póde consultar, estou convencido de que com a verba proposta pelo sr. Lobo d'Avila se poderá satisfazer ao excesso da despeza, motivada pelo contingente que se ha de reunir, porque estou persuadido de que esse contingente não ha de attingir o numero de homens que o sr. ministro da guerra suppõe; pelo contrario, ha de ficar muito distante de 9:000. Creio que não passará de 6:000, mas apesar d'isso fiz o calculo para 8:000, que me indica a necessidade de uma verba de 640:000$000 réis.

Não posso deixar de recordar n'este momento as opiniões e a insistencia com que o sr. marquez de Sá da Bandeira tem pugnado para que se attenda á defeza do paiz, e para que se fortifique a capital, e para esse sacrificio entendo que todos devem concorrer, apesar do deficit que pesa sobre o nosso orçamento (apoiados).

Peço licença á camara para ter uma pequena parte do relatorio apresentado ás camaras por s. ex.ª o sr. marquez de Sá da Bandeira em 1869, e que, tendo immediata applicação ao assumpto, exprime perfeitamente as minhas idéas.

Diz s. ex.ª: «se por um lado o deficit constitue um plano inclinado, que tem por termo a ruina, não deixam de ser para receiar os perigos inherentes á falta absoluta ou ao acanhado desenvolvimento dos recursos militares».

Em seguida acrescenta:

«Os recursos militares em vez de ateiar a guerra são hoje a egide com que as sociedades se resguardam reciprocamente.»

Discorrendo sobre os principios postos actualmente em pratica por differentes nações, diz: «que se deve desenvolver o espirito militar do paiz e organisar a defeza, para obstar a que se conceba a idéa agressiva, desanimando o aggressor pela perspectiva dos sacrificios necessarios para effectuar a empreza».

Lêem-se finalmente n'esse relatorio estas notaveis palavras: «nada degrada tanto um povo, e lhe põe em risco a sua autonomia, como a convicção da sua propria fraqueza ou impotencia para repellir os attentados contra a honra nacional».

É facil tirar os corolarios contidos n'estas palavras do venerando general, que tão bem exprimem os seus patrioticos sentimentos, e a minha humilde opinião.

Como fallei do sr. marquez de Sá da Bandeira não desejo concluir sem rectificar uma asserção de s. ex.ª, o sr. presidente do conselho, que affirmou que o sr. marquez de Sá decretando a reserva, adiara a sua organisação definitiva pela falta do regulamento de que ella dependia; s. ex.ª teve de certo intenção de lhe dar execução immediata, e tanto assim que para elaborar o regulamento nomeou logo uma commissão, da qual fizeram parte os srs. Camara Leme e Osorio de Vasconcellos e eu, e se s. ex.ª se demorasse mais algum tempo no ministerio, creio que teriamos hoje o principio de uma verdadeira reserva.

Congratulo-me de me encontrar de accordo com os meus amigos politicos sobre o modo por que consideram o artigo em discussão; separei-me d'elles votando a generalidade do projecto, acompanho-os na questão dos meios, que julgo conveniente determinar, porque não tenho confiança no systema financeiro seguido pelo governo (apoiados). Conheço quanto a posição que tomei n'este debate é pessoalmente desagradavel, não agradei á opposição porque aceitei o projecto na generalidade, não agrado ao governo porque lhe pretendo limitar a auctorisação que solicita da camara; creiam porém que a tomei com resolução, e que estou satisfeito por ter agradado á minha consciencia (muitos apoiados).

Não julgo esta a occasião mais opportuna para fazer largas considerações sobre a questão de fazenda, mas quando se pede uma auctorisação para despender sem limites é licito dizer que a não posso conceder aos cavalheiros que, na minha opinião, têem abusado do credito, e concorrido para augmentar o deficit com emprestimos successivos, seguindo o pernicioso systema de recorrer ao credito para pagar o credito (apoiados); e como membro do partido reformista não posso tambem deixar de responder em poucas palavras ás considerações feitas pelo sr. ministro da fazenda, quando s. ex.ª se referiu ás difficuldades da situação de 1868, e para as quaes o meu collega e camarada o sr. Palma chamou a attenção da camara, dizendo: ouçam, ouçam.

As difficuldades da situação de 1868 resultaram exactamente do deficit creado pela administração anterior (apoiados), que demonstrou até á evidencia que a cotação dos fundos póde occultar um credito ficticio, e que não é barometro seguro para indicar a prosperidade, do thesouro; e tanto assim, que esse deficit de 7.000:000$000 réis, a que o actual sr. ministro se refere no seu relatorio, foi creado tendo as inscripções cotação superior aquella que hoje têem. As prosperidades d'essa idade de oiro da cotação alta póde dize-las o sr. Carlos Bento, se se lembrar das attribulações por que passou quando em janeiro de 1868 entrou para o ministerio. N'esse tempo o sr. ministro da fazenda fazia antecamara aos banqueiros, que anteriormente, como hoje, a faziam ao ministro antecessor de s. ex.ª

Largas considerações poderia fazer sobre o assumpto, mas vou terminar, porque tendo a camara resolvido prolongar a sessão até se votar o artigo, não quero impedir que os srs. deputados que pediram a palavra apresentem as suas reflexões.

Vozes: — Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

No orçamento do estado serão determinadas as verbas precisas para a execução das disposições d'esta lei, e para dar o conveniente desenvolvimento ás obras precisas para a, defeza de Lisboa e seu porto. = Pinheiro Borges.

Foi admittida.

O sr. Carlos Bento: — Mando para a mesa a seguinte moção (leu).

Julguei dever pedir a palavra a respeito d'este artigo, porque, apesar de não poder tratar a questão de fazenda n'este artigo, não posso desconhecer que elle contém a parte financeira do projecto.

Estimei muito que o sr. ministro da fazenda julgasse necessario dar explicações á camara, porque entendo que a respeito da nossa situação financeira nunca as explicações são demasiadas.

Por muito boa vontade que haja de decidir os negocios com a promptidão, como é conveniente que lá fóra se faça uma apreciação justa do nosso estado financeiro, todas as vezes que se trata de votar uma despeza é necessario gastar algum tempo em demonstrar que essa despeza não importa a ruina das nossas finanças.

Eu sou um d'aquelles tres individuos que mais se horrorisam com todas as despezas quando saem das condições ordinarias.

Esses tres individuos devem ser o sr. conde de Samodães, o sr. Braamcamp, e eu. Creio que nenhum ministro da fazenda se tem encontrado ainda na posição em que nós tres nos temos encontrado.

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E direi mais: se não houver todo o cuidado da nossa parte em tratar de estabelecer o nosso equilibrio financeiro, a necessidade de dar pelos supprimentos os taes 22 por cento ha de voltar, quaesquer que sejam os individuos que estiverem gerindo os negocios publicos.

Devemos todos concorrer para que se não repitam as circumstancias em que em outro tempo nos encontrámos, e em que a necessidade era superior á lei.

Eu devo declarar, que a nossa fazenda tem melhorado, e tem melhorado de fórma tal, que não ha de ser este projecto o que possa comprometter o resultado d'esse melhoramento. Tem melhorado. E é tanto mais agradavel dize-lo, quanto que o melhoramento não é obra de um partido exclusivamente ou de um homem d'estado, todos têem concorrido para isso, não só augmentando a receita, mas tambem n'estes ultimos quatro annos diminuindo a despeza consideravelmente (apoiados).

A verba da diminuição da despeza, n'aquelles pontos em que era reductivel, porque ha pontos em que se não podia reduzir sem grave inconveniente, talvez não seja inferior a 2.500:000$000 réis. Isto conseguiu-se em pouco mais de quatro annos.

Deve-se ter sempre presente esta circumstancia para animar aquelles que têem apprehensões ácerca da possibilidade do estabelecimento do equilibrio entre a receita e a despeza.

E então direi mais, o nosso mal não é tanto o desequilibrio entre a receita e a despeza, como é a facilidade de augmentar a nossa divida.

É possivel chegar ao estabelecimento do equilibrio entre a receita e a despeza, se não pelo augmento dos impostos e pela reducção na despeza, por expedientes. Ha expedientes que não compromettem em nada o futuro, e dos quaes "se póde tirar proveito.

Ora que fazemos nós quando se trata, por exemplo, de mandar uma expedição ás colonias? Votâmos com muita facilidade as despezas necessarias para isso, mas não votâmos os meios com que se ha de occorrer a outras despezas, que muitas vezes talvez não seja necessario votar n'aquella escala.

Quando o governo nos declara que as circumstancias exigem que a força publica seja organisada de uma certa fórma, não podemos deixar, sob responsabilidade do governo, de o armar com os meios que as circumstancias justificam. E se as circumstancias fossem normaes não diriam alguns cavalheiros, que muito respeito, que os srs. ministros não estão á altura das circumstancias (riso. —Muitos apoiados); isso prova que as circumstancias reclamam algumas medidas extraordinarias.

Ora nós, repito, votâmos com uma facilidade pasmosa as sommas necessarias para o custeio de expedições longiquas, que muitas vezes podiam prescindir da importancia em que essas sommas são votadas. Note-se que uma vez um ministro da marinha declarou, que teria ficado muito satisfeito se lhe votassem a somma de 20:000$000 réis para acudir a circumstancias extraordinarias em que se achava alguma das nossas possessões, e votaram-se 200:000$000 réis. Temos uma certa largueza sempre que se trata de defender a integridade da monarchia até nos antipodas. A facilidade com que votâmos os meios necessarios para isso prova um bom sentimento, e desculpo-me a mim de ter esse mesmo sentimento com applicação ao nosso paiz, ainda que não haja o menor perigo para a nossa integridade, assim como o não ha nas colonias, porque algumas povoações reagem contra os excessos de alguns governadores de districtos.

Digo eu, pois, que nas circumstancias actuaes voto ao governo, debaixo da sua immediata responsabilidade, os meios necessarios para manter a tranquillidade publica, e para, em circumstancias difficeis, impedir que o nosso paiz possa servir de base de operações contra o governo existente no reino vizinho (apoiados).

A circumstancia de que effectivamente alguns disturbios que existem n'aquella nação nobre pelas altas qualidades dos individuos que a compõem, têem logar em pontos muito distantes da nossa fronteira, não nos dá a garantia de que não se possam verificar em outra parte onde seja necessario dar todas as garantias ao governo hespanhol da nossa neutralidade. E se mais de uma vez Portugal tem mostrado que está sempre prompto a receber e a dar guarida aquelles que procuram este paiz para escapar a circumstancias difficeis em que se encontram, tambem é certo que tem sempre guardado uma completa neutralidade, dando sempre provas da importancia que lhe merecem as relações amigaveis com todos os governos que têem existido na nação vizinha (apoiados).

Eu tambem estimaria que a importancia da somma necessaria para esta despeza fosse limitada; mas devo declarar que me parece que a limitação d'esta somma está no emprego a que é destinada (apoiados).

Effectivamente quando se diz no artigo 1.° para que esta somma é destinada, está claro que a limitação natural está no emprego restricto a que ella é destinada; mas, apesar d'isso, confesso sinceramente que desejava que a somma fosse limitada, porque ha um certo perigo em dizer-se que é muito superior áquella que devia ser.

Tambem deverei dizer, que me parece que os inconvenientes que tem o chamamento da reserva não são de uma natureza tão irremediavel como se figuram. Por exemplo, suppõe-se que um facto economico prejudica o chamamento da reserva. Effectivamente todas as necessidades de qualquer augmento de força militar podem trazer comsigo uma perturbação, mas o governo tem os meios de obviar a esse inconveniente; porque eu em primeiro logar não supponho que haja uma necessidade permanente da conservação do augmento da força; parto d'esse principio, e mesmo quando existisse é um exemplo dado por todas as outras nações, em certas epochas em que os trabalhos agricolas são indispensaveis, mesmo nos exercitos permanentes, darem os governos licença ás praças do exercito para se poderem empregar n'esse serviço. Isto mesmo faz parte do regulamento do exercito de Inglaterra.

Ora não posso desconhecer que ha um certo inconveniente na necessidade do chamamento da reserva, debaixo d'este ponto de vista; mas não reputo que esse chamamento tenha o caracter de uma existencia permanente, o que por um lado ha de concorrer para a possibilidade de se attenuar a importancia da despeza effectuada, mesmo porque não supponho que o ataque seja de natureza tal, que tenhamos precisão de maior força.

Não ha muito tempo que ouvi dizer que o sr. ministro da guerra do reino vizinho, o sr. Cordova, declarára que a reserva d'aquelle paiz eram 9:000 homens! Note-se que a verba nos parece, attendendo-se á sua força militar, muito deficiente; mas devemos lembrar-nos que no reino vizinho o ministro da guerra declarou, que a reserva não excedia a 9:000 homens.

Por esta occasião acompanho o illustre ministro da guerra na manifestação que fez da necessidade de algumas modificações na lei do recrutamento (apoiados).

É indispensavel que essa modificação tenha logar, e a respeito da reserva tambem pedia ao nobre ministro, que, tanto quanto podesse, conciliasse a circumstancia d'este chamamento ser effectuado dentro dos limites, em que cause menos transtornos aos individuos que tem de concorrer aos corpos onde tem de servir.

Hoje predomina muito a idéa da organisação militar territorial, e esta organisação não contraría em nada a efficacia dos exercitos, ao passo que influe favoravelmente tanto para as condições economicas do paiz como para as suas condições financeiras (apoiados).

Lamento que seja necessario chamar estes homens para de novo prestarem serviço no exercito. Está na lei; mas peço ao illustre ministro que trate de modificar a lei n'este

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ponto, e que veja que nos outros paizes, na maior parte d'elles, quem fórma a reserva não são aquelles que já serviram, são precisamente aquelles a quem a sorte favoreceu; porque é um pouco duro, que aquelles que por terem meios de fortuna, ou, sabe Deus, se ajudados por protecções illicitas se livraram, estejam toda a vida sem prestar serviço algum militar, emquanto que aquelles em quem recaíu a sorte, ou não tiveram meios de se livrar, são chamados ao serviço duas vezes.

Esta irregularidade, porém, só a póde obviar uma lei do recrutamento, e é essa lei que eu pedia ao illustre ministro da guerra tivesse a bondade de apresentar.

Direi ainda ao illustre deputado que me precedeu, que não tenha grande receio de que por este projecto se comprometia a questão de fazenda; porque eu creio que não se trata agora do pensamento elevado, judicioso e acertado das fortificações de Lisboa, e do seu porto, idéa grande de um homem, cujo maior elogio é o seu nome, o sr. marquez de Sá da Bandeira. A realisação d'este pensamento é que importaria em grandes despezas, mas ninguem póde desconhecer a utilidade que d'ahi proviria á nação. Tenho dito, e mando a minha proposta para a mesa.

É a seguinte:

Proposta

Artigo 4.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer da presente auctorisação.

Sala das sessões, 22 de fevereiro de 1873. = Carlos Bento da Silva.

Foi admittida.

O sr. Barros e Cunha: — Se se tratasse de discutir a lei que a camara já votou, não poderia offerecer-lhe melhor antagonista do que o illustre deputado e meu amigo que acaba de sentar-se, e pediria a V. ex.ª que apagasse o meu nome da inscripção, satisfazendo assim a impaciencia em que a camara se acha de pôr termo a este debate. Não se trata porém d'isso, trata-se de uma questão, na qual o illustre deputado não foi menos efficaz nem menos severo, do que ácerca dos inconvenientes que levaram a opposição a rejeitar esta lei (apoiados).

Pedi a palavra sobre a ordem e vou mandar para a mesa a minha moção.

N'estas questões, em que todo o paiz tem graves interesses, entendo que o governo e todos os membros do parlamento devem ser francos, claros e precisos nas suas determinações (apoiados). Usa-se isso em todos os paizes nas circumstancias mais graves. Se o governo tem de recorrer ao parlamento, não lhe occulta as circumstancias e pede os meios necessarios para occorrer ás despezas que ellas impõem; feio assim mr. Pitt quando teve de fazer face á guerra continental, e o imposto chamado war-tax exuberantemente o prova; procedeu assim mr. Canning quando veio pedir dinheiro para uma expedição comparativamente pequena, qual foi aquella que veio a esta terra em 1826. (Interrupção.)

Sei que alguns illustres deputados não gostam que apresente o exemplo da Inglaterra; porém sendo a Gran Bretanha uma nação que procede sempre de uma maneira igual ao que as circumstancias lhe impõem, sendo os seus escriptores, os seus generais, os seus homens da mar e os seus soldados os primeiros da Europa e tendo um excellente systema pratico do governo por isso que é a republica presidida pela monarchia, entendo que lá se devem ir buscar exemplos e sinto que não sejam imitados pelos nossos escriptores, publicistas e outros homens notaveis que se encontram n'este paiz!

A minha moção, que não quero adiar por mais tempo, tem por fim satisfazer um desejo que o meu illustre amigo, que acaba de sentar-se, exprimiu em palavras concisas e eloquentes (apoiados); tem por fim restringir ao que julgo unicamente necessario a auctorisação que o governo pede, e eu vou dizer em pouco as rasões em que me fundo para fazer esta restricção.

A camara approvou que se elevasse a força, e eu não posso negar ao governo os meios de que elle carece para lhe pagar. O illustre presidente do conselho declarou n'uma das sessões passadas que, tendo-se-lhe votado o dinheiro para a expedição, era inconsequencia o negar-se-lhe a organisação d'esta expedição; e eu agora digo que, tendo-se votado a organisação da força, seria inconsequencia negar ao governo os meios para ella propostos (apoiados).

O governo fica auctorisado a despender até á quantia de réis 500:000$000 dentro do anno economico de 1872-1873 para a execução d'esta lei; estabelecendo assim a obrigação da governo assumir a responsabilidade em que incorrer se for alem d'aquillo que precisamente as circumstancias lhe indicarem, por isso que pelo artigo 4.° proponho que o governo quinze dias depois de aberta a sessão futura venha dar contas ao parlamento, apresentando-lhe um relatorio circumstanciado sobre o uso que fizer d'esta auctorisação.

Eu calculo sobre as verbas que no orçamento vem deduzidas do completo do exercito:

[Ver Diário Original]

Corresponde a tres mezes 85:671$431 réis de pret, réis 38:998$800 de pão, 200:000$000 réis de fardamento, calculado em 20,000 por praça, 10:000 homens, porque terá de se adiantar já todo o dinheiro, e creio que será o maximo 20$000 réis uniforme completo. Temos 10$000 réis para forragens, 84:000$000 réis para a compra de 700 cavallos.

Não sei se o sr. ministro da guerra terá necessidade de comprar os 700 cavallos; se tiver de comprar e ao preço de 120$000 réis cada um, a despeza com esta compra será de 84:000$000 réis.

Fui, por curiosidade, porque fiquei com esta tendencia militar desde o tempo em que tive a honra de servir no exercito portuguez, fui, como ha tempo tinha ido, ao quartel ou deposito dos recrutas de Chatham em Inglaterra, e

á escola pratica de artilheria em Woolwich; e como faço isto por minha conta, não é por conta do estado (apoiados), acho que este modo de estudar, que não custa nada a ninguem senão a mim, me prepara para melhor satisfazer ao interesse que tomo n'estes assumptos, e para comparar depois o que vejo lá fóra com o que se passa no meu paiz, e por isso tambem fui um d'estes dias ao quartel de artilheria, porque a artilheria tem uma parte muito notavel e distincta, principalmente nas campanhas e feitos modernos, desejei ver o estado em que se achava a nossa artilheria, e fiquei admirado porque a encontrei muito alem d'aquillo que eu podia suppor. Já antes d'isso tinha ido ao arsenal do exercito na occasião em que se tratava de fundir e preparar canhões, e outros se achavam já em grande parte fundidos e preparados segundo o systema moderno

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mais aperfeiçoado. Apenas notei que os serventes usam ainda carabinas que se não podem transformar em Sneider, nem usar como são.

O sr. ministro da guerra não póde talvez deixar de querer dar á artilheria melhor armamento.

Dou, por consequencia, 500:000$000 réis ao sr. ministro da guerra, para elle poder, como de certo póde, occorrer a todos os complementos que necessariamente têem de acompanhar esta organisação. Desejo, porém, tomar todas as precauções, para que se não dê o que se deu na occasião do acampamento de Tancos, e que acabo de ver n'um relatorio, que é raro, mas que por acaso me chegou á mão por favor de um cavalheiro que está presente n'esta casa. Eu vejo no appenso B, que acompanha o relatorio do campo de instrucção e manobras, o seguinte:

Para os srs. generaes:

Assucareiro, 5$000 réis.

Bobeches grandes.

Bobeches pequenos!

Eu julgava que não havia senão um bobeche, aquelle que vimos no theatro da Trindade, mas enganei-me, e vejo agora que ha quatro, dois grandes e dois pequenos (riso). Isto é serio; está-me dando grande cuidado esta multiplicação de bobeches grandes e pequenos (riso).

Mas não é só isto; lê-se mais n'este documento:

Bule para general, 8$000 réis.

Cafeteira, 5$000 réis.

Eu creio que nem o proprio general Bum tinha um bule d'este tamanho (riso).

Temos mais uma cousa singular: Dois fogões para general.

Um fogão grande e um fogão pequeno, bobeches grandes e bobeches pequenos para os srs. generaes!

Isto faz-me lembrar o que se conta de Isaac Newton, e que peço licença á camara para contar aqui, apesar de ser uma anecdota sabida.

Newton, quando tratava das suas observações, era constantemente distraindo por um gato ou uma gata, não affirmo agora se era gato ou gata, que successivamente o interrompia entrando na casa onde elle estava fazendo os seus trabalhos. Incommodado com esta continuada entrada e saída, pensou como havia de evita-la, e mandou fazer um buraco por debaixo da porta para o gato poder entrar e saír sem elle se incommodar. Mas o gato ou gata não era só, tinha um filhinho, um gatinho ou uma gatinha, o que obrigou Newton a mandar fazer outro buraco mais pequeno para o gatinho poder tambem entrar ou saír. Os generaes em Tancos estavam no mesmo caso, precisavam dois bobeches grandes e dois pequenos, um fogão grande e um fogão pequeno; supponho que lhes era isto indispensavel para o melhor desempenho dos seus calculos e das suas operações (risadas).

Mas não fica aqui; temos mais, e o que passo a ter é que não posso deixar de qualificar como uma perfeita extravagancia. É o seguinte:

Salva para tres copos, 8$000 réis.

Salva para um copo, 6$000 réis.

Eu vou pedir que todas as salvas que tiverem de se comprar sejam todas para tres copos; porque ao menos assim sempre se poupa alguma cousa. Todos nós sabemos que Sardanapalo, segundo a descripção que nos fez um distincto poeta que presidiu n'esta casa, cantado por outro poeta que está presente, Sardanapalo entre as augustas mulheres comia arroz sem colheres.

Os nossos generaes têem colheres de 3$000 réis quando Sardanapalo se sujeitava a isto, os nossos generaes podem bem dispensar as salvas que não levem menos de tres copos, sem que por isso os seus calculos a respeito das diversas operações, que intentarem fazer, possam ser prejudicados (riso).

Tendo justificado com os factos passados e mesmo com a opinião dos membros mais conspicuos da maioria, que o meu desejo é restringir quanto possivel este debate, passo a fazer algumas observações a phrases apresentadas pelo sr. ministro da fazenda, respondendo ás considerações muito sensatas e fundadas que tive a satisfação de ouvir expor pelo meu illustre amigo, o sr. Mariano de Carvalho, em relação ao relatorio e outros documentos que estão presentes na camara.

Nós recebemos os documentos, temos obrigação de nos governarmos por elles (apoiados), sem saber quaes foram as causas que determinaram o ministro que os apresentou a não se conformar com uns e a conformar-se com outros, dando o resultado de differirem uns dos outros (apoiados).

Terei occasião, se por acaso esta sessão se prolongar, de pedir á camara que nomeie uma commissão para examinar as circumstancias em que se acha a nossa contabilidade publica, e propor as reformas que são indispensaveis para que nós não estejamos todos os dias a ter um trabalho immenso de examinar documentos, tendo sempre o sr. ministro uma grande facilidade em vir provar que o nosso trabalho é inutil, e é falso, quando s. ex.ª por canaes inteiramente differentes, e que estão fóra da nossa acção, póde corrigir erros que se apresentam á camara para que ella os considere exactos (apoiados). E direi que, ácerca dos juros dos titulos na posse da fazenda, elles vem descriptos no mappa da receita, mas não no da despeza; e muito subtil será o sr. ministro se poder provar o contrario.

Disse o illustre ministro que não era occasião para tratar da questão de fazenda. Eu entendo que, assim como o governo diz que a occasião para se tratar de certas questões é a opportunidade, para a opposição a questão de fazenda é sempre opportuna (apoiados). Trata-a em todas as occasiões; e para a tratar não tem que se sujeitar a regra, nem a indicação alguma, senão aquella que o illustre ministro apresentou para tratar da despeza da lei ácerca do chamamento da reserva (apoiados).

A opposição o que hoje pede é que se discuta primeiro que tudo a questão de fazenda (apoiados). Esta tem sido sempre a minha opinião.

O illustre ministro disse que muitos deputados o têem accusado de contrahir um emprestimo illegalmente, eu sou um d'elles, mas que não tinham provado.

A culpa é do sr. ministro. Eu já apresentei uma nota de interpellação, e s. ex.ª não se deu ainda por habilitado (muitos apoiados) para responder a essa nota de interpellação. Quando s. ex.ª se der por habilitado eu provarei que o emprestimo é illegal, e que as condições em que foi contratado foram deploraveis (apoiados).

Tambem s. ex.ª disse: «todos os ministerios têem abusado da auctorisação, que elle considera de effeito permanente, consignada no artigo 5.°, creio eu, da lei de 5 de março de 1858».

Peço perdão para dizer a s. ex.ª que isso é verdade em relação a todos os ministerios; mas que essa lei foi revogada pela lei de 1867, e especialmente foi revogada pela lei de 1860, creio eu, do sr. conde de Samodães. Por consequencia, s. ex.ª é que não podia recorrer a ella.

Não digo que não seja verdade que o meu illustre amigo, o sr. Anselmo Braamcamp, tivesse vendido alguns fundos, d'aquelles que constituem o penhor, da divida fluctuante. Creio que sim; entretanto foi uma somma muito diminuta, e foram sempre vendidos ao par pelo preço do mercado; e alguns d'elles foram vendidos com 1/4 por cento de commissão. E nunca ministerio algum historico vendeu uma unica inscripção, posso assegurar á camara, senão pelo preço do mercado. Não fez contrato para vender inscripções por menos do preço do mercado. Nunca (muitos apoiados).

Extraordinariamente o meu illustre amigo, o sr. ministro da fazenda, lançou á conta da opposição o termo de comparação, que eu já tinha visto allegar n'um jornal muito notavel que se publica n'esta capital e que vae para o Brazil, das vantagens d'esta operação comparadas com aquel-

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las que se fizeram depois da queda desastrosa da situação de 1867.

Devo dizer á camara que não foi de certo nem o partido historico, nem os partidos que antes d'elle estiveram no poder, que crearam estas condições, foi o governo actual quando fez um emprestimo, dependente da approvação de contratos, e quando se sujeitou a que por esse emprestimo se dessem indemnisações que se não deviam, e ás quaes eu me oppuz constantemente, como poderei provar trazendo aqui os documentos que publiquei aqui e lá fóra, porque eu encarreguei-me lá fóra de justificar o governo e os poderes publicos do meu paiz, mostrando que nós não deviamos nada.

Os poderes constituidos entenderam que o governo, que então estava á frente dos negocios publicos e que constituia a fusão por intermedio do sr. presidente do conselho actual, se tinha compromettido a dar aquella indemnisacão, em consequencia do successo que tinha tido o emprestimo de 1867 nas praças estrangeiras. Eu sempre disse que isto não era exacto e trarei aqui se for necessario os documentos publicados nos jornaes estrangeiros e portuguezes, nos quaes eu sempre disse que isto não era exacto. Entretanto, os factos são muito mais fortes, as reclamações fundaram-se sempre em que isso tinha sido estipulado, e o resultado d'ellas apesar do facto consummado nem condemna o meu patriotismo, nem me póde obrigar a reconhecer que essa obrigação existiu. De certo não foram os gabinetes posteriores que concorreram para que nos tribunaes inglezes houvesse julgamento contra, e que declarassem que nós não tinhamos senão a soffrer as consequencias do que se dizia estipulações - subentendidas com as circumstancias do contrato do emprestimo, incluidas as indemnisações do caminho de ferro de sueste, e em trazer a copia do que se, chamou the south cart of Portugal railway contract company, se assim o quizerem, mas não o desejo fazer.

Pediria a todos que pozessemos de parte o passado, para tratar do presente. Aquillo em que a actual opposição tem, empenho é na organisação da fazenda, sem fazer allegações para o passado, e eu sou o primeiro que não desejo faze-las, mas sempre que me provocarem a isso, como não tenho precedentes que me obriguem a occultar quaesquer factos, hei de faze-lo da fórma que puder.

Sr. presidente, tambem o illustre ministro da fazenda disse, que na questão dos calculos ácerca do real d'agua a opposição estava em um terreno falso, e que s. ex.ª tinha calculado 150.000:000 litros, dos quaes uma parte pagava o imposto por grosso, e outra por miudo. Peço licença para dizer que isto não póde ser.

O sr. ministro da fazenda tem o seu calculo muito bem feito.

E é como segue:

Producção total, litros.................. 450.000:000

Isento de todo o imposto................ 330.000:000

Sujeito ao imposto, litros................ 220.000:000

D'estes 220.000:000, diz o sr. ministro:

Venda por grosso 150.750:000 litros a 3 réis.

O erro está nos calculos da venda por miudo que devia accumular, não accumulou, o imposto por grosso em litros

70.400:000

Não ha pois distincção a fazer nos 150.750:000.

Este é que é o consumo sobre o qual recáe o imposto do consumo por grosso; e se s. ex.ª não fez o calculo com toda a exactidão, e se houve um equivoco a mais por alguma rasão que eu não posso conhecer, eu peço a s. ex.ª que me diga qual é, porque então terei a juntar a todas as correcções que hontem fez o illustre deputado o sr. Mariano mais esse erro de calculo que s. ex.ª encontrou, e que eu na realidade não encontrei.

Eu peço licença á camara para não discutir mais este argumento, e faço apenas uma pergunta.

O sr. relator da commissão de guerra apresentou a questão á camara ácerca da reserva, dizendo que era uma questão de confiança. Quem confia approva, quem não confia rejeita. É simplificar muito, mas não póde ser, ainda que essa simplificação me era favoravel, porque me levava a votar contra, visto que não confio.

Isso não está porém em harmonia com o que disse o sr. presidente do conselho. S. ex.ª poz a questão muito clara e muito terminante: «Eu não posso governar sem augmento da força publica». E quer a camara que eu lhe diga uma cousa? Eu entendo que elle tem rasão. Eu nunca puz em duvida que elle tivesse necessidade de força, a unica cousa que eu lhe puz em duvida, e que lhe contestei, foi que a força que s. ex.ª queria chamar era aquella que devia ser chamada, e se lhe era mais util chamar a reserva do que chamar os recrutados. O mais é caso áparte. No resto estou de accordo com o governo. É preciso força.

Mas a questão é outra. O sr. ministro da guerra pôz a sua pasta sobre esta questão, e pô-la muito bem. E eu pergunto ao sr. ministro da fazenda se s. ex.ª póde governar com esta despeza de mais, e com uma receita um pouco superior de menos: isto é, desejo saber se isto não constitue tambem para o sr. ministro da fazenda uma questão ministerial. Se s. ex.ª diz, que póde governar, então muito bem; a camara não tem que julgar senão sobre a questão posta pelo sr. presidente do conselho. Se o sr. ministro da fazenda entende que não póde governar com esta despeza de mais (e eu não sei ainda se ella será superior aquillo que eu proponho), e com as receitas de menos que provem do abandono em que eu creio que vão ser lançadas as propostas de fazenda com que elle contava para ser igual ás difficuldades, que não eram tão graves como agora, eu pergunto a s. ex.ª se não faz tambem d'isto questão ministerial.

Se faz questão ministerial, eu então digo a s. ex.ª que traga aqui as propostas necessarias para provocar um voto da camara e para ser igual ás circumstancias que este projecto determina. Se entende que isso não é preciso para nada, então creio que o melhor é a opposição abandonar as salas da camara, porque a questão de fazenda está completamente resolvida, ou se não está ainda completamente resolvida, o sr. presidente do conselho de ministros resolve-a com a sua maioria, e nós ficamos assim completamente desembaraçados da grave responsabilidade em que incorremos.

Se por acaso o sr. ministro da fazenda não resolver a questão como deve, ou porque elle não confie no paiz, ou o paiz em s. ex.ª, nós teremos necessidade absoluta de lhe crear todos os embaraços para que venha a ser substituido por um ministro que ponha em execução aquillo que é um dogma para a opposição, isto é, que resolva a questão de fazenda, proporcionando os meios para o estado poder satisfazer as despezas a que é obrigado pelas circumstancias imperiosas que o nobre ministro da guerra nos diz que existem.

Arranjem-se os membros do gabinete como entenderem, a opposição está resolvida a fazer com que se trate quanto antes a questão de fazenda e a não adiar por expedientes, por declinatorias mais ou menos justificadas, uma questão como esta, que bastante interessa o paiz como a manutenção da ordem publica e a defeza das suas fronteiras (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Substituição, ao artigo 3.°:

Artigo 3.° É auctorisado o governo a despender até á quantia de 500:000$000 réis, dentro do anno economico de 1872-1873, para a execução da presente lei.

Artigo 4.° O governo apresentará ás côrtes, nos primeiros quinze dias da sessão legislativa que se seguir a esta, o relatorio circumstanciado sobre o uso a fazer d'esta auctorisação.

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Sala das sessões, 22 de fevereiro de 1873. = João Gualberto de Barros e Cunha. Foi admittida.

O sr. Ministro da Guerra (Fontes Pereira de Mello): — A hora está muito adiantada. A camara já resolveu prorogar a sessão até se votar o projecto, e por isso serei muito parco nas minhas considerações.

Não contesto, não posso nem quero contestar aos deputados da opposição o direito de tratarem a questão de fazenda como e quando lhes aprouver, mas tambem me não parece justo que me contestem o direito que me assiste, de ter uma opinião contraria e de entender bem ou mal que a questão de fazenda vem deslocada no artigo de que se trata (apoiados).

Eu comprehendo perfeitamente que na generalidade do projecto, quando se tratava de saber se se havia de approvar ou rejeitar a indicação do governo, chamando ás armas a reserva, a camara sobrepozesse a questão de fazenda á questão de ordem publica. Era uma opinião perfeitamente sustentavel. Mas o que eu não comprehendo é que depois de se ter votado o chamamento da reserva ás armas, a camara entre em duvida sobre se ha de votar que se pague a essa reserva a despeza que ella trouxer comsigo.

Nós havemos discutir todos os pontos, aliás importantes, que têem sido tocados por todos os illustres deputados que me precederam, e creiam s. ex.ªs que o governo não se recusará ao debate longo e detalhado sobre todos esses pontos.

Havemos de discutir os projectos de fazenda, o orçamento, o que se chama, emfim, em linguagem parlamentar, a questão de fazenda, e n'essa questão o governo não se ha de eximir a dar todas as explicações, que poderão ser ou não aceitas pela camara (apoiados).

Discutir, porém, a proposito d'este projecto, o emprestimo de 5.000:000 libras, se o governo estava ou não auctorisado a contrata-lo em virtude da lei de 5 de março de 1858, discutir o imposto de consumo, e se se fez ou não o regulamento, e discutir até o imposto sobre o vinagre, a proposito do artigo 3.°, parece-me improprio (muitos apoiados). Digo-o sinceramente.

O sr. Barros e Cunha (com insistencia): — Peço a palavra.

O Orador: — Eu reconheço aos illustres deputados o direito de discutirem a questão de fazenda quando quizerem e como quizerem; mas reconheçam-me tambem o direito de não achar isso a proposito, e isto com todas as attenções devidas a pessoas tão conspicuas.

Entretanto, o illustre deputado, o sr. Barros e Cunha, que acabou de fallar, e que já pediu a palavra para fallar outra vez, teve a bondade de precisar mais a sua opinião a este respeito. Não se contentou simplesmente com o discutir este ponto, o que eu reputo mais ou menos improprio do assumpto que nos preoccupa; mas precisou os seus argumentos, e propoz 500:000$000 réis para as despezas do chamamento da reserva.

Eu já disse n'uma das sessões passadas que eu não posso fixar de uma maneira precisa a despeza que o estado tem a fazer com o chamamento da reserva; e não póde haver ninguem, permitta-se-me que o diga, que pensando um instante n'esta questão, possa dizer com certeza que o estado ha de fazer esta ou aquella despeza (apoiados). Ninguém o póde dizer com verdade. Póde fixar-se um maximo, mas corremos o risco ou de o fixar muito grande, e lançar assim no publico a idéa de que se vão fazer despezas muito consideraveis, ou de o fixar muito pequeno, e que não chegue.

Entretanto, se a camara entende que é preciso determinar uma cifra qualquer, eu não me opporia a isso; mas não posso aceitar a quantia que propõe o illustre deputado o sr. Barros e Cunha, 500:000$000 réis. N'esse caso aceitaria antes a indicação feita pelo illustre deputado o sr. Lobo d'Avila, que propoz 660:000$000 réis como maximo; e depois o governo, se lá chegar, ou o que o substituir, proporá ás côrtes as sommas que forem necessarias, se porventura essa não chegar. Antes aceitaria essa proposta.

Mas os illustres deputados sabem perfeitamente que nós não temos sómente de pagar á reserva. Não quero entrar em grandes pormenores sobre este objecto, porque a camara está fatigada d'esta questão, e parece-me que a comprehende melhor do que eu; e mesmo aquelles que combatem a proposta do governo sabem muito bem que as despezas não são simplesmente aquellas que vem indicadas no orçamento.

N'esta questão sinto-me realmente acanhado diante da camara. Depois de ter sido proclamada a minha ignorancia e a minha incompetencia, eu não posso dizer nada que illustre a assembléa. A assembléa está de certo muito mais illustrada do que eu, e diante d'esta consideração, confesso que não sinto coragem para entrar em grandes explicações.

(Áparte.)

Não estou á altura; é verdade (riso).

Entretanto permittam-me os illustres deputados que lhes diga que ha despezas que não vem computadas no orçamento, porque as despezas do orçamento são unicamente para homens e cavallos, pret, pão, fardamento e forragens, tudo para o estado completo: mas não vem lá nem as despezas de mobilia, nem as de melhoramentos de quarteis, melhoramentos que são indispensaveis para accommodar uma força maior, nem as despezas de compra de cavallos, de mantas, cobertores, etc.. Todas estas despezas são extranhas ás que vem mencionadas no orçamento, e por consequencia eu não posso contar com aquella somma unicamente para as despezas que lá vem descriptas; preciso uma somma maior. Se a camara não a quer votar não vote; mas a dizer a verdade, parece-me com o devido respeito uma contradicção, depois de ter votado o artigo 1.° do projecto. (Apoiados.) Mas a camara é soberana, e fará o que quizer.

Eu estou fallando com convicção; eu estou fallando com a certeza que tenho de que é indispensavel habilitar o governo com os meios precisos. E se eu saír d'este logar hoje, dou a minha palavra de honra á camara de que voto ámanhã á opposição os mesmos meios. É por isso que eu não chego mesmo a comprehender como se nega esta concessão ao governo, e quando digo que se nega ao governo, digo á entidade governo e não aos homens que aqui estão sentados.

Não quero acompanhar os illustres deputados em todas as suas digressões; seria isso tornar o debate extremamente demorado e prolixo, e não é nem podia ser essa a minha intenção. A urgencia das necessidades publicas não comportavam esse facto, e pelo menos não era eu que devia dar tal exemplo.

Entretanto peço licença para observar que tenho sido tão arguido de expressões que não proferi, de idéas que não tenho, de opiniões que não apresentei, que, a fallar a verdade, os illustres deputados que combatem o governo, e que dizem que elle não está á altura das circumstancias, estão n'uma posição muito mais alta do que os argumentos que têem apresentado.

Effectivamente, alterar e deturpar os meus argumentos e os meus raciocinios, para combater o governo e saír triumphante, é conquistar uma victoria facil, e talentos tão superiores como aquelles que se tem occupado d'esta materia parece-me que estão acima, não é abaixo, d'estas considerações.

Eu não disse nunca, por exemplo, que se tinha creado o campo de manobras em Tancos para educar soldados. Eu nunca disse isso, não póde estar isso em parte alguma.

Ás vezes chego a ficar pasmado da minha ignorancia! Ás vezes chego a duvidar se estou idiota, quando ouço attribuirem-me de tal modo opiniões que não tive, nem posso ter!

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Pois eu disse nunca que se tinha formado o campo de manobras em Tancos para educar soldados que tinham cinco annos de serviço, como acontecia com os de então?!...

Pois os campos de manobras formam-se em parte alguma do mundo para educar soldados?!...

Os campos de manobras formam-se em toda a parte para instruir officiaes e para fazer generaes.

Os generaes não se inventam em tempo de paz; os generaes fazem se na guerra, mas em tempo de paz não ha outro meio de fazer generaes senão os campos de manobras.

Não posso agora ser mais desenvolvido sobre estes pormenores do campo de manobras de Tancos, sobre as despezas que ali se fizeram, e sobre o modo por que se applicaram as diversas quantias.

Tenho a infelicidade de não ter graça nenhuma; não posso, portanto, aspirar a fazer rir a camara (Vozes: — Muito bem); mas posso assegurar-lhe que o que ali se fez é o mesmo que se faz em outros campos de manobras que existem em outros paizes, onde aliás as despezas são muito mais luxuosas do que aquellas que se fizeram em Tancos (apoiados).

Agora, por ultimo, permitta-me a camara, que eu diga, não a minha opinião, porque a minha opinião é suspeita, mas a opinião de um homem que todos citam, e que, pelo seu caracter, pela sua intelligencia e pelo seu saber, creio que está á altura d'estas cousas. É o sr. marquez de Sá da Bandeira.

Peço licença para ler o que elle diz officialmente a respeito do campo de manobras de Tancos:

«A reducção do tempo de serviço ao indispensavel para que o exercito seja principalmente a escola militar do paiz tem por consequencia a necessidade de um campo de instrucção, aonde o soldado adquira as feições moraes que o devem distinguir, mostrando-lhe o encargo o mais perto que for possivel da realidade.

«Na missão de conservar a paz pelo prestigio e força dos recursos militares, os campos de manobras apresentam-se como o melhor meio de conservar nos exercitos a aptidão precisa; são elles um logar de concurso aonde se estimulam os zelos em favor da illustração particular de cada um e credito de todos, por isso que, nos trabalhos que demandam intelligencia e actividade, os que têem merecimento e brio procuram mostrar do que serão capazes quando a ficção se torne realidade, e impellem os outros a que os imitem, por interesse proprio, e pelo desenvolvimento d'esse espirito de corporação que exige que se não fique tão atrás no desempenho dos deveres dos differentes serviços que haja logar para ser notado, e a desmerecer na confiança e estima dos seus camaradas.

«Por estas rasões, e pelas vantagens que a experiencia mostrou provinham ao exercito d'esta instituição, apesar de nascente, vantagens com toda a clareza demonstrada no relatorio do commandante em chefe das forças acampadas na charneca de Tancos em 1867, tenciona o governo aproveitar este elemento de instrucção, empregando todas as disposições convenientes para que os exercicios se façam com a maxima economia possivel.»

Aqui tem v. ex.ª como pensava o sr. marquez de Sá da Bandeira a este respeito; e cito só esta opinião, que me parece bastante auctorisada, para não me alongar n'uma discussão que eu reputo impertinente em relação ao assumpto que se discute n'este momento; e cito-a para me justificar até certo ponto de ter commettido este grande erro, este esbanjamento, que eu reputava uma despeza util e conveniente para o exercito, como a reputava tambem o sr. marquez de Sá da Bandeira.

Vozes: — Muito bem.

O sr.. Ministro da Fazenda: — Tendo eu declarado que me parecia não ser conveniente tratar n'este momento da questão de fazenda, e, pelo adiantado da hora, não posso responder a algumas das observações apresentadas pelo illustre deputado, o sr. Barros e Cunha, no entanto responderei a um unico ponto em que s. ex.ª tocou.

Disse s. ex.ª que «era necessario, para elle poder votar o projecto, que eu dissesse se podia continuar a gerir a pasta da fazenda no caso de se votar estes 500:000$000,600:000$000 ou 700:000$000 réis, isto é, a somma necessaria para a despeza a fazer com o chamamento da reserva ás armas, e no caso de se adiarem, disse o illustre deputado, não sei que projectos de fazenda».

Emquanto á primeira parte, escusava levantar-me, porque n'um orçamento de 20.000:000$000 a 22.000:000$000 réis, com um deficit já muito menor do que nos annos anteriores, de certo que não eram 600:000$000 ou 800:000$000 réis que haviam de dar logar a que quem gerisse esta pasta a largasse.

Emquanto á outra parte, ao que diz respeito ao adiamento de projectos de fazenda, não sei a que o illustre deputado allude.

Eu apresentei tres propostas, que se podem chamar de receita importante, porque a reforma das pautas, apesar de ser de um certo alcance financeiro, e póde produzir cerca de 30:000$000 réis, não está tanto n'este caso.

As tres propostas que apresentei, e de importancia notavel de receita publica, são a proposta do sêllo, que já foi votada; a do imposto addicional de 1 1/2 por cento, que já está dada para ordem do dia, e a do real d'agua, que é para substituir o imposto existente, que não está abandonada como disse o illustre deputado.

Esta ultima proposta ha de vir á camara, e como já em outra occasião disse, não tenho duvida em transigir em qualquer ponto d'ella que se julgue dever substituir ou corrigir, conforme a camara entender e conforme as indicações do publico, porque n'esta questão de impostos é preciso attender ao publico.

São estas as tres propostas que significam augmento de receita, e de cujo adiamento podia resultar um pequeno desequilibrio na fazenda publica, mas que não se adiam.

Parece-me que com estas curtas observações tenho respondido ao illustre deputado.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Mariano de Carvalho: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Leu-se na mesa a seguinte proposta de

Adiamento

A camara, considerando que o governo não fixou o maximo de despeza que este projecto importa, nem indicou os meios de lhe fazer face, resolve adiar a discussão d'este projecto até que o governo satisfaça as condições indicadas. = Mariano de Carvalho.

Foi apoiado o adiamento, e entrou em discussão conjunctamente com o artigo 3.º

O sr. Visconde da Arriaga: — Requeiro a V. ex.ª que consulte a camara sobre se a materia d'este artigo está sufficientemente discutida.

Julgou-se discutida.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Requeiro que haja votação nominal sobre a materia d'este artigo.

O sr. Barros e Cunha: — O sr. presidente do conselho disse que « no caso de ter de aceitar a fixação da verba, aceitava a somma proposta pelo sr. Lobo d'Avila, que é de 660:000$000 réis »: se s. ex.ª se contenta com esta quantia, estou prompto a fazer no meu artigo a alteração conforme a indicação de s. ex.ª, porque eu desejo verdadeiramente que uma somma seja fixada pela camara, ainda que seja maior do que a que eu propuz, e que julgo bastante.

O sr. Presidente do Conselho: — Eu não me retracto do que disse ha pouco. Não tenho duvida nenhuma em que se fixe o maximo de 660:000$000 réis, ficando, comtudo, o artigo 3.º com a mesma redacção como está no projecto.

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Tambem declaro que aceito a ultima parte da proposta do sr. Carlos Bento, na qual determina que o governo dará conta ás côrtes do modo por que fez uso da auctorisação que lhe é concedida.

O sr. Presidente: — Peço attenção. O artigo votar-se-ha fixando-se n'elle o maximo de 660:000$000 réis, como é indicado por parte do governo.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Eu desejo saber se o artigo que vae ser posto á votação é o artigo 3.º do projecto tal qual como está redigido, ou com a alteração que foi proposta, creio eu, pelo sr. deputado Lobo d'Avila, e a respeito da qual o sr. presidente do conselho disse que não tinha duvida alguma em fixar o maximo de 660:000$000 réis. E desejo saber ao mesmo tempo se o maximo da despeza fixado é só para o actual anno economico ou tambem para o futuro. É uma questão importante fixar o anno ou annos a que esse maximo de despeza fixada tem do corresponder (apoiados). Desejava ser informado a este respeito.

O sr. Presidente do Conselho: — A minha idéa é fixar o maximo de 660:000$000 réis para os mezes que decorrerem d'aqui até 1 de julho proximo, e comprehendendo tambem o immediato anno economico. As côrtes abrem-se em janeiro, e então eu, ou quem estiver aqui, virá propor ás côrtes o que julgar necessario.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Bem. Fico sabendo o sentido em que é votado o artigo.

O sr. Presidente: — O sr. deputado Francisco de Albuquerque requereu votação nominal sobre o artigo, logo terei occasião de consultar a camara a este respeito.

O sr. Mariano de Carvalho: — Não ouvi bem sobre que v. ex.ª tem de propor que haja votação nominal.

O sr. Presidente: — É sobre o artigo 3.°

O sr. Mariano de Carvalho: — Mas eu propuz o adiamento do projecto, e creio que se vota primeiro.. O sr. Presidente: — Certamente.

O sr. Mariano de Carvalho: — Então requeiro que sobre a minha proposta de adiamento haja votação nominal.

Consultada a camara, venceu-se que houvesse votação nominal sobre o adiamento.

O sr. Presidente: — Vae, portanto, votar-se nominalmente sobre o adiamento proposto pelo sr. Mariano de Carvalho.

O sr. Mariano de Carvalho: — A minha proposta de adiamento tem duas partes. A primeira era porque o governo não tinha fixado o maximo da despeza; e a segunda porque o governo não tinha indicado quaes eram os meios para occorrer a esta despeza.

Ora, o sr. presidente do conselho acaba de fixar o maximo na quantia de 660:000$000 réis, ainda que esse maximo terá de ser aggravado com creditos extraordinarios, e como o fixou, retiro a primeira parte da minha proposta de adiamento; mas fica subsistindo a segunda, porque o governo não declarou quaes eram os meios com que tinha de occorrer a esta despeza. É portanto sobre esta segunda parte sómente que tem de recaír a votação nominal.

O sr. Barros e Cunha: — Depois da declaração feita pelo sr. presidente do conselho, peço licença para retirar a minha proposta.

Feita a chamada sobre a segunda parte da proposta do sr. Mariano de Carvalho

Disseram approvo — os srs. Adriano Machado, Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Cerqueira Velloso, Pereira de Miranda, Saraiva de Carvalho, Claudio Nunes, Francisco de Albuquerque, F. M. da Cunha, Pinto Bessa, Santos e Silva, Candido de Moraes, Melicio, Barros o Cunha, J. J. de Alcantara, Bandeira Coelho, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Lobo d'Avila (José), Menezes Toste, Luiz de Campos, Pires de Lima, Paes Villas Boas, Mariano de Carvalho, D. Miguel Coutinho e Visconde de Valmór.

Disseram rejeito — os srs. Adriano Sampaio, Agostinho de Ornellas, Rocha Peixoto (Alfredo), Teixeira de Vasconcellos, Cardoso Avelino, Correia Caldeira, Barros, e Sá, J. A. Boavida, A. J. Teixeira, Pinto de Magalhães, Arrobas, Rodrigues Sampaio, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Augusto Godinho, Sousa Lobo, Zeferino Rodrigues, Barão do Rio Zezere, Carlos Bento, Eduardo Tavares, Correia de Mendonça, Van-Zeller, Quintino de Macedo, Palma, Perdigão, Jayme Moniz, Frazão, Ribeiro dos Santos, Mamede, Matos Correia, Klerck, Dias de Oliveira, José Guilherme, J. M. dos Santos, Mello Gouveia, Nogueira, Mexia Salema, Lourenço de Carvalho, Camara Leme, Affonseca, Alves Passos, Pinheiro Chagas, Cunha Monteiro, Pedro Jacome, Pedro Roberto, Visconde da Arriaga, Visconde de Montariol, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Villa Nova da Rainha, Sá Vargas, Agostinho da Rocha e Ricardo de Mello.

Ficou portanto rejeitada por 52 votos contra 26.

O sr. Presidente: — Agora vae votar-se o artigo 3.° com a restricção aceita pelo governo.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu aceitei a indicação feita pelo sr. Barros e Cunha, fixando o maximo da despeza, e esse maximo foi o indicado pelo sr. Lobo d'Avila na quantia de 660:000$000 réis. Foi o que eu disse. Peço portanto que se vote o artigo com essa limitação até 660:000$000 réis, mas conservando a mesma redacção.

O sr. Presidente: — O governo, depois que o sr. Barros e Cunha fallou e fez a sua proposta, limitou o maximo da cifra que havia de gastar, e adoptou para este maximo a cifra indicada pelo sr. Lobo d'Avila — 660:000$000 réis.

O sr. Visconde da Arriaga: — Peço a V. ex.ª que consulte a camara se quer votação nominal sobre esse artigo.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Já está feito por mim esse requerimento.

O sr. Presidente: — O que se requereu, e a camara votou, foi que houvesse votação nominal sobre o adiamento.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Peço perdão; a votação nominal que eu requeri era sobre a materia do artigo, e até tive um apoiado do governo.

O sr. Presidente: — Até agora o que se votou foi que houvesse votação nominal sobre o adiamento.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Pois então peço a V. ex.ª que ponha á votação o requerimento que eu fiz para que houvesse votação nominal sobre o artigo; e insisto n'isto, porque o meu requerimento foi apresentado primeiro que o do illustre deputado.

Foi approvado este requerimento.

O sr. Mariano de Carvalho: — O sr. presidente do conselho disse ha pouco que aceitava a cifra de 660:000$000 réis. Eu desejo saber se nós, votando esse artigo, auctorisâmos essa despeza só para o anno economico actual, ou se é tambem para o anno economico futuro. Todos estes esclarecimentos são precisos.

O sr. Presidente: — O sr. presidente do conselho já fez uma declaração a esse respeito. Eu não posso fazer outra cousa senão pôr á votação as propostas como são apresentadas.

Peço ao illustre deputado que attenda ao que se vae ler. Leu se o artigo 3.°, com a limitação aceita pelo governo.

Feita a chamada

Disseram approvo — os srs.: Adriano Sampaio, Rocha Peixoto (Alfredo), Teixeira de Vasconcellos, Cardoso Avelino, Correia Caldeira, Boavida, A. J. Teixeira, Pinto de Magalhães, Arrobas, Sampaio, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Augusto Godinho, Sousa Lobo, Zeferino Rodrigues, Barão do Rio Zezere, Carlos Bento, E. Tavares, Correia de Mendonça, Van-Zeller, Quintino de Macedo, Palma, Perdigão, Jayme Moniz, Frazão, Ribeiro dos Santos, Mamede, Matos Correia, Klerck, Dias de Oliveira, José Guilherme, J. M. dos Santos, Mello Gouveia, Noguei-

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ra, Mexia Salema, Lourenço de Carvalho, Camara Leme, Affonseca, Alves Passos, Pinheiro Chagas, Cunha Monteiro, Pedro Jacome, Pedro Roberto, Visconde da Arriaga, Visconde de Montariol, Visconde de Moreira de Rey, Sá Vargas, Ricardo de Mello, Agostinho da Rocha.

Disseram rejeito — os srs.: Adriano Machado, Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Claudio Nunes, Francisco de Albuquerque, F. M. da Cunha, Pinto Bessa, Santos e Silva, Candido de Moraes, Melicio, J. J. Alcantara, Bandeira Coelho, José Luciano, Lobo d'Avila (José), Menezes Toste, Luiz de Campos, Pires de Lima, Paes Villas Boas, Mariano de Carvalho, D. Miguel Coutinho, Visconde de Valmór.

Ficou portanto approvado por 50 votos contra 21.

Foi tambem approvado o artigo addicional proposto pelo sr. Carlos Bento.

O sr. Presidente: — As propostas dos srs. Pinheiro Borges e Mariano de Carvalho ficaram prejudicadas.

Foi approvado o resto do projecto.

O sr. Presidente: — A deputação que na sexta feira, ás onze horas e meia, deve concorrer a S. Vicente de Fóra para assistir ás exequias por Sua Magestade a Imperatriz é composta, alem da mesa, dos seguintes srs.: José Luciano de Castro, Barros e Cunha, Silveira da Mota, Visconde de Villa Nova da Rainha, José Pedro Antonio Nogueira, Pires de Lima, Agostinho d'Ornellas, Antonio José Boavida, Pereira de Miranda, Sousa Lobo, e Quintino de Macedo.

A estes podem juntar-se todos os outros senhores deputados que quizerem assistir a este acto.

O sr. Mariano de Carvalho: — Na ordem do dia estava resolvido por a camara que, em seguida a este projecto, tivesse logar a minha interpellação ao sr. presidente do conselho, a respeito da nomeação do sr. Tavares. Eu desejo, e peço a V. ex.ª que consulte a camara, se for preciso, primeiro, que esta interpellação continue a ser dada para a primeira parte da ordem do dia, como estava; segundo, que se porventura no primeiro dia de sessão parlamentar o sr. presidente do conselho tiver de se ausentar para a camara dos dignos pares, que se abre mais tarde que a nossa, essa interpellação se possa realisar antes da ordem do dia.

O sr. Presidente: — Esta interpellação continua em ordem do dia da mesma maneira, e ha de ter logar no primeiro dia de sessão, logo que esteja presente o sr. presidente do conselho.

O sr. Mariano de Carvalho: — Se por acaso o sr. presidente do conselho entrar no meio da sessão, e estivermos com outro objecto, interrompe-se para se tratar da interpellação?

Vozes: — Ora! ora! (Susurro.)

O sr. Correia Caldeira: — Mando para a mesa a ultima redacção do projecto que acaba de ser votado.

O sr. Osorio de Vasconcellos (para um requerimento): — Como V. ex.ª sabe, por diversas vezes já lhe tenho pedido que dê para ordem do dia a interpellação que annunciei ao sr. presidente do conselho, ácerca da concessão da pensão á donataria da ilha das Gallinhas (riso).

Tenho para mim que este negocio é muito grave e serio (apoiados); não póde por fórma alguma fazer franzir os labios a ninguem, nem desafiar os sorrisos. Então peço a V. ex.ª, se porventura o sr. presidente do conselho estiver ainda habilitado para entrar n'esta interpellação, se digne dá-la para ordem do dia o mais breve possivel.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: —

Estou prompto para responder.

O sr. Presidente: — Será dada para ordem do dia logo que seja possivel.

O Orador: — Mas, o sr. presidente do conselho declara que está prompto, e esta interpellação póde mesmo seguir-se á outra annunciada (apoiados).

O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer que acaba de mandar para a mesa o sr. deputado Correia Caldeira. É a ultima redacção do projecto que foi votado (leu-se).

O sr. Mariano de Carvalho: — Peço a palavra para um requerimento.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Mariano de Carvalho.

O sr. Mariano de Carvalho: — V. ex.ª tem a bondade de me dizer se o que acaba de ler-se na mesa é ou não o parecer da commissão?

O sr. Presidente: — É o parecer da commissão sobre a ultima redacção do projecto que acaba de ser votado.

O Orador: — Agora V. ex.ª terá a bondade de me dizer quem requereu a prorogação da sessão para se discutir o parecer sobre a ultima redacção? (Muitos apoiados.)

Vozes: — Votos, votos.

O Orador: — Não é votos, votos... (muitos apoiados). (Susurro.)

É o regimento que governa, emquanto não for revogado (apoiados).

O sr. Arrobas: — A camara póde revogar o regimento (muitos apoiados da direita).

O Orador: — Bem sei, mas havia de ser antes da prorogação da sessão e não agora (muitos apoiados da esquerda).

(Vários srs. deputados pedem a palavra. Havia grande susurro e agitação na assembléa)

O sr. Presidente: — Não dou a palavra a ninguem emquanto a camara não estiver em ordem (muitos apoiados de todos os lados da camara).

(Pausa.)

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Mariano de Carvalho.

O sr. Mariano de Carvalho: — Pergunto a v. ex.ª quem é que requereu que se prorogasse a sessão para se discutir este novo parecer? (Apoiados da esquerda.)

Vozes: — É o mesmo objecto.

(Susurro.)

O Orador: — V. ex.ª tem a bondade de me responder?

O sr. Presidente: — A resposta que dou ao sr. deputado é que não me recordo com exactidão dos termos em que o requerimento foi feito. O sr. primeiro secretario informará.

O sr. Secretario (Ricardo de Mello): — O sr. Eduardo Tavares requereu a prorogação da sessão até se votar este projecto (muitos apoiados da direita).

Vozes: — Já se votou o projecto.

O sr. Mariano de Carvalho: — É exactissimo, tenho a memoria menos má. O sr. deputado Eduardo Tavares pediu a prorogação da sessão até se votar o projecto que estava em discussão; mas era o projecto das commissões reunidas de fazenda e guerra, e não um novo parecer sobre a ultima redacção d'esse projecto. Para este novo parecer não se pediu a prorogação da sessão (muitos apoiados). (Susurro.)

O sr. Presidente: — Não vale a pena continuar com esta discussão. A ultima redacção fica para ser votada na primeira sessão (muitos apoiados da esquerda); e vou levantar a de hoje. (Vozes da esquerda: — Muito bem.)

O sr. Falcão da Fonseca (para um requerimento): — Requeiro a V. ex.ª que consulte a camara sobre se deve pôr desde já á votação a ultima redacção do projecto que acaba de ser discutido e approvado (muitos apoiados da direita.)

O sr. Presidente: — Já disse á camara que a approvação d'esta redacção ficava para a primeira sessão (muitos apoiados na esquerda). A ordem do dia para quinta feira e a mesma que vinha para hoje.

O sr. Eduardo Tavares: — Eu pedi a palavra sobra este incidente, e v. ex.ª ha de m'a conceder.

O sr. Presidente: — Tem a palavra.

O sr. Eduardo Tavares: — Perguntou o sr. Mariano de Carvalho qual tinha sido o requerimento que se havia

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votado: eu que fiz o requerimento pedi que se prorogasse a sessão até á votação final d'este projecto. (Susurro.)

Sr. presidente, V. ex.ª sabe e sabem os meus collegas que eu procedo sempre, quando fallo n'esta casa com a maior cortezia, e que não desejo nunca tomar parte energica em votações d'esta natureza, votações que em definitivo não valem nada (apoiados). Pergunto se alguem se oppoz a que o sr. Mariano de Carvalho fizesse uso da palavra, quando a tinha pedido unicamente para um requerimento?

(Agitação.)

O sr. Presidente: — Está levantada a sessão, e repito: a ordem do dia para quinta feira é a mesma que estava dada.

Eram cinco horas e tres quartos da tarde.

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