DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 443
e vexatorio mesmo, com tanto que o paiz tenha de o pagar só com dinheiro, mas todas as vezes que eu vir que se exigem garantias por suspeita ou duvida de não pagarmos o que for devido, ou de faltarmos áquillo a que nos compromettermos, n'esse caso prefiro todos os males, todas as calamidades, sejam de que natureza forem, a confessar que taes duvidas têem rasão de ser, ou a consentir n'ellas (apoiados).
Não creio que fosse este o motivo que determinasse o nobre ministro da fazenda. Esta condição ha de ter uma explicação rasoavel, e s. exa. de certo a dará, mas era todo o caso ella póde ter esta interpretação, e emquanto a poder ter eu não voto similhante condição.
A minha moção de ordem não altera na essencia o pensamento do governo, altera apenas a fórma e condições que me parecem accessorias.
Ao artigo como se acha redigido, e ás obrigações que se encontram no pertence ao n.° 9, eu substituo o deposito na casa Goschen pelo deposito no banco de Portugal, á ordem do juiz competente.
Eu creio que tanto o banco de Portugal como a integridade da justiça portugueza hão de inspirar lá fora plena confiança. Alem d'isso, ainda póde dar se um perigo, que eu não affirmo nem tenho motivo nenhum para affirmar, mas que e possivel, e que portanto cumpre acautelar.
Por maior que seja o credito de qualquer casa commercial, essa casa póde quebrar e ha sempre um certo risco em deixar ali o dinheiro em deposito. Não digo que esta consideração seja de grande importancia, nem que possa haver justos receios de que ella venha a realisar se. O que para mim é de importancia é que o dinheiro fique em Portugal c que o pagamento se laça era Portugal pelo juizo competente.
Porém eu vejo que, achando se a companhia do caminho de ferro era liquidação perante os tribunaes inglezes, se manda entregar o dinheiro ao liquidatario official da companhia em Londres, para ali se dividir aquella quantia segundo as leis inglezas. Ora, eu pergunto a v. exa., á camara e ao governo, como é possivel conciliar estas idéas com o n.º 3 o memorandum que o governo publicou? Diz o memorandum:
«O artigo 68.º do contrato de 3 de janeiro de 1860, approvado pela lei de 29 de maio do mesmo anno, diz assim:
«A empreza, seus contratadores, agentes e operarios, ficarão sujeitos, emquanto diz respeito ao contrato para a construcção e exploração do caminho de ferro das Vendas Novas a Evora e Beja, ás leis e tribunaes do reino de Portugal.
«Não só como corollario d'este artigo, mas tambem como consequencia de se ter a empreza constituído em sociedade anonyma, nos termos do codigo commercial portuguez, os fundadores da companhia de caminhos de ferro de sueste convencionaram e estatuiram nos estatutos de 23 de julho de 1862 o artigo 2.°, que diz assim:
«O domicilio da companhia, para todos os effeitos legaes, com respeito aos contratos, cuja execução tenha de ser levada a effeito em Portugal, será Lisboa; e com respeito a todas as questões a que possa dar logar a execução ou interpretação dos mesmos contratos, o seu foro será sempre o do seu domicilio.
«O preceito do artigo 68.º do contrato de 1860, acima transcripto, ficou sendo estipulação e preceito do contrato de 21 de abril de 1864, por virtude do seu artigo 11.°, e ficou sendo tambem estipulação do contrato de 14 de outubro de 1865, por virtude do seu artigo 12.°
«O artigo 2.° dos estatutos de 1862 não foi revogado nem alterado pelos estatutos supplementares de 1864, e foi textualmente copiado no artigo 2.° dos estatutos de 1866.
«Seria absurdo que o governo aceitasse a competencia de tribunaes estrangeiros para julgar questões relativas a um contrato feito em Portugal, e para ter execução em Portugal. Seria absurdo que não fosse sujeita, exclusivamente ás leis e tribunaes portuguezes uma companhia que não tinha personalidade juridica senão em Portugal, e por virtude das leis de Portugal.»
Pois se pelo memorandum é absurdo que o governo portuguez aceite a competencia de tribunaes estrangeiros para julgar estas questões, como é que o governo quer mandar o dinheiro para a liquidação em Londres, e sujeitar a sua divisão á competencia de tribunaes estrangeiros, para que estes decidam e julguem? Aqui ha uma contradicção gravissima, e cumpre ao governo dar a este respeito alguma explicação.
Desejo na verdade ouvir sobre este ponto alguma explicação satisfactoria. Pois vera uma companhia organisar-se em Portugal; faz aqui os seus estatutos segundo as disposições expressas do codigo commercial portuguez; faz aqui os seus contratos para construir obras em Portugal; estipula no contrato e nos estatutos que, para todas as questões que a Companhia tenha, o seu domicilio é em Lisboa, e o fôro será o do seu domicilio; a companhia quebra depois por falta de pagamento de letras que ella aceitou em Portugal a favor do governo portuguez; e esta companhia póde, quando queira, por sua vontade ou por capricho, ir requerer a Londres uma liquidação voluntaria; e tirar das justiças portuguezas para as justiças inglezas todas as questões a que o seu contrato e as suas obrigações, aqui contrahidas, podem dar logar?
Isto é incrivel!... Isto não se acredita, e ainda que não está no artigo, como está no appenso ao n.° 9, é necessario que a este respeito haja pelo menos uma explicação cathegorica. E eu não me contento com uma explicação; só me contentarei, quando isto se tire completamente, substituindo o pela declaração de que são as justiças portuguezas as competentes para tratarem d'estas questões.
Não quero de maneira alguma concorrer para que o meu paiz fique reduzido á condição de uma colonia ingleza. Contra isso protesto com a palavra e protesto com o voto, e protestarei sempre.
Não póde ser. A companhia contratou era Portugal ficando sujeita a todas as leis e justiças do Portugal, e não póde admittir-se que vá disputar lá fóra, longe das justiças do paiz, direitos e obrigações que ali se podem reger, e que effectivamente se regem, por leis muito diversas.
Não sei, nem posso descobrir qual foi a causa destas condições. Refiro me tanto á condição de ficar o dinheiro em Londres como á d'elle ser entregue ao liquidatario official.
E preciso saber se se estas condições são dictadas pela necessidade de contentar os capitalistas opulentos e que falsamente se suppõem influentes na cotação dos fundos na bolsa de Londres, e se são impostas como fundamentaes para a realisação do emprestimo.
Eu já disse que não posso acreditar que a cotação no stock-exchange esteja á mercê de alguns homens, por mais influentes e opulentos que sejam. Presumo e devo acreditar que, desde que o stock-exchange é o tribunal do primeiro mercado monetario do mundo, elle não se regula senão pelos principios de justiça e pelas disposições dos seus estatutos.
Considerando esta questão como eu a considero, entendo que todo e qualquer individuo que apresentasse no stock-exchange esta questão com a companhia do caminho de ferro de sueste, no estado em que nós a temos tido até hoje, podia obter muito facilmente que o stock-exchange recusasse a cotação de qualquer novo emprestimo aos fundos portuguezes. Mas não acredito de maneira nenhuma, logo que esta questão se resolva por uma maneira digna, justa e definitiva, que haja influencia individual de ninguem, para poder levar o stock-exchange a continuar a recusar-nos a cotação. E a cotação no stock-exchange creio que não é tão difficil de ser negada, como no outro dia me pareceu ouvir dizer ao meu illustre collega, o sr. Lobo d'Avila. Eu estra-