O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 545

SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1890

Presidencia do exmo. Sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios - os exmos. srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira de Sousa

SUMMARIO

Dá-se conhecimento dos seguintes officios: um do ministerio do reino, acompanhando o processo eleitoral do circulo n.° 100; mais tres officios do mesmo ministerio, com documentos requeridos pelos srs. Cancella Casal Ribeiro e Albano de Mello; dois do ministerio da guerra, com esclarecimentos pedidos pelos srs. Mattozo Côrte Real e Francisco Machado; e quatro do ministerio da marinha, com diversos esclarecimentos e documentos. - Segunda leitura e admissão de quatro projectos de lei, sendo um do sr. Pedro Victor, dois do sr. Reis Torgal e um do sr. Ruivo Godinho. - Tres representações apresentadas, uma pelo sr. Luciano Cordeiro, outra pelo sr. José Maria de Alpoim e outra pelo sr. Francisco Machado. - Requerimentos de interesse publico mandados para a mesa pelos srs. Luciano Cordeiro, José Maria de Alpoim, Francisco Machado e Carlos du Bocage. - Justificações de faltas dos srs. Jardim de Oliveira, Baracho e Antonio do Azevedo Castello Branco. - Presta juramento o sr. João de Sousa Machado. - É approvada uma proposta de aggregação apresentada pelo sr. Antonio Cardoso. - Referindo-se ao que dissera na sessão anterior o sr. Pedro Victor, com respeito ao consumo do trigo nacional, faz larga:) considerações o sr. José Julio Rodrigues, occupando-se ainda de outros assumptos correlativos. - O sr. Horta e Costa advoga a pretensão dos officiaes do ultramar, signatarios dos requerimentos que manda para a mesa. - O sr. barão de Paço Vieira deseja saber que resolução teve um requerimento da parceria agricola, cujo pedido considera de toda a justiça. - O sr. ministro da instrucção publica promette transmittir ao seu collega das obras publicas a pergunta do sr. deputado. - O sr. José Maria de Alpoim, a proposito da representação que manda para a mesa, protesta contra as novas medidas tributarias. Em seguida dirige algumas perguntas ao governo com respeito ao arrendamento do palacio do sr. conde de Thomar. - Resposta do sr. ministro Via instrucção publica. - O sr. Francisco Machado, depois de formular diversas perguntas ao governo, allude de novo ás violencias que, segundo lhe consta, estão sendo praticadas por parte da auctoridade, em Obidos, e que motivam a representação que manda para a mesa. - O sr. Carrilho apresenta o parecer, sobre o orçamento rectificado. - Resposta do sr. ministro do reino ao sr. Francisco Machado.

Na ordem do dia (primeira parte) elege-se a commissão de legislação criminal. - O sr. Moraes Sarmento apresenta o parecer da commissão de verificação de poderes sobre a eleição do circulo n.° 100 (Horta), e pede dispensa de impressão. É approvada a urgencia, e seguidamente o parecer, sendo logo proclamados deputados os srs. Theophilo Ferreira e Severino de Avellar.

Na ordem do dia (segunda parte) continua em discussão na generalidade o projecto de lei n.° 109 (bill). - A requerimento do sr. José de Novaes proroga-se a sessão até se votar a generalidade do projecto. - Impugna o em larguissimas considerações o sr. José Julio Rodrigues, e logo depois, a requerimento do sr. José de Azevedo Castello Branco, julga-se a materia discutida. - A requerimento do sr. Emygdio Navarro procede-se nominalmente á votação da moção de confiança que havia sido mandada para a mesa pelo sr. barão de Paço Vieira. E approvada, considerando-se prejudicadas as moções de desconfiança. - Approva-se em seguida a generalidade do projecto, ficando prejudicada a substituição do sr. Arriaga. -Lê-se a proposta do sr. Fuschini, sobre incompatibilidades. - Declaração do sr. Beirão, por parte da opposição progressista. - Rejeitado um requerimento do sr. Fuschini pura votação nominal da sua proposta, é esta tambem rejeitada. - Lêem-se na mesa, a pedido do sr. Eduardo Abreu, os nomes dos oradores que ainda estavam inscriptos. - Trocam-se explicações entre os srs. Serpa Pinto e ministro da guerra ácerca da projectada reforma do exercito.

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 62 srs. deputados. São os segnintes: - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Adriano Emilio de Sonsa Cavalheiro, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Angusto de Almeida Pimentel, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Maria Cardoso, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Costa, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Motta, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto da Cunha Pimentel, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Columbano Pinto Ribeiro, de Castro, Eduardo Abreu, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Eduardo de Jesus Teixeira, Eugenio Augusto Ribeiro do Castro, Fernando Pereira Pallia Osorio Cabral, Fortunato Vieira das Neves, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco, Felisberto Dias Costa, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, João de Burros Mimoso, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Marcellino Arroyo, João de Paiva, João Simões Pedroso de Lima, João de Sousa Machado, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Ignacio Cardoso, Pimentel, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José de Alpoim de Sousa Menezes, José. Antonio de Almeida, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Elias Garcia, José Estevão do Moraes Sarmento, José Joaquim de Sousa. Cavalheiro, José Julio Rodrigues, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Charters, Henriques de Azevedo, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Maria de Sousa Horta e Costa, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Julio Antonio Luna de Moura, Luciano Cordeiro, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel Pinheiro Chagas, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Manuel Vieira de Andrade, Marcellino Antonio da Silva Mesquita e Pedro Augusto de Carvalho.

Entraram durante a sessão os srs.: - Abilio Guerra Junqueiro, Adolpho da Cunha Pimentel, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes da Silva, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Fialho Machado, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio José Ennes, António José Lopes Navarro, Antonio Maria Jalles, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto César Elmano da Cunha e Costa, Augusto José Pereira. Leite, Augusto Maria Fuschini, Augusto Ribeiro, Bernardino Pereira Pinheiro, Carlos Lobo d'Avila, Carlos Roma -du Bocage, Conde do Côvo, Conde de Villa Real, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo José Coelho, Elvino José de Sousa e Brito, Emygdio Julio Navarro, Estevão Antonio de 0liveira Junior, Fidelio de Freitas Branco, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Ignacio José Franco, Jacinto Candido da Silva, João Alves Bebiano, João Cesario de Lacerda, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, Joaquim Simões Ferreira, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José de Azevedo Castello Branco, José Bento Ferreira de Almeida, José Dias Ferreira, José Domingos Ruivo Godinho, José Frederico Laranjo, José Freire Lobo do Amaral, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Greenfield da Mello, José Maria dos Santos; José Mon-

34

Página 546

546 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

teiro Soares de Albergaria, Julio Cesar Cau da Costa, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel Affonso Espregueira, Manuel d'Assumpção, Manuel Francisco Vargas, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Dantas Gonçalves Pereira o Roberto Alves de Sousa Ferreira.

Não compareceram á sessão os srs.: - Agostinho Lucio e Silva, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Antonio José Arroyo, Antonio Manuel da Costa Loreno, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Artliur Alberto de Campos Henriques, Augusto Carlos do Sousa Lobo Poppe, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Bernardino Pacheco Alves Passos, Feliciano Gabriel de Freitas, Francisco de Almeida e Brito, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jayme Arthur da Costa Pinto, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Moreira, João Pinto Rodrigues dos Santos, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José Maria Latino Coelho, José Paulo Monteiro Cancella, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luiz Antonio Moraes e Sousa, Manuel de Arriaga, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Fontes Pereira de Mello, Pedro Victor da Costa Sequeira, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Visconde de Tondella e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio do reino, remettendo o processo relativo á eleição de deputados que ultimente se realisou no circulo n.° 100 (Horta).
Para a commissão de verificação de poderes.

Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Monteiro Cancella, nota das importancias despendidas pelas verbas de policia preventiva e das despezas eventuaes de beneficencia publica, desde 1 de janeiro de 1889 até 20 de maio ultimo.
Para a secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Albano de Mello, o processo que serviu de fundamento ao de reto de 22 de maio ultimo, ácerca da renovação dos prasos para as operações do recenseamento eleitoral do concelho de Agueda.
Para a secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Ignacio do Casal Ribeiro, o processo original da transferencia da sede do concelho da Arruda dos Vinhos para o Sobral de Monte Agraço.
Para a secretaria.

Do ministerio da guerra, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo sr. deputado Mattozo Côrte Real, na sessão de 21 de maio ultimo.
Para a secretaria. .

Do mesmo ministerio, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo sr. deputado F. J. Machado na sessão de 21 de maio ultimo.
Para a secretaria.

Do ministerio da marinha, remettendo mais vinte exemplares de cada uma das seguintes publicações: Relatorios dos governadores das províncias ultramarinas, provincias de S. Thomé e Príncipe e de Moçambique, anno de 1883; e Relatorio do governador da provincia, de Macati e Timor de 30 de setembro de 1889 com referencia a 1888-1889.
Para a secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo sr. deputado M. A. Espregueira na sessão de 17 de maio ultimo.
Para a secretaria.

Do mesmo ministerio, participando, em satisfação ao requerimento do sr. deputado José Julio Rodrigues, que não consta haver dado entrada neste ministerio qualquer nota do governador civil do Funchal, sobre o projecto da, associação commercial da ilha da Madeira, ácerca da navegação costeira d'esta ilha.
Para a secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Ressano Garcia, copia das actas das sessões da commissão nomeada por decreto de 24 de julho de 1889, para formular o progrannna para a acquisição de novos navios de guerra, e para consultar ácerca das propostas apresentadas pelas casas constructoras.
Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Srs. deputados. - O decreto com força de lei de 24 de julho de 1886, que creou o quadro dos engenheiros do obras publicas, estabeleceu no artigo 101.º o modo como os officiaes das differentes armas e do corpo do estado maior, que fazem parte d'aquelle corpo, como engenheiros, devem ser promovidos.
O decreto com força de lei de 28 do mesmo mez e anno, que deu uma nova organisação á secretaria d'estado do ministerio das obras publicas, commercio e industria, creou tambem o corpo de engenheiros de minas, sera tornar applicaveis aos officiaes do exercito que fazem parte dáquella corporação as disposições parallelas contidas no artigo 101.° da organisação do corpo de engenheiros de obras publicas.
Sendo, pois, esta omissão de todo o ponto injusta por ir prejudicar uma corporação que, pela natureza das funcções que lhe são commettidas, tem inquestionavel direito á, applicação das disposições que favorecem os seus collegas das obras publicas, temos a honra de submetter á vossa consideração o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Aos officiacs das differentes armas e do corpo do estado maior, que fazem parte do quadro do corpo dos engenheiros de minas, creado pelo decreto com força de lei de 28 de julho de 1886, e que consta de uma relação publicada em 21 de outubro do mesmo anno, approvada por decreto da mesma data, serão applicaveis as disposições parallelas, quanto a promoções, contidas no artigo 101.° da organisação do corpo de engenheiros de obras publicas.
§ unico. Os officiaes a que se refere este artigo, que nesta data tiverem sido prejudicados nas suas promoções, por falta d'esta disposição, serão devidamente indemnisados.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da camara dos senhores deputados, 4 de junho de

Página 547

SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1890 547

1890. = Pedro Viciar da Costa Sequeira, deputado pelo circulo n.º 89.
Lido na mesa, foi admittido e enviado ás commissões de obras publicas e de guerra, ouvida a de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - No espolio do commendador Francisco Bernardo Simões de Carvalho, residente que foi na villa de Extremoz, appareceram cinco inscripções, da junta do credito publico, com os n.ºs 16:591 a 16:595, do valor nominal de 100$000 réis cada uma, as quaes se haviam descaminhado, ignorando-se o seu paradeiro desde 1847, ultimo, anno em que foram pagos os respectivos juros.
Encontradas, porém, aquellas inscripções, com averbamento em favor de D. Maria Rita do Céu, Francisco Bernardo Simões de Carvalho e José Maria Simões de Carvalho, vieram os representantes, d'estes (D. Maria da Nazareth, Francisco Lobo Sameiro Simões e João Baptista Rollo) deduzir sua habilitação de registo, como se vê dos documentos com que instruiram o seu requerimento apresentado á referida junta, a fim de lhes serem averbadas as mesmas inscripções e pagos os juros em divida. É de toda a justiça que o estado pague religiosamente a quem deve, e por isso, tendo em attenção o que fica ponderado, espero que approveis o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É o governo auctorisado a ordenar pela direcção geral da divida publica, que sejam convertidas em titulos de 3 por cento as inscripções de 100^000 féis cada1 uma, cota os n.ºs 16.:591, 16:502, 16:593, 16:594 e 16:595, averbando-se em favor de D. Maria de Nazareth, Francisco Sameiro Simões de Carvalho e João Baptista Rollo, e bem assim que lhes sejam pagos os juros em divida ou capitalisados em novos titulos com o averbamento indicado.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = O deputado por accumulação, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commisssão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - É de inteira justiça que o estado responda pelos valores entrados nos seus cofres, para simples guarda, como são os depósitos forçados abonados pela auctoridade judicial.
No inventario a que se procedeu na comarca de Lisboa, por obito de Antonio Rodrigues de Oliveira e mulher, (quarta vara), escrivão Paes Gago, coube em partilha ao co-herdeiro Izidoro Rodrigues de Oliveira, entre outros bens, a quantia de 2:670$217 réis, em dinheiro, que foi depositada na caixa geral de depositos, como consta dos documentos com que foi instruído o requerimento que os interessados dirigiram a esta camara.
Os herdeiros de Izidoro Rodrigues de Oliveira (Maria José de Campos Ennes de Almeida, José Joaquim Pinto de Almeida, José Ennes e outros), depois, de habilitados como successores unicos e legitimos representantes d'aquelle, quizeram entrar na posse do que nesta qualidade lhe pertencêra e por isso, levantar da caixa geral de depositos a referida quantia.
Foram, porém, informados logo de que tal somma havia sido levantada por meio de precatorios falsos, que nem foram, mandados passar pelo juiz, nem foram averbados no respectivo processo.
Esta fraude, hoje do dominio publico, foi praticada pelo escrivão Paes Gago, o qual já havia procedido da mesma fórma em outro processo, em que era, interessado João Christiano Keil, a quem por carta de lei, de 20 de maio de 1863 foi mandada restituir a quantia de 10:280$000 réis, que de igual modo havia dasapparecido do deposito publico.
O parlamento portuguez tem seguido inalteravelmente o principio de que os particulares não podem ser obrigados a soffrer, sem reparação, as fraudes dos empregados do estado em assumptos d'esta natureza, pelo que votou, alem do que acima se refere, as leis de 11 de abril de 1877, 14 de março de 1878 e 14 de junho de 1885.
Espero por isso que, approveis, como é de justiça, o projecto de lei que vou submetter á vossa illustrada apreciação, e cujo é o seguinte:
Artigo 1.° É o governo auctorisado a mandar restituir aos herdeiros de Izidoro Rodrigues de Oliveira (Maria José de Campos Ennes de Almeida, José Joaquim Pinto de Almeida, José Ennes, Margarida Emilia de Campos Ennes Gorjão de Almeida, José Maria Gorjão de Almeida, Guilhermina Julia de Campos; Ennes e Augusto Candido de Campos Ennes), pela conta de ganhos e perdas da caixa geral de depositos, a quantia de 2:670$217 réis e juros respectivos, depositada na mesma caixa, á ordem do juizo de direito da quarta vara da comarca de Lisboa, para pagamento do quinhão hereditario de Isidoro Rodrigues de Oliveira, no inventario a que se procedeu na referida comarca, por óbito de Antonio Rodrigues de Oliveira e mulher, a qual quantia foi levantada por precatorios falsos.
§ unico. O governo procurará fazer entrar nos cofres da mesma caixa geral a mencionada somma.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
O deputado por accumulação. = Luiz Gonzaga dos Reis Torgul.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - A camara municipal do concelho de Castello Branco, sempre sollicita e zelosa no cumprimento dos deveres que se impoz, ao tomar conta da gerencia dos negocios municipaes, do zelar pelo bem estar o commodidade dos seus municipes, tem em projecto varios melhoramentos do mais elevado alcance e urgencia, afim de collocar a capital da provincia da Beira Baixa no logar que de direito lhe pertence.
D'estes melhoramentos, um dos mais importantes, senão o mais importante, é o abastecimento de aguas potaveis para a cidade.
Seria fazer injuria á vossa illustração tentar sequer demonstrar-vos a necessidade e justificação de tão importante melhoramento. Basta apenas que vos diga que, segundo estudos conscienciosos de dois distinctos engenheiros, nas podias de estiagem frequentes n'esta parte do paiz, as poucas fontes publicas da cidade que resistem; fornecem, em cada vinte e quatro horas, menos de 3 litros de água por habitante!
As fontes particulares não dão mais agua, e a que duo é, em geral, de pessima qualidade.
A camara municipal, desejando acabar com este estado de cousas, deveras insupportavel, alem de cumprir um dever do logar que occupa, satisfaz a uma das mais instantes e inadiaveis necessidades da cidade.
Para o fazer, porém, não lhe abundam os meios, visto como o estado financeiro do municipio, sobre ser apertado, se acha sobrecarregado com despezas das chamadas obrigatorias que lhe absorvem a maior parte das suas receitas.
Assim, se examinardes o orçamento municipal de Castello Branco, vereis que a receita ordinaria é de 21:398$633 réis, proveniente na sua quasi totalidade de contribuições directas e indirectas, e a despeza obrigatoria é de réis 22:388$834: e as percentagens addicionaes ás contribuições geraes do estado votadas para obter aquella receita são de 43 por cento.
Para fazer face á despeza com estes e outros melhoramentos de que tenho fallado, tem a camara resolvido contrahir um emprestimo da quantia de 150:000$000 réis.
D'esta quantia, segundo uma luminosa memoria elaborada pelos distinctos engenheiros a que já me referi, e por

Página 548

548 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

elles generosamente offerecida á camara, se vê que com o abastecimento de aguas potaveis da cidade de Castello Branco se gastarão 93:800$000 réis. N'esta quantia vão incluida a de 60:800$000 réis, preço provavel de 32 kilometros uteis de tubos de ferro de 0m,10 de diamentro para a condusção de aguas necessarias vindas da serra de Castello Novo.
Se acrescentarmos ainda 9:000$000 réis, preço provável de 5:000 metros de tubagem de ferro fundido para a distribuição na cidade, teremos que só o preço da tubagem1 é de 69:800$000 réis. N'este preço e n'aquelle total não vão incluidos os direitos de entrada do material, por isso que têem de ser importados, visto que infelizmente a industria nacional ainda o não produz em condições satisfactorias.
Taes direitos importariam em quantia pelo menos igual á do seu custo, segundo os calculos apresentados.
Por isso pretende a camara municipal do concelho de Castello Branco que lhe seja concedida isenção d'estes direitos, sem o que não poderá realisar o melhoramento
em questão com os recursos da parte do empréstimo para isso destinada.
Senhores, é dever do estado ajudar e concorrer, quanto em suas forças rasoavelmente caiba, sem prejuizo das outras agremiações nacionaes para este e outros melhoramentos de igual importancia.
Para tanto se conseguir, tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação, esperando que o approveis, o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É auctorisado o governo a conceder ú camara municipal do concelho de Castello Branco a isenção de direitos de entrada de todo o material destinado ao encanamento das aguas e todas as obras necessárias para o abastecimento da cidade de Castello Branco.
§ 1.° O governo, ouvidas as estações competentes, realisará a concessão por meio de decreto publicado na folha official, no qual "se declaro circunstanciadamente a qualidade e quantidade das maiorias a importar e os direitos que pela pauta geral lhes corresponderiam. Quando quaesquer objectos importados não forem empregados na referida obra, ficam sujeitos ao pagamento dos respectivos direitos.
§ 2.° A applicação do material importado será fiscalisado pelo governo.
Art. 2.° Fica revocada a legislação era Contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados 6 de junho de 1890. = O deputado, Ruivo Godinho.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

REPRESENTAÇÕES

Da commissão eleita pela assembléa geral dos empregados de escriptorio e fabris da administração geral dos tabacos, pedindo que sejam salvaguardados os seus interesses, no caso da régie ser subtituida pelo monopolio.
Apresentada pelo sr. deputado Luciano Cordeiro e enviada á commissão de fazenda.

Da camara municipal do concelho de Baião, pedindo que não seja approvada a proposta de lei relativa a augmento de imposto.
Apresentada pelo sr. deputado José Maria de Alpoim e enviada á commissão de fazenda.

Dos negociantes estabelecidos na villa de Obidos, pedindo que se nomeie uma commissão parlamentar que vá inquerir áquella localidade dos factos ali occorridos e que se relacionam com a ultima eleição de deputados.
Apresentada pelo sr. deputado Francisco José Machado e enviada á commissão de petições.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Roqueiro que, pelo ministerio da marinha e ultramar, sejam enviadas á camara as representações de associações commerciaes ou de quaesquer outras entidades relativamente á questão da navegação a vapor para as colonias. - Luciano Cordeiro.

Roqueiro, pelo ministerio da marinha e ultramar, seja enviado á camara o parecer da junta consultiva de obras publicas sobre o projecto, dê caminho de ferro de Mossamedes.
E que sejam enviadas mais quaesquer representações e relatorios relativamente ao caminho de ferro a construir de Benguella a Caconda, etc. = Luciano Cordeiro.
Mandaram-se expedir.

Requeiro, pelo ministerio da instrucção publica, mo sejam enviados os seguintes documentos:
Copia do contrato celebrado entre o governo e o sr. conde de Thomar, pelo qual este titular arrendou, para n'elle se estabelecer o ministerio da instrucção publica, o seu palacio do largo de S. Roque;
Orçamento de quaesquer obras a fazer n'essa casa para ser apropriada ao fim destinado;
Nota de quaesquer quantias abonadas ao sr. conde, dê Thomar como pagamento da renda. - José Maria de Alpoim.
Mandou-se expedir.

Roqueiro que se nomeie uma commissão de inquerito parlamentar que vá a Obidos inquerir dos factos que ali, se têem praticado depois da eleição de deputados, devendo esta commissão conter deputados de todas as fracções politicas. = Francisco, José Machado.

Roqueiro, pelo ministerio de instrucção publica, me sejam enviadas copias da correspondência postal e telegraphica trocada entre aquelle ministerio e o governador civil de Évora, ácerca de objectos pertencentes a qualquer dos extinctos conventos.

Roqueiro mais copias idênticas da correspondência postal e telegraphica trocada entre o ministerio da fazenda e o inspector de fazenda do districto de Evora, ácerca de objectos pertencentes a qualquer dos conventos extinctos. = Francisco José Machado.
Mandaram-se expedir.

Por parte da commissão de guerra, requeiro a v. exa. que se digne mandar ouvir o ministerio da guerra ácerca da representação junta da liga regional dos lavradores do baixo Alemtejo, relativamente ao emprego de lá nacional nos pannos empregados no fardamento do exercito = Carlos Roma du Bocage.
Mandou-se expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

Dos officiaes reformados das provincias ultramarinas, José Maria de Carvalho e Sousa, Joaquim Alberto Marques e João Alves da Costa, pedindo que os seus soldos lhes sejam pagos na conformidade da lei de 25 de junho de 1889.
Apresentados pelo sr. deputado Horta e Costa, e enviados á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTA

Declaro que faltei a algumas sessões por motivo justificado. = Antonio Jardim Oliveira, deputado pelo Funchal.

O sr. Sebastião do Sousa Dantas Baracho, encarrega-me de participar que tem faltado, e continuará ainda a faltar a algumas sessões, por motivo de doença.

Página 549

SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1890 549

Declaro que faltei a algumas sessões n'esta semana, por motivo justificado. = O deputado, Antonio de Azevedo Castello Branco.
Para a secretaria.

O sr. Presidente: - Proclamo deputado da nação portugueza o sr. João de Sousa Machado.
Como s. exa. está presente, convido-o a prestar juramento.
Prestou juramento e tomou assento.
O sr. Antonio Maria Cardoso: - Mando para a mesa, e peço que seja considerada urgente a seguinte:

Proposta

Proponho que á commissão de marinha seja aggregado o illustre deputado Luciano Cordeiro. = Antonio Maria Cardoso, secretario da commissão de marinha.
Considerada urgente, foi logo approvada.

O sr. José Julio Rodrigues: - Pedi a palavra para umas breves explanações, antes da ordem do dia, ácerca de alguns dos pontos, a que hontem se referiu o illustre deputado, o sr. Pedro Victor, no seu discurso a proposito do consumo de trigos nacionaes.
Estando empenhada n'este momento, e na camara dos dignos pares, uma discussão sobre assumptos parecidos, mas não identicos áquelles, a que o sr. Pedro Victor se reportou, não tratarei agora senão de uma das referencias de s. exa., respectiva á venda de trigos portuguezes.
Mais tarde, se para isso tiver ensejo, o que muito ambiciono, tratarei n'esta camara do mercado central de productos agricolas, por fórma a elucidar os que se interessam, real e sensatamente, pelos justos e legitimes interesses da agricultura pprtugueza, esclarecendo certos pontos obscuros de algumas das opposições, que ora se fazem áquelle utilissimo estabelecimento, de modo a que todos percebam as inglorias difficuldades, que, encontra n'este paiz, quem pretenda ser correcto e digno no exercicio de um mandato tão espinhoso, como aquelle que me foi conferido, e que jamais teria aceitado, se advinhasse a natureza dos inimigos que teria de combater. Não desejo porém, por justificados melindres, demorar-me agora n'este assumpto. Estimarei no emtanto, o muito, que esses melindres me não prohibam sempre do fallar claro sobre uma materia, que só tem de escuro o que, n'ella encontro de interesses alheios e muitas vezes injustificados.
Não soffre a mais pequena duvida que todos, governo, parlamento e nação, devemos cooperar para que os trigos nacionaes tenham, quanto possivel, a preferencia no nosso consumo indigena.
Cumpre-me, no emtanto, dar uma noticia á camara, que lhe alliviará, n'este ponto, o peso de consciencia, que acaso possa ter.
A noticia é esta. Os trigos nacionaes, existentes para venda no mercado central de productos agricolas, representam, no seu total, uma pequenissima fracção do consumo geral.
A sua quantidade em 31 de maio findo consta da nota que vou ler:

Kilogrammas

Trigo ribeiro .... 311:616
Trigo temporão ... 8:300
Trigo durasio .... 241:615
Trigo rijo ....... 65:800
627:331

Preços variaveis entre 55 e 65 réis por kilogramma com pequena procura, attenta a sua elevação.
Á primeira vista parecerá, aos menos lidos na materia que os 627:331 kilogrammas por mim designados, equivalem a uma reserva consideravel d'este genero alimenticio. Puro engano. Dando presentemente a Portugal uma população de 4.700:000 habitantes e comportando o consumo medio diario de trigo, por habitante, em 200 grammas, media bastante restricta, mas que eu acceito n'este momento, para os fins do calculo, que pretendo, por sabermos todos que ha no nosso paiz muita gente que come pão de milho, de centeio e, infelizmente, às vezes, nem uma cousa nem outra, obteremos o total do consumo diario do trigo em Portugal de 940:000 kilogrammas, o que mostrará á camara, exhuberantemente, a exiguidade relativa do stock á venda no mercado central.
Querendo-me referir ao simples consumo de Lisboa, suppondo-lhe 300:000 habitantes, com a "media diaria, individual, de 400 grammas de trigo, não passaremos de 120:000 kilogrammas por dia, O que prova que o trigo, ora existente no mercado central, apenas chegaria para cinco ou seis dias de alimentação da nossa capital.
Que Portugal produz quantidade insufficiente de trigo é, para todos, incontestavel e, quando outras provas não existissem d'este tristissimo facto, bastaria notar a frouxidão dos depositos existentes no mercado, official, hoje quasi desprovido. deste género, tão importante, pela sua indispensabilidade, da nossa agricultura indigena.
O despacho livre, mas não livre de direitos, de trigo estrangeiro, é portanto infelizmente inevitavel em determinadas condições e a ellas muito bem attendeu o nobre ministro da fazenda, no decreto recente que publicou sobre esta materia.
E a este respeito permitta-se-me dizer que a questão agrícola, para poder ser minorada ou resolvida, e para isto o tempo é um factor indispensavel, carece de dados estatisticos por ora bem deficientes ou incompletos, é que um bom cadastro agricola proporcionaria quasi por inteiro. Alguem sabe ao certo o trigo que Portugal produz? Póde bem dizer-se a este respeito que tantas cabeças quantas as sentenças. E, no entanto, esta productividade exacta é, no seu conhecimento, indispensavel ao estudo da questão. Mas nós vivemos num paiz do compadres de influencias, de colligações secretas, de preponderancias que tolhem os braços a todos quantos pretendam caminhar direito. E a questão agricola, como muitas Outras, jazerá em parte no limbo das opportunidades, para que os; ministérios vivam, folguem os poderosos e a poltica não tenha dificuldades atacando interesses doentios, exigencias inaceitaveis, e não raro, imperiosas o até descortezes.
Se não quizesse respeitar, n'este momento, as conveniencias e melindres da minha situação official, poderia narrar á camara historias eloquentes, comprovativas do que allego. É provavel porém que, nem sempre, eu deva impor-me esta reserva, que nem é prova de que procuro evitar elucidações, convenientes para o paiz, nem de que me impulsione o receio de contrariar quaesquer facciosismos menos correctos, monos defensaveis ou menos dignos de respeito, nos seus fundamentos e processos.
Voltemos porém ao assumpto que, neste momento, mais me importa, sendo até o que me obrigou a pedir a palavra, depois do meu illustre e proficientissimo collega, o sr. Pedro Victor. O pouco trigo portuguez, que ora existe em Lisboa, ou em condições de facil transporte para a capital, póde ser consumido em varios estabelecimentos publicos, dos quaes o primeiro é, incontestavelmente, a padaria militar. Ao governo torna-se facil promover e regular este consumo, por modo que, cumprindo com a obrigação de tutelar a agricutura nacional, ao mesmo tempo reprima ou corte abusos, que os ha em todos os campos, onde se degladiam interesses antagonicos e nem sempre despidos de exigencias que no interesse collectivo, não é possivel attender ou respeitar.
O mercado central de productos agricolas foi instituido, não só como elemento de justa ponderação entre varias Ordens mais ou menos contrapostas de interesses sociaes, como

Página 550

550 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tambem, a exemplo do que se faz em outros povos cultos, para preencher uma lacuna, absolutamente indispensavel num paiz, em que tanto é mister defender e acautelar a agricultura contra certos cooperadores da sua ruina ou descredito. Estabelecimento absolutamente juvenil, tem vivido entre molestias herdadas ou transmittidas a que, a pouco o pouco, se tem procurado applicar a necessaria therapeutica. Não é possivel extirpar de repente abusos, por vezes antiquissimos, praticas incorrectas, más enraizadas pelo tempo, más vontades ou opposições fundadas na extincção de arbitrios contra os quaes, e para se satisfazer uma urgente necessidade publica, foi aquelle mercado instituido e organisado.
Quer porém isto dizer que não haja muita cousa boa que aproveitar e registar no mercado central, tanto no que se refere ao seu funccionalismo, como no que importa ao seu material e regulamentos?
Duvidar-se d'isso seria loucura ou, pelo menos, verdadeira obsecação do espirito.
Tomando conta d'este estabelecimento, já com os seus quadros primitivos quasi todos preenchidos, tenho é certo, luctado com grandes dificuldades e hão pequenas intrigas e cabalas.
Não teria até acceitado o encargo, se adivinhasse os espinhos que, com elle, se me entregavam. Como, porém, não tenho o habito de recuar, por isso mesmo que o mandato é difficil e as contrariedades grandes, conservar-me-hei firme no meu posto, emquanto, pelo menos, me não entregarem mandado do despejo.
Ha muito que fazer ali, mas para isso não basta que eu tenha a força precisa. E necessario que o digno ministro, que gere superiormente aquelle serviço, a tenha também, limpando de vez os obstaculos que até hoje, obstinadamente, têem sido, superior mas surdamente, oppostos ao desenvolvimento d'aquella utilissima e indispensavel instituição. E para isto convém que se ouçam os competentes e não entidades estranhas ao regimen o intuitos daquelle mercado.
Como viver e progredir um mercado, em que as despezas do trafego chegam, pelo seu exagero, a sor absurdas, em que varias disposições e regulamentos de casas officiaes, suas vizinhas, lhe criam tropeços a cada instante, em que os seus agentes perguntam, não raro, quaes as vantagens que lhes advém de o serem, visto não terem as faculdades que outros, com menos encargos, disfructam e ostentam!
Um mercado sem armazens, em que a politica tambem quer fazer ninho e que a politica pretende desvirtuar, mercado que vive entalado entre varias burocracias, cada qual mais reeommendavel pelo penacho e pelo commando, como desenvolver-se e prosperar?
Façam o que devem é o mercado central terá é seu logar entre as primeiras engrenagens do regimen economico e agricola portuguez e não venham os que mais! pretendem melindrar-lhe a independencia e a justa respeitabilidade, levantar criticas, de que elles são auctores e réus simultaneamente, e que nenhum estadista ou parlamento poderá sanccionar ou admittir.
Tenho feito quanto tenho podido, e sublinho a phrase, por lhe crear a conveniente trajectória. (Apoiados.) Se a missão 6 ingrata, por ser um serviço de limpeza, de ordem, de disciplina, e de devoção nacional, nem por isso a abandonarei agora.
E fico-me por aqui, n'esta parte do meu breve discurso, que não é opportuno dilatar agora. A seu tempo virá o resto, se me derem occasião para isso, sem que me esquive a ser explicito, chamando ás cousas, pelos seus proprios nomes.
Entrarei agora em outro assumpto, e bem contra minha vontade; trata-se outra vez do óleo de gergelim, de novo trazido á discussão pelo sr. Gabriel de Freitas, que sinto não ver presente, por isso que não posso deixar de reclamar contra varias asserções, que lhe ouvi, n'um breve discurso sobre esta materia. É tal hoje, porém, a temperatura d'esta casa que, trazer para dentro d'ella um óleo de tal categoria, é provocar uma fritura geral, contra a qual protesto, por me repugnar esta especie de suicidio. (Riso.)
Não desejo fazer do gergelim um emblema partidario, nem tão pouco dedicar-lhe exclusivamente as minhas preoccupações.
A sua natureza emoliente, no meio das nossas luctas partidarias, não será de certo inutil, prevenindo ou desfazendo conflictos; mas a tanto não chega o. meu amor pela ordem ou pela tranquilidade parlamentar. (Riso.)
Vamos, porém, ao caso, para impedir, que corram mundo affirmações inadmissiveis.
E a prova de que similhantes asserções podem correr mundo, entre nós só, é certo, é que as encontro já n'uma sizudissima folha ministerial, que declara ter-se, na sessão em que fallou o sr. Gabriel de Ereitas, averiguado não ser facil a analyse chimica dos oleos industriaes, de modo a notar-se por ella coou segurança, a especie e intensidade das falsificações pesquizadas.
Ora, francamente, sr. presidente, quem diz e affirma uma cousa d'estas e disso fica convencido, pela palestra a que allude, anda a pedir lyceu...
É que culpa, posso eu ter de que a chimica viva tão arredada das nossas regiões parlamentares e jornalisticas?
Teremos de crear um laboratorio annexo ao parlamento para uso dos descrentes?... Porque, sr. presidente, as reacções não se fazem com palavras, e não basta asseverar, para que os laboratorios fechem logo as suas portas, e cada um lavre á vontade, na seara alheia... que não é sua.
Dissertou o sr. Gabriel de Freitas, suspeitando que o oleo de gergelim fosse por mim calumniado, quando affirmei - e affirmo - tel-o encontrado em alguns dos azeites de oliveira, hoje á venda em Lisboa. Contoou-nos até s. exa. a historia de uma mistura, ardilosamente feita por s. exa. e por sua ordem passeada pelos laboratorios de Berlim e de Paris, não tendo logrado s. exa. dos ditos, laboratorios, apurar os precisos termos da machiavelica combinação, a que procedêra, não sei com que philosophicos intuitos.
Espantou-me a narrativa do sr. Gabriel de Freitas; para que occultal-o! Estou até embaraçado para lhe apurar a devida significação?
Em primeiro logar, as falsificações dos oleos e azeites commerciaes são, em regra, do facil apuramento para um chimico que não seja absolutamente leigo em analyse e tenha d'ella alguma pratica. Se os laboratorios de Paris é de Berlim não deram, portanto, conta do recado, que s. exa. lhes transmittiu, ou o facto revelado por s. exa. foi contemporaneo da proclamação da nossa carta constitucional, ou s. exa. fez uma tal mistura que, deixando de ser um problema industrial, passou a ser uma charada sem uso o sem proveito, facultavel a qualquer sr. Deputado, que queira entreter-se nas horas vagas a deitar n'uma tigela pingos de todos os oleos conhecidos, puros e não puros, e a remetter depois o conteudo de similhante embroglio para os laboratorios de Berlim e de Paris, como partida analytica, que não demonstrará o atrazo da sciencia, a que for recommendada, mas tão sómente o desacerto do auctor de similhante salsada sem nenhum valor industrial.
Mas nem eu posso e devo estar aqui a fazer prelecções de analyse chimico-industrial, nem pretendo convencer ninguem visto que, para similhante convencimento, é necessario que, da parte de quem falla, como da de quem contesta, haja o preciso conhecimento da especialidade, para que os argumentos se não riam uns dos outros e a sciencia não fique a rir-se de todos, como succederia se me demorasse mais tempo nesta curiosa averiguação.
Disso mais o sr. Gabriel de Freitas que o oleo de ger-

Página 551

SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1890 551

gelim não póde entrar no fabrico do sabão por ser muito caro.
Effectivamente, o azeite de purgueira é muito mais barato a até usâmos e abusâmos, n'esta industria, do sebo e da resina.
Se em Portugal, porém, nos contentâmos todos com sabão ordinario, não é este um motivo porque se não gastem por anno, na Europa, milhares de contos de oleos de gergelim no fabrico de sabões mais ou menos apurados e se não possa empregar aquella materia prima, para identico fabrico no nosso paiz, que não está condemnado ao sebo, á rezina e á purgueira por qualquer dictatorial, que eu saiba.
Se porém, o oleo de gergelim não serve, entre nós, para o fabrico do sabão, para que servo elle?
É o que o sr. Gabriel de Freitas nos não disse, é que constituo peior charada, sobretudo para o paiz, do que aquella que s. exa. dedicou aos pobres e ingenuos laboratorios de Berlim e de Paris.
Consta-me que o applicam no fabrico das conservas de peixe e de certas conservas alimentares! Que o vão applicando tambem, e menos mal, na falsificação do azeite de oliveira, é facto que, para mim, não soffre a menor duvida; que não é só o oleo de gergelim, que ainda n'esta fraude, tambem o tenho por certo.
Se é, porém, recente o uso do sesamo na falsificação, a que alludo, mais um motivo para se lhe evitar o incremento, é impedir que se acostumem a ella os amadores do genero.
Demos, porém, de barato, que é nas conservas que a maior parte do oléo de gergelim, se escoa, que não ha, até, alma damnada que o misture com o bom azeite portuguez.
Devemos, dar-nos por satisfeitos?...
O problema é complexo e para resolver torna-se mister que, com o maior cuidado, se examine bem o estado actual e o futuro da questão. (Apoiados.)
Portugal carece, mais que nunca de valorizar os sens productos naturaes; cuidemos por isso, e primeiro que tudo das industrias genuinamente portuguesas e se, com estas; podem cooperar industrias estranhas ou meio nacionalisadas, que o não façam nunca em condições de prejudicarem as primeiras. (Apoiados.)
É esta a minha opinião, salvas as restricções devidas ao nosso commercio colonial e aos cuidados e obrigações, que nos exigirem, os nossos dominios ultramarinos.
Só assim é que poderá enriquecer-se o paiz e, com elle, o thesouro.
Os impostos, sem haveres por parte da nação, na o terão outro resultado que não seja o de augmentar-lhe a pobreza; que póde chegar ao ponto de nem dar já para os addicionaes, quanto mais para as primitivas e principaes imposições do fisco e de seus delegados.
Ainda ha pouco um illustre e acreditado negociante de vinhos me asseverou ser bastante escassa este anno a colheita de vinhos portuguezes e que, provavelmente, no proximo anno, ainda será mais minguada do que o foi n'este.
Quem ha de, portanto, negar a gravidade da nossa actual situação economica e agricola e recusar-lhe toda a protecção, de que carece? Falta o trigo, vae escasseiando o vinho, começa a notar-se a frequencia das adulterações do azeite, portuguez e até, em certas industrias que parece exigirem o azeite puro, vae este sendo substituido pelo oleo de gergelim! A entrar-se n'este caminho, não sei por que a coherencia nas illusões gastronomicas nos não ha de levar ao ponto de gergelisarmos toda a nossa alimentação, banindo de nossas casas por caro e, até ás vezes, por mau, o azeite de oliveira portuguez!
Tem muita margarina? Apurem-no, para o fabrico das conservas. É barato o gergelim? Mas não levem, por Deus, o amor do lucro até ao ponto de fabricarmos alimentos a preços reduzidos... para uso dos ricos ou dos gulosos.
Quando compro sardinhas de Nantes portuguezas, não vejo nas latas a declaração de que sejam preparadas com oleo de gergelim. E, por seu turno, quando compro boa manteiga artificial, não quero que me digam ser manteiga pura de leite. Os nomes são feitos para designarem os objectos e para os trocarem e confundirem perante a boa fé do publico e a justificada ignorancia do comprador. (Apoiados.)
Levem o paiz por este caminhar e queixem-se depois da miseria, que lhe hão de encontrar no fim.
Portugal póde ter ainda um futuro prospero; mas só no caso de ter bom juizo, e de se livrar de certas claques, de certos burocratas omniscientes, de certos estadistas feitos a vapor, de certos mandões intransigentes que, á surdina, envolvem os poderes publicos com a obsecação de que o paiz é todo seu. Pelo rumo em que as cousas vão, não creio que nos faltem nunca os relatorios; o que, porém, ha de faltar decerto é a sciencia e o geito para remediar e curar os males, de que o paiz inteiro anda ha muito enfermo.
E vou terminar, sr. presidente. Creio ter dito o preciso para restabelecer a verdade dos factos ou para mostrar á camara as difficuldades e melindres, inherentes ao assumpto, de que se trata. Como tenho de fallar ainda hoje no bill, não quero cansar demasiado os meus illustres collegas nem abusar da sua benevolencia.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Horta e Costa: - Mando para a mesa tres requerimentos de officiaes reformados do ultramar, em que pedem lhes sejam applicadas as vantagens que a lei de 28 de junho de 1889 concede aos officiaes reformados do exercito do reino e da armada.
Com poucas palavras acompanharei e justificarei estes requerimentos, por isso mesmo que me consta ter este assumpto sido já aqui advogado este anno por alguns cullegas meus, e portanto desempenho-me cabalmente da missão de que fui encarregado, unindo-me a s. exas. no pedido que n'este sentido e então fizeram ao governo e á camara.
Os officiaes do exercito do ultramar, esses heroicos mantenedores do nosso prestigio e da soberania de Portugal nas nossas colonias, que constantemente combatem ali, quer contra as exigencias dos indigenas, quer contra as intemperies dos climas do oriente ou da Africa, têem n'estes ultimos annos sido altamente prejudicados, e direi até mesmo altamente desconsiderados.
Em 1887 foi n'esta casa votada uma lei que concedia augmento de soldo e melhoramento de reformaes officiaes do exercito da metropole e da armada.
Foram completa e totalmente esquecidos 0£ officiaes do exercito do ultramar.
Apesar de reiterados pedidos para que aquella lei tivesse applicação aos officiaes do exercito dó ultramar, e apesar, de constantes promessas feitas n'este sentido, só em 1889, isto é, dois annos depois é que isto se conseguiu, e eu honro-me sobremaneira por ter sido a requerimento meu que a camara fez esta concessão.
Depois n'esse mesmo anno de 1889 foi ainda votada outra lei que concedeu melhoria de situação aos officiaes reformados do exercito da metropole e da armada, reformados, já se vê, antes da promulgação da lei de 1887.
Mais uma vez foram, esquecidos os officiaes reformados do exercito do ultramar Fui tambem eu o: primeiro que, apenas vi votada, essa lei, protestei energicamente contra o esquecimento havido para com aquelles officiaes, e em plena, coherencia com esse protesto: de então, que estava sentado nos bancos da opposição, hoje; que estou ao lado do governo, levanto igualmente a minha voz para advogar de novo a causa d'estes officiaes.
Todos os officiaes portuguezes, quer do exercito da metropole, quer do exercito do ultramar, quer da armada, tanto em effectivo serviço como reformados, estão gosando dos beneficios das leis de 22 de agosto de 1887 ou de 28 de junho de 1889. Apenas os officiaes reformados do ultramar estão excluidos d'estes beneficios, e isto é tanto

Página 552

552 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

mais para lamentar, quanto é certo que na sua quasi totalidade estes officiaes serviram ao exercito do reino, passaram depois para o exercito do ultramar, e é a este acto corajoso e heroico, porque é sempre um acto de coragem e heroicidade o ir servir para o ultramar, que elles devem o estarem assim prejudicados e desconsiderados.
É preciso, pois, remediar este mal, e tanto estes requerimentos que mando para a mesa, como todos os outros que neste sentido têem sido apresentados pelos meus collegas, são justos, que eu abstenho me de fazer mais considerações sobre o assumpto, esperando que elle merecerá ainda esto anno as attenções da camara ligada com o governo e principalmente da respectiva commissão do ultramar.
O requerimento teve o destino indicado no respectivo extracto a pag. 548.
O sr. Barão de Paço Vieira (Alfredo): - Pedi a palavra para fazer uma pergunta ao sr. ministro das obras publicas; mas como s. exa. não está presente, peço ao sr. ministro da instrucção publica, o sr. João Arroyo, o favor do lha transmittir.
É a seguinte:

Desejo saber que solução teve um requerimento que, no anno passado, foi dirigido ao ministerio das obras publicas pela «parceria agricola», pedindo que lhe fosse concedido, para o transporte do enxofre, um bónus igual ao que foi concedido a outros productos pelo decreto de 21 do dezembro de 1888, e que consiste na reducção de 60 por cento nos caminhos de ferro do estado pelo transporte de adubos agricolas e a reducção de 40 por cento nos caminhos de ferro particulares pelo transporte dos mesmos adubos, pagando o estado a differença respectiva.
Peço ao mesmo tempo ao sr. ministro da instrucção publica o favor de transmittir tambem ao seu collega das obras publicas as considerações que vou fazer sobre a justiça do requerimento a que alludo.
O que inspirou o decreto de 1888, referendado pelo sr. Emygdio Navarro, foi o desgraçado estado da agricultura, e portanto a necessidade de se facilitar o transporte de adubos de que ella carecia, para a favorecer.
O que se pede no requerimento de que me estou occupando, é uma concessão igual para o enxofre, que obteve já do governo um certo beneficio, ha dois annos, e que tem dado grandes resultados nas vinhas, sobretudo quando applicado para combater o oidium, o mildew e a anthracnose.
Nos ultimos tempos o enxofre tem tido grande consumo. Desde dezembro até agosto excedem a 300:000 kilogram-mas os pedidos feitos á parceria agricola. Todavia este consumo, que é já importante, relativamente, é nada ainda em virtude das difficuldades dos transportes, por estes serem caríssimos.
Ora, desde que eu represento um circulo onde é absolutamente necessaria a applicação por assim dizer, diária, do enxofre, não posso deixar de pedir a attenção do sr. ministros de obras publicas para este assumpto, reservando me o direito de quando s. exa. estiver presente, alargar mais estas considerações.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Póde estar certo o illustre deputado de que transmittirei ao meu collega das obras publicas as perguntas e considerações que s. exa. acaba de fazer.
O sr. Luciano Cordeiro: - Mando para a mesa dois requerimentos, um, para que, pelo ministerio da marinha e ultramar, seja enviado á camara, o parecer da junta consultiva de obras publicas sobre o projecto de um caminho de ferro em Mossamedes, enviando-se juntamente quaesquer documentos ou relatorios relativos a um caminho de ferro, que exploro de Benguella a Cacongo.
Requeira também, que, pelo ministerio da marinha e ultramar, me sejam enviadas as representações de associações commerciaes ou quaesquer outros documentos relativos á questão de navegação a vapor para as colónias.
Aproveito a occasião para mandar tambem para a mesa uma representação dos empregados de escriptorio e fabris da administração geral dos tabacos, cuja justiça me parece manifesta.
Peço a v. exa. a fineza de a mandar á commissão competente.
Os requerimentos vão publicados na secção competente a pag. 548.
A representação teve o destino indicado no respectivo extracto a pag. 548.
O sr. José Maria de Alpoim: - Sente não estar presente o sr. ministro da fazenda, não por carecerem de resposta as palavras que vae proferir, mas sim por ser assumpto referente á pasta de s. exa. aquelle de que deseja occupar-se, e estimaria que o illustre ministro as ouvisse, para lhos dar a consideração que entendesse merecerem. Tem recebido cartas particulares da provincia de Traz os Montes, da região do Douro, mostrando que n'ella lavra grande effervescencia contra os impostos.
O orador descrevo o estado actual daquella provincia, mostrando quanto ella e prejudicada com o plano financeiro do governo e nomeadamente com as propostas do monopólio dos tabacos, álcoois e com os addicionaes.
E ácerca da proposta dos addicionaes e da do tabaco, estranha o procedimento do sr. ministro da fazenda, que não se harmonisa com as declarações feitas por s. exa. quando opposição. A seu ver, a proposta dos addicionaes é um golpe vibrado nos creditos de estadista do sr. Franco Castello Branco.
Aproveitando a occasião de estar presente o sr. ministro da instrucção publica, o sr. João Arroyo, pergunta a s. exa. se e verdade o ter o governo arrendado pela enorme quantia de 4:500$000 réis o palacio do sr. conde de Thomar, e se ainda é necessário, como se affirma, gastar grandes quantias, avaliadas por alguns jornaes em 36:000$000 réis, para o adaptar ao fim destinado que é a installação do ministerio da instrucção publica.
Deseja tambem saber se é verdade ter o governo dado 40:000$000 réis ou dez annos adiantados da renda, ao sr. conde de Thomar.
Pede por ultimo ao sr. presidente que mantenha a resolução tomada de se abrir às duas horas e meia da tarde a sessão, não transigindo em abril-a mais tarde, como hontem aconteceu.
(O discurso será pullicado na integra e em appendice a esta sessão, quando s. ex.0- restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Declara que a sessão foi hontem aberta às duas e trinta e cinco minutos. (Apoiados.)
O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - As observações que o illustre deputado acaba de fazer á camara, em grande parte, não se referem á pasta que tenho a honra de gerir, mas sim á pasta da fazenda, e, como muito bem disse s. exa., ellas não necessitam de resposta prompta e completa. Transmittil-as-hei, pois, ao sr. João Franco Castello Branco, que de corto as tomará na devida consideração.
S. exa. annunciou, que na provincia de Traz os Montes e na região do Douro ha grande sobresalto e manifesta-se uma forte opinião contraria às medidas tributarias, que foram apresentarias ao parlamento pelo actual governo.
E claro que elle não tem a louca vaidade de suppor que um plano qualquer de medidas tributarias podesse ser recebido com inteiro agrado pela população do paiz. Basta attender a que toda e qualquer medida tributaria tem, na sua propria natureza e essência, necessidade de representar um ónus e um sacrificio para o paiz.
No emtanto, sr. presidente, o governo está convencido de que n'essas medidas que apresentei, foi moderado, foi regrado; o quando ellas vierem á discussão, ha de sabel-as defender inteira e completamente a ponto de poder habi-

Página 553

SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1890 553

litar o parlamento, com as explicações que der sobro o assumpto, a tomar uma resolução que corresponda á realidade dos interesses nacionaes.
Por essa occasião o meu collega da fazenda poderá explicar ao illustre deputado quaes os motivos, por que, tendo combatido, como eu, em 1887 o monopolio e em 1888, a régie, nos vemos forçados a fazer em 1890 aquillo que já em 1888 indicavamos como sendo uma consequência inevitável do estabelecimento da régie.
Pelo que respeita às relações existentes entre rnirn e o sr. Franco Castello Branco, a que fez umas referencias o illustre deputado, posso assegurar a s. exa. para seu socego e da camara, que ellas são as mais cordiaes, como sempre o foram, tendo eu toda a esperança que continuarão a sel-o.
Sobretudo agradeço a s. exa. o ter-me offerecido ensejo de não obstante ser collega do sr. ministro da fazenda e poder por isso suppôr-se que ha da minha parte um pouco de parcialidade, quando não ha realmente mais do que justiça e inteira verdade, poder render a minha homenagem á obra do sr. Franco Castello Branco, suppondo, ao contrario do illustre deputado, que o relatório apresentado pelo meu collega, é na realidade um titulo sufficiente para poder caracterisal-o como um verdadeiro financeiro. (Apoiados.)
S. exa. não precisa de certo dos meus encómios; mas tendo eu entrado no parlamento com o sr. Franco Castello Branco em 1884 tendo-o acompanhado na sua brilhantíssima carreira parlamentar e tendo a honra de ser seu hoje collega nas cadeiras do poder, comprehende-se e ninguém póde estranhar que eu tome a defeza do seu alto valor intellectual e da sua competência para gerir a pasta da fazenda.
Ha ainda outro assumpto o contrato de arrendamento da casa do sr. conde de Thomar - para o qual o sr. Alpoim chamou a minha attenção, e creia s. exa. que muito estimei que o fizesse, não obstante já terem sido pedidos pelo sr. Francisco Machado os mesmos, ou pelo menos, parte dos documentos que o illustre deputado agora requisitou.
Esses documentos com que já está habilitado aquelle seu collega, encerram a melhor resposta às perguntas de s. exa.; mas eu estou prompto a responder a qualquer interpellação sobre o assumpto, ou sobre qualquer outra questão que a opposição parlamentar entenda dever atacar ou criticar. Responderei em cumprimento da minha obrigação constitucional. Desde já, porém, devo dizer á camara que não só pelo preço porque andava arrendada aquella casa, ou antes uma parte d'ella, porque a outra estava occupada por familia do proprietário, não representando por isso um valor de renda activa, mas tambem pela visita que fiz aquelle edificio, posso ter a satisfação de affirmar que não o arrendei caro, especialmente comparando-o com a propriedade do sr. barão da Regaleira, sita no largo de S. Domingos. A differença do preço é importante e o contrato feito com o sr. conde de Thomar, é inteira, e até demasiadamente justificado
O sr. Alpoim dizendo que a casa do sr. barão da Regaleira, tem sido arrendada por 3:000$000 réis e estranhando que eu preferisse á do sr. conde de Thomar, por 4:500$000 réis, ha de reconhecer que esta é muitíssimo superior aquella, que não offerecia as necessarias condições de accommodação.
Posso dizer ao illustre deputado, e com isto respondo não tanto a s. exa., como a um seu collega que numa entrelinha do seu discurso pareceu lançar uma insinuação aquelle digno par, posso dizer ao illustre deputado e a toda a opposição em geral, que o sr. conde de Thomar não deu um unico passo tendente a fazer com que eu arrendasse a sua casa para serviço do ministerio da instrucção publica. Fui eu que o procurei, e não s. exa. a mim, porque depois de haver percorrido muitos edifícios, sem encontrar um só aproveitável e achando-me assim em grandíssima difficuldade, porque era absolutamente impossivel fazer a installação no edifício do ministerio do reino, deparei a final, com a casa do sr. conde de Thomar, unica que reúne as condições precisas para o fim a que é destinada.
E folgo bastante de ter esta occasião de prestar homenagem a s. exa. pelo modo correctíssimo como procedeu neste negocio.
Repito, eu tinha necessidade de fazer esta referencia aquelle digno par e defendei-o, porque s. exa. não tendo assento nesta casa, não podia defender-se. (Apoiados.)
Tenho ainda a declarar ao illustre deputado, o sr. Alpoim, que é inexacto o que se diz quanto a serem enormes as despezas a fazer com a adaptação da casa á installação do ministerio da instrucção publica e bellas artes.
Ha pouco tempo foi encarregado, pelo ministerio das obras publicas, um architeto de proceder ao plano das obras que ha a fazer e que serão moderadas, não podendo, por isso, custar grande quantia. N'este momento não posso dizer o seu custo total, porque os orçamentos não estão ainda feitos; logo que o estejam, não terei duvida em o dizer, ou por declaração minha, ou por meio de documento remettido a esta camara.
Por ultimo, tenho verdadeira satisfação em declarar ao illustre deputado que é inteiramente destituída de fundamento a noticia de que haja qualquer adiantamento feito ao sr. conde de Thomar por conta da renda da casa. O pagamento é feito aos semestres nos dias 1 de junho e janeiro de cada anno. Isto consta dos termos do contrato que já tive occasiào de mandar ao illustre deputado o sr. Francisco Machado. Não ha clausula alguma addicional, quer publica quer secreta.
Creio ter respondido às considerações feitas pelo illustre deputado e meu amigo o sr. Alpoim; mas se s. exa., agora, ou em outra occasião, precisar de mais alguma explicação, estou prompto a dar-lha.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Francisco Machado: - Pedi a palavra para fazer algumas perguntas ao governo. Mas, visto o sr. ministro da instrucção publica se referiu a um facto por mim tratado nesta camara e que diz respeito ao pedido de uns documentos relativos ao aluguer da casa do sr. conde de Thomar, e s. exa. declarar que eu tinha feito insinuações, tenho a declarar que não fiz insinuação alguma aquelle cavalheiro. Não está nos meus hábitos o fazer insinuações a ninguém, sobretudo a quem não tem assento nesta casa. S. exa. não tem culpa que o governo fosse ter com elle e lhe propozesse o arrendamento do seu prédio. Pediu o que entendeu, e o governo se achava exagerado o pedido não fizesse o contrato. Com o governo e só com o governo, é que nós aqui nos temos a entender, porque e elle o unico responsável perante os representantes do paiz pelos actos que praticou.
Acerca deste assumpto direi, confirmando o que disse o sr. Arroyo que recebi um só dos documentos que pedi, que é o contrato lavrado nas notas do tabellião, do arrendamento da casa onde tem de fazer-se a installação do ministerio da instrucção. Ainda não examinei esse documento, mas desde que o sr. ministro acaba de declarar que não houve adiantamento nenhum, eu estou perfeitamente conforme; mas posso afiançar que o publico estava preoccupado com este facto, principalmente na occasião em que se vão lançar novos impostos.
Emquanto às obras que têem de fazer-se no palácio, diz s. exa. que ellas são pequenas e que importarão numa verba insignificante; no emtanto o publico desconfia que a verba será avultada e uns avaliam em 20:000$000 outros em 30:000$000 réis. É evidente que se forem 30:000$000 réis, augmenta a renda em mais 3:000$000 réis por anno visto que, o arrendamento é feito por dez annos.
Ora, sendo a renda de 4:200$000 réis afora uma loja, ficará o encargo para o governo de 7:200$000 réis.

34

Página 554

554 DIARIO PA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Posso afiançar que a verba deve ser pequena, e logo que me seja presente o orçamento eu communicarei á camara o custo das obras.
O Orador: - Como o sr. Arroyo disse outro dia, que reinava entre o sr. ministro da fazendo e a. exa. a melhor harmonia, eu vou mandar para a mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro, pelo ministerio da instrucção publica, me sejam enviadas copias da correspondência postal e telegraphica trocada entro aquelle ministerio e o governador civil de Évora, ácerca de objectos pertencentes a qualquer dos conventos extinctos.

«Requeiro mais copias identicas da correspondência postal e telegraphica trocada entre o ministerio da fazenda e o inspector do fazenda do districto de Évora, ácerca de objectos pertencentes a qualquer dos conventos extinctos.»
Preciso fazer ainda uma pergunta ao governo.
Li ha dias num jornal a noticia de que se tinham dado acontecimentos importantes na provincia de Moçambique, da quaes resultou a morte do governador de Angoche.
Como a familia e os amigos d'este funccionario, que é um distincto official, e que tem prestado assignalados serviços na Africa, estão sobresaltados com esta noticia, por isso desejava saber, para completa tranquillidade de todos, o que ha de verdade sobre tal assumpto. Este official é o capitão Teixeira de Albuquerque, caracter arrojado e destemido, e que certamente não deixaria de repellir a affronta feita á nossa bandeira até ao risco da propria vida. E necessário, portanto, que o governo venha dizer á camara o que ha sobre tal assumpto.
Consta-me que se dera um facto grave entre os officiaes da escola pratica de infanteria em Mafra, e eu desejava que o sr. ministro da guerra viesse dar á camara informações a tal respeito.
Consta-me que foram chamados alguns officiaes para lavrarem um protesto contra um artigo publicado em um jornal, pedindo-se-lhes que nesse protesto declarassem, sob sua palavra de honra, se algum d'elles tinha escripto o artigo ou se tinham dado informações para elle se escrever.
Sr. presidente, acho verdadeiramente extraordinário que os officiaes fossem intimados para lavrar um protesto contra artigos de jornaes. Consta-me mais, que esse official foi suspenso das suas funcções de serviço, e preso por declarar que, não sabia qual a lei que o obrigava a lavrar protesto, pelo que se escrevia nos jornaes, e portanto que não assignava.
Ora, tudo isto, sendo verdade, e realmente extraordinário e muito grave, e é preciso que o sr. ministro da guerra mande averiguar o que ha a este respeito.
Eu não conheço nos regulamentos militares disposição alguma que force os officiaes a darem a sua palavra de honra, ou a lavrar protestos contra artigos de jornaes.
Partindo mesmo da hypothese de que aquelle, ou outro official, tenha escripto artigos apreciando desfavoravelmente actos dos seus superiores, ha nos regulamentos militares disposições que impõem a responsabilidade a esse official pelos artigos que escrever quando se prove que foi elle, e nunca se deve obrigar a lavrar um protesto, como se fez em Mafra.
E eu tenho a opinião, perfeitamente assente, do que o official, depois de cumprir o seu serviço militar, e saindo para fora do quartel, é um cidadão como outro qualquer, e póde apreciar a marcha dos negocios do paiz como qualquer outro cidadão.
Quando elle infringe os seus deveres militares, então lá estão os regulamentos para o castigar. Este official é o tenente de caçadores n.° 1 José da Silva Bandeira, que me consta ser muito distincto e não ter até hoje soffrido castigo algum.
Eu já fui victima de um caso parecido com este, assim como os meus collegas. Passados seis raezes depois dos terremotos da Andaluzia, o commandante do regimento de artilheria n.° 4 a que eu pertencia, quiz que os officiaes subscrevessem para as victimas dos terremotos, e como quasi todos nós tinhamos já subscripto, declarámos muito respeitosamente ao commandante que não podíamos acceder ao seu desejo.
Por três ou quatro vezes fomos intimados para subscrever, respondendo nós sempre que já tinhamos subscripto.
A insistencia foi tão grande, que um dia ouvimos tocar a officiaes, e reunidos estes, o commandante, com uma attitude marcial, apresentou uma lista com os nomes de todos os officiaes do corpo, para que cada um subscrevesse com alguma quantia para as victimas do terremoto. Então, o official mais antigo que formava á direita, repetiu o declaração de que não podia subscrever, por isso que tendo-se dado os terremotos havia mais de seis mezes, elle tivera já de subscrever por mais de uma vez, visto que as subscripcões tinham tido um largo desenvolvimento em toda a parte.
Todos os outros ofíiciaes deram a mesma resposta. O commandante foi então ao ministerio pedir que lhe tirassem de lá aquelle official, porque assim era conveniente por motivos de disciplina. O official foi transferido para Eivas; mas este facto produziu tal alarme na classe militar, que o sr. Fontes, que era então o ministro da guerra, mandou que o official ficasse em Lisboa no estado maior da arma. O commandante, porém, não foi transferido nem castigado, o que é contra a disciplina, que obriga igualmente de superior para inferior e não só de inferior para superior.
Este commandante faltou á verdade e comtudo não foi castigado. É bom que a disciplina se exerça sobre todos os que delinquirem, porque só assim póde haver no exercito a verdadeira harmonia.
Quem devia ser castigado não era o tenente Bandeira, mas os que assignaram o protesto, porque fizeram uma manifestação collectiva, o que é prohibido por todas as leis e regulamentos militares.
O que o sr. ministro da guerra devia fazer era mandar syndicar deste facto, que é grave, o proceder depois conforme as informações que obtivesse.
Recebi hoje o jornal o Jornal de Mafra, que conta minuciosamente como as cousas se passaram, e esta folha não póde ser suspeita para o governo, porque ainda ha pouco advogou com calor a candidatura regeneradora.
Eu não faço sobre este assumpto naais commentarios. O que peço ao sr. ministro da guerra é que mande averiguar o que ha de verdade neste negocio, para reprimir estes 1 inqualificáveis abusos e evitar a sua repetição. Declaro a v. exa., sr. presidente, que se eu estivesse no logar do tenente Bandeira procedia como elle procedeu, porque não conheço nos regulamentos militares artigo algum que me obrigue a assignar protestos pelo que escrevem os jornaes.
Agora, sr. presidente, volto ainda á eterna questão de Obidos; e estimo immenso que esteja presente o sr. presidente do conselho, para s. exa. ouvir ler uma representação dos negociantes d'aquella villa, que pedem a esta camara que imponha a sua influencia junto do governo, para que de uma vez para sempre cesse a anarchia em que ella se encontra.
Creia v. exa. que quando eu recebo cartas e telegrammas narrando-me acontecimentos d'aquella natureza, chego a imaginar que aquella gente exagera os factos; mas por informações mais minuciosas, e até de cavalheiros pertencentes ao partido regenerador, tenho a certeza que os factos ali praticados são exactamente como os meus amigos contam e eu venho relatar á camara.
Não sei de que meio me hei de já servir para pedir ao governo que faça cessar aquelle estado de cousas. Tenho pedido ao governo com o melhor modo possivel que mande

Página 555

SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1890 555

cessar o estado anarchico em que se encontra a villa de Obidos; cavalheiros pertencentes ao meu partido e outros que a elle não pertencem, têem pedido igualmente ao sr. presidente do conselho para fazer cessar aquelle estado anormal; tenho levantado a minha voz com a vohomencia de que posso dispor, e infelizmente tudo tem sido perfeitamente inutil.
Os meus amigos de Obidos estão na mesma situação que estiveram os constitucionaes no tempo de D. Miguel; falta só, para que não haja differença alguma entre essa epocha de horrorosa memória e hoje, o incendio e o saque. Posso affirmar a v. exas. não desejo dizel-o em tom irritante, porque é possivel que imaginem que a minha indignação é postiça - que, o que eu acabo de dizer é perfeitamente exacto. Sou capaz de dar a vida e o sangue para corresponder á dedicação dos meus amigos, porque me merecem que eu faça por elles todos os sacrifícios.
Sinto que o sr. ministro do reino não tenha dado as providencias precisas para acabar com aquelle estado, que envergonha o paiz e envergonha s. exa. O sr. ministro não cumpriu a promessa que fez a um amigo meu e do s. exa. de mandar retirar a policia, que continúa a permanecer ali com ordem para praticar cousas extraordinarias.
Não faço mais considerações sobre o assumpto, porque a camara está certamente fatigada de me ouvir fallar nos acontecimentos de Obidos, mas deve ficar impressionada, sabendo que a dois passos da capital estão sendo victima dos cidadãos portuguezes, como no tempo de D. Miguel, porque um dia souberam e quizeram ser homens livres.
O commercio está conopletamente paralisado. Pelas informações que tenho, a villa de Obidos parece um cemitério ; não se vê ninguém pelas ruas, com receio de ser preso.
O commercio d'aquella terra envia á camara dos senhores deputados uma representação, pedindo que, visto estarmos num paiz regido por instituições liberaes, influamos com o governo, por favor, ao menos, já que não quer fazer justiça, para que acabe de uma vez com as perseguições que ali tem mandado exercer. Eu leio a representação: «Senhores deputados da nação portuguesa.- Os abaixo assignados, negociantes estabelecidos nesta villa de Obidos, vem representar a v. exas. contra as perseguições politicas exercidas neste concelho pelos agentes do governo.
«As prisões, que os policias da primeira divisão, aqui destacados, têem feito sem motivo algum legal, o espancamento e acutilamento dos presos pelos mesmos policias, as correrias a tiro de resolver contra populares indefesos, por causa de um viva ao deputado do circulo, e, sobre taes violências, os processos correccionaes do resistência á auctoridade, testemunhados pelos próprios criminosos, todas estas perseguições estranhas aos nossos tempos, incutiram tal terror, que os moradores do concelho afastaram-se completamente deste mercado, ficando paralysado o commercio, tendo as próprias tabernas de fechar por falta de consumidores.
«Parece que uma epidemia assolou esta villa e que os habitantes que restam, choram em suas casas as pessoas que perderam. É hediondo e triste que um governo transforme os mantenedores da ordem publica e as sentinellas das nossas immunidades em executores de vinganças politicas, principalmente quando as victimas não reagem, e só dentro da lei procuram justiça e protecção que até hoje lhes tem sido negadas.
«Por dignidade e brio da nação representada por v. exas. por compaixão de um povo que praticou, contra este governo, o crime de manifestar a sua independência pé rante a urna, esperam os abaixo assignados que v. exa. que dignem restituir este concelho ao seu socego habitual por enérgicas providencias que devem conseguir do pode executivo, ou exigir que uma commissão composta de regeneradores e progressistas venha immediatamente syndicar das lamentaveis occorrencias que sobresaltam e enlutam as familias d'este concelho.
«Obidos, 3 de junho de 1880. - (Seguem-se as assignaturas.)»
Sr. presidente, eu faço um appello aos meus collegas.
Isto já não é uma questão do governo, é de nós todos. Apoiados.)
Este estado violento não póde continuar (Apoiados.) sem que todos fiquemos cobertos de vergonha. (Apoiados.)
Se amanha cair este governo e vier outro e pratique guaes violências, eu estarei ao lado de qualquer collega neu que levante a sua voz contra essas violências.
Tenho dito muitas vezes que isto não póde ser, mas infelizmente é.
Têem-se feito petições ao governo e á camara, mas parece que o direito de petição acabou neste paiz.
Fazem-se requerimentos, como eu tenho feito já, os meus amigos requerem pelos diversos ministérios mas não se lhes dá uma resposta com deferimento nem indeferimento.
Os habitantes do meu circulo pedem justiça, porque ali não ha justiça, ha leis draconianas para esmagar constantemente aquelles que não sabem curvar-se às exigências dos influentes regeneradores.
Se os meus amigos fossem pedir perdão ao influente regenerador de terem votado contra o governo, tudo acabava.
Eu disse aqui outro dia que estes factos tinham sido premeditados e cada vez me convenço mais de que isto é assim, porque tendo o tribunal especial de verificação de poderes julgado a minha eleição, no dia 12 do mez passado, no dia 8 se requisitou, pelo ministerio da guerra, uma força do regimento de infanteria n.° 1 para ir para Obidos, recommendando-se que o capitão que a commandasse fosse de toda a confiança.
Isto é um attentado perante as leis militares (Apoiados.) e uma desconsideração para com os officiaes do exercito portuguez. (Apoiados.)
Todos os officiaes em serviço são de inteira confiança, (Apoiados.) porque se não fossem de confiança tinham sido castigados. E quando tem de partir uma força commandada por um official, esse official é nomeado por escala (Apoiados.) e não ao arbítrio de ninguém. (Apoiados.)
Por consequência, na ordem que foi do ministerio da guerra para o quartel general e do quartel general para o commando do regimento, recommendava-se que o capitão fosse de toda a confiança, e isto é contra todas as leis militares (Apoiados.) porque todos os officiaes são de confiança emquanto não mostrarem o contrario. (Apoiados.) E não se fazem insinuações destas aos officiaes, (Apoiados.) porque é offender os brios de uma corporação que motivo algum tem dado para merecer desconfiança.
Eu hei de tomar a palavra na discussão do bill e hei de tratar mais largamente desta questão.
Acabo de receber um telegramma que diz o seguinte: «Capitão Machado. Lisboa. - Os policias espancaram um preso ao entrar para a cadeia. Deitaram-lhe as mãos às aquelas que o tão afogando. O povo que presenceava gritou aqui d'El-Rei, acudindo muita gente que stigmatisou o procedimento da policia.»
O sr. Presidente: - Eu peço ao sr. deputado quengo se alongue muito em considerações porque a hora está adiantada.
O Orador: - Eu vou já terminar, mas devo lembrara v. exa. que todas as vezes que eu fallo v. exa. me faz a mesma advertência.
Tenho aqui tambem uma carta em que se me diz que um indivíduo de uma povoação de fora, ao passar por Obidos disse: «Viva o capitão Machado».
Pois foi o bastante para ser perseguido pela policia, pela

Página 556

556 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

infantaria e pela cavallaria, e se não fugisse no cavallo em que montava teria sido preso.
Em Obidos considera-se como grito subversivo dar um viva ao capitão Machado.
Sr. presidente, isto está deste modo; qualquer, que dê um viva, é immediatamente preso! Parece que estamos com as garantias suspensas. (Apoiados.)
Não desejo alongar-me em mais considerações, porque ainda tinha que apresentar muitas e mas a culpa disto não é minha, é do governo que não dá providencias a este estado de cousas. (Apoiados.)
Eu não posso deixar de como representante d'aquelle circulo, corresponder às solicitações e pedidos dos que soffrem e dos que são perseguidos.
Desejo ardentemente, que cesse aquelle estado de anarchia, porque não tenho prazer em ver os meus amigos soffrerem, nem prazer em atacar os srs. ministros por actos que elles commettam que mereçam as nossas vehementes censuras.
Eu tenho dito aos meus amigos, que quando a politica mudar, não consinto que façam o mesmo aos adversários; não auctoriso represalias, e digo isto aqui para que todos o saibam, e nem o meu illustre chefe as auctorisaria, porque factos destes envergonham um governo e o paiz.
Mando para a mesa uma proposta para que se nomeie uma commissão de inquérito parlamentar que vá á villa de Obidos inquirir das occorrencias que ali se têem dado.
A proposta é a seguinte:
«Proponho que se nomeie uma commissão de inquerito parlamentar que vá a Obidos inquirir dos factos que ali se têem praticado depois da eleição de deputados, devendo esta commissão conter deputados de todas as facções politicas.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que a representação que mando para a mesa seja publicada no Diario do governo.
Foi auctorisada a publicação.
(Os requerimentos vão publicados a pag. 548.)
O sr. Carrilho: - Por parte da commissão do orçamento, mando para a mesa o parecer sobre o orçamento rectificado do exercício corrente. A imprimir.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (António de Serpa): - Sobre dois assumptos fallou o illustre deputado, desde que eu entrei na sala.
O primeiro diz respeito a uns acontecimentos que tiveram logar na escola de Mafra.
Posso asseverar ao illustre deputado que não tenho absolutamente conhecimento algum official d'esses factos.
Acabo de chegar do ministerio da guerra onde estive tratando de um assumpto urgente e só quando entrei n'esta casa é que alguém me disse exactamente o mesmo, que o illustre deputado acaba de referir.
Procurarei, portanto, informar-me para saber se são ou não exactos esses factos.
O segundo ponto, é a eterna questão de Obidos. Ninguém mais do que eu tinha empenho em que cessasse esse estado de cousas n'aquella povoação.
Tenho procurado obter informações, não só officiaes, mas extra-officiaes e dizem-me todos que, de facto, existem paixões partidárias entre os dois partidos locaes, acrescentando-se que durante uma certa epocha, não sei qual, não sei se durante o exercício do administrador do concelho immediatamente ao anterior, ao actual ou a algum outro, que durante essa epocha, a auctoridade administrativa deixou de dar cumprimento aos mandados judiciaes para prisão, de individuos que estavam pronunciados sem fiança.
É natural, pois, que haja um grande numero de individuos nessas condições, e de facto a camara ha de estar lembrada de se ter dito aqui que já se tinham feito dez prisões em Obidos. (Apoiados.)
Eu informei-me e soube que, pelo menos, sete dessas prisões tinham sido de indivíduos que estavam pronunciados sem fiança, constando-me ao mesmo tempo que passam de cem os indivíduos que ali existem nestas circumstancias.
Supponhamos, porém, que este numero é exagerado e que não são cem, mas trinta ou vinte e cinco; ainda assim, para se effectuar a prisão d'esses vinte e cinco individuos, evidentemente torna-se ali necessária a permanencia da força armada. (Apoiados.)
Ora, todos comprehendem que os parentes, amigos e mesmo alguns dos vizinhos desses individuos, hão de naturalmente interessar-se em que elles não sejam presos; e d'aqui vem o dizer-se que é esta uma das causas do estado de excitação que ali existe.
Pela minha parte, as instrucções que para lá tinha mandado e que, estou persuadido, têem sido executadas, é que sejam, quanto possivel, conciliadores; mas, emfim, que se cumpra a lei e se façam todas as diligencias para que sejam presos os individuos contra os quaes ha mandados de prisão. (Apoiados.)
Mas, o illustre deputado disso tambem que os policias espancaram um dos presos. Eu tomo nota e vou tratar de indagar o que ha nisso de verdade, porque não se póde admittir que os policias espanquem ninguém. Se esse facto criminoso se tiver dado, quem praticou o crime não ficará sem castigo.
Repito o que eu conclui de todas as informações tanto officiaes, como extra-officiaes, é que uma das causas, se não a principal deste estado de cousas, é que havendo um grande numero de individuos que estão pronunciados e que se trata de fazer prender, os parentes, amigos e alguns visinhos d'esses individuos têem interesse em que não se realisem essas prisões. Pela minha parte, logo que ellas se effectuem, darei ordem para que seja retirada a força; mas antes disso não o posso fazer. (Apoiados.)
Também o illustre deputado afirmou que quando foi para Obidos uma força militar, escolheu-se para a commandar um capitão de toda a confiança, o que no seu entender, importa uma desconsideração a todos os outros officiaes do mesmo corpo, visto que este serviço devia ser feito por escala.
Eu direi a s. exa. que se tem feito isto muitas vezes. Debaixo de certo ponto de vista todos os officiaes são da mesma confiança; mas, como s. exa. sabe, ha homens que têem mais energia do que outros, homens que podem conhecer melhor a povoação, e, emfim, que podem reunir condições especiaes, que os tornem mais competentes para o desempenho de certas commissões. Ora, em presença do estado de excitação em que aquella povoação se encontrava, pela rivalidade dos dois partidos locaes, o que o governo pretendia era nomear um homem enérgico e ao mesmo tempo imparcial; e foi n'este sentido que depositou confiança que nada tem de politica, no official a quem encarregou de tão espinhosa espinhosa missão.
Deus nos livre que se podesse dizer com verdade que pelo ministerio da guerra se nomeava para uma diligencia um militar, por merecer confiança politica!
São estas as informações que a este respeito posso dar ao illustre deputado.
Por ultimo fallou s. exa. da morte do governador de Angoche. Quem póde informar o illustre deputado a esse respeito é o sr. ministro da marinha. Eu nada sei, porque desde hontem não tornei a fallar com este meu collega. (S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da eleição de commissões
O sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição da commissão de legislação criminal. Convido os srs. deputados a formular as suas listas.

Página 557

SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1890 557

Feita a chamada e corrido o escrutinio verificou-se terem entrado na uma 67 listas, saindo eleitos os srs.:

Amandio Motta Veiga .... 67 votos
Antonio Azevedo Castello Branco .... 67 votos
Barão de Paço Vieira .... 67 votos
Feliciano Gabriel de Freitas .... 67 votos
Francisco Castro Mattozo Corte Real .... 67 votos
João de Paiva .... 67 votos
João Pinto Moreira .... 67 votos
João Freire Lobo Amaral .... 67 votos
José Maria Soares de Albergaria .... 67 votos
Luciano Monteiro .... 67 votos
Matheus Teixeira de Azevedo .... 67 votos

O sr. Serpa Pinto: - Peço a v. exa. que me inscreva para antes de encerrar a sessão, se estiver presente o sr. ministro da guerra.
O sr. Moraes Sarmento: - Por parte da commissão de verificação de poderes, mando para a mesa o parecer sobre a eleição do circulo n.° 100 (Horta.)
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que, dispensando-se o regimento, este parecer entre desde já em discussão.
Aproveito a occasião de estar com a palavra para declarar a v. exa. que o sr. deputado Dantas Baracho tem faltado às sessões e continuará a faltar a mais alguma por motivo de doença.
Leu-se o seguinte:

PARECER N.° 123

Circulo n.º 100 (Horta)

Senhores. - A vossa commissão de verificação de poderes examinou o processo eleitoral do circulo n.° 300 (Horta) e verificou que o numero de votantes foi de 9:027, sendo votados os seguintes cidadãos:

Francisco Severino de Avellar .... 6:110 votos
Manuel Constantino Theopbilo Augusto Ferreira .... 6:095 votos
Fernando Mattozo dos Santos .... 2:806 votos
José Augusto Correia de Barros .... 1:691 »
Anselmo de Assis Andrade .... 1:018 votos
Bernardino Pereira Pinheiro .... 140 »
Manuel de Arriaga .... 95 votos
Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto .... 27 votos
Adriano Emilio de Sousa Mendes Leal .... 4 votos
Manuel de Arriaga Nunes .... 1 votos
Joaquim Alves Matheus .... 1 »
Francisco Silveira de Avellar .... 1 votos
Francisco Severino Theophilo .... 1 »
Ernesto do Couto Amaral .... 1 votos
Antonio Maria Pereira Carrilho .... 1 votos
Pompeu Marques da Silva .... 1 votos
Joaquim Chrysostomo da Silveira .... 1 »

Não tendo havido protestos nem reclamações, entende a vossa commissão que esta eleição deve ser approvada e proclamados desde já deputados os dois cidadãos mais votados Francisco Severino de Avellar e Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, que apresentaram diploma em forma legal.
Sala da commissão, em 7 de maio de 1890. = Marcellino Mesquita = Luciano Monteiro = Barão de Paço Vieira (Alfredo) = Luiz Bandeira Coelho = José Estevão de Moraes Sarmento.
Obtida a dispensa do regimento, foi o parecer approvado sem discussão.

O sr. José Novaes (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer prorogar a sessão até se votar a generalidade do projecto do bill.
Assim se deliberou.
O sr. Alberto Pimentel: - Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão, se estiver presente o sr. ministro da fazenda.

SEGUNDA PARTE DA OEDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 109 (bill de indemnidade)
O sr. José Júlio Rodrigues: - Tendo resolvido entrar na discussão do bill, não posso nem devo esconder a v. ex.H e aos meus illustres collegas quanto, ao fazel-o, me sinto contrariado e constrangido.
É a primeira vez que, perante esta camara, uso da palavra num debate político e se não é, de certo hoje, a primeira vez que fallo em publico, é hoje bem differente do habitual o terreno que piso, não sendo para estranhar que a minha palavra não corresponda á attenção de quem me escuta, e cuja benevolência mal poderá vencer o fastio que a minha exposição, preoccupada e receiosa, fatalmente suscitará.
O entrar, porém, no momentoso debate, que corre travado entre os dois lados da camara, era para mim um dever de cargo e de consciencia.
Dever que eu colloco acima de todas as preoccupações, dever que me fará supportar resignado as manifestações do tédio alheio, que me expõe, até, voluntariamente, ao desgosto de uma exposição infeliz e ao descrédito que, do meu fiasco parlamentar, me deva ou possa advir.
Sou, porém, deputado, sou profundamente liberal, tenho um mandato do povo portuguez e não hei de furtar-me às obrigações do meu cargo, por mais que isso me custe ou prejudique. (Apoiados.)
Tão grave é o assumpto, a meu ver, e tão grandes as responsabilidades, que se lhe prendem que, contra o meu habito e tendências, até procurei hontem esboçar o meu discurso, para me não perder em divagações, incompatíveis com o tempo, de que disponho, e com a nitidez dos confrontos e deducções, que desejava e desejo mais particularmente estabelecer e especificar.
Creio, porém, que fiz trabalho inútil ou, para melhor dizer, em grande parte perdido.
Tão acostumado estou a fallar, independentemente da quaesquer moldes escriptos, que a simples idéa de me sentir preso a um papel, previamente redigido, me oblitera a memória e me tolhe quasi por inteiro a inspiração e o raciocinio.
O discurso mais desastroso da minha vida teve, num esboço similhante, a causa lógica do desastre que então soffri.
Declara-se e affirma-se por toda a parte que a dictadura, de que se trata, envolve um dos mais graves acontecimentos da nossa vida constitucional.
Essa gravidade, porém, ha quem a julgue, apenas, um artificio oratorio para uso da minoria, porquanto todos os oradores ministeriaes, que d'ella se têem occupado, consideram a dictadura complexa contra que nós, os da opposição, nos insurgimos por inteiro, como a cousa mais simples, mais justificada e mais innocente deste mundo.
Será esta gravidade como a de uma esphera, girando sobre um plano de marmore, gravidade que existe, mas gravidade que se desloca, consoante o arbitrio de quem lhe dá o impulso e que, fugindo perante elle, até certo ponto incoercivel, é no emtanto uma das causas de todo o seu movimento?
E estará em mim só o defeito que me faz não comprehender, como seria para desejar, estas psycologias da política ministerial?
E licito duvidal-o.
Confesso até, muito á puridade, que depois de ser poli-

Página 558

558 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tico ou, para melhor dizer, depois de mo ser permittida a entrada nos bastidores da nossa politica, cada vez a comprehendo menos, e que, desde que entrei no parlamento, são tantos os enygmas que diariamente me perseguem, tantos os absurdos, para mim só, é claro, que encontro na lógica governamental, inteiramente inacessivel aos espíritos fracos como o meu, que, desconfiando ha muito de mim proprio, começo agora tambem a desconfiar dos outros!
Diz-se por exemplo que a camara já não póde ouvir fal-lar do bill?
Que é matéria gasta, assumpto morto, que cumpre enterrar condignamente noa archivos nacionaes.
E isto porque, nura mez de discussões, (talvez treze dias úteis), cortadas por outros serviços, por dias santos e até, por uma pequenina gazeta parlamentar, ainda se não approvaram na generalidade todos os decretos de dictadura, decretos já em parte discutidos na especialidade, o que importa economia de tempo pura o minucioso apuramento de suas qualidades e defeitos! Como se quasi duas duzias do decretos, como perto de tres duzias do auctorisações, fossem politico de facil digestão, quando só no mastigar, em que se anda, a todo o instante se lhe encontram ossos e esquirolas, resultantes do pouco apuro e limpeza com que foram amanhados na cozinha ministerial. Ate a farinha lhes faltou para os competentes folhados - segundo a noticia que nos deu, apreciando o vol au vent dictatorial, o illustre deputado e meu estimado correligionário, o sr. Elvino de Brito. (Riso.)
A camara está cansada? Mas pensem que talvez o não esteja o paiz, que é o mais interessado na dictadura. Se não querem discussões, se os incommoda o livre exame, que o parlamento possa fazer das loucuras governativas, para que hesitar no caminho encetado. E só a chancella parlamentar que pretendem? A discussão é apenas ceremonia dispensável, que nada influirá nos votos seguríssimos da maioria? Deixemo-nos então de comedias, transforme-se a camara dos senhores deputados n'um theatro de marionnetes e não aggravem a situação do governo, patenteando ao paiz a lepra auctoritaria do retrocesso que o consome, ameaçando as instituições com perigo muito maior do que todas as propagandas republicanas e socialistas. (Apoiados.)
Que quer então discutir o governo ou a camara que, no seu conjuncto, não é mais do que o governo, sob uma outra forma - a da sua maioria! Entende que as liberdades publicas não são fortuna bastante apetecida, para que não corramos todos, á porfia, a defendel-as e sustental-as ? (Apoiados.)
Triste comprehensão esta, por parte do governo, dos deveres politicos, que lhe incumbo exercer, e das graves responbabilidades, inherentes a esses deveres e que o paiz póde querer destrinçar um dia!
Triste situação esta, em que a força do governo reside, unicamente, numa supposta indefferença publica, na descrença de muitos e no aborrecimento de quasi todos!
Mas não se perca tempo, que os discursos custam dinheiro e o governo, o que quer, é que lho votem sob a forma de novos impostos, e não sob a avalanche improductiva de objur-gatorias e protestos contra um bill, que vae transformar o regimen constitucional deste paiz, arvorando às claras o poder pessoal, não o poder de um Rei, a cujas qualidades eu presto inteira homenagem, mas, o que é peior, o poder de sete minitros condensados em seis, talvez para maior concentração da energia, que por ahi vimos á solta pelas das da capital. (Apoiados.)
Mau não creia o governo, porque a nação parece mergulhada actualmente n'esse estado de apathia, que é a sequencia do estado anarchico dos espiritos, da falta do consciencia propria, do receio que lhe inspiram os homens e as cousas, da semceremonia com que se invertem e perturbam os principios fundamentaes do nosso regimen liberal, da reincidencia na dictaduras da falta de fé e de confiança
na lei e na justiça, que póde, rasgando a carta, refugiar-se no velho direito divino e estabelecer novos códigos de arbitrariedades e despotismos, sem protestos, nem reacções! (Apoiados.)
Pois nenhum momento houve, talvez, desde 1800, que, mais do que o de hoje, fosse apropriado ao renascimento do espirito publico, á remodelação dos nossos costumes politicos, ao fomento da nossa riqueza e ao engrandecimento do credito nacional. Insultados por uma nação estrangeira, e apreciando então de perto a nossa pobreza e o errado caminho de tantas administrações políticas, hoje, mais e melhor do que nunca, poderíamos, firmes e convictos, com a esperança no coração e os olhos fitos no futuro, liquidando passados erros e defeitos do nosso organismo social, entrar na trajectória de instrucção e de fomento, de juízo e de bom senso, de que por inteiro dependem a honra e a segurança da nossa pátria. (Apoiados.)
Não o quiz porém assim o actual governo e disso devo pedir-lhe estreitas contas o paiz, que mais ha de soffrer com os tristes narcoticos, que a dictadura ministerial despejou sobre os seus brios, do que com o proprio e monstruoso ultimattum, que podia ser o vesicatorio feliz, que pozesse termo, e por uma vez, a tantas incurias e imprevidencias.
No emtanto, que cada um de nós liquide e deixe bem patentes, perante a camara e perante o paiz, as responsabilidades que lhe cabem n'este conjuncto de factos e de medidas, cujas penosas consequências ainda não podemos seguramente apreciar.
Que pretende o governo?
Quer fazer-nos retroceder para os tempos nefastos da reacção e do despotismo ? Acaso se arrepende da liberdade, em cujo nome e para cuja defeza lhe foram entregues os diplomas de ministros de um Rei constitucional?
Acaso pensam que podem, como Josués de um novo judaísmo liberal, mandar parar o tempo, fazer retroceder o progresso e esconder nas trevas de seus espiritos obsecados as claridades do século proximo, que vae já alumiando as mais altas cumiadas dos direitos e dos deveres sociaes? Que loucura ou, se antes o quizerem, que crime indisculpavel, que aberração tão doentia, que insensata obstinação, para quebrar a qual bastaria um instante de decidida vontade popular! (Vozes: - Muito bem.)
Na estrada, que percorrem, breve se encontrarão sós. Nem os correligionários mais facciosos poderão entulhar o abysmo, que os espera, ao termo da deplorável viagem que ernprehenderam.
Se até, nesta camara, já se disse que tinha havido dictadura de menos. É verdade, podiam -como fizeram o mais e tão legalmente como isso - restaurar a inquisição, levantar de novo a forca e até restabelecer o rabicho, decretando o uso do chino universal, para consolação dos partidários da força, que tenham a calva demasiadamente amostra, para as melindrosas conveniências do partido. (Riso.)
Era pouco o ultimatum! Ao insulto dos de fora, era mister associar-se tambem o medo e o despotismo dos de dentro, embutidos na indignação publica, já desbastada pelos sabres da policia e pelos ukases do commandante civil da sertaneja cidade de Lisboa, á força de decretos e de pontões, de correrias cavallares e de levas para os navios de guerra, cárceres provisórios de patriotas, construídos pela propria nação, que assim os acautelava e defendia!
Apesar, porém, de tudo, e contra tudo, vae terminar a discussão do bill. E a lógica do governo impondo o silencio ao paiz, depois de lhe exigir inteira obediência aos seus despoticos decretos.
E tambem para que protelar a discussão? O trabalho parlamentar, respectivo á analyse conscienciosa dos decretos de dicíadura levar-nos-ia pelo menos dez sessões legislativas. (Apoiados.) O discutir, portanto, durante mais dez

Página 559

SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1890 559

ou vinte dias este bill inevitavel, não adiantará cousa alguma.
E, generalisando o processo; não haverá nada mais fácil do que ser-se deputado. (Refiro-me ao exercício do cargo). Finge-se que se discute para se salvarem as apparencias, mas vota-se a valer. Ensaiam-se tiroteios de rhetorica com a condição porém do ficarem sempre luciladas... as opposições. Determina-se previamente o tempo que deva durar cada desabafo de consciencia partidaria e, victoriosos sempre os governos, folgarão as maiorias pelo bem representado do seu gloriosissimo papel.
Bem dizia eu, ha pouco, que de pouco me valeria o meu pobre architectado discurso. A cada momento me obriga a divagações o mesclado ambiente politico, em que vivo e em que respiro.
É possivel até que a confusão, a que procuro fugir, seja effeito da minha cansada myopia; tanto vejo reduzidos e no escuro os homens e as cousas!
Para tudo ser desordenado nesta questão da dictadura e do bill, até na discussão se inverteu a verdadeira natureza dos debates. Foi assim que, tendo-se resolvido discutir primeiro o bill na sua generalidade, é a especialidade que tom sido, em geral, o thema dos discursos dos illustres oradores, que me precederam. Vae discutir-se agora a especialidade e alem de estar certo que muitos discutirão ainda a generalidade do projecto, por dever e por necessidade, (Apoiados.) outros proseguirão nos debates, como até agora, não havendo por isso differença alguma nas duas espécies de discussão. Para que entrar, pois, em scena o apagador a meio caminho dos nossos debates politicos.
Mais uma inutil prepotencia da maioria, mais uma comedia parlamentar, mais um desafio á independencia da camara e ao direito dos oradores inscriptos.
Será um simples descanso, que nos querem proporcionar? E caso então para agradecer-se.
E generoso às vezes o mais ferrenho despotismo.
No entanto a discussão não é tão inútil como parece a alguns dos nossos collegas. Está até muito longe de ser sufficiente. (Apoiados.)
Não ha ainda dois dias que se descobriu que tinha faltado um decreto no rol dos apresentados ao beneplácito do parlamento. (Apoiados.)
Imaginem um lapso similhante num exercício escolar. Esgotar-se-ia o diccionario de synonimos na classificação da leviandade do infeliz, que encontraria num ou em meia dúzia de palmatoadas, conforme os casos, o premio de ser um imitador em pequena escala d'este grave esquecimento legislativo.
Ainda bem que lhe acudiram a tempo. Foi, porém, tudo, como se vê, mal temperado n'esta infeliz dictadura. Com similhante cozinha ministerial, dictatorial e a vapor, como produzir um guisado em termos de se servir. Até a farinha lhe faltou. E se o recheio era deficiente os folhados não se póde dizer que fossem muitos e bons. (Riso.)
Como estranhar, portanto, que a discussão se vá tornando pesada e indigesta. (Riso. - Apoiados.)
Deixemo-nos, porém, de commentarios, que é pouco o tempo que resta para o muito, a que me obriga a mayonnaise que estou discutindo.
Lembram-se todos de como este governo, filho do ultimatum de 11 de janeiro, nasceu para os encargos, de que tem dado tão perigosa como illusoria solução.
Veiu á luz em 13 de janeiro e, encontrando as cortes inauguradas em 2 do mesmo mez, apressou-se a dissolvel-as sete dias depois do nascido (20 de janeiro). Em 30 de março fez a nova eleição de deputados, em 14 de abril a dos pares electivos e em 19 do mesmo mez presidiu com El-Rei á abertura da actual sessão legislativa. Noventa dias viveu, portanto, em divorcio com a nação, tendo apenas por poderes auxiliares o exercito e a marinha, seguro de ambos pela obediencia cavalheirosa e digna, que são dever e attributo d'aquellas briosas corporações.
Não adiou as camaras, talvez para economisar o subsidio de marcha dos antigos deputados, e pretendendo extrahir do paiz 170 novos eleitos da sua feição, quasi conseguiu demonstrar, por vezes a golpes de tiro e de dinheiro, que, no curto espaço de tres mezes, quasi quatro quintos do paiz bebiam pelo credo regenerador! Haverá exemplo mais frisante do que seja hoje a consciencia eleitoral portugueza?
E dizem que as maiorias significam a vontade nacional!
Prosigamos, porém.
Tinha nobremente resignado o poder o partido progressista. Tratava-se de uma grande questão nacional, que excluia e excluiria, por certo, todos e quaesquer facciosismos politicos. E tão sómente se levantaria, por entre desastres imminentes e vergonhas, ainda palpipantes, qualquer bandeira partidaria, se o governo, desobedecendo ao seu mandato, semeasse a duvida e suscitasse protestos, melindrando facciosamente os seus inimigos politicos, compostos, no emtanto, de cidadãos convictos e, por isso mesmo, profundamente devotados ao seu paiz.
E foi o que succedeu. As pretendidas manifestações republicanas não foram senão o justificado desvairainento produzido pelos actos do governo, pelas suas indecisões e receios, pela sua debilidade perante a Inglaterra, pela sua hostilidade manifesta á corrente de desforço levantada em todo o paiz, nobremente indignado pela surda hostilidade que encontrava no governo, a despeito mesmo dos patrioticos e manifestos sentimentos do joven monarcha portuguez, por elle tantas vezes compromettido.
Ahi está para o attestar o que succedeu com a grande subscripção nacional que, só depois de attendida e generosamente acompanhada por El-Rei, é que foi reconhecida pelo governo! (Apoiados.)
Tivesse o actual ministerio cumprido com o seu dever, respeitando o sentimento nacional, e as manifestações republicanas, por fim de contas perfeitamente inoffensivas, não teriam passado de uma expansão mais ou menos platonica de algum mais exaltado, sem descerem á rua, por forma inconveniente ou perigosa.
Foi o governo, sr. presidente, que collaborou com os mais estrénuos propagandistas da forma republicana em Portugal e tão bem o fez que, como prova do seu zelo pelo advento dos pricipios ultra democraticos, deu a esta camara o ensejo de contar no seu seio quatro, deputados republicanos, facto inteiramente novo, e ao paiz mais alguns jornaes inimigos da corôa e mais alguns milhares de votos, em pleno antagonismo com o principio politico do throno hereditario, estabelecido pela carta constitucional como base inseparável da monarchia, que defendemos. (Apoiados.)
O exclusivismo faccioso, que presidiu á constituição do actual governo, foi ainda um dos maiores erros politicos da nossa historia comtemporanea. Em vez de acalmar, levantou paixões e estabeleceu dissidencias. Difficultou B solução dos problemas pendentes e ia cornprornettendo El-Rei, comprometimento que eu singularmente deploro, não só pelos altos sentimentos de gratidão, de estima e de respeito, que me prendem, ha muito, ao príncipe illustre, que hoje preside á nação portugueza, como pelo convencimento, que em n'um é profundo, de que a forma monarchica é a única que melhor se casa, no período que atravessámos, com as exigências do paiz e com o socego e com a fortuna nacional. (Apoiados.)
Este primeiro erro, o do exclusivismo, havido na constituição do actual ministério, constituo o peccado original, de que nasceu a dictadura, filha necessaria da sua Índole exclusivista é intransigente (excepto com a Inglaterra como parece que se vae averiguando). Negando, pois, a necessidade da dictadura, explico a rasão por que voto e protesto contra o bill. Para mostrar, todavia, como a dictadura foi, em tudo e por tudo, o acto mais impolitico da nossa moderna historia constitucional, é necessario que eu remonto ao período do nascimento e da infancia ministerial d'esse

Página 560

560 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

grupo heterogeneo - salvo no seu insensato auctoritarismo - que está hoje manejando o pesado leme da nossa política geral.
Censuram-me porque sou às vezes pessimista, (e como não sel-o!) porque o spleen me invade, porque tenho até já tido vontade de abandonar um tablado, em que tão tortuoso vejo o caminho que a política impõe á consciencia e ao coração de cada um. Se tenho, porém, repellido estes accessos de uma consciencia inquieta, é porque vejo e sinto que é mister que cada um dê á pátria e ao partido, em que milita, o seu esforço, a sua boa vontade e, até por vezes, o sacrifício de uma ou outra intransigência.
Uma qualidade terei sempre, no emtanto, sr. presidente, na minha, aliás humilde carreira política, como a tive e terei sempre na minha vida social. É a franqueza, a perfeita sinceridade com que exponho e exporei sempre o que penso e o que sinto.
Não sei usar de indignações postiças nem d'essas cole-rae, que precedem a estreita e apertada familiaridade de um jantar em commum, depois da mais accesa e rubra batalha parlamentar, entre sorrisos satisfeitos e uma digestão tranquilla, tomada por fecho de uma comedia política, mais ou menos bem representada.
Será ingenuidade, será inexperiência, será desacerto? O futuro o dirá. Dizem-me porém alguns amigos que, a este respeito, o meu juizo não é muito; que não tenho o que se chama - o conveniente espirito pratico - para os tempos que vão correndo.
Mas o paiz é ingénuo, também, e soffre, por isso, dos mesmos males, que eu soffro. Se hoje está immerso na doentia somnolencia dos que fogem á certeza de uma desgraça, possível ou provável, póde acordar amanhã e, expulsando os actores deste funesto theatro nacional, transformar em tragédia ou em drama a comedia, a que ha pouco me referi.
Quando chegará esse momento não o sei. Deve chegar um dia, crei-o firmemente. Por ora, é certo, não é já o somno tão profundo, que o não veja entrecortado por terríveis pesadellos.
Não se illuda todavia o governo, que tanto investe contra os princípios democráticos que os nossos antepassados, com tamanha dificuldade e perseverança, entre nós implantaram á custa do próprio sangue e dos maiores tormentos e desgostos. A nação, que lhe parece indifferente e muda, como esse moribundo que, excitado por um estimulante enérgico, logo recáe e toma a immobilidade da morte, póde e deve acordar de vez.
Basta que cada um de nós, opposição, cumpra com o seu dever. Mais que nunca é isso preciso hoje. (Apoiados.)
Seguindo seu caminho, illuminado pela sua consciencia, a despeito da indifferença publica, a despeito das criticas e apreciações, ora malevolas, ora humorísticas, a despeito do silencio propositado, que é tambem um inimigo, a despeito das claques e cotteries e do descrédito, adrede organisado pela imprensa facciosa ou adversa, qualquer de nós, qualquer português, embora obscuro, mas perseverante e corajoso, terá bem merecido do paiz e do seu partido. A consciencia é uma força, que o lodo não póde subverter, e um exemplo que, mais que nenhum outro, é contagioso e salutar. (Vozes: - Muito bem.)
Nem o paiz está morto! Creia-o o governo! Ha de viver e luctar e, como outrora, considerado em todo o mundo, ha de ser digno do seu nome, da sua historia e do seu tempo. (Apoiados.)
E para esta resurreição, contribuirá, mais que ninguém, o liberal e glorioso partido progressista.
E sinto por isso verdadeiro prazer, verdadeira satisfação, o mais profundo enthusiasmo ao ver que o credo dos grandes princípios democráticos é, hoje mais que nunca, defendido pelos meus illustres e dignos amigos políticos. (Apoiados.}
Ao tempo, porém, que me glorio de fazer parte de uma agremiação política, a que pertence a bandeira mais liberal dos partidos monarchicos portuguezes, é com o maior desanimo, que eu noto, quanto são tristes, neste momento, as condições em que nos vemos todos collocades para nos mantermos á altura das nossas mais altas obrigações, como partidários e como portuguezes.
E não creia a camara que eu faço ou formule quaesquer allusões pessoaes.
A opposição progressista não póde ultrapassar certos meios de combate, mau grado o seu desejo de exigir todas as responsabilidades, a que lhe dão direito os erros alheios.
Não pretende mesmo ferir demasiado o seu adversário, para lhe não herdar prematuramente responsabilidades, de que elle tem e ha de dar contas ao paiz. Se poupamos agora as nossas forças, é para as applicarmos no momento opportuno, que não chegou ainda. (Apoiados.)
Antes de proseguir, porém, permitta-me v. exa., sr. presidente, que eu declare a v. exa. e á camara que, nos meus discursos parlamentares, nunca farei mais do que fallar em meu próprio nome, embora sustente e advogue tenazmente todas as doutrinas e princípios, que constituem o credo fundamental do partido, a que tão honro de pertencer. E não faço esta declaração para obedecer a qualquer sentimento de indisciplina, ou por qualquer motivo que represente dissidencia entre mim e este lado da camara. Sou soldado disciplinado do partido progressista e nesse posto me conservarei sempre. Não vão mais longe as minhas pretensões do que de ser util ao meu paiz e ao circulo, que me fez a honra de me eleger. Não procurando fazer sombra a ninguém, apenas exijo que me deixem livre o modestíssimo caminho, que pretendo seguir. E por isso mesmo que ambiciono pouco, por isso mesmo serei tenaz na defeza dos meus próprios e limitadissimos direitos.
E creio que ninguém me levará a mal por isso.
Não fallo, portanto, em nome de ninguém; não quero ser chefe, nem general, e até me offusca a posição de simples tenente ajudante do partido; não quero outro posto que não seja aquelle, que a minha consciencia me traçar, e a que o severo cumprimento dos meus deveres parlamentares e partidarios me obriguem e determinem.
Se tenho a convicção de que os meus sentimentos vivem em perfeita harmonia com os de todos os meus camaradas da opposição, (Apoiados.) é isso mais uma prova de que, n'este momento, como em todos os momentos graves da nossa vida nacional, o partido progressista é unanime no seu sentir, não havendo discordancias ou divergências na política geral, que estabeleceu, para norma de acção e de trabalho.
Volto, porém, sr. presidente, às minhas explanações sobre a dictadura e seu respectivo bill.
Que estranho contraste entre hontem e hoje.
Portugal progredira, incontestavelmente, durante um largo período de paz e de actividade. E nesse progresso, nesse fomento indiscutível, teve parte brilhantissima o nobre par tido progressista. A instrucção havia se desenvolvido, não tanto como devia e podia ser, mas, em todo o caso, o bastante para que o nosso paiz não desmerecesse do conceito de um povo civilisado e livre.
A paz absoluta, porém, dos largos annos decorridos desde 1852, a quasi inteira confusão dos partidos, o accordo que, nos pontos fundamentaes, se estabelecera, mais ou menos profundamente, entre os diversos ramos da política portugueza, a pouca tendência para as questões technicas, tiveram por effeito pôr de lado problemas fundamentaes sob o ponto de vista da nossa riqueza publica e que, só ha pouco, começaram a ser considerados e attendidos.
Mereceram por isso, dos poderes públicos, nos largos annos, a que me refiro, uma attenção secundaria o desenvolvimento do trabalho indígena, a valorisação dos nossos productos, o alargamento da nossa industria, o desenvolvimento
e a defeza do nosso commercio e, finalmente, a am-

Página 561

SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1890 561

plitude e a multiplicidade da nossa navegação commercial e de defeza.
De todo o dinheiro, derramado durante este periodo sobre o solo portuguez, não admira pois que uma boa parte ficasse improductivo e infecundo. Nem as alfandegas nem a bolsa do contribuinte podem medir sósinhas a riqueza nacional e se, muitas vezes, marcham parallelos os seus valores, outras ha em que entre ambos se manifesta o mais triste e fatal antagonismo.
Por isso, ao cair-nos em casa o brutalissiino ultimatum inglez, não nos foi difficil convencermo-nos de que eramos um povo desarmado, militar e fabrilmente, desarmado por falta de meios convenientes de ataque e de defeza, desarmado por falta de dinheiro, até agora obtido, sob a fórma de emprestimos, para saldo dos nossos deficits annuaes!
E assim devia de ser!
Era e é porém irremediavel este estado critico, em que se encontra o paiz? Não, mil vezes não. (Apoiados.)
Bastaria encaminhal-o pela verdadeira trajectoria, que a moderna sciencia economica e os acontecimentos nos aconselhavam e aconselham e, acompanhando as justas aspirações do paiz, preparar-lhe a defeza, mas habilitando-o simultaneamente á creação de valores, gerados por elle proprio, senão já, pelo menos em praso não mui distante, evitando-se, quanto possivel, o procurar-mos fóra de portas o que é mister que cada povo reserve ou fabrique, não só por exigencias da própria dignidade nacional, como pela necessidade de não entregar a terceiros a quasi totalidade dos seus meios de independencia e de defeza. Não o quiz porém assim o governo, que se constituiu logo depois do ultimatum! Esquecendo-se do paiz, lembrou-se apenas do seu partido. (Apoiados.) Não o fez de certo por estreita ambição partidaria, sou o primeiro a reconhecel-o; assim como affirmo e creio que os cavalheiros que compõem o actual ministerio, não só têem as melhores intenções, mas até possuem grandes qualidades de espirito, de erudição, de talento e de inergia, com eminentes faculdade de estudo e de trabalho, que dão de certo direito a esperar de s. exas., n'outra qualquer occasião, fructos mais prosperos e sasonados.
E se attentarmos na feição politica do grupo, que combatemos, a ninguem admirará ainda tal é o facciosismo que o caracterisa, embora á todos suscite mágua sincera, que ao resurgir para o poder, no seu mais puro exclusivismo, o antigo partido regenerador, fosse essa a nota dominante do seu exordio politico, a linha fundamental da sua conducta, a explicação mais corrente dos seus actos e processos. Por isso se esqueceu um pouco de todos nós, que somos a patria, para accudir mais efficazmente às conveniências partidárias da actual regeneração. (Apoiados.)
Era isto, porém, o que o governo devia ter feito? Não me parece.
Nem, para tanto, era preciso rasgar a carta constitucional (Apoiados), nem -quasi - comprometter o poder moderador. Menos havia a menor conveniencia em afastar, sequer, momentaneamente, em seus patrióticos sentimentos, o povo do throno, compromettida a corôa, por vezes, por actos estranhos, á sua iniciativa, mau grado o intenso patriotismo e a digna e correcta disposição de espirito do jovem monarcha portuguez, prompto para todos os sacrificios, como resolvido a todas as abnegações!
E foi levado por este perigoso criterio que o governo, procurando manter-se a si, enfraquecia o poder moderador, fiel constitucional da complexa balança partidaria, arbitro sereno e justo de todos os sentimentos nacionaes. (Apoiados.)
Mas se ao menos tivessem alguma utilidade pratica os actos anormaes, que estamos discutindo?...
Dispendiosissima, haverá dictadura mais demorada na sua effectividade, visto exigir muitos ânuos, para se realisar por inteiro? Destoante dos nossos costumes e processos mal passará, sr. presidente, das columnas do Diario do governo, onde, espero emsontal-a, quasi virgem, na proxima legislatura se, n'esta camara, me for dado o ensejo de perguntar por ella.
E ainda bem que não vingará, porque, se vingasse, pelos principies hoje correntes nas altas regiões do poder executivo, nada mais facil, de ora avante, do que remodelar, transformar profundamente todo o nosso regimen liberal e politico. E de facto, tratado o parlamento, como o está sendo pelo actual governo; o melhor será acabar com elle, transformando-o em mera repartição de chancella dos actos do poder executivo.
E para as reacções populares, para as justas manifestações da indignação publica, lá estão as guardas municipaes, reformadas e "acrescentadas pelo governo. (Apoiados.)
Entremos, porém, na analyse dos actos ministeriaes, no exame das suas declarações e affirmativas.
Nada mais contradictorio; direi mesmo, nada mais interessante e curioso! Começam as inconsequencias, que derivam da litteratura e philosophia ministerial, com a data da sua apresentação á camara popular transacta, em 15 de janeiro findo.
Ouça a camara como o sr. Antonio de Serpa apresentou ao parlamento os seus illustres collegas.
Referir-me-hei tão sómente a algumas phrases fundamentaes, eliminando as que nada interessam á critica que vou fazer.
Disse pois o sr. Serpa:
Que estavam presentes os membros do gabinete, dos quaes se dois, o sr. Lopo Vaz e o sr. Hintze eram antigos, os outros quatro eram novos e, d'estes, tres eram novos na idade e no poder, o que não era indifferente, porque ás vezes era necessario injectar sangue novo nos organismos politicos (velhos). Estes tres ministros eram conhecidos da camara e do paiz; da camara que os applaudira, do paiz que os fizera deputados. (Note a camara esta phrase).
O outro ministro (que ninguem chegou a ver), novo no cargo, era velho na idade, conhecia porém de perto as nossas possessões ultramarinas, o que não era indifferente, por ser conveniente que haja alguem no conselho de ministros que as conheça, não pelo que lê e estuda nos livros, mas por tel-as visto e ter palpado as suas necessidades!

Veja a camara que triste apresentação e que força não revelava já com ella o ministerio actual, força que era o prenuncio das proximas dictaduras. E que theorias de governo e que estranho Babel de conselheiros da corôa.
O sr. Franco Castello Branco, Arouca e Arroyo foram pois o sangue novo, que se tornava preciso injectar no organismo gasto dos velhos politicos, os srs. Serpa, Lopo e Hintze.
Foi uma injecção necessária, verdadeira transfusão de sangue politico, especie de processo de Brown Sequard, applicavel, ao que parece, ás nossas decrepitudes politicas e constitucionaes. Saudemos, todos, portanto, em nome do partido regenerador, os juvenis condemnados, victimas voluntarias dos implacaveis Saturnos, que hoje dirigem a nau ministerial.
Talvez, por estar longe, não podesse experimentar os beneficos effeitos da transfusão o sr. Vasco Guedes.
Por isso s. exa. lá se ficou pela India, privando o conselho de ministros e o sr. Serpa do convivio do collega, que ora chamado ao poder muito expressamente por ter visto as nossas colonias e ter palpado as suas necessidades! O que tem graça é que este palpar das colonias levasse o sr. Vasco para a guerra, ficando o sr. Arroyo na marinha, o qual, por falta de quem palpasse por elle à materia prima do seu ministerio, teve de refugiar-se logo na instrucção publica e nas bellas artes portuguezas. (Riso.)
O sr. Serpa, porém, é que não podia contentar-se com a solução dada ás enormissimas e volumosissimas representações de todos os povos da India lusitana e, para as quaes, se está fazendo, talvez, um archivo especial no mi-

Página 562

562 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

nisterio da marinha, clamando pela conservação do sr. Vasco Guedes. Vendo-se obrigado pela opinião a entregar a pasta da marinha ao sr. Julio de Vilhena, mandou palpar colonias pelo sr. Marianno de Carvalho. Foi, portanto, buscar a sciencia de que carecia - e que não é a que se encontra nos livros - ao partido contrario, facto este que constituo uma gloria para o partido progressista e um desdouro para o partido regenerador.
O sr. Marianno de Carvalho foi estudar e não administrar, e da sua sciencia tirará o partido regenerador o roteiro seguro, de que carece, e que não possue, para a sua administração colonial.
É esta, sr. presidente, a força apregoada do ministerio actual, que nasceu sob o influxo de uma operação cirurgica e vae viver alimentado pelo leite espiritual do sr. Marianno de Carvalho, que sendo uma das maiores glorias do partido progressista, ainda, dos sobejos do seu talento, vae ajudar a ser util ao paiz o partido regenerador, que assim deu mais um testemunho, sem duvida, da sua sinceridade, mas evidentemente da sua debilidade e da incohe-rencia ou fragilidade de sua composição. (Apoiados.)
Para que se veja, porém, o estado de inconsistencia dos planos e idéas ministeriaes em 13 de janeiro de 1890, alludirei a mais algumas phrases do sr. Serpa, proferidas no seu discurso inaugural, perante as camaras ultimamente dissolvidas.
E assim que declarou que, no continente (e porque não no ultramar!!), havia a questão do exercito e, depois de declarar que eram mal gastos os 5.000:000$000 réis que elle custava, acrescentou - não vinha dizer que o governo havia de resolver a questão, o que vinha dizer era que o governo havia de começar a resolvel-a.
Leiam-se agora os decretos da dictadura chamada de defeza, e chegaremos a uma d'estas duas conclusões - ou o governo já projectava a dictadura, o que esta em contradicção com affirmações suas posteriores, e as auctorisações pedidas, e disposições tomadas foram o annunciado começo da resolução, ou o governo não pensava em dictadura, e é de espantar como um governo serio e patriotico, em face de um ultimatum, como o de 11 de janeiro, se propozesse apenas começar a resolvera questão militar (!), sabe Deus quantos mezes depois!
E de duas uma, ou os decretos de dictadura resolveram a questão militar, pela previsão de uma guerra, que parece andava no espirito do governo e que lhe exigia organisações immediatas, e não se percebe como, sem auxilios novos e quaesquer transformações sociaes, elle podésse suppor que resolvia o que, um mez antes, apenas se propunha, durante a sua gerencia, começar a resolver, ou nada ficava resolvido com a apregoada dictadura de defeza, e não se percebe então para que se fez esta dictadura, a não ser que se projectasse espantar o inimigo a golpes de Diarios do governo ou crear esquadras de papel para escarmento dos couraçados britannicos.
Que incongruencias! Que leviandades! Que falta absoluta de tacto e de sciencia governativa! (Apoiados.)
Por fim, para que em tudo fosse infeliz o sr. Serpa, a ultima questão especial, a que alludiu no seu discurso baptismal, foi a da instrucção publica, declarando-nos um dos paizes, nesta parte, mais atrazados da Europa, isto apesar da grande importancia economica (sic!) que ella ha de ter no futuro.
Era o ministerio da instrucção publica em ombryito, cuja importancia economica no futuro se revelou já pelo aluguel de um bom palacio, e pela miseria do seu orçamento actual, que é absolutamente mesquinha, em confronto com os termos do respectivo decreto de dictadura e das necessidades que elle diz vir remediar e satisfazer. (Apoiados.)
Remontemos ainda outra vez, porém, sr. presidente, ao periodo historico do bom successo d'este governo, e dos actos logo subsequentes a esse acto inicial, para mostrar á camara a logica balbuciante, que presidiu a essa nefasta dictadura, nefasta pelas suas consequencias moraes e politicas - parece-me que as outras raro passarão do papel - e a impossibilidade absoluta de desculpar sequer o governo pelo golpe profundo, por elle dado na nossa vida constitucional e democratica, golpe tanto mais censuravel, quanto era perfeitamente escusado e, até, contraproducente!
Tem-se fallado em incompatibilidades entre a camara dissolvida em janeiro e o governo actual; ora ouça a camara o que o sr. Lopo Vaz, na sessão de 15 de janeiro, respondendo ao sr. Beirão, proferiu em pleno parlamento: o que queria era registar a declaração do sr. Beirão de que o partido progressista, nas questões internacionaes, poria de parte os interesses partidarios, para se inspirar dos sentimentos de patriotismo.
«Registando a declaração do illustre deputado, tinha a declarar que ella lhe não fizera surpreza, porque contava com ella, não só da parte de s. exa. e do seu partido, mas tambem do povo portuguez.»
Como consequencia d'esta declaração (vêde a logica do actual ministerio!) foram dissolvidas as camaras em 20 de janeiro, desculpando-se depois o governo com o interregno parlamentar, que elle propositadamente creára, para assumir a dictadura e calcar aos pés a constituição, exactamente na epocha mais inopportuna para taes atrevimentos do poder.
Tudo incoherencias; tudo contradicções! (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Não foi portanto illogico e baldado o meu protesto contra a dissolução. E quiz Deus que a primeira vez que tive a honra de fallar no parlamento portuguez, fosse para protestar contra a dissolução de uma camara que, nos curtos dias que teve de vida, soube affirmar o seu patriotismo e revoltar-se contra os abusos do poder. (Apoiados.)
E sou coherente, sr. presidente; o meu credo politico é sempre o mesmo, e a mesma a minha aversão por tudo que possa ferir as liberdades politicas do meu paiz. Penso hoje como em outubro de 1886, quando escrevia, referindo-me a necessidade de remodelarmos a vida nacional, as palavras seguintes:
«Nem carecemos para isso de nenhum partido novo. Para tanto bastará que o genuino e authentico partido progressista saiba manter-se á altura do seu sacerdocio politico, coherente com a sua genealogia, harmonico com o seu passado, producto inalteravel e intransigente da nossa historia contemporanea e das necessidades do proprio tempo... em que convem que o partido, em que tão convictamente nos filiamos, tenha perante a boa philosophia democratica a sua inteira e innegavel justificação.»
Procedendo, como hoje procedo, ninguem dirá, pois, mau grado a malevolencia alheia, que eu mudasse de posto ou de logar na politica portugueza, onde me conservo fiel ás minhas convicções, sempre ao lado dos grandes principios liberaes, que hoje regem os povos, que se prezam de democraticos, embora em muitos d'elles vigorem e preponderem ainda as instituições monarchicas, sob a sua forma hereditaria, não incompativel com a liberdade. (Apoiados.)
Dois dias depois da morte de Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, em 24 de janeiro de 1887, escrevia eu ainda o seguinte:
«Póde affirmar-se que, sob o tumulo de Fontes, se archivou todo inteiro o velho partido regenerador, tão inesperadamente chegado a hora suprema das remodelações e metamorphoses, que hão do singularmente contribuir para a organisação definitiva de dois fortes partidos monarchicos e liberaes, logicamente definidos e limitados; um, sincera e genuinamente democratico, como o póde ser o actual partido progressista, e conservador, o outro, mais accommodado por isso aos benesses do velho direito divino.»
E não foi só n'isso que fui propheta - como aliás toda a gente o foi no caso sujeito - Quando tratarmos das graves questões da nossa politica colonial, eu mostrarei como

Página 563

SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1890 563

previ, ha muitos annos, parte dos acontecimentos com cujas consequencias luctâmos hoje, faceis então de prevenir e de encaminhar. É que o bom senso, tantas vezes inimigo da politica de bastidores, suppre muitas vezes a sciencia e a pratica da negocios publicos.
E é-me tão grato documentar o meu bom senso de out'rora, como triste e deploravel o vel-o agora em risco de sumir-se n'este convivio mais intimo, que hoje tenho com a politica portugueza, enygmatica e, tantas vezes, opportunista, para lhe não chamar outra cousa.
E com a mesma franqueza com que fallo, direi que, ha annos, que defendo e advogo a creação de um ministerio da instrucção publica, não por processos dictatoriaes e com aspectos mais ou menos illusorios ou decorativos, mas um ministerio a valer, com os meios e utilidades, que documentam a sua necessidade.
Acompanhemos, porém, os acontecimentos, que se seguiram a dissolução da camara transacta, e entremos em pleno discurso da corôa e na sua respectiva resposta parlamentar.
Declara o governo pela boca do chefe do estado, em 19 de abril proximo passado, que circumstancias houve que reclamaram medidas extraordinarias e urgentes no intuito de se prepararem sem demora os primeiros elementos de defeza nacional (note a camara - os primeiros elementos); affirma que as receitas crescem e o credito se mantem pela maneira mais satisfactoria; que as necessidades impreteri-veis da defeza nacional e a sustentação e elevação do credito publico trazem a necessidade tambem impreterivel de augmentar os recursos para as satisfazer; d'ahi o annuncio de varias propostas de lei, melhorando algumas fontes de receita; sem aggravar sensivelmente a situação dos contribuintes.
E conclue por affirmar que a resolução segura do nosso problema financeiro consiste em não continuar a augmentar as despezas regulares do serviço publico, de modo que este augmento exceda ou iguale o das receitas ordinarias e regulares do thesouro.
Responde a camara, transformada em echo do verbo governativo, que lhe são agradaveis todas estas noticias, acrescenta ainda, que o ultimo emprestimo e prova irrecusavel do bom estado do credito portuguez, acceita e regista a resolução proposta, que applaude, do nosso problema financeiro, e por fim o governo, por intermedio da corôa e o parlamento, por intermedio do sr. Manuel d'Assumpção, appellam ambos para o auxilio da Divina Providencia como quem desconfia da revalescière ministerial e das mutuas e reciprocas affirmações do governo a sua maioria e vice-versa, acerca do bom estado das finanças nacionaes. (Apoiados - riso).
Deixemo-nos porem, um momento, d'esta analyse dos dizeres ministeriaes.
A dictadura estava feita e todos perguntavam, como perguntam hoje, por que e para que? Para preparar os primeiros elementos da defeza nacional não valia a pena incommodar a carta; para terem de se lançar novos addicionaes, não valia tambem a pena de se declarar primeiro, urbi et orbe, que não eram precisos.
Notarei de relance, apenas, o parecer do illustre relator da commissão do bill, o sr. Pinheiro Chagas.
Prende-me a s. exa. tanta sympathia, tão justificada admiração e, por alguns factos, tanto agradecimento, que custando-me a dizer que aquelle documento tem valor que não condiz com o de s. exa., passo por elle sem o dissecar, visto apenas ter servido de passe-partout ao respectivo projecto do lei. É que os melhores talentos fallecem no ingrato empenho de advogarem causas perdidas. (Apoiados - Vozes: - Muito bem.)
Registarei, no emtanto, para os effeitos devidos que na opinião de s. exa., era impossivel arredar a hypothese de uma lucta armada com a Inglaterra.
Remontemos porem outra vez o curso dos acontecimentos e vejamos se a dictadura póde justificar-se perante os factos occorridos ate 10 de janeiro do corrente anno.
O ultimatum de 11 de janeiro ferira profundamente a dignidade nacional. Pelo paiz inteiro corria um fremito de desespero, que era documento da vergonha porque passára a nossa patria, desespero pedindo desforra, appellando a nação inteira para os altos poderes do estado, como para os seus naturaes representantes e vingadores.
Que admira, pois, que um ou outro desregramento viesse attestar a verdade do nobilissimo impulso, que levantava o paiz inteiro, sob o peso da ignominia que soffrera? (Apoiados.)
É isto estranho? Será isto um crime? Um exemplo vos citarei agora. Todos se lembram do celebre episodio das ilhas Carolinas, succedido em Hespanha por meados de agosto de 1885. A Allemanha quiz então apossar-se d'estas ilhas, quasi theoricamente sob o dominio da briosa nação hespanhola. Sabeis o que succedeu?
Em 23 de agosto fez o povo de Madrid uma larga manifestação diante da presidencia do conselho de ministros. Em 4 de setembro o mesmo povo arrancou as armas e a bandeira da embaixada allemã, queimando-as depois em frente do ministerio do reino, em pleno Madrid, no centro d'esta cidade, ao alcance de todas as forças e de todas as auctoridades.
Os resultados d'estes desvairamentos eil-os: menos de cinco mezes depois, isto é, na sessão do congresso de 4 de janeiro de 1886, era apresentado ás camaras hespanholas o acto diplomatico de 17 de dezembro de 1885 pelo qual a Allemanha reconhecia a soberania de Hespanha no archipelago das Carolinas e das Paláos.
Fôra arbitro Leão XIII.
E não seria a causa principal d'este justissimo desfecho o nobre e energico procedimento do povo hespanhol, que fez immediatamente comprehender a Allemanha e a Europa que morreria no seu posto, mas não permittiria quaesquer ultrages á dignidade da nação? E o governo, que ali estava, apesar da sua propria tibieza, soube no entanto, embora ate certo ponto, associar-se ao sentimento nacional, transformando-o no primeiro e melhor argumento em favor da altiva nação hespanhola.
Se houvera procedido como nos, nas suas regiões officiaes, a desaffronta não teria sido, pelo menos, tão completa, e aquelle, hoje quasi inutil archipelago, teria desapparecido dos dominios do reino vizinho. (Vozes: - Muito bem.)
Decididamente e incomprehensivel este governo que nos rege.
Não quer desordens, não quer tumultos, não quer desvairamentos. Exige do paiz que a affronta passe sobre elle, rasgando-lhe o coração, mas sem lhe ferir a pelle e lhe affogueiar o rosto! Que, cheio de moderação e cordura, discuta com a serenidade dos dias tranquillos e das almas venturosas a injuria, que o envergonhou perante o mundo. Nada de desmandos, que o inimigo e forte e pesada, a sua mão. E que bons exemplos, quanto a esta parte, nos não deu o governo!
Ao apresentar-se ao paiz, não podia ser mais serena a sua altitude, mais correcta a sua linha, mais amoravel e discreta a sua politica.
A nota vibrante e patriotica de uma colera formidavel e santa, embora meio reprezada pelas terriveis necessidades do momento, o estremecimento, do estadista, que pallido e tremulo, sente ainda sobre as faces o vergão aberto no paiz pelo chicote inglez, tudo tudo foi calcado e escondido, a ponto de não darem por isso amigos e inimigos. Discretos e abençoados estadistas, que assim daveis ao povo portuguez o exemplo de mansidão e cordura, que tanto lhe recommendaveis! (Apoiados.)
Casos ha, todavia, e d'isto se esqueceu o governo, em que a extrema resignação e cortezia, a correcção em excesso, podem rastejar pela debilidade, demonstrar a fraqueza e

Página 564

564 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

entregar-nos, desarmados e perdidos, as prepotencias e iniquidades alheias. (Apoiados.)
E que perigo podia ter uma manifestação republicana, se acaso a houvesse, que não derivasse das arbitrariedades do governo?
Nem posso ser suspeito, formulando esta pergunta, por que já por mais de uma vez tenho declarado ser monarchico convicto no periodo historico, que atravessamos em Portugal, e cujo termo ainda não diviso, nem tão cedo me parece, divisarei.
Não tem succedido sempre o mesmo, em casos analogos, em outras nações, experimentadas por successos 6 desgostos similhantes? Só caem os governos constituidos, quando d'elles se separa o paiz, a que presidem, por acontecimentos que são a pedra de toque de similhante divorcio, castigo necessario e legitimo de interesses mal defendidos.
Não se oppoz o governo, desde seu principio, a todas as manifestações populares? Não as prejudicou ate na sua forma litteraria ou romantica, que seria o mais innocente dos desabafos, se o governo lhes não desse logo terriveis e pavorosas interpretações? (Apoiados.)
Queria indignações publicas, ensaiadas de vespera, no colyseu ou na Trindade, perante contra-regras ministeriaes e ensaiadores ad hoc?
Havia até o povo de dar vivas a preceito, para não melindrar a Gran-Bretanha, que assim parecia a insultada, em vez de ser, como foi, a nação insultadora e prepotente!
Que lição, sr. presidente, para os patriotas ingenuos, que estudaram por tão diversa cartilha! (Apoiados.)
Custa-me a autopsia, a que estou procedendo, sr. presidente, mas não posso esquivar-me a obrigação de criticar severamente os actos do governo, cuja doença politica se me afigura um verdadeiro e novo phylloxera, destinado a corroer e a destruir as nossas liberdades publicas e individuaes. (Apoiados.)
Sou o primeiro a acatar o digno presidente do conselho, que eu respeito profundamente. Antigo professor da escola polytechnica, ali deixou tradições, que muito o honram e que, aos novos, servem de exemplo e, perante estes, documentam a sua incontestavel respeitabilidade e valia. Homem d'estado, escriptor de merito, havido até ha pouco por profundamente liberal, dão do seu talento, illustração e estudo farto conhecimento os annaes da politica e do jornalismo portuguez.
Mas... diz-me aqui um illustre deputado e ex-ministro - amigos amigos, negocios a parte - e embora eu não tenha a honra de ser contado por s. exa. no numero dos seus amigos, devo sem duvida ser considerado entre os que mais culto prestam as qualidades do seu espirito e aos altos dotes do seu coração.
Mas, visto existir o ditado, applicavel ao caso sujeito, prosigamos, sr. presidente, no desempenho do pesado encargo que, por dever de officio, e a proposito da discussão do bill, julguei dever assumir perante a camara.
Confrontando a dictadura com as primitivas intenções do governo, manifestadas logo depois do ultimatum, nada mais extraordinario do que o contraste, derivado de similhante comparação.
Não cogitava então o governo senão em começar a resolver a grave questão militar, para o que até escusava de incommodar a carta e os prelos nacionaes, incumbindo-me a mina, por exemplo, de tão modesto serviço. Para começar a resolver, bastaria que se começasse a estudar, a pensar, a bolir no assumpto, e já vêem os meus illustres collegas que não e prova de vaidade o dar-me por apto para similhante serviço. (Riso.) Fazer dictadura para encargo similhante, parece-me pois um cumulo de força e... de dictadura.
E assim e que o governo regenerador, sr. presidente, se collocava a altura da apregoada gravidade das circumstancias, ao herdar o poder do ministerio progressista que, tão nobre e patrioticamente, lhe entregara a direcção dos negocios publicos, com a obrigação de tutelar e defender a honra nacional contra as insolentes espoliações inglezas. (Apoiados.) Prevendo o casus belli, não encontrava, para resolver a questão militar, que o mesmo seria organisar convenientemente a defeza do paiz, outro expediente que não fosse o simples proposito de começar a resolvel-a, isto para melhor pôr a limpo a nossa debilidade, o nosso malfadado retrahimento, quer perante a nação prepotente, quer perante a Europa e o mundo civilisado. (Apoiados.)
E aos clamores do paiz, exigindo lhe defendessem a honra e a bandeira, apenas respondeu com a força e com a injuria, calumniando o glorioso movimento iniciado e reprimindo-o logo a poder de tropa e de policia!
Em tudo, como na questão militar, são nullas ou desconhecidas as idéas do governo.
Onde esta o seu plano de reformas? (Apoiados.) Onde está desenrolado o seu programma partidario, que se não pode unicamente limitar a esta palavra - reacção?
Pois os homens, que estiveram por alguns annos longe do poder, que eram representantes de um partido, nitidamente determinado pelos seus generaes e pela fereza com que investiram contra todas as reformas e actos do ultimo ministerio progressista, esses homens não têem um plano de governo e para tudo carecem de tempo e de estudo, quando o paiz exige reformas e leis immediatas, disposições urgentissimas, (Apoiados.) actos de inadiavel execução?
Como qualificar a guerra tenaz, violenta e tumultuaria, feita por s. exas. aos seus adversarios politicos, em face d'esta vacuidade de idéas, d'esta ausencia quasi total de uma trajectoria governativa (Apoiados.) devidamente concebida e organisada?
Para que acceitaram então os apetecidos espinhos do poder?
Estudassem primeiro, se queriam governar e, para isso, tiveram quasi quatro annos, tristemente gastos por s. exas. em diatribes violentas, em insinuações de todos os dias, em tumultos e arruaças parlamentares. Não e assim que se formam estadistas, nem tão pouco se descobrem os meios de governar com acerto, salvando o paiz dos graves embaraços, em que o vemos. (Apoiados.)
Uma vantagem, porem, tiveram, dentro do apertado ambito da nossa politica interna, os graves acontecimentos que, desde 11 de janeiro findo, têem, tão profundamente sobresaltado o nosso paiz. Essa vantagem e a perfeita definição do credo, mais ou menos liberal, que e a essencia mesmo dos dois partidos monarchicos, que ora predominam na direcção da politica portugueza. Conservador um, esse que esta firmando na reacção e no segredo a mola real dos seus processos administrativos, liberal o outro, profunda e sinceramente liberal, amigo do throno, que e uma garantia de paz e tranquillidade para a nação, amigo do povo, cujos direitos saberá defender, campeão da verdadeira democracia, seguro de que, com a estreita alliança dos differentes poderes do estado, poderá evitar experiencias politicas, que seriam funestas conflagrações nacionaes, assegurando assim a corôa uma estabilidade, que a reacção lhe negara, e ao povo o fomento e a liberdade, que o tornarão, alliado fiel e amigo sincero das nossas actuaes instituições. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Mas a dignidade e a firmeza nunca fizeram mal, sr. presidente, ao povo que d'ellas usou no exercicio dos seus direitos.
Lembraes-vos por certo do correctissimo procedimento da Suissa por occasião do incidente Wohlgemuth. Não a confrangiu a opposição da Allemanha, nem lhe intibiaram o animo as palavras do grande chanceller. Incumbindo-se de vigiar os estrangeiros, que se acolhessem ao seu territorio, não admittiu por fórma alguma ingerencia alheia, que lhe offendesse a propria soberania.
É que a Suissa, apesar dos seus 3.000:000 de habitan-

Página 565

SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1890 565

tes, e uma grande nação, grande pelo seu espirito, como o e pela illustração e pela coragem.
Em Portugal pensa-se, porem, de modo bem diverso!
Mal subiu ao poder o actual ministerio pseudo-regenerador, o governo tornou-se, do facto, contra o movimento popular, um quasi alliado da Inglaterra. As mais simples manifestações foram violentamente perseguidas, e Camões, Vasco da Gama e não sei que mais heroes ou recordações gloriosas foram considerados materia suspeita nos lazaretos policiaes!
Foi notoria a prisão absurda e violenta de homens, mulheres, creanças e até de um doido, fugido de Rilhafolles, na tarde, e noite de 11 de fevereiro findo. Mandados de madrugada ou por altas horas da noite para navios de guerra, surtos no Tejo, ladeados, os presos, por sinistras figuras policiaes, sinistras a força de archotes, mais pareciam levas de degradados ou algumas d'aquellas procissões de victimas, dos tempos da forca e do cacete, do que comparsas involuntarios de uma comedia politica, que bem se podia ter mudado em tragedia.
Preso houve que esteve mais de treze dias sob prisão sem saber porque. Os processos constitucionaes estavam suspensos e as garantias individuaes, escriptas na lei, totalmente revogadas, de facto! Os que se apresentaram a juizo foram mandados embora com a multa de 1$040 reis por cabeça, a titulo de identidade!...
Lembram-se todos da campanha do Chiado. Em torno de Camões formára-se primeiro um cordão de municipaes, com a frente para o epico.
Como depois se cogitou que o inimigo não era o epico e que não convinha que a força publica fosse atacada pelas costas, passaram os pobres soldados a mostrar ao epico o que primeiro tinham mostrado ao publico, que observava, entre, triste e alegre, estes miseros episodios da força ministerial.
De subito, porem, entram em scena os apitos, tão nervosos, tão estridentes, tão continuados, com taes interferencias, acusticas, com taes trinados e assobios, que a todos pareceu que o poeta, afrontado pela sem ceremonia da municipal, descera do monumento, elle e toda a companhia litteraria, que ali lhe faz côrte, atacando por seu turno e pelo dorso, unica superficie acessivel, a soldadesca atribulada, assim exposta ao furor de Camões e dos seus amigos.
No entanto, os fumos, cuja historia muito bem sabem, lá se conservam, ainda, srs. deputados; não os fumos da victoria, mas os fumos de algodão preto, que, depois de exprimirem um nobre sentimento de luto nacional, passaram a dar-se ares de gravata, com seus aspectos de garrote e de que hoje anda tão ciumenta a policia, que ate me consta que, ainda, ha pouco, 4 de junho; esta se oppoz tenazmente a que fosse, de madrugada, arrancado aquelle lixo negro, que outro nome não tem, nem pode ter já este monumento da fraqueza do governo e da debilidade de todas as engrenagens, que constituem o nosso machinismo social.
A propria mocidade escolar portugueza não escapou á repressão do executivo.
Quizeram atacar no seu berço social os grandes sentimentos nacionaes e d'isso se não envergonharam.
Diz-nos, porem, a mechanica que a reacção, é igual e contraria á acção. A reacção existe; oxalá a acção não procure o desforço, a que lhe dão direito os desatinos do governo.
Os effeitos, todavia, começam a observar-se já. Quatro deputados republicanos, novos jornaes pregando a pura e intransigente democracia, 2:000 a 3:000 eleitores independentes e que acordaram em Lisboa só para combaterem o governo, que até explorava a merecida popularidade dos nossos africanistas, para se contrapor a sentença, eloquentemente gravada contra elle; pela primeira cidade portugueza, capital, do reino.
Assim o quizeram. Assim o hão de ter. Não podem, queixar-se de si.
Nada mais triste, sr. presidente, do que as rasões apresentadas em favor da recente, e ainda, actual dictadura.
Ouvindo os discursos dos oradores ministeriais sobre a dictadura, mil vezes fiz esta reflexão commigo proprio. Que deploravel defeza, que contradicção, que falta absoluta de logica e de opportunidade nos argumentos, até hoje apresentados pelos ministros ou pela maioria regeneradora.
Vejamos, por exemplo, o que disse o sr. Serpa, deixando de lado os reparos e contestações já feitas pelos meus collegas da opposição.
Como é estranha e nova a doutrina que s. exa. expõe na phrase seguinte:
«Em geral os governos cáem quando estão gastos por terem usado da sua iniciativa.
Julgava eu que quando a iniciativa era boa, os governos em vez de cairem ainda mais se levantavam, na opinião e no conceito do paiz. Não admira, porém, que assim não seja, visto como a actual politica portugueza está primando pela inconveniencia e pelo absurdo.
Prosigamos porém.
Allegou mais s. exa. que o governo herdára o poder, estando ainda agitadas as paixões politicas pela eleição a que presidira o ultimo ministerio progressista.
Ora sabem o que concluiu s. exa. d'esta agitação? É que era necessario agitar ainda mais o paiz, dissolvendo, as camaras constituidas em janeiro, e decretando-se novas eleições, para algumas semanas depois!
E digam que o governo actual não foi o primeiro, o maior agitador, talvez pelo prazer de ter mais tarde por auxiliares, as ferraduras da cavallaria municipal e por lemma de partido os principies reaccionarios, decretados em 10 de fevereiro, e nos dias subsequentes.
Alludindo á revolução do Brazil, affirma s. exa. que ella teve para Portugal graves consequencias economicas o politicas, havendo até quem receiasse que os successos politicos d'aquelle antigo imperio se reflectissem entre nós.
Parecendo-me imprudente esta declaração, se pretendeu revelar-nos um perigo, tenho a no entanto por absolutamente irrisoria como pretexto para quaesquer actos de força, servindo apenas para firmar os sustos de algum debil, ou as cogitações de algum visionario.
Mas, disse ainda s. exa., o governo tinha necessidade de fazer perceber que tinha força (textual). Este fazer perceber, é realmente delicioso, sr. presidente. Não era mostrar, ora apenas fazer perceber. Ora, quando querendo fazer perceber, fez o que fez, o que succederia que se quizesse realmente mostrar! (Apoiados.)
E todavia, foi esta a origem, confessada por s. exa., dos decretos de 10 de fevereiro.
O governo foi em tudo tão escrupuloso, acrescenta s. exa., que ate decretou que as funcções da commissão de censura theatral fossem gratuitas. Já é! Chama-se a isto ser escrupuloso por conta alheia. Oxalá, conserve os mesmos melindres em tudo e para tudo, e nos crie d'ora ávante mais funccionarios sem vencimento, verdadeiros jejuadores de profissão.
E, voltando ás graves rasões, que obrigaram o governo a dissolver a camara municipal, rasões que variam conforme as cabeças dos oradores, achando até o sr. Gabriel de Freitas que a dissolução devia ter sido decretada em setembro do anno findo, profere gravemente o sr. Serpa as seguintes sibillinas e transcendentes explanações.
«A respeito da dissolução da camara municipal, devia dizer que tinha corrido a noticia de que aquella camara pretendia resistir pela força ao governo que se dizia, que a queria dissolver. A dissolução fora pois uma simples medida de ordem publica, que acabára de convencer o publico de que o governo tinha força para manter a ordem. Tudo isto e excessivamente, gracioso, sr. presidente.
Este - tinha corrido - pretendia-que se dizia - lembra-me aquelle successo grave e triste de um pobre quidam, que fôra preso pela policia por parecer querer tentar furar

Página 566

566 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

um bumbo, bumbo que, n'este caso, pavorosamente tetrico, seria o governo. (Apoiados. - Riso.)
E a nova edição governamental!
E aquelle acabára de convencer, e de uma tal ingenuidade politica, que me obriga a perguntar o que, se o tal convencimento não tivesse chegado ao seu ultimo limite, o que e que o governo faria ainda, para tentar lograr convencer de que se deviam persuadir da existencia da tal força os municipes ainda recalcitrantes.
Naturalmente enforcava alguns, para exemplo. (Apoiados. - Riso.)
Depois da pessoa do sr. Serpa não poderei deixar de me referir ao sr. Lopo Vaz, que ou muito estimo o que considero como uma das melhores glorias da politica portugueza, mas que, em algumas de suas asserções merece singular reparo.
Assim s. exa. diz que só em phylosophia as idéas se mantêem. Em politica as idéas mudam. Na historia politica ha milhares de contradicções, porque é preciso mudarem os processos de administração segundo as exigencias das circumstancias.
Não succederá exactamente o contrario do que s. exa. affirma?
Pois não é na phylosophia que os systemas mudam e se succedem? Não é nos homens politicos que a estabilidade de idéas se transforma, pelo contrario, em garantia partidaria e fundamento de processos de governo que definem os homens e os partidos?
Com similhante doutrina, tão perigosa como subversiva, alem de se tornar comprehensivel o comico sucesso da nomeação de Aristoteles ressuscitado para reitor da actual universidade de Coimbra, a que confusão não seriam levados todos os partidos com este opportunismo transformista que em vez da ordem, só nos daria o cahos! Fallando dos decretos de defeza, disse ainda s. exa. que esses decretos tinham tido a incontestavel vantagem de convencerem o espirito publico de que se tratava a serio da defeza do paiz, concorrendo, por isso, para a pacificação do mesmo espirito publico.
Na sua opinião a urgencia de quaesquer decretos dictatoriaes esta mais nas relações d'esses decretos com as circumstancias concumitantes da nação, do que na propria substancia d'elles.
Que deduzir d'estas doutrinas, sr. presidente? Pela sua philosophia politica, demasiadamente opportunista, flexivel e convencional, a coherencia, as doutrinas fundamentaes de um partido, a firmeza, de convicções, deixaram de ser compativeis com a genuina sciencia de bem governar.
Dando aos decretos dictatoriaes uma importancia, que elles não tinham nem podiam ter, suppõe s. exa. que elles concorreram para a pacificação do espirito publico.
As provas da inanidade d'esta asserção estão bem patentes nos factos da celebre noite de 11 de fevereiro.
Por fim declara s. exa., e a camara não estremeceu, que, nos decretos de dictadura, o que mais importava não era a substancia d'elles, mas sim a sua relação com os acontecimentos, que foram causa da dictadura! Serão talvez então melhor designados esses decretos, sr. presidente, pelo nome de decretos da poeira, destinada a cegarem os que procurassem perceber alguma cousa d'estes altos principios da politica ministerial.
Não adiantou mais nem melhor o sr. Pinheiro Chagas.
Segundo elle, esta foi de todas as dictaduras a mais opportuna e justificada.
Que o movimento patriotico nos impelha a todos para a guerra e que perante um desforço da Inglaterra, não lhe haviamos de cair aos pés pedindo perdão. Que, para evitar este horrivel desastre, se havia o governo posto a testa do movimento, para poder dizer a Inglaterra que, se Portugal tivesse de morrer, ao menos havia de morrer com honra.
Percebe v. exa. sr. presidente, quaes os recursos de que o governo lançaria mão, para assim transformar a prevista morte, mais que affrontosa, n'um glorioso suicidio? Eu desconheço-os profundamente, a não ser que o Dia do governo, contendo os terriveis decretos, fossem a nossa mortalha e a esta asphixia pelo papel, chame s. exa. morte gloriosa.
Admirou-se s. exa. de que o governo progressista não deixasse nas arcas do thesouro 20.000:000$000 réis, para a defeza do paiz. Não é em quatro annos que se reservam 20.000:000$000 réis para similhante despeza, sr. presidente, e sendo para admirar tambem que, para tal, nada houvesse sobejado de anteriores administrações, terei um novo e eloquente ensejo de mostrar a precipitação, direi mesmo leviandade, com que o actual governo, rio seu curto reinado, planeou os seus inuteis decretos de defesa e de todos os mais decretos dietatoriaes.
Digo reinado, porque o actual ministerio, pretendendo consubstanciar-se com o poder moderador, não tem feito mais do que alienar-lhe, injustamente e certo, varias adhesões e sympathias, pretendendo no emtanto distribuir-lhe uma boa dose da responsabilidade dos seus actos, como ainda outro dia fez n'esta camara o sr. Gabriel Freitas.
N'esta accusação ao recente ministerio progressista, resa o illustre relator do bill pelo codigo do sr. Franco Castello Branco, apesar de no seu relatorio, o nobre ministro da fazenda jogar as cristas com o discurso da corôa e sua respectiva resposta.
Foi assim que o governo, por intermedio do discurso da corôa, nos declarou, entre outras cousas, como e sabido, que as receitas crescem e o credito se mantem pela maneira mais satisfactoria, que se melhorarão varias fontes de receita, mas não se aggravara sensivelmente a situação do contribuinte, o que a camara applaudiu, repetiu, registou e approvou, embora, como já vimos, appellando para o auxilio da Divina Providencia.
Vem o sr. Franco Castello Branco e, em 14 do mez findo, a menos de um mez de distancia das primeiras declarações do governo e da camara, declara no seu relatorio de fazenda, que e preciso encarar a questão (financeira), com firmeza e inergia, bem convencidos todos da sua importancia superior e crescente difficuldade.
Sabe v. exa., sr. presidente, entender-se no meio destas contradições? Eu ainda menos.
A nuvem de empregados progressistas attribue o sr. Pinheiro Chagas o esgoto do erario publico.
Tal é a força de imaginação de s. exa. que ate, do funccionalismo fez, ad usum populi, uma especie de meteorologia.
Do sr. Luciano Monteiro apenas me recordo de uma phrase, mas esta perfeitamente nitida e caracteristica. Fallando dos immortaes principios, chamou-lhe s. exa. a insipida familia dos immortaes principios.
São esses immortaes principios, sr. presidente, que desejo ver espelhados no meu espirito, ao passar deste mundo-terrestre para o grande mundo cosmico, que se chama a natureza; são elles que constituem a minha vida moral, que me dão amparo e força nos meus desalentos, que me recompensam do meu ingrato lidar por ideaes infelizmente bem distantes, na sua realisação, d'este constante agitar de paixões mesquinhas, de interesses irritantes, de luctas pertinazes por conforto materiaes, que não valem um momento de uma consciencia tranquilla e pura.
E se, obrigado pela onda de materialismo, que vae alagando as mais diamantinas regiões do espirito, tiver de abdicar um dia, e de vez, todas estas minhas crenças, que são infantis para muitos espiritos correctos e pautados da politica portugueza, preferirei que, n'esse momento, o eterno repouso seja para mim, então, o supremo refugio de uma vida perdida, porque, ao termo de uma longa batalha tive de dar, por inuteis e irrisorias, as mais santas convicções, as crenças mais consoladoras, a fé no bem, o

Página 567

SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1890 567

respeito pela verdade, o culto pelo direito e pela justiça. (Vozes: - Muito bem).
A que epocha chegamos nós, sr. presidente, que os santos generosos e immortaes principios da justiça, do direito, do bem e da verdade, se denominam já a insipida familia dos immortaes principios!
Tal será o opportunismo na vida e na consciencia humana perante o actual positivismo que n'este periodo de decadencia psychica, se chame já a esse luminoso e complexo ideal; que é a força intima de toda a alma sã - a insipida familia aos immortaes principios!
Voltemos, porém, á dictadura.
Diz-se - dizem os actuaes ministros regeneradores - que estão doentes as finanças portuguezas.
Como explicar então, em vista da pobreza do thesouro, as despezas incondicionaes, a que o governo se comprometteu ha idéa de defender o paiz - não se sabe ao certo - em qual dos proximos annos?
Ha quem as calcule em 20000:000$000 réis. Dizem outros 60.000:000$000 réis, a fazer-se tudo quanto se annuncia. Mas 10.000:000$000 réis que sejam, como obter; sem grave sacrificio; a verba que os ha de entregar ao thesouro no curto praso em que se ha mister?
Serão os addicionaes? Os emprestimos? As subscripções publicas? Alguma subvenção annual? Como tudo isto é problematico e fallivel.
Por isso a dictadura, em vez de se fiar apenas da Divina Providencia, (Riso.) devia ter tambem pensado um pouco na industria e no trabalho indigena, dando-lhe, por medidas extraordinarias mas bem pensadas, a protecção de que carecem.
Nada fez, porém, n'este intuito o actual ministerio, e por isso lhe cabem pesadas responsabilidades que a seu tempo; serão esmiuçadas e debatidas.
E de quantas imprudencias loucas se não tornou culpado o governo! Foi feliz. Podia porem ter, elle proprio, suscitado uma revolução, promovido a guerra civil, abalado o throno e a liberdade, subvertendo as instituições e alterando profundamente a vida politica da sociedade portugueza.
Imagine-se por exemplo que, n'aquella triste e celebre noite de 11 de fevereiro, o gaz se apagava de subito pelo côrte ou pela obstrucção das canalisações respectivas ao largo de Camões e das confinantes?
Imaginem que um tiro de rewolver, disparado por um imprudente, por um medroso ou por um mal intencionado, alvoroçava a um tempo a multidão e a força publica?
Quem poderia evitar um conflicto e prevenir as suas terriveis e inevitaveis consequencias?
O povo portuguez é pacifico, mas ninguem ignora de que elle é capaz quando a colera o domina e um grande e heroico sentimento o captiva e impulsiona! (Apoiados.)
Não está ainda esquecida a indomita bravura dos juvenis soldados portuguezes, que tão gloriosamente ganharam a celebre batalha do Bussaco.
Conhecem-na bem de perto os inglezes e d'isso deram largos e conhecidos testemunhos.
Que faria pois o governo se, n'aquella noite memoravel, um facto inesperado viesse estabelecer no centro de Lisboa uma lucta fratricida, subvertendo em ondas de sangue o governo e o throno?
De quem se queixariam as victimas?
Quaes seriam, porventura, os vencedores!
Até um chimico francez, contratado pelo laboratorio das contribuições indirectas, foi parar ao Pimpão!
E se eu mesmo não fui empurrado até lá, não foi porque não fizesse para isso as precisas diligencias.
As diligencias, são um modo de dizer, pois me limitei a passear pelos sitios mais estrategicos da capital.
Isto bastava porém.
Por isso ao entrar no centro progressista, n'aquella memoravel noite, disse a alguns amigos, que lá encontrei, que retirava para casa aborrecido de mim, aborrecido do governo, aborrecido do paiz, aborrecido emfim de tudo que me, podesse trazer a lembrança as miserias porque estavamos passando á incerteza politica do desfecho de todas essas miserias, o abatimento do espirito publico portuguez e as velleidades de uma reação conservadora, que eu via crescer sobre o terreno esboroado da dignidade popular, como esses amarellados cogumellos, que vegetam na sombra dos bosques, ao abrigo do sol - que os mataria - carregados de insectos de venenos; filhos da escuridão em que prosperam.
Ninguem, sr. presidente, póde assistir de coração tranquillo a scenas como aquellas, que tão funebremente engrinaldaram a historia da memoravel noite e 11 do fevereiro.
Os mais pacificos sentiram impetos de resistencia e de lucta e se, no seu conjuncto, o povo de Lisboa teve a prudencia e o bom senso de evitar conflictos, que poderiam ser gravissimos, não foi por falta de provocações do governo nem de desafios brigões da força e da policia.
Deixemos, porem, este assumpto, para continuar com as explanações, a que me propuz.
Observando, sr. presidente, a fórma por que têem sido, n'esta casa, conduzidos os debates sobre o bill, não será difficil apurar de que lado estão os bons principios, o affecto pelas instituições, o amor pela liberdade, amor intransigente e justo e que é um dos dogmas do partido progressista.
E notando a frouxidão da defeza, comparae-a agora com a energia e com a logica do ataque.
A argumentação da minoria esta ainda de pé e, no emtanto, a discussão na generalidade está quasi a terminar!
O voto supprirá em breve a rasão e a força, do numero prevalecerá a justiça das arguições. (Apoiados.)
(Interrupção de um sr. deputado.)
Estou simplesmente affirmando um facto, que se me afigura incontestavel, sem que por, fórma alguma, queira censurar ninguem - individualmente. (Apoiados.)
O que é, porem, innegavel e que os argumentos, que teem sido apresentados pela opposição, têem ficado quasi todos de pé. Não duvido que uma ou outra critica tenha sido attenuada pelos illustres oradores ministeriaes; mas, no seu conjuncto, a argumentação contra a dictadura ficou intacta. (Apoiados.) E a prova do que affirmo hão de v. exas. tel-a. D'aqui a quatro annos, se eu tiver, ainda a honra de frequentar esta casa do parlamento, perguntarei a v. exas. pelos effeitos reaes da malsinada dictadura, a que v. exas. ligaram o seu nome. Veremos então o que d'ella ficou ou sobejou. É provavel que pouco tenha alastrado para fóra do Diario onde, depois de ter ali nascido, provavelmente se enterrara de vez. (Apoiados.)
Eu não gosto de fazer retaliações, porque mal conheço ainda, nas suas minucias, a nossa historia parlamentar. Quando mesmo, porém a conhecesse - para similhante processo de combate - não me serviria d'ella. Porque ha dez annos se fez uma cousa má, não é essa uma rasão para que ella se repita agora.
Não é attenuante o erro passado. É uma aggravante que, por isso, o torna menos desculpavel, augmentando o delicto.
Ouvi, porém, um illustre deputado, perguntar porque é que o partido progressista não tinha cuidado melhor da defeza e da organisação das forças vivas do nosso paiz.
Vamos de corrida, a essa destrinça, sr. presidente. Fallando-se nos anteriores ministerios progressistas, vejamos, desde 1870 ate hoje, que ministerios e ministros teem havido em Portugal!
Se ha espinhos na historia progressista, ha pregos e travões na historia regeneradora!
Em onze situações, havidas n'estes ultimos annos, os regeneradores governaram perto de doze e os progressistas menos de seis e, como ha estatisticas curiosas, quereis sa-

Página 568

568 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ber agora quantos ministros passaram pelas respectivas pastas, não deduzindo as accumulacões de nomes ou encontros de pastas? 187, se me não engano.
Com mais vinte annos e attendendo-se a que, com a emancipação por maioridade, póde já coincidir a investidura de uma pasta (theorias da transfusão apregoada pelo sr. Serpa), o total dos ministros havidos o por haver desde 1870 ate 1910 chegara, provavelmente, nas mesmas proporções e com o mesmo calculo, a 374! Consolem-se, portanto, todos os candidatos, com pressa ou furia de subir; ha logar para todos, mesmo para os mais insignificantes e obstruidos. Não ha necessidade de atropelos, de conspirações ou cotoveladas.
Todos havemos de passar por ali.
Todos, não digo bem, todos quantos quizerem guindar-se ate aquella Nossa Senhora do Monte da politica portugueza. (Riso.)
Examinando os decretos da dictadura e confrontando-os com as primeiras declarações do ministerio ou de sua responsabilidade constitucional, confrontando estes documentos com os documentos subsequentes, tal como, por exemplo, o relatorio do actual e digno ministro da fazenda o sr. Franco Castello Branco, não é difficil ver-se ainda que n'estes, como em outros pontos fundamentaes da politica do governo, as palavras e os actos do executivo vivem no mais singular antagonismo de contradicções e incoherencias!
Não ha nada que se não possa defender com mais ou menos argucia, durante alguns minutos pelo menos. Bem o sei. A logica, porém; é sempre a logica se não ha que fugir as suas implacaveis determinações.
Diz o sr. Franco Castello Branco, por exemplo, no documento a que alludo:
«Tambem me parece errada preoccupação o julgar que a questão de fazenda pode ser prompta e definitivamente resolvida.
«Só os esforços continuados e persistentes, subordinados a um mesmo pensamento de administração, de bastantes gerencias seguidas (menos de vinte e dois mezes em media por gerencia acrescento eu), podem levar a um estavel equilibrio orçamental.
«E, tambem, quando porfiada e tenazmente conseguido, rapidamente esta sujeito a desapparecer, já por motivos imprevistos e até irremediaveis, já pela quebra ou esquecimento da tradição e processos administrativos que o conseguiram.»
Diz ainda s. exa. no mesmo relatorio «que o natural e espontaneo incremento das receitas pode attenuar o deficit calculado, mas seria uma pura illusão que, com elle, se quizesse fazer equilibrio, ao deficit, mesmo quando este não fosse senão o do orçamento ordinario».
(Vede, sr. previdente, a contradicção entre este trecho e o allegado no discurso da corôa e sua respectiva resposta), e conclue por fim s. exa.:
«Por esta fórma e sem contar com o incremento ordinario ou outras verbas de receita, se formos parcos e moderados no despender, e licito esperar que o futuro exercicio de 1890-1891 se encerrara com um perfeito equilibrio entre as receitas e as despezas ordinarias do thesouro.»
Como se vê o sr. Franco Castello Branco concluiu o seu relatorio com melhores impressões do que aquellas com que o começara. Chega quasi a ser contradictorio dentro do mesmo documento.
No emtanto, para s. exa. e grave o estado da fazenda publica. Tenho para mim que não e tão grave como a s. exa. se afigura; affirmada, porém, e acceite esta gravidade, em que situação fica o governo com os seus decretos dictatoriaes, que tanto aggravam o estado da fazenda publica?
Porque se a nossa receita, com juizo e cautela, póde dar para a despeza e, para este desideratum, tanto contribuiu o ultimo ministerio progressista, o que é certo e que não ha recursos para satisfazer todas as loucuras financeiras dos decretos de dictadura, entre os quaes nenhum appareceu que favorecesse a agricultura e a industria nacional. Não fallo do decreto dos cereaes, que ponho agora de parte nas minhas considerações, por não ter de o considerar e ter até ficado esquecido no rol que precede o bill.
É certo, sr. presidente, que depois da França e Portugal o paiz mais endividado da Europa. Se a França deve por habitante, como fracção da sua divida publica, 152$000 réis approximadamente, Portugal deve mais de 124$000 réis, suppondo-lhe uma população, hoje, de 4.700:000 habitantes.
Só de juros de similhante divida, o que compete a cada portuguez, por anno, não anda muito longe de 4$500 réis. O chefe de uma familia de quatro pessoas deve perto de 500$000 réis.
A divida total portugueza em 25 de maio findo era, simplesmente, de 584.357:000$000 réis.
Os impostos pagos por cada portuguez, em media e em cada anno, representam somma não mui differente de 6$000 réis (impostos cobrados pelo estado) e com os impostos municipaes e outros a cifra não pode ser inferior, por habitante, a 12$000 réis; juntemos-lhe agora, pelo menos, 3$000 réis de acrescimos de preços, de que se e victima, por causa dos impostos e para arredondamento de contas nas compras por miudo, e aqui teremos nos 15$000 réis por cabeça ou sejam 60$000 réis por anno, para um chefe de familia de quatro pessoas. Suppondo-se, por exemplo, um operario com trezentos, dias de trabalho annual, vê-se que elle contribue para o estado e para o municipio com a despeza media, enorme e diaria de 200 réis, uma ou outra vez ajudados por proventos secundarios. Metade que seja já é demais, para quem mal ganha para o seu sustento.
Notae agora, sr. presidente, qual a divida publica de alguns catados da Europa.

Por habitante

Italia .... 68$400
Hespanha (1886) .... 64$440
Belgica (1887) .... 57$600
Allemanha (1887) .... 37$800
Russia (1887) .... 37$800
Suissa (1887) .... 1$980

Como remate direi que o nosso deficit, segundo o actual ministro da fazenda, para 1890-1891, e de 3.407:000$000 réis.
Não e lisonjeiro, portanto, o estado da fazenda publica em Portugal. Mais tarde veremos, porém, que está muito longe de ser sinistro. Façamo-nos agora nas palavras do governo, e tiremos d'ellas os corollarios respectivos para a apreciação da dictadura.

Cuidou a dictadura de desenvolver o commercio, a industria, a agricultura nacional?
Cuidou de crear e generalisar o credito industrial e agricola em estabelecimentos de credito apropriados? De proteger os productos da industria nacional preferindo-os, por exemplo, nas acquisições do estado? De defender a instrucção fabril e profissional?
Nada fez e, n'este campo da sua microscopica iniciativa, apenas creou o ministerio da instrucção publica, dando a luz, pela segunda vez, no curto espaço de poucas semanas, o sr. Arroyo, quasi que gemeo de si proprio!
Quaes as medidas, que realisou, desenvolvendo a nossa industria naval ? A navegação costeira continental e maritima? As nossas explorações mineiras?
Acaso pensou em novas industrias agricolas?
Nada, absolutamente nada. Tudo poeira, tudo fumo, tudo phantasmagoria! (Apoiados.)
E no emtanto e, mais que nunca, mister agora crear e promover a riqueza indigena; fazer portanto mais alguma cousa do que escanhoar o contribuinte.
Se Portugal deve muito ao estrangeiro, ninguem lhe do-

Página 569

SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1890 569

ve nada a elle, e o mesmo não succede ás outras nações. N'uma liquidação geral nós os portuguezes ficariamos quasi em roupas brancas, se nos não levassem a propria camisa.
Só o ultramar, em vinte annos, nos levou mais de 13.000 contos, e, nos ultimos annos, os contos teem para lá saido aos milhares. Só de 1885 a 1888 inclusive, o deficit total colonial foi do 4.612:000$000 réis!
Póde isto continuar?
Pois bem; ao fomento do trabalho nacional, que ficou no tinteiro da dictadura, apenas acodem agora com varias e precarias economias e, em desaccordo com o discurso da corôa, com o imposto dos addicionaes!
Triste systema desgoverno, que não póde ir alem d'este acanhadissimo plano! (Apoiados.)
O phylloxera invade, no emtanto, o paiz; a emigração não diminue, o commercio definha, o vinho vae estancando, com a sua diminuição, um dos melhores, senão o melhor elemento da nossa balança do commercio; as colheitas vão se tornando insufficientes, o trigo, é pouquissimo para as necessidades do reino; a instrucção deficiente; muitos os doutores, nasce-se politico e faz-se a primeira
dentição n'um qualquer ministerio; as pastas são laboratorios de experimentação politica, o bom senso a rara avis, e a sciencia governativa tantas vezes synonima de loucura, que mal sei se os doudos são os homens de juizo, ou se stes os doudos a valer.
Que digo porém; o governo tratou desde logo de explorar uma inexgotavel fonte de receita, cuja mina existe ha muito na vaidade humana. As mercês honorificas, que andavam pela media de quasi duas por dia, attingiram o dobro com este generoso governo. São perto de quinhentas as graças concedidas desde janeiro até hoje.
Até 22 de maio só titulos foram concedidos sessenta e um, conselheiros fabricados trinta e oito! São estes, sem: duvida os que hão de matar o deficit.
Ministros e condecorados eis o que toda a gente será em Portugal dentro de bem pouco tempo! Haverá então talvez levas de emigrantes de conselheiros d'estado honorarios, colonias agricolas de condes e marquezes. (Apoiados - Riso.)
Passemos a outro assumpto.
Viu v. exa. sr. presidente, o que o sr. Antonio de Serpa pensa a respeito da instrucção publica em Portugal, e da importancia economica, que ella ha de ter no futuro.
Creando em dictadura o respectivo ministerio, confesso, diz s. exa. que é apenas o principio, devendo ser successivamente desenvolvido á medida que o permittirem os recursos do paiz que a tantas outras necessidades de primeira, ordem têem de ser applicados.
Este primeiro passo, modesto mas essencial e que eu chamarei, á vista das condições que o acompanham, immodesto e dispensavel, não passa como se vê, de uma illusão, que custará alguns contos de réis por anno, e uma historia a mais nos registos da respectiva dictadura.
Sabeis no emtanto quanto gasta á França com instrucção, por habitante e por anno? 720 réis. Portugal não gasta mais de 260 réis approximadamente.
Emquanto em França a instrucção representa 5 por cento das despezas totaes do estado, é pouco mais de 2,5 por cento a proporção portugueza.
E esta falta de patriotismo da dictadura, que tão avara foi com a instrucção e tão silenciosa com o engrandecimento economico do paiz; é tanto mais censuravel, quanto é certo que o paiz quer progredir e prova-o eloquentemente com factos incontestaveis e bem patentes, nas estatisticas officiaes.
De 1870 a 1888 importámos 13.000:000$000 réis de ferramentas e machinas industriaes.
As materias primas que, em 1870, entraram no valor de 5.668:000$000 réis, em 1888 elevaram-se a 10.784:000$000 réis.
O carvão, que entrou por 954:000$000 réis em 1870, chegou a 1.873:000$000 réis (carvão de pedra), nó ultimo anno.
Não é pois a nossa situação geral tão má como a querem fazer. Eduque-se o paiz para o trabalho, fomente-se-lhe o estudo profissional, diminuam-se os doutores e amplie-se o quadro technico do seu pessoal fabril e vereis como a nação se levanta, esquecida da nossas politicas vasias e ruins, para medrar e prosperar nos campos e officinas. E cada vez que entro n'este thema da minha especial predilecção, não posso deixar de proferir o nome do sr. Emygdio Navarro, que eu considero, como um dos nossos homens d'estado mais valiosos, mais benemeritos, mais dignos do applauso do todo o paiz, pelo modo brilhante e arrojado porque tem procurado resolver o problema da nossa regeneração economica e social, pela fórma que eu julgo mais segura e mais efficaz. N'este ponto não teve s. exa. ainda verdadeiro competidor, e n'isso se cifra o seu maior, elogio, como estadista e como ministro. (Apoiados.)
A camara porém está cansada, sr. presidente e eu vou terminar. Antes porém de o fazer, permitta-me v. exa. umas brevissimas explanações, sobre a nossa politica colonial e internacional, politica que deu motivo á dictadura e nos está, n'este instante, angustiando com mil preocupações e dissabores.
Só ha uma cousa, sr. presidente, em que todos, maioria e opposição, estamos n'este momento de accordo, é na necessidade de sairmos com honra e acerto da grave situação, em que nos deixou, o ultimatum de 11 de janeiro. (Apoiados.) Não é insoluvel o problema, nem deve soffrer com elle o futuro do nosso paiz.
Se o direito da força prevalece ás vezes á força do direito, não é essa no emtanto a caracteristica da actual politica internacional, que permitte vida independente e respeitada á Belgica, á Suissa, á Dinamarca e a outras nações menos poderosas do que essas potencias auctoritarias e invasoras que como a Inglaterra, pretendem esbulhar-nos dos nossos direitos, roubando-nos territorios, negando-nos justiça e indignando a Europa inteira com a semceremonia das suas espoliações e abusos. (Vozes: - Muito bem.)
No emtanto, ninguem ignora que a Inglaterra, essa nação que pretende agora subjugar-nos com a sua força arrogante e prepotente, é a mesma nação que bombardeou Alexandria, abandonou Grordon e recebeu dos Estados Unidos, recambiado, em 1888, o seu embaixador; que aquelle estado, lhe devolvera, por se ter demasiado intromettido nas questões da politica presidencial. (Apoiados.)
A Inglaterra, porém, ao deixar cair a mão interesseira, ingrata e injusta sobre as faces d'este pequeno paiz, a quem o mundo deve uma boa parte da sua civilisação, encontrou logo, por um estranha compensação da justiça eterna, a poderosa e persistente rivalidade da Allemanha.
Emin-Pachá fugiu-lhe e talvez assistamos ainda ao desmoronar d'estes castellos de aço e de oiro, cimentados pelo odio e corroidos pelos clamores das victimas que andam acorrentadas pela historia áquelle povo interesseiro e brutal.
Fratricida na propria Irlanda como esperar-lhe justiça para com estranhos. Napoleão em Santa Helena é ainda o symbolo, perante a historia, da lealdade ingleza. (Apoiados.)
Que nos resta pois?
O estudo, a honra, e o trabalho! (Apoiados.) A fé que salva, a tenacidade que abala ou desfaz as montanhas.
Era-mos pequenos e descobrimos a India; pequenos seremos sempre pela nossa superficie europea e pelo numero de portuguezes quer lhe corresponde; mas assim como démos novos mundos á civilisação, podemos-nos associar hoje à ella, e com a extensão que nos cumpre, pelo trabalho e pelo estudo. (Apoiados.)

Página 570

570 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Pequena é a Belgica e é no emtanto a Belgica o primeiro povo commercial da Europa.
Se passou, para nós, o periodo das gloriosas aventuras, sobeja-nos o campo immenso da sciencia e do estudo. (Apoiados.)
Rasguemos e fecundemos, pois, os nossos campos, multipliquemos as nossas industrias, ampliemos as nossas escolas, façamos, da prosperidade da patria o emblema commum de todos os partidos e Portugal surgira ainda, glorioso e puro, atravez das sombras de agora. (Vozes: - Muito bem.) E a Europa inteira, essa Europa que nos ama e nos respeita, saudar-nos-ha de novo, por termos plena e santamente comprehendido os deveres, a que nos obrigam o nosso passado glorioso, a raça a que pertencemos, o nome immaculado do povo portuguez, povo que não teme a Inglaterra, como não teme a força despotica de nação alguma, resolvido como esta a morrer no seu posto, singella mas heroicamente, se o destino e a selvage na humana lhe tornarem impossivel o viver com honra e lhe negarem a independencia que jamais abdicará. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Seja, pois, a sciencia a nossa divisa do futuro, o trabalho será o segredo da nossa proxima regeneração, como a politica de ensino e de fomento ha de ser o melhor instrumento de guerra a oppormos ao ultimatum inglez, de que o futuro nos dará, creio-o do coração, inteira e brilhante desforra. Tenho dito. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
(O orador foi muito comprimentado.)
O sr. José de Azevedo: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida.
Resolveu-se affirmativamente.
O sr. Presidente: - Estão sobre a mesa nove moções de ordem, sendo tres de confiança, mandadas pelos ars. barão do Paço Vieira, Luciano Monteiro e Gabriel de Freitas, e seis de desconfiança, apresentadas pelos srs. Emygdio Navarro, Beirão, Fernando Palha, Carlos Lobo d'Avila, Elvino de Brito e José Julio Rodrigues.
Ha tambem duas moções, uma do sr. Manuel de Arriaga, que é uma substituição ao projecto, e outra do sr. Fuschini, convidando o governo a apresentar um projecto sobre responsabilidade ministerial.
A primeira moção a votar-se e a do sr. barão de Paço Vieira. Vae ler-se.
Leu-se a seguinte:

Moção

A camara, satisfeita com as explicações do governo, passa a ordem do dia. = Barão de Paço Vieira.

O sr. Emygdio Navarro: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara se quer votação nominal sobre a moção que acaba de ser lida.
Assim se resolveu.

Feita a chamada
Disseram approvo os srs.: Abilio Lobo, Adolpho Pimentel, Adriano da Silva Monteiro, Adriano de Sousa Cavalheiro, Alberto Pimentel, Serpa Pinto, Alvaro Possollo de Sonsa, Amandio Mota Veiga, Antonio da Silva Cardoso, Antonio Castello Branco, Fialho Machado, Jardim de Oliveira, Lopes Navarro, Antonio Maria Cardoso, Antonio Maria Jalles, Antonio Costa, Santos Viegas, Sergio de Castro, Aristides Moreira, Arthur Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Elmano da Cunha, Augusto Pimentel, Pereira Leite, Barão de Paço Vieira, Carlos du Bocage, Columbano Ribeiro de Castro, Conde ao Covo, Custodio e Almeida, Costa Moraes, Xavier da Cunha, Eduardo de Jesus Teixeira, Estevão de Oliveira, Eugenio Ribeiro de Castro, Freitas Branco, Vieira das Neves, Ferreira do Amaral, Figueiredo de Faria, Guilherme de Carvalho de Abreu, Jacinto Candido, João Alves Bebiano, Barros Mimoso, Silveira Figueiredo, João de Paiva, Pedroso de Lima, Sousa
Machado, Germano do Sequeira, Cardoso Pimentel, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Alpoim de Sousa Menezes, Ribeiro do Castro, José Castello Branco, Moraes Sarmento, Lobo do Amaral, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, José Maria Charters, Greenfield de Mello, Oliveira Peixoto, Pestana de Vasconcellos, José Maria dos Santos, Horta e Costa, Soares de Albergaria, José Victorino, Luna do Moura, Julio Cesar Cau da Costa, Luciano Cordeiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Virgilio Teixeira, Manuel d'Assumpção, Manuel Francisco Vargas, Aralla e Costa, Pinheiro Chagas, Pimenta de Castro, Vieira de Andrade, Marcellino Mesquita, Teixeira de Azevedo, Miguel Dantas, Antonio Teixeira de Sousa, Jose Joaquim Sousa Cavalheiro, Pedro Augusto de Carvalho.
Disseram rejeito os srs.: Albano de Mello, Mendes da Silva, Baptista de Sousa, Eduardo Villaça, Antonio Jose Ennes, Fuschini, Augusto Ribeiro, Bernardino Pinheiro, Eduardo Abreu, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Fernando Palha, Francisco Beirão, Francisco de Barros, Côrte Real, Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco Jose de Medeiros, Ressano Garcia, Casal Ribeiro, Ignacio Jose Franco, Cesario de Lacerda, Simões Ferreira, José Antonio de Almeida, Christovam Patrocinio, José Dias Ferreira, Ruivo Godinho, José Elias Garcia, Frederico Laranjo, Julio Rodrigues, Jose Maria d'Alpoim, Bandeira Coelho, Affonso Espregueira e Roberto Alves.

O sr. Presidente: - Disseram approvo 83 srs. deputados, e rejeito 35. Esta, portanto, approvada a moção do sr. Paço Vieira, e ficando por isso prejudicadas todas as outras, que significam confiança ou desconfiança.
Vae ler-se agora o projecto para ser votado na generalidade.
Leu se. É o seguinte:

Projecto de lei

Artigo 1.° É relevado o governo da responsabilidade em que incorreu, assumindo o exercicio de funcções legislativas.
§ unico. Continuarão em vigor, emquanto não forem por lei alteradas ou revogadas as providencias de natureza legislativa promulgadas pelo governo desde 10 de fevereiro inclusive, ate 5 de abril do corrente anno, incluindo tambem as promulgadas n'esta data.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Foi approvado na generalidade.

O sr. Presidente: - Pela approvação do projecto ficou prejudicada a substituição do sr. Arriaga.
Vae ler-se a moção do sr. Fuschini para se votar.
O sr. Fuschini: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer votação nominal sobre a minha moção.
Resolveu a camara negativamente.
O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção para se votar.
É a seguinte:

Moção

A camara, apreciando os graves inconvenientes que, para o regimento politico, economico e financeiro do paiz, têem provindo, e podem provir, da invasão das attribuições parlamentares, confia em que o poder executivo, com a maior urgencia, apresentára ao parlamento uma proposta de lei sobre responsabilidades dos ministros e funccionarios publicos, na qual, entre outros, sejam desenvolvidos os seguintes principios:
1.° Responsabilidade collectiva e individual, politica, civil e criminal dos ministros por usurpações das attribuições dos outros poderes do estado;
2.º Definição expressa dos casos urgentes e do interesse nacional, em que o poder executivo podo assumir, momentaneamente, as funcções legislativas. Fixação para estes

Página 571

SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1890 571

casos dos preceitos e prasos, segundo os quaes o parlamento, tem de ser convocado para apreciar os respectivos actos do poder executivo;
3.° Responsabilidade dos empregados publicos de todas as categorias pela obediencia a ordens do poder executivo, quando estas constituam violação das attribuições dos outros poderes do estado;
4.° Definição expressa de que a sancção parlamentar não elimina a responsabilidade civil e criminal dos ministros e funccionarios publicos, salvo nos casos previstos no n.° 2.°, quando forem respeitados todos os preceitos e prasos, que são a garantia das prerogativas parlamentares;
5.° Organisação de tribunaes, independentes de qualquer acção politica, para o julgamento das responsabilidades dos ministros e funccionarios; regulamentação da fórma de processo e penalidades especiaes:
E passa á ordem do dia.

O sr. Francisco Beirão (sobre o modo de votar): - Em meu nome e no dos meus amigos politicos tenho a declarar que se approvamos a proposta apresentada pelo sr. Fuschini, e apenas porque reconhecemos a necessidade de uma lei sobre responsabilidade ministerial, cuja iniciativa o nosso partido, em tempo, tomou, mas sem que essa approvação queira dizer que estamos de accordo com todas as disposições e fundamentos da mesma proposta.
Foi rejeitada a moção do sr. Fuschini.
O sr. Eduardo Abreu: - Peço a v. exa. o obsequio de declarar os nomes dos srs. deputados que estavam inscriptos.
O sr. Presidente: - Estavam inscriptos, contra o projecto, os srs. Baptista de Sousa, José Elias Garcia, Eduardo Abreu, Guerra Junqueiro, Latino Coelho, Alfredo Brandão, Eduardo Coelho e Francisco Medeiros; e a favor o sr. Virgilio Teixeira.
O sr. Eduardo Abreu: - Desejo tambem saber se essa inscripção se mantem para a discussão da especialidade.
O sr. Presidente: - V. exa. tem a resposta no regimento. Esta inscripção caducou com a votação do projecto na generalidade.
Tem a palavra o sr. Serpa Tinto, que a tinha pedido para antes, de se encerrar a sessão.
O sr. Serpa Pinto: - Vi hoje em um dos jornaes mais lidos da capital, sem politica de qualidade alguma, o Diario do noticias, um artigo noticioso sobre os trabalhos para a reorganisação do exercito, e que seria de grande importancia, se houvesse exactidão no que se diz n'elle. Eu não acredito na veracidade d'essa noticia, e não acredito por me parecer que o publico, ou um jornal qualquer, não pode ter conhecimento exacto do que se passa numa commissão especial que não apresentou ainda os seus trabalhos. Em todo o caso, se houve indiscrição e quer o jornal dissesse ou não verdade, vejo-me obrigado a perguntar ao sr. ministro da guerra se e certo que na nova organisação do exercito as armas de infanteria e cavallaria são prejudicadas, diminuindo-se alguns elementos dos quadros que compõem essas armas.
Aguardo a resposta de s. exa.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Ministro da Guerra (Antonio de Serpa): - Eu não li esse artigo, mas já me fallaram n'elle. O que posso dizer ao illustre deputado é que o projecto da reorganisação do exercito está incumbido a uma commissão importante, em que entram os homens mais intelligentes e conhecedores dos assumptos militares, e que é presidida pelo sr. general João Chrysostomo de Abreu e Sousa.
Essa commissão elegeu uma subcommissão para formular o projecto, que ha de ser o texto da discussão. Consta-me que esse projecto é a unica cousa que está feita; nada mais; e depois de ser discutido na commissão será mandado ao governo, que, pela sua parte, ha de ouvir as informações das auctoridades competentes?
Eu li esse projecto muito por alto, mas posso, declarar ao illustre deputado que, na reorganisação do exercito, estou resolvido a não prejudicar de modo algum nenhuma das armas a que s. exa. se referiu - infanteria e cavallaria - nem nenhuma das outras.
Estou persuadido que, sem grande augmento de despeza, e, antes pelo contrario com muito pequeno augmento, o governo ha de poder attender não só as necessidades da reorganisação do exercito, como tambem ás conveniencias de uma classe tão importante como é a dos officiaes, tanto superiores como inferiores, a classe dos sargentos, que e importantissima. (Apoiados.) E tambem não deixarão de ser attendidos os soldados que, se de alguma maneira podem ser prejudicados pelo augmento dos contingentes annuaes; por outro lado vão ser beneficiados pela diminuição do tempo do serviço.
São estas as idéas em que está o governo independentemente do projecto que ha de ainda ser discutido, porque e por assim dizer o que ha de servir de base para a discussão, e donde ha de sair a resolução do governo.
É quanto posso informar em relação a pergunta do illustre deputado.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Serpa Pinto: - Agradeço muito a resposta do sr. ministro.
O sr. Alberto Pimentel: - Eu tinha pedido a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro da fazenda.
Não vejo presente s. exa., mas está presente o sr. presidente do conselho de ministros.
V. exa. dá-me a palavra?
O sr. Presidente: - A hora esta muito adiantada e o illustre deputado sabe que foi prorogada a sessão.
Parece-me melhor que s. exa. reserve para segunda feira as considerações que tiver a fazer. (Apoiados.)
A ordem do dia para segunda feira é a continuação da vinha para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram sete horas e dez minutos da tarde.

O redactor = S. Rego.

Página 572

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×