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SESSÃO DE 24 DE MAIO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José liaria, Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Dois officios do ministerio do reino e dois do ministerio da fazenda, acompanhando diversos documentos requeridos por alguns srs. deputados. - Representações inundadas para a mesa pelos srs. Jacinto Cândido e Laranjo.- Requerimentos de interesse publico e outros de interesse particular apresentados, os primeiros poios srs. Avellar Machado e os segundos pelos srs. Franco Caetello Branco, Antonio Sarmento, Julio Pires e Frederico Laranjo.- Justificações de faltas dos srs. Castro Monteiro, Sousa e Silva, Oliveira Valle, Jalles e Abreu e Sousa. - Mandam para a mesa projectos de lei os srs. Laranjo, Barbosa de Magalhães e Sousa e Silva. - O sr. D. José de Saldanha dirige algumas perguntas ao governo. Responde lhe o sr. ministro da fazenda. - Trocam explicações os srs. Avellar Machado e ministro das obras publicas.- O sr. Figueiredo Mascarenhas chama a attenção do governo para o atrazo em que se acha a construcção do caminho de ferro do sul. Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas.
Na ordem do dia continua a discussão do projecto de lei n.º 98 (construcção de estradas) e, usa em primeiro logar da palavra o sr. Oliveira Martins, que termina o seu discurso, começado na sessão anterior, em favor do projecto. - Segue se o sr. Arouca, que combate o projecto, e apresenta uma moção de ordem. Responde-lhe o sr. ministro da fazenda, que fica com a palavra reservada. - E approvada uma proposta do sr. ministro do reino, para que possa accumular as funcções legislativas com as do emprego que exerce em Lisboa o sr. Victor dos Santos. - Manda para a mesa uma proposta de lei o sr. ministro dos negocios estrangeiros. - O sr. Albano de Mello apresenta o parecer da commissão de legislação criminal sobre o processo do sr. Ferreira de Almeida. - O sr. Castro Matoso manda para a mesa uma proposta para aggregação de dois srs. deputados á commissão de legislação criminal. É approvada. - O sr. Consiglieri Pedroso pretende que o processo seja impresso juntamente com o projecto, e assim se resolveu a requerimento do sr. Francisco Machado.

Abertura da sessão - Ás duas horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada 63 srs. deputados. São os seguintes: - Albano de Mello, Alfredo Pereira, Antonio Castello Branco, Campos Valdez, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Simões dos Reis, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Bernardo Machado, Conde de Villa Real, Eduardo José Coelho, Emygdio Julio Navarro, Madeira. Pinto, Feliciano Teixeira, Freitas Branco, Francisco de Barros, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Sá Nogueira, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Pires Villar, Santiago Gouveia, Menezes Parreira, Vieira do Castro, Teixeira de Vasconcellos, Correia Leal, Joaquim da Veiga, Oliveira Martins, Amorim Novaes; Alves de Moura, Avellar Machado, José Castello Branco, Pereira e Matos. Abreu Castello Branco, Laranjo, José de Napoles, Alpoim, José Maria de Andrade, Oliveira Matos. Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Santos Reis,, Julio Graça, Julio Pires, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Marcai Pacheco, Miguel da Silveira, Vicente Monteiro, Estrella Braga, Visconde de Monsaraz, Visconde de Silves e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Serpa Pinto, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Antonio Centeno, Ribeiro Ferreira, Antonio da Fonseca, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho. Maz-ziotti, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho, Hintze Ribeiro, Augusto Fuschini, Victor dos Santos, Lobo d'Avila, Eduardo de Abreu, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Matoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Firmino Lopes, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Matoso, Lucena e Faro, Severino de Avellar, Frederico ! Arouca, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Baima de Bastos, Scarnichia, Franco de Castello Branco, Izidro dos Reis, João Arroyo, Rodrigues dos Santos, Sousa Machado, Silva Cordeiro, Oliveira Valle, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, Ferreira Galvão, Barbosa Collen, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Guilherme Pacheco, Barbosa de Magalhães, Simões Dias, Abreu e Sousa, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Manuel dAssumpção, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Pedro Victor, Tito de Carvalho e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os srs.: - Alfredo Brandão, Urbano de Castro, Conde de Castello de Paiva, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Francisco Ravasco, Soares de Moura, João Pina, Cardoso Valente, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Alves Matheus, Simões Ferreira, Ferreira de Almeida, Vasconcellos Gusmão, Ferreira Freire, José Maria dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Mancellos Ferraz, Vieira, Lisboa, Pedro Diniz, Dantas Baracho e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio do reino, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Consiglieri Pedroso, copias dos diplomas pelos quaes foram nomeados pares do reino os srs. presidente do conselho de ministros e ministro dos negocios estrangeiros.
Á secretaria.

2.° Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Avellar Machado, copia da acta da sessão de 19 de marco ultimo da camara municipal de Santarém.
Á secretaria.

3.° Do ministerio da fazenda, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado visconde de Silves, copia da nota de despeza feita com os melhoramentos da barra e porto de Villa Nova de Famalicão e canalisação da na de Silves.
Á secretaria.

4.° Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Oliveira Valle; copia do officio do conselheiro procurador geral da corôa e fazenda n.° 06 de 26 de junho de 1884.
Á secretaria.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Do districto de Angra do Heroismo, pedindo que não seja decretada a igualdade da moeda para os districtos dos Açores.
Apresentada pelo sr. deputado Jacinto Candido, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

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2.ª Do districto de Angra do Heroismo, pedindo a elevação dos direitos dos cereaes estrangeiros.
Apresentada pelo sr. deputado Jacinto Cândido, enviada ás commissões de agricultura e de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

3.ª Da camara municipal do concelho de Campo Maior, pedindo para retirar do fundo de viação municipal a quantia de 6:000$000 réis, para reparação dos paços do concelho, para concerto do relogio publico, dos carros que conduzem agua para abastecimento da villa, e das calçadas da mesma.
Apresentada pelo sr. deputado Laranja, devendo ter destino igual ao de um projecto de lei do mesmo sr. deputado e que ficou para segunda leitura.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada com urgencia a esta camara a copia do compromisso da misericordia de Mação. = Avellar Machado, deputado por Abrantes.

2.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja enviada com urgencia a esta camara a copia da acta da sessão do conselho do instituto industrial e commercial de Lisboa, de 12 de marco de 1887. = Avellar Machado, deputado da nação.

3.° Requeiro que, pelos ministerios do reino, das obras publicas e da fazenda, seja mandada a esta camara com urgencia copia de qualquer correspondencia dirigida áquelles ministerios pelo actual governador civil do districto do Funchal, relativa ao estado economico do mesmo districto, e muito especialmente aquella em que o mesmo magistrado solicita quaesquer providencias ou melhoramentos tendentes a remediar os inales que ali agora existem. = O deputado pela Madeira, Manual José Vieira.

Mandaram-se expedir.

REQUERIMENTOS BE INTERESSE PARTICULAR

1.° Dós engenheiros civis Antonio Franco Frazão, João Emygdio da Silva Dias e João Theophilo da Costa Goes e do conductor de 3.ª classe Estevão Eduardo Augusto de Parada e Silva Leitão, reclamando contra a classificação do pessoal technico do ministerio das obras publicas, decretada em 28 de outubro de 1886.
Apresentados pelo sr. deputado Franco Castello Branca e enviados á commissão de obras publicas.

2.° Dos conductores de 3.ª classe do corpo de engenheiros de obras publicas, Manuel Fortunato de Oliveira Mota, Julio Leopoldo Rosa, Jeronymo de Lima Paes de Sande e Castro, José Maria de Sousa Lobo, Julio Eugenio Cesar Garcia, Joaquim Apolinario da Costa Neves, Joaquim da Silva Queiroz, Pedro Maria Ferraz de Lima, Antonio Carlos Alberto da Silva, José Joaquim da Silva, Joaquim Ernesto de Matos Monteiro e Augusto Anthero da Silva, pedindo que seja modificado o artigo 61.° da organisação dos serviços technicos de obras publicas, assim como seja supprimido o § 2.° do artigo 60.º da mesma organisação.
Apresentados pelo sr. deputado Antonio Sarmento e enviados á commissão de obras publicas.

3.° Dos officiaes de marinha Carlos Maria Pereira Vianna, Julio José Marques da Costa, Jeronymo Emiliano Lopes Banhos, Adolpho Augusto Nandin de Carvalho e João Augusto Botto, pedindo para sor determinado por lei que os officiaes da armada, emquanto desempenharem as funcções de capitães de portos nas provincias ultramarinas, são sejam contados no respectivo quadro.
Apresentados pelo sr. deputado Julio José Peres e enviados á commissão de marinha.

4.º Dos primeiros sargentos do regimento do infanteria n.º 4, pedindo a revogação do artigo 184.° da ultima reorganisação do exercito, decretada em 30 de outubro de 1884 e substituindo por outro com doutrina igual ao n.° 312.° e seus §§ do regulamento geral para o serviço dos corpos do exercito, de 21 de novembro de 1866.
Apresentados pelo sr. deputado José Frederico Laranjo e enviadas á commissão de guerra.

5.º Dos conductores ao serviço no ministerio das obras publicas, nos estudos dos caminhos de ferro, Joaquim de Abreu Guerra, José Manuel de Carvalho Noronha, José Luiz da Costa Affonso, Antonio Augusto de Figueiredo, Francisco Pinto de Castro e Manuel Walter da Fonseca Vasconcellos, pedindo para serem incluidos no quadro dos conductores em decreto complementar com a classificação correspondente á commissão de serviço que desempenham.
Apresentados pelo sr. deputado Antonio Sarmento e enviados á commissão de obras publicas.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Participo que faltei por motivo justificado á sessão de 14 do corrente. = Castro Monteiro.

2.ª Participo que faltei ás sessões do 20, 21 e 23 por motivo justificado. = Mazziotti.

3.ª Participo a v. exa. e á camara, que por motivo justificado não me foi possivel comparecer às sessões de 20 e 21 do corrente. = Sousa e Silva.

4.ª Declaro que faltei ás sessões de 21 e 23 do corrente por motivo justificado. = Dr. Oliveira Valle.

5.ª Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara, que por motivo justificado não me foi possivel comparecer ás sessões de 14, 17 e 23 do corrente. = Antonio Maria Jalles.

6.ª Declaro que faltei á sessão de hontem, 23 do corrente, por motivo justificado. = Julio Carlos de Abreu e Sousa, deputado pelo circulo n.° 22.
Para a secretaria.

O sr. Laranjo: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Campo Maior, pedindo para desviar do cofre de viação a quantia de 6:000$000 réis para diversas obras.
Mando tambem para a mesa um projecto de lei relativo ao mesmo assumpto.
(Leu.)
Mando finalmente uns requerimentos de alguns primeiros sargentos de infantaria 4, em que pedem revogação do artigo 184.° da ultima reorganisação do exercito, sendo substituido por outro que contenha doutrina igual á do artigo 312.° e seus §§ do regulamento geral para o serviço dos corpos do exercito de 21 de novembro de 1800.
Creio que suo boas as rasões que se adduzem n'estes requerimentos e por isso espero que a illustre commissão os considere.
V. exa. se servirá dar-lhes o destino conveniente.
O projecto ficou para segunda leitura.
A representação e os requerimentos tiveram o destino indicado a pag. 778.
O sr. Julio Pires: - Mando para a mesa cinco requerimentos de officiaes da armada. Não os pude mandar hontem, como desejava, porque não me coube a palavra antes da ordem do dia.
Os signatarios solicitam com todo o respeito uma disposição de lei, em virtude da qual os officiaes em commissão,

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como os capitães dos portos do ultramar, não sejam contados nos respectivos quadros.
Foi mui gostosamente que eu acceitei o encargo de apresentar estes requerimentos á camara, porque, alem de professar a maior consideração pela marinha de guerra portugueza, que tantos serviços tem prestado ao paiz, honro-me com a amisade pessoal de muitos officiaes da armada.
Sr. presidente, sinto não ter competencia e auctoridade para fazer algumas considerações, que podessem actuar no animo da commissão e da camara em sentido favoravel ao pedido dos signatarios; limito-me, por isso, a dizer simplesmente que acho boas, justas e bem fundamentadas as rasões que elles allegam.
As commissões de serviço a que alludem os requerimentos só são exercidas em virtude de requisição e nomeação da direcção geral do ultramar, e os officiaes que as desempenham recebem os seus vencimentos pelo cofre e orçamento das provincias ultramarinas, ficando, durante o periodo da commissão, absolutamente independentes dos seus superiores da armada.
Esta circunstancia é sufficiente, a meu ver, para se reconhecer quanto é justo que esses officiaes saiam do quadro, facilitando assim as promoções, que são raras e difficeis.
A lei de 1863, que regula a situação dos officiaes da armada, não é clara nem positiva a este respeito, e é por isso mesmo que elles requerem a este alto poder de estado no sentido que já indiquei.
Não ha necessidade de augmentar os quadros nem de alterar as verbas orçamentaes; basta simplesmente preceituar o que se fez em 1883 com relação aos officiaes que foram exercer os logares de consules.
Creio que estes requerimentos serão submettidos ao exame e apreciação da commissão de marinha e por isso peço aos seus illustres membros que lhes prestem a merecida consideração, como a peço igualmente ao nobre ministro da marinha.
Os requerimentos tiveram o destino indicado a pag. 778.
O sr. Moraes Sarmento: - Mando para a mesa doze requerimentos de conductores de 3.ª classe, que pedem lhes seja applicavel o disposto para os conductores de 1.ª e 2.ª classe, no artigo 61.° do decreto de 24 de julho de 1886, que organisou os serviços technicos de obras publicas.
Diz o artigo 61.° que os conductores de 1.ª classe, ou os de 2.a, que subsidiariamente e por despacho do ministro, desempenharem as funcções, que competem aos de 1.ª, em estudos e construcção de caminhos de ferro, ou em obras hydraulicas de grande importancia, perceberão, em vez da gratificação da respectiva classe, a gratificação mensal de 30$000 réis.
Allegam os requerentes que, estando empregados em estudos de caminhos de ferro e em obras hydraulicas de grande importância, e sendo obrigados ao mesmo trabalho, ás mesmas despezas e a terem as mesmas habilitações technicas, que os seus collegas de 1.ª e 2.ª classe incumbidos d'esses serviços, lhes é apenas abonada a gratificação de classe, que sommada com o vencimento perfaz a minguada quantia de 300$000 réis mensaes; emquanto que os outros conductores, exercendo funcções perfeitamente identicas, percebem: os de 1.ª classe 60$000 réis e os de 2.ª 55$000 réis; isto é, que, em iguaes serviços e condições, recebem os conductores de 3.ª classe metade dos vencimentos dos de 1.ª e 2.ª classe!
Parece-me este pedido de todo o ponto digno de ser attendido.
Mando tambem para a mesa seis requerimentos de conductores, que pedem para serem incluidos no quadro do pessoal do ministerio das obras publicas, por estarem ao abrigo do § 6.° do artigo 102.° do citado decreto que manda incluir na classificação todos os individuos, que na occasião estivessem desempenhando, no ministerio das obras publicas, funcções analogas ás fixadas para os quadros então estabelecidos.
Os requerimentos tiveram o destino indicado a pag. 778.
O sr. Franco Castello Branco: - Mando para a mesa os requerimentos de quatro engenheiros, contra a organisação dos serviços technicos do ministerio das obras publicas e contra as classificações feitas n'essa mesma organisação.
Tiveram o destino indicado a pag. 777.
O sr. Barbosa de Magalhães: - Marido para a mesa um projecto de lei sobre divisão das assembléas eleitoraes do circulo de Ovar. Cumprindo as disposições do regimento, vou lel-o.
(Leu.)
Abstenho me de fazer, por agora, quaesquer considerações ácerca d'este projecto, porque as rasões de conveniencia publica que o justificam vão largamente desenvolvidas no relatorio que o precede.
Espero que a illustrada commissão ha de considerar devidamente essas rasões; mas reservo-me o direito, e promptifico-me a cumprir o dever de opportunamente, as comprovar e esclarecer com todos os documentos necessarios. O que eu posso desde já affirmar é que a divisão actual, não tendo sido modificada em 1885 pela commissão recenseadora, como aliás lhe cumpria fazer, em vista da ultima reforma da legislação eleitoral, é contraria a todas as condições das leis e da commodidade dos povos.
Este não é dos assumptos que se podem considerar de puro interesse local, pois se refere ao exercicio dos direitos de suffragio, que a todo o paiz interessa que sejam bem exercidos.
O projecto ficou para segunda leitura.
O sr. Jacinto Nunes: - Pedi a palavra para mandar para a mesa umas representações, que recebi, pelo ultimo paquete, do districto central dos Açores, e não quero envial-as sem as acompanhar de algumas considerações, que pretendo submetter á douta apreciação de v. exa., da camara e especialmente dos srs. ministros das obras publicas e da fazenda, a cujos ministerios respeitam os assumptos de que estas representações se occupam.
A primeira ré fere-se á questão cerealifera dos Açores e á crise agricola, que ultimamente se tem manifestado de uma maneira muito intensa, e a outra é relativa á questão monetaria, ácerca da qual têem sido já enviadas a esta camara diversas representações dos Açores.
Como, porém, os srs. ministros não estão presentes, e estes assumptos dizem mais directamente respeito ao governo, e devem ser tratados mais largamente, reservo-me para noutra occasião usar da palavra em abono das justas pretensões dos povos d'aquellas ilhas, de que tenho a honra de ser um dos representantes n'esta casa.
Peço a v. exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que estas representações sejam publicadas no Diario do governo, e como já existem n'esta casa do parlamento outras petições d'aquelles povos sobre os mesmos assumptos, pedia para que fossem enviadas juntamente com estas, que apresento agora, ás respectivas commissões de fazenda e de administração a fim de serem tomadas na conta que merecem e devidamente consideradas.
Tiveram o destino indicado a pag. 777; e consultada a camara, resolveu-se que fossem publicadas no Diario do governo.
O sr. D. José de Saldanha: - Sr. presidente, pedi a palavra para chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, que agora representa o governo, para alguns assumptos, que passo a indicar.
Em primeiro logar, direi a s. exa. que ha um conductor de 3.ª classe, de obras publicas, chamado Francisco de Paula Santos Rodrigues, que em 5 de julho de 1881, quando pertencia ás obras publicas do districto de Beja, foi por ordem do respectivo ministro apresentar-se á sociedade de geographia de Lisboa, a fim de como condu-

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ctor, acompanhar a expedição scientiiica então projectada á serra da Estrella pela mesma sociedade.
A guia, com que esse conductor saíu do seu districto, estava assignada, segundo me informaram, pelo sr. director geral Joaquim Simões Margiochi.
Por essa occasião foram tambem destacados para o serviço da mesma expedição empregados das obras publicas do districto da Guarda, aos quaes, não tendo saído do seu districto e não tendo por isso sido talvez obrigados a despezas tão grandes como aquellas, a que teve de satisfazer o outro empregado, a que me refiro, foram, segundo me affirmaram, abonadas gratificações extraordinarias, alem das bagageiras e ajudas de custo, que por lei lhes pertenciam.
Ao conductor, Francisco de Paula Santos Rodrigues, que esteve ao serviço da expedição durante cinco mezes (julho a fins de novembro) foi unicamente pago o seu vencimento de 600 réis diarios!
Nos termos das portarias de 28 de agosto de 1866 e de 27 de setembro de 1867, requereu o sr. Santos Rodrigues que lhe fosse abonada a ajuda de custo, relativa a esses cinco mezes e que por essas portarias é concedida aos apontadores de 1.ª classe e conductores auxiliaras, quando em serviço pernoitem fóra da séde da sua residencia official, allegando tambem que até prescindiria do pagamento da bagageira, que por lei lhe devia ser igualmente abonada. Essa pretensão, esse pedido não tem sido deferido, e em consequencia d'isto, e por ter eu conhecimento do facto, julguei do meu dever chamar a attenção do nobre ministro das obras publicas para este assumpto.
Estou convencido de que s. exa. não ha de querer, como nós não queremos, que a um empregado, que prestou bons serviço?, se, não pague aquillo que lhe é devido. Tambem chamo a attenção de s. exa. para um outro assumpto, embora não esteja dependente do ministerio a sou cargo; e espero que s. exa. me coadjuve na pretensão que vou apresentar.
Quando ultimamente, em marco do anno corrente, foram consultadas, officialmente e por determinação superior, algumas corporações e associações com respeito aos trabalhos, ía proceder no conselho superior das alfandegas para a proposta de lei de reforma das pautas, foram por esse conselho expedidas varias circulares, uma das quaes dirigida á real associação central da agricultura portugueza.
Esta associação, procurando corresponder ao convite que lhe fôra feito, apontou os alvitres que entendeu deviam ser adoptados com relação á futura pauta, e ponderou que seria conveniente estar a associação representada nas discussões que houvesse no conselho superior das alfandegas, sobre o assumpto que estava pendente.
Para essa ponderação, ou pedido, teve duas rasões.
A primeira, porque em tempos passados essa associação tinha sido accusada de não ter correspondido ao convite que lhe fôra feito; em circumstancias analogas, e até accusada de não se ter feito representar por pessoa devidamente auctorisada a tomar parte nos respectivos debates, quando á verdade é que esse; convite não fora recebido na séde da associação.
A segunda, porque essa associação entendia, como ainda que teria sido da maxima conveniencia para os trabalhos preliminares da proposta de lei n.º 4, apresentada n'esta camara em sessão de 13 de abril ultimo, que, na discussão havida na estação superior, fosse ouvida a voz de um delegado da mesma associação, para defender e sustentar os alvitres d'esta.
Peço, pois, ao sr. ministro das obras publicas que conferencie com o seu collega da fazenda, e procure saber qual a rasão porque o pedido da real associação central da agricultura portugueza não foi attendido, quando esta associação, correspondendo ao convite que lhe foi dirigido, respondeu á circular do conselho superior das alfandegas e ponderou que seria conveniente que ás discussões, que sobre a futura pauta houvesse n'esse conselho, estivesse presente um seu representante ou delegado.
Com relação ao que hontem aqui se disse com respeito á crise agricola, entendo que não é agora occasião propria para levantar esta questão, mas tambem entendo que, sempre que é avançada no parlamento uma proposição qualquer, que póde actuar no espirito publico, cumpre a quem a não partilha, ou a quem defende a idéa contraria, expor, sem demora, quando possa ser, o seu modo de pensar.
Disse o sr. ministro das obras publicas, na sessão de hontem. que, ao passo que se tem alargado a cultura do milho no paiz tem diminuido o seu consumo na alimentação publica, dando-se tambem o facto de que tem augmentado o gasto do pão de trigo.
Ora eu ouso affirmar que, se isto é um facto, é de certo um facto só para lamentar, e baseio esta minha apreciação em muito boas auctoridades, e entre ellas a do sr. conselheiro João Ignacio Ferreira Lapa, o qual, referindo-se ao milho, como substancia alimentar, declarou que o milho é um optimo alimento, que contém substancias alimentares mais que sufficientes para a alimentação diaria de um homem de trabalho, e que nem se podia explicar de outro modo serem as nossas classes operarias do campo robustas e pelo geral corpulentas.
D'aqui resulta estar eu longe de considerar a generalisação do gasto do pão do trigo, que se encontra hoje geralmente á venda, como um beneficio para o paiz, e a rasão é simples.
Com a maior facilidade em transportar os cereaes estrangeiros, e as farinhas com elles obtidas, aos differentes pontos do paiz, não só diminue o consumo do pão de milho, cedendo o logar ao pão preparado com cereaes estrangeiros, mas tambem diminue a cultura nacional do trigo, a qual deveria augmentar com a generalisação do gasto do pão de trigo. Com effeito, para que os cereaes nacionaes se produzam, é indispensavel que encontrem um preço remunerador na venda, pois só assim poderão competir com os cereaes estrangeiros.
Logo que os cereaes nacionaes não podem entrar no mercado interno em concorrencia com os cereaes estrangeiros, a sua cultura ha de diminuir forçosamente.
Sr. presidente, eu não desejo cansar a attenção da camara, não entrarei em promenores, mas lembrarei ao sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, que s. exa., hontem, na resposta que deu ao sr. deputado José Alves Pimenta de Avellar Machado, sobre a crise agricola, empregou algumas palavras que poderiam levar a crer que s. exa. é desfavoravel á cultura nacional, e determinadamente quando citou a phrase de um ex-ministro da agricultura em França.
Na mesma ordem de idéas que eu sustento, eu direi mais a s. exa. que os homens que se encontram num meio um pouco differente d'aquelle em que vivem os homens que toem, como me succede, de luctar com a terra para a fazer produzir, devem fallar com todo o cuidado, para que as suas palavras não sejam contrarias às suas intenções, e que devem sempre procurar evitar que essas palavras, as asserções que avançam, se prestem a más interpretações, principalmente quando os lavradores estão constantemente, assim como as camaras municipaes, enviando representações ao parlamento, pedindo providencias para a crise agricola que está atravessando o paiz.
É indispensavel que todos estejam certos de que s. exa. liga a maxima importancia á crise agricola, e trabalha, com os seus collegas, para a vencer.
Estou certo que as palavras de s. exa., interpretadas como alguem as tem querido interpretar, não estão de accordo com as intenções de s. exa. e do governo.
Por ultimo chamarei a attenção do governo para um facto que hoje me foi referido, antes de me dirigir a esta casa, e que me levou principalmente a pedir a palavra.

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No Diario de noticias de segunda feira, 23 do corrente mez. vem narrado o caso de um pae que, passando pela Barca de Alva, vendeu alguns dos seus filhos a diversos trabalhadores. A noticia e esta, resumidamente.
Não sei se o governo terá elementos ou dados sufficientes para poder, desde já, dar alguns esclarecimentos n'esta occasião.
Em todo o caso entendo dever chamar a attenção do governo para este ponto, que e digno de toda a consideração, e espero, e desejo, que não se diga que os poderes publicos de Portugal se conservam, por assim dizer, indifferentes na presença de um attentado d'esta ordem.
Espero, portanto, que o governo de a este respeito qualquer resposta, que satisfaça os meus desejos, e de certo os de toda esta assemblea.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho: - (O discurso será publicado quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa dois requerimentos, pedindo diversas informações, pelos ministerios do reino e das obras publicas.
Como v. exa. não me permittiu que eu replicasse hontem ao sr. ministro das obras publicas, aproveito este ensejo para dizer algumas palavras a respeito de um ponto a que o nobre ministro se esqueceu de me responder.
Eu tinha chamado a attenção de s. exa. para a necessidade do governo pedir á camara, se tanto fosse necessario, um pequeno credito para abrir exposições temporarias ou permanentes dos nossos principaes productos de exportação, e especialmente de vinhos, nos principaes mercados de consumo, como, por exemplo, Bordeus. Hamburgo, Bombaim, Montevideu, Rio de Janeiro, etc. A pequena despeza a fazer com estas modestas exposições seria largamente remunerada pelo grandissimo acrescimo na exportação dos nossos productos, determinado pelo conhecimento pratico d'esses productos e das condições em que poderiam ser adquiridos.
N'essas exposições poderiamos interessar casas de commercio importantes estabelecidas nas localidades, ou encarregarmos os nossos consules de as promoverem e installarem com a maior economia possivel, convidando se os lavradores e as casas exportadoras a, no seu interesse, concorrerem largamente a essas exposições.
Creia s. exa. que, d'este modo, fará abrir mercados importantissimos aos nossos vinhos, sem gravame maior para o thesouro; mas ainda mesmo que a despeza fosse um pouco avolumada, seria bem compensada dentro de um periodo muito curto, pelos beneficios que traria para o paiz, para o thesouro e para o bem estar das classes trabalhadoras agricolas.
Tambem desejava que s. exa. me dissesse se está prompto a propor á camara a abolição do direito de exportação para o gado gordo, direito que é de 1$500 réis por cabeça.
A industria da creação e engorda de gado, principalmente do bovino, acha-se entre nos, ha cinco annos a esta parte, n'um estado bastante decadente, por algumas das rasões apresentarias hontem por s. exa., sendo a principal, sem duvida, não tanto a concorrencia do gado da Australia e da America do sul, como o facto de não permittir a Inglaterra que o gado importado de Portugal concorra aos mercados do interior d'aquelle paiz, obrigando os importadores a abatel-o no porto de desembarque, e dentro de um praso curtissimo.
É tal a decadencia desta importante industria, que, só pela barra do Porto, a exportação de gado gordo, que em 1882 foi de 22:551 cabeças, no valor de 2.029:000$000 reis, desceu em 1885 a 8:749 cabeças, valendo reis 787:000$000, e no anno passado a 5:958 cabeças, no valor de 536:000$000 reis. Nos quatro primeiros mezes do corrente anno exportaram-se apenas pela referida barra 546 cabeças no valor de 49:000$000 reis, que corresponderá no fim do anno, mantendo-se esta proporção, á limitadissima ou quasi nulla exportação de 1:638 cabeças, no valor de 147:000$000 réis!
O auxilio que a industria da creação e engorda de gado pode tirar da abolição do direito de exportação não é grande; mas tambem por isso o estado pouco perde, e nas condições precarias em que tal industria se encontra «tudo que vier é ganho», como diz o povo.
V. exa. sabe perfeitamente que n'um paiz essencialmente agricola como o nosso, o ideal de todos os que verdadeiramente se interessam pela sua prosperidade, seria que desapparccessem completamente da pauta os direitos de exportação. Parece-me que não será possivel fazer desde já essa diminuição, sem um desequilibrio apreciavel nos recursos do thesouro; mas, a exemplo do que já logrei alcançar para o azeite, peço ao sr. ministro das obras publicas que me auxilie tambem e ao nosso collega Teixeira de Vasconcellos na campanha da abolição do direito de exportação para o gado gordo.
(Interrupção do sr. Teixeira de Vasconcellos.)
Refere-se o meu collega, n'um áparte, a um projecto seu, no intuito de favorecer tambem a exportação, e que se acha affecto ás commissões competentes. Permitte elle o transporte gratuito do gado gordo nos caminhos de ferro do estado, até aos portos do embarque.
Estou convencido que a camara não deixará de approvar tal projecto, a não ser que se prove, o que me parece impossivel de conseguir, que elle produz um desequilibrio tal nas finanças do estado, que poderia fazer periclitar a situação da fazenda publica, que é excellente, e melhor do que nunca foi, segundo nos affirma o sr. ministro da fazenda. Mas ainda n'este caso poderiamos adoptar um meio intermedio, permittindo que o transporte a que me referi seja pelo quinto, ou pelo quarto do preço estabelecido na respectiva tarifa, ou, emfim, que se estabeleça para taes transportes o bonus que a camara, em sua consciencia, entenda poder conceder.
Aguardo, pois, as explicações do sr. ministro das obras publicas, visto que s. exa., na sessão de hontem, por esquecimento, sem duvida, deixou de responder a algumas considerações que tive a honra, de apresentar.
Os requerimentos vão publicados na secção competente a pag. 778.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - (O discurso será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Figueiredo Mascarenhas: - Desejo chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para o estado em que se acha a construcção do caminho de ferro do Algarve.
Como s. exa. sabe, esta linha ferrea devia hoje estar concluida e aberta á circulação, se os empreiteiros tivessem cumprido os seus contratos, e concluido os trabalhos nos prasos estipulados. Infelizmente, não só a linha está por concluir, mas o que é peior é estarem os tributos tão atrazados que mal se póde prever quando a linha estará em estado de se abrir á circulação, se o governo permittir que os trabalhos continuem com a Morosidade com que têem ido até agora.
Esta morosidade póde ser conveniente para os empreiteiros, para quem é prejudicial e para o paiz, e quem soffre é o thesouro publico, que tem já ali empregado avultados capitaes, que se conservam improductivos emquanto a linha se não abrir á circulação.
A primeira secção foi adjudicada em 7 de janeiro de 1884, obrigando-se o empreiteiro a construil-a era vinte e quatro mezes, terminou o praso em janeiro de 1886; já depois d'isso são decorridos desesete mezes, e esta secção está por concluir.
A segunda secção foi adjudicada em setembro de 1884, e obrigou-se o empreiteiro a construir em vinte e seis mezes, terminou o praso em novembro de 1886, já lá vão sete

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mezes, e a secção não está concluida, mas os trabalhos estão atrazadissimos!
A terceira secção foi adjudicada em fevereiro ou março de 1885, sendo o praso estipulado de vinte e quatro mezes, o praso já terminou, e os trabalhos quasi que estão em começo.
Para empreiteiros que cumprem por esta fórma os seus contratos, parece-me que são mal cabidas quaesquer complacencias da parte do governo.
Parece-me indispensavel que se adoptem algumas providencias, que obriguem os empreiteiros a entrar em um caminho mais consentaneo com os interesses publicos, e a concluir os trabalhos n'um praso curto.
Desejo que o sr. ministro nos diga se tenciona adoptar algumas providencias no sentido que deixo indicado.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - (O discurso será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Sousa e Silva: - Mando para a mesa uma justificação de faltas.
Mando igualmente um projecto de lei, assignado tambem pelos srs. Abreu Castello Branco, Jacinto Candido da Silva, Francisco Severino de Avellar, Arthur Hintze Ribeiro, Miguel Antonio da Silveira e Brito Fernandes.
Sem querer entrar por agora na discussão d'este projecto, e reservando-me para o fazer na occasião opportuna; direi sómente que não é elle mais do que a renovação de uma proposta de additamento que apresentei na sessão de 9 de março de 1881, quando só discutiu a proposta do governo para a cunhagem da nova moeda de bronze.
Por essa occasião o illustre relator da commissão de fazenda declarou que não podia incluir no projecto em discussão um artigo relativo a moeda de prata, porque aquelle projecto dizia respeito unicamente á moeda de bronze, reservando se para junto com a commissão examinar a minha proposta e ver se podia ou não ser convertida em projecto de lei; mas pouco tempo depois caiu o ministerio e ficou este negocio pendente.
Agora, na occasião em que augmenta a crise monetaria nos Açores, venho apresentar de novo este projecto, que tem o apoio de todos os representantes dos Açores, quer da maioria, quer da opposição, e não me parece que seja difficil para o governo o acceital-o, porque d'elle não advirá augmento de despeza, nem qualquer outro inconveniente.
Já em 1876 se cunhou moeda de prata para a Madeira e se recolheu toda a estrangeira que ali existia; imaginava-se que o governo perderia com a cunhagem d'aquella moeda, mas ao contrario, ainda teve um pequeno lucro. Portanto não me parece que venha a succeder o contrario com a dos Açores.
O que me dizem dali é que para a carimbagem das actuaes moedas estrangeiras existentes não acceitam nenhuma d'aquellas que tenham de peso menos de 26 1/2 grammas, que é o peso que devem ter os duros hespanhoes.
Ora a nova moeda do prata tem o peso de 25 grammas por cada 1$000 réis e correndo apenas por 960 réis fortes o duro, que pesa mais 1,5 gramma, dá isto bastante interesse e grande margem ao governo para poder mandar carimbar toda a moeda estrangeira, embora não satisfaça completamente ás condições de peso, logo que se veja que não foi manifesta e dolosamente cerceada. Creio que, ainda procedendo assim, a cunhagem e substituição de moeda não trará perda ao governo, ou, se a trouxer, será insignificante.
O facto, que por muitas vezes se tem dado, de se ordenar para os Açores que deixem de ter curso as moedas que não tiverem o peso legal, tem sempre ali produzido crises. Parece que já em 1766 corria muita moeda sem o peso, porque um alvará de 19 de julho d'esse anno prohibia o curso a todas as moedas nacionaes e estrangeiras, que não estivessem nas devidas condições de peso. O alvará, porém, que ali produziu a maior crise monetaria, foi o de 8 de janeiro de 1795, que prohibiu o giro da moeda conhecida pelo nome de cascalho, crises que se póde avaliar sabendo-se que uma remessa d'ali feita n'um valor nominal superior a 29:400$000 réis, só produziu pouco mais de 7:000$000 réis.
Ora para não se chegar a outra crise igual é que eu peço ao governo que tome este assumpto em muita attenção, cumprindo assim com o que me foi pedido pela junta geral do districto de Ponta Delgada, que tambem me encarregou de chamar a attenção do governo para um assumpto, de que eu não tratarei agora, visto que já foi attendido pelo governo na proposta de novas pautas que apresentou n'esta camara; refiro-me ao augumento de direitos sobre a fava estrangeira.
Pedem tambem os povos de Ponta Delgada ao governo, pelo ministerio das obras publicas, que lhes seja enviado um analogo para os habilitar a bem cultivarem e prepararem os vinhos.
Como o nobre ministro das obras publicas deve saber, no districto de Ponta Delgada tem havido varias crises agricolas, que os povos sempre procuraram debellar quanto possivel. Soffreram primeiramente grandes prejuizos nas vinhas por causa do oidium; estes foram seguidos de outras maiores, provenientes da doença das laranjeiras e da grande concorrência que nos mercados inglezes lhe faz a laranja de Hespanha; os vinhaticos já não existem; os castanheiros, minados pela doença, tendem tambem a desapparecer; mas os inichaelenses, lactando sempre sem desanimar, têem procurado substituir por outras as culturas em decadencia; assim hoje cultivam o tabaco, os ananazes, a batata doce e o milho em grande escala para o fabrico de alcool, e nos ultimos annos a vinha americana, que se tem dado admiravelmente n'aquelles terrenos, e cujos productos já começam a ter regular exportação para o Brazil.
Desejando os michaelenses desenvolver esta industria agricola, pedem ao governo que lhes faculte um especialista que vá ensinal-os. A junta geral do districto já tem sobre si as despezas com um vinicultor francez, que está ha um anno ensinando o fabrico do vinho para exportação para o Brazil, mas aquelles povos precisam do auxilio do governo, ao qual pedem que lhes envie um especialista que os possa dirigir na cultura da vinha.
Creio que o sr. ministro das obras publicas não terá duvida em prestar o auxilio que a junta geral do districto de Ponta Delgada solicita.
Tambem a mesma corporação representou ao governo sobre o facto de se terem restringido os trabalhos no porto artificial de Ponta Delgada e interrompido completamente na ilha de Santa Maria.
Esta ilha, todas as vezes que o governo progressista chega ao poder, tem tido a infelicidade de se ver sem verba alguma para obras publicas. Já em 1880 foi só no fim de repetidas instancias minhas n'esta casa, que o sr. Saraiva de Carvalho se lembrou de olhar para os povos de Santa Maria, que estando apenas a 1° da ilha de S. Miguel, têem um clima e uma constituição geológica diversa das de todas as outras ilhas dos Açores.
Ao passo que em S. Miguel está chovendo frequentemente, em Santa Maria passam-se tres e quatro mezes sem cair a mais pequena gota de agua, e como os seus terrenos são na maior parte argillosos e por isso muito pouco permeaveis, qualquer secca, por pouco prolongada que seja, os torna aridos, resultando d'isto que aquelles povos não têem trabalhos agricolas em que se empreguem em certos mezes do anno, sendo portanto necessario conceder annualmente uma verba que, servindo para a construcção das suas estradas reaes, evitasse tambem as crises de trabalho, verba que não era muito avultada, pois variava entre réis 3:000$000 a 4:000$000 réis anuuaes.
Este anno o sr. ministro das obras publicas concedeu,

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sob propostas rainhas, pois era eu então o director das obras publicas do districto, a verba de 4:000$000 réis para já. Mais tarde chegou a epocha eleitoral e a ilha de Santa Maria, por infelicidade sua, não votou com o governo, resultando-lhe o ser immediatamente punida com a transferencia da verba da sua estrada para as da ilha de S. Miguel e ficar sem a mais pequena obra por conta do estado.
Na doca de Ponta Delgada foi preciso gastar mais nos mezes de janeiro, fevereiro e março, e como alem d'isso a dotação tinha sido este anno menor, tornou-se necessario agora reduzir a tres por semana o numero de dias em que ali se trabalha.
Pede pois a junta geral de Ponta Delgada ao governo que mande qualquer verba para acudir á crise de trabalho que alli se está pronunciando, pedido tanto mais insuspeito, quando secundado por mim, que aquella corporação é na sua maioria affecta á politica do actual governo.
Cumprido este dever, como representante dos povos de Ponta Delgada, vou agora referir-me ao assumpto para o qual pedi hontem a v. exa. me dissesse se estava inscripto por occasião das explicações trocadas entre o sr. ministro das obras publicas e o illustre deputado o meu amigo o sr. Arthur Hintze Ribeiro. Pareceu-me ouvir a s. exa. que era melhor não failar a respeito das obras publicas das ilhas nem da direcção das obras publicas de Ponta Delgada.
V. exa. coruprehende que, tendo eu sido o funccionario que até ha pouco esteve dirigindo as obras publicas n'aquelle districto, ficou pairando sobre mim uma especie de accusação, como se houvesse cousa que se não podesse dizer no parlamento com relação á maneira como ciam dirigidos por mim as obras em Ponta Delgada.
É ainda por este motivo que tomei hoje a palavra, para instantemente pedir a s. exa. me diga o que se praticou de tão irregular n'aquella direcção, durante a minha gerencia, que o leva a não querer fallar n'ella. Eu nunca tive duvida em assumir em toda a parte a responsabilidade dos meus actos como funccionario publico, e por isso provoco o sr. ministro das obras publicas a que explique o que queria dizer com as palavras que proferiu, ou melhor com as reticencias que fez.
Aproveito ainda esta occasião para pedir que seja rectificada uma asserção que se lê no relatorio da fazenda, que referindo-se ás obras das docas de Ponta Delgada e da Horta, diz: «que a doca de Ponta Delgada tem sido dirigida por um funccionario, cujas habilitações não estão á altura da magnitude d'aquella obra».
Ora, os ultimos engenheiros que têem estado á testa, d'aquella obra, são os srs. Alvaro Kopke de Barbosa Ayalla e David Xavier Cohen.
Ao primeiro, depois de exonerado d'aquella commissão, foi dada uma outra, qual a de ir substituir na fiscalisação das obras do porto de Leixões o sr. engenheiro Nogueira Soares, durante o seu impedimento, e depois d'isso foi-lhe ainda dada outra commissão, a de elaborar os projectos e orçamentos dos pharoes das ilhas adjacentes.
O segundo, depois de exonerado de director das obras do porto artificial de Ponta Delgada, foi chamado a Lisboa e encarregado de fazer os projectos para a conclusão dos dois portos artificiaes de Ponta Delgada e da Horta.
Parece d'aqui inferir-se que a nenhum d'estes funccionarios se queria referir o sr. ministro da fazenda no seu relatorio, e como succedeu que as obras publicas da Horta, ás quaes está appensa a construcção do porto artificial, estão sendo dirigidas ha mais de dois annos por um conductor de trabalhos, e esse individuo manifestamente, comquanto seja um empregado habil, não se poderá dizer, que tenha as habilitações necessarias e á altura da magnitude da obra que está dirigindo, por isso creio que esta affirmação de s. exa. o sr. ministro no seu relatorio não será resultado senão de qualquer erro typographico; é necessario,
porém, que isso se torne patente, para que não fique pesanda sobre aquelles distinctos engenheiros uma accusação de inhabeis para os serviços de que estavam incumbidos; espero, portanto, da lealdade do sr. ministro que fará a rectificação a que acabo de me referir.
Nada mais tenho a dizer por emquanto.
A justificação vae, publicada na secção competente.
O projecto ficou para segunda leitura.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - (O discurso será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas)

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 98, construcção por empreitadas geraes de toda a rede de estradas reaes e districtaes

O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia. Tem a palavra o sr. deputado Oliveira Martins.
O sr. Oliveira Martins: - Disse eu hontem que, apesar das criticas contradictorias dos dois deputados que tinham impugnado este projecto, era evidente que todos os calculos que tinham architectado não resistiam á mais pequena analyse; e disse, alem d'isto, que a opposição, baseando-se n'esses calculos, e para criticar o que suppunha um orçamento marcado pelo projecto de lei, inferia d'ahi differenças que de facto não existem.
E não existem essas differenças, disse eu, porque o projecto não elabora um orçamento, nem fixa uma base de licitação, marca apenas um limite para o custo das estradas que têem de se construir. (Apoiados.)
O projecto diz-nos unicamente que, nem se hão do construir mais de 8:301 kilometros de estradas, nem se ha de despender mais do que a somma correspondente á multiplicação d'este numero por 3:600$000 réis. (Apoiados.)
E seja-me licito perguntar aos illustres deputados que impugnaram este projecto e que chegaram a determinar a somma de 8.000:000$000 réis como excesso de despeza resultante da construcção de estradas por este systema, seja-me licito perguntar, repito, se não repararam um momento que uma tal conclusão era absurda, por isso mesmo que o projecto não estabelece nenhum processo novo, nenhuma fórma de contrato differente, nenhum outro meio para levar a effeito a construcção das estradas, senão os que hoje estão em pratica? (Apoiados.)
As estradas têem de ser feitas por concurso, como agora. A unica differença é serem feitas simultaneamente, serem feitas por zonas, em vez de serem feitas dispersamente, como succedia até aqui. (Apoiados.)
Portanto, como é que se quer que d'estas circumstancias, evidentemente abonadoras da economia da construcção, possa resultar um excesso de despeza calculado, como fez o illustre deputado que encetou este debate, em 8.000:000$000 réis?
Isto é evidentemente phantastico. (Apoiados.)
Mas no decurso dos calculos feitos surgiram observações quanto á repartição da somma disponivel, quanto á maneira de encarar o limite kilometrico de 3;600$000 réis, quanto ao medo de distribuir o orçamento das obras de arte, quanto á discriminação da somma que hoje figura nos orçamentos extraordinarios como verba de construcção de estradas; e foi em virtude de tudo isto que o illustre deputado, a quem eu respondo, chegou a obter uma reducção tal do custo kilometrico das estradas reaes construidas, que o avaliou em 3:085$000 réis.
Para elucidação da camara, formei um paradigma de distribuição do orçamento de um anno.
Nós sabemos que o governo calcula poder construir os 8:301 kilometros de estradas em dezoito annos.

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Sabemos ao mesmo tempo que a verba disponivel em cada anno é de 1.000:000$000 réis.
Este paradigma dissipirá as duvidas que ainda possa haver no espirito de alguns dos srs. deputados, quanto ao modo de levar a effeito este projecto.
Temos, pois, que ha 1.600:000$000 réis disponiveis para um anno; temos que o limite maximo do custo kilometrico das estradas é 3:600$000 réis, e temos tambem que é necessario incluir a importancia das obras de arte superiores a 12:000$000 réis cada uma, obras que constituem um orçamento á parte para os effeitos da adjudicação.
Supponhamos que os projectos e respectivos orçamentos indicam a construcção de 100 kilometros no preço de 4:000$000 de réis, de 250 ao preço de 3:000$000 de réis e de 100 ao preço de 2:000$000 de réis.
Chegâmos, para um extensão de 450 kilometros, ao total de 1.350:000$000 réis, custo principal das estradas com exclusão das obras de arte, a que se refere o § 3.° do artigo 3.° do projecto de lei que discutimos.
Temos que, nas estradas classificadas como reaes, a verba d'estas obras de custo superior a 12:000$000 réis, representava 15,8%; vemos tambem que a verba correspondente nas estradas districtaes representava 1,2%.
Ora como, segundo a portaria de 10 de setembro de 1886, as estradas classificadas como reaes hão de ser construidas com as mesmas dimensões das estradas districtaes, seria licito applicar-lhes tambem a mesma proporção.
Mas não me parece que nem por isso a proporção das obras de arte nas estradas reaes, embora reduzidas, tanto em largura como em curvas e traineis, se deva suppor sempre igual á proporção das estradas districtaes. As estradas districtaes, por via de regra, estabelecem as communicações dentro de uma região mais ou menos limitada, não só como superficie, mas tambem corographicamente.
Portanto é muito natural que não encontrem no seu trajecto, nem grandes linhas de montanha a vencer, nem grandes cursos de agua a transpor.
Não succede o mesmo com as estradas reaes, que têem de atravessar zonas muito mais consideraveis, que têem de communicar entre si pontos extremos, que podem estar muito afastadas nas diversas regiões do paiz. N'estas condições eu entendo que é orçamento das obras de arte não póde fixar-se na proporção 1,2 por cento conforme estabelecem os dados estatisticos para as estradas districtaes construidas até aqui, mas sim entre 1,2 e 15,8 por cento, que é a percentagem encontrada para as estradas reaes.
Adoptando a media entre estas duas percentagens, isto é, 8,5 por cento, prosigo no paradigma.
Aos 1.350:000$000 réis de custo hypothetico de 450 kilometros de estradas devemos juntar, pois, para grandes obras de arte 114:000$000 réis; e addiccionando mais 136:000$000 réis para conservação, chegamos ao total da despeza de um anno, ou 1.600:000$000 réis, com a construcção de 450 kilometros, a rasão de 3.600$000 réis.
Multiplicados por dezoito annos, estes 450 kilometros representam 8:100, numero proximamente igual á somma de 8:301 indicada pelo plano geral.
Este calculo tem unicamente por fim mostrar qual é a função da quantia de 3:600$000 réis que vem descripta no artigo 3.°, e qual o alcance e o valor do § 3.° do mesmo artigo, quando falla das obras superiores a 12:000$000 réis.
Parece-me, portanto, que um dos três pontos da formula com que o illustre deputado, que iniciou este debate, resumiu o seu discurso, isto é, 8.000:000$000 réis gastos a mais, empreitadas geraes, estudos por conta dos empreiteiros; um d'esses tres pontos, o dos 8.000:000$000 réis, está terminantemente refutado.
Não ha receio que se gastem a mais 8.000:000$000 réis. Nem sé comprehende a rasão por que se haviam de gastar 8.000:000$000 réis a mais, quando com os processos, usados até aqui, se obtinha um determinado preço, e com o processo que vae empregar-se não póde deixar de se obter uma certa economia.
Não se comprehende como é que se haviam de gastar 8.000:000$000 réis a mais. (Apoiados.)
Quanto aos estudos por conta dos empreiteiros, s. exa. declarou logo, é verdade, que embora essa condição estivesse na proposta de lei do governo, não apparece já no projecto de lei que se discute, depois das modificações introduzidas pelas comissões reunidas.
Mas, formulando os termos do que se póde chamar a synthese do seu discurso, o sr. Pedro Victor disse: «approximem-se os 8.000:000$000 réis, as empreitadas geraes e os estudos por conta dos empreiteiros, e medite-se!»
Eu não sei, nem quero mesmo indagar muito a significação d'estas palavras.
Póde talvez parecer que ellas envolvem uma insinuação; mas, por honra minha, por honra do governo, por honra da commissão, e por honra de todos os membros d'esta casa, quero crer que s. exa. não teve em mente similhante idéa.
Vamos agora ao ponto das empreitadas geraes, um dos primeiros em que se ventilou na discussão d'este projecto de lei.
As empreitadas geraes, eram, com effeito, o unico systema proposto pelo governo; todavia as commissões entenderam que a este systema das empreitadas geraes se devia juntar o systema das empreitadas parciaes, para se ver, pela experiencia, do qual d'ellas se tirava melhor resultado.
Eu, pessoalmente, devo declarar á camara, que estou convencido de que, se esta lei for lealmente executada, o systema das empreitadas parciaes mostrará indubitavelmente a sua vantagem sobre o systema das empreitadas geraes.
Ha em Portugal, creada pelas construcções de obras publicas, que já duram entre nós ha trinta annos, uma classe numerosa, uma classe activa, uma classe intelligente, que tem sido um cooperador efficassissimo em todos os trabalhos publicos.
Essa classe é a dos pequenos empreiteiros.
Por toda a parte, já em construcções do estado, já em construcções districtaes, já em construcções municipaes, ha uma classe numerosa de homens que vivem d'esta occupação.
Ora, diz-se, e á primeira vista sem mais observação parece obvio, que as empreitadas geraes, supprimindo uma certa quantidade de despezas geraes, e proporcionando as vantagens dos capitães, dão de si uma diminuição do preço do custo, que não se obtém pelas pequenas empreitadas.
Todavia esta não é a verdade.
Todavia isto não é inteiramente verdade, e um argumento muito simples o demonstra, porque todo o grande empreiteiro a primeira cousa que faz, é dividir a sua empreitada em troços, e fazel-a executar por pequenos empreiteiros.
O trabalho em grande póde ter vantagens, por exemplo, nos caminhos de ferro, cuja construcção obriga a uma immobilisação de capital, de que os pequenos empreiteiros não podem dispor.
Todavia nos proprios caminhos de ferro abundam exemplos da preferencia dada com vantagem ao systema das pequenas empreitadas.
Nas construcções de estradas não succede o mesmo que nos caminhos de ferro; a immobilisação de capital é minima, e as ferramentas são elementares.
Ainda assim, o systema nos caminhos de ferro do estado, que são, e eu tenho muitissimo prazer em o repetir aqui, um modelo não só no que respeita á construcção, mas no que respeita á exploração, o systema principalmente seguido na construcção das linhas do estado, como a camara sabe, foi até ha muito pouco tempo o das pequenas empreitadas.

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Não trato n'este momento de discutir a questão em these, que é muito larga e sáe da esphera natural do projecto de lei que está em discussão, mas digo que folgo por ver que o projecto, tal como saiu das commissões, dá todas as garantias sufficientes para que, se a experiência mostrar que o systema das pequenas empreitadas é preferivel ao systema das grandes adjudicações, se prefira a este o outro.
Ora, não se supponha que a elevação do preço, relativamente caro, das estradas construidas até hoje, é uma consequência das pequenas empreitadas; distingamos entre pequenas empreitadas e construcções disseminadas, que são cousas differentes.
Por toda a parte o que tem encarecido consideravelmente as estradas que se têem construido, é o fazerem-se troços disseminadamente, é começarem-se obras sem haver fundos para o seu progresso, e é encontrarem-se com frequencia troços de estradas aonde não ha operarios, havendo unicamente vigias e conductores.
Isto não tem nada que ver com o systema de pequenas empreitadas.
O systema de pequenas ou grandes empreitadas tem que subordinar-se ao principio d'este projecto, que é o de construcções rapidas e simultaneas numa determinada zona. Agora, esgotado este assumpto, devo agradecer ao illustre deputado que me precedeu o favor das palavras de elogio que me dirigiu, e da leitura que fez dos differentes trechos de um trabalho que recentemente apresentei á camara.
Agradeço não só o favor que me dispensou, mas a intenção com que o fez.
Disse s. exa., abonando-se com palavras minhas, que leu, que a acceleração das obras publicas, produzida pela construcção de estradas, teria como consequencia uma elevação de salario e d'ahi um aggravamento da crise agricola. Creio que foi isto que s. exa. disse. O illustre deputado condemnava esta consequência como um mal, e concluia d'ahi para condemnar o projecto. Creio que foi isto o que s. exa. disse.
(Interrupção do sr. Pereira dos Santos.)
Todavia, parece-me que estes receios que s. exa. manifesta não devem ser muito profundos, por isso que, se o projecto dá um completo acabamento á viação ordinaria, creio que, no ponto de vista de encarecerem os salarios, tanta influencia tem a viação ordinaria, como a viação accelerada, cujo desenvolvimento s. exa. reclamou. (Apoiados.)
Mas ao passo que o sr. Pereira dos Santos declara que, segundo o projecto, se construiriam as estradas em um periodo muito mais rapido, e d'ahi proviriam todas as consequencias que s. exa. indicava, na vespera o illustre deputado que encetou este debate disse, e repetiu e insistiu, em que este projecto não alterava absolutamente as cousas; que as estradas se construiam precisamente no mesmo tempo.
Ora, tendo eu de defender o projecto, sinto-me deveras embaraçado, porque não sei a qual das objecções hei de responder, pois vejo serem contradictorias as objecções apresentadas por parte dos impugnadores do projecto. (Apoiados.)
(Interrupção do sr. Pereira dos Santos, que não se ouviu.)
De maneira que, o que eu infiro das palavras que o illustre deputado acaba de proferir, é que a sua idéa é: primeiro, que não se façam estradas, porque é necessario fazer caminhos de ferro; segundo, que este projecto é mau, porque ulteriormente podem vir projectos de lei de estradas novas. Ora, parece-me que isto não são argumentos. Mas eu vou mais pela opinião do sr. Pedro Victor, do que pela opinião do sr. Pereira dos Santos. Eu creio que a economia d'este projecto, no ponto de vista da construcção está toda absolutamente no systema da adjudicação por zonas. E esta adjudicação por zonas que traz comsigo o ser possivel construir-se mais economicamente, reduzindo o preço kilometrico; e portanto, como consequencia d'isto, com o despendio de uma mesma quantia annual, proximamente igual, obter um resultado efficaz muito superior; ou por outra, obter um numero muito superior de kilometros de estradas por uma quantia proximamente igual áquella que se gastava antes. Ora, eu sem duvida alguma penso que o desenvolvimento excessivo das obras publicas em um paiz é uma das muitas causas, que podem concorrer para as suas crises internas. A procura excessiva de braços, com certeza produz, como é natural, a alta de salarios. Essas obras criam habitos, criam costumes, criam classes, por assim dizer, novas; a execução de umas obras traz comsigo, como é natural, a necessidade de continuação de mais obras na mesma escala. Com certeza eu tenho absolutamente esta opinião; e se me perguntarem, digo com toda a candidez que estou convencido de que em Portugal se tem abusado das obras publicas em dois sentidos. Não retiro absolutamente nada do que tenho escripto a este respeito. Tem-se abusado, porque se tem ido alem do que permittiam as forças do thesouro, e porque se tem feito obras em desproporção com os fins a que ellas são destinadas.
Mas a questão aqui é outra. Nós, ha bons vinte annos que estâmos gastando de 1.500:000$000 a 2.000:000$000 réis por anno na construcção de estradas. Pergunto eu aos illustres deputados, que me ouvem: algum dos illustres deputados consentiria que se eliminasse do orçamento do estado a verba de construcção de estradas? Os illustres deputados consultem os seus eleitores, e digam-me depois se consentem em similhante cousa! (Apoiados.)
Ora, o governo de um paiz é uma cousa pratica, e tem de obedecer a normas tambem praticas. Não se trata de rear obras novas, que não estejam em via de execução não se trata de fazer cousa differente do que se tem feito em todos os annos anteriores; e eu vou mostrar á camara alguns algarismos em abono do que digo.
No decennio de 1877-1878 a 1886-1887, nos primeiros nove annos, pelas contas do thesouro e no decimo anno pelo orçamento, a verba applicada no orçamento extraordinario para a construcção de estradas attingiu réis 11.852:000$000. Portanto temos uma annuidade de réis 1.180:000$000. Uma parte d'esta annuidade é destinada a subsidiar os districtos para a construcção das estradas districtaes. Todavia, para nós sabermos qual é a verba que effectivamente se tem gasto cada anno em estradas, não basta isto: é necessario consultarmos os orçamentos dos districtos, porque os districtos collaboram com o estado na construcção das estradas districtaes. No orçamento para 1887-1888, ultimamente distribuido á camara, diz-se que o orçamento districtal das estradas no anno de 1886 foi de 1.561:000$000 réis, dos quaes, abatendo 384:000$000 réis de subsidios do estado, restavam 1.177:000$000 réis. Juntemos 1.177:000$000 réis á media de 1.185:000$000 réis, e temos a verba approximada que em 1886 se gastou na construcção das estradas reaes e districtaes, isto é, 2.362:000$000 réis.
O limite de 1:600:000$000 réis está abaixo do que nos annos anteriores se gastou effectivamente com a construcção de estradas.
Como se diz, portanto, que este projecto de lei vem crear uma massa extraordinaria de trabalho, vem lançar a nação numa construcção de obras que ha de trazer comsigo ulteriormente crises e uma quantidade de aspectos medonhos como s. exa. nos apresentou? Parece-me isso inverosimil. De resto se temos diante de nós a perspectiva de algumas obras, que hão de ser encetadas a breve praso, não devemos esquecer por outro lado que muitas outras estão a ponto de terminar. O porto de Lisboa vae occupar dentro em pouco muita gente, sem duvida; o caminho de ferro de cintura de Lisboa está nas mesmas condições, bem como a linha da Beira Baixa; mas a linha de

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Cintra, Torres e Alfarellos está a ponto de terminar, os caminhos de ferro do Minho e Douro estão nas mesmas condições, a linha do Alemtejo, como ha pouco disse o sr. ministro das obras publicas, está em via de conclusão, a ponte D. Luiz I está terminada, de maneira que é necessario não attender unicamente ás obras que estão em começo de execução, mas tambem aquellas que estão quasi a terminar.
Creio portanto que não é com este projecto que se trará ao paiz o perigo de uma plethora de trabalho, nem uma crise ulterior consequente de uma abundancia excessiva de obras para as quaes não haja braços. Alem disso, repito o que disse antes, isto é, que me parece um d'estes casos, seja-me licita a expressão, de rasão d'estado em que devem ser postas de parte quaesquer outras considerações, porque não me parece que governo nenhum, nas actuaes circumstancias do paiz, podesse supprimir de uma vez a satisfação das exigencias locaes de diversas ordens, abolindo ou reduzindo a construcção de estradas.
Se bem me lembro, uma unica vez nos ultimos tempos, em 1868, creio, se supprimiu com um traço de penna no orçamento extraordinário a verba para a construccão de estradas. O resultado foi, se não me engano, ser essa abolição de verba perfeitamente supposta, porque as estradas fizeram-se da mesma maneira.
O outro ponto que tratou o illustre deputado a que me estou referindo foi o que diz respeito á situação creada nos districtos perante as disposições d'esta lei. Diz s. exa., mas não o digo eu. Que tem com effeito esta lei com a situação dos districtos?
Os decretos de 24 de julho e 9 de dezembro de 1886 transferiram para o governo a construcção de estradas e o pessoal respectivo de obras publicas. Naturalmente a situação em que os districtos se encontram é a consequencia desses decretos e não d'esta lei.
Quer-se pedir responsabilidade ao governo pelas disposições contidas n'esses dois decretos?! Parece-me que a responsabilidade do governo n'esta situação não é muito difficil de tomar, porque nós conhecemos de uma maneira completa o estado a que chegou a administração districtal e os a busos extraordinários que, á sombra da construccão de obras districtaes, se praticaram!
Creio que em todo o paiz havia um clamor universal contra os addicionaes que as juntas districtaes levantaram para a construccão de obras muitas vezes injustificadas. Este projecto é que é responsavel pelos desperdicios dos districtos e das camaras municipaes? Parece-me que isto é alterar de uma maneira extraordinaria as relações entre causa e effeito. (Apoiados.)
Ainda desejo esclarecer outro ponto que o illustre deputado, a que tenho a honra de responder, tocou. Disse s. exa. que a situação creada nos districtos era deploravel, por isso que agora aquelles que tinham feito maior despeza para construir obras em beneficio próprio, ficavam obrigados a contribuir em beneficio d'aquelles mais remissos em lançar impostos e em fazer obras. Creio que foi isto que s. exa. disse.
Creio que é absolutamente impossivel estabelecer uma conta corrente entre o estado o cada um dos districtos para se saber qual d'elles recebe mais e qual pagou mais. Creio que se algum dia se estabelecesse uma critica politica baseada em similhantes principios, a unidade nacional desappareceria!
Dei-me porém ao trabalho de extractar os numeros proprios para esclarecer este assumpto, do Annuario estatistico de 1884 e colligindo do mappa das estradas districtaes construidas em cada um dos dezesete districtos do continente, o numero de metros de estradas por cada 1:000 habitantes; o numero de kilometros de estrada por cada kilometro quadrado, e o addicional que cada districto lançou em 1880 segundo o Annuario das contribuições directas, o resultado da approximação d'estes elementos é que é completamente impossivel estabelecer qualquer regra por onde se possa avaliar a relação em que se encontram os addicionaes pagos e as estradas construidas. Vemos, por exemplo, o districto de Vianna que está no decimo quarto logar de extensão kilometrica absoluta; em decimo quarto logar relativamente ao numero de metros de estrada por 1:000 habitantes; no nono logar emquanto ao numero de kilometros de estrada por kilometro quadrado; e em sexto pelo que respeita aos addicionaes.
Não posso estar a fazer a leitura d'este mappa, mas posso fazel-o inserir no texto do meu discurso para o verem os srs. deputados, que o quizerem consultar.

Estradas districtaes

[Ver mapa na imagem]

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Não me parece que nem um nem outro dos argumentos do illustre deputado, a quem estou respondendo, colham, nem em si, nem pela materia a que são dirigidos, porque quando os factos que s. exa. allegou fossem exactos, eram uma inferencia natural dos decretos de julho e de dezembro, e nunca podiam ser uma consequencia futura d'esta lei.
Passando agora a um outro ponto, folgo immenso que uma das reclamações que o sr. Pereira dos Santos fez no seu discurso, encontre neste projecto de lei uma tão completa satisfação, e, apesar de toda a opposicão que s. exa. fez a esta medida, espero ao menos que na especialidade esto artigo tenha o seu voto.
Disse o illustre deputado que Portugal necessitava mais de viação accelerada do que de viação ordinaria.
Pois o artigo 8.° d'este projecto auctorisa o governo a dar como subsidio de construccão a qualquer linha ferrea economica que se proponha construir, a quantia marcada como orçamento da estrada que essa linha ferrea haja de substituir.
Parece-me, a meu ver, esta disposição de um grande alcance, e que deve ser seriamente meditada por toda a camara.
E um facto que em todos os paizes onde não ha estradas reaes, se construem apenas estradas para as suas communicações locaes e municipaes; e as suas communicações geraes fazem-se por caminhos de ferro.
Uma estrada de primeira ordem traz sempre como consequencia a construccão ulterior de um caminho de ferro; porque um paiz não progride na sua vitalidade económica, se a sua riqueza e a frequencia das suas communicações se não augmenta. (Apoiados.)
Em Portugal mesmo ha exemplos flagrantissimos desta perda de capital. A estrada, que communica Arnarante com a Regua, que foi construida pela antiga companhia dos vinhos, está hoje absolutamente abandonada e perdidos uns poucos de milhares do contos de réis desde que as communicações são feitas pelo caminho de ferro. (Apoiados.)
Ha troços na estrada do Porto a Lisboa, cujo enorme custo todos conhecem, que não funccionam, (Apoiados.) porque essa estrada já não opera como estrada real, mas funcciona apenas em troços como caminho viccinal. (Apoiados.)
Isto é que se deve distinguir. E eu tenho pena de não ter podido colligir alguns numeros mais explicitos que esclareçam com factos esta minha opinião, porque não tenho junto de mim os subsidios de que me podesse servir; entretanto o Brazil, que em 1875 tinha em construccão 1:288 kilometros de estradas e construidos 1:190, tinha na mesma epocha 1:930 kilometros de caminhos de ferro construidos, 1:065 em construccão e 17:317 em estudos. Hoje a rede de caminhos de ferro do imperio attinge 7:062 kilometros em exploração.
A Australia, a India, o Canadá, a republica Argentina, os Estados Unidos, por toda a parte, aquelles paizes que tiveram a felicidade, se me é licito dizer assim, de se encontrarem sem estradas quando se inventaram os caminhos de ferro, fazem caminhos de ferro, não fazem estradas reaes. (Apoiados.)
Portanto este projecto de lei estabelece o que é possivel estabelecer-se nas condições actuaes; quer dizer, deixa á opção do governo, ouvidas as estações competentes, o construir uma estrada, ou acceitar uma proposta de construcção de caminho de ferro, dando o orçamento da estrada como subsidio a essa construcção. (Apoiados.)
É sabido que hoje os caminhos de ferro economicos custam 13:000$000, 14:000$000 e 15:000$000 réis por kilometro. Não custam mais do que isto. Basta o orçamento kilometrico de 5:000$000 réis numa estrada para que o subsidio seja da terça parte do custo de uma linha económica. A idéa, portanto, é em these absolutamente rasoavel por este lado.
Agora vamos a ver se ha ou não ha trajectos a que se possa applicar este alvitre.
Ultimamente foi publicado pelo ministerio das obras publicas um trabalho interessante muito completo, muito bem feito, que é o Guia itinerario de Portugal, junto ao qual vem um mappa indicando todas as estradas, como a rede actual as descreve, construidas, em construccão, projectos estudados, etc.
Examinando esse mappa, encontra-se desde logo, por exemplo, a estrada de Chaves a Bragança, que está quasi absolutamente por construir, e onde sem duvida traria vantagens incontestáveis a substituição por um caminho de ferro.
A estrada de Moncorvo a Mogadouro e a Miranda, ligando com o caminho de ferro do Douro á fronteira, está nas mesmas circumstancias. Outro tanto succede com a da Feira a S. Pedro do Sul; o mesmo com a de Leiria a Alvaiazere, com a de Aldeia Gallega ao Grato, de Alcácer do Sal a Aviz, de Garvão a Sines, e com outras muitas.
Tudo isto são largos trajectos e a construccão de estradas, se se effectuar agora, trará comsigo em um periodo mais ou menos longo a necessidade de um caminho de ferro e a inutilisação, mais ou menos completa, dessa primeira despeza.
Portanto, repito, que o desideratum apresentado pelo sr. Pereira dos Santos, encontra-se satisfeito pelo artigo 8.° do projecto. Espero, pois, para esse artigo, o voto de s. exa.
Vou concluir, mas, antes de o fazer, desejava dizer duas palavras ácerca do caracter financeiro d'este projecto.
Tenho tido sempre por opinião que, em materia de finanças, a maxima franqueza é ainda a melhor politica. É tambem esta a opinião do governo, que vejo comprovada no quadro graphico distribuido a esta camara com o relatório de fazenda; documento eloquentissimo, como todos os traçados graphicos, porque apresenta instantaneamente e de um modo synthetico movimentos que os numeros só com uma reflexão demasiada podem dar a conhecer.
Este quadro graphico accusa, em 1851-1852, uma receita de 10.300:000$000 e uma despeza de 11.200:000$000 réis.
Decorridos trinta e cinco annos encontramos em 1885-1886 uma receita de 31.300:000$000 réis e uma despeza de 40.900:000$000 réis; quer dizer que o nosso deficit em 1851-1852 era de 900:000$000 réis e em 1885-1886 foi de 9.600:000$000 réis. Em 1851 era de 9 por cento das receitas e em 1885-1886 de 31 por cento das mesmas receitas.
N'estes trinta e cinco annos a receita triplicou, mas a despeza quadruplicou e o deficit decuplicou!
Creio que esta situação não é, por fórma alguma, lisonjeira; e tudo, absolutamente tudo, quanto fizermos no sentido de a corrigir, é urgente e inadiavel.
Encaremos por este lado o projecto em discussão.
V. exa., sr. presidente, e a camara, sabem, que este governo encontrou um orçamento onerado com cerca de 10.000:000$000 réis de déficit e que de um ou outro modo era necessario equilibral-o. Oxalá que os projectos e desejos do sr. ministro da fazenda tenham, neste sentido, o resultado de que são credores. (Apoiados.)
Para equilibrar um orçamento, isto é elementar, ou se hão de elevar as receitas ou diminuir as despezas, ou ainda uma outra cousa: adial-as, contando o tempo, que é um factor indispensavel em materia financeira.
É isso o que faz o projecto de lei.
Retira do orçamento extraordinário uma verba que ahi figurava desde muitos annos, a verba da construccão das estradas, e por uma operação financeira obtém os fundos necessários para dotar esse serviço que não seria possivel supprimir, aliviando o orçamento do capital a despender, e consignando apenas os encargos da mesma somma. Eis ahi a economia financeira do projecto. Em vez da verba

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de construcção de estradas, inscreve-se apenas o encargo d'esse emprestimo e d'essa operação que se projecta.
Eu digo, que isto é um expediente, se quizerem, mas é um expediente de primeira ordem. (Apoiados.)
Estimo ouvir os apoiados que partem do lado esquerdo da camara, porque effectivamente a opposição, está, mais do que ninguem, obrigada a cooperar com o governo na reorganisação das finanças, pois, é d'ella que vem a grande responsabilidade do estado em que se encontra o thesouro publico.
O sr. Franco Castello Branco: - Isso fica para depois se liquidar em occasião opportuna; nós o que desejamos é a discussão do orçamento rectificado quanto antes, e nada mais.
O Orador: - A tal respeito, a resposta que dou v. exas. são as contas do thesouro, pelo diagramma de que agora mesmo me servi.
É a resposta mais positiva que se póde dar. (Apoiados.)
As contas do thesouro de 1879-1880, que foi o anno da gerencia progressista apresentam 25.600:000$000 réis de receita, 32.000:000$000 réis de despeza e um deficit de 6.400:000$000 réis. Ora sabe v. exa. em que estado o partido regenerador deixou o thesouro em 1885-1886?
Segundo se lê n'este mappa graphico, vemos réis 31.300:000$000 de receita, 40.900:000$000 réis de despeza, deficit 9.600:000$000 réis!
Quer dizer, o partido regenerador recebeu o thesouro com um deficit de 20 por cento das receitas o deixou-o com esse deficit elevado a 31 por cento.
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Isto não tem resposta. (Apoiados.)
O Orador: - Portanto, e em conclusão, repito as palavras que do meu illustre collega e relator das commissões reunidas, o sr. Villaça, quando apellavas para um campo neutro onde em serviço do paiz, para reconstituição das suas forças vivas, todos nos achássemos reunidos, sem distincção de côr politica.
É para esse mesmo terreno que eu appello, é para ahi que eu chamo os illustres deputados do lado esquerdo da camara, dizendo que tendo a maxima responsabilidade da situação em que deixaram o mesmo thesouro, justo é que cooperem com o governo para melhoral-a.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi muito comprimentado por muitos dos seus collegas.)
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, affirmando a conveniencia e utilidade do projecto em discussão, continua na ordem do dia. = Oliveira Martins.

O sr. Arouca (sobre a ordem): - Cumprindo as prescripções do regimento mando para a mesa uma substituição ao parecer.
«Artigo 1.° As empreitadas para a construcçào das estradas reaes e districtaes não poderão ser arrematadas por preço superior a 3:376$000 réis cada kilometro, incluindo as obras de arte e sendo as condições technicas as do artigo 4.° do decreto de 31 de dezembro de 1864 e portaria de 16 de setembro de 1886.
«§ unico. Exceptuam-se os lanços ou troços em que seja conveniente adoptar maior largura, quando devidamente proposta e justificada, que n'este caso não poderá exceder a 5:454$000 réis por kilometro, incluindo as obras de arte. = Frederico Arouca.»
Devo antes de tudo cumprimentar o sr. Oliveira Martins, seguindo os processos de cortezia usados n'esta camara, e faço-o com tanta mais sinceridade quanto s. exa. sabe que tenho pelo seu talento e illustração o maior respeito e consideração.
Feito isto direi a v. exa. que concordo absolutamente com a opinião do sr. Oliveira Martins, quando diz que este projecto não tem por fim se não adiar os encargos, o que quer dizer que elle é evidentemente um expediente financeiro.
Não tinhamos ministros de expediente, e como não tinha-mos, não podiamos fazer as habilidades que faz o sr. ministro da fazenda. Se os tivéssemos, se usássemos de expedientes de primeira ordem, que, em logar de diminuir as despezas, transformassem ou adiassem os pagamentos que tinhamos a fazer, poderiamos apresentar projectos desta ordem á sancção parlamentar. (Apoiados.) É isto o que é preciso não esquecer.
Não tem resposta, dizia ha pouco tempo um illustre deputado da maioria.
As considerações do sr. Oliveira Martins hão de ter resposta em occasião opportuna. Nós não estamos a discutir agora o orçamento de 1879-1880, mas um projecto de estradas, e não podemos acceitar, nem acceitamos que a questão seja collocada em outro terreno; porque, alem de prejudicar a discussão, dir-se-ia que a opposição em logar de tratar dos projectos em discussão fazia obstruccionismo. (Apoiados.)
O sr. Oliveira Martins chamava-nos para terreno differente d'aquelle em que estamos. Por emquanto não entramos nesse terreno; mas tenha s. exa. a certeza de que, quando discutirmos o orçamento rectificado, havemos de liquidar completamente as responsabilidades e havemos de mostrar os expedientes do ministerio que ahi está; os expedientes do sr. Marianno de Carvalho. Concordâmos em que adiar a despeza é um expediente de primeira ordem, mas para isso é tambem preciso haver ministros de primeira ordem em expedientes. (Riso.)
Dizia o illustre relator do projecto o sr. Eduardo Villaça, que o sr. Pedro Victor Sequeira se occupava mais da proposta do governo do que do projecto das commissões.
Temos que apreciar a proposta do governo para sabermos a que expediente o sr. ministro da fazenda se soccorreu.
E ali que está consignado o pensamento do governo, definida claramente a sua opinião, affirmados de uma fórma evidente os processos que elle entendeu dever seguir na administração dos negócios da fazenda.
É evidentemente na proposta do governo que temos de estudar o seu pensamento politico, e depois comparal-o com o projecto da commissão, para sabermos se de um ou de outro se salvou alguma cousa mais do que a empreitada, e se o decoro do governo não foi altamente compromettido no parecer da commissão; e para isso temos de examinar a proposta do governo, e examinal-a largamente.
Temos que analysar largamente essa proposta para saber se estava errado aquelle calculo, e se o ministro que apresentou cálculos tão positivos, podia acceitar emendas como as que lhes fez a commissão. (Apoiados.)
O illustre relator, que era a primeira vez que fallava n'esta casa, mas que conhecia bem de onde vinha o perigo, aconselhou o sr. Victor Sequeira a que não discutisse a proposta; o que era necessario discutir era o projecto.
Pois nós havemos de discutir a proposta com o projecto. (Apoiados.) O projecto é opinião da commissão, e a proposta é opinião do governo; e nós não podemos pedir a responsabilidade á commissão, pedimol-a ao governo. (Apoiados.)
V. exa., sr. presidente, comprehende que nós não podemos deixar de fazer a diligencia de tentar saber qual é o pensamento politico do governo; e digo fazer a diligencia, porque não tenho esperança de o conseguir; mas não deixarei por isso de o tentar, quanto me permitiam as minhas forças. (Apoiados.)
Eu sei que é isso muito difficil, porque se nos recordamos do que os actuaes ministros diziam quando eram opposição, encontrâmol-os em perfeito desaccordo com as opiniões que

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sustentam hoje; (Apoiados.) se queremos lançar os olhos para as suas palavras como ministros da corôa, vem em seguida os seus projectos contrariar as suas palavras. (Apoiados.)
Assim, se examinarmos o primeiro discurso da corôa do anno de 1887, e depois examinarmos o segundo, e quem sabe se ainda este anno teremos de examinar o terceiro, (Apoiados.) e oxalá que elle venha, e bem depressa, para termos o prazer de ver mais uma vez affirmarem o contrario do que dizem no segundo; (Apoiados.) se examinarmos o primeiro discurso da coroa, veremos que o governo dizia: «No tocante a novos melhoramentos, nenhuma proposta vos será apresentada emquanto a fazenda publica não estiver regularisada definitivamente».
E a fazenda publica não está regularisada definitivamente, e digo que não está, porque não creio que o sr. ministro da fazenda faça á sua maioria a injuria de acreditar que ella ha de approvar de chancella todos os seus projectos de finanças. A fazenda publica não está regularisada e no entanto temos novos melhoramentos a discutir. (Apoiados.)
Dizia ainda o governo no primeiro discurso da corôa:
«Mas para que esse adiamento se não converta pela perda consideravel de tempo em sensiveis prejuizos para o desenvolvimento da riqueza nacional, que muito carece ainda d'aquelle fomento, o meu governo mandará proseguir no estudo das obras a realisar n'esse intuito, subordinando-as a um plano geral que possa ser promptamente dado á execução, quando se ache realisado o equilibrio fazendario.»
E em logar do plano geral que havia de ser dado á execução quando se realisasse o equilibrio fazendario, nós temos novos melhoramentos publicos.
E diz mais o discurso da corôa:
«Quando se ache realisado o equilibrio fazendario, ou pelas sobras orçamentaes, ou ainda pela creação de receitas novas exclusivamente destinadas á garantia das operações necessarias para se conseguir aquelle fim.»
A não ser que um empréstimo seja, no entender do sr. ministro da fazenda, a creação de novas receitas, não vejo outras, (Apoiados.) nos termos em que esta phrase possa ser considerada. (Apoiados.) Não vejo qual é a receita creada para fazer face aos novos melhoramentos. (Apoiados.)
Vamos pagar o dobro do que pagávamos até agora, segundo diz o sr. ministro da fazenda.
Em janeiro de 1887 nenhuma providencia nos seria apresentada emquanto não estivesse regularisada a fazenda e em abril, dois ou tres mezes depois, apresenta-se um projecto em que ha aggravamento de despeza! N'isto se resume o pensamento do governo; e parece que os ministros estão sentados n'aquellas cadeiras de proposito para se contradizerem uns aos outros. (Apoiados.)
A camara sabe que o sr. Luciano de Castro disse que não podia haver corpos administrativos sem que nelles estivesse representada a minoria; affirmava que era indispensavel a representação das minorias em todos os corpos administrativos, e no emtanto lá estão as juntas geraes a funccionar sem representação de minorias. O sr. Luciano de Castro entendia que era necessario diminuir as despezas dos corpos municipaes, e vae se não quando, o sr. ministro da justiça cria os julgados municipaes!
O sr. ministro da justiça lastimava no seu relatório não se poder garantir toda a independencia ao poder judicial, e põe logo os juizes ordinarios á mercê das camaras municipaes!
O sr. ministro das obras publicas, na sessão de 1886, apresentava-nos um projecto para reduzir a tres annos o bónus concedido aos lavradores no fornecimento do sulfureto de carbone, e pouco tempo depois faz as suas reformas em dictadura e concede esse bonus sem limite de tempo.
O sr. ministro da fazenda, que gritava contra as aposentações, permitte que elle e os seus collegas, e nomeadamente o meu amigo o sr. Emygdio Navarro, aposentem empregados com ordenados superiores a muitos contos.
Tome o sr. Oliveira Martins nota destes argumentos, e mais tarde havemos de argumentar com as cifras e mostrar que sabemos responder pelos nossos actos. Hão de encontrar-nos sempre promptos para responder pelos nossos actos, mas temos o direito de exigir que as discussões se restrinjam aos assumptos que estão na ordem do dia.
Examinando a proposta do governo, vemos com grave espanto nosso que, no artigo 2.°, pede elle á camara lhe conceda a auctorisação para decretar novas estradas, e eu sou suspeito porque não tenho a mais pequena parcella de confiança no ministerio.
Mas, lembre-se a maioria e a camara da maneira como o artigo deste projecto está redigido; é de tal fórma extraordinaria que, embora seja tal como era a do projecto do sr. Saraiva de Carvalho,, eu não sei bem como a maioria poderá votal-o.
Os srs. ministros da fazenda e obras publicas pedem para que, sendo ouvidas as juntas geraes de districto e a junta consultiva de obras publicas, o governo seja auctorisado a decretar a nova rede de estradas; mas qual é a consideração que estas juntas merecem ao governo, se nós pensarmos nas palavras honradas do sr. Luciano de Castro?
Se era para que ellas tivessem a representação das minorias, que o governo decretou a reforma administrativa, e se se mostra que ellas não têem a representação das minorias, é evidente que não .merecem confiança alguma ao partido progressista.
O sr. ministro das obras publicas disse aqui ha poucos dias que, fosse qual fosse o parecer da junta consultiva, isso lhe era indifferente, porque s. exa. saltava por cima do parecer. Então era melhor dizer que o governo ficava auctorisado no seu gabinete, como entendesse, e conforme as conveniencias políticas do seu partido, a decretar a rede das estradas reaes e districtaes. Isto era muito mais rapido e, sobretudo, muito mais franco. (Apoiados.)
Porque desprezou o governo o processo estabelecido na lei de 1862? Não era regular que seguisse os preceitos dessa lei? Não era regular que ouvisse as juntas geraes de districto, que abrisse os inquéritos por trinta dias, que admittisse as reclamações de todas as pessoas interessadas, que depois de ouvir as juntas geraes com assistência dos engenheiros directores, ouvisse novamente a junta consultiva e que então o governo decretasse? Ao menos salvassem as apparencias.
O governo não está só a fazer dictadura; está a toda a hora e a todos os momentos a aconselhar a camara a que prescinda das regalias parlamentares, a pedir que o libertem de todas as peias para exercer a sua acção devastadora, decretando as estradas reaes e districtaes, conforme as conveniências políticas lhe aconselhem.
Póde a camara dar-lhe essa confiança, mas ha de arrepender-se, porque concessões d'esta ordem não se dão porque são em prejuízo da nação. (Apoiados.)
Eu ouvi por parte dos srs. Villaça e Oliveira Martins fazer accusações muito graves ao sr. Pedro Victor, porque s. exa. fazia uns cálculos, em virtude dos quaes demonstrava que se gastava mais dinheiro do que aquelle que o governo pedia.
Peço desculpa aos illustres deputados para lhes dizer que as cousas são o que são e não aquillo que nós queremos que ellas sejam.
Eu não sou engenheiro, mas lembro-me sempre de que um dos mais velhos parlamentares, homem conhecedor dos negócios públicos, pelo seu talento, illustração e serviços, dizia que o engenheiro era o quinto poder do estado. Eu, que tenho algum receio disso, não entrarei no campo dos cálculos, ou por outra, não tratarei de apreciar quanto

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podem custar os apontadores, os conductores, os engenheiros, as terraplenagens; não faço nada disso; para mim servem-me os calculos que o governo apresenta, e servem-me, visto que o governo tem á sua disposição todos os elementos, as estatísticas, as repartições, os empregados de confiança, os quaes eu tenho obrigação de julgar que são pessoas capazes e conscienciosas.
Por consequencia acceito os calculos do governo.
Foi o que fez o sr. Pedro Victor.
S. exa. acceitou os calculos do governo, e o portuguez do governo.
Mas o sr. Pedro Victor, acceitando o portuguez do governo, ficou desagradavelmente surprehendido no momento em que lhe disseram que, quando se diz: exceptua-se, se quer dizer: comprehende-se.
S. exa. imaginava que exceptuar era tirar, e o illustre relator veiu dizer-lhe, que exceptuar era comprehender.
Se quando se diz: «exceptua-se», se quer dizer: comprehende-se, - o sr. Pedro Victor não podia deixar de se enganar com este mau portuguez, mau portuguez que não pára neste projecto, e que se aggrava ainda, segundo se diz, num documento que está affecto ao parlamento e em que o portuguez é, segundo ouvi, estropiado de uma maneira extraordinária. (Apoiados.)
O sr. Pedro Victor vendo que se dizia: exceptuam-se as obras de arte cujos orçamentos sejam superiores a 12:000$000 réis, - imaginava, como eu e como todos que têem estudado o assumpto, que as obras de arte cujos orçamentos fossem superiores a 12:000$000 réis eram effectivamente exceptuadas.
Mas o sr. relator disse: não senhor, as obras de arte cujos orçamentos excedam 12:000,5000 réis, comprehen-dem-se para todos os effeitos, menos para as arrematações.
Pois bem, ficamos entendidos.
O sr. Pedro Victor, porém tinha toda a rasão em imaginar que as obras de arte cujos orçamentos fossem superiores a 12:000$000 réis, se exceptuavam, não eram comprehendidas, porque se lembrava de que um ministro illustre é sempre chorado, o sr. Saraiva de Carvalho, tinha apresentado ao parlamento uma proposta de lei pouco mais ou menos idêntica ao projecto que estamos discutindo e onde isto se determinava.
Naturalmente s. exa. fez como eu, ou como qualquer outro que quizesse conhecer bem o assumpto; foi estudar tambem essa proposta de lei em que se diz o seguinte:
«A construcção por empreitada geral, em grande numero de casos offerece vantagens ao estado. D'ahi a necessidade do governo ficar auctorisado a celebrar esses contratos, se bem que dentro dos limites sempre inferiores ao preço do custo pelos actuaes systemas de construcção, excluindo-se em todo o caso da media fixada como limite máximo para as arrematações por emprezas ou obras de arte, cujo orçamento exceder a 12:000$000 réis, porque essas por motivos conhecidos, não podem facilmente sujeitar-se ao calculo.»
Imaginavamos nós que os motivos conhecidos do sr. Saraiva de Carvalho ainda hoje eram conhecidos; imaginávamos que ainda eram conhecidos os motivos pelos quaes os orçamentos de obras de arte superiores a 12:000$000 réis não podiam facilmente sujeitar-se a calculos.
Depois fomos ao parecer da commissão, e encontrámos o seguinte periodo; encontrou-o o sr. Pedro Victor; encontrei-o eu, e encontraram-no todos os que estudaram o assumpto: a Sendo a construcção feita por empreitada geral e tendo os empreiteiros a seu cargo os estudos, poderia dar-se o caso d'elles alongarem o traçado e o dirigirem por forma que, encarecendo algum tanto as obras de arte, as collocassem acima do limite fixado no artigo 3.° e seu § 1.°, do que resultaria evidente prejuizo para o thesouro».
É certo, pois, que, não só o sr. Saraiva de Carvalho nos dizia que não eram comprehendidas as obras de arte cujos orçamentos excedessem 12:000$000 réis, mas que tambem o illustre relator da commissão de obras publicas affirmava que não eram comprehendidas essas obras.
O que é para lastimar, e por isso bem dizia o sr. Villaça que não discutissemos a proposta do governo, é que um illustre homem d'estado, que então era relator daquella commissão e que hoje é ministro da corôa, que esse illustre homem que n'aquelle tempo emendou a proposta do governo para que os estudos fossem feitos por conta do estado, e emendou-o com receio de que os empreiteiros alongassem os percursos e fizessem subir o preço das obras de arte, é para lastimar, digo, que s. exa. com o relator da commissão de obras publicas de 1880 acautelasse com tanto cuidado os interesses da nação, e hoje em 1887, como ministro, se esquecesse de tal maneira de os acautelar, que até foi preciso que a illustre commissão de obras publicas lhe ensinasse o que elle tinha a fazer!
Era por isto que o illustre relator, o sr. Villaça, não queria que discutissemos a proposta do governo.
Tinha muita rasão, mas nós temos por força que discutil-a.
A commissão, e n'esta parte, apesar do muito respeito que por ella tenho, vejo-me obrigado a fazer-lhe umas pequenas censuras; e no seu muito bem elaborado mas tambem muito resumido relatorio, que julgo mesmo não era possivel resumir mais, a não ser que passássemos sem elle, (Risos) disse-nos que tinha feito algumas alterações importantes, muito importantes, as mais importantes mesmo, e que eram tres.
A primeira é que não havia nada a distinguir entre condições technicas de estradas reaes e condições technicas de estradas districtaes; a segunda que os estudos devem ser feitos por conta do estado, e a terceira que em certos casos uma linha férrea podia substituir uma estrada ordinaria.
Entretanto, quando examinamos o projecto da commissão, encontramos n'elle algumas outras alterações, e alterações que, segundo a opinião do illustre relator, são menos importantes, mas que eu logo demonstrarei que são tão importantes com as outras.
Por exemplo, a proposta do governo propunha que as empreitadas se fizessem por estradas completas, ou grandes lanços, e a commissão acrescentou que tambem podiam ser feitas por zonas.
Eu logo direi á camara a rasão por que me parece isto importante.
Ha um ponto em que eu tenho que me afastar um pouco da opinião apresentada pelo meu illustre collega o sr. Victor Sequeira.
Dizia o sr. Pedro Victor que a commissão tinha restringido a tres annos a duração da adjudicação das empreitadas. A proposta do governo era deficiente n'este ponto, mas o pensamento do sr. ministro da fazenda estava claramente expresso no seu relatorio. Dizia: basta arrematar todos os annos por grandes empreitadas a construcção de tantos kilometros de estradas quantos contem 1.600:000$000 réis.
O pensamento do governo estava no relatorio, e a commissão entendeu que devia abranger esse periodo tres annos.
Ha outro ponto importante e é a fórma por que as empreitadas devem ser postas em praça.
Mas ha ainda outro ponto importantissimo; é que o governo propunha que se construíssem primeiro as estradas a que faltassem menos de 20 kilometros, e a commissão propõe um quarto da verba annual para a conclusão das estradas a que faltarem menos de 10.
Eu vou apresentar em poucas palavras a minha argumentação, porque não desejo tomar tempo á camara.
O governo explicava no seu relatorio quanto custavam as estradas reaes, e quanto custavam as estradas districtaes, quaes eram os defeitos de construcção, quaes eram as rasões economicas que faziam com que essas estradas cus-

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tassem caras; mostrava qual era o preço a que podiam descer as estradas reaes, e as estradas districtaes, e marcava para as estradas reaes, que tivessem as condições technicas, conforme o determinado por uma portaria de 1862, 4:500$000 réis, e para as estradas districtaes, marcava o preço de 3:000$000 réis.
Veiu a commissão, e disse-nos com a maxima ingenuidade: não ha a distinguir entre as condições technicas das estradas reaes, e as condições technicas das estradas districtaes.
Eu, quando vi este paragrapho, conclui logo, para mim: vae marcar o preço de 3:000$000 réis para todas. Mas não succedeu assim; marcou 3:600$000 réis!
O que era natural e logico, desde que não havia logar a distinguir entre condições technicas de estradas reaes, e condições technicas de estradas districtaes, e que o governo dizia que as estradas districtaes podiam construir-se por 3:000$000 réis, o que era natural e lógico, digo, é que as estradas reaes se construissem por réis 3:000$000.
Eu julgava que a commissão dizia ao governo que elle, pedindo 4:500$000 réis, pedia de mais, e que só devia pedir 3:000$000 réis, e que portanto, 8:301 kilometros, multiplicados por 3:000$000 réis, dariam a despeza de réis 24.903:000$000.
Mas não! A commissão entendeu que o governo pedia de mais para as estradas reaes, e de menos para as estradas districtaes; e o menos da commissão, era mais do que o custo actual medio.
A commissão fixou para todas as estradas cifra igual, e esta não era a que o governo pedia para as estradas districtaes, nem tão pouco a que pedia para as reaes!
Eu vou fazer sentir á camara, por uma forma mais clara, a minha argumentação.
Antigamente, havia estradas reaes e estradas districtaes. As estradas reaes tinham certos typos de largura; mas tanto umas como outras tinham as mesmas inclinações e os mesmos raios de curva, conforme determinava uma lei de 1864. Havia quatro typos de estradas.
As estradas reaes eram quasi todas construidas com o segundo typo, algumas com o primeiro, e mesmo outras com o terceiro.
As estradas districtaes eram feitas com o quarto typo, e algumas com o terceiro.
Ainda que n'isto haja alguma pequena inexactidão, não faz duvida para a minha argumentação.
Dizia o sr. Emygdio Navarro, em uma portaria publicada em setembro de 1886:
«Considerando, etc. ....

«Ha por bem ordenar pela secretaria d'estado dos negocios das obras publicas commercio e industria:
«1.° Que nas construcções ainda não encetadas dos lanços de estradas de primeira e segunda ordem e nos projectos das mesmas estradas que de futuro forem elaborados, se siga o typo n.° 4 a que se refere a portaria de 18 de setembro de 1862, salvas as excepções, que, quando devidamente propostas e justificadas, serão attendidas com respeito a alguns lanços ou troços, em que seja conveniente adoptar maior largura:
«2.º Que pelo que respeita a estradas de terceira ordem, etc. ....

«Paço em 10 de setembro de 1886. = Emydio Julio Navarro .»
Portanto, pela portaria de 10 de setembro de 1886, ficavam equiparadas as estradas reaes, em largura, ás estradas districtaes e já estavam equiparadas nas inclinações e nos raios de curva.
O sr. ministro da fazenda dizia no seu relatorio, que as estradas districtaes deviam custar, com as condições technicas da lei de 1862, 4:500$000 réis; mas não dizia só isto. Dizia que havia 2:681 kilometros de estradas com as condições technicas da lei de 1862, e pedia tambem uma certa e determinada cifra, igual ao custo de 2:681 kilometros por 4:500$000 réis cada kilometro.
Vem, porém, a commissão e diz-nos: não ha logar a distinguir entre condições technicas para estradas reaes e condições technicas para estradas districtaes; e entretanto, variando o custo kilometrico, vota-se ainda mais do que o governo pediu!
Mas para que?
(Interrupção do sr. Lucena e Faro que não se percebeu.)
Logo, os calculos do governo estão errados! Eu estou de accordo com o illustre deputado que me interrompe, e então o melhor é mandar para a mesa uma proposta para que o projecto volte ao governo para novamente o estudar e mandar-nos dados exactos! (Apoiados.)
Pois então o governo apresenta-nos uns cálculos, e um illustre deputado da maioria vem dizer-nos que esses cálculos estão errados, por que o governo não sabia o que podia fazer? O governo não sabia, diz o illustre deputado, que podia arrematar por esse preço! Mas eu tenho lá culpa de que o governo não saiba? (Apoiados.)
O governo está ali para saber, para apresentar estudos completos. Pois o governo não tem á sua disposição as estatisticas, as repartições, os empregados e tudo? Pois o governo não ha de ao menos dar ao parlamento a satisfação de lhe apresentar projectos em termos de poderem ser discutidos? (Apoiados.)
Então em que paiz e em que regimen estamos nós?! Já não é pouco fazerem dictadura por sua conta, mas quererem fazel-a comnosco é novo!
Pois os illustres deputados membros da maioria discutem o parecer e zangam-se com o sr. Pedro Victor e com o sr. Pereira dos Santos por não acceitarem os cálculos do governo, e agora eu acceito esses cálculos, e dizem-me que estão errados? Mas assim não ha meio de discutir; e se é isto o que o governo quer, o melhor é irmos-nos embora, porque é mais simples e mais barato.
Estão errados os cálculos! Isto é novo! Eu nem sei já o que hei de dizer!
Se eu soubesse que a maioria era coherente, mandava para a mesa uma proposta de adiamento, como era regular, convidando o governo (salvo o devido respeito, e sem offensa, por causa do Pimpão ou outro vaso de guerra) convidando o governo a declarar que se enganou e a reformar os seus calculos.
Emquanto os cálculos eram atacados pela opposição, zangavam-se com o sr. Pedro Victor e com o sr. Pereira dos Santos; agora que eu acceito os calculos e que os acho certos, já não são verdadeiros!
Mas não, senhores! Eu quero ser mais ministerial do que o illustre deputado, que me fez a honra de interromper-me. Eu quero acreditar que os calculos não estão errados.
(Áparte do sr. Lucena e Faro.)
Logo o custo das estradas districtaes, pelo systema do governo, é mais caro do que se faz actualmente. Até agora faziam-se por 3:376$000 réis, agora só se fazem por 3:600$000 réis. É evidente que é mais caro. (Apoiados.)
Tenho pena que não haja mais deputados que queiram conversar commigo a este respeito, porque chegávamos a apurar muitas cousas; chegávamos a apurar o que é realmente o projecto. (Apoiados.) Apurámos já em primeiro logar que o governo se enganou. O calculo dos 3:000$000 réis para as estradas districtaes é, na opinião do illustre deputado que me interrompeu, um erro, porque póde custar isso por excepção; como media, nunca.
Nós já chegámos a essa perfeição. (Apoiados.)
Mas eu quero ser mais ministerial do que o illustre deputado; (Riso.) quero estar alguma vez da parte do sr. ministro da fazenda. Não posso deixar de acreditar que, cus-

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tando as estradas districtaes 3:376$000 réis e sendo essa media tirada das estradas do quarto e do terceiro typo, e, não sendo ella por consequencia verdadeiramente exacta, quero acreditar que o custo póde descer aos 3:000$000 réis.
Quero acreditar que se poderá fazer por esse preço, apesar do calculo depender de elementos que não possuo e por isso acceito a questão no terreno em que a apresentou o sr. ministro da fazenda, assim como tambem quero acreditar que as estradas districtaes actualmente custam réis 3:376$000.
O governo dizia que queria para 2:681 kilometros de estradas, com as condições technicas da lei de 1862, réis 4:500$000 para cada kilometro. Mas a commissão já explicou que não ha logar a distinguir entre condições technicas; portanto os 4:500$000 réis para os 2:681 kilometros não têem rasão de ser. Assim como custam 3:000$000 réis as estradas districtaes, podem custar 3:000$000 réis as estradas reaes.
Mal comprehendo a argumentação do sr. Oliveira Martins neste ponto, querendo por força que as estradas reaes atravessem o paiz, em circumstancias differentes d'aquellas em que elle se ha de encontrar quando se fizerem as estradas districtaes. As estradas reaes atravessam rios, montanhas, e as districtaes vão pela rua do Oiro, (Riso.) onde não ha obras de arte, aterros, terraplenagens. Agora a estrada real atravessa o Tejo, sendo muito mais cara. Se o é ou não, a questão é com o governo. O governo diz-nos que, dadas as condições technicas da lei de 1862 as estradas custam 4:000$000 réis, e a commissão diz: «Não. A lei de 1862 desappareceu». O governo diz: «As estradas districtaes custam 3:000$000 réis.» Agora digo eu que são todas districtaes porque não ha lei de 1862; logo custam 3:000$000 réis. Isto é claro e evidentemente não póde ser contestado. (Apoiados.)
Se os calculos são errados, foi o governo que os errou. (Apoiados.)
A commissão de fazenda é muito mais sabedora do que os srs. ministros da fazenda e das obras publicas; mas o que lhe vale é não ser militar qualquer d'elles, porque, se o fosse, já estava compromettida, por ter faltado ao respeito aos seus superiores. (Apoiados.)
Por felicidade para o sr. relator, os srs. ministros não são militares, senão já estava gravemente compromettido, por lhes ter dito muito claramente que tinham errado.
E note v. exa. e a camara que, mesmo na hypothese adoptada pelo illustre deputado que me fez a honra de me interromper, a questão, como eu a apresento, não tem absolutamente nada com a questão da media kilometrica.
Passo a examinar, em poucos minutos, qual a despeza que se faz pelo systema do governo, e qual a que se devia fazer pelo systema d'elle, mas sendo correctamente applicado.
Para as estradas reaes do primeiro typo e segundo, o governo apresenta 4:500$000 réis, e para as estradas reaes e districtaes do quarto typo apresenta a media de réis 3:000$000.
Feito isto, e sem entrar em promenores e sem indagar a rasão por que a commissão pede 3:600$000 réis, digo eu, que o governo pede 4:500$000 réis para 2:681 kilometros, com condições technicas que não ha; e a illustre commissão faz o favor de explicar, que é para as estradas districtaes que o governo pede 28.994:000$000 réis!
E o que é curioso é que a illustre commissão dá mais 889:000$000 réis do que o governo pede!
Mas o governo enganou-se, dizendo que havia estradas reaes com as condições technicas da lei de 1862, e enganou-se segunda vez, porque, mesmo dispendendo-se a quantia que o governo pede, ainda n'essas circumstancias eram precisos mais de 890:000$000 réis que a commissão offerece!
Que governo é este? Como havemos de apreciar o seu pensamento para ver se o seu decoro politico está ou não compromettido n'este projecto?
Não sei se está compremettido o seu decoro, quando a commissão está constantemente affirmando que o governo se enganou, ora dizendo que não ha a distinguir condições technicas, e que a media não póde ser como o governo quer, ora affirmando que a cifra total não é a que elle pede. (Apoiados.)
Ninguém póde contestar, porque está escripto e consta do projecto e da proposta, que o governo pedia réis 28:924:000$000, e que a commissão offerece 29.883:000$000 réis, isto é, mais 889:000$000 réis do que o custo actual!
Mas vamos construir mais barato?...
Construem-se 8:301 kilometros e o governo pede réis 28.994:000$000 réis; isto é, pede mais 965:000$000 réis do que actualmente custariam, e a commissão, não satisfeita com isso, vae dar-lhe mais 899:000$000 réis.
De maneira que, com o que o governo pede a mais e com o que a commissão lhe dá ainda em cima, o paiz vae gastar 1.854:000$000 réis. E digam depois que os cálculos estão errados.
Eu apresento os cálculos taes quaes o governo os apresenta; lanço mão d'elles, e para isso basta saber as quatro operações; não é preciso ter sido examinado em arithmetica pelo sr. Emygdio Navarro, para depois ir reger uma cadeira no instituto industrial.
Ora, custando as estradas districtaes 2:376$000 réis, e sendo esta a media do custo de uma estrada districtal, segundo o calculo do governo, e é n'esse calculo que eu me fundo, e dizendo o governo que as estradas podem custar 3:000$000 réis cada uma, nós temos 5:620 kilometros por 3:000$000 réis. Importancia d'estes 5:620 kilometros, 16.860:000$000 réis.
Eu faço os meus cálculos, tomando os números do governo, a menos que não estejam errados; mas, se o governo me disser que estão errados, então adeus projecto.
Eu posso não concordar com a política do governo, mas respeito a sua illustração, e não posso admittir que os cálculos que apresenta á camara não estejam certos, a não ser que aconteça o mesmo que se deu com o projecto das pautas, a respeito do qual o sr. ministro da fazenda declarou que havia um erro de imprensa, e portanto não podia ser responsavel por isso.
O illustre ministro, em consequência dos seus muitos afazeres, podia ter encarregado um empregado de fazer os calculos, e esse empregado podia ter errado; mas então o governo lealmente dizia ao parlamento «ha um erro, o parecer reforma-se, substitue-se por novos algarismos e submette-se depois á camara».
Isto é que era leal; (Apoiados.) e nós poderíamos então entrar na discussão, armados com os elementos que o governo nos apresentasse. (Apoiados.)
Mas agora não temos outros, a não ser que o governo se resolva depois a declarar na camara dos pares que ha um erro, como fez com o projecto das pautas e que não voltou aqui. (Apoiados.)
O sr. ministro da fazenda diz no seu relatorio:
«Resta encontrar o modo de levar esta empreza ao cabo sem perturbar o equilíbrio orçamental; ora, esse meio occorre naturalmente.
«Basta arrematar todos os annos por grandes empreitadas a construcção de tantos kilometros de estradas, quantos custem 1.600:000$000 réis.»
Ora é isto mesmo o que me occorre agora. O sr. ministro faz n'este projecto tal qual o mesmo que está agora em execução.
Até agora, no orçamento extraordinario, descrevia-se a verba de 700:000$000 réis para estradas, e quando esta verba estava avolumada, no fim de dois, tres, ou quatro annos, convertia-se num empréstimo, ou de divida consolidada ou amortisavel. O sr. ministro agora quer o mesmo.

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Em logar de gastar primeiro e inverter depois, levanta primeiro o emprestimo. (Apoiados.)
E não admira que lhe occorra isto, porque eu imagino que o sr. ministro da fazenda é capaz de ter lembranças mais difficeis.
O sr. Oliveira Martins disse com toda á sinceridade que isto é um expediente. Em logar de figurarem no orçamento os 800:000$000 réis, figura o juro; em logar de figurarem os 800:000$000 réis no orçamento extraordinario, figura o juro no ordinario.
O que eu desejava é que se fizesse o mesmo em relação á verba que actualmente se gasta, mas não quero que se gaste mais porque vão fazer-se despezas a mais do que as que são indispensaveis.
E eu permitto-me fazer uma observação; apesar de ter a honra de militar, desde que entrei na vida publica, n'um partido que tem sido alcunhado pelo sr. ministro da fazenda de esbanjador, não tenho duvida de asseverar que não desejava ver augmentar as despezas, mas que ainda não vi fazer outra cousa depois que foi ao poder o ministerio presidido pelo sr. José Luciano de Castro. (Muitos apoiados.)
E quando se chegar á discussão do orçamento ou da lei de meios, se ella vier, havemos de destrinçar, apesar das habilissimas compensações de despezas apresentadas pelo sr. Carrilho no orçamento, quanto passa de 1.000:000$000 réis o que o meu particular amigo o sr. ministro das obras publicas tem gasto no seu ministerio. (Apoiados.)
Apesar das compensações das despezas, havemos de ver até onde vae aquella despeza.
E note v. exa. e a camara que é até onde ella vae e não até onde ella poderá ir; porque, segundo o que tenho ouvido nos ultimos dias, desconfio que ainda vae muito alem.
Tendo dito o illustre deputado o sr. Oliveira Martins que esta questão era, apenas de expediente, escuso de insistir neste ponto. É um expediente financeiro; e desde que esse expediente foi reconhecido por um illustre deputado da maioria, tão competente e tão illustre, a minha insistencia seria realmente fatigante pára a camara. Pergunto apenas, este expediente não irá causar uma grave perturbação no paiz?
Note v. exa. e note a camara que uma questão de tanta gravidade, como aquella a que me vou referir, embora ligeiramente, porque ligeiramente se referiu a ella o sr. Pereira dos Santos, não foi de todo esquecida pelo sr. Saraiva de Carvalho em 1880.
Dizia então s. exa. no seu relatorio:
«Não é rasoavel preoccupar-se com o receio de que a falta de braços possa obstar ao desenvolvimento da viação ordinaria, porque concluido o canal do Alviella, o caminho de ferro da Beira Alta e outras obras importantes, que estão proximas do seu termo, ficarão disponíveis muitos milhares de braços, que o estado poderá aproveitar, conseguindo até por este modo o evitar a corrente da emigração.»
Como a camara acaba de ouvir, o sr. Saraiva de Carvalho dizia em 1880 á camara que se não preoccupasse com a falta de braços; entretanto o preço dos salarios, de 1880 para cá quasi duplicou.
Estou fallando diante de muitos e mui importantes lavradores, que sabem que, a não ser numa região excepcional em que o salário é insignificante, em quasi toda a região vinhateira ao norte do Tejo, sobretudo no districto de Lisboa, o preço dos salarios está sendo tão extraordinariamente elevado, que no anno de 1886 chegou a haver semanas em que se pagava a um trabalhador 1$340 réis para cavar n'uma vinha. Se não se deu isto este anno foi porque houve a infelicidade de termos uma má colheita, (no sentido de ser má a qualidade, e porque o exaggero no pedido de preços por occasião da colheita, afastou de Portugal a concorrencia de compradores estrangeiros. Mas se elles tivessem comprado os vinhos, se estes fossem de boa qualidade, e os lavradores fossem mais accommodaticios nos seus preços, luctariamos hoje com uma crise de braços, ainda mais violenta que o anno passado. (Apoiados.)
Por isso eu digo que não é menos importante a modificação feita pelas illustres commissões, quando auctorisam o governo a fazer uma empreitada por zonas.
Mas onde vamos nós? Podemos, em presença desta. crise de braços, fazer uma arrematação por zonas, aggravando-se mais do que está a situação agrícola do paiz? E caso para dizer o mesmo que o sr. ministro da fazenda dizia á maioria regeneradora, quando em 1882 se discutia aqui o projecto de augmento de direitos sobre a aguardente. «Não protejam mais a agricultura por este lado, deixem-na socegada quando não desgraçam-n'a.» (Apoiados.)
O que se procura fazer com este projecto é aggravar mais as circumstancias financeiras e económicas dos lavradores portuguezes.
Dizia o sr. Saraiva de Carvalho que não se preoccupassem com a falta de braços. Está a acabar-se o canal do Alviella e o caminho de ferro da Beira Alta. Mas nós temos ainda o porto de Lisboa, o porto de Leixões, o caminho de ferro da Beira Baixa e muitas obras que s. exa. não imaginava que se podessem fazer em período tão curto.
Temos muitas obras que o sr. Saraiva de Carvalho não imaginava que se podessem fazer num período tão curto, e entendemos que é indispensável não augmentar a despeza do orçamento.
Arrematar de uma vez 4.800:000$000 réis de empreitadas para construcções de estradas, é ir aggravar a crise de braços, e tornar as condições do lavrador mais difficeis e mais precarias, até que a paciencia publica se esgote e peça pois uma vez serias contas ao governo, pela maneira como administra, e pelos erros economicos que pratica.
E quando tivermos occasião de discutir a reforma da pauta, decretada pelo sr. ministro da fazenda ou quando discutirmos o bill, e não será esta occasião inopportuna para lembrar á illustre commissão que já lá vão quasi dois mezes, e que era conveniente que o respectivo parecer viesse a lume, para sabermos a opinião da maioria da camara sobre todos os projectos do governo; quando discutirmos o bill, digo, então demonstrarei que os erros que o ministerio presidido pelo sr. José Luciano de Castro tem praticado, com respeito á questão agrícola, são muitos, e que, se não forem profundamente modificadas algumas reformas, hão de sentir-lhe os effeitos, por muitos e largos annos. (Apoiados.)
Fez ainda a illustre commissão uma outra modificação, e foi dividir as grandes empreitadas em pequenas empreitadas de 25:000$000 réis!
Oh! sr. presidente, pois não vê a illustre commissão que isto, que parece de um grande alcance, não tem valor algum?!
Pois então a illustre commissão, arrematando réis 4.800:000$000 de estradas, em empreitadas de 20:000$000 réis, ou cento e noventa e quatro empreitadas, imagina a possibilidade de que ellas possam custar tão pouco quanto custa a empreitada geral?! Não imagine isso, porque ha de necessariamente custar-lhe mais alguma cousa do que a empreitada geral. (Apoiados.) Este artigo é portanto perfeitamente inutil.
Se nos querem explicar, que o governo divide a empreitada geral em pequenas empreitadas, para a praça estar ao alcance de todos, e para que todos possam concorrer, e por essa concorrência resulte diminuição de preço, responder-lhes-hemos que estão tambem muito enganados; isto é apenas uma ficelle que se sustenta aqui muito bem em theoria, mas que na pratica não dá senão o resultado de não ir lá ninguem, a não ser algum empreiteiro, se é que em Portugal ha algum grande empreiteiro. Se ha ou não, não o sei; mas se ha, é elle que concorre, fica com a grande empreitada, divide-a depois pelos pequenos empreiteiros e elle é

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quem lucra. Então já o lucro não é em proveito do governo, mas em proveito d'esse empreiteiro.
Para concluir, direi a v. exa. e á camara que sou, como v. exa. viu, absolutamente contrario ao projecto, porque, financeiramente fallando, entendo que podemos fazer, se não economia igual, pelo menos, uma economia bastante, adoptando-se o systema financeiro, emittindo titulos amortisaveis, tirando do orçamento extraordinario a verba que lá está para estradas e descrevendo no orçamento ordinario os juros ou os encargos do emprestimo que se levantar.
Assim, evidentemente, poupava-se dinheiro n'uma operação financeira e não se aggravava a crise de braços com que o paiz está luctando, porque se não desenvolviam mais as obras publicas.
Eu entendo, economicamente fallando, que a agricultura lucrava muito mais em estarem concluidas as estradas; mas hoje um desenvolvimento tão importante, como arrematações de 4.300:000$000 réis n'um anno, póde aggravar a crise de braços. Quando essas estradas se acabassem podia haver então uma crise de trabalho, por falta de obras publicas em que o governo empregasse os braços que, durante o periodo de dezeseis a dezoito annos, haviam de concorrer onde mais se sentisse a sua falta.
«É conveniente que as obras publicas se façam», foi sempre a bandeira que o partido regenerador levantou, apesar dos combates dos seus terriveis adversarios.
Eram então os illustres ministros que clamavam contra o sr. Fontes, quando elle dizia: «Parar é morrer». Eram então, principalmente os srs. ministros da fazenda e obras publicas, que clamavam contra os desperdicios, contra as obras publicas, e que annunciavam ao paiz em breve espaço «4.000:000$000 réis de impostos ou a banca-rota.» (Apoiados.) Eram os homens que annunciavam ao paiz 4.000:000$000 réis ou a banca-rota que vem hoje dizer ao parlamento que a situação da fazenda é prospera, que os nossos fundos estão a 50 por cento, como disse outro dia o sr. Carlos Lobo d'Avila, imaginando que alguém póde acreditar que esses resultados se obtêem, graças aos seus esforços, e não aos esforços dos adversários do governo.
Se temos a responsabilidade da gerencia dos negócios publicos durante largos annos, a quem é que se deve o augmento das receitas, o desenvolvimento da riqueza publica, que não se obteve senão com a viação accelerada e ordinaria? A quem se deve isso? Certamente ao partido que foi accusado tantas vezes de esbanjador pelos srs. Marianno de Carvalho e Emygdio Navarro.
Refiro-me principalmente a estes dois cavalheiros, porque são os dois que mais predominam na situação; são tambem os dois que mais predominam em gastar, (Apoiados.) porque me parece que estando arrependidos de terem gritado tanto contra o partido regenerador, querem hoje collocar-se nas mesmas circumstancias, naturalmente por não haver duas leis, uma para os progressistas e outra para os regeneradores; (Riso.) com a differença de que os governos regeneradores gastavam com bom resultado para o paiz, (Apoiados) e agora havemos de ver o resultado que o actual governo tira, tanto deste projecto, como de outras medidas de fazenda apresentadas já.
Se os outros forem tão bons como este, que não constitue mais que um expediente para adiar o pagamanto de uma obra que se faz hoje, quem vier atraz que feche a porta.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos dos seus collegas.)
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

Artigo 1.° As empreitadas para a construcção das estradas reaes e districtaes não poderão ser arrematadas por preço superior a 3:376$000 réis cada kilometro, incluindo as obras de arte e sendo as condições technicas as doartigo 4.° do decreto de 31 de dezembro de 1864 e portaria de 18 de setembro de 1886.
§ unico. Exceptuam-se os lanços ou troços em que seja conveniente adoptar maior largura, fazendo devidamente proposta, e justificada, que neste caso não poderá exceder a 5:454$000 réis por kilometro, incluindo as obras de arte. = Frederico Arouca.
Foi admittida, ficando em discussão.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - (O discurso será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas).
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Em nome do sr. ministro do reino, manda para a mesa a seguinte

Proposta

Em conformidade do disposto no artigo 3.° do acto addicional 1 carta constitucional da monarchia, o governo de Sua Magestade pede á camara dos senhores deputados da nação portugueza a necessaria permissão para que o sr. deputado Augusto Victor dos Santos, vogal substituto do tribunal administrativo do districto de Lisboa, possa accumular, querendo, as funcções legislativas com as do seu emprego.
Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 24 de maio de 1887. = José Luciano de Castro.
Foi approvada.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Mando para a mesa uma proposta de lei pedindo a approvação da camara para uma convenção de extradição com o imperio da Russsia.
Vae publicada no fim da sessão a pag. 795.
O sr. Albano de Mello: - Por parte da commissão de legislação criminal mando para a mesa o parecer sobre o processo do sr. deputado Ferreira de Almeida.
Peço a v. exa. que mande imprimir este parecer, a fim de ser distribuido com toda a brevidade por casa dos srs. deputados.
Devo dizer que o sr. Marçal Pacheco requereu á commissão na sua reunião de hoje, que fosse impresso tambem o processo de que se trata; mas a commissão não póde deferir este requerimento por pertencer á camara o resolver sobre elle.
A commissão entendeu que o processo não devia ser impresso, porque não o considera como pertence ao parecer.
O sr. Matoso Côrte Real: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que sejam aggregados á commissão de legislação commercial os illustres deputados Correia Leal e Eduardo José Coelho. = Matoso Côrte Real.
Foi approvada.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Pedi a palavra para declarar que estou de accordo com a primeira parte do pedido do sr. relator do parecer sobre o processo do sr. deputado Ferreira de Almeida, para que esse parecer seja impresso e distribuido com a maxima brevidade, a fim de que todos possamos entrar na respectiva discussão com perfeito conhecimento do assumpto. Estou tambem de accordo com a proposta feita pelo sr. Marcai Pacheco no seio da commissão, para serem impressos todos os documentos que instruem o processo.
Parece-me que não póde colher a rasão allegada contra essa proposta pelo illustre relator, quando diz que os documentos não elucidam a questão.

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Se esses documentos foram indispensaveis para elucidar a opinião da commissão, evidentemente o são tambem para elucidar a opinião da camara. (Apoiados.)
De mais, quando ouvi dizer que a commissão tinha rejeitado a proposta, aliás sensatíssima e muito justa do sr. Marçal Pacheco, ainda suppuz que o motivo seria o receio da maior demora que isso poderia importar para a distribuição do parecer; mas a mim proprio ponderei eu logo, que esse receio era infundado, visto que os documentos são relativamente pequenos e em poucas horas estarão impressos.
Lembrarei a v. exa., á camara e á commissão que muitas das nossas sessões, as mais trabalhosas, complicada? e de longa duração, que têem de ser publicadas, era observancia do regulamento, dentro de breve praso, são compostas e impressas n'um só dia e por vezes n'uma só noite, como succedeu com o longo discurso pronunciado ha dias n'esta casa pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros sobre a concordata. (Apoiados.)
Insisto, pois, na publicação dos documentos juntamente com o parecer, porque todos elles são indispensaveis para a discussão.
O sr. Presidente: - Como a sessão não está prorogada, eu não posso, sem consultar a camara, continuar a dar a palavra aos srs. deputados que a pediram. Consulto portanto a camara.
A camara resolveu affirmativamente.
O sr. Albano de Mello: - A commissão de legislação criminal, quando entendeu que o processo não devia ser publicado, foi no intuito de que todos os srs. deputados o podiam examinar na mesa, e ao mesmo tempo para que este incidente se terminasse com maior brevidade, (Muitos apoiados) e que esta questão, que é muito importante, fosse resolvida no praso mais curto; mas se a camara entende que é conveniente que o processo seja publicado, a commissão não se oppõe nem teve nunca o proposito de se oppor.
O sr. Francisco José Machado: - Requeiro a v. exa. que consulto a camara sobre se quer que o processo seja impresso conjunctamente com o parecer da commissão.
Consultada a camara assim se resolveu.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que vinha para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas e dez minutos da tarde.

Proposta de lei apresentada n'esta sessão pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros

N.º 102-A

Senhores. - Com o fim de ir completando o nosso systema penal convencional e assim assegurar melhor a punição dos crimes, celebrou o governo do Sua Magestade Fidelíssima com o de Sua Magestade o Imperador da Russia a convenção que em conformidade com os preceitos constitucionaes vos é agora apresentada.
Na sua redacção observaram-se escrupulosamente os principios sempre seguidos pelo governo portuguez em analogos factos enternacionaes, com o fim de evitar toda a severidade inutil e todo o gravame que não seja justificado pela necessidade de tornar effectiva a repressão dos crimes.
Não esqueceu estipular que será commutada a pena de morte aos criminosos extraditados por Portugal e só se acrescentaram disposições conducentes a tornar mais efficaz e segura a punição dos culpados.
N'estes termos espero que concedereis a vossa approvação á seguinte, proposta de lei:
Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção para a reciproca extradicção de criminosos, entre Portugal e o imperio da Russia, assignada em Lisboa a 10 de abril de 1887.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, 12 de maio de 1887. = Henrique de Barros Gomes.

Convenção de extradição entre Portugal e a Russia

Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves e Sua Magestade o Imperador de Todas as Russias, tendo resolvido de commum accordo concluir uma convenção para a extradição reciproca da indivíduos accusados ou condemnados pelos crimes abaixo enumerados, nomearam para esse enxuto como plenipotenciarios, a saber:
Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves:
O sr. Henrique de Barros Gomes, do seu conselho, par do reino, ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros, grau-cruz da ordem de Nosso Senhor Jesus Christo e de varias ordens estrangeiras, etc., etc.
E Sua Magestade o Imperador de Todas as Russias:
O sr. Nicolau de Fonton, seu conselheiro d'estado actual, camarista da sua corte, gran-cruz de varias ordens russas e estrangeiras, enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto da côrte de Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves, etc., etc.
Os quaes, depois de terem trocado os seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida, fórma, accordaram e convieram nos artigos seguintes:
Artigo I. O governo de Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves e o governo de Sua Magestade o Imperador de Todas as Russias, obrigam-se á entrega reciproca, com excepção dos proprios subditos por nascimento ou por naturalisação adquirida antes da perpetração do crime que dá logar á extradição, de todos os indivíduos refugiados de Portugal, das ilhas adjacentes e das possessões ultramarinas na Russia, e vice-versa da Russia em Portugal, nas ilhas adjacentes e nas possessões ultramarinas, indiciados, accusados ou condemnados por motivo de um dos crimes ou delictos da parte á qual a extradicção é pedida.
A extradição terá logar pelos factos seguintes:
1.° Attentado contra a vida do soberano ou dos membros da sua familia, assim como qualquer outro crime ou delicto abaixo enumerado, commettido contra o soberano ou os membros da sua família.
2.° Homicídio voluntario, parricidio, infanticídio, envenenamento.
3.° Ameaças do attentado contra ás pessoas ou as propriedades, puniveis com penas criminaes.
4.° Aborto.
5.° Lesões corporaes, pancadas e ferimentos voluntarios commettidos com premeditação e reconhecidos graves, ou que tenham occasionado uma doença ou incapacidade de trabalho pessoal durante mais de vinte dias.
6.º Rapto, violação ou qualquer outro attentado ao pudor commettido com violencia.
7.° Attentado contra os bons costumes, excitando, favorecendo ou facilitando habitualmente a devassidão ou a corrupção da mocidade de um ou de outro sexo, de idade inferior a venye e um annos.
8.° Bigamia.
9.° Rapto, occultação, substituição ou parto supposto, exposição e abandono do uma creança.
10.° Attentado contra a liberdade individual, rapto de menores.
11.º Imitação fraudulenta, falsificação, alteração ou cerceio de moeda, ou participação voluntaria na emissão de moeda imitada fraudulentamente, falsificada, alterada ou cerceada.
12.° Imitação fraudulenta ou falsificação dos sellos do estado, das notas de banco, dos títulos publicos e dos cunhos, carimbos e marcas de papel moeda e de estampi-

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lhas do correio; uso de sellos, notas, títulos, marcas, cunhos ou carimbos falsificados: uso prejudicial de sellos, marcas, carimbos ou cunhos verdadeiros.
13.° Falsificação e uso de falsificação em escriptura publica ou authentica de commercio ou de banco, ou em escriptura particular, á excepção das falsificações commettidas nos passaportes, guias de marcha e certificados. Destruição e roubo de documentos.
14.° Juramento falso, testemunho falso, declarações falsas de peritos ou de interpretes, suborno de testemunhas, de peritos ou de interpretes.
15.° Corrupção de funccionarios públicos, concussão, subtracção, ou desvios de fundos commettidos por preceptores ou depositarios publicos.
16.° Fogo posto.
17.° Destruição ou demolição voluntaria por qualquer meio que seja, no todo ou em parte, de edifícios, de pontes, diques ou calçadas, ou outras construcções pertencentes a outrem. Damno causado voluntariamente aos apparelhos telegraphicos.
18.° Associação de malfeitores, pilhagem, damnificação de generos ou mercadorias, bens, propriedades moveis, commettida em reunião ou bando ou á viva força.
19.° Crimes e delictos maritimos previstos pelas legislações respectivas das partes contratantes.
20.° O facto voluntario de ter posto em perigo um comboio em caminho de ferro.
21.° Roubo.
22.° Burla, extorsão commettida por meio de violencia ou de ameaças.
23.° Abuso de assignatura em branco.
24.º Desvio ou dissipação em prejuízo do proprietario, possuidor ou detentor, de bens ou valores que não foram entregues senão a titulo de deposito ou para um trabalho assalariado (abuso de confiança).
25.° Bancarota fraudulenta.
26.° Receptação dos objectos obtidos por meio de mu dos crimes ou delictos acima enunciados.
São comprehendidos nas qualificações precedentes a tentativa e cumplicidade, quando são puníveis pela legislação do paiz a quem é pedida a extradição.
As altas partes contratantes obrigam-se a perseguir na conformidade das suas leis os crimes e delictos commettidos pelos seus subditos contra as leis da parte adversa, desde que isto lhes seja pedido e nos casos em que estes crimes e delictos possam dar logar a extradição nos termos da presente convenção. O pedido acompanhado de todos os esclarecimentos necessarios, com a demonstração evidente da culpabilidade do criminoso, deverá ser feito pela via diplomatica.
Art. II. As disposições do presente accordo não são applicaveis ás pessoas culpadas de algum crime ou delicto político.
A pessoa que foi extraditada em rasão de um dos crimes ou delictos communs mencionados no artigo I não póde por conseguinte em caso algum ser perseguida e punida no estado, ao qual a extradição foi concedida, em rasão de um crime ou delicto político commettido por ella antes da extradição nem em virtude de um facto connexo com similhante crime ou delicto político, nem por qualquer outro crime ou delicto anterior que não seja o mesmo que tiver motivado a extradição.
Art. III. Os individuos accusados ou condomnados por crimes aos quaes, segundo a legislação do paiz reclamante, é applicavel a pena de morte, não serão entregues senão com a condição de que não lhes será infligida a dita pena.
Art. IV. A extradição não terá logar:
1.° No caso de um crime ou de um delicto commettido n'um terceiro paiz quando o pedido de extradição for feito pelo governo d'esse paiz;
2.° Quando o podido de extradição for motivado pelo mesmo crime ou delicto pelo qual o indivíduo reclamado tiver sido julgado no paiz ao qual foi feito o pedido e pelo crime por que foi condemnado, absolvido ou despronunciado;
3.º Se a prescripção da acção ou da pena se tiver verificado pelas leis do paiz a que tiver sido pedida a extradição antes da prisão do indivíduo reclamado, ou se a prisão não tiver sido effectuada antes de elle ter sido citado perante o tribunal para ser ouvido;
4.º Quando a pena pronunciada contra o condemnado ou o maximum da pena applicavel ao facto incriminado segundo a legislação, das altas partes contratantes não excederem um anno de prisão.
Art. V. Se o indivíduo estiver processado ou condemnado no paiz em que se tiver refugiado por um crime ou delicto commettido n'este mesmo paiz, a sua extradição poderá ser adiada até que o processo haja sido abandonado, que elle seja desproninciado ou absolvido, ou que tenha cumprido a pena.
Art. VI. Quando o accusado ou condemnado cuja extradição for pedida por uma das partes contratantes, em conformidade com a presente convenção, for igualmente reclamado por outro ou por outros governos com as quaes tiverem sido concluídas convenções desta natureza por causa de crimes commettidos nos territorios respectivos, será entregue ao governo em cujo territorio houver commettido o crime mais grave, e no caso em que os crimes tiverem igual gravidade será entregar; ao governo que primeiro tiver feito o pedido de extradição.
Art. VII. Os compromissos dos culpados para com particulares não poderão suspender a extradição, salvo á parte legada o fazer valer os seus direitos perante a auctoridade competente.
Art. VIII. A extradição será pedida pela via diplomatica e não será concedida senão em vista da apresentação do original ou do uma expedição authentica, quer de uma sentença de condemnação, quer de um despacho de pronuncia, de um mandado de captura ou de qualquer outro documento equivalente expedido pela auctoridade competente, nas firmas prescriptas pela legislação do paiz que faz o pedido, e indicando o crime ou o delicto de que se trata, assim como a disposição penal que lhe é applicavel.
Art. IX. Se no decurso de tres mezes, a contar do dia em que o culpado, o accusado ou o condemnado tiver sido posto á sua disposição, o agente diplomatico que o reclamou o não tiver feito partir para o paiz reclamante, será posto em liberdade e não poderá ser preso novamente pelo mesmo motivo.
Art. X. Os objectos roubados, achados em poder do criminoso, os instrumentos e os utensílios de que elle se tiver servido para commetter o crime, assim como quaesquer outros instrumentos de prova, serão entregues em todo o caso, quer a extradição se venha a realisar, quer se não possa effectuar em consequencia da morte ou da fuga do culpado. Os direitos de terceiro a estes mesmos objectos serão reservados, e terminado o processo serão os objectos restituídos sem despezas.
Art. XI. Nos casos de urgencia, o estrangeiro poderá ser preso provisoriamente em qualquer dos dois paizes mediante um simples aviso transmittido pelo correio ou pelo telegrapho da existencia de um mandado de captura com a condição de que este aviso será regularmente dado pela via diplomatica ao ministerio dos negocios estrangeiros do paiz em que o indiciado se tiver refugiado. O estrangeiro preto provisoriamente ou mantido em estado de prisão, nos termos do presente artigo, será posto em liberdade se durante cinco semanas, desde a sua captura, não receber notificação dos documentos que nos termos da presente convenção poderão dar logar ao pedido de extradição.
Art. XII. Se no seguimento de uma causa criminal não política, forem julgados necessarios os depoimentos de tes-

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temunhas domiciliadas no territorio do outro estado, será enviada para este effeito, pela via diplomatica, uma carta rogatoria a que se dará seguimento, na conformidade das leis do paiz em que as testemunhas deverem ser interrogadas.
Toda a carta rogatoria que tiver por fim pedir uma audição de testemunhas deverá ser acompanhada de uma traducção franceza.
Os dois governos renunciam a toda a reclamação relativa ao reembolso das despezas occasionadas pela execução das ditas requisições a menos que se trate de exames de peritos criminaes, commerciaes, medicos e outros.
Art. XIII. Se n'uma causa penal não política for necessaria a comparencia pessoal de uma testemunha no outro paiz, o seu governo propor-lhe-ha que acceda ao convite que lhe for feito e no caso de consentimento deverá ser reembolsado, pelo estado interessado na comparencia da testemunha, das despezas de viagens e de permanencia segundo os regulamentos e as tarifas do paiz em que tiver de fazer os seus depoimentos. Nenhuma testemunha, qualquer que seja a sua nacionalidade, que, citada n'um dos dois paizes, comparecer voluntariamente perante os juizes do outro paiz, poderá ser ali perseguida ou detida por factos e condemnações criminaes anteriores nem sob pretexto de cumplicidade nos factos que fazem objecto do processo em que ella figurar como testemunha.
Art. XIV. O transito atravez do território de uma das partes contratantes de um indivíduo entregue por uma terceira, potencia á outra parte e não pertencente ao paiz de transito será concedido mediante a simples apresentação em original ou em expedição authentica de um dos actos do processo mencionados no artigo VII, comtanto que o facto que servir de base á extradição esteja comprehendido na presente convenção o não entre nas previsões dos artigos II e III e que o transporte tenha logar quanto á escolta com o concurso de funccionarios do paiz que auctorisou o transito no seu territorio.
Art. XV. Os governos respectivos renunciam de uma e do outra parte a toda a reclamação para as despezas de sustento, transporte e outras que poderiam resultar, nos limites dos seus territorios respectivas, da extradição dos réus accusados ou condemnados, assim como das que resultam da remessa e da restituição dos instrumentos de prova ou dos documentos.
No caso em que o transporte por mar fosse julgado preferível, o indivíduo cuja extradição tiver logar será conduzido ao porto do paiz reclamado que for designado pelo agente diplomatico ou consular do governo reclamante, á custa do qual será embarcado.
Art. XVI. Os dois governos communicar-se-hão pela via diplomatica as sentenças dos seus tribunaes que condemnarem os subditos do estado estrangeiro por crime ou delicto.
Art. XVII. A presente convenção só será posta em vigor a datar do vigesimo dia depois da sua promulgação, nas fórmas prescriptas pelas leis dos dois paizes.
Nas possessões asiaticas do imperio da Russia a convenção não entrará em vigor senão seis mezes depois da promulgação.
Continuará a vigorar até seis mezes depois de declaração contraria da parte de um dos dois governos.
Será ratificada e as ratificações serão trocadas em Lisboa logo que for possível.
Em fé de que os plenipotenciarios assignaram a presente convenção e lhe pozeram o sêllo das suas armas.
Feita em Lisboa, em duplicado, em 10 de abril do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1887. = (L. S.) Barros Gomes. = (L. S.) N. de Fonton.
Está conforme. - Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 12 de maio de 1887. = A. de Ornellas.

Discursos proferidos na sessão de 7 de maio pelo sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida, e que deviam ler-se a pag. 460, ool. 1.º, e pag. 463, col. 1.ª

O sr. Ferreira de Almeida: - A proposito da interrupção que hontem fiz ao exmo.° ministro da marinha, quando respondia á interpellação do sr. Consiglieri Pedroso sobre a perturbação da ordem que se dera a bordo do India e no arsenal, julguei dever pedir a palavra, porque uma serie de circumstancias imperiosas me obrigavam a isso:
1.ª Pela interpretação que se poderia ter dado áquella interrupção;
2.ª Porque em materia de regimen militar não póde haver política, devendo manter-se o mesmo, qualquer que seja o governo que esteja no poder;
3.ª Porque sendo o meu emprego, fóra das funcções legislativas, o de official de marinha, julguei-me obrigado, por um escrupulo de consciencia, a fazer algumas reflexões sobre a materia do debate; e a
4.ª Ainda porque, infelizmente, a chamada brandura dos nossos costumes faz por tal fórma transigir com todas as faltas e com todos os delictos, procurando sempre mais ou menos attenual-os, que um dia póde dar-se um caso mais grave, que possa pôr o governo em crise.
O sr. ministro acaba do rectificar o extracto da sessão de 6, na parte que se refere ás negociações do governo portuguez com o belga, ácerca de uma carreira de vapores entre Lisboa e o estado do Congo, que está sob a jurisdicção d'aquelle paiz; mas não rectificou a parte sobre o incidente do India e do referido extracto consta ter dito o sr. ministro que a parte official que s. exa. apresentou e leu, relatava que ás oito horas tinham dado entrada no arsenal de marinha duas praças da armada embriagadas!
Se a policia nas ruas, para manter a ordem publica e até para garantir os proprios bebados de algum desastre, é obrigada a prendel-os e pol-os a bom recato, como e que no arsenal, com guarda de tropa de linha o policia propria, se não procedeu de igual forma com os dois embriagados que ali entraram?! (Apoiados.)
Como é que dão tambem entrada a bordo de um navio da marinha da guerra e o pessoal de serviço de bordo deixa passar sem reparo, e não põe a bom recato os taes marinheiros embriagados?!
Como é que, levantando-se desordem dentro do alojamento, saem d'ali uns marinheiros embriagados e têem a facilidade de irem armar-se de rewolvers ao deposito do material de guerra do navio, carregados, porque não é crivel que já estivessem carregadas, e passam a fazer do navio e depois do terreiro do arsenal um perfeito campo de batalha?! (Apoiados.)
Isto consta da parte official que o sr. ministro leu hontem á camara, que não alterou hoje, mas que poderá ter ainda errata futura, como está sendo de uso. (Riso.) Mas, alem d'isto, consta dos jornaes tanto do governo, como da opposição.
Em que situação ficava o exmo. ministro da marinha ou o governo, se o sr. Consiglieri Pedroso ou toda esta numerosa e illustrada minoria lhe pedisse a responsabilidade, se os tiros dos soldados da guarda do arsenal tivessem alcançado algum dos dois marinheiros embriagados, ou ambos, e resultando este desastre de manifesta negligencia anterior que prevenisse o caso?!
V. exa. sr. presidente e a camara não ignoram, que todos nós, com este espirito de benevolencia e brandura do nosso caracter, accusâmos sempre o delinquente, compadecendo-nos depois do desgraçado, procedimento este perfeitamente legitimo, quando o delinquente é victima, não por moto proprio, mas pela successão de factos que o collocaram n'aquella situação; e por isso se levantaria a opinião legitimamente indignada, pedindo a cabeça do ministro, por causa do sangue derramado d'esses desgraçados, victimas da falta de ordem mais elementar, tanto do arsenal como do bordo.

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A imprensa reclamaria as mais energicas providencias, pondo em relevo o caso único, de ser morta pela guarda do arsenal uma praça de marinhagem embriagada, e este facto, nascido da negligencia no cumprimento superior de todos os deveres de ordem e disciplina, havia de fazer abalo em todo o paiz.
Isto é que eu desejo que o governo procure evitar, por todas as rasões, deixando-se de tolerancias com uma certa ordem de pessoal superior que na sua negligencia pelas cousas de serviço, senão ignorância ou esquecimento, quando não haja causa peor, dão motivo a estes accidentes.
E com franqueza, desejo isto não só no interesse do governo, mas até no meu proprio interesse.
Toda a camara sabe que o meu emprego publico é o de official de marinha, e comquanto durante as funcções de deputado cessem completa e absolutamente as minhas funcções e categoria militar, é perfeitamente legitimo e natural que, por conhecimento da materia e interesse, cuide das cousas navaes. Ora o meu interesse nesta questão é que a disciplina se mantenha igual e uniforme, porque pertencendo eu ao grupo dos officiaes exigentes no serviço, não desejo ver-me em risco de levar com a cutella da carne, como aconteceu na insubordinação da corveta Mindello, ou receber alguma bala de revolver de alguma praça, que entre embriagada para bordo, e com a qual se não tenha o procedimento regular e regulamentar que evitem taes accidentes.
É da ordenança que as praças que entram a bordo, têem de apresentar-se ao official de serviço, e as sentinellas dos portalós têem obrigação de chamar os cabos da guarda, não só para verem se quem entra introduz a bordo artigos prohibidos, mas para os obrigarem a cumprir a prescripção que indiquei.
De, superiormente e successivamente, se não fazerem observar estas elementares prescripções da policia interna, é que se originou o grave conflicto que houve no arsenal, com a circumstancia, torno a repetir para frisar bem a minha preocupação de hontem, de poder resultar um caso fatal, que necessariamente havia de levantar n'esta camara grande agitação.
Aqui está como a minha intervenção n'este assumpto, que a alguns pareceu uma demonstração de menos affecto ao governo, representa, ao contrario, o ardente desejo que tenho, de que elle procure por todas as fórmas legitimas evitar a repetição de factos, que possam abalar a situação.
E isto comprehende-se naturalmente. Tenho ouvido dizer tão repetidas vezes a muitos dos membros de ambos os lados da camara, que ajudei a derribar a situação transacta, e por consequencia a collocar esta no poder, que é natural que me desvaneça pela sua conservação, e que procure desviar-lhe todos os embaraços, e não levantar-lh'os.
Depois, toda a gente sabe qual a consideração que os chefes do meu partido, e que actualmente occupam as cadeiras do poder, me têem dispensado, como antigo e leal soldado, e aos meus constituintes; e seria realmente faltar ao mais elementar de todos os deveres, se eu não correspondesse por igual fórma, pois que lá diz o velho proloquio popular: «Amor com amor se paga.» (Riso.)
Proseguindo, na analyse do incidente, e sempre com o intuito de justificar a minha intervenção n'elle pelo lado favoravel ao governo, lembra-me que o exmo. ministro, parecendo estranhar a minha interrupção, disse, que os factos como resultavam da participação official, haviam de ser julgados por um conselho de investigação, e que nem eu nem a camara podíamos antecipadamente avaliar quem era o cumplice, ou o auctor do crime.
É fóra de duvida que a camara, occupando-se destes assumptos, não póde, nem pretende fazer de tribunal; mas o que pôde, é reclamar, e este é o ponto fundamental da questão, que o governo dentro do regimen legal, exija dos seus administrados a observancia exacta e regular da lei, como o melhor meio de evitar desastres e conflictos. S. exa. porém, comprehendeu a questão de outra fórma; julgou que o queriam fazer responsavel pelo occorrido, quando eu por minha parte apenas reclamava, que se collocasse ao abrigo de novas reclamações; e n'aquella supposição, pensou em attenuar a importância do facto, declarando que elle nada tinha de extraordinario, que não era para estranhar uma desordem a bordo entro homens embriagados, conhecidos como desordeiros, e tendo um d'elles já respondido a dois conselhos! Como se tudo isto fossem attenuantes, quando constituem aggravantes!
Ora, sr. presidente, quando eu me achava na opposição, acompanhado pelos que actualmente occupam as cadeiras do poder, analysava por igual fórma, e com o seu applauso, os actos da situação transacta, (Apoiados.) mas se, mudado o governo, havemos de ter as cousas no mesmo pé e continuar no mesmo caminho, como se um poder fatal se impozesse aos homens do governo, «não valia a pena então, mudar de governo a nação.» (Riso.)
O exmo. ministro da marinha, depois de largas divagações sobre o caso, perfeitamente imiteis, se não descabidas, acabou por declarar, que um conselho de investigação apreciará os factos, para s. exa. depois proceder como for de justiça!
Antes de mais nada, direi que os casos d'esta ordem e muitos outros são da competencia do juizo civil, e só depois é que o conselho de guerra decide. O conselho de investigação serve apenas de parte preparatória geral, que determina a participação em juizo civil, segundo a gravidade do feito; porque, sendo accidente de pequena monta, o conselho de investigação tem por assim dizer o caracter do conselho de disciplina, com as conclusões do qual o commandante geral da armada ou se conforma referendando-o, ou não se conforma, mandando, n'este caso, instaurar outro.
Quanto á importancia dos conselhos de investigação, podemos consideral-os variaveis com o caracter dos indivíduos desde que a legislação penal de marinha data do seculo passado; o que faz com que as decisões variem até ao infinito!
Estou por isso a temer que o conselho, que não sei de que officiaes é composto, possa vir a dizer, que a praça carregou o revolver, com cargas sem bala, e que para se divertir e metter medo ao seu camarada, bebado como elle, é que lhe atirou os tiros, e não contra ao cabo que pretendia accomodal-os!
Conheço um caso, que me auctorisa a fazer esta hypothese: Um inferior procedeu inconvenientemente com um superior, e o conselho de investigação opinou que não tinha havido desattenção com o superior, mas um equivoco d'este, porque as phrases proferidas eram dirigidas a outrem.
N'outra investigação sobre a disciplina a bordo do Mindello, apurou-se... que estava tudo muito bom, apesar de toda a gente saber o contrario.
Conheço estes casos, que passam de ordinario desapercebidos aos secretarios d'estado pelos muitos afazeres do seu ministerio, e que se vêem, pelo mesmo motivo, obrigados a acceitar os despachos e informações que as repartições lhes enviam, sem poder entrar em analyse mais funda, sendo esses despachos e informações dictados, não poucas vezes, por entidades officiaes por tal fórma e por tanto tempo desviados dos usos militares, que os não conhecem, ou os apreciam por forma diversa das phases que o tempo impõe a tudo, ou se esqueceram já dos motivos e causas de muitas occorrencias, não lhes apreciando os resultados, nem as influencias determinativas.
É assim que uma das condições que se recommenda, sobre todas, em materia de disciplina, é, porventura, menos a energia do superior, que a sua moralidade.

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Onde não se acentua a competencia moral, o desprestigio que dahi resulta cresce tanto mais, quanto mais se desce na escala, desde a mais elevada graduação até á praça de pret. Estas classes por um criterio porventura bem fundado, entendem dever exigir mais a quem mais alto está, porque pela sua educação e illustração contrahiram com a moral mais rigorosos compromissos.
É para esta ordem de idéas, aliás já expostas, quando militava com os membros do governo na opposição, que eu venho chamar a attenção imparcial do exmo. ministro da marinha, como é imparcial a minha exposição, apenas subordinada ao desejo de que se mantenham as boas normas do serviço e administração publica, e ao sincero empenho de no limite do meu pouco préstimo, dar ao governo e a s. exa. o auxilio que possa prestar-lhe para o desempenho do seu alto cargo.
Chamei, na legislatura passada, a attenção do governo para os alcances enormes e inexplicaveis dos exactores da fazenda da armada, e agora pergunto como poderá reclamar-se rasoavelmente á observancia dos preceitos regulamentares da contabilidade publica e da administração da fazenda naval, se no conselho de administração de marinha se não observavam as disposições do artigo 3.º° da lei de 17 de agosto, de 1881, que manda que todos os depositos para caução de contrato se não possam effectuar fóra da caixa geral de depositos, consentindo-se que elles se tivessem particularmente, como prova este documento sellado e reconhecido que a camara póde analysar, e resultando d'estes e outros abusos um alcance de muitos contos de réis.
Pois quer a camara saber como se procedeu? Chamado o poder judicial, tomou conhecimento do decorrido e aos réus que foram considerados isentos de responsabilidade criminal, mas não civil, mandou-se-lhes repor por fracções a parte da importancia desviada porque têem de responder, como prova este outro documento sellado e reconhecido, que ponho á disposição da camara, quando a lei expressa só admitte a reintegração por partes nos adiantamentos ou alcances liquidados em contas de administração por accidente, e nunca por negligencia ou falta de observancia da lei, que no caso sujeito constituo um verdadeiro desvio!
A lei é expressa n'estes casos em obrigar á reposição immediata e completa. Porque se não procedeu assim? Porque o caso se dava com um funccionario de elevado grau hierarchico, ou porque a quantia era elevada?!
E referi-me a este facto, sr. presidente, porque já me insurgi contra elle na situação transacta, mal podendo comprehender as normas de justiça e equidade que imperam na administração da marinha.
Ao sr. capitão de fragata Agostinho José Maria da Mota, condemnado a seis mezes de prisão por accordão do supremo conselho de justiça militar, de 27 de agosto de 1860 porque, como commandante do hiate S. Pedro «não mantinha a bordo a observancia das leis e regulamentos da policia e disciplina militar», têem-lhe sido negadas as commissões da arma, a que tem direito pela sua patente, e o que é mais, foi ultimamente preterido, quando depois da condemnação já tinha tido duas promoções! O chefe do conselho de administração de marinha, que deixou de observar as leis e regulamentos, dando em resultado um desvio de perto de 12:000$000 réis, continua em commissão, e não é obrigado a repor por inteiro a parte do alcance que á sua responsabilidade lhe compete! Onde está a equidade? Qual o conceito moral, que d'aqui deriva?!
Não sei se o exmo. ministro conhece estes factos.
O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Conheço.
O Orador: - Então é para sentir que os não tenha já resolvido. Mal se comprehende que esteja fóra da escala de commissões e preterido um official, emquanto o outro, em identicas circumstancias, disfructa serenamente todos os benesses e todos os commodos de uma commissão de residencia. Ambos accusados e convictos de negligencia e falta de observancia das leis e regulamentos, um pelos tribunaes militares, e outro pelos civis, resultando em ambos os casos desvios de valores; um soffre prisão, é preterido, e mais tarde é collocado fóra da escala das commissões, ao passo que o outro desfructa tudo o que a lei concede aos que cumprem regular e zelosamente os seus deveres!
Estes commentarios, referencias e parallelos tem em vista fazer sentir, a influencia que póde ter na disciplina em geral, a moralidade ou immoradidade da administração da fazenda naval, a desigualdade dos processos em que uns disfructam todas as tolerancias, e outros ficam a escorrer sangue, tornando se isto tanto mais sensivel quanto mais baixa é a categoria!
Analysemos ainda outro ramo de disciplina ou de serviço, e para isso vou referir-me á insoburdinação que teve logar a bordo da corveta Mindello.
Regressando este navio da commissão, que se tornou quasi celebre, para quem conhece as cousas navaes, foi mandado desarmar, sendo-lhe mudados alguns officiaes. Um dos nomeados, que se torna recommendavel pelo seu caracter e pela sua maneira de proceder, não conhecendo dos costumes ali estabelecidos, e julgando que o regimen era o mesmo que o de outros navios onde servira, e onde commandára, querendo manter a observancia das normas regulares de serviço e disciplina, viu levantar-se a guarnição contra elle, e querendo matal-o, nada mais e nada menos do que com a cutella de partir a carne!
Sobre este caso houve um inquerito qualquer, não se apurando cousa alguma com respeito á responsabilidade mais ou menos proxima, que cabia ao commandante do navio; porque entre nós tambem um mal entendido decoro da auctoridade faz com que se deixem a salvo as altas categorias, sacrificando-se as inferiores. Prova esta asserção uma ordem á força naval emanada do commando geral da armada, que passo a ler.
«Tendo occorrido no dia 4 do corrente a bordo da corveta Mindello um acto de insubordinação, que muito censuro, e que me faz suppor que a bordo daquella corveta não se mantinha a disciplina e rigor militar na altura que devem ter a bordo de todos os navios de guerra, e sendo conveniente conhecer as causas que produziram tão desagradavel occorrencia e extremar os culpados d'aquelles que pelo seu comportamento são dignos de pertencerem ao brioso corpo de marinheiros, corpo que pela sua boa disciplina e pelos seus serviços tem sabido conquistar a boa reputação de que gosa, vou ordenar que se forme um canselho de investigação a que respondam as praças que se insubordinaram e que se forme um inquerito sobre o estado da disciplina e organização dos serviços a bordo d'aquella corveta.
«Por esta occasião não posso deixar de estranhar que o official immediato da corveta Mindello apenas teve conhecimento do primeiro acto de insubordinação praticado n'aquelle navio, não se tivesse apresentado immediatamente, como lhe cumpria, podendo assim evitar as occorrencias desagradáveis que se deram depois, como estranho tambem que o official de serviço não só não estivesse armado como convinha, mas que não tivesse, como me declarou, á sua espada a bordo, e ordeno que d'esta data em diante os srs. commandantes do corpo de marinheiros e dos navios do estado dêem as ordens precisas para que os officiaes de serviço estejam sempre armados de espada.
«Finalmente, mando louvar em acto de mostra ou srs. commandantes do couraçado Vasco da Gama, Palmella e Tejo pela boa ordem e promptidão com que se apresentaram as forças que dos seus respectivos navios foram mandadas para a corveta Mindello.»
Não é crivel que, o commandante geral da armada, occupando o mais elevado logar da hierarchia naval, e de idade provecta, se abalançasse a dizer á forca naval n'uma ordem do dia, que a bordo de uma corveta da marinha na-

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cional, commandada por um capitão de mar e guerra, e com outro official superior, um capitão tenente, de immediato, que nessa corveta se não mantinha a disciplina, censurando logo essa falta, sem que tivesse algumas bases e dados para essa affirmativa e censura, que incidia directamente sobre o commandante; do contrario, similhante procedimento do cominando geral seria o mais grave attentado feito ao prestigio da auctoridade.
A affirmativa da ordem do dia que acabo de ler, tornava manifestamente ao commandante a culpa da falta de respeito que predominava no seio do pessoal.
Mas o que deu o inquerito sobre o estudo da disciplina e organisação dos serviços a bordo? Nada, ou peior que nada, porque se bem me recordo ainda, o official subalterno que esteve a ponto de ser victima, ia ficando incriminado, por ventura para se salvaguardar o prestigio da alta patente!
Para frisar bem as tolerancias inexplicaveis, ou melhor, extraordinarias, e ainda as normas especiaes de justiça e equidade que por vezes imperam superiormente e como complemento do parallelo que já fiz, mencionarei que tendo o commando geral de fazer uma proposta em lista triplice para o logar de chefe da divisão naval de Africa occidental, dizia em seu officio n.° 66 de 27 de janeiro de 1886, que o ex-commandante da Mindello não podia exercer similhante cargo, por inconveniente para a disciplina!
E como se isto não bastasse, encontram-se nas contas da divisão naval de Moçambique do primeiro trimestre de 1885 e nas contas do India que ali esteve n'essa epocha, um parallelo curioso, que abonando a administração da fazenda a bordo do India, deixa á mercê dos mais deploraveis commentarios a de bordo da Mindello, quando ambos os navios se forneciam na mesma localidade e epocha, e o fornecedor era o mesmo. Assim, emquanto pelo India se pagavam artigos a 400 réis, a divisão naval pagava-os a 1$700 reis; outros de 500 réis a 1$200 réis; chegando-se até a comprar 1:400 metros de fita de nastro a 1$000 réis cada metro! (Sensação.)
Os documentos d'estes factos, que vi, existem na respectiva repartição de contabilidade; sabem-no todas as instancias superiores. O actual ministro da marinha, porém, ou por menos bem informado, ou por qualquer outra rasão, entendeu dever dar ao ex-commandante da Mindello a commissão de capitão de porto nos Açores; isto é, numa das regiões onde mais impera a emigração clandestina!
Fazendo um novo parallelo, similhante ao que fiz, pergunto como é que o ex-commandante da Mindello, accusado em documentos officiaes de não observar as leis e regulamentos de policia e disciplina militar, e ainda provando-se, tambem em documentos officiaes, prejuizos para a fazenda, quando commandante, faltas estas iguaes ás que constituiram base de processo, pelo qual foi punido o primeiro tenente Agostinho José Maria da Mota, hoje capitão de fragata preterido, como é que, repito, este soffre punição, tardia preterição, e não desfructa das commissões da arma, e o outro as desfructa? Que moral, que equidade é esta? Será porque o sr. Mota delinquiu como primeiro tenente, e os outros dois como capitães de mar e guerra, crescendo a impunidade com o grau hierarchico?! Se não é, parece. (Apoiados.)
Devo presumir que o sr. ministro não conhece estas flagrantes desigualdades, que ferem o regimen naval nos seus creditos, na sua respeitabilidade, e portanto no regimen disciplinar com todo o seu extraordinario cortejo de inconvenientes para o serviço e ordem. E porque eu via hontem s. exa. parecendo inclinar-se para a misericordia em factos cuja successão por impunidade seria perigosa, tive um assomo de aflicção, proprio do meu temperamento nervoso, e interrompi s. exa. talvez bruscamente, para o poupar a mais largas divagações condolentes, que me pareciam incompativeis com a sua situação de ministro, com respeito a similhante assumpto.
Quantas vezes se molesta no mais generoso auxilio?! A fórma póde ser rude a intenção é sempre boa. (Riso.)
Como remate indispensavel d'estas observações, seja dito para honra da corporação da armada, a que me felicito de pertencer, que os casos extraordinarios que citei, e realmente bastante notáveis, são tanto mais notaveis e extraordinarios, quanto é certo que podem reduzir-se a tres no seio de uma corporação de perto de 250 officiaes. E accentuo esta circumstancia, porque não desejo que se possa suppor, nem de leve, que quero hostilisar a marinha militar, tão esquecida do todos e de tudo nas suas mais legitimas pretensões, e dos seus valiosos serviços; e sendo pelo contrario o meu maior empenho, que ella conserve o alto conceito, de que sempre gosou, espero que o governo aniquile os cancros que houver, pelos diversos meios legaes que tem á sua disposição.
Não sei se já deu a hora para se passar á ordem do dia, mas se a camara consente, e v. exa. permitte, aproveitaria o ensejo para levantar uma phrase que anda em jogo porventura menos lisonjeiro para a maioria!
Vozes: - Falle, falle.
O Orador: - Trata-se da já famosa phrase - Os nossos amigos - e a respeito da qual desejo varrer a minha testada.
O facto de não estar presente por emquanto o sr. ministro das obras publicas, que em tempo creou essa phrase, nem o sr. conselheiro Dias Ferreira, que sobre ella assentou uma grande parte do seu ultimo discurso, deveria talvez fazer com que me abstivesse do meu proposito; v. exa. e a camara, porém, sabem, que não é facil alcançar momento opportuno, em que concorram todas as condições precisas e favoraveis para resolver um assumpto.
As minhas palavras ficam registadas no Diario das sessões da camara, e portanto qualquer cavalheiro que as não ouça, poderá, em tempo conveniente, ter d'ellas conhecimento.
No correr da sessão legislativa de 1884 a 1886 o sr. conselheiro Emygdio Navarro, hoje ministro das obras publicas, fez um discurso notavel pelos conceitos, e por destoar da sua habitual vehemencia, porque, dirigindo-se ao ministro do reino de então, o sr. Barjona de Freitas, aconselhava-o a que se guardasse dos que o rodeavam, porque nada havia mais nocivo para um estadista, e para um homem publico, do que os «nossos amigos»!
Pareceu-me extraordinario o conselho, costumado como estava á violencia da oratoria d'aquelle cavalheiro; tomei a cousa porém á boa paz, e disse de mim para mim: elles lá, se entendem. Não o pensaram assim muitos dos nossos correligionarios e amigos, qualificando aquelle discurso, não como conselho ao ministro, mas como demonstração e intimação aos correligionários e amigos do referido orador, sacudindo-os como inuteis, por se julgar já nas eminencias do poder.
Repelli esta interpretação por me parecer menos regular, e não pensando mais no assumpto, quiz a fatalidade ou a casualidade que, pegando ao acaso num volume da Historia universal, me detivesse a ler um capitulo sobre a decadencia do imperio do oriente.
Releve-me a camara esta citação de historia antiga, que faço para acompanhar os usos d'esta sessão.
O volume de historia é da de Cesar Cantu, ampliada e annotada pelo nosso distincto collega o sr. Antonio Ennes, e referindo se elle á influencia que tinham na politica de então os mercenarios, conta que um famoso condotieri, de nome Rogerio Flor, catalão, navarro ou biscainho, não me recordo agora bem da naturalidade, mas emfim, filho da peninsula, tendo conquistado a Sicilia aos Angevinos para Affonso de Aragão, a devastou em seu proveito, e, de façanha em façanha, qual mais rendosa e estrondosa, obteve, ao serviço do imperio do oriente, as honras de Cesar!
N'este ponto, diz o auctor ou o annotador, que Rogerio,

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feito Cesar, opprimia por fim mais os amigos que os inimigos.
Como a lição do passado é o melhor ensinamento do presente e do futuro, recordei-me do commentario feito por alguns dos nossos amigos e correligionarios ao discurso e á phrase, que se vão tornando celebre, e quo, citada por dois dos mais distinctos deputados da opposição, os srs. conselheiros Lopo Vaz e Dias Ferreira, no sentido de insinuar ou accudar a maioria, que constitue o grupo dos «amigos» do governo, de que este só deixa explorar por aquelles me obriga a reclamar, pelo menos por minha parte, não ao invocando, como protesto e argumento a lição da historia, mas ainda procurando restabelecer a verdade dos factos, como resposta devida a uma accusação menos justa, e como esclarecimento para muitos membros da maioria, meus correligionarios, uns novos, outros novissimos, que poderiam ficar julgando que o governo, nas suas medidas de dictadura, só cuidara de crear novos logares e empregos para beneficio dos velhos amigos que o cercavam, como que pondo a saque as provincias da publica administração, como antigamente succedia com as provincias dos estados conquistados, saqueadas pelos codotieri e seus almogavares.
O sr. presidente do conselho, referindo-se á accusação feita, não quiz frisar o facto, aliás bem sabido de que nas nomeações novas que se fizeram, em virtude das reorganisações dos serviços, tinham sido contemplados muitos cavalheiros não filiados no partido progressista.
Sem entrar na apreciação do numero das nomeações, e da sua necessidade, é bom que fique consignada claramente a referencia do sr. presidente do conselho, e para isso bastará citar alguns despachos de primeira ordem.
Para o logar de administrador geral das alfandegas, por exemplo, foi escolhido pelo governo o sr. conselheiro Peito de Carvalho, e eu creio que ninguem contestará os merecimentos que recommendavam esta nomeação, assim como creio que ninguem dirá que o nomeado pertence ao grupo dos nossos amigos, e que o partido regenerador deixou de o contar no numero dos seus.
Tambem me parece que não soffrerá contestação, que entre os membros do partido progressista havia e ha, cavalheiros de tanta capacidade e merecimento como o nomeado; o governo, porém, quiz mostrar que era de uma, imparcialidade extrema, aproveitando o valimento dos individuos estranhos ao seu credo politico, e fel-o nas condições mais recommendaveis.
Ninguem dirá, tambem, que para a mitra vaga de Moçambique, o governo não tivesse entre os seus amidos muitos ecclesiasticos recommendaveis pela sua alta capacidade sobre todos os pontos de vista, e não se dirá igualmente que o nomeado, que é parente do sr. conselheiro Dias Ferreira, pertença ao agrupamento dos amigos do governo. (Apoiados.)
Bastam estes factos para demonstrar que foi com menos justiça citada a famosa phrase dos «nossos amigos», como querendo significar que os amigos e correligionarios do governo tenham feito tábua rasa dos logares de administração publica, em seu proveito exclusivo.
Repito, não soffre contestação o affirmar se que no seio do partido progressista havia e ha individuos de tão reconhecido merito, como muitos dos nomeados, que não militam n'este partido, e portanto que a accusação, feita ao governo, de fazer dos legares publicos apanagio unico dos seus amigos, ou que estes obrigavam o governo a preferil-os, é manifestamente, menos justa, menos rasoavel e menos verdadeira. (Apoiados.)
Por ultimo resta-me pedir licença á camara para fazer um rapido resumo da minha historia politica, como complemento frisante e significativo de que a phrase «os nossos amigos) na accepção que muitos lhe querem dar, não póde por fórma alguma ser-me applicavel. Assim ficará completa a intenção que tive de varrer a minha testada, levantando a celebre phrase.
Chegado de Africa em fins de 1873 depois de uma commissão de embarque de perto de quarenta mezes, e sentindo-me mais atacado da febre da politica, fui apresentado nos chefes do partido historico pelo fallecido par do reino, José da Costa Pinto Bastos, que me honrava com a sua amisade. Achava-se então o centro historico installado n'um segundo andar do largo do Carmo, e corria parelhas em força e numero com a situação do partido regenerador, quando aquelle dizia que este cabia todo n'um omnibus. (Riso.)
Sendo do meu natural propenso o collocar-me sempre do lado dos fracos, não procurei alistar-me no partido regenerador, então forte por estar no poder, como alguns fazem, e porque, em verdade, as normas da administração, por aquillo que tenho observado, são mais ou menos as mesmas. (Riso.)
Mais por aqui, mais por ali, com variantes de nomes e de processos, o resultado final é o mesmo, podendo dizer-se afoutamente, que nos agrupamentos politicos, á parte questões de interesses, imperam muito as affeições pessoaes, as relações de amisade mais ou menos intimas, contrahidas, ou que mais tarde se contrahem, não sendo por isso raro ver aquelles que julgámos nossos inimigos, serem exactamente os que melhor se entendem com os nossos amigos! (Riso.)
Mas, dizia eu, desde 1874 acompanhei o partido progressista, e sendo poder em 1879, apresentei a minha candidatura a deputado pelo circulo de Loulé, estando ali conspirados contra o partido progressista todos os elementos, incluindo uma parte do partido. Perdi a eleição por 14 votos, que foi concorridissima, por não querer pedir cousa alguma ao governo, para me servir de auxilio, negando-se ao mesmo tempo o governador civil a satisfazer a umas pequenas indicações dos meus amigos, perfeitamente legitimas e regulares, que todos empregam, e que teriam decidido do resultado em meu favor.
Por essa occasião tinha o governo progressista obtido uma maioria collossal nas eleições geraes, e vindo eu a Lisboa contar o meu infortunio ao ministro do reino, o actual presidente do conselho, queixando-me do abandono do governador civil, que me fizera com isso perder a eleição, disse-me s. exa. com extraordinario jubilo, que a minha derrota constituia uma fortuna para o governo, para não ter maioria compacta! Quer isto dizer, que até nas minhas infelicidades politicas tenho sido prestavel ao meu partido! (Riso.)
Em 1881 obrigaram-me os generaes do partido a ceder da minha candidatura pelo circulo de Loulé, a favor do sr. conselheiro Braamcamp, nosso illustre chefe, e o circulo, conforme a minha informação, perdeu-se.
Finalmente, em 1884 entrei pela primeira vez n'esta casa, o creio que empreguei todo o esforço e deligencia no desempenho da alta missão que me impunha o meu noviciado, com firmeza, com lealdade e dedicação, mas com seriedade. Eu n'este ponto appello para o testemunho da opposição actual, que então era governo. (Apoiados da esquerda.)
Agora sou ainda o mesmo, tanto em situação official, como em situação politica, e confio que de ambos os lados da camara, e bem assim o governo, interpretem a minha attitude e as minhas palavras no sentido que já expuz; isto é, de que hei de ter pelo governo tanta consideração quanta o governo tiver por mim, e pelos meus constituintes, sem prejuizo da apreciação justa e imparcial das suas medidas de administração e regimen politico.
Vozes: - Muito bem.

O sr. Ferreira de Almeida: - É má a occasião, pelo adiantado da hora, para replicar ao exmo. ministro da marinha, e por isso resumirei tanto quanto possivel o que

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tenho a dizer; tanto mais que a palavra me foi concedida para explicações, que sou forçado a dar, pelo facto do exmo. ministro dizer a camara que eu viera de remissa levantar aqui questões de caracter pessoal, o que, sendo deixado por mim sem reparo, me collocaria mal no conceito da camara, de cuja boa fé pareceria que eu pretendera abusar.
Folgo de registar a declaração de s. exa., de que lhe não fizera aviso previo sobre o assumpto para que tencionava chamar a sua attenção, e estou convencido que não foi a satisfação que s. exa. teve com este facto, que determinou o modo agri-doce com que o illustre ministro, me replicou, porque o meu procedimento, que s. exa. apontou a camara, serviu para demonstrar quanto s. exa. conhece bem todos os meandros da administração naval. Depois, s. exa. não levara a mal, que sem o querer comparar ao famoso tvranno de Syracusa, eu seja inclinado a crer que disponho de alguns conductores acusticos. São velhas usanças! (Riso.)
Declarou s. exa. que dispensa o meu auxilio, e realmente, nunca me passou pela idéa o desvanecimento de ser indispensavel sobre cousas navaes, a quem, como o exmo. ministro, começou a sua carreira politica e social, já na secretaria, já no observatorio da marinha, revelando tão vastissimas aptidões, que lhe valeram a nomeação e escolha do contrarios, para uma commissao de estudos astronomicos na Italia.
Uma voz: - Por amor das estrellas. (Riso.)
O Orador: - Mas accusou-me s. exa. de trazer a camara questões pessoaes; este e o ponto essencial de que devo occupar-me, e n'esse sentido tenho a dizer, que se na discussão dos projectos de lei de reorganização de serviços, não raro ha quem veja questões ou referencias pessoaes, chegando a dizer-se que determinada disposição do projecto, leva sobrescripto, e podendo por isso a sua critica ser classificada de questão ou despeito pessoal, com melhoria de rasão e facil accusar um deputado, de levantar questões pessoaes, quando discute administração, porque a toda a funcção publica administrativa, cujo exercicio se aprecia, corresponde fatalmente um funccionario, uma pessoa.
Se devessemos acceitar esta accusação e theoria peregrina, estavamos inhibidos de apreciar a marcha da administração publica, de lhe apontar os erros e defeitos, e portanto de lhe reclamar correctivo, emenda ou reforma. (Apoiados.)
Basta esta simples exposição para restabelecer a questão no seu verdadeiro pé, muito sentindo que o exmo. ministro quizesse dispensar-me a amabilidade de classificar as questões que expuz de insignificantissimas e inconvenientes, e que não achasse outro modo de as combater, ou de me combater, se não procurando malsinar-me com a corporação da armada, attribuindo-me referencias pessoaes directas, que eu não fiz. Citei factos, e comparei-os, deduzindo d'ahi a falta de ordem e de moralidade ou justiça que reina na administração naval, e referi apenas o nome de um official, por ter processo passado em julgado, e porque me servia de termo de comparação, ate certo ponto, em sua propria defeza.
S. exa., porém, em vez de analysar o exercicio de dadas funcções, tratou dos funccionarios e citou-lhe os nomes! Elles que lh'o agradeçam, se n'isso lhes vae alguma gloria. Por mim deixo ao conceito imparcial da camara ajuizar do procedimento de cada um de nos, e de que a accusação feita por s. exa. e menos justa e cabida. (Apoiados.)
E se eu quizesse frisar quanto tenho dito, tanto agora como da primeira vez que usei da palavra, apresentaria a camara mais alguns documentos curiosos; mas não o faço para que o exmo. ministro da marinha não possa suppôr que tenho intenção de o molestar.
O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Não me poupe.
O Orador: - Como v. exa. quer, ahi vae.
Tendo sido negada uma licença pelo commando geral da armada a dois officiaes chegados da estação, requereram elles a mesma licença directamente ao ministro, e s. exa. concedeu-a. Preterindo-se assim todas as formulas: entendeu o commandante geral não dever deixar sem reparo um acto, que, ate certo ponto, o desconsiderava, e podendo reclamar contra o governo pelo seu prestigio oftendido, descarregou as suas iras sobre os officiaes. Sempre a corda a partir pelo mais fraco! (Riso.) N'este sentido publicou a ordem geral n.° 3 de 13 de janeiro de 1837, do teor seguinte:
«Determina s. exa. o sr. commandante geral da armada:
«Tendo o medico naval Annibal Paulino Teixeira e o guarda marinha Martinho Pinto de Queiroz Montenegro, da guarnição da canhoneira Liberal, obtido sessenta dias de licença registada sem que os seus requerimentos seguissem a formula disposta no artigo 60.° da ordenança geral da armada, cumpre-me estranhar e censurar o procedimento d'estes dois officiaes, recommendando a não continuação de taes faltas offensivas a disciplina e praxes militares, faltas que serão castigadas rigorosamente no caso de se repetirem.
«Secretaria do commando geral da armada, 13 de janeiro de 1887.»
Ora, sr. presidente, a quem e dirigida esta censura? Aos officiaes? Deixo ao subido criterio da camara apreciar o facto, que vem de molde revelar a anarchia reinante.
Desejava sinceramente poupar-me a estas referencias.
O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Já lhe disse, não me poupe.
O Orador: - Sinto profundamente que o exmo. ministro me diga que o não poupe e com uma accentuação que demonstra um certo mal estar...
(Ápartes.)
Em todo o caso, fico por aqui.

Redactor = S. Rego.

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