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N.º 41

SESSÃO NOCTURNA DE 11 DE ABRIL DE 1898

Presidencia do exmo. sr. Luiz Fisher Berquó Poças Falcão (supplente)

Secretarios - os exmos. srs.

Frederico Alexandrino Garcia Ramires
Manuel Telles de Vasconcellos

SUMMARIO

Approvada a acta é lido o expediente, o sr. presidente communicou que fôra recebida por Sua Magestade a commissão portadora da lista quintupla; leu o decreto que nomeia, o sr. Manuel Affonso de Espregueira presidente e o sr. Luiz Fisher Berquó Poças Falcão vice-presidente prestando juramento o primeiro, e tomando assento. - O sr. presidente (Espregueira) fez a sua apresentação. - O sr. Laranjo deu-lhe as boas vindos, e propoz um voto de louvor ao sr. Poças Paleio pela fórma por que dirigiu os trabalhos, associando-se-lhe, por parte dos regeneradores, o sr. Luciano Monteiro. - Foram lançados na acta votos de sentimento pela morte dos srs. Costa Santos e Alves Carneiro, antigos presidentes da camara. - O sr. presidente deu conta de um telegramma do syndicato agricola de Evora. - Prestou juramento, como vice-presidente, o sr. Poças Falcão.

Na ordem do dia continuou a discutir-se e approvou-se o orçamento da despesa do ministerio do reino, usando da palavra os srs. Luciano Monteiro e presidente do conselho (José Luciano de Castro). - Apresentaram propostas, relativas a este orçamento, os srs. Joaquim Tello, Oliveira Matos e Franco Frazão. - O sr. presidente communicou que o sr. deputado Menezes e Vasconcellos se exonerára do secretario da commissão de inquerito parlamentar sobre os titulos do emprestimo de D. Miguel. - Foi concedida licença ao sr. visconde de Melicio para saír do reino.

Abertura da sessão - Ás nove horas da noite.

Presentes á chamada, 46 srs. deputados. São os seguintes: - Abel da Silva, Alfredo Carlos Le-Cocq, Antonio Eduardo Villaça, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto José da Cunha, Bernardo Homem Machado, Carlos José de Oliveira, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Silveira Vianna, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Frederico Ressano Garcia, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, João Catanho de Menezes, João Joaquim Izidro dos Reis, João Lobo de Santiago Gouveia, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Ornellas de Matos, Joaquim Simões Ferreira, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José da Cruz Caldeira, José Frederico Laranjo, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Matos, José Mathias Nunes, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Telles de Vasconcellos, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro e Visconde da Ribeira Brava.

Entraram durante a sessão os srs.: - Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Arnaldo Novaes Guedes Rebello, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, João Ferreira Franco Finto Castello Branco, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Bento Ferreira de Almeida, José Eduardo Simões Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José Malheiro Reymão e José Maria Pereira de Lima.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Cesar de Oliveira, Alvaro de Castellões, Anselmo de Andrade, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Simões dos Reis, Antonio Tavares Festas, Antonio Teixeira de Sousa, Arthur Alberto de Campos Henriques, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Burnay, Conde de Idanba a Nova, Conde de Paço Vieira, Conde da Serra de Tourega, Conde de Silves, Elvino José de Sousa e Brito, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Furtado de Mello, Francisco Manuel de Almeida, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Candido da Silva, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Abel da Silva Fonseca, João Antonio de Sepulveda, João Baptista Ribeiro Coelho, João de Mello Pereira Sampaio, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Capello Franco Frazão, José Dias Ferreira, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim da Silva Amado, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Barbosa de Magalhães, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel Pinto de Almeida, Marianno Cyrillo de Carvalho, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Sertorio do Monte Pereira e Visconde de Melicio.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da marinha, acompanhando um exemplar da collecção de providencias de natureza legislativa publicadas por Sua Alteza Serenisima o senhor Infante D. Affonso Henriques, Viso-Rei do estado da India, e pelo commissario regio do mesmo estado, conselheiro João Antonio de Brissac das Neves Ferreira, durante o anno de 1896.

Para a secretaria.

O sr. Presidente: - Communico á camara que a deputação encarregada de apresentar a Sua Magestade El-

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Rei a lista quintupla para a escolha do presidente e vice-presidente d'esta camara, foi recebida por Sua Magestade com a affabilidade do costume.

Foi recebido na mesa o seguinte

Decreto

Tomando em consideração a proposta da camara dos senhores deputados da nação portugueza: hei por bem, em virtude do disposto no artigo 21.° da carta constitucional da monarchia, nomear ao deputado Manuel Affonso de Espregueira para o logar de presidente da mesma camara, e ao deputado Luiz Fisher Berquó Poças Falcão para o de vice-presidente.

Paço, em 8 de abril de 1898.= REI. = José Luciano de Castro.

Visto que por este decreto está nomeado para a presidencia effectiva da camara dos senhores deputados o sr. Manuel Affonso de Espregueira, convido s. exa. a vir prestar juramento e a assumir a presidencia.

(Prestou juramento e occupou a cadeira da presidencia o sr. Manuel Affonso de Espregueira.)

O sr. Presidente (Manuel Affonso de Espregueira): - Antes de continuar nos trabalhos parlamentares da sessão d« hoje, peço aos srs. deputados que me permittam agradecer-lhes a honra que me fizeram, habilitando Sua Magestade El-Rei a conferir-me o alto cargo de que acabo da ser investido.

Conheço muito bem e avalio as responsabilidades que pesam sobre mim, mas posso assegurar á camara que procurarei manter, com o maior cuidado, a mais estricta imparcialidade nos debates d'esta casa do parlamento.

Conto para isso com o auxilio e a benevolencia de todos os srs. deputados, de qualquer dos lados da camara a que pertençam, e confio mais nossa benevolencia do que em mim proprio.

Servir-me-ha tambem de guia e norma o exemplo que me deixaram os meus illustres antecessores. (Apoiados.) Não obstante, appello para a camara, a fim de que todas as resoluções que tomar sobre a direcção dos trabalhos parlamentares possam ser as mais acertadas e as mais convenientes nos interesses publicos.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Frederico Laranjo: - Sr. presidente, a maioria d'esta camara ouviu com agrado as palavras pronunciadas por v. exa. e está convencida de que, attentas as suas altas qualidades, v. exa. seguira essa imparcialidade e essa tolerancia do que acaba de nos fallar e de que já deu provas, quando de outra vez esteve investido de tão alto cargo.

Em nome da maioria proponho que se lance na acta da sessão um voto de louvor ao sr. Poças Falcão, pela maneira como dirigiu os trabalhos parlamentares. (Apoiados.)

O sr. Luciano Monteiro: - Cumpro um dever, dando as boas vindas a v. exa.

O alto logar que v. exa. occupa tem gravissimas difficuldades, mas facil é a missão para v. exa., porque tem dois exemplos que lhe podem servir de modelo. Seguindo-os, terá o apoio de todos nós.

O sr. Presidente: - O sr. Laranjo propoz um voto de souvor ao sr. Poças Falcão pelo modo como s. exa. desempenhou o logar de presidente da camara.

Creio que está no sentimento de todos que este voto seja approvado por acclamação. (Apoiados geraes.)

O se. Luciano Monteiro: - Pedi a palavra, para dizer a v. exa. que me associo absoluta e intimamente, em nome dos meus amigos presentes e ausentes ao voto de louvor que acaba de propor o sr. Laranjo.

Foi approvado por unanimidade,

O sr. Poças Falcão: - Agradeço á camara a prova de consideração immerecida que acaba de me conceder.

O sr. Presidente: - Tenho a communicar á camara a morte do sr. Costa Santos, de que todos conheciam e avaliavam a excellencia das suas qualidades.

Proponho que a camara lance na acta da sessão um voto de sentimento pela morte d'aquelle senhor e que se communique á sua familia.

O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Sr. presidente, v. exa. acaba de propor um voto de sentimento pela morte do sr. Costa Santos. Por parte do governo tenho a declarar que me associo a esse voto de sentimento.

O sr. Laranjo: - Associo-me, em nome da maioria d'esta camara, ao voto de sentimento que v. exa. propoz, e proponho que se lance igualmente na acta um voto do sentimento pela morte do antigo deputado o sr. Alves Carneiro, que exerceu tambem as funcções de presidente d'esta camara.

O sr. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - Igualmente me associo, em nome do governo, ao voto de sentimento pela morte do antigo deputado o sr. Alves Carneiro.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Tenho a communicar á camara que recebi dos proprietarios ruraes do concelho de Evora, representados pelo syndicato agricola, o seguinte

Telegramma

«Os proprietarios ruraes do concelho de Evora, representados pelo syndicato agricola, resolveram protestar perante os poderes publicos contra a expropriação por zonas em geral o em particular, para o pretendido canal de navegação e irrigação do Alemtejo. = O presidente do syndicato, José Antonio de Oliveira Soares.

Recebi tambem uma carta do sr. conde de Reillac, que faz referencia a varios documentos por elle enviados com relação ao emprestimo chamado de D. Miguel; vae ser remettida á commissão especial de inquerito sobre o referido emprestimo.

Convido o illustre deputado o sr. Poças Falcão a vir prestar juramento, como vioe-presidente d'esta camara.

Prestou juramento.

O sr. Presidente: - Vae entrar-se na

ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão do orçamento de despeza, na parte relativa ao ministerio do reino

O sr. Luciano Monteiro: - Começa por se associar, em nome da minoria, ao voto de sentimento pela morte do sr. Antonio José da Costa Santos.

Pede em seguida ao sr. presidente que lhe diga se nas sessões nocturnas não será concedido um periodo de tempo, antes da ordem da noite, para se tratarem differentes assumptos, como succede nas sessões diurnas.

Faz esta pergunta, porque a rasão determinante das sessões nocturnas foi a necessidade de se dar logar ás sessões da camara dos dignos pares, e não a accummulação de trabalho n'esta camara.

O sr. Presidente: - Responde que, na sessão de hoje, não faz mais do que seguir o que estava anteriormente determinado para as sessões nocturnas, preterindo outros assumptos pela ordem da noite. Só continuar, porém, a haver sessões na camara dos dignos pares, é natural que a camara destine uma hora antes da ordem da noite para se tratarem diversos assumptos, como nas sessões diurnas.

O Orador: - Continuando o seu discurso, começado na sessão anterior, acha extraordinarissima uma phrase que o sr. presidente do conselho soltou no final d'essa sessão. Essa phrase foi que considerava effectivamento illegal o subsidio de 40 contos de réis que concedam ás guardas municipaes, mas que havia assim procedido, por-

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que o commandante d'aquelle corpo lhe declarára que, tendo sabido o preço dos generos alimenticios, se esse subsidio não fosse concedido, não poderia responsabilisar-se pela ordem.

Se quizesse fazer declarações, o assumpto prestava-se a isso, como nenhum outro, mas apenas dirá que, no caso do sr. presidente do conselho, se qualquer commandante de um corpo lhe fizesse tal declaração, não sairia do seu gabinete com a mesma commissão de serviço; e, se descobrisse qualquer fermento de insubordinação, dentro de vinte e quatro horas esse corpo estaria dissolvido.

Acha o facto tanto mais extraordinario quanto é certo que as guardas municipaes estão n'uma situação superior á dos outros corpos do exercito.

Entra depois o orador na analyse da parte do orçamento do ministerio do reino que se refere ao commando das guardas municipaes, notando com estranheza que o commandante d'este corpo, não tendo aliás saído do ministerio da guerra, como succede a outros officiaes que vão servir em commissão n'outros ministerios, aocummula, em soldo, gratificações, forragens, casa de habitação, gaz, agua e carruagem, vencimentos na importancia de cerca de 7 contos de réis.

Não comprehende este privilegio de tão elevada remuneração, que até excede a dos commandos das divisões militares, e deseja saber se o commando de mil e quatrocentos homens das guardas municipaes é mais trabalhoso, ou superior, ao commando de mil e quatrocentos homens de outros quaesquer corpos.

Já ouviu uma explicação; é que as guardas municipaes são um corpo de elite, destinado a manter as instituições, mas esta explicação não colhe, porque as instituições não se mantêem pelas espadas e pelas bayonetas; mantêem-se quando todos os funccionarios que as representam cumprem rigorosamente os seus deveres.

A excepcional remuneração dada ás guardas municipaes produz nos outros corpos um estado de desconsolo que já se tem manifestado nos pequenos conflictos que por vezes se têem dado, e que, n'um estado de anormalidade, póde transformar-se n'uma má vontade desgradabilissima, por todos os motivos.

Deseja o orador saber qual a lei, regulamento ou despacho ministerial, que auctorisa o pagamento da gratificação, por effectividade de serviço, aos officiaes que servem na guarda municipal.

Insiste em que não é justificada a notavel desproporção que se dá entre os vencimentos da guarda municipal e os dos corpos de linha; tanto mais que na guarda municipal, como é sabido, o soldado tem um dia de serviço por quatro de descanso, ao passo que o soldado dos corpos de linha tem um dia de trabalho para tres de folga.

Não tenciona mandar emendas para a mesa, porque tem a certeza de que ellas não seriam attendidas; limita-se unicamente a frisar a differença enorme de situação entre a guarda municipal e os outros corpos do exercito.

Depois de mais algumas considerações sobre o mesmo assumpto, termina, manifestando a opinião do que se devia eliminar a guarda municipal, ou, pelo menos, dar-se-lhe uma organisação igual á da guarda civil de Hespanha, de modo a poder prestar o serviço de policia rural, que tão necessario é no nosso paiz.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.}

O sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Sr. presidente, com muito poucas palavras espero responder ás observações que acaba de fazer o illustre deputado o sr. Luciano Monteiro, a cujo talento e meritos parlamentares sou o primeiro a fazer a devida justiça e a render a homenagem a que tem direito o seu alto merecimento.

Mas permita-me s. exa. que lhe diga, que nas observações que s. exa. expoz perante a camara foi inexacto e por vezes extremamente injusto.

E entrando mais especialmente na resposta ás observações de s. exa., permitta-me o illustre deputado que rectifique uma phrase, que rapidamente pronunciei na ultima sessão, quando pedi a palavra para explicações, porque entendi necessario fazel-o em virtude de alguns reparos e observações feitos por s. exa.

Permitia-me s. exa. que lhe diga, que não foi minha intenção dizer-que o sr. commandante das guardas municipaes me tinha procurado no meu gabinete e me tinha intimado, que era necessario augmentar o subsidio para a alimentação dos soldados e officiaes, sob pena de não manter a ordem...

O sr. Luciano Monteiro: - Mas v. exa. disse - que, tendo subido os generos destinados á alimentação dos soldados, era impossivel manter a ordem...

O Orador: - Effectivamente pronunciei essas palavras, mas foi com uma intenção inteiramente diversa; e se não esse a rapidez com que as pronunciei, teria logo explicado a intenção com que as proferira.

O sr. commandante das guardas municipaes ponderou-me por mais de uma vez, que tendo encarecido os generos destinados á alimentação dos soldados e dos officiaes, não podia tomar a responsabilidade da ordem, no sentido de que poderia haver qualquer manisfestação desde que o rancho fosse mau e a alimentação fosse peior do que estava sendo; e era possivel que de um momento para o outro se manifestasse qualquer resistencia ou insubordinação da parte dos soldados, que de certo seria devidamente reprimida, porque, como v. exa. sabe perfeitamente, o sr. commandante das guardas municipaes não é homem para tolerar qualquer insubordinação ou acto de indisciplina.

Eu não podia deixar de reconhecer que a alimentação dos soldados era má; e, como é sabido, já em varios corpos do exercito tem havido insubordinações por se ter dado mau rancho aos soldados.

Por consequencia a minha intenção não era affirmar completamente que o facto se daria, e sem a devida repressão.

Isto é publico. V. exa. o sabe. Não quero dizer que no exercito haja insobordinação. Desde que está no poder o actual ministerio não me consta que tenha havido insubordinação alguma por motivo de mau rancho; mas a verdade é que por varias vezes se têem dado casos de insubordinação por parte dos soldados, quando se lhes dá má alimentação.

O sr. commandante das guardas municipaes tem a maior confiança na disciplina do seu corpo, inspira respeito, tem o amor dos soldados, é um valente official, incapaz de faltar ao cumprimento do seu dever. É um rigoroso mantenedor da ordem, e todos conhecem as suas qualidades militares e de disciplinador.

Mas o sr. commandante, receiando que, sendo pessimo o rancho fornecido aos soldados, por má qualidade dos generos, podesse haver qualquer manifestação de indisciplina, desejou evital-a. Não era porque lhe faltasse o animo, a coragem precisa para reprimir essa insubordinação, se porventura a houvesse, mas sim por entender de sua obrigação prevenir qualquer rasão de indisciplina.

A rasão apresentada por s. exa. parece-me justificavel. No exercito tinha-se já augmentado o preço do rancho e não havia motivo para exceptuar a guarda municipal. Foi isto que eu disse, e não que o sr. commandante se dirigira á mim como o illustre deputado percebeu ou dedusiu das minhas palavras, intimando-me em nome da manutenção da ordem a que augmentasse a despeza destinada á alimentação do soldado.

Eu disse que o sr. commandante me havia ponderado que, para manter a ordem, era conveniente augmentar a despeza com a alimentação do soldado; mas a minha in-

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tenção não era referir-me á manutenção da ordem publica nas ruas, como s. exa. pareceu entender.

A minha intenção era dizer que o sr. commandante das guardas municipaes havia manifestado receio de que se podesse dar qualquer acto de insubordinação no seu corpo por virtude da má, alimentação do soldado; quanto, porém á ordem publica, nunca me manifestou o menor receio de que ella fosse alterada. Declaro-o a v. exa. da maneira mais solemne...

O sr. Luciano Monteiro: - Nem eu me referi a isso mas sim a um acto de indisciplina interna.

O Orador: - O sr. commandante das guardas municipaes nunca me manifestou receio do que a disciplina podesse ser alterada, excepto no caso de má alimentação ao soldado. Tendo encarecido os generos, recciava, mais cedo ou mais tarde, qualquer tentativa de indisciplina, se o governo não o auxiliasse com as providencias precisas para remover esse inconveniente; e a obrigação, tanto dos commadantes dos corpos, como do governo, é prevenir a tempo qualquer tentativa de insubordinação, quando ella possa achar rasão de ser na má alimentação do soldado.

Repito, o sr. commandante das guardas municipaes não me intimou, não ameaçou; preveniu-me apenas, dizendo me que estava prompto para manter a ordem e havia de mantel-a a todo o custo; mas desejava que se desse a tempo satisfação às instancias que ao faziam sob o ponto de vista da alimentação do soldado, que era má, tornando-se necessario acudir de prompto com remedio efficaz a essa situação, quis elle considerava nociva á boa disciplina.

Dito isto, acrescentarei ainda que fiquei maravilhado por ver que mais se tem discutido o sr. commandante das guardas municipaes que o orçamento do ministerio do reino. Protesto contra essa pratica.

Aqui não está o commandante da guarda municipal; aqui está o governo, e é este que respondo pelo commandante da guarda municipal para todos os effeitos. (Apoiados.)

S. exa. não tem que apreciar o commandante da guarda municipal, nem as despezas que este faz, nem as exorbitancias financeiras que s. exa. lhe notou e que estão no orçamento; por tudo isto é o governo que responde perante a camara.

O sr. Luciano Monteiro: - Eu não discuti a pessoa do commandante da guarda municipal: discuti o commando da guarda municipal como entidade, como instituição.

O Orador: - Pois a mim afigurou-se-me que s. exa. discutia mais o commandante, do que o commando.

O sr. Luciano Monteiro: - Não, senhor.

O Orador: - Afigurou-se-me, repito, que s. exa. discutia mais o commandante do que a instituição que elle representa; mas vejo que foi engano meu, e então perdõe-me s. exa. Foi essa a impressão que tive.

O sr. Luciano Monteiro: - Eu já aqui disse que não queria trazer para esta casa as pessoas; discuti apenas uma funcção publica como ella estava no orçamento.

O Orador: - Faço justiça a s. exa.; acredito que s. exa. não discutiu o homem, mas o commando.

O sr. Luciano Monteiro: - Apoiado.

O Orador: - E pareceu-me pelos applausos, que por vezes ouvi d'esse lado da camara, que o commandante da guarda municipal já não era persona grata para os illustres deputados (Riso), porque a verdade é que tudo quanto s. exa. disse a respeito do commandante da guarda municipal, dos seus ordenados exorbitantes, dos gratificações illegaes, de tudo quanto está assoberbando o orçamento do estado, tudo isto é velho, (Apoiados) é dos meus antecessores, não tem opportunidade, porque vem das leis sanccionadas pelos governos que antecederam o actual. (Apoiados.)

Este orçamento fará approvado pelos correligionarios do illustre deputado; todas estas verbas illegaes, todas estas gratificações escandalosas nunca escandalisaram o illustre deputado, nem os seus correligionarios. (Apoiados.) Elles já viram que o commandante da guarda municipal foi incluido no orçamento que apresentaram á camara, e só depois d'este orçamento é que todas as iras de s. exa. se desencadearam contra elle, vindo á camara pedir strictas contas ao governo, porque elle mantém precisamente os mesmos ordenados e as mesmas gratificações que os illustres deputados já consentiram ao commandante da guarda municipal! (Apoiados.)

O sr. Luciano Monteiro: - Para mim trata-se da manutenção dos erros antecessores de v. exa.

O Orador: - Desde que s. exa. confessa que, discutindo os meus erros, discute ao mesmo tempo os dos meus antecessores, e por consequencia s. exa. confessa que estes erros não são só meus, mas dos correligionarios do illustre deputado, eu resigno-me por ser criminoso em tão boa companhia. Para isto tenho mais que paciencia, tenho a resignação precisa para viver em camaradagem com os ministros que o foram antes de mim e que são honrosissimos correligionarios do illustre deputado. (Apoiados.)

Todos peccámos.

Mas porque é que o sr. deputado só agora examinou este orçamento com tanta minuciosidade, com tanto escrupulo, com tanto cuidado; porque ao agora vem á camara chamar a attenção d'ella e do paiz para o enorme, enormissimo escandalo que se pratica com a guarda municipal, consentindo que o seu commandante esteja absorvendo do thesouro rendimentos que eram devidos a outras applicações mais proveitosas para o paiz, e que sobretudo deviam applicar-se retribuindo melhor o resto do exercito?

Interrupção do sr. Luciano Monteiro.

Quer dizer que s. exa. começou agora a fazer penitencia. Pois o tempo da penitencia já acabou (Riso); devia ter começado antes.

O sr. Luciano Monteiro: - A do paiz é que continua, e queira Deus que o calvario não seja muito pesado para alguem.

O Orador: - Peço ao sr. deputado que com essa prophecia sinistra não aterre o meu animo para poder continuar a governar.

Se o illustre deputado, cujo talento o auctoridade eu respeito tanto, continua a fazer essa prophecia sinistra, desanimo, não tenho coragem para continuar no governo.

Eu não quero censurar o illustre deputado, louvo até o seu arrependimento e a penitencia que quer fazer. Mas o que espero é que seja benevolo para commigo, para com o governo, desde que elle não praticou senão os mesmos erros que os meus illustres e sabios antecessores praticaram.

O sr. deputado começou agora a sua penitencia, confessando que os seus correligionarios praticaram erros.

O sr. Luciano Monteiro: - E por vezes com desagrado meu.

O Orador: - Isso é muito honroso para v. exa. Faço-lhe essa justiça; mas isso não diminue em nada a força do meu argumento.

Eu não fiz mais do que submetter á apreciação da camara um orçamento nos precisos termos em que estava o orçamento proposto pelos meus antecessores, não inclui uma verba a mais; eu descrevi no orçamento o mesmo que estava nos orçamentos anteriores. Qual o meu crime? Pois durante quatro annos em que esteve o governo regenerador dirigindo os destinos do paiz sempre no orçamento figuraram estas mesmas verbos, que tanto indignaram o illustre deputado, obrigando-o a dizer que estamos desperdiçando os dinheiros publicos em desproveito do paiz, sem que contra isso se levantasse a voz do illustre deputado ou de qualquer dos seus correligionarios, e até o proprio ministro do reino d'esse ministerio não teve duvida em propor á camara, ou decretando por acto ditatorial, assumindo a completa responsabilidade, as des-

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pezas aqui consignadas, e só eu é que sou agora o peccador, o criminoso; só eu é que commetto um crime de alta e injustificavel prodigalidade dos dinheiros publicos, submettendo á apreciação do parlamento o orçamento com as mesmas despezas que durante tantos annos os meus antecessores submetteram igualmente ao exame do parlamento?!

O sr. Luciano Monteiro: - Então é o ministerio regenerador que ahi está?

O Orador: - Não é o ministerio regenerador, perdoe-me o illustre deputado; fazemos muita differença. Ha pouco provei que nós temos por vezes as mesmas idéas. Aqui estou ao lado dos meus antecessores a defender, não só a minha obra, mas a d'elles. Se a minha é má, a d'elles não póde ser boa. Se o illustre deputado tem rasão em condemnar as prodigalidades a que se referiu, os seus argumentos vão atravessar de lado a lado o sr. João Franco.

O sr. Luciano Monteiro: - Nunca penso n'isso.

O Orador: - Eu não tenho senão que applaudir o illustre deputado pela imparcialidade do seu juizo.

(Interrupção do sr. Luciano Monteiro.)

Eu louvo e applaudo a nobre isenção do illustre deputado; mas s. exa. ha de permittir que eu me defenda com o argumento mais poderoso, que é o do exemplo de auctoridade.

Pondo de lado este assumpto, permitta-me s. exa. que eu lhe diga, que em todas as observações que fez, querendo comparar as despezas que se fazem com a guarda municipal, às que se fazem com o exercito, s. exa. laborou sempre n'um equivoco, que não é de estranhar em pessoa que anda mais habituado ás questões de jurisprudencia, que aos assumptos militares, mas que nem por isso deixam de ser inexactas e menos verdadeiras.

Disse s. exa. que o serviço da policia era melhor remunerado que o do exercito; mas não reparou em que os dois serviços são differentes; são ambos nobres, ambos proveitosos, ambos honrosissimos, tanto o soldado que serve na guarda municipal como o que está alistado no exercito põem igualmente o seu esforço, a sua coragem ao serviço do paiz; mas os serviços é que são differentes.

O serviço da policia municipal é inteiramente differente do serviço do exercito.

O illustre deputado de certo me dispensa de que eu esteja aqui narrando o serviço que compete á guarda municipal; basta que eu lhe diga que elle é pesadissimo; tem a seu cargo a defeza da ordem publica, e esse serviço exige um trabalho e uma dedicação enormes.

É claro que o exercito presta grandissimos serviços ao paiz, mas presta-os de outra maneira, que é tão honrosa como aquella, mas que não é tão difficil, nem tão escabrosa como a da policia municipal. E é por isso que em toda a parte, mesmo em Hespanha, cujo exemplo s. exa. citou, referindo-se á guarda civil, é melhor remunerado o serviço da policia.

Compare s. exa. o orçamento da guarda civil de Hespanha com o dos outros corpos hespanhoes e verá a differença que ha entre um e outro.

O sr. Luciano Monteiro: - Mas é preciso que v. exa. note que o corpo da guarda civil tem 25:000 homens, o que não tem os outros corpos do exercito, e portanto o seu orçamento ha de ser muito maior.

O Orador: - Eu não quero comparar o numero das praças, mas o seu vencimento. Eu não comparo a guarda municipal portugueza com a guarda civil hespanhola; sei bem que esta é muito mais numerosa, mas o que digo é que o serviço da guarda civil em Hespanha é muito melhor remunerado do que o do exercito.

O sr. Luciano Monteiro: - Mas não compare s. exa. o serviço de policia da guarda municipal, que passeia nas ruas de Lisboa, com o serviço da guarda civil hespanhola por meio dos campos de Salamanca, n'aquelles desertos, sempre com perigo de vida.

O Orador: - Bem sei que a guarda municipal faz só serviço em Lisboa, mas o que eu digo é que o seu serviço não é menos honroso. Nos tempos ordinarios, o serviço da guarda municipal é facil, mas s. exa. sabe que ha occasiões, e essas repetem-se, em que o serviço da guarda municipal é pesado. Ordinariamente mesmo o serviço é mais pesado do que o do exercito.

O sr. Luciano Monteiro: - Excepcionalmente.

O Orador: - Quer v. exa. saber o que se passa entre nós? A policia civil tem maior remuneração do que a guarda municipal: o policia civil recebe 500 réis e 100 réis de gratificação, o cabo de esquadra recebe 700 réis e os chefes 1$000 réis, emquanto que o sargento recebe 660 réis. O soldado da guarda recebe 450 réis, ao passo que o policia recebe pelo menos 600 réis.

O sr. Luciano Monteiro: - Mas não tem luz, nem rancho, nem casa.

O Orador: - Vá v. exa. ao orçamento e lá encontrará tudo isso.

Eu já em tempo quiz organisar em Portugal uma guarda civil e encarreguei uma commissão de officiaes, presidida pelo general Macedo, que foi commandante da guarda municipal, de organisar um plano d'esse corpo. Essa commissão apresentou-me um projecto, mas a despeza era de tal ordem, que eu preferi manter é que estava. Não me atrevi a propor ao parlamento o projecto que me foi apresentado porque as finanças já não eram prosperas e o augmento de despeza era enorme, pois o vencimento dos officiaes e soldados d'esse corpo de policia, marcado no projecto, era muito maior que o do exercito; emfim, o augmento de despeza era tal que eu não me atrevi a propol-o ao parlamento.

Isto é só para mostrar que não póde comparar-se o serviço da policia com o do exercito, não porque um seja mais nobre do que o outro, mas porque é differente. O serviço da guarda é especial, e o serviço da policia ainda é mais pesado, e por isso é melhor remunerado, pois, como disse, o policia tem o ordenado certo de 500 réis e a gratificação que varia entre 50 e 100 réis, emquanto que o soldado da guarda tem 450 réis.

N'este erro laborou s. exa. S. exa. partiu do principio de que o serviço da guarda era igual ao do exercito, e indo ao orçamento e encontrando que a guarda era melhor remunerada, concluiu que ella era um corpo privilegiado; mas como não ha de ser assim, se o serviço que ella exerce é muito mais pesado?! É assim que se procede em todas as outras nações. Vá s. exa. ao orçamento francez e veja quanto se paga á guarda republicana, á gendarmerie; compare esses vencimentos com os dos corpos do exercito e notará grande desproporção.

Se s. exa. não tivesse partido d'este erro, não teria estado a fazer comparações entre vencimentos dos que fazem parte da guarda municipal e dos que fazem parte do exercito, porque a verdade é que não se podem comparar serviços completamente differentes, e se assim não fosse, não seriamos nós o unico paiz que assim procederia. Os outros que conhecem estes assumptos, não remunerariam tambem melhor a força de policia.

S. exa. fez uma apreciação minuciosa dos vencimentos que recebe o commandante das guardas municipaes, mas eu peço a s. exa. que me poupe o trabalho de descer a essa apreciação. Eu não vejo n'este orçamento de despeza do ministerio do reino senão o soldo de general de divisão e a gratificação por serviço na guarda; tudo o mais o que está nas leis. Se essas leis precisam ser alteradas, proponha s. exa. essas alterações, que o governo as examinará e verá se convem fazer algumas alterações.

Por emquanto não tenho rasão para crer que haja necessidade ou conveniencia em se alterar o que está. O ilustre depurado entende o contrario. Faça s. exa. a pro-

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posta e eu não me nego, nem a commissão, a examinal-a e approval-a, só ella for conveniente e util.

Não discuto tambem se o sr. commandante das guardas municipaes recebe os seus vencimentos como ajudante de campo do El-Rei. Esta questão, como s. exa. mesmo reconheceu, está regulada por um decreto. Pelo facto de ser ajudante do campo não deixa de occupar o seu logar no exercito. Descrevi no orçamento o vencimento que tem correspondente ao posto do general de divisão e a gratificação recebe em virtude da lei que lh'a dá. O mais são accessorios, que, como digo, figuraram sempre, até aqui, em todos os orçamentos o só agora soffreram contestação e duvidas por parte do illustre deputado.

Disse tambem s. exa. que o sr. commandante das guardas municipaes, alem do vencimento ordinario que tem, habita n'um palacio. Bem se vê que o illustre deputado nunca entrou no «palacio» onde habita o referido commandante. Eu já lá tenho entrado mais de uma vez, o devo dizer que a primeira vez que lá entrei fiquei surprehendido com a modestia d'aquella habitação.

Chamar áquillo um palacio! Só por grande exaggero de imaginação. A casa onde habita o sr. commandante das guardas municipaes é a mesma em que têem habitado todos os officiaes que têem exercido aquelle commando. Não ao póde chamar áquillo um palacio; e que o fosse! Não fazia mais do que usar do mesmo direito que têem usado os seus antecessores. Não se faz excepção para elle. Está na mesma casa onde estiveram os generaes barão de Rio Zezere, Moreira e outros, sem que no parlamento se tivessem, em qualquer occasião, levantado contestações ou duvidas a tal respeito. (Apoiados.)

Disse mais o illustre deputado que o sr. commandante dos guardas municipaes tem mais do que um ministro da corôa. Isso não admira, porque para ter mais do que um ministro da corôa pouco é necessario. Muitos funccionarios ha n'este paiz que têem mais do que um ministro da corôa. Se s. exa. fizesse o confronto entre os vencimentos dos conselheiros da corôa e os de outros funccionarios, havia de soffrer naturalmente a mesma impressão que eu soffri quando fiz comparação com o commandante da guarda. N'este paiz os ministros são dos que mais trabalham e menos direito têem a qualquer remuneração. Tudo quanto dizer a este respeito poderá parecer suspeito, e só digo que, me parece, s. exa. tem rasão, e essa rasão colhe, não só em relação ao ponto restricto de que nos estamos occupando, mas em relação a muitos outros funccionarios.

Occupou-se tambem s. exa. de uma gratificação de effectividade que vem incluida no orçamento, perguntando a rasão por que se incluiu tal verba e em que lei se fundava.

Esse gratificação de effectividade funda-se na mesma lei em que se fundam todas as outras; na lei ou decreto organico da guarda municipal, e em todas as leis anteriores de despeza onde tem sido incluidas, por-se considerar este serviço especial, tendo por isto uma remuneração tambem especial.

Para outro ponto chamou tambem o illustre deputado a minha attenção, e vou occupar-me d'elle.

Com respeito ao despacho que auctorisou o augmento do subsidio para rancho dos soldados, ou não disse «que era illegal!» O que eu disse é «que vinha propor á camara se incluisse no orçamento o augmento de despeza com o rancho dos soldados».

Eu auctorisei o adiantamento para se elevar o subsidio do rancho e esse augmento ascendo á quantia de 16 contos de réis; mas a parte a que se refere o meu despacho é só relativa ao segundo semestre do actual anno economico; e para fazer esse despacho fundei-me nos precedentes estabelecidos. Não fiz mais do que auctorisar, por conta das sobras das verbos do orçamento do ministerio do reino, o adiantamento da quantia absolutamente indispensavel para subsidiar o rancho dos officiaes e dos soldados da guarda municipal. Eu não disse «que havia illegalidade!» O que disse foi «que era necessario que na lei de despeza se incluisse uma disposição que regularisasse claramente essa despeza». É como se justifica nos outros ministerios; não fiz mais do que, por um despacho ministerial, auctorisar um adiantamento por conta das sobras das verbas do orçamento do ministerio do reino.

É isto uma irregularidade?

Talvez seja, mas illegalidade não é. É apenas um adiantamento como pelos ministerios do reino e da fazenda costumam ser feitos, sempre que se esgotam as verbas de despeza, que têem de ser pagos até ao fim do anno economico.

É regular? Não será. Mas para acudir aos escrupulos do illustre deputado promptifiquei-me a incluir na lei da despeza uma disposição que regularise este acto.

Aqui tem s. exa. a verdade.

Isto não é illegal. Póde não ser inteiramente regular, mas está auctorisado pelos precedentes.

Como disse, o adiantamento foi unicamente feito com relação ao segundo semestre do actual anno economico, e relativamente ao anno proximo está incluida no orçamento esta despeza, e portanto o parlamento, no uso do seu direito, approvará ou rejeitará a proposta.

S. exa. fez depois algumas considerações de ordem geral, sem applicação propriamente ao orçamento.

Disse s. exa. que a guarda municipal era destinada a manter as instituições, mas que mal ia às instituições que se conservavam apenas graças ao apoio da guarda municipal.

Devo dizer ao illustre deputado que n'este ponto estou plenamente de accordo com s. exa.

As instituições não podem manter-se só pela força publica. Se ellas não se conservam senão pelo medo, pelo terror que inspira a força militar, estão perdidas. Mal vae às instituições quando saem da legalidade. (Apoiadas.) Mal vae às instituições quando não comprehendem que o seu primeiro, o mais sagrado e o mais indeclinavel dever é respeitar a constituição, nunca saírem d'ella, nunca praticarem nem consentirem a menor violação, e opporem às aggressões dos seus adversarios, às investidas dos seus inimigos o respeito constante da ordem e da legalidade. (Apoiados.)

É esse o seu primeiro dever.

Emquanto as instituições se mantiverem dentro da orbita da legalidade, emquanto souberem cumprir e fazer cumprir este primeiro preceito, o respeito á lei e á constituição do reino, não tenha s. exa. receio de que ellas careçam de se apoiar na força das baionetas para se manterem contra os seus adversarios. (Apoiados.)

Sim, o illustre deputado tem rasão; o primeiro dever de todos, desde o primeiro magistrado da noção até ao ultimo, é respeitar a lei, e a primeira de todas as leis é a constituição do reino. (Apoiados.)

Emquanto aquelles que maior dever, que maior obrigação têem de a respeitar e fazer respeitar se mantiverem no cumprimento d'esta sua rigorosa obrigação constitucional, não receie s. exa. que seja preciso recorrer ao apoio da força publica para suffocar a voz da opinião ou para as instituições se imporem ao povo pelo terror das baionetas, com a força do exercito ou da guarda municipal. (Apoiados.)

Eu nunca aconselharei às instituições que confiem só no apoio cego da força militar, nunca; porque as instituições que vivem do apoio da força militar, só e exclusivamente d'esse apoio, não tendo por si o apoio e a cooperação desembaraçada e livre da opinião publica, essas instituições que fiam apenas o seu presente e o seu futuro do apoio que em determinada hora lhe póde prestar a força do exercito, ou da guarda municipal, podem enganar-se, e então chegará a hora d'aquelle trambulhão a que s. exa. se referiu.

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SESSÃO NOCTURNA N.º 41 DE 11 DE ABRIL DE 1898 793

As instituições actuaes não estão, porém, n'este caso, e o governo, pela sua parte, nunca até hoje aconselhou, nem ha de aconselhar o menor acto que possa significar falta de respeito á constituição do reino e às leis; e por isso não precisa augmentar a força da guarda municipal, nem satisfazer, porventura, as exigencias que fossem consideradas illegaes, nem de subscrever a quaesquer intimações ou ameaças, porque sabe que o primeiro dos seus deveres é fazer respeitar o principio da auctoridade, é fazer cumprir as leis e cumpril-as.

(Vozes: - Muito bem.)

Por isso eu digo ao illustre deputado que se engana quando pensa que o governo actual, no que impende às instituições, quer exclusivamente apoiar-se na força da guarda municipal para as fortalecer e resistir às aggressões dos seus. adversarios.

Com o meu conselho, com o meu voto, por minha indicação, nunca se ha de seguir esta politica, que eu reputo funesta aos interesses do paiz. (Apoiados.)

Por minha parte tenho este ponto de vista como systema de governo. Vivo com as leis; procuro cumprir e fazer cumprir as leis. (Apoiados.) Esforço-me por fazer respeitar tanto quanto posso a primeira das leis, a constituição do reino. (Apoiados.)

É esta a minha norma de proceder; e emquanto assim procedo, não me associo, nem às desordens na praça publica, nem careço de me ir apoiar nas forças militares, quer da guarda municipal, quer do exercito. (Apoiados.) Estas são para manter a ordem nas das e para manter a integridade nacional, quando for preciso. (Apoiados.)

Este é o meu fim e o meu destino.

As instituições mantêem-se seguindo uma politica justa, sensata, honesta, digna e elevada, e sobretudo, repito, fazendo cumprir as leis em toda a sua plenitude. (Apoiados.)

Por vezes o illustre deputado, a quem, repito, muito considero e respeito, fez allusões insistentes á situação privilegiada concedida a guarda municipal.

Eu não direi que s. exa. procurou por qualquer maneira accender uma rivalidade entre o exercito e a guarda municipal. Quer-me parecer que não foi esta a sua intenção, nem podia ser, porque s. exa. sabe quanto é perigoso procurar levantar rivalidades e atear emulações entre dois elementos, que são igualmente indispensaveis para manter a ordem, (Apoiados); mas a verdade é que das palavras de s. exa. accentuadas com aquelle colorido que s. exa. dá á sua argumentação, e que são um dos mais pronunciados caracteristicos da sua oratoria parlamentar, alguém poderia ver que s. exa. tinha intenção de levantar emulações e rivalidades entre a guarda municipal e o exercito. Estou certo que não era esta a intenção que presidiu às suas palavras; mas podem outros suppor que nas palavras que s. exa. proferiu com accentuado vigor houve a intenção, o proposito de mostrar ao exercito que a guarda municipal é mais privilegiada, mais amimada pelos poderes publicos, mais favorecida, mais cortejada, do que o exercito.

Peço perdão; isto não á exacto. Os poderes publicos não podem ter preferencia, nem pelo exercito, nem pela guarda municipal. (Apoiados.)

A sua obrigação é procurarem o bem-estar do exercito, dar satisfação às suas reclamações, levantar o seu nivel e procurar eleval-o no amor e no conceito do paiz. (Apoiados.) Igualmente a sua obrigação e promover o bem-estar do soldado, quer milite na guarda municipal, ou no exercito.

Em qualquer parte que seja, o governo ou os poderes publicos não têem, não podem ter distracções para nenhum dos elementos da força publica; a todos respeitam igualmente, porque todos são absolutamente indispensaveis para manter a ordem e n'um momento dado defender a independencia e á integridade da patria. (Apoiados.)

Portanto, aonde é que s. exa. viu que o governo ou os poderes publicos tenham qualquer preferencia para com a guarda municipal, que revertesse em desfavor do exercito.

Diz s. exa. que havia desconsolo no exercito, porque tinham tratado melhor, favorecido mais (illuminado mais disse s. exa.) a guarda municipal do que os soldados que servem briosamente no exercito. Aonde viu s. exa. isso? Como já disse, o que este e todos os governos têem feito é tratar igualmente serviços iguaes, remunerar melhor os serviços da guarda municipal ou da policia civil que são mais pesados, mais onerosos, mais difficeis e algumas vezes mais arriscados do que os do exercito. Mas o que se tem feito aqui, tem-se feito em toda a parte do mundo (Apoiados), aonde se sabe o que é a organisação da policia, aonde se não desconhece que serviços differentes e serviços especiaes não se podem remunerar de igual modo. (Apoiados.) N'estas palavras não quero de nenhuma maneira desvirtuar nem os propositos, nem as intenções do illustre deputado; o que quero, por parte do governo, é apenas declarar que rejeitámos todas as insinuações de querermos favorecer por qualquer rasão ou motivo a guarda municipal com prejuizo do exercito.

Nós temos o mesmo respeito, direi até, o mesmo reconhecimento por aquelles que servem no exercito, como por aquelles que servem na guarda municipal; não ha preferencia, nem distincção para uns que se não possa dar a outros. Com o exercito conta o paiz, e bem póde contar, nas horas angustiosas de perigo, em que a adversidade nos bata á porta e que seja preciso recorrer ou appellar para o seu esforço. Eu creio, como já tem acontecido em occasiões recentes, que nenhum official ou soldado, nenhum d'aquelles que juraram defender a patria faltará ao cumprimento do seu dever. (Apoiados.) A marinha tem igualmente cumprido briosamente o seu dever, tem dado em mil occasiões provas de que sabe cumprir honradamente o juramento que prestou, e não cede ao exercito, nem a ninguem o seu logar na hora do perigo. (Vozes: - Muito bem). Se digo isto em relação ao exercito, não posso deixar de dizer igualmente que a guarda municipal no serviço que presta, não só cumpre o seu dever, mas bem merece dos poderes publicos. (Apoiados.)

Não quero alongar esta discussão; quiz apenas fazer estas rapidas considerações para explicar á camara quaes os meus actos como ministro e dar a rasão das verbas que inseri no orçamento.

Aproveitei a occasião para, por parte do governo, dar as explicações que julguei, não só convenientes, mas necessarias em relação ao assumpto grave a que o senhor deputado se referiu.

Dadas estas explicações, e não querendo roubar tempo á camara, tenho terminado.

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Luciano Monteiro: - Pediu de novo a palavra, pois necessita explicar algumas phrases que foram mal apreciadas pelo sr. presidente do conselho.

Nas considerações que apresentou, não quiz discutir as pessoas dos officiaes da guarda municipal; o que apenas apreciou foi as dotações dos serviços d'esta guarda.

Referindo se novamente aos serviços por ella prestados, entende que o que é necessario averiguar, é se realmente esses serviços são ou não mais trabalhosos do que os prestados pelos outros corpos da guarnição.

Pela sua parte, entende que não são, ao contrario do que foi affirmado pelo sr. presidente do conselho.

O orador, depois de responder a outras observações do sr. presidente do conselho, termina declarando que não apresenta propostas de emendas, como já disse, por entender que seriam inuteis, tendo em vista a orientação do governo em relação aos serviços da guarda municipal.

Observa ainda, que apesar do actual orçamento, apre-

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sentar um saldo, o governo julgou necessario trazer ao parlamento duas propostas de lei augmentando os encargos tributarios.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Eduardo Villaça: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro seja consultada a camara se julga sufficientemente discutido o orçamento de despeza do ministerio do reino. = O deputado, A. Eduardo Villaça.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Os srs. deputados que tiverem propostas a mandar para a mesa, podem fazel-o.

(O sr. Luciano Monteiro: - Eu tenciono mandar para a meda uma proposta concernente á parte do orçamento do ministerio do reino que trata da instrucção publica superior, e pergunto a v. exa. se, não obstante amanhã entrar em discussão outro ministerio, eu poderei apresentar essa emenda.

O sr. Presidente: - Como as propostas são todas enviadas á commissão, póde s. exa. apresentar essa emenda.

O sr. Oliveira Matos: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Orçamento do ministerio do reino

Proponho que na verba para beneficencia, descripta no capitulo 6.°, artigo 27.°, se inclua a quantia de 1 conto destinada a auxiliar as obras de um hospital civil na cidade do Aveiro, sem augmento de despeza, isto é, dentro da mesma verba de 11 contos, descripta para «Despezas eventuaes», ficando redigido o mesmo artigo como está, apenas com o acrescentamento, aonde se lê «para o hospital da misericordia de Alcobaça», e 1 conto para as obras de um hospital na cidade de Aveiro. = O deputado, Oliveira Matos.

Á commissão do orçamento.

O sr. Joaquim Tello: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que se dê um subsidio de 500$000 réis para o hospital da misericordia de Lagos = O deputado Joaquim Tello.

Enviada á commissão do orçamento.

O sr. Franco Frazão: - Mando para a mesa as seguintes

Propostas

Proponho que sejam supprimidas do orçamento das bellas artes as verbas destinadas:

1.° A retribuir o professor da cadeira de gravura em madeira, que ha muito não tem discipulos. Figura como orçamento na verba destinada a professores, pela importancia de 600$000 réis.

2.° A gratificação concedida ao director do museu de bellas juros (Janellas Verdes), logar que é inutil por existir um conservador do museu e um inspector de bellas artes. Figura no orçamento na importancia de 369$000 réis.

3.° Que seja reduzida a verba concedida como gratificação ao secretario da academia de bellas artes, igualando-a á que no orçamento figura para o secretario do conservatorio. Figura no orçamento com 100$000 réis. Proponho que seja reduzida a 50$000 réis.

Total das redacções 1:010$000 réis.

O deputado pelo circulo 112. = José Capello Franco Frazão.

Enviada á commissão do orçamento.

Proponho que a secção 10.º capitulo l.º do ministerio do reino, relativa á despeza variavel da academia real das sciencias, seja substituida por uma auctorisação ao governo para, ouvida a academia e colhidos quaesquer outros esclarecimentos, tomar as providencias mais consentaneas aos interesses do thesouro e da academia. = José Capello Franco Frazão.

Enviada á commissão do orçamento.

O sr. Presidente: - Vae proceder-se á votação.

Lidos na mesa, foram successivamente approvados os differentes capitulos do orçamento de despeza do ministerio do reino.

O sr. Presidente: - Dou conta á camara do seguinte

Officio

Exmo. sr. presidente da camara. - Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que, tendo-me exonerado do cargo de secretario da commissão parlamentar de inquerito sobre os titulos do emprestimo do sr. D. Miguel, fui substituido n'esse cargo, por deliberação da mesma commissão em sua sessão de 5 do corrente, pelo sr. deputado J. Eduardo Simões Baião.

Sala das sessões, 11 de abril de 1898. = Antonio de Menezes e Vasconcellos, deputado.

Para a secretaria.

O sr. Presidente: - O sr. deputado Silva Amado pede á camara que o auctorise a ausentar-se do reino por algum tempo.

Foi concedida a auctorisação.

O sr. Presidente: - A primeira sessão será ámanhã. Ás oito e meia horas far se-ha a primeira chamada e a segunda às nove horas. A ordem da noite é a continuação da discussão do orçamento.

Está levantada a sessão.

Eram doze horas da noite.

O redactor = Sergio de Castro.

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