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SESSÃO DE 4 DE MAIO DE 1889

Presidência do ex.mo sr. Francisco de Barros Coelho c Campos

Secretários os ex.mos STS.

Francisco José de Medeiros Francisco José Machado -

SUMMARIO

Um offieio do ministério do reino, ncompanhando alguns exemplares de contas do mesmo ministério; e outro do sr. deputado Campos Valclcz, pedindo licença para se ausentar do reino por alguns dias. Consultada a camará, foi concedida a licença. — Representação do's lavradores de Felgueiras, mandada para a mesa pelo sr. Alfredo Pereira; e a seu pedido mandada publicar no Diário do governo.— Requerimentos de interesse publico apresentados pelos srs. Franco Castello Branco, Sebastião Nobrcga e Luiz José Dias. — Requerimentos de interesse particular apresentados pelos srs. Brito Fernandes, Luiz José Dias e'Mendes da Silva. — Justificações de faltas dos srs. Alves de Moura e Alves Matheue.— Considerações feitas pelo sr. Franco Castello Branco cm referencia no requerimento que mandou para a mesa."—Diversas perguntas dirigidas pelo sr. Luiz José Dias ao sr. ministro da justiça, que lhe responde cm seguida. — O sr. Julio de Vilheiia chama a attençào do sr. ministro dos negócios estrangeiros para um tcle-

• gramma relativo ás declarações feitas pelo sub-sccrctario d'est:ulo dos negócios estrangeiros de Inglaterra, na camará dos communs, ícerca da navegação do Zambeze e Chire, e á situação de Portugal cm relação ao Nyasea. Responde-lhe o mesmo sr. ministro.— Proposta de lei sobre saneamento de Lisboa, apresentada pelo sr. ministro das obras publicas. — Explicação com que o sr. presidente fundamenta a não concessão da. palavra ao sr. Cardoso Valente, que a pedira para negocio urgente. — Daclaraçào d'este siv deputado. — Parecer da commissão do guerra, mandado para a mesa pelo sr. Brito Fernandes. — Propostas de aggregaçào apresentadas, uma pelo sr. Uavasco c.outra pelo sr. Simões Ferreira, sendo ambas approvadas.

Na ordem do dia (primeira; parte) continua a discussão na generalidade do projecto de lei que estabelece os-tribunaes avindorcs.— Apresenta um additamcnto o sr. Santos Crespo por parte da com-missào de commercio e artes.— O sr. Pinto dos Santos concorda ,com o pensamento do projecto, mas acha-o inopportuno. Responde-lhe, por parte da commissào, o sr. Santos Crespo. — O sr. Fus-chini desiste da palavra, reservando-se para a especialidade.— O sr. Consiglieri Pedroso. acha inutil uma discussão theoriea sobre a generalidade, cm que todos concordam ; pede por isso que se passe á especialidade. — Lido o projecto foi approvado uu generalidade, com o additomcnto do sr. Santos Crespo. — Requer o sr. Fuschini, c a camará approva, que sejam discutidos na especialidade coiijunctamcnte todos os artigos..— Assim se resolve, c enceta o debate o sr. Consiglieri Pedroso, dcclarando-sc favorável ao pensamento geral do projecto, mas discordando n'algur.s pontos, a respeito dos quács mandará propostas de modificação para a mesa.

Na ordem do (Ha (segunda parte) continua cm discussão, a intcrpcl-laçào do sr. Lopo Vaz acerca do pagamento da divida de tabacos aos antigos contratadores, e usa da palavra o sr. Dias Ferreira, que nprcscnta e sustenta, cm largas considerações, uma moção de. censura.

Abertura da sessão — Ás três horas da tarde.

Presente* á chamada 06 srs. deputados. São os seguintes:— Alfredo Pereira, Moraes Sarmento, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Barão de Corabarjúa, Bernardo Machado, Eduardo Abreu, Elizèu Serpa, Madeira Pinto, Feliciano Teixeira, Fir-mino Lopes, Francisco. Beirão, Francisco de Barros, Castro Monteiro, Francisco Mattozo, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Pires Villar, João Pina, Cardoso Valente, Franco Castollo Branco, Teixeira do Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Sousa Machado, Correia .Leal, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Alves de Moura, Ferreira Galvao, Barbosa Co-len, José Custello Branco, Pereira de Matos, Ruivo Go-dinho, Abreu Castello Branco, Laranjo, Vasconcellos Gusmão, José de Nápoles, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, Pinto Mascaronlias, Santo? Moreira, Abren e Sousa, Júlio Graça, Júlio de Vilhena. Lopo Vaz, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Luiz José Dias. Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel José Cor feia, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Marianno Pré

zado, Martinho Tenreiro, Matheus de Azevedo, Miguel Dantas,'Pedro de Lencastre (D.), Pedro Victor, Sebastião tfobrega e Estrella Braga.

Entraram durante a sessão os srs,:—Guerra Junquei--, Moraes Carvalho, Mendes da Silva, Anselmo de An-adcj Alves da Fonseca, Sottea e Silva, António Castello 3ranco, Baptista de Sousa, António .'Centeno, António Villaea, Ribeiro Ferreira, Pereira Borges, Guimarães .Pe-.rosa', Mazziotti, Fontes Ganhado, .Jalles, Pereira Carri-tio, Barros e Sá, Augusto Pimentel, Augusto Fuschini, jobo d'Ávila, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa leal, Eduardo. José Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Ju-io Navarro, Mattozo Santos, Fernando Coutinho (D.), íYeitas Branco, Almeida e Brito, Francisco de Medeiros, ÍYancisco Ravasco, Lucena e Faro, Severino de Avellar, 'rederico Arouca, Guilherme de Abreu, Casal Ribeiro, andido da Silva, Baima de Bastos, ízidro dos Reis, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Santiago Gouveia, JoSo Arroyo, Alves Matheus, Jorge de Mello (D.), Avellar Ma-,hado, Ferreira de Almeida, Eça de Azevedo, Dias Fer-eira, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Horta c }osta, Mancellos Ferraz, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Marca] Pacheco, Marianno de Carvalho, Miguel ia Silveira, Pedro Monteiro, Wenceslau de Lama e Consiglieri Pedroso.

Não compareceram .á sessão os srs.: —Albano de Mello, Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Campos Valdez, António Cândido, .Oliveira Pacheco, António Ennes, Gomes Neto, Tavares Crespo, António Maria de Carvalho, Augusto Ribeiro, Victor dos Santos, Conde' de Fonte Bella, Góes Pinto,. Estevão do Oliveira, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Sá Nogueira, SanfAnna e Vasconcellos, Menezes Parreira, Vieira do Castro, Alfredo Ribeiro, Oliveira Vallo, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Jorgo 0'Neill, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Guilherme Pacheco, Alpoim, José Maria dos Santos, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Santos Reis, Julio Pire», Dantas Ba-racho, Vicente Monteiro, Visconde do Monsaraz, Visconde de Silves c Visconde da Torre.

Acta — Approvada.

EXPEIMENIE

Officios
Do ministério do reino, acompanhando 160 exemplares das contas do mesmo ministério, relativas á gerência do anno económico de 1887-1888, c ao exercício de 1886-1887. . -
Para a secretaria. • .
Do sr. deputado António de Campos Valdez, pedindo lhe seja concedida licença para se ausentar do reino por alguns dias.
Corísitliada a camará, foi concedida.
REPRESENTAÇÃO
Dos lavradores do concelho de Felgueiras, reunidos era comício, pedindo diminuição do imposto que rccáo sobre os vinhos da sua região. • _ .
Apresentada pelo sr. deputado .Alfredo Pereira, enviada • ás commissões de agricultura e de fazenda è mandada publicar no Diário do governo.

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DIAEIO DA GAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministério da marinha e ultramar, seja enviado a esta camará, e em seguida publicado no Diário do governo, o seguinte:

1.° O original do decreto de 3 de marco de 1887, assi-gaádo por Sua Magestade El-Rei, e não referendado pelo ministro respectivo, declarando rescindido para todos os effeitos jurídicos o contrato de 14 de outubro de 1883, para a construcção do caminho de ferro de Lourenço Mar quês á fronteira do Transvaal e mandando restituir á companhia o deposito de 67:500^000 réis.

2.° Copia da acta da sessão da junta consultiva do ul tramar, de 3 de março de 1887.= franco Castello Branco.

Peço que se mande á camará, com urgência, nota com que o ministério da marinha subsidia u publicação As colónias, portuguezas, o despacho ministerial que ordenou esse subsidio, e bem assim todos os que se lhe têom succcdido. Peço também que a direcção geral do ultramar informe esta camará:

' 1.° Se o logar de director da alfândega de.Cachcu está provido; '

2.° No caso affirmativo, o nome d'csso funccionnrio e qual a sua situação presentemente. = Sebastião da No-breya.

Requeiro que, pela direcção dos próprios nacionaes (ministério da fazenda), me sejam rcmettidos os seguintes es clarecimentos:

1.° Copia da informação que o sr. cardeal patriarcha deu ao requerimento da irmandade dos clérigos pobres erc cta na igreja da Encarnação, pedindo parto do extinto convento de Santa Martha d'esta capital;

- 2.° Copia da informação dada pela secretaria dos negócios ecclcsiasticos a respeito d'cste assumpto;

3.° Data da remessa do officio dos próprios nacionaes para a secretaria dos ecclesiasticos,' c data do officio d'csta secretaria, respondendo á consulta d'aquclla. = Luiz José Dias, deputado por Monsão c Mclgaço.

Mandaram-se expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PAUTICULAII

- Do picador de 2." classe, em commissão na escola do exercito, José Manuel Galvão, pedindo lhe suja- concedido cavallo praça.

• Apresentado pelo sr. deputado Brito Fernandes e enviado á commissão de guerra, ouvida à de fazenda.

Do capellâo de 1.* classe, Domingos Josó de Almeida, pedindo ser elevado á graduação do major, com todas as vantagens e para todos os effeitos.

Apresentado pelo sr. deputado Luiz José Dias c enviado á commissSo de guerra.

De Jayme Lobo de Brito Godim, pedindo que seja modificado o § único do artigo 24.° do decreto de 24 de dezembro de 1885, no sentido-de ser abonada aos secretários geraes dos governos do ultramar, quando exerçam os loga-res de governadores, alen\ da verba para despczas do re-p"resentação, a importância de 50 por cento que os respectivos governadores deixam de perceber dos' seus ordenados, durante a sua permanência na metrópole.

Apresentado pelo sr. deputado Mendes da Silva c enviado á commissão do ultramar, cuvida a de fazenda. •

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Participo a v. cx.a e á camará que por motivo de doença tenho faltado ás ultimas sessões. = O deputado, Alves de 'Moura.

Declaro que por motivo justificado não pude comparecer ás ultimas sessões. —/. Alves Matheus. Para a acta.

O sr. Franco Castello Branco (para negocio urgente) : — Sr. presidente, o negocio urgente para q.ue pedi a palavra refere-se á publicação dos documentos designados no requerimento que vou mandar para a mesa.
Como não desejo cansar a paciência-da camará, nem tornar-lhe mais tempo do que o indispensável para significar a urgência do pedido, reservo as minhas considerações para mais tarde, quando tiver para isso opportunidade. O requerimento ó o seguinte:
«Requeiro que, pelo ministério da marinha e ultramar, seja enviado a esta camará, c em seguida publicado no Diário do governo o seguinte:
«1.° O original do decreto de 3 de março de 1887, as-sigiindo por Sua Magestade El-Roi, c não referendado pelo ministro respectivo, declarando rescindido para todos os effeitos jurídicos'o contrato de 14 de outubro de 1883, . para a construcção do caminho de ferro de Lourenço Marques á fronteira do Transvaal c mandando restituir ú companhia p deposito de G7:500;?000 réis.
«2.° Copia da acta da sessão da junta consultiva do ultramar de 3 de março de 1887.B
Espero que v. ex.a fará expedir urgentemente este requerimento ; e parece-me que n'essa mata virgem de documentos, relativos á questão do caminho de ferro de Lourenço Marques, como lhe chamou, ha dias, o meu illuftrc amigo e distincto parlamentar, o sr. Augusto Fuschini, seguramente, não serSo estes, que agora requisito, nem os menos interessantes, nem os de menos proveito, para quo o paiz.conheça como o actual governo tem administrado os negócios do estado, e como se tem depois a impudência do vir accusar os adversários políticos por actos que nunca . existiram, ou, se existiram, poderam ser por elles emendados.
Não o fizeram, preferindo antes sonegar um documento da mais alta importância e significação, já depois de assi-gnado por El-Rei! (Apoiados.)
Sr. presidente, v. ex.a comprehendc que sobre este assumpto tem de dar-se grande batalha, a mnior, talvez, que tem havido no parlamento; mas antes d'issb é necessário que todos estes documentos sejam aqui apresentados, para que todo o paiz veja, para que Sua Magestade saiba, o uso que este governo faz da sua assignatura. É necessário que; todos tenham conhecimento d'isto, é necessário reconhecer-se a verdade dos factos, que homens de bem nunca devem adulterar, principalmente cm prejuízo da reputação e do bom nome dos seus adversários políticos.
Nada mais digo, porque todos me entendera; e torno a repetir que desejo que este requerimento seja expedido com toda a urgência. Vozes : — Muito bem. (S. ex.3- não reviu.)
O requerimento vae publicado a pag. 642. O sr. Sebastião da Nobrega: — Mando para a mesa um requerimento pedindo diversos esclarecimentos pelo mi-nistcrio-da marinha.
Vae publicado a pag. 042.
O sr. Luiz José Dias: — Sr. presidente, o sr. Ma-rianno de Carvalho, quando ministro, apresentou uma proposta, quo tinha por fim dar destino a alguns edifícios públicos".
E?sa proposta foi-me distribuída para eu a relatar, e a commissão precisa dos esclarecimentos que eu requisito do sr. ministro da fazenda no requerimento que mando para a mesa.

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dos clérigos pobres, e eu vi em vários jornacs da capital, dos mais importantes, de todos os.matizes e até os incolores, que se pretende conseguir quê este edificio seja destinado para uma congregação estrangeira, que não sei qual seja, nem como se chama, nem o fim a que se propõe, em prejuízo da irmandade dos clérigos pobres, que já -tem muito tempo de existência, e que está organisada cm bases muito rasoaveis para acudir áquelles que cáom na miséria, visto que da parte dos poderes públicos nada se tem feito e nada se pôde esperar, visto não se passar de promessas, que se não cumprem.

Na resposta ao discurso da covôa, o sr. ministro da justiça promctteu apresentar uma proposta para aposentação da classe parocliial; mas até hoje ainda não foi apresentada n'esta casa,, e a sessão caminha rápida para o seu _tcnno.

• Prometteu-sc a dotação do culto e clero, convolou-se para a aposentação, c tudo fica em promessas.

• Mas. vamos ao caso. Eu entendo que o sr. ministro da fazenda devia fazer provisoriamente a concessão de umas partes d'aquclle edificio á irmandade, por isso que na proposta ministerial, que está sujeita ao exame da camará, se dizia que parte do edificio seria concedida á junta de parochia, para escolas, outra parte aos parochos, e outra á irmandade dos clérigos pobres.

• O sr. Marianno de Carvalho, como a proposta não foi discutida, concedeu, por decreto, á junta de parochia do Coração de Jesus e ao parocho a parte do edificio que na proposta lhes era destinada. Praticou uma boa acção e obstou por este meio a. que ta acção do tempo íosse deteriorando, sem proveito para ninguém, aquella porção do convento, cuja applicação não podia ser melhor do que a que lho deu o sr. ministro.

• O actual sr. ministro da fazenda podia completar a obra do seu predecessor, e conceder também por sua parte á irmandade dos clérigos pobres a porção do edificio a que se refere a proposta. Tem em seu favor a opinião da imprensa, do todos os partidos, e como argumento de valia o precedente estabelecido. E para melhor se convencer de que. não andaria de leve ou menos correctamente, bastaria lembrar-se de que o seu antecessor não faria ás cortes uma tal proposta, só não se tivesse previamente convencido, pelo estudo do assumpto, da sua justiça e raciònabilidade.

É possível que a camará não tenha tempo para se occu-par d'cstc assumpto, porque ha matérias importantes a discutir, e as medidas constitucionaes, sem as quaes o governo não pôde administrar. Por isso, é muito de suppor que esta proposta não possa ser convertida cm lei n'esta sessão, e desejava que o sr. ministro da fazenda, fundado nas rasõcs que acabo de.expor, se dignasse fazer essa concessão á dita irmandade.

Creio que é muito mais justo e rasoavcl fazer essa concessão a. uma irmandade constituída por portuguezes, do que a uma congregação estrangeira, por mais respeitável que seja o seu fim, que eu ignoro, como já disse. (Apoiados.) ,

A este respeito faliam os jornaes de Lisboa, Diário de noticias, Globo, Diário popular e Dia, e todos clles são unanimes em declarar que é muito justo c rasoavel o. pedido. Diz o Globo:

(Leu.)

Acresce ainda alem d'isto que o collegio das missSes ultramarinas precisa também de um hospício para recolher o clero que ve,m do ultramar arruinado de saúde, enfraquecido de forças, sem recursos c sem vida para os adquirir, e a quem o estado paga, como coroa de seus grandes sacrifícios, a pingue e tentadora.gratificação do 7$200 réis de mensalidade.

Ora esta irmandade na ultima reforma dos seus estatutos, e que é de bem recente data, inseriu a clausula de que, se porventura o governo lhe concedesse a parte do convento de Santa Martha por ella requeridf, admittia lá os

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indivíduos que viessem das missões do ultramar. É mais uma rasão de grande valia, que o sr. ministro da fazenda tem em seu favor para acceder ao pedido que eu, em nome da irmandade, lhe faço. E parece-me poder terminar aqui as minhas ligeiras considerações pelas quaes a' camará faz idéa da justiça da causa que advogo. (Apoiados.)
Como não está prssente o sr. ministro da fazenda, eu peço ao sr. ministro da justiça o obséquio de lhe commu-nicar as considerações que acabo de fazer, lembrando-lhe a conveniência de fazer a concessão provisória emquanto se não poder converter em lei a proposta ministerial.
Já que está presente o sr. ministro da justiça, aproveito a occasiito de estar com a palavra para chamar a atténção de s. ex.a para um assumpto a que já mo referi ha dias e de que s. ex.a teve naturalmente conhecimento pelo extracto das nossas sessões.
Ha circules de paz, como eu já disse o outro dia, que têem uma área irregular e da qual resultam muitos inconvenientes para os povos que queiram recorrer á acção dos tribunaes; pois, começando n'uma freguezia vão completar-sc' com outras, interpondo-se como intermediárias outras trcs ou quatro.
E assim esses círculos, saltando por cima d'cstas paro-chias, vão buscar o seu complemento a outras, que distam muitos e muitos kilometros da primeira.
Hoje que os juizes de paz ficam exercendo as funcções de juizes ordinários, augmcntaram os inconvenientes e diffi-cultou-se muito a procura das justiças ordinárias. E ninguém calcula os incommodos, os transtornos, os embaraços e difficuldades, que esta nova organisação acarretou coni-sigo para os povos, que não podem prescindir do recurso dos tribunaes e têera de percorrer consideráveis distancias para occorrer á dita alçada.
Alem d'isto ha mais: ha escrivães do juizes ordinários, que accuraulam as funcções da nota e alguns dos quaes pediram se lhes conservasse a nota o se.lhes desse a demissão da escrevaninha; ora como o decreto do 9 de março não disse cousa alguma a esse respeito, desejava saber se s. cx.a tencionava attender ao pedido d'estes escrivães, . éxonerando-os na forma do seu pedido, ou se os obriga a desistirem também da nota, caso elles insistam no pedido de exoneração da escrovaninha?
A execução do decreto está sujeita a muitas difficuldades e nem ellas agora me occorrem todas.
Uma que me parece irresoluvel é esta. Ha freguczias de uma comarca que pertencem a um circulo de paz com sedo n'umâ freguezia de comarca limitrophe. Do juiz ordinário, hoje juiz de paz, ha appellação para o juiz de direito. Como determinar a competência quando as partes pleitcan-tes sno de uma comarca e o juiz ordinário é de outra? Pelos principies geracs o juiz de direito não tem competência para julgar o pleito de cidadãos, que toem o seu domicilio n'outra comarca se o objecto da demanda é uma divida, mas o juiz da comarca dos litigantes não pôde ter competência para receber a appellação de um juiz ordinário, que está domiciliado em comarca differente, aliás d'este juiz do paz haveria dois tribunaes superiores, dois juizes de direito a receber appellações, um quando os pleiteantes fossem da mesma comarca que o juiz de paz e outro (o vizinho) quando os litigantes fossem da comarca comvizi-nha. Esta difficuldade dá-se na pratica e não sei como resolvel-a.
As disposições transitórias do decreto ainda trazem ou-.tras difficuldades. Ha círculos onde ficam funccionando os escrivães de paz, e ha outros onde ficam servindo os do juiz ordinário. Ora hoje ha freguezias, que pertencem a um julgado e um circulo de paz difíerentes, como, por exemplo, a de Barbeita, no concelho de Monsão; qual dos
escrivães ha do ir ali fazer serviço, o de paz ou o do iuiz
v • o *
ordinário f

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crivíío do juiz ordinário de Bnrbcita fica a funccionar terá de ir fazer serviço a 30 ou mais kilometros de distancia dá sua sede.

Estes e muitos outros inconvenientes resultam do citado decretos, alem closincommodos, que se aggravam c augmen-tam para 03 povos. Parecia-rno que o sr.'ministro da justiça devia ter precedido esta medida de outra que era preparatória; devia ter previamente procedido á remodelação dos circules, porque na òrganisação dos serviços de justiça deve procurar-se, não só que ella seja o mais barata pos-eivcl, mas'também que seja commoda pnra os povos. Alem do que todos sabem que na maior parte do paiz ninguém se quer sujeitar c acccitar o encargo de juiz de paz e a mais das vezes só escolhe e elege o primeiro que se presta a isso; esses juizes, investidos pelo decreto em questão, do poder de julgar hão de proferir sentenças, como as do antigo juiz de Suajo. E ou acabam as tentativas de conciliação, ordenadas pela carta constitucional, ou o juiz de paz com as funcções d'j julgador não ha de crcar grando aptidão pava essas audiências. E então 6 outro inconveniente da actual òrganisação, visto que não podem funccionar ao mesmo tempo os dois escrivães, de paz c ordinário, um cVelles fica privado do seu emprego, do qual pagou encarte, emolumentos o direitos de mercê; tenciona o .sr. ministro indemnisal-os do prejuízo?

Pela carta, es juizes de paz são de origem electiva .e agora dando-lhes funcções de julgar dcsattenclc-iíc o principio da independência do poder judicial; mas só são "de nomeação regia dcsatíeudc-se a carta, que os declara electivos. E parece-me q~uc .os artigos referentes a limitação, definição e òrganisação dos poderes são constitucionacs e não podem ser alterados por leis ordinárias. Peço ao sr. ministro que de novo prenda a sua.attenção a estes assumptos c lhes dó o remédio que julgar conveniente. , Termino pedindo â s. cx.* só digne mandar-me os esclarecimentos que do seu ministério requisitei e os dois processos da igreja do real collcgio do Amarante e de S. Cosmado do Armamar, que ha pouco foram providos. Tenho urgência da remessa cVeitcs c dos outros documentos, porque desejo interpellar s. ex.a; mas antes mandarei para a mesa a competente nota, na qual indicarei os pontos sobre que desejo resposta para assim o sr. ministro se poder prevenir c habilitar a responder.

(O requerimento vae publicado a pay. 542.}

O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirito):— Responde ao orador precedente, começando por assegurar-lhe que dará conhecimento ao sr. ministro da fazenda das considerações feitas pelo illustre deputado, com relação aos documentos que requisitou pela direcç«ão dos próprios na-cionaes.

Quanto á dotação do clero expõe o orador que a principal difficuldade com que tem luctado, como luctavam os seus antecessores, provém do facto de terem sido feitas pelo parlamento muitas concessões de edifícios públicos, com cujo valor se contava para EC poder levar por diante essa medida; e por isso, querendo attcndcr quanto possivcl á situação precária cm que cst;í o clero pnrochial, promettGra a aposentação dos parochos.

À respectiva proposta de lei virá brevemente ao parlamento ; e já ella teria sido apresentada, se-não tivesse adoecido o sr. director geral a quem encarregou de a redigir.

Acrescenta o orador que, assim como reconhece a necessidade da dotação do cloro, também reconhece a necessidade de se fazer uma circumscripção judicial em todas as suas ramificações.

Foi para este fim nomeada uma commissão, que começou j;i os sei.is trabalhos; c, pela sua parte, espera que cl-les sejam concluídos, attenclcndo se ás conveniências dos povos.

Deve dizer que as tlifficiildadr.s a quo o sr. deputado se referiu, não tcem sido croácias pelo decreto quo s. cx.a citou; já existiam antes cVellc.

Quanto á pergunta, se os escrivães dos juízos ordinários, que são tabclliães, podem continuar a sél-o, embora se demitiam de escrivães, responde que, segundo as leis, as funcções de tabellião, exercidas pelos escrivães, só acabam com elles.
E pelo quo respeita á questão de competência em assumptos contenciosos, questão que poderá levantar-se por haver juizados de paz, pertencentes a mais de uma comarca, deve observar que as leis 6 que hão de dizer quem é o competente. . . '
Se ha n'isto inconv enicnte, o governo esporava dar-lhe remédio com a circumscripção judicial.
Perguntou também o illustre deputado se aos escrivães exonerados se dará alguma compensação, visto terem elles pago direitos de mercê e encarte.
A isto responde elle, orador, que, segundo as disposições do decreto de 1886, podem ficar collocados todos os escrivães, menos os que não forem idóneos, que.é a causa geral de exoneração. Foram portanto respeitados os direitos adquiridos, c até hoje nenhuma reclamação recebeu.
Relativamente aos documentos pedidos pelo ministério da justiça, declara que n'aqucllc ministério ha falta do empregados ; mas ainda assim os documentos virão o mais depressa possivcl.
Declara em todo o caso quo na secretaria estarão á disposição do illustre deputado os que não forem de natureza confidencial.
(O discurso será publicado na integra, e em appcndtce á sessão, quando s. ex.& devolver as notas taclnjfjraphicas.)
O- sr. Júlio de Vilhéna (Para negocio uryente): — Chama a attenção do governo o cm especial do sr. minis-. tro dos negócios estrangeiros para um íelegramma expedido pela agencia Havas e que se refere ás declarações fei- . tas pelo Bub-secretario d'estado dos negócios'estrangeiros de Inglaterra, na camará dos communs, acerca da navegação do Zambezo e cm relação á situação em que Portugal se encontra com respeito as missões escocczas no Nyassa.
Deseja que lhe sejam dadas explicações categóricas a este respeito é formula diversas perguntas em relação ao assumpto.
(O discurso será piiblicado na integra e cm appendice, logo que s. ex? o restitua.)
O .sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Bar-ros Gomes): — Acccitando o conselho que-me deu o illus-. tro deputado, o er. Júlio deVilhcna, conselho quo é muito auctorisado por ser da pessoa de quem parte, já pelo seu valor individual, já pela auctoridade que lhe resulta de ter exercido elevados cargos na administração publica, vou ser tão conciso e claro, quanto possivcl, nas minhas respostas a s. cx.a
Em primeiro logar o governo portugucz continua affir-mando, como tem amrmado sempre, quer no parlamento,-
3uer cm documentos diplomáticos perante as cbancellarias a Europa e muito especialmente perante.o governo in-glcz, o direito inteiro c pleno de Portugal a regular a navegação do Zambczc.
Esse direito, como já tenho tido occasuío de declarar á camará, assenta,' entre outros muitos elementos, sobre o reconhecimento da própria conferencia de Berlim, que entendeu que hão ee pôde legislar com respeito áquella região sem o assentimento de Portugal, como potência soberana.
Portanto, repito, Portugal continua nííirruando o seu direito inteiro c pleno á navegação do Zambezc, isto ó, a estabelecer o regimen de navegação n'aquellc -rio, que mais conformo entenda com a sua conveniência própria.
Os documentos diplomáticos, e correspondência com os gabinetes estrangeiros, relativamente a esta amrmação feita, pelo governo portugucz, hão de vir a seu tempo á camará. Estão já impressos; no caitanto, motivos tem havido para quê. eu entenda que por emquanto iilío é conveniente a sua apresentação.

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Pelo que toca á, soberania, disse o illustre deputado que não temos que agradecer o reconhecimento da Inglaterra à nossa soberania sobre a. costa de Moçambique.

É effectivamente assim, porque esse reconhecimento está firmado em tratados, e eu não posso, por minha parte, senão declarar que não deve caber a Portugal, que tem trabalhado em África, ha tantos-séculos, um direito inferior ao que assiste a outros povos, de procurar quanto possível, propagar a sua influencia e levar a sua acção ás regiões do interior.

Este direito,, sabe-o a camará, está consignado em dois tratados feitos com duas nações estrangeiras que toem interesses na África;- mas cumpre-me acrescentar que,' man tendo esta maneira de ver por nosso lado, é certo que não obtivemos para ella até hoje o reconhecimento da Inglaterra, nem com relação ao regimen da navegação, nem com respeito ao direito da soberania, extensivo ás regiões do interior -da África, direito que pela Inglaterra nos tem sido sempre contestado.

Mantendo pois o nosso direito, firmado nos fastos mais assignalados da nossa historia mantemo-nos dentro da limitação cYesse direito, que-nos tem sido já reconhecido por parte de duas potências, embora negada por uma terceira. - .

Com relação á supposta descoberta^ feita por Jauacs Rankin de mais um braço navegável no Zambcze, assumpto que 'se debate no parlamento inglez e na imprensa, eu, sem querer ir tão longe conio o illustre deputado, começarei por dizer que, se nós não temos.nada a invejar aos trabalhos dos estranhos, é certo todavia que, especialmente em hydrogniphia, a Inglaterra, com relação ú costa de África,' tem apresentado trabalhos de um alto valor scientifico.

E não mo parece que, para zelar os nossos créditos e os. nossos brios/ precisemos contestar ou amesquinhar os conhecimentos adquiridos por indivíduos de outras nacionalidades. _ ' '

Os documentos officiacs, e entre elles o relatório do go- • yernador geral -de Moçambique o sr. Augusto de Castilho, mostram que os trabalhos dos inglezes, para o melhor conhecimento da carta de África, são importantíssimos.

A África é vastissima; a África é campo de actividade para todos.

Se nós temos feito muito, em relação aos recursos de que dispomos, outros toem também trabalhado, e não rnè parece que nos seja necessário depreciar o que elles têom conseguido; mas, no caso actual, não me parece também que tenha havido qualquer descoberta.

Estimo muito que o illustre deputado prestasse o serviço patriótico de chamar a .attcnção da camará para este assumpto, porque deu occasião a que eu, não com a aucto-ridade pessoal, tque não tenho, mas com a auctoridade que me dá o logar que occupo, faço algumas declarações perante a camará.

Na carta do marquez de Sá, esse homem eminente, esse homem cujo nome nunca pôde ser recordado sem saudade, (Apoiados.) e sem reconhecimento polo seu indefesso trabalho, vem desenhado o delta do Zambezc e n'elle está marcado por duas linhas ponteadas;um canal que devo ser este de que se falia agora.

Vê-sc o mesmo n'outro3 documentos; mas temos entre elles um mais recente e mais exacto.

O brioso e distincto engenheiro' o sr. Sarmento, que se occupa presentemente em estudar o caminho de ferro da Zambezin, e que esteve no delta de 1887 e 1880, muito claramente desenha no mappa uma.abertura do delta, que . tem por nome a barra de Inhadmbc, a partir do qual corre o canal do Chinde, que pôde ser esto de que se trata.

O que pôde fazer com que o facto tenha alguma novidade é a profundidade que n'este momento se attribue a esse canal.

É certo que, se a profundidade de $ braças se. nmn*

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tivesse indefinidamente, seria, á de que se trata, uma descoberta de alta importância; mas todos os factos com respeito ao regimen do Zambeze mostram quo clle-ó do uma grande variabilidade de regimen c que não podemos confiar na permanência da sua profundidade; o que me faz crer que não ó provável que aqucllc facto lisonjeiro se de.
O governo já mandou verificar o que havia de facto; mas, repito, não pôde ter muita esperança de quo se mantenha indefinidamente a profundidade de 3 braças.
. O sr. Augusto de Castilho, um dos nossos mais briosos e illustrados officiacs de marinha quo também se occupou largamente da hydrographia da África, e cujos trabalhos andam nas mãos de todos os aíricanistas, nota a extraordinária" variabilidade de condjções cm que se encontram as diffcrentes barras do delta do Zambeze. Por exemplo, diz s. cx.a o seguinte:
«Posteriormente, em 1869, fui eu ali enviado -pelo governador geral de Moçambique, Fernando da Costa Leal, quando havia idéas de por aquella boca fazer entrar a expedição que, contra o rebelde Bonga, vciu de Portugal. O plano que levantei então fazia já espantosas differcnças do' que levantara o sr. Skead, a ponto de ter complctamente desapparecido a ilha da Pérola, que, atravessada, entre as dvias pontas da entrada, era, no dizer d'cllc, a conhe-eença mais notável para se distinguir das outras aquella barra.
«Em 1873 voltei ali, commaudando o vapor Qudimane, c* acompanhando as canhoneiras Tcte e Senna, o as quatro lanchas de ferro destinadas á'guerra da Zambczia. Nos quatro annos decorridos entre as minhas duas visitas operaram-se tão notáveis alterações n'aquclla(barra movediça, que mo foi necessário'corrigir o plano. É esse plano que corre hoje impresso pelo almirautado iuglez.
oEm dezembro de 1883 o janeiro d'cste anuo voltei ao Inhamissengo com um pequeno vapor, e corrigi ainda • uma vez o meu antigo plano, que estava já consideravel-rucnto inexacto. Essas correcções foram mandadas para o almirantado, para serem inseridas na nova edição da carta do delta.»
Entretanto, ò sv-. Castilho, entendendo que esta barra òfferecia realmente condições favoráveis para a navegação, resolveu fundar ali uma povoação. Começaram-se os trabalhos para esse fim, mas, passado algum tempo, houve necessidade de a abandonar, porque o regimen do rio mu--dará, e a povoação seria completamente lambida pelas suas aguas. ' . -
. Ainda hontera ouvi affirmar ao dislincto ofncial de marinha o si1. Neves Ferreira, que elle mesmo vira ali as areias formarem bancos, quasi ilhas, pelo effeito de um extraordinário movimento de aguas e de uma enorme quantidade do depósitos que ellas carreiam. De sorto que, n'estas condições, é possível que um determinado braço do rio se afunde mais, mas que cm pouco tempo esteja assoriado, e não possa continuar a servir para a navegação.
Alem de quê, sr. presidente, a navegação do Zambeze, não é só" difficultada pela pouca profundeza das barras, é dificultada, e muito, pelas circumstancias de todo o curso do rio; de modo' que, mesmo quando se tenha vencido a entrada de uma barra, as difficuldadcs da navegação para o interior ainda são extraordinária?. '
O que significa tudo isto? Significa que, independentemente do ponto de vista internacional do direito stricto, que não nos pôde ser contestado, a importância que se quer ligav a essa descoberta não modificará, mesmo sob os. aspectos physicos, a situação, em que nós hoje nos encontrámos, com respeito á posse do Zambeze.
Isto com respeito á navegação do Zambeze, e aã direito da soberania de Portugal no interior, direito que nós afirmámos, mas que infelizmente até hoje não tem sido reconhecido pela Inglaterra. '

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tinuar a perseverar no esforço, que está symbolisado hoje, perante o paiz,.pela expedição de Cardoso.

António Maria Cardoso saiu do Nyassa doente, e está hoje em Quelimane aguardando as ordens do governo, que talvez tenha de recorrer a ello ou a outra pessoa para pôr é frente da missão do Nyassa.

Cardoso deixou lá o tenente Leal, junto á povoação do regulo de M'ponda; e o illustre deputado, que é tão conhecedor das questões africanas, sabe perfeitamente qual ó a situação d'este,regulo precisamente na ponta sul do lago Nyassa. Mas o governo pensa também em organisar, por um lado, as necessárias expedições, para' affirmar e manter n'aquella região a sua auctoridade, enviando também para ali as missões religiosas, que poderão ajudar a estabelecer a nossa influencia n'aquelle ponto.

Quanto aos régulos que temos avassalados, do relatório do sr. Cardoso se vê os que. em numero de nove, reconheceram successivamente a soberania de Portugal n'aquella região, esperando-se ainda a vassalagem de outros. Posteriormente, diz-nos um telegramma que os factos primitivamente annunciados por Cardoso tiveram plena confirmação. *

Esse telegramma, vou eu ler por inteiro á camará. Diz .isto :

«Moçambique, 26 de abril de 1889. — Director geral do ultramar. — Matapide c Maencemenda ratificaram vassalagem ; Mabuiacca e Mutotmange prestaram vassalagem perante o governador do districto de Quelimane; vicc-consul inglez assignou termo. = Cardoso.t

.. Já vê o illustre deputado que alguns dos régulos que tinham prestado vassalagem vieram a Quelimane assignar ura auto, ao qual se deu toda a solemnidade, e que foi as-signado por todas as pessoas presentes e até pelo vice-consul inglez.

Com respeito a (ratado a celebrarcom a Inglaterra, digo ao illustre deputado que não ha propriamente negociações para esse fim. Tenho declarado por mais de uma vez, que entendo da maior conveniência íconseguir-se o reconhecimento, por parte da Inglaterra, dos direitos- que ella nos contesta, á nossa soberania no interior da África oriental; mas a.este respeito tem havido apenas, como o disse na camará dos lords o sr. marque/ de Salysbury, troca de idéas entre os dois governos e nada mais.

Creio que o illustre deputado terá ficado satisfeito com

as explicações que acabo de dar.

Vozes: — Muito bem.

(S. ex.* não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Eduardo José

Coelho): — Mando para a mesa uma proposta do lei au-

ctorisando o governo a despender até á quantia de réis

150:000^000, com as obras' necessárias para a construcção

do collector da zona baixa de Lisboa, entre o cães de So-

dré e a ribeira de Alcântara.

Vae publicada no fim da sessão a pag. 560. O sr. Presidente : — O sr. deputado Cardoso Valente pediu.a palavra para um negocio urgente, que era pedir . ao governo que adopte providencias para acudir aos operários do Porto, que estão sem trabalho. . Em vista, porém, das explicações dadas hontem a este respeito pelo sr. presidente do conselho, eu entendi que o assumpto para que o sr. deputado pedira a palavra, não era urgente, e por isso deixo do conceder a palavra a s. ex.a

O sr. Cardoso Valente: — Só tenho a agradecer a

v. ex.a a prova da extrema delicadeza que acaba de ter

. commigo.

O sr. Ravasco: — Mando para a mesa, por parte da cornmissao de commercio e artes, a seguinte:

Proposta

Por parto da commissão do commercio e artes, proponho que sejam aggregados á mesma commissão os srs. depu-

ados Emygdio Navarro e Mattozo Santos. = Francisco Ravasco.
Foi approvada.
O sr. Brito Fernandes: —Mando para a mesa o pa-ecer da commissão de guerra sobre a proposta de lei n.° 3-X, que fixa em 13:350 recrutas, no anno de 1889, o contingente para o exercito, armada, guardas municipacs e fiscal o em 3:000 recrutas o contingente da segunda reserva para o cffectivo do exercito em pé de guerra. A imprimir.
O sr. Simões Ferreira:—Mando.para a mesa a se-;uinto
Proposta
Proponho que á commissão de administração publica se-am aggregados os srs. deputados Emygdio Navarro e Francisco José do Medeiros. = J. Simões Ferreira. Foi approvada.
PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto de lei que estabelece os tribunaes avindores
O sr. SantOS Crespo (relator): — Por parte da com- . missão do comraercio e artes, marido para a mesa ura ad-ditamento.
Leu-se na mesa a scguinle:
Proposta
Additamento ao artigo G.°:
§ 3.° Aos vogaes eleitos pelo collcgio de operários scr-Ihes-ha abonado, pelo tempo que funccionarem como árbitros, a importância da sua collecta industrial, em virtude de communicação feita ao respectivo escrivão de fazenda pelo presidente do tribunal.
O § 3.° passa a ser 4." e assim, successivamente.
Pela commissão de commercio e artes=0 deputado, Santos Crespo.
Foi admittida.
O sr. João Pinto: — Procurarei ser o mais resumido possivcl nas minhas considerações.
Concordo, em thcse, com a creação de tribunaes cspe-ciaes para applicar e executar legislações também espc-. ciaes. Desde que ha especialisação de funcções, torna-se necessária a funcção de órgãos particulares, adaptados convenientemente ao seu exercició. Mas o que eu entendo 6 que taes tribunaos só devem crear-se, depois de haver legislação que elles appliquem, excepto em casos excepcio-naes.
No projecto que se discute, apontam-se no artigo 2.° as attribuições dos tribunaes de árbitros avindores; mas, como no nosso paiz não está feita ainda a legislação do trabalho industrial, é evidente que se organisem os tribunaes antes de se fazerem as leis que elles têem de executar. ,
Eu comprehendo que, não se distinguindo a principio as relações commcrciacs das relações civis, se fossem separando e caracterisando a pouco e poiico, por forma a constituírem relações complctamente distinctas, que tornassem indispensável uma legislação differente que reclamava a seu turno a creação de tribunaes differentes.
N'esta evolução do direito comrnercial, appareceram primeiro os factos, depois os costumes, as leis e por fim, os tribunaes.
Da mesma forma, as relações entre o capital e a industria, que têem constituído um capitulo do direito civil, vão tomando umas taes proporções que demandam uma legislação especial e a creação do tribunaes que a appliquem e executem.

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de trabalho", sem fazer regulamentos sobre o trabalho das mulheres e dos menores, etc., ctc., parece-me inoppor-' tuno.

Havendo apenas sobre estes assumptos as disposições genéricas do código civil, os tribunacs de árbitros avindo-res ficam quasi a julgar exclusivamente por equidade. • Á vista d'cstas considerações simples que acabo de fazer, vê-se claramente que eu não combato a creação de tribu-nães especiaes que regulem as questões entre o capital e a industria; simplesmente affirmo que, não estando ainda feita a legislação que elles têcm que applicar, não 6 ópportuna a sua creação desde já.

Eu comprchendo que, apesar de não estarem confeccionadas as leis sobre o trabalho industrial, houvesse ainda uma hypothese cm que a creação d'esses tribunacs fosse urgente; e era quando a questão entre o capital e o trabalho tivesse tomado entre nós taes proporções, que não fosse conveniente demorar por mais tempo a applicação d'osso direito especial. N'esse caso, podendo não haver tempo para se fazerem todas, as leis indispensáveis, crea-vara-so os tribunaes que, baseando-se nos principies genéricos e na' equidade, procurariam evitar os confllctos im-minentes, satisfazendo equitativamente as reclamações, até que houvesse tempo de se fazerem os regulamentos necessários.

Mas essa hypothese não se dá entre nós; confessa-o o relatório do governo, quando diz: «Os conflictos entre patrões e operários são frequentíssimos nos estados modernos. Se, no nosso paiz, só em pequena escala e era termos moderados, a lucta entre o capital e o trabalho se tem manifestado, provém isso principalmente da cordura das nossas .classes trabalhadoras, do espirito equitativo dos nossos industriaes, do bom senso e juizo prudência! de uns e outros, o que ó uma feliz resultante da suavidade e patriótica orientação da Índole nacional».

Não estando imminente o conflicto, a creação dos"- tribu-~naes antes do -se fazerem as leis respectivas ao capitare ao trabalho, não dá resultados, como a experiência o demonstrará.-

A questão social ha de apparecer entre nós como tudo o indica já, hão de fazer-se leis que procurem remedial-a e depois é que terão que funccionar os tribunaes que agora creâmos.

Postas estas considerações sobre a generalidade do projecto, como não quero roubar muito tempo á camará e não desejo fallar depois -sobre a especialidade, vou fazer algumas reflexões que dizem propriamente respeito á especialidade; e faço-as, tomando a liberdade de alterar a ordem da discussão, para não gastar muito tempo á camará.

Sr. presidente, o sr. Emygdio Navarro, apresentando este projecto, dizia no seu relatório:

«A natureza d'estàs controvérsias, que quasi sempre assentam sobre assumptos particularíssimos, influenciados directamente por noções technicas, e que por isso mesmo não podem ser convenientemente apreciados .pelos tribuaes ordinários ...»

Affirmando-se isto no relatório, admira como depois no artigo 9.°, do projecto se admitte recurso das decisões dos tribunaes de árbitros avindores-para o tribunal commercial, se na sede o houver, ou para o juízo cível da respectiva comarca. '

Acceitos os princípios do sr. Navarro que são verdadeiros, parece que o que devia adrnittir-se era que os recursos dos novos tribunaes fossem julgados em segunda instancia por outros tribunaes, constituídos também por indivíduos que tivessem capacidade technica e conhecimentos particularíssimos dos assumptos sobre que tinham de cmit-tir o seu voto.

" Só se Criara tribunaes especiaes para julgar- as contro versias entre -patrões e operários, porque «os tribunaes or ãinarios não podem convenientemente apreciar essas quês toes», como admittir que em primeira instancia julguem o&

lomens technicos e em segunda instancia julguem os indivíduos que não lêem capacidade especial para isso?I N'este >onto o projecto do sr. Consiglieri Pedroso é mais com-)leto, porque' admitte o tribunal de appellação formado )or indivíduos pertencentes também á classe dos patrões o dos operários. N'esta' disposição ha coherencia e lógica.
Quem-admittir recurso n'estas questões, não deve que-el-o de outra forma.
Se ha motivo para a creação de tribunaes de árbitros avindores, por isso que os tribunaes ordinários de primeira nstancia não toem 03 conhecimentos technicos indispensáveis para julgar as controvérsias entre patrões e operários, >ela m.esma rasão devem crear-sc tribunaes de appellação compostos de magistrados com iguaes habilitações technicas. (Apoiados.}. Exigir, porém; uma educação profissional )ara a primeira instancia e. admittir que os recursos de ap-)cllação sejam julgados por indivíduos que não a têem, ó •ealmento contradictorio.
Eu talvez votasse ate pela conveniência de supprimir os recursos.
Como as questões da competência dós tribunaes de ar-)itros avindores devem ser resolvidas por um processo sum-narissimo, de forma que se gaste pouco dinheiro e pouco tempo, não haveria inconveniente era acabar com o recurso, /isto que o tribunal é composto do pessoas da sua classe c da sua eleição, cm que tanto uns como outros devem depositar confiança. "
Na Inglaterra não se admitte recurso n'estas .questões. E, na verdade, se a lei estabelece um processo eapecialis- : iimo para estes pleitos, se nem admitte a intervenção da advogados, mal se coraprchcndc o recurso que, alem do tempo que demora as questões, demanda conhecimentos ju-. ridicos cia parte de quem o interpõe.
Mas, adrnittindo mesmo que per parte, da commissão continue a conservar-se o recurso, entendo que devia per-mittir-se para todas as questões, e não somente para aquel-las cujo valor exceda 50$000 róis, segundo se preceitua no artigo 8.° do projecto.
Hoje a idéa geral, e creio que até foi consagrada no congresso jurídico celebrado ultimamente cm Lisboa,, é para acabar com as alçadas.
Níio ha motivo nenhum para que essa alçada se conser-" vê, permittindo-se apenas a appellação de 50(5000 réis para cima, quando pôde haver questões inferiores a essa quantia, iguajmcntc importantes. Ou extinguir de todo os recursos n'estes pleitos ou acabar com as alçadas.
Outra observação que tenho a-fazer, refere-se ao artigo 13.°, em que já-fallou o sr. conselheiro Lopo Vaz.
N'este artigo fica o governo auctorisado a decretar, em diplomas especiaes, a forma do processo para o julgamento das controvérsias a que se refere esta lei, a forma do recenseamento e eleição nos collegios para a constituição dos tribunaes de árbitros avindores.
O governo não quiz incluir na lei estas cousas, e vera pedir auctorisação ás camarás pára as fazer a seu sabor.
Esta emissão é tanto mais notável que, sendo o projecto copiado em grande parte da proposta do sr. Thomás Ribeiro apresentada em 29 de janeiro de 1886, de -propósito c muito cautelosamente não traz todas as regulamentações da forma de processo, recenseamento e eleição dos árbitros que se continha na dita proposta.
Não havia inconvenientes em que n'este projecto se regulasse a forma do processo e as condições .do recenseamento e da eleição', mas omittiram-n'as intencionalmente; o eu, pela minha parte, nuo dou auctorisação ao governo para fazer decretos sobre estos assumptos, como lhe aproii-vcr, quando podia tel-os regulado desde já.
Desejo saber se o tribunal constituído em primeira instancia recebe ordenado ou se as suas funcções são gratuitas.

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suas contribuições omquanto funccionam. Não se diz nada mais sobre remuneração do tribunal, emquanto que o sr. Thomás Ribeiro dizia claramente que estas funcçõcs eram gratuitas.

. E necessário que isto fique claro, para de'futuro se não apresentarem duvidas.

O sr. Santos Crespo:—V. cx.a e a camará com p ve-hendem perfeitamente que não seria eu, alheio ás luctas da palavra c ao estudo das questões sociaes, que viesse espontaneamente fazer a miulia estreia parlamentar n'um projecto d'esta natureza; mas o facto do meu nome vir assignado no parecer da commissão obrigou-me a não declinar o bonroso mas difficil encargo de, il ultima hora, servir de relator d'este. projecto.

. Sr. presidente, o" illustre deputado que acaba de fallar, o sr. Jo3o Pinto Rodrigues- dos Santos, n?\o .contestando a vantagem de uma lei que crie os tribunaes avindores', acbou que este projecto era inopportuno, porquanto ainda não havia legislação do trabalho no nosso paiz, crcando-se assim primeiro os tribunaes, que o direito a applicar.

É certo que, infelizmente, não temos uma lei de trabalho, mas esta. circumstancia não constitue o menor impedi-, mérito á creação immediata dos novos tribunaes.

Convém não esquecer que os tribunaes de árbitros avindores são principalmente tribunaes de conciliação, e n'esta qualidade tôein dado os melhores resultados. . • O. illustre deputado que, pôr mais de uma vez, nos citou a proposta de leicdo sr. Thomás Ribeiro, de certo leu o, bem elaborado relatório que n, precede, onde se encontram a este respeito .dados estatísticos importantes, relati--•vos a vários paizes da Europa.

Bastará dizer que em França, onde o numero de causas que annualmcnte são levadas perante os conseils dcs prud'hommcs, se conta por milhares, mais de .noventa por cento terminam por conciliação.

. Nos' últimos annos, talvez pela creação de tribunaes em novos centros operários, tem crescido bastante' o numero das controvérsias, mas tem crescido também quasi proporcionalmente o numero das conciliações. . Como tribunaes de conciliação ninguém dirá que não são convenientes e opportunos. (Apoiados.).

Mas estes .tribunaes têem de julgar quando as partes se n.to conciliem.

Quem, porém, reparar que os julgadores são patrões e operários, e se lembrar que as contestações que sào chamados a resolver versam sobre assumptos profissionaes, particulares á sua industria (o por isso cada industria ou grupo de industrias affins tem seu tribunal), verá que o julgamento muitas, vezes não poderá deixar de ser feito por equidade, .haja ou não lei de trabalho. (Apoiados.)

Creemos, pois, quanto antes os tribunaes árbitros, não BÓ a exemplo do que BC tem feito cm quasi todos os paizes da Europa e da America, mas porque são já reclamados em Portugal por patrões e operários. , Sobre este assumpto, devem ainda existir no ministério .das obras publicas umas bases para um projecto de lei, que foram offerecidas á consideração dos poderes públicos por operários do norte, e que foram tidas muito cm consideração pelo sr. conselheiro Ernygdio Navarro quando formulou a sua proposta.

E vem a propósito dizer que este projecto dá maior independência aos tribunaes árbitros do que estes têcm em paizes muitas vexes citados como modelos a seguir.

Na Pensylvania (Estados Unidos) é lei do estado a arbitragem legal em questões do rnão do obra e do trabalho, mas o tribunal, que é constituído também por patrões e operários, só pôde reunir-se a pedido das partes, com auctorisação de um juiz dos tribunaes ordinários.

O que é preciso, porém, é ir aclimando os novos tribu-, naes; elles que julguem por equidade o pelo direito com-mum até nos casos cm que teriam de recorrer á legislação especial sobre • tralho j e oxaltl que venham entre nós a

inspirar a confiança c merecer o alto conceito em que são tidos em França os tribunaes similares. (Vozes: — Muito bem.)
Passando á discussão na especialidade, o illustre deputado, baseando-se n'umas palavras do relatório do sr. Einy-gdio Navarro, queria que as questões resolvidas pelo tribunal aviador fossem também julgadas em'ultima instancia por uma secção especial do mesmo tribunal, como propunha no seu projecto o sr. Consiglicri Pcdroso; o estranhou a coníradicção que' ha entre o projecto c as palavras" do relatório.
Disse s. ex.a que os conhecimentos especiacs, que se julgavam indispensáveis para o bom julgamento em primeira instancia, eram dispensados pelo projecto quando havia recurso.
O illustre" deputado, que é um jurisconsulto distincto, sabe melhor que eu que nos tribunaes commerciacs os jurados também julgam por equidade e pelo conhecimento especial que têem da matéria, e comtudo o recurso c para a relação e não para um tribunal de commercio de segunda instancia, cujos vogaes"sejam também comrnerciantcs.
Portanto, da doutrina do projecto, que s. ex.a acaba de combater,'já temos um limite e um caso perfeitamente análogo na nossa legislação. E ainda temos outro. Segundo o código do processo civil, cia decisão dos árbitros om matéria eivei também ha.recurso para a relação, quando as partes não renunciam a elle, e os árbitros não são juizes de direito. (Apoiados.)
A forma de processo fica para regulamento, mas, a meu ver, o recurso não serve para decidir propriamente as controvérsias,, mas para verificar se a sentença appellada é conforme ás disposições do direito.
Na primeira tentativa que se faz entre nós parn.estabelecer estes tribuna.es, seria talvez um pouco perigoso fazer concessões que, por exemplo, não existem em França, onde o recurso é para es tribunaes do commercio.
Fallou também o illustre deputado contra a alçada que se' dá a estes tribunaes até 50;5>000 réis, a exemplo do quo succede em França, onde a alçada é até 200 francos.
Não contestarei que as tendências do direito moderno sejam para acabar com as alçadas, mas o facto c quo cilas existem na nossa legislação e podem defender-se com rasões ponderosas.
Estes tribunaes, que são, para assim dizer, tribunaes fa-, rmliares, devem, cm minha opinião, resolver definitivamente questões pequenas, porque, a não ser por capricho, não valeria a pena leval-as. para os tribunaes ordinários, onde tem de se pagar a advogados, custas e sêllos. (Apoiados.)
.Fallou por fim s. ox.a na auctoriaação dada ao governo para publicar as instrucções necessárias para a execução da lei e as condições para o recenseamento de operários o patrões.
E de notar que, conquanto na proposta do sr. Thomás Ribeiro, citada pelo illustre deputado, alguma cousa se diga a respeito do processo eleitoral c forma de julgamento, a auctorisação pedida no artigo 3õ.° d'essa proposta não ó todavia- menos lata do que a pedida pelo actual governo.
Esse artigo dizia assim:
* Artigo 35.° O governo publicará as instrucções neces-. sarias para a execução d'csta lei, regulando as operações cleitoracs, estabelecendo as formulas para a constituição do tribunal, marcando os termos do processo surnniario a se-giíir ante elle, o modo de proceder nos casos de recusa de algum dos vogaes eleitos ou dos presidentes nomeados, e o mais que offerecer obscuridade ou demandar regulamentação.»
Como y. ex.a vê, o pedido de auctorisação differe nas palavras, mas tem o mesmo alcance que o do projecto em discussão. . ."
. Limito por aqui as minhas considerações, reservando-me para usar novamente da palavra, caso seja-necessário.

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O sr. FtlSChini: — Eu fallo a favor do projecto. Desejo apresentar algumas propostas na discussão da especialidade e por isso desisto agora da palavra.

O sr. Consiglieri Pedroso : — Estou exactamente nas mesmas condições.-Inscrevi-me para* fal lar a favor do projecto.

Estamos todos de accordo no seu pensamento inicial e todos desejámos que a lei saia o mais depressa possível do parlamento. . . •

Acho por consequência inútil estabelecer uma discussão meramente theorica e académica sobre a generalidade. Quando se discutir ti especialidade teremos occasiào de ac-centuar as nossas idéas. Portanto; não só cedo a palavra n'este momento, mas pedia que se passasse immediatamente á. especialidade. . ,

,0 sr/ Presidente : — Não havendo mais ninguém in-scripto vae ler-se o projecto para se votar na generalidade.

Léurse, e foi approvado com o additamento ao sr. Santos Crespo, relator.

O sr. FllSChini (para um requerimento): — Roqueiro a v. cx.a que consulte a camará sobre se consente que na especialidade sejam discutidos conjuntamente todos os artigos.

Assim se resolveu.

Leram-se novamente iodos os artigos do projecto.

O sr. Consiglieri Pedroso: — Antes de usar da palavra desejava que v. ex.a me dissesse quanto tempo falta pai-a se entrar na segunda parte da ordem do dia.

O sr. Presidente: — Faltam vinte e cinco minutos.

O Orador: — Eu por forma alguma desejo tirar tempo á discussão do; assumpto que faz objecto da segunda parte da ordem do dia. • '

O sr. Presidente: — Se v. ex.a não quer entrar na discussão da especialidade para se poder passar á segunda parte da ordem do dia, pôde v. ex.a ficar com a palavra reservada para segunda feira.

O Orador: — Se porventura'v. cx.a só passa á segunda parte da ordem do- dia d'aqui a vinte o cinco minutos, ou não tenho duvida em preencher esse espaço de tempo com algumas considerações; mas se v. ex.'a, que é quem regula os nossos trabalhos, dá immediatamente a-palavra ao sr. José Dias Ferreira, que já está presente, eu ficarei então com a palavra reservada para segunda feira.

Vozes: — Falle, falle.

O sr. Presidente: — Parece-me melhor que v. ex.a use da palavra até serem horas dó se entrar na segunda parte da ordem do dia.

.0 Orador: — Desde que v. ex.a insta, não tenho a menor duvida n'isso; e tanto mais que se trata de um projecto a que tenho vinculados o meu nome e a minha responsabilidade; no erntanto, repetindo a declaração que ha pouco fiz, vou manter-me exactamente dentro dos limites do tempo que v. ex.* me indicou, não tendo duvida em mandar para a mesa, mais tarde, as emendas que não tiver agora tempo de formular e justificar..

Em primeiro.logar, felicito-me e felicito esta camará por ter em discussão, pela primeira vez n'esta casa, um projecto de lei d'estd ordem e importância, apadrinhado pelo governo e que, não ha ainda muito tempo só era recebido com sorrisos de indifferença e outros signaes inequívocos de verdadeiro scepticismo.

Não trato agora de saber se o projecto tem ou não imperfeições ; trato simplesmente do registar com prazer o facto de terem progredido as idéas sobre este assumpto, até ao.ponto de ser admittida pelo parlamento portuguez á discussão uma idéa, já perfilhada por todos os partidos representados n'ostíi camará, e que ainda ha bem pouco tempo era tomada como fructo dos desejos isolados de algum uto-pista; idéa boa para ser invocada nas discussões parlamentares, mas sem consequências algumas como medida do.administração pratica.

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Ainda bem, sr. presidente, que chegou a occasiSo de só julgar opportuua esta discussão.
E n'este ponto, pcrmitta-me o sr. Pinto dos Santos di-zer-lhc que não estou de accordo com s. cx.a, quando impugna essa opportunidade.
E exactamente ri'estes períodos que antecedem as grandes crises, que o parlamento deve acudir com remédios tendentes a evita!-as.
Eu estou de accordo com o pensamento capital d'estc projecto. Pôde discutir-so se ó por cllc que as questões sociacs deviam ser trazidas ao parlamento; mas com isso não me importo n'esta occasião.
Approvo, repito, o pensamento capital; mas discordo cm muitas das suas disposições, e c exactamente sobre esses pontos de discordância que eu vou fazer-algumas'considerações.
Sr. presidente, como disse, eu tenho a minha responsabilidade de deputado vinculada a um projecto, análogo a .este, que apresentei aqui em abril de 1887; ha exactamente dois annos.
N'esse projecto consignava eu um certo numero de idéas que, a meu ver, estão mais em harmonia com o pensamento capital do projecto que se discuto; c visto que o sr. Emygdio Navarro, em nome da maioria, declarou que esta era uma questão aberta, c que não teria duvida em accci-tar algumas modificações, eu as apresentarei cm propostas minhas. •
Os três pontos em que divirjo da contextura do projecto são os seguintes:
Em primeiro logar não estou de accordo, e n'este ponto estou ao lado dos srs. Pinto dos Santos e Lopo Vaz, quanto ao dualismo de instancias que o mesmo projecto estabelece.
Se os tribunaes árbitros são indispensáveis .crearido instancias especiaes para discutir questões especialissiráas, também é necessário que nós levemos essa especialisaçãq a todas as instancias; e não se comprehende como sejam indispensáveis certas conhecimentos technicos na primeira instancia, e dispensáveis nas instancias superiores.
Eu entendo que as instancias devem ser moldadas pelos mesmos princípios que determinaram a constituição da primeira instancia, e é para attender a esses princípios que eu no meu projecto introduzi dentro do tribunal arbitro três instancias.
Uma d'ellas quasi que não é instancia, c consiste em que, não havendo ainda forma de processo, se processe por meios paternaes, seguindo-se a forma da antiga legislação patriarchal, isto é, conciliar os indivíduos antes de os levar a .uma acção.
.Vem depois a segunda instancia, que é perfeitamente um tribunal arbitro, e a final a terceira instancia, que ó a do recurso.
Paròce-mo que d'esta forma o pensamento da lei fica muito mais uniforme c que se podiam evitar os inconvenientes que os srs. Lopo Vaz e Pinto dos Santos notaram.
Sr. presidente, eu não quero vir aqui adornado com galas que me não pertencem, porque a idéa não foi minha e nem mesmo já posso dizer onde fui procurar os elementos para organisar o meu projecto.
Foi ha annos que o apresentei, e quando estudei o assumpto, fui examinar a legislação estrangeira de que aproveitei algumas disposições e entre estas as que estabelecem as três instancias. Outras disposições, porém, são da minha inteira responsabilidade.
. Como quer que seja, parece-me rasoavel o principio das três instancias, e apresentado por esta forma creio que a maioria não terá duvida cm o acceitar.

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DIÁRIO DA CAMARÁ DOS SENHORES DEPUTADOS

Dá-se confusão de attribuicões entre duas entidades diversas, que hoje lá fora estão separadas.

Eu apresentei também n'csta camará um projecto de lei sobre a creação de um serviço de inspecção e do, estatística do trabalho nacional, c isto está hoje organisado na Suissa, na Inglaterra, e por tal forma na Bélgica e n'ou-tros pontos, que este serviço suppre a inspecção superior sobre a forma por que as leis reguladoras do trabalho são executadas. - .

. A missão dos tribunaes avindorcs ó diversa; o ir confiar estas funcções de interferência quasi executiva a esses tribunncs, cuja missão ó judicial, pnrece-mc que 6 intro-du/.ir 'elementos do desordem que podem ir brigar, ou pelo menos falsear a imparcialidade que deve presidir a está instituição.

Um serviço quo tendo a inspeccionar a forma por que nas fabricas são cumpridos os regulamentos que fixam as horas do trabalho e outros pontos, parecc-me ser um serviço que tem por fim interferir cm nome do poder executivo, ás vezes até disciplinarmente, e que pôde coarctar a sua plena serenidade nas questões que se levantarem entre patrões e operários.

Ainda n'outro ponto discordo eu, e 6 quanto á constituição d'cstcs tribunaes. .

O sr. Emygdio Navarro dá ao governo a faculdade de nomear o presidente; c eu arredo do governo esta faculdade, entregando-a ao poder judicial.

Eu quero que seja o juiz da circumscripção, onde tiver de cróar-se o tribunal, quem escolha o presidente. Parecc-me que d'esta forma- nós teremos arredado, não só uma causa de perturbação da constituição d'este tribunal, mas mesmo tiraremos ao governo uma responsabilidade, com a qual não têm precisão alguma de querer arcar. É necessário que este. tribunal fique completamente independente e alheio á acção directa ou indirecta do governo.

Não conheço n'este paiz outro poder, a não ser o poder judicial, que possa, querendo, luctar contra a influencia absorvente do poder executivo, e por isso ao poder judicial é quo confio essa escolha.

Finalmente, o artigo 14.°, ultimo do meu projecto, contraponho eu ao artigo 13.° do projecto do sr. Emygdio Navarro. N'este artigo estabelece-se que 'o governo fica auctorisado a decretar os regulamentos indispensáveis para poderem funccionar estes tribunaes; eu, pelo contrario, quero que estes regulamentos e disposições façam objecto . de uma lei especial e complementar', que possa ser discutida c votada pelo parlamento.

Nós já sabemos pela triste pratica no nosso systema parlamentar, que não raras vezes os regulamentos vem invalidar as disposições da lei e assim o poder executivo tem sempre maneira ãc poder falsear ou deturpar o pensamento do • legislador. É por isto que eu, não querendo que o poder executivo tenha n'cstc assumpto uma intervenção maior do que deve ter, arredo d'esso poder a confecção dos regulamentos e entrego-a ao poder legislativo, sob a forma de uma lei complementar o especial. Tanto mais que nós sabemos que a organisação dos regulamentos cm assumptos d'esta ordem é tudo; ó talvez mais do que propriamente as disposições orgânicas da lei.

Também não estou de accordo com a proposta de lei do sr. Thornás Ribeiro, em que ellc inseria logo todas as disposições regulamentares. Essas disposições precisam de ser estudadas c consignadas com tal minúcia, que 'me parece altamente inconveniente ir collocal-as como appendicc cm traços geraes á lei da organisação dos tribunaes.

São estes os quatro pontos capitães em que divirjo da economia do projecto, tal como foi formulado pelo respectivo ministro e como foi perfilhado e apresentado pela commissão.

Ha outras divergências de detalhes, em que não insisto agora, porque muito naturalmente se deduzem dos principies que acabo de assentar, c porque me reservo formu-

lal-as cm subsequentes emendas, que mandarei para a mesa quando chegarmos á altura competente.
.Não sei se está esgotado o tempo que v. cx.a me concedeu para ou.íallar. Não dosejo por mais tempo privar a camará de ouvir a palavra sympathica c por tantos títulos auctorisada do meu illustre amigo o sr. Dias Ferreira; mas não terminarei som mais uma vez me felicitar e felicitar a camará por ter entrado no bom caminho, discutindo este projecto.
A política não ó só esta que, infelizmente, se está fazendo todos os dias, política de retaliações, que esmaga caracteres, que. pisa reputações, que faz com que o parlamento pareça mais uma sala de gladiadores, combatendo na arena, do que uma asscinbléa, discutindo serenamente os assumptos públicos.
A política bem moldada deve ser a política de resultados, de princípios. A política nacional é esta, que alguns deputados, ha annos, têem levantado como bandeira sua, e que- até agora tem sido recebida com indiffcrença por quasi todos os lados da camará,'e principalmente pelos indivíduos que compõem a maioria.
Ainda bem que chegou o momento em que se quebrou o encanto, o que se prestou homenagem, se não á sciencia, pelo menos á consciência com que esses deputados durante três ou quatro annos vinham aqui pugnar por esse principio que clles julgavam dever inscrever no seu progràmma de trabalho.
Dado assim o primeiro passo, o parlamento portuguez não pôde recuar; e não pôde recuar porque os interessados já sabem que não é por falta de convicção, por doutrina radicalmente opposta ás disposições consignadas n'este projecto, quo elle se não discutiu, mas por ifm olvido quo eu não quero agora classificar.
Concluo, sr. presidente, felicitando mais uma vez o parlamento portuguez por ter entrado n'este caminho, e felicitando-me porque tive uma parte, se não na confecção d'este projecto, ao menos na propaganda para que o pensamento d'elle fosse accoito por todos os lados da camará.
'Tenho dito.
(S. ex.& nSo reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Dias Ferreira: — A minha'moção é a seguinte:
aA camará, reconhecendo que no pagamento do saldo liquidado a favor do contrato de tabaco, relativo aos annos de 1830 a 1833, houve infracção de lei, e que a conservação do gabinete é incompatível com os interesses do pai/., continua na ordem do dia.»
A moção, que acabo de ler á camará, é precisamente a substancia do .meu discurso. Por el!a-vê a assembléa que eu colloco a questão no terreno pura- e exclusivamente político.
Qualquer das moções, apresentadas por parto da oppo-sição parlamentar,- que alcançasse o voto da maioria d'esta casa, impedia do certo o governo de se conservar mais uma hora n'aquellas cadeiras. (Apoiados.)
Mas pareceu-me mais accommodada á gravidade do assumpto, e á importância que lhe tem dado a opinião publica, profundamente indignada contra o procedimento do governo uma moção de hostilidade política, clara, franca o aberta, como a que tenho a honra de enviar para a mesa.
Collocando assim a questão no campo puramente político, não encontro no meu caminho os dois ministros demissionários, que faziam parto do governo ao tempo do pagamento, e que continuaram solidariamente associados aos seus collegas no gabinete ainda por alguna mezes.
No meu entender as responsabilidades politicas não terminam nunca, como nunca terminam as responsabilidades inoraes. Os actos dos homens públicos não podem riscar-sé das paginas da historia. ^ , ..

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pôde a todo o momento sujeitar ao seu exame a» responsa-bilidadcs moraes. .

Mas as responsabilidades rigorosamente parlamentares, que se liquidam com a votação de moções de censura, e que não entram na esphera da accusação criminal, terminam com a quóda dos ministros.:

Vou pois discutir este gravíssimo assumpto com o governo, e nomeadamente com o sr. presidente do conselho.

E .especialmente ao chefe do gabinete quo eu costumo tomar conta das. mais graves responsabilidades ministe-riaes, e ria questão, que nos occupa, não é simplesmente o principio constitucional de solidariedade ministerial que •envolve a responsabilidade do sr. presidente do conselho.

O sr. presidente do conselho intervciu desde o principio n'este negocio. .

No primeiro dos documentos, que instruem o processo do pagamento - da. divida dos tabacos, enviado a esta camará pelo ministério da fazenda, declaram os liquidatários que tinham .reclamado o pagamento do seu credito do sr. presidente do conselho, e do sr. ministro da fazenda, c que ambos lhes tinham dado rasão.

Nem os registos parlamentares permittem duvidar da intervenção directa o immediata do sr. presidente do conselho e dos ou.tros ministros na questão dos tabacos. • Para apreciar a solidariedade ministerial n'esta medida dão muita luz as declarações feitas na outra casa do parlamento pelo ex-ministro da fazenda, quando se discutia o projecto, depois convertido na lei de 22 de maio do 1888, em resposta aos meus collcgas da .opposição, que andavam então,, como toem andado sempre, prcoccupádos com as divergências entre o sr. 'presidente do conselho c cx-minis-tro da fazenda, divergências que nunca me prcoccuparam a mini, e com que eu folgava no interesse .do paiz, porque, os dois, emquanto sustentavam entre si lucta tenaz, não elaboravam projectos de lei, nem projectos de decreto, e emquanto não elaboravam projectos de lei, nem projectos de decreto, respirava o paiz! (Riso.)

Efectivamente, provocado com insinuações em relação ás suas divergências com o sr. presidente do conselho por alguns dos membros da camará dos dignos pares, respondia o cavalheiro, que então geria a pasta da. fazenda,-quc na medida dos tabacos nunca tomará resolução,-'que não .fosse approvada em conselho de ministros por accordò de todos os seus coMegás e que, se ás vezes appareciâm a principio divergências, o debato levava a convicção ao animo de todos, chegando a final a completo accordo. • . .

Não tenho melhor meio de tornar bem palpável e acccs-sivel- a todos os que rne escutam, o .facto da responsabilidade de todos os ministros nas providencias com respeito aos tabacos, do que reproduzindo as próprias palavras do Diário das sessões da camará dos dignos pares, de onde consta que na discussão da proposta dos tabacos, de_pois convertida na lei de 22 de maio'de 1888, em resposta ao sr. António de Serpa, dissera o ministro da fazenda de então, na sessão de 12 de maio de 1888:

«Adverte-lhe porém que desde o começo d'ella até o pre-:scnte nunca por si tomara resolução alguma que não fosse adoptada em conselho de ministros e em plena conformidade com os seus collegas.

«Nem com isto pretende significar que todos elles se lhe deparassem logo com a mesma opinião; mas que no decorrer da discussão se iam convencendo uns aos outros sobre o melhor o que havia a fazer.

. «Assim caminhara sempre por bem conhecer a sua terra e a gente com quem vive, e não menos a historia dos tabacos desde tempos ainda anteriores á lei de 1864.»

Parece pois averiguado que todos os factos occorridos nas differentes phases, por que passou a questão dos tabacos,' eram do conhecimento de todo o gabinete, c que portanto a responsabilidade, que o governo assumiu, do pagamento dos 441:000^000 réis não ó uma responsabilidade puramente constitucional, e cavalheiroaa, para cobrív um

ex-collega, que saiu dos conselhos da coroa evidentemente pela questão dos tabacos. (Apoiados.)
Pelo contrario tem responsabilidade directa c principal no pagamento dos 441:000$000 réis o sr. presidente.do conselho, a quem na imprensa periódica, c nas cortes, só attribuiu sempre e com inteira verdade a iniciativa da implantação da, règie, porque o sr. minibtro não occultava a sua predilecção pelo systcma da arrematação.
Ora" se tivesse vingado o grémio, seriam pagos os 441:0003000 róis aos liquidatários do contrato do tabaco de 1830 a Í833?
Não. As fabricas agremiadas não os pagavam, desde que não estivesse claramente escriptíi na loi a obrigação de pagar aquelle saldo.; e essa obrigação não estava es-cripta na lei de 1887, como o não está na lei de 22 de maio de 18SS. (Apoiados.)
Se tivesse vingado a arrematação, também não era pago aquelle credito. Não ora o concessionário que largava os rei s 441:000,^000 em nome de umas palavras vagas e do uma linguagem sybillina da lei de 22 de maio do 1888, que poderão significar tudo, menos auctorisação para pagar o saldo liquidado ao contrato do tabaco dos annos 'de 1830 a 1833. _ f.
Saíram, pois, indevidamente dos cofres do thesouro réis 441:0005000, porque se installou a régie; c installou-sc a rctjie pela iniciativa e pelos esforços persistentes'do sr. presidente do conselho.
Portanto o primeiro beneficio, que o paiz tirou da implantação da régie, foi ver sair dos cofres públicos a-som-raa do 441:000$000 réis para os liquidatários do contrato do tabaco-de 1S30 a 1833 sem auctorisação legal! (Apoiados.) '.
Se tivéssemos conservado o systcma do liberdade, se tivéssemos sustentado o grémio, ou se tivéssemos caminhado para a -arrematação, ainda a esta hora não teria saído do thesouro aquella avultadissiina somma. (Apoiados.)
Mas a responsabilidade do sr. prç_sidente do conselho o dos outros membros do governo é ainda aggravada por circumstancias políticas da mais alta importância, que os interesses públicos mo .obrigara a pôr cm relevo, scm.com isso pretender melindrar o caracter de ninguém, pois todos os que me escutam conhecem perfeitamente os meus processos parlamentares. (Apoiados.)
Saíram dois ministros, e dois ministros que, diga-se a verdade, eram a vida e a alegria do gabinete.
Nem na exposição dos motivos da crise, os srs. ministros quizeram ser francos.
Tanto os que. saíram, como os que ficaram, evitaram cuidadosamente revelar a verdadeira causa da crise. O decreto de 5 de dezembro sobre a companhia vinícola, que nunca tevo existência, official, e a sellagem, que era uma questão velha, foram os pretextos apparentes da saída dos. dois ministros. • •
Mas a lógica dos factos, que" é mais eloquente do que a lógica das palavras, disse ao paiz quo a- crise rebentara com a noticia do pagamento dos 441:000^000 réis aos contratadores do tabaco de 1830 a 1833; o que o governo podia ter confessado sem desdouro para ninguém.
O facto do ex-miniitro da fazenda confessar perante a camará e perante o paiz, que tinha saído do gabinete, s"ó por si não importava a sua condomnação política.
A ninguém, e muito menos ao homem publico, fica mal prestar homenagem a força da opinião, nem com isso prejudica por forma' alguma o seu amplo direito de defcza no tribunal da consciência publica.

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A quúda do ministro em taes condições não significa a acceitação da sentença lavrada pelo sentimento nacional, mas o respeito á voz do paiz, e o reconhecimento da necessidade de uma justificação completa e cabal em satisfação ás manifestações populares.

• Os ministros não estão na situação dos funccionarios inamovíveis-, de cujas decisões ha recurso, que melhor ou peior podem continuar a exercer as suas funcções na cir-cumscripção, ainda que os não bafeja a sympathia popular.

Não basta aos ministros, para se conservarem no poder, serem úteis ao paiz.

E preciso que a opinião publica os consinta no governo. No systema representativo não se comprehende a existência de ministros sem a confiança popular. (Apoiados.)

E vem agora a propósito, apreciar uma declaração feita pelo sr. ministro da fazenda n'uma das ultimas sessões sobre confiança 'da coroa. O sr. Barros Gomes, que é tão prudente, circumspccto e cauteloso nos debates parlamentares, veiu ha dias com um desembaraço e com uma coragem, que mal se explica, atirar para este debate, de si irritante, e que tanto preoccupa o sentimento publico, com a confiança da coroa! (Apoiados.)

O que 6 porém á confiança da coroa como facto isolado ?

Pois nos paizes regidos constitucionalmente pôde haver confiança da coroa que não represente a confiança nacional?! (Apoiados.)

Pois nos governos representativos c possivel separar o poder real da magestado popular?!

A separação entre a vontade do chefe do estado e a expressão do voto popular serve apenas para sanccionar a existência de validos de um lado e de exilados políticos do outro! (Apoiados.)

Nos paizes em que predomina o regimen parlamentar, o em que funcciona regularmente o.machinismo constitu-nal, nunca o chefe do estado, ou seja presidente da republica, ou rei, ou imperador, pôde ter nos homens públicos outra confiança que não seja a que n'elles deposita a nação. (Apoiados.)

Os ministros são, pela letra da carta, secretários d'estado do Rei. Mas são, pelos princípios constitucipnaes, os delegados do parlamento, como o parlamento é representante do paiz. (Apoiados.)

Saíram dois ministros, a nenhum dos quaes eu quero dizer a mínima palavra desagradável.

Pelo contrario tão favorável desejo ser-lhes nas minhas observações, que não quero julgal-os por mim. Hei de jul-gal-os pelos jornaes progressistas e pelas opiniões dos seus correligionários, que melhor podem encarecer os altos serviços políticos que elles prestaram ao seu partido.

Que dizem os apóstolos mais dedicados da situação progressista a respeito dos dois ministros demissionários?

De um dizem que elevou o credito publico ato onde elle nunca subira, e que não pôde por isso negar-se-lhe a honra de primeiro ministro da fazenda no período constitucional.

A respeito do outro não me atrevo a referir o que dizem. Para sua completa gloria basta recordarrno-nos que mal soou no paiz a "triste noticia de que ello tinha saído do governo,, as corporações administrativas, com raras excepções, começaram de chorar por elle!

Pois ministros assim vão-se embora, e os outros ficam? (Hilaridade.)

Ficam os ministros que costumam deixar o credito publico na situação em que o encontram, e vae-se embora o ministro que o elevou á maior altura a que elle tem chegado !

Ficam os ministros por quem ninguém chora, ou antes por via de quem se tem chorado tanto, e vae-se o ministro por quem chora toda a gente! (Hilaridade.)

Quantas pessoas e quantas famílias, a começar em Pombal o a acabar na ilha da Madeira, estarão ainda hoje cho-

rando por via do sr. presidente do conselho, quando tanta gente está chorando, não por via do sr. Navarro ou do sr. Marianno de Carvalho, mas pelo sr. Navarro c pelo sr. Marianno de Carvalho? (Riso.)
Pois, em vez de ser chamado á presidência do conselho o sr. Navarro ou o' sr. Marianno de Carvalho, saem ambos do gabinete por serem os bons ministros, e ficam serenos, tranquillos, e contentes os outros, sem indicação nenhuma que os sustente depois da saída dos dois!
Chama-se a isto andar ás avessas. E o transtorno c a inversão completa do systema constitucional.
Emfim chegámos a tal perfeição, depois de cincoenta e cinco annos de governo representativo, que, levantada uma crise, saem do poder os ministros bons, e ficam os ministros que não prestam ! (Apoiados.)
É preciso grande coragem para os actuaes ministros se conservarem no poder, saindo os collegas, á sombra dos quaes tem vivido o gabinete, porque um elevou o credito publico a tal altura, que é considerado pelo seu partido o primeiro ministro da fazenda dó nosso periodo constitucional, e o outro gosava por tal forma da sympathia publica, que recebeu manifestações de benevolência c favor popular, como nenhum ministro ainda teve ú saída do poder.
Conservam-se assim os actuaes ministros no governo á sombra dos louros que outros colheram. Faz lembrar o provérbio — Quos ego versículos feci, tulit alter honores.
Não é meu intuito com estas considerações maguar os actuaes ministros. Não tenho feitio para ser desagradável a ninguém ; e declaro^sinceramente que, reputando urgente a saída do governo dos conselhos da coroa, (Apoiados.) estou persuadido de que no dia em que os srs. ministros saírem do poder, eu hei de ter pena só por ver o gosto que fazem em estar ali! (Riso.)
Em todo o caso o ministério deixou de ser o que era com a falta d'aquelles prestimosos companheiros, posto que fossem substituídos por correligionários, também distinctos, aos quaes se não pôde negar o talento e competência para o alto logar que occupam.
Os ministros que saíram eram os nossos dois! (Hilaridade.)
Lamentam os partidários do governo o tempo gasto com esta questão simples, clara, e do fácil intuição.
Será simples, clara e de fácil comprehensão a questão.-Mas é certo que um dos oradores mais distinctos d'esta casa, a quem Deus deu o privilegio, que a poucos concede, da lucidez-da exposição, da facilidade da palavra, e do talento analytico, o sr. Marianno de Carvalho, gastou mais de duas sessões para a expor e explicar! (Apoiados.)
Este facto é significativo. Ou a comprehensão intelle-ctual não 6 o forte d'esta camará,. ou a questão está muito escura! (Apoiados.)
\ Um professor tão distincto, e com tão longa pratica do ensino e do parlamento, como o sr. Marianno de Carvalho, não gastava três sessões a explicar a significação das palavras o pagamentos legaes a que for obrigado', salvo fazendo triste juizo da capacidade dos seus collegas n'csta casa, senão reputando muito escuro o negocio. (Apoiados.)
Também se tem dito que a questão está morta. Ora eu distingo, servindo-me das velhas formulas escolásticas, aliáa fora de moda.
As distincções casuisticas estão condemnadas pelos progressos da civilisação moderna, e pelos novos methodos de ensino.
É reputado muito canonista ou romanista, e inteiramente, alheio ás novas conquistas civilisadoras, quem por.qualquer forma recorre aos processos da volha methodologia.
Mas eu não posso pronunciar o meu parecer sobre ò facto, se a questão está viva ou morta, sem distinguir.
Se se referem á questão dentro do parlamento, aqui estava ella morta, mesmo antes de nascer. (Apoiados.)

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governo como benemérito da pátria por ter praticado este acto heróico. (Apoiados.)

E 6 provável que também na outra casa do parlamento, onde abundam vozes inspiradas no amor da pátria e nos interesses da justiça, o governo alcance igual diploma de louvor e de honra, que fique como testemunho ás gerações vindouras dos processos da sua administração! (Apoiados.)

Mas, se morreu aqui, não morreu lá fora, nem morrerá tà'o depressa, porque esta questão, se não tem.absoluta novidade, tem pelo menos uma grande originalidade, e nós temos obrigação de discutir no aeio da representação nacional o assumpto com a largueza requerida pela importância, que ella tem merecido á opinião publica.

A questão não ha de morrer de morte violenta, porque o paiz o não pcrmitte. Ha de morrer de morto natural, quando outro assumpto, também de interesse palpitante, absorver as attençõcs do publico.

Não são precisos largos debates para esclarecer o paiz sobre o assumpto, porque elle já lavrou a sentença em nome .dos pronunciamentos da consciência publica, independentemente das nossas deliberações e das nossas discussões ; mas é preciso deixar bera patente que o veredictum. popular assenta em provas claras, decisivas e peremptórias.

Evitarei no meu discurso todos os incidentes suscitados •no debate, que não prendam directa e immediatamente com o meu pensamento politico.

Alguns incidentes tcem sido levantados a propósito d'esta questão, bem pouco compatíveis com a elevação que devem ter as discussões no seio da representação nacional, e bem pouco proveitosos para asinstituiçõesliberaes; incidentes que eu deploro, porque no meio d'estas luctas políticas, e d'estes combates parlamentares, ainda quando haja vontade de ferir os homens, podem bem dispensar-se os golpes inor-taes nas instituições que nos regem e nas verdadeiras normas do systema representativo.

O sr. FuscMni: — Apoiado.

O Orador: — Esta discussão, como era bem natural, foi levantada péla oppoaição, e não pelo.governo, mas foi o governo quem precisou os termos do debate, o quem poz logo a questão n'uma situação irritante, (Apoiados.) abrindo por sua iniciativa o debate na outra casa do parlamento. A discussão não principiou na camará dos senhores deputados, onde aliás estava annunciada e dada para ordem do dia n'uma interpcllação. A discussão levantou-a o governo na camará dos dignos pares, (Apoiados.) com uma precipitação inexplicável.

Á pergunta serena e cordata de um digno par se o governo reputava necessária alguma alteração no regulamento de contabilidade publica, para acautelar a hypothe-, se, que na questão pendente se tinha dado, de se haver pago um credito antes da ordem de pagamento visada pelo tibunal de contas,, e de ter sido pago, não pelos fune-cionarios do estado, mas por uma casa bancaria, pergunta tão alheia a paixão política que aquelle digno par, como para desculpar o governo, dizia que talvez se ti-vesso entendido que no caso não regia a legislaçãcrdc contabilidade, por ter sido o pagamento em títulos de divida publica, quando as dividas do estado costumam ser pagas era dinheiro, o sr. ministro da fazenda respondeu procurando logo defender o procedimento do governo com o precedente dos abusos.

Em vez de responder precisamente a uma pergunta tão simples o tão clara, e que nenhuma referencia fazia ao fundo da questão, o sr. ministro da fazenda tratou logo de defender-se com o tristíssimo e contraproducente argumento, de que já em tempo outro ministro havia pago 1.000:000$000 réis á companhia do caminho de ferro da Beira Alta, também sem attenção com o regulamento da contabilidade publica, já então em vigor!

Ora esta declaração nem era resposta á pergunta, nem 'era justificação do.procedimento do governo. (Apoiados.)

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Os abusos do ministros anteriores não os remedeia o actual governo, abusando como elles, nem as retaliações são argumento quando se trata de uma questão de dinhci-ros públicos! (Apoiados.)
Os argumentos de retaliações nunca passam de eíFeitos rhetoricos.
Serão admissíveis em assumptos meramente políticos, mas são de todo inacceitaveis n'uma questão do administração de dinheiros do estado, em que a opinião publica está sobresaltada com o procedimento do governo. (Apoiados.)
Sabe v. ex.a, como eu, que não ha uma só pessoa, quer da opposição, quer do governo, salvo os que quizercra ap-provar o procedimento do governo n'esta casa, omquanto-estiverem d'entro d'esta casa, que não julgue feito com infracção das leis o pagamento dos 441;000$000 réis.
Pois o sr. ministro da fazenda poz logo a questão no. terreno politico, ou antes no terreno das retaliações.
O sr. presidente do conselho entrou logo também na questão, na sua qualidade de sentinella vigilante, pos'to aliás incompatível com o seu feitio, porque a sentinella é toda olhos e toda ouvidos, e o sr. presidente do conselho" é todo palavras e todo conversas. (Riso.)
O que o sr. presidente do conselho é, como sentinella, vê-se bem pelos resultados. (Riso.)
Depois do sr. ministro da fazenda ter invocado o infeli-cissimo argumento, para justificar o procedimento do governo, de que outro ministro pagará á companhia da Beira Alta l .000:000$000 réis, também sem o visto do tribunal-dê contas, quando estava já em vigor a lei que exigia esta formalidade, levantou-se o sr. presidente do conselho, c, a propósito ou a pretexto da referencia de um digno par a um officio dirigido pelo sr. Vicente Monteiro a .v. ex.a, na qualidade de-digno presidente d'esta camará, declarou que possuía uma carta d'aquelle cavalheiro, que estava auctorisado a publicar, a qual mostrava que elle tivera conhecimento da interpretação que o ministro da fazenda dimissionario dava á lei, e que, se era respeitável a opinião do relator, não era menos respeitável a opinião dos outros, a opinião da grande maioria da commissão. •
Mas que importância terá este argumento ?
Ora supponha v. ex.a que. o relator da commissão c toda a commissão, incluindo eu, que assignei vencido o parecer, nos tínhamos associado todos com o governo na redacção sybillina de uma disposição do projecto para enganar a camará e o paiz.
Significava isso, porventura, que o governo era inno-cente? Não. Significava apenas que tinha cúmplices, o que aggravava, em vez do attenuar a sua responsabilidade, por ter procurado sócios para a perpetração do delicto!
Tanto, mais corria ao sr. presidente do conselho o dever de nHò ferir nem melindrar o illustrc relator dá commissão, sr. Vicente Monteiro, quan-to que este cavalheiro despedia-se da política!
. Ferido nos mais caros sentimentos de homem de bem, recolhia-se á vida particular, não vinha lançar a espada da sua influencia na balança da política, nem ia assentar praça como despeitado nos arraiaes de outro partido.
Victima de cruéis decepções n'esta vida de amarguras, annunciava, ao publico a sua resolução de abandonar para sempre a carreira politica.
E na sua despedida não soltava queixas, nem dirigia offcn-sas. Limitava-se, como distincto jurisconsulto que c, a dar a sua auctorisada opinião sobre a.intelligencia da lei, com o mesmo direito com que qualquer outro membro da commissão, ou qualquer membro do parlamento, ou qualquer cidadão estranho ás cortes, a pôde interpretar.

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DIÁRIO DA CAMARÁ DOS SENHORES DEPUTADOS

Ora as actas da commissíto de fazenda são os seus pareceres.

Cada um dos seus membros responde pelo que assignou, c para os effeitos politicos não têera fé quaesqucr declarações em contrario do que consta do parecer firmado cora as respectivas assignaturas. . .

í)c rninba lembrança não se tem lavrado aetas dos trabalhos das commissões, senão na discussão c exame de'alguns códigos, porque assim o exigia a natureza e a gravidade do assumpto.

Se liouvcssc actas poderiam ter importância rio presente caso, mas as declarações pessoacs e individuaes dos membros da commissão não tccm mais importância para a interpretação das leis, do que as declarações de qualquer membro do parlamento.

Dos trabalhos cVcsta casa também a única prova aúthen-tica são as actas das sessões.

Se nós nos reunirmos fora d'esta assemblca em caracter

individual, para protestarmos contra o que consta das actas

das nossas scssães officiaes, são essas actas, e nào as nos-

. sãs declarações, que têcm fé publica, a não serem aquellas

arguidas de falsidade.

Mas supponhâmos que os membros da commissão se prestavam a seguir no caminho indicado pelo sr. presidente do conselho, e que davam o espectáculo de exporem contraditoriamente os factos occorridos na discussão do projecto. Que resultado tirava d'ahi a causa publica?

Teríamos, feito um escândalo parlamentar, mas não tínhamos adiantado um passo n.i interpretação .da lei. -

A responsabilidade da commissão findou desde que entregou o seu parecer á camará. (Apoiados.)

A que propósito, pois, vinha a publicação de uma carta particular?

Essa publicação KÓ seria justificada se houvesse o propósito de instaurar accusação criminal.

Se o procedimento dos ministros fosse acompanhado de circumstuncias, que reclamassem algum desaggravo publico, previsto no código penal, auctorisava a lei a publicação das cartas particulares, porque do exame da justiça criminal nenhum papel ó isento, qualquer que seja a sua natureza.

O conteúdo, pois, das cartas particulares dirigidas pelo sr. Vicente Monteiro ao sr. presidente do conselho nunca devia ter vindo ao parlamento. Devia ficar reservado entre o que as escreveu e o que as recebeu.

• Nem ó governo tirou proveito algum da inconveniência de lhes haver dado publicidade.

Mas supponha v. ex.4 que a proposta do governo tinha sidoN emendada pelo relator da commissão de propósito para habilitar os srs. ministros a entrar no thesouro com chave falsa a fim de effcctuar o pagamento dos 441:000.^000 róis. Diminuía porventura a responsabilidade dos srs. ministros, servindo-se de uma chave falsa para entrarem no tlicsouro sem licença de dono, só porque outreni a tinha fabricado e tinha'deixado na porta? • • •

A defeza do goveruo c a sua formal condemnação.

Eu refiro-me a este incidente, menos para o dis.cutir, do que pára condcmnar o procedimento do governo, porquê desejo afastar.completamente da vida parlamentar todos os processos que podem perturbar a grandeza e'a dignidade dos nossos debates-.

Ha larga margem, dentro do regimen da camará é do decoro social, para eercm apreciadas áspera e severamente as rcsponsabilidadcs dos homens públicos, sem prejudicar a gravidade do systema representativo. .

A dignidade c a elevação, que ó. precisa ao indivíduo .para ser honrado na sociedade, ó absolutamente indispensável para a vida e lustre das instituições.

A camará também não quiz ficar aquém do governo no respeito pelas formulas parlamentares, e n'esta questão en-trovi francamente no regimen dictatorial. .' Mal se abriu a discussão logo a maioria da asscmbléa

resolveu convidar o relator da commíssao a vir dar explicações á camará, e associou-se-lhe a opposição, propondo, de certo em represália, que fosse' também convidado a vir explicar o seu voto outro membro da commissão de fazenda, que ha tempos deixou de concorrer áe nossas sessões. . Votei contra .os convites aos deputados para virem á camará explicar-se, e mandei depois para a mesa a minha declaração de voto para ficar bem claro, que eu não tinha, acompanhado a tão extraordinária rcsoluçno.
Em dois casos apenas ó permittido ao presidente d'esta asscmbléa dirigir officios aos deputados, convidando-os a comparecerem u'esta casa.
E o primeiro quando, depois de constituída a camará, se propõe a aunullação de alguma eleição, que é cntào convidado o deputado eleito por oíficio do presidente w da as-sembléu para vir á barra defender a sua eleição. E o segundo quando o deputado depois, de tomar assento na camará, falta sem motivo legitimo ás sessões por quinze dias consecutivos, que é convidado por officio do presidente primeira e segunda vez a comparecer, precedendo sempre deliberação da assemblca.
Fora d'estes dois casos nenhum deputado pôde ser convidado oficialmente a comparecer n'csta assembléa.
Não é fácil descobrir a rasão constitucional, que determinou a camará a convidar dois deputados a virem explicar um parecer, que já não era da. commissão, mas da assembléa que o votara. (Apuiados.)
Nos julgamentos das causas criminacs, em qualquer altura do debate, ó permittido ao réu, c só ao réu, requerer a notificação de testemunha, que lhe convenha produzir, expondo a rasão do tardio conhecimento d'clla, e indicando o artigo da contestação sobre que ha de depor.
Mas nem nós estamos em audiência de julgamento crimo, nem o parlamento occupa, nem pôde occupar, o banco dos réus para produzir testemunhas em sua defeza.
Nem como accusados podem ser chamados a dar explicações á camará os deputados. Obrigados a explicações são apenas os ministros, porque os deputados como os pares são invioláveis pelas opiniões que proferem no exercício das suas funccÕes. Qualquer que seja perante a opinião a responsabilidade moral do deputado, que não procedeu honradamente no exercício de suas funccões, ó absolutamente independente da acção parlamentar, desde que compareça.ás sessões, e cumpra as disposições regiraentaeg.
Mas a camará não se contentou com a manifestação parlamentar do desejo de que os dois deputados viessem a esta casa dar explicações.
Foi mais longe. Convidou-os directamente por officio; e
os deputados nem compareceram, nem sequer responderam.
. E qual ficou sendo a posição da camará em presença
d'estes factos? A posição em que fica quem sdc fora do seu
logar!
Rcfiro-mc a estas occorrcncias, todas preparadas por parte do governo, unicamente no interesse publico, e no intuito de contribuir para que se respeitem os princípios o as formulas constitucionaos, porque as formulas são a salvaguarda das instituições. (Apoiados.)
N'csta discussão tem vindo á tela do debate tudo quanto a cada ura tem lembrado. .
Eu até ouvi dizer em defeza de um despacho, arguido de menos correcto, c que eu regularisára, que, se esse despacho importasse violação de lei, de certo eu teria exprobado o facto ao ministro, que o proferira, com que tive largas c ardentes polemicas n'esta casa.

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lha omcial, ou dos registos parlamentares, ou de qualquer outro registo publico.

De "decisões som publicidade official não me sirvo para atacar ninguém. (Apoiados.)

Também,, sendo eu ministro, nenhum membro d'esta ou da outra casa do parlamento iria ás secretarias d'estado syndicar da gerência dos meus antecessores. (Ajwiados.)

Haviam de vir á camará todos os documentos pedidos, cuja publicidade não offercccsse inconveniente; mas não estariam francas as secretarias d'estado para pares e deputados, senão quando estivessem também abertas para os jornalistas, e para qualquer outra pessoa particular.

-Os pares e depntados, fora do exercício de suas func-ções, não têcm mais direitos c obrigações do que qualquer outro cidadão, e muito menos o privilegio de ir fazer syndicancias ás secretarias d'estado, privilegio que, com mais rasão deveria ser concedido ao cidadão que não faz parte do corpo legislativo.

O par ou deputado ainda tem a .faculdade de requisitar qnaesquer documentos existentes nas repartições publicas; que repute indispensáveis para o esclarecimento de qualquer assumpto. Mas não gosam d'esse privilegio, nem os jornalistas nem os outros cidadãos que, aliás, n'um paiz liberal têeni o direito de conhecer e apreciar os processos de governação publica.

O privilegio, que a praxe reconhece aos pares.e aos deputados, e só.aos pares c deputados, de irem ler ás secretarias a vida dos ministros vivos e mortos, é perfeitamente .odioso, e pôde levantar questões de consequências extremamente desagradáveis.

Os documentos que forem vistos por um devem sor publicados para todos, e tanto mais que o exame de um despacho, isolado dos elementos e das provas em que assentar, pôde representar, como grande injustiça o. acto, que, aliás, fora perfeitamente regular. (Apoiados.)

Haverá dez annos ordenou o governo, ou fez elle mesmo uma larga syndicancia ás secretarias d'estado, não para melhorar o serviço publico, nem para levantar a administração, mas para cevar ódios de partido. (Apoiados.)

Nada ha mais deplorável nem mais prejudicial aos interesses públicos e ás liberdades do que o systema de ódios como base da politica de um partido. (Apoiados.) Quero modificar a phrase. Não.direi que a politica seguida ó uma politica de ódios; direi que é uma politica de nervos. (Riso.) , .

Sendo eu sempre um -dos deputados da opposição parlamentar que mais se indignam diante de acontecimentos tão extraordinários como o que faz objecto do presente debate, estou agora muito pouco indignado com os srs. ministros por terera: desviado dos cofres do thesouro 441:000^000 réis sem auctorisação parlamentar, e estou pouco indignado por varias rasõcs. Em primeiro logar.devemos ainda um serviço 'ao governo n'csta questão, que foi pedir elle para-as despezas das suas fabricas de tabacos a quantia apenas de 7.200:0003000 réis, pois, se em vez de 7.200:000/5000 réis, tem pedido réis 14.400:000/5000, do mesmo modo lhe eram concedidos! (Riso.)

A grande idéa patriótica não dcsappareceu ainda das nossas assembléas parlamentares. (Riso.)

. Em segundo logar. de todos os males, que o governo causou ao paiz com a sua nova industria dos tabacos, o menor foi o pagamento illegal dos 441:000/5000 réis. Eu contribuiria para que se votassem, não só 441:000/5000 réis, mas 882:000,^000 réis, ainda que fossem ao portador, •para voltarmos ao antigo regimen. '(Riso.—Apoiados.)

Se appparécesse por ahi empreza ou indivíduo que quizesse tomar a si o fabrico dos tabacos, que o governo foi arrancará industria particular, monopolisando em favor da au-ctoridado e em prejuiso das liberdades eleitoraes uma das. forças mais importantes da nossa vida politica, porque •collocou debaixo.da tua acção um numeroso pessoal, operário e níto operário, (Apoiados.} o qua. melhor se ha do

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experimentar na occasião das eleições (Riso. — Apoiado»)' e nos restituísse os 7.200:000/5000 réis, restaurando o an" tigo regimen, eu votava por que se lho desse um lonus do 882:000^000 réis!
Hoje os governos podem fazer o que qnizerem. H Finalmente não podia eu estar hoje indignado com este . desvio de 441:000/5000 réis dos cofres do thesouro, porque ninguém, por mais susceptível que soja de indignar se, podo conservar essa indignação durante uni anno.
Ora ha um anno, que eu previ pouco mais ou menos todos estes factos.
Vou mostrar aos meus collegas da opposição, sem querer por forma alguma arrancar-lhes oa louros colhidos pelos seus .brilhantes discursos n'este importante debate, que tudo, quanto-s. ex.as agora têem dito, o disse eu aqui cm abril do anno passado, não'com os primores de cstylo e com as bel-lezas de dicção, que tornam os seus magníficos discursos, roas n'aquella phrase chã, simples e desprctcnciosa, que constituo o feitio especial das minhas orações.
Francamente, o que é que 'se tem dito n'esta discussão contra o procedimento do governo, que não estpja synthe-tisado no seguinte período do discurso que eu pronunciei • n'esta casa em. 14 de abril de 1888;-
aHoje são precisos, era vez de 600:000/5000 réis, 7.200:000/5000 réis, para installar as fabricas, pára contentar o pessoal operário e não operário, c para quem mais Deus for servido.» (Hilaridade.)
Ora, o que disseram os meus illustres collegas, que não esteja aqui consubstanciado? (Riso.— Apoiados.}
E ninguém se lembre de me querer impor ngora a responsabilidade de eu não ter então dito quem eram os felizes comprehcndidos na phrase—çpara quem mais Deus for servido.—Eu não o sabia, como onao sei hoje,, porque não entro nos segredos da Providencia. O que eu sabia era que para o governo installar os seus estabelecimentos de fabrico de tabacos não eram precisos 7.200:000/5000 réis, e que os 7.200:000(5000 réis,' desde que fossem votados, haviam de ser consumidos ! • -' ' "
Por isso me limitei a asseverar que parte dos 7.200:000)5000 réis haviam de ir para quem Deus fosse servido.' (Riso.)
Eu fazia n, comparação dos 7.200:000,5000 'réis, que o anno passado se pediram, com a verba de 600:000/5000 réis, que era a somina que ò sr. António José d'Ávila em 18í>7 julgava bastante para a installação da régw, e que em 18G4 o er. Lobo d'Ávila elevava a 1.000:000/>000 ruis para'o mesmo fim. •
O'governo carecia de dar. explicações ácçrca dos serviços a que eram destinadas as sornmas de 6.200:000)5000 réis, que tanta era a differcnç.a entre 1.000:000/5000 réis cora que o sr. Lobo d'Ávila se contentava, c 7.200:000/5000! réis, que b governo o anno passado pedia.
Perguntei pelo destino que o governo tencionava dnr a uma somma tão avultada, porque o despendio de tão grossti quantia, se não assusta es que recebem, assunta e muito os contribuintes. (Riso.)

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cujo destino não devia sor segredo para os representantes do paiz.

Peior do que o pagamento dos 441:000^000 réis é ainda o.precedente de pagar ás fabricas lucros cessantes.

Quando expropriarmos a companhia vinicola do Porto, as fabricas de moagens e as padarias, porque o governo vae ser tudo, (Riso.) padeiro, moleiro e fabricante de vinho (Riso.) também havemos de indemnis.ir dos lucros ccs-gantes os donos dos respectivos estabelecimentos?

Nós gastámos como se fôramos a nação mais rica do mundo! A isso não posso eu obstar! Limito-me a perguntar para onde vae o nosso, dinheiro; e, como na occasião cm que eu perguntei para que eram os 7.200:000^000 réis,.nem resposta me deram, disse eu de minha conta, sem receio alias de me enganar — os 7.200:000^000 réis silo para installar as' fabricas, para contentar o pessoal operário e não operário, e para quem mais Deus for servido.— (Hilaridade.) ' '

Não é só no período, que acabo de ler, que se revela - que, tudo quanto se tem discutido n'este debate, o discuti eu-em 1888.

Já n'esta discussão se produziram largaa observações sobre a apreciação que fariam os estrangeiros do nosso procedimento na memorável questão dos tabacos. Pois também eu cm 1888 disse o quer que fosse parecido com isto.

O ministro da fazenda de então, que acreditava tanto nos beneficies da régie como eu, tornava dependente o bom ou mau resultado do novo regimen da tiscalisação parlamentar. Ora todos os que conhecem as nossas cortes actues hão de concordar -cm que a fiscalisação parlamentar é uma grande sentinella. É uma sentiuella de se lhe tirar o chapéu.. (Hilaridade.)

Dizia eu no meu discurso de 1888: i Ora vale a pena convidar toda a gente nacional e estrangeira para ver como. as nossas cortes fiscalisain a dcspcza do thesouro e zelam a bolsa do contribuinte !

- t A administração da régie ha de transformar-sc n'um grande jubileu l

«E indispensável orgámsar a régíe "quanto antes, porque ainda lia muita gente para empregar! . «A questão da régie é questão de empregos, é questão de pôr muita gente contento!

a Cinera não fica nem pôde ficar satisfeito é o estado.

ollas esse é um anonyrno, com quem ninguém se importa !

«Comtanto que fiquem contentes os tabaqueiros graúdos, c & sombra d'elles o pessoal operário e não operário, o mais é indifferente!»

Nem os estrangeiros n'essa occasião deixaram de ser invocados para virem admirar as bellczas da nossa administração, .

Disse eu mais n'aquelle discurso: «Nào é de certo precisa somma tão elevada para montar um estabelecimento official de fabrico de tabacos.

a Eu não percebo nada de fabrico de tabacos. Fumo charuto, mas nunca vi fazer um charuto, e nem sei fazer um cigarro com a elegância e habilidade do muita gente que nós conhecemos; e por isso desejava saber a base que o governo adoptou para pedir 7.200:000(000 réis ao paiz para ns suas iustallações cominerciaes de fabrico de taba-cos.

«E desejava saber as rasões por que ò governo quer uma Bomma tão avultada para pôr fabrica de tabacos, porque tenho minhas duvidas e muito fundamentadas acerca da necessidade de saque tão violento sobre a pelle do contribuinte.»

Estas citações do meu discurso não significam falta de modéstia, mas unicamente a asseveração de que eu compendiei, n'aquella occasião, n'uma synthese o que os meus collêgas da opposição parlamentar agora têera dito em palavras brilhantes e encantadoras para a assemblé», e .so-

jretudo inutilisam o argumento, em que por parte do governo tanto se tem insistido, de que ninguém perguntou )ara que eram precisos os 7.200:000(JOOO réis.
Disse eu ainda: «Conjtintamente'com o pedido de au-ctorisação para despender até 7.200:000^000 réis, estabe-ece o projecto disposições, especialmente com respeito á nàemnisação que se propõe dar ás fabricas, que, se não 'orem aclaradas pela commissão, podem trazer graves pre-'uizos para o paiz.
«O governo adoptou o systemo do nTiofallar claro em cousa nenhuma n'este assumpto.
«Por exemplo, todos nós sabemos que á companhia nacional hão de se pagas as suas acções pelo preço de 210$500 réis, porque o ouvimos dizer. No projecto não está isso!
«No projecto diz-se que hão de ser pagas pela ultima cotação anterior a 31 de dezembro de 1886.
e Era melhor dizer claramente que o paiz ha de pagnr 210)5500 réis por acçãO'd'aquella companhia, cujonominul ó lOOÓOOO réis.
aOutro ponto extremamente obscuro e de alta gravidade para os negócios públicos é o que respeita ao valor dos in* ventarios e balanços.
«A companhia ha de responder para com o governo «pela effectividade o não alteração dos valores dos seus inventários c balanços» na-mcsma data de 31 de dezembro de 188G. ' :
«Quo significam as palavras «reffectividade dos valores dos seus inventários e balanços» ? Significam que o governo acceita os haveres da companhia nacional pelos valores que ella lhes deu nos seus balanços, sem verificar só são exactas ou exageradas as avaliações?»
Estas observações, que eu ha um anrio fazia, não representam exactamente o que agora estamos discutindo. (Apoiados.)
Não quero fatigar a camará com mais leituras do meu anterior discurso.
Esta questão tem sido sustentada por oradores dos mais distinctos d'esta assembléa; mas por parte do governo, sem querer fazer offensa a ninguém, quem eu gostei mais de ouvir foi o sr. presidente do conselho. Explicou s.-ex.n na perfeição a significação das palavras —pagamentos legaes a que for obrigado, — empregadas na lei-do 22 de maio de 1888, declarando que esses pagamentos legaes eram os pagamentos feitos em virtude da referida lei. Não pôde duvi-dár-se de que as palavras —pagamentos legaes a que for. obrigado — não podem referir-se a pagamentos auctorisados pela citada lei, e bem o explicou o sr. presidente do conselho.
Aquellcs pagamentos legaes são os pagamentos auctorisados por leis anteriores; e aquellas palavras tomadas no seu sentido absoluto podem referir-se ao pagamento dê todas as despezas do estado qualquer que seja a lei quê as auctorise.
Pelas referidas palavras—pagamentos legaes — na sua accepçao mais genérica, poderia o governo pagar a dotação da família real, as côngruas dos bispos, os soldos dos militares, e quáesquer outras despezas auctorisadas por leis anteriores, (Apoiados.} e dispensar assim a discussão e ap-provação do orçamento geral do estado.
Ha porém um credito, que pelas disposições da lei de 22 de maio de 1888 o governo não podia pagar.
É precisamente o credito dos 441:000)5000 réis devido aos contratadores do tabaco do periodo de 1830 a 1833; è não podia pagar este credito pela simples e singela rasão' de que o pagamento não estava auctorisado por lei alguma!
Bem sabia o sr. presidente do conselho que o pagamento da divida dos tabacos de 1830 a 1833 nío estava auctorisado por lei, e por isso inventou a cerebrina jurisprudência de que os —pagamentos legaes — comprehendiam os pa^ gamentos decretados por sentenças proferidas cm execução sde leis anteriores. .

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Se havia lei anterior, que auctorisasse o pagamento, não era precisa sentença, e se havia apenas sentença, por mais justa que fosse a sua decisão, não.podia executar-se sem que o poder legislativo auctorisasse a despeza com o paga-iuento.

Para engrandecer a magestade do julgado do tribunal de contas, que liquidou o saldo devido aos contratadores do tabaco de 1830 a 1833, argumenta-se com a intervenção dos srs. Fontes c Braamcamp no accordão do conselho d'estado, que negou provimento ao recurso .interposto da decisão do. 'tribunal de contas, como se os nomes dos signatários das sentenças podcssem exercer influencia na sua força executiva, e como se nà'o fosso improcedente e contraproducente o argumento, visto que aqnclles distinctos homens d'cstado, tendo depois exercido por largos annos o poder, nunca pensaram em solicitar das cortes a auctori-Bácão necessária para effcctuar o pagamento. . Mas' a verdade é que nem o sr. Fontes, nem o sr. Braamcamp, nem os outros membros do conselho d'estado, que intervieram no julgamento do recurso, conheceram da decisão do tribunal de contas no fundo da questFio.

É preciso saber, o que não sabe muita gente que não é do officio, que'o conselho cVestado, hoje supremo tribunal administrativo, não 6 segunda instancia com relação ao tribunal de contas.

O supremo tribunal administrativo não conhece das contas nos recursos para ello interpostos dos julgados do tribunal de .contas. A sua organisação em relação ao tribunal de contas é moldada pela organisação do supremo tribunal de justiça com respeito ás relações.

. O supremo tribunal administrativo não aprecia se o tribunal de contas julgou bem ou mal as contas. Limita-se a averiguar se ha incompetência, viol'açí\o de lei, ou preterição de formalidade substancial.

Foi o que fez no presente caso. Desattendou o recurso, até sob promoção do ministério publico, por não encontrar preterição de formulas, nem violação do lei, nem incom-petencias, sem se importar, pois que para isso não tenha competência, com o fundo do julgado. : E a propósito da confirmação da consulta do conselho d'estado vou coutar á camará um facto que prova á sacie-• dadc que os liquidatários d'este contrato são,'ou têem tido sempre por si gente muito nossa. . •

Todos sabem a pressa com que se movem as rodas do nosso mechanismo administrativo.

Eutro as deliberações do supremo tribunal administra-trivo e a publicação no Diário do decreto que ns confirma, medeiam, ás vezes mezes e annos. Pois com a deliberação sobre o julgado do tribunal de contas, no caso de que nos occupâraos, não succedeu assim.

.' Em fins de outubro de 18G8 julgava o conselho d'estado o recurso interposto do accordào do tribunal de contas, negando-lhe provimento. Na primeira assignatura real, 4 de novembro, era. assignado o decreto, confirmando a consulta do conselho d'estado, e na primeira audiência do tribunal em 12 do referido mez lia-se o decreto. N'este mesmo dia se tiravam as copias, n'este mesmo dia iam para o Diário, e n'este mesmo dia se fazia a publicação. O decreto apparcceu publicado no Diário ao governo de 13 de novembro d'aquelle anno!

Esta rapidez extraordinária, e esta celeridade desusada faz honra á nossa, administração, e ás competentes repartições do estado! (Riso.)

Agora o actual governo com o que se prcoccupa 6 com .pagar a quem deve.

Não resiste á dor e ao desgosto de.haver credores com credito aberto sobre a fazenda.

O seu empenho e" pagar, se não a todos, pelo menos aos mais felizes.

Queixava-se o sr. .presidente do conselho de ser accu-sado. de ter pago dividas liquidadas por . sentença quando elle julgava por isso ter praticado um acto meritório.'Nin-

guém accusa o governo de pagar. Do que o governo é ac-cusado é de pagar á custa do estado, sem lei que para isso o auctorisasse.
Se é divisa do ministério não deixar credores por embolsar, pague á sua custa.
Dividas da nação, por mais sagradas e legitimas que sejam, não pôde pagal-as sem intervenção dos representantes da nação, e nem clles lh'a tinham dado, nem o governo'a tinha,solicitado.
Mas argumenta o governo que a auctorisaçãq para fazer este pagamento estava clara na lei nas palavras—pagamentos, legues a que for obrigado.
Já eu disse e repito, as disposições da lei, que aucto-riso.u tão avultado pagamento, são tão claras, que o sr. Marianuo de Carvalho, a quem nílo pôde negar-se o talento privilegiado da exposição, gastou duas sessões e parte de outra ^ara nos explicar essa clareza!
Das bellezas da redacção da lei não pôde dar-so melhor demonstração do que o facto d'aquelle illustre parlamentar gastar tanto tempo a explical-a.
Não é, porém, com o mystcrioso da redacção da lei que o publico se incommoda. O paiz deixa gastar, rios e rios de dinheiro, sem se preoccupar muito com os esbanjamentos, se sabe o destino que tiveram as quanlias gastas.
A nação não se sobresaltou cora a extravagância doa 11.000:000f>000 réis destinados para os chamados melhoramentos do porto de .Lisboa, e inquieta-se só não' sabe o destino dado a 111:000^000 réis. (Riso.)
N'esta questão também o povo se preoccupá menos cora o despendio, %n3o auctorisado, de 441:0003000 réis, do que com a-suspeitá de quê a somma não foi toda direita ao bolso dos presumidos credores. -
Porém a habilidade que o governo tem do encontrar nas leis preceitos, que mais ninguém vê, não se revelou só n'esta questão.
O systema de interpretar as leis, que o governo adoptou para seu uso, tem já muitos e variados precedentes.
Pois quando se votou n'esta e na outra casa do parlamento o artigo G.° do projecto, depois convertido na lei dó 19 de julho de 1888, que do augmento de receita dos direitos de importação, estabelecidos sobre o producto, no anno económico de 1887 a 1888, dos cereaes e de análogos direitos, se applicaria a somma de GO:000?5iOOO réis annuaes, entre outras cousas', para a creação no estrangeiro dê depósitos còmmerciaes dos typos dos nossos vinhosrque melhor acceitação tivessem em cada mercado, imaginou alguém que o artigo poderia ser interpretado e applicado, não para favorecer a exportação dos nossos vinhos, mas para entregar a um syndicato o monopólio da exportação do commercio de vinhos da cidade do Porto com o direito de vida e de morte sobre sobre todos os portadores de vinho ?! (Muitos apoiados.} •
Pois em nome dê uma disposição legislativa, que não tinha outro fundamento, nem podia ter putro fim, senão a protecção á vinicultura e ao coramercio dos vinhos, fez-se um-contrato com 'um syndicato, pagando-se-lhe .ainda om cima um subsidio para pí-r em perigo o valioso commercio dos vinhos da segunda cidade do reino, o mais importante do paiz, eujo movimento representa milhares de contos da réis, e para perturbar profundamente a nossa vida económica no .norte do reino!

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sem garantia contra as cartas audaciosas e profundamente anarchicas do' cardeal secretario d'estado?

Portanto, a interpretação cerebrina e abusiva, que o governo deu á nova lei dos tabacos, para pagar 441:000^000 réis sem auctorisação das cortes, não é una facto isolado.

Pelo contrario é um elemento ou uma .manifestação do. systcma seguido por esto governo na execução das leis.

Coín lei, sem lei, ou contra lei, segue sempre no-seu pensamento de por os interesses adiante dos direitos. . Mas, sr. presidente, o que talvez a maior parte da gente não saiba 6 que os liquidatários nào estavam legalmente habilitados, para receberem o dividirem por todos os interessados a importância paga dos 441:000í?000 réis, e , que. o procurador gera! da coroa, ouvido sobre a legitimidade dos mesmos liquidatários, não aconselhou o governo a pôr á disposição d'ellcs o saldo da.'divida dos tabacos.

Aconselhou-lhe o contrario. Examinemos os documentos relativos á legitimidade dos liquidatários. Vieram em 1882 .os actuaes liquidatários, Francisco Figueira Freire e Vi-cento de Castro Guimarães, ajuízo allegar a sua qualidade de liquidatários, 'e o vitimo dos artigos, ou antes a conclusão da petição inicial da acção, era assim:

«N'èstes termos o nos de direito deve julgar-se justificado* o que se articula e as justificantcs pessoas legitimas' para .continuarem na liquidação e seus incidentes poderem alienar quaesqucr papeis de credito ou bens da liquidação de que estão encarregados e procederem á cobrança de rendimentos, juros ou dividas, afim de fazerem o respectivo rateio ou partilha pelos interessados.»

.Os liquidatários pediram ao juiz que os declarasse habilitados para fazerem p respectivo rateio ou partilha pelos interessados.

Mas o juiz negou-se a habilital-os para esse fim.

Os termos da sentença do juiz-são textualmente os seguintes : .

«Julgo, em vista da prova produzida, procedente c provada a matéria da justificação, fl. 2, que não foi impugnada, 'c, portanto, os articulantes Francisco Figueira Freire o Vicente de Castro Guimarães, habilitados 03 únicos actuaes liquidatários do contrato do tabaco, findo em 1833, • para-continuarcm na liquidação 'e seus incidentes e mais operações declaradas no lãtimo dos artigos, em 'harmonia com accordo tomado na 'acta que está por traslado a fl. 9. Assim, pois, habilito os articulantes, aos quacs se dará titulo,, só o pedirem, e paguem as custas da causa.

«Lisboa, G de novembro de 1882.»

Não se preoccupou o juiz da sentença com a circum-atancià, aliás capital n'esta acção, se os signatários da ' acta> que se apresentavam como verdadeiros representantes dos herdeiros dos contratadores de tabaco de 1830 a 1833, eram ou não os seus legítimos representantes, pois que os signatários da acta não podiam representar os direitos c interesses do contrato, sem que todos os representantes dos contratadores lhes tivessem dado plenos poderes, ou só por si, sendo maiores o capazes, ou com auctorisação competente, havendo algum que não podessc por si reger-BO e administrar seus bens.

Mas em todo" o caso habilitou o juiz os liquidatários, ab-Bolutamento para receberem, ratearem e partilharem, como elles pretendiam e pediam. Pelo contrario, habilitou-os restrictamento em harmonia com o accordo tomado na acta, il. 9. . '

Percorre-se esta acta, que é de l G de janeiro de 1882, c não se encontra ahi a mais pequena referencia a poderes dados aos liquidatários para fazerem rateio ou partilha. D'cssa acta consta apenas o seguinte:

«Foi approvada a proposta para que aos referidos liquidatários d r. Francisco Figueira Freire e Vicente, de Castro Guimarães fosso dada auctorisaç3o o poderes, não só para receberem os juros ò dividendos vencidos e a vencer das inscripções da junta de credito publico, obrigações pré-diaea o acçCes da companhia, daa lezírias averbadas a fa-

•vor d'esta liquidação, como a venderem todos esses titulos, applicando o producto conforma a decisão d'csta assemlléa. s>
Mais rigoroso foi o procurador geral da coroa, que na sua consulta diz o seguinte:
«Prova mais (a sentença) que são estes os legítimos sócios liquidatários da mesma sociedade, companhia ou em-preza, com plenos poderes e espcciaes para todos os actos da liquidação, nos termos e segundo as clausulas da acta fie W de janeiro de 1S32, e em conformidade 'com as leis do reino e'principios de direito a^>plicaveis.v •
Dizia, e' com rasão, o procurador geral da coroa que os poderes dos liquidatários, alem do serem regulados pela acta de lõ do janeiro de 1882, não podiam ser exercidos-senão ou conformidade das Ms do reino e princípios de direito applicaveie.
Ora, as leis do reino, quaesquer que teuham sido os ac-cordos entre maiores, não pcrmittcm partilha entre menores, que não seja judicialmente feita.
Havia interessados menores, ou incapazes a clles equiparados? Não se importou com isso o governo; c tanto niais 3uo, tendo sido dez os contratadores do iabaco no periodo e 1830 a 1833, porque dez foram os citados para responderem ao recurso interposto, para o conselho d'estai3o, do accordílo do tribunal de contas, na acta figuram doze pessoas como representantes dos herdeiros dos interessados.
É certo que a questão da entrega e distribuição do dinheiro sobrcsnltou-mais a opinião publica, c tem causado * mais desgostos- ao governo, do que mesmo a illegalidade do pagamento, e osscs desgostos podia o governo tel-os evitado.
Tem-nos soffrido por sua culpa, e só por sua culpa-.
Porque não ordenou o governo o deposito dos valores, que pagou, na caixa geral de depósitos, para serem levantados á ordem dá justiça? -
Procedeu assim a régic. A administração da régie entrava na caixa de depósitos com o dinheiro das acções dá fabrica nacional dos tabacos, quando havia-duvidas sobro a entrega livre das respectivas quantias.
Porque não mandou o governo, ao menos, averbar aos dois liquidatários, na precisa qualidade do liquidatários, os -titulos representativos do pagamento para depois a justiça os distribuir por aquelles a quem pertencessem? •. Julgavam-se os liquidatários com direito a quinhão maior, ou com direito a alguma percentagem, estipulada para remuneração do seu trabalho ?
Tinham no processo judicial e nas leis todos os meios, do liquidar os seus direitos e de haverem tudo o que'lhes pertencesse, já como quinhão, já como prémio do seu trabalho,'estipulado pelos interessados.
Havia então, como ainda ha hoje, três jurisconsultos no". ministério, que bem podiam dizer ao ministro da fazenda de então os perigos a que se expunha, não entregando o rateio e a partilha á intervenção da justiça, e que podiam explicar lhe o brocando jurídico—quem paga a quem não deve, ecmpro deve. —
Sendo tantos corno eram os sócios do contrato do tabaco de 1830 a 1833, nada mais natural do que estarem alguns, boje, representados por menores, ou por estabelecimentos a quem deixassem toda ou parte da sua suc-cessão, e mesmo pela fazenda se tivessem fallecido sem herdeiros. Mas nada d'isso se averiguou, nem ao menos só. tratou de apurar se a própria fazenda devedora teria algum quinhão no credito.
A' situação difficil e embaraçosa do governo na entrega de ordens de pagamento aos liquidatários, em vez de depositar os valores na caixa geral de depósitos, creou-a elle por culpa sua. (Apoiados da esquerda.) ~
Se os liquidatários, por qualquer acto j uridico, se julgassem com direito a percentagem superior á dos outros interessados, liquidavam esse seu direito na própria acção que-intentassem para levantar da caixa o seu respectivo qui-

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SESSÃO DE 4 DE MAIO DE 1889

Só o governo tcui depositado na caixa geral de depósitos a importância do pagamento, tinha ao menos liquidado. a sua responsabilidade com respeito ás allusões desairosas para a dignidade dos poderes públicos. . " ' •

Se até .n'esta parte ficou n'urna situação duvidosa, foi por sua culpa, c só por sua culpa. (Apoiados da esquerda.)

Não posso seguir nas minhas demonstrações. Deu a hora é.eu não quero ficar com a palavra reservada; mas, se a camará me dá licença, vou ainda proferir algumas palavras,.c terminarei sem demora o meu discurso.

Vozes : — Falle, falle. .

O sr. Emygdio Navarro: — Peço a palavra sobre a ordem. '

O Orador: — Para mim esta questão não é uma qucs: tão isolada. Pelo contrario, é mais um symptoma triste, mais unia manifestação infeliz da desgraçada situação a que chegou a administração publica no meu paiz! (Apoiados da esquerda.).

' O governo, que não tem outro norte senão sustentar-se no poder, adopta expedientes como este, que n'outras cír-cumstancias não consentiria, nem approvaria, para quebrar resistências e desfazer attritos, que se levantam diante da sua marcha política, arrastando assim uma existência atribulada, sem se lembrar de que hoje nenhuma circunistau-cia favorece a continuação dos srs. ministros nas cadeiras do poder. (Apoiados da esquerda.) Tem o governo vivido á sombra da elevação do credito publico, o que é de alta vantagem para .o thesouro, mas que não significa só por si felicidade para o paiz. (Apoiados da esquerda.)

Como sombra negra no meio cTessa prosppridade appa-rcnto, accusam os registos públicos um movimento de proximamente 150:000 processos de execuções por dividas fiscaes cm dezoito districtos do reino, de que tenho na mão o documento, que não leio A camará, porque deu a hora, e eu não quero abusar da sua benevolência.

Este facto s'ó por si revela uma situação económica extremamente diffieil, e que de um momento para o outro pôde tornar-se desesperada! E o que tem feito o governo para occorrer ás difficuldadea que ameaçam a tranquilli-dadc económica e política da nação ?

Ou manda bloquear o quo é uosso nas regiões ultramarinas, ou passa a sua vida a fazer concessões- de terrenos mineiros na província de 'Moçambique com o risco de acabar com a nossa soberania n'aqucllas' paragens, ou a levantar guerra entre os cultivadores dos trigos e os moageiros, entre os productorcs de vinhos c os commerciantes do mesmo género, (Apoiados da. esquerda.), isto é, entre classes tão intimamente ligadas por interesses solidários, que não podem quebrar as relações estreitas cm que vivem, sem se perturbar a vida económica da nação.

O pensamento do governo, não contente com algemar as liberdades populares, é absorver todas as forcas.vivas da'nação.

Podia contentar-se com o exercício da sua industria de fabricante de tabacos, e com os esforços que tem empregado para ser padeiro.e moleiro.

Vão, porém, mais longo as suas'ambições, quer também exercer, por si ou por outrem, o monopólio do commercio dos vinhos, e por isso empenha todos os seus esforços, sem exceptuar os da violência armada, para esmagar o commercio dos vinhos, tão florescente na segunda cidade do reino ! (Apoiados da -esquerda.)

O procedimento dos commerciantes do vinhos do Porto até agora tom sido correctíssimo. (Apoiados da esquerda.) Empregaram todas as diligencias cm representações ao chefe do estado., c cm conferencias com o governo, para ver só conseguiam o respeito pela liberdade de commercio, sanccionada na carta. Mas o único resultado que tiravam das" suas homenagens de respeito á constituição eram uma respostas dúbias, ás vezes formuladas em termos cruéis, e o extracto das. conferencias publicado nos jornacs ministe-riaes, sempre redigido com o maior desfavor para èllès.

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(Apoiados da esquerda.) Commcrcinnlcs da maior respeitabilidade, e de todo alheios aos nego"cios políticos, só por-.quo pugnavam pela libendade comrnercial, no interesso ;d'elles, e no interesse da nação, eram crucificados nos jor-naes progressistas.
Chegou a hostilidade política do governo contra aqucl-les honrados trabalhadores a conseguir quo uma commis-são respeitável, que vinha apresentar ao primeiro magistrado da nação as reclamações da cidade do Porto, ouvisse uma resposta menos suave da bucca d'aqucllc, que não sabe proferir seníto palavras amáveis para todas as pessoas que se "digna receber. (Muitos apoiados da esquerda.)
Agora -o governo deve estar satisfeito com a sua obras Fundou a sua companhia vinícola sobre as strictas bases de um rigoroso syndicato; (Repetidos apoiados da esquerda.) e poz á disposição do syndicato o commercio dos vinhos rdo Douro.
A este acío revolucionário do gabinete o commercio do Porto não respondeu com demonstrações aggrcssivas. Pelo contrario, resolveu assistir de' braços cruzados, n'uma situação passiva, a essas scenas do violência!
Não prejudica o syndicato, não lhe íaz concorrência. Deixa caminhar o syndicato desassombradamento na sua missão rcdemptora!
O governo destina o seu syndicato para salvar os lavradores da região vinicola do Douro;- e o commercio, desde longo tempo estabelecido e afreguezado, nílo põe o mais pequeno embaraço á missão augusta" d'aquella entidade protectora da lavoura é da vinicultura!
Pois o governo nem esta altitude pacifica dos .commcr-ciantes respeita, e pelo contrario quer castigal-a á mão armada, se tanto for preciso.
Pôde o governo esmagar os commerciantes do Porto, ar-majido contra elles a espada e a bayoneta dos soldados, a 'quem a nação paga para defenderem a integridade do território c as liberdades populares. . .
A força do exercito de terra c de mar, a guarda municipal, e a guarda fiscal, são suíficientes para fazer calar a voz da liberdade na segunda cidade do reino.
Mas ate agora a cidade do Porto não tem fornecido ao governo pretexto para afogar cm sangue os protestos pô-las garantias libcracs. • •
O Porto espera dos desatinos do goycrnõ o remédio para os males que lhe têern causado esses mesmos desatinos.
Assiste impassível á iniciativa vigorosa c aos esforços, heróicos do syndicato govcrnativo, do certo A espera dos miraculosos resultados que á industria vinicola hão de advir de tão extraordinária instituição.
O grande o.luminoso pensamento do governo é obrigar a nação, por todas'as formas c por todos os modos, a rcs-•peitar os syndicatos. (Apoiados.)
• E tal o seu amor pelos syndicatos que não se contenta •cm os formar sob a protecção official.
Ainpára-os com fortes subsídios, c prende por meio de contratos, que siibtráe á intervenção parlamentar, a acçíío |dos poderes públicos. (Apoiados.)
1 O governo ha de ceder afinal, porque não tem por si nem :a rasão, nem a justiça.
Mal se explica a imprudência com que o governo vae perturbar o commercio dos vinhos do Porto, que era o nosso mais importante ramo de exportação, pondo em perigo o movimento económico de uma grande região.
Parece que entra no programma do governo dcsorgani-sar tudo, e que cm tudo está prompto a ceder, menos quando se trata de destruir c dcsorg.inisar.
O governo, que tão arrojadamente desorganizou a administração, desorganisou a justiça, desorganisou a instrucção publica, e desorganisou os serviços fazendarios, podia ter-se contentado coni isso, c. deixar ao menos cm paz a nossa situação económica.

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DIÁRIO DA CAMARÁ DOS SENHORES DEPUTADOS

de preferencia para victima das suas experiências a cidade do Porto. Pareceu ao governo que uma terra, que tanto soffrêra pelas liberdades políticas, devia passar por novas amarguras para sustentar as liberdades económicas.

As violências contra uma cidade, que só pede respeito á liberdade de trabalho, que só reclama o exercício da industria covnmercial desassombrado da intervenção official e.artificial do estado c que pugna pelas liberdades económicas, como já pugnou pelas liberdades políticas, não atacam só o Porto, escaudalisam o paiz.

Os nggravos á cidade do Porto, porque cila hastea o' pendão das liberdades, que conquistou com o sangue de seus filhos, seriam a maior das affrontas lançadas ás faces da nação, c a suprema ingratidão do governo do paiz.

Tenho dito.

Vozes:—Muito bera.

(O orador foi muito comprimcntado.J •

Leu-se na mesa a seguinte:

Moção da ordem

A camará, reconhecendo que no pagamento do saldo liquidado a favor do contrato do tabaco, relativo aos annos de 1830 a 1833, houve infracção de lei, c que a conservação do gabinete c incompatível com os interesses do paiz, continua na ordem do dia. —Dias Ferreira.

Foi admittida.

O .sr. Presidente: — A .ordem do dia para segunda feira é a mesma que estava dada para hoje. . Está levantada a sessão.. Eram seis horas e um quarto da tarde.

Proposta de lei apresentada pelo sr. miai&tro das obras publicrs

N.« 7-A

Senhores.—;A proposta de lei que hoje submcltemos ao vosso esclarecido exame tem por fim prover de remédio ao que urgentemente reclamam imperiosas c inadiáveis exigências do saneamento da capital.

Entre todos os problemas que pela sua importância se impõem á attenção dos governos e das administrações lo-caes, sobreleva o que se refere á salubridade publica.

E foi certamente sob o predomínio d'csta verdade que desde muito tempo têcm sido objecto de desvelado estudo e prcoccupação constante as providencias a adoptar para melhoria das condições hygienicas de Lisboa, entre as quaes está por sem duvida como factor principalissimo o estabelecimento de ura bom systema de esgotos.

E para não subir mais longe basta recordar que já cm 1871 a commissão encarregada pelo governo de estudar os melhoramentos do porto de Lisboa teve de occupar-se também da questão dos esgotos. ,

Mais tarde as duas casas do parlamento votaram a lei de 12 de abril de 1876, a qual tinha por fim habilitar a camará municipal do Lisboa com os meios necessários para levar á pratica as obras indispensáveis para o completo esgoto e limpeza da capital. O artigo 3." d'esta lei prescreve que o governo pague annualmentc á camará um determinado subsidio, até terminar o praso para a amortisa-cão do empréstimo que cila ó auctorisada a contrahir.

Este subsidio ou prestação' era fixado:

Ato 50:000$000 réis no primeiro dos quatro annos em que as obras deviam ser executadas, se no fim d'esse anno estivesse feita a quarta parte da totalidade d'dlas;

Até Í00:000;)000 réis no segundo, se no fim d'elle estivesse concluida metade das mesmas obras;

Até 150:000^1000 réis no terceiro, se estivessem feitas três quartas partes do projecto;

Até 200:0005000 réis no quarto, se todas as obras se achassem concluídas;

. ^ E d'ahi por diante a mesma annuidade máxima, até á completa amortlsaçuo das sommas levantadas pela camará dentro do praso estipulado na lei, praso que poderia ele-var-se a cincoenta annos.
A fim de .se habilitar com o conhecimento- exacto e minucioso dos systemas seguidos nas principaes cidades da Europa cm que os trabalhos de esgotos tinham já recebido a consagração da sua execução, o governo encarregou, em julho de 1877, .o sr. engenheiro Castel-Branco de uma missão de estudos no estrangeiro. Este distincto engenhei; ro-apresentou o seu notável relatório cm janeiro de 1879.'
Em sessão de 4 de agosto de 1880 a camará municipal de Lisboa nomeou uma commissão composta de engenheiros e professores das escolas medica c polytechnica é do instituto de agronomia e veterinária, para emittir parecer acerca do systema de esgotos que mais convinha adoptar, na capital.
Esta commissão, depois de cuidadosamente estudar o que de mais importante se tinha realisado acerca de esgotos nas outras nações, c de largamente discutir os diversos pontos do. programma que a camará sujeitara ao seu exame, formulou o relatório das conclusões a que chegou, em 29 de sttcmbro de 1880, e que é um trabalho do mais subido mcrito, e que como tal tem recebido os encómios de altas capacidades, justamente consideradas como àucto-ridades no assumpto.
Em harmonia com as conclusões do relatório a que acabámos de alludir, elaborou o engenheiro chefe da repartição tcchniea da camará, e que havia sido o relator d'aquella commissão, um projecto completo dos esgotos da capital.
Aconteceu porém que o augmcnto da arca c da população de Lisboa cm virtude da nova circumscripção do município, decretada cm 17 de outubro de 1885, reclamou um novo exame da questão.
Por outro lado era para considerar se as obras dos melhoramentos do porto de Lisboa, cm via de execução, demandariam desde já a rcalisação de quacsquer trabalhos, que, pcrmittindo o regular andamento das 'mesmas obras, garantissem de modo cfficaz a salubridade da capital.
Tacs foram os fundamentos da regia portaria do 17 de agosto de 1888, que nomeou uma commissão encarregada de emittir parecer sobre as importantes questões que ficam apontadas.
Esta commissão, reservando-se para inais tarde dar opinião no que respeita á adopção de um plano para a resolu-ç5o' definitiva do grave problema do saneamento completo da capital, acaba de apresentar o relatório sobre as .obras que entende deverem desde já executar-se para não ser embaraçada a regular continuação e aproveitamento das obras do porto de Lisboa, nem prejudicada a saúde publica durante o pcriodo do construcçno das mesmas.obras.
Nos termos do contrato realisado com o empreiteiro das obras do porto de Lisboa, ficou este obrigado a prolongar até o rio, atravcz dos muros de cães, os canos de esgoto da cidade, que hoje desaguam no Tejo.
As obras agora propostas pela coramissão nomeada cm 17 de agosto do anno findo consistem na construcção do um grande collector entre o caos do Sodré e a ribeira do Alcântara, apresentando descarregadores de superfície que, em casos cxcepcionacs, levem ás docas o excedente das-aguas pluviacs, que porventura u'elle não possam ser contidas.
Se é certo que desde a estação dos caminhos de ferro de leste c norte, a Santa Apolonia, até Alcântara, os canos de esgoto se podem reunir por grupos cm pequenos collcctores que vão-desaguar no rio atravez do cães exterior, entre o cães do Sodré c a ribeira de Alcântara, torna-se necessária a construcção de um grande collector que, captando todos os canos parciacs que terminam no Tejo, seja continuado até juzante das docas.

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pela repartirão technica da camará municipal de Lisboa, não deverão ascender alem do 100:0005000 réis; e nem deve esta despeza considerar-se como perdida para o futuro, por que tal obra tenha o caracter de provisória, porquanto seja qual for a solução definitiva que venha a receber o problema do saneamento da capital, ou se adopte o systema de tudo ao esgoto, ou qualquer dos systcmas pneumáticos, sempre aquelle collcctor será totalmente aproveitado, sempre, a sua construcção se tornaria necessária.

É pois uma obra que, prestando excellontcs serviços no período transitório, servirá por igual no período definitivo.

N "estes termos, a despeza do cullcctor deveria ficar a cargo da camará; c para o seu integral pagamento seria applicada a parte respectiva do subsidio, ou annuidade, que o governo tem de pagar ao município, nos termos da -já citada caria de lei. Mas, não podendo rcalisar-sc desde já o plano geral dos esgotos; e tornando-se imprescindível e inadiável a execução das obras propostas, por imperiosos motivos da saúde publica de Lisboa, e pela alta conveniência do regular progredimento das obras do seu por to, faz se mister que o governo as executo, devendo a sua despeza ser encontrada nas prestações ou annuidades a que está obrigado pela caria de lei de 12 de abril do 187(5.

Pelo que respeita íi diminuição de encargos que para o empreiteiro das obras do porto de Lisboa resulte de não terem sido prolongados todos os canos actuaes nos termos do respectivo contrato, serão descontados nos pagamentos,

como for do justiça, e segundo as regras e condições vigentes para. empreitadas geraes, os trabalhos que elle tiver deixado de executar.
Por tudo que fica exposto, e para que não soffra delongas ajusta satisfação de uma tào instante necessidade publica, entende o governo dever solicitar a vossa esclarecida approvação para a seguinte proposta de lei:
Artigo l.°"E o governo ãuctorisado a despender ato á quantia de 150:000^000 réis nas obras necessárias para a construcção do collector da zona baixa da cidade, na parte comprehendida entre o caos do tíodré, e a ribeira dê Alcântara.
§ único. Quando a camará municipal do Lisboa executar o conjuncto das obras indispensáveis para o completo esgoto e limpeza da cidade, para o que foi auctorisada pela carta de lei de 12 de abril de 1876 a contrahir um empréstimo araortisavel no período máximo de cincoenta annos, a despeza agora realisada pelo governo será-encontrada nos pagamentos que lhe são prescriptos na mesma carta do lei.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. ' Secretaria d'cstado dos negócios das obras publicas, com-rr.ercio e industria, cm 4 de maio de 1889.= Eduardo José Coelho.
As coinmissdes de obras publicas, saúde publica c administração publica, depois de publicada no Diário do governo.

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