O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

24 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

que tiveram velleidades de extinguir a ordem dos jesuitas ...

O que haveria a dizer da moral dos jesuitas tem enchido volumes e volumes. Mas essa moral é a mesma do clericalismo hoje.

O livro do Padre Gury anda por todos os seminarios. É a moral do clericalismo, é a moral que ainda hoje, perante a civilização moderna, subscreve á escravatura quando, pela palavra de Leão XIII, sim, de Leão XIII, ella proclama que a divisão das classes em dominadora e dominada, é providencial e necessaria, quando diz que o homem não pode redimir-se da dor, porque a vida do homem não é deste mundo, quando emfim considera illicito todo o esforço para mudar a organização social dos nossos dias.

E é para o poderio de criaturas destas, para a sua propaganda mais efficaz, para o seu enriquecimento, para o seu dominio sobre as consciengias, que se quer renovar uma mão morta condemnada para todos pela nossa legislação.

Approve-se o artigo 28.° do projecto, e teremos voltado cem annos atrás.

Tambem se ficará sabendo o que o Parlamento Português deseja. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Pinheiro Torres:-Disse que, não esperando falar, fá-lo-hia comtudo não só porque affirmações houve no discurso do illustre Deputado que o precedeu que não poderiam passar sem protesto, mas tambem porque o mesmo illustre Deputado a elle se referia directamente.

Começando pela referencia directa consistiu ella em que o Sr. Dr. Bombarda estranhara que elle, orador, dissesse no seu ultimo discurso que a verdadeira soberania estava no povo.

Não tem nada que estranhar, porquanto se ha philosophia ou religião que mais tenha afirmado essa verdade é a religião christã, por cujos principios inspirado, já na Idade Media, Santo Thomás ensinava que a verdadeira constituição politica consiste na participação de todos no governo da sociedade. O orador refere-se em seguida á abolição da escravatura e á influencia que o christianismo desde o seu principio tem exercido no desenvolvimento intellectual e moral da humanidade, e cita varios factos comprovativos d'esta verdade.

O orador passa em seguida a referir-se ao antagonismo entre a sciencia e a fé, mostrando que nunca houve antagonismo entre uma e outra.

A Igreja, nunca impediu qualquer progresso humano. A não ser a questão de Galiteu, sobre a qual, aliás, nunca incidiu nenhuma decisão com caracter dogmático, pode-se perguntar com segurança qual a conquista do saber humano ou da liberdade que Roma tenha embaraçado. Cita depois o movimento do seculo XVII e a admiravel pleiade de sabios catholicos que brilharam no seculo XIX, nomeadamente em França, e a proposito recorda a frase de Pasteur, que dizia que, conservando absoluta independencia nos dominios da sciencia, em materia religiosa tinha a fé ingénua e ardente de uma bretã.

Pode-se ser reaccionario com homens desta grandeza.

Em seguida refuta as affirmações do Sr. Dr. Bombarda relativamente á Inquisição e, concordando em que houve abusos - qual a instituição humana que os não tem - elles devem-se sobretudo ao poder civil, que d'ella abusou largamente. Põe em confronto as victimas que a Inquisição fez durante a sua existencia com as da Revolução Francesa.

A este respeito compara tambem o procedimento da Igreja para com Gallileu com o procedimento dos homens da Revolução Francesa com Lavoisier, a quem esses liberaes negaram o pouco tempo que elle pedia para concluir alguns estudos que honrariam a França.

Fala ainda que ouviu com espanto falar-se em victimas da Igreja, para a sua definitiva condemnação, quando elle, orador, respeitando o Marquez de Pombal, presenceou que se esqueciam as victimas que elle sacrificou á sua ambição e cujos gritos ainda hoje nos fazem gelar o sangue nas veias. Não comprehende que em.nome da liberdade se façam restricções e leis de excepção; comprehende que se faça dentro da lei, e salvando sempre os direitos dá ordem, condição essencial da vida de uma sociedade, a propaganda de principios e a sua traducção em factos de alcance, quer na ordem de beneficencia quer em materia de ensino, etc., isto é, excepções, nada pode votar uma Camara que se preza de ser liberal e no momento em que alguns elementos querem a revogação da lei de 13 de fevereiro.

Não devemos esquecer que a religião do Estado é, por ora, a religião catholica e que catholicos são os sentimentos da maioria do povo português, e que, portanto, é preciso respeitá-los e por elles tomar a orientação das nossas leis, que só se podem impor efficazmente quando se baseiem na consciencia collectiva.

Elle, orador, está certo de que não virá muito longe a ascensão dos humildes, mas convencido está tambem de que é necessario, para que essa ascensão se faça como deve ser, que nas suas obras haja fortes elementos moraes, indispensaveis para a criação dessa nova sociedade; porque assim o entende, por isso chama attenção dos governantes para a educação moral e civica do povo português.
O orador cita ainda o exemplo das nações mais adeantadas e o discurso que o Presidente dos Estados Unidos da America do Norte fez ha dias na abertura do Congresso Catholico, a que assistiu como Chefe do Estado, em que affirmou que nunca negociações algumas entabolou e em, que encontrasse mais intelligencia, afiabilidade, cordealidade e lealdade na outra parte do que quando teve de se entender com a Santa só para regular as relações entre ella e o Estado.

Não comprehende tambem como é que homens de sciencia parece desconhecerem a historia das religiões, a moderna exegese religiosa e os estudos que actualmente se fazem por todo o mundo; desprezar a factor religioso não pode ser obra de um encaminhador das multidões, que, mais que nunca, precisam de uma base religiosa para a sua educação moral. A este proposito cita uma frase do Ministro do Trabalho, na apresentação do seu programma ao Gabinete Francês.

Em seguida passa a citar os beneficios das associações religiosas e affirma que se negaram palavras, tantos seculos de dedicação e de abnegação e de uma vez para sempre devemos convencer-nos que a declamação é uma parodia de acção, assim como a violencia é uma parodia da força, se lealmente e sinceramente quisessem pôr a questão, elle, orador, tinha a certeza de que ninguem poderia deixar de dizer que, embora não fosse verdadeiro o espirito christão que tantos beneficios e sacrificios inspira, bemdito é elle que em suas bençãos e graças tem renovado a face da terra.

Mas não se engane o Governo nem se engane o pais; os que afirmam, parecendo viver ainda no tempo dos encyclopedistas, que em Portugal reina o clericalismo, enganam-se: elle, orador, pergunta em que é que a Igreja tem influido na marcha dos negocios publicos em Portugal, onde é que está essa pretendida reacção?

Não, essa agitação religiosa encobre uma agitação politica.

É necessario que todos se convençam de que é preciso pôr de parte despeitos humanos e o medo de que nos chamam reaccionarios para se poder fazer a defesa intelligente e criteriosa do que existe no país, das instituições, a que anda preso o futuro de Portugal, de tudo isto, emfim, a que estamos presos por tantos laços que não os deviamos desprender sem um protesto justiceiro e altivo.