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SESSÃO DE 13 DE MARÇO DE 1876

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios — os srs.

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos Barão de Ferreira dos Santos

SUMMARIO

Apresentam te requerimentos, participações e propostas de lei. — Ordem do dia: approva-se o projecto de lei que fixa o contingente para o serviço da armada em 971 recrutas; o projecto que fixa a força de mar em 3:015 praças; o projecto que fixa em 8:000 recrutas o continente para o exercito no anno de 1875 e em 10:000 no anno de 1876; o projecto que fixa a força do exercito em 20:000 praças de pret; e o projecto que auctorisa o governo a proceder á circumscripção das dioceses.

Presentes á chamada 40 senhores deputados.

Presentes á abertura da sessão— Os srs.: Adriano Sampaio, Alberto Garrido, Osorio de Vasconcellos, Avila Junior, A. J. Boavida, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Pereira Carrilho, Rodrigues Sampaio, Mello Gouveia, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Correia da Silva, Vieira da Mota, Eduardo Tavares, Vieira das Neves, Paula Medeiros, Illidio do Valle, Ferreira Braga, Barros e Cunha, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Matos Correia, Figueiredo de Faria, Namorado, Pereira Rodrigues, Mexia Salema, Pinto Bastos, Julio de Vilhena, Camara Leme, Bivar, Alves Passos, Mariano de Carvalho, D. Miguel Coutinho, Pedro Jacome, Julio Ferraz, V. da Arriaga, V. de Carregoso.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Rocha Peixoto (Alfredo), Braamcamp, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Antunes Guerreiro, A. J. de Seixas, Barjona de Freitas, Ferreira de Mesquita, Sousa Lobo, Carlos Testa, Forjaz de Sampaio, Fonseca Osorio, Mouta e Vasconcellos, Pinto Bessa, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Jeronymo Pimentel, Guilherme Pacheco, Luciano de Castro, J. M. dos Santos, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Freitas Branco, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Mello Simas, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Cunha Monteiro, Pedro Franco, Pedro Roberto, V. da Azarujinha, V. de Moreira de Rey, V. de Sieuve de Menezes, V. de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Agostinho da Rocha, Cardoso Avelino, Arrobas, Falcão da Fonseca, Augusto Godinho, Neves Carneiro, Conde de Bertiandos, Conde da Graciosa, Filippe de Carvalho, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Francisco Costa, Camello Lampreia, Quintino de Macedo, Palma, J. M. de Magalhães, Cardoso Klerck, Correia de Oliveira, Dias Ferreira, Pereira da Costa, Moraes Rego, Nogueira, Luiz de Campos, Faria e Mello, Placido de Abreu, Ricardo de Mello, Thomás Ribeiro, V. de Guedes Teixeira.

Abertura — Á uma hora e meia da tarde.

Acta —Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.º Do ministerio do reino, acompanhando, em satisfação ao requerimento do sr. Pedro Franco, copia das actas do apuramento do conselho municipal de Cintra, nos biennios de 1874-1875 e 1876-1877.

A secretaria.

2.º Do ministerio da fazenda, acompanhando o recenseamento doa eleitores elegiveis para vogaes da junta do credito publico.

A secretaria.

3.° Do mesmo ministerio, acompanhando 120 exemplares do relatorio dos actos d'aquelle ministerio durante o anno de 1875.

Mandaram-se distribuir.

4.° Do sr. marquez de Sousa, acompanhando 110 exemplares do relatorio e propostas da commissão nomeada para propôr ao governo a organisação dos serviços estatisticos e archeologicos.

Mandaram-se distribuir.

Representações

1.ª Dos escripturarios da repartição de fazenda do concelho de Villa Real, pedindo o augmento de vencimento. (Apresentada pelo sr. deputado Manuel d'Assumpção.)

2.ª Da camara municipal da cidade de Ponta Delgada, pedindo reducção de 100 réis em kilo, por dez annos, nos direitos que actualmente se cobrara não alfandegas do continente do reino pela folha de tabaco exportada dos districtos do Funchal, Ponta Delgada, Angra e Horta. (Apresentada pelo sr. deputado Paula Medeiros.)

3.ª Dos moradores da freguezia de Esmoriz, concelho da Feira, pedindo a revogação do decreto de 23 de dezembro ultimo, na parte em que altera a circumscripção territorial. (Apresentada pelo sr. deputado Dias Ferreira.)

As respectivas commissões.

Participações

1.ª Participo que se constituiu a commissão de petições, tendo escolhido para presidente o sr. deputado Dr. Vieira da Mota, e a mim para secretario, reservando-se escolher relatores especiaes para os assumptos que tenham de ser submettidos ao seu exame.

Sala da commissão, 13 de março de 1876. = Julio Ferreira Pinto Basto.

2.ª Declaro que não compareci ás ultimas sessões por incommodo de saude, e que se estivesse presente á de 11 do corrente, teria votado contra a proposta apresentada pelo sr. deputado Julio Vilhena, com respeito á conducta do governo na questão das tarifas.

Sala das sessões, 13 de março de 1876. = A. Carneiro Sampaio.

3.º Declaro que, se estivesse presente na sessão de 11 do corrente, a que faltei por motivo justificado, teria votado contra a proposta apresentada pelo sr. deputado Julio de Vilhena, com respeito á conducta do governo na questão das tarifas.

Sala das sessões, 13 de março de 1876. =D. Miguel Pereira Coutinho.

4.ª Declaro que faltei a algumas das ultimas sessões por motivo justificado.

Sala das sessões, 13 de março de 1876. =. 7. M. Pereira Rodrigues.

Mandaram-se lançar na acta.

Requerimentos

1.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada com urgencia a esta camara, uma nota indicando se por aquelle ministerio é ou não abonado e pago do soldo da patente o sr. visconde de Villa Maior, reitor da universidade de Coimbra. =>Mariano de Carvalho.

2.º Requeiro que, pelo ministerio da guerra, seja enviada a esta camara, com urgencia, uma nota indicando se ao sr. visconde de Villa Maior é ou não abonado o soldo da sua patente. = Mariano de Carvalho.

3.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, seja enviada a esta camara uma nota indicando a somma total despendida no districto da Horta:

I. Com o encanamento da ribeira da Conceição;

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II. Com a construcção da actual muralha da cortina da cidade da Horta;

III. Com a construcção da ponta da ribeira da Conceição;

IV. Com a construcção da estrada real n.º 17 da cidade para o norte e dos seus mirantes;

V. Com a construcção da mesma estrada real n.º 17 da cidade para o sul;

VI. Com a construcção e reparação do caes da villa de Mangualde, da ilha do Pico;

Vil. Com os melhoramentos do porto da villa das Lages, da mesma ilha;

VIII. Com a construcção do caes da freguezia da Prainha, da referida ilha do Pico;

IX. Com os melhoramentos do Porto Velho e do boqueirão da villa de Santa Cruz da ilha das Flores; e

X. Com as obras o reparos das casas em que tem estado a secretaria das obras publicas da Horta, desde 1870 até hoje. = Mello Simas.

4.° Requeiro que, pelo ministerio da guerra, sejam enviados com urgencia a esta camara os seguintes documentos:

I. Copia de uma circular expedida aos corpos do exercito, mandando descontar J/a por cento nos artigos de vestuario das praças do pret, a rim de augmentar os chamados fundos especiaes;

II. Xota dos preços que custaram as machinas de costura fornecidas aos corpos e indicações de que conste se lhes foi feito algum abono para a acquisição d'ellas. = Barros e Cunha.

Foram remettidos ao governo.

segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. — Em 1845, quando se organisou o conselho d'estado administrativo (transformado hoje em supremo tribunal administrativo por decreto de 'J de junho de 1870) deu-se aos empregados da respectiva secretaria a denominação e vencimentos que vem marcados na tabella n.º 1, annexa ao decreto regulamentar de 16 de julho do mesmo anno, em harmonia com a classificação que então existia nas differentes secretarias d'estado.

Procedendo se em 1859 ás reformas da secretaria distado nos negocios do reino e das dos ecclesiasticos e de justiça, foi extincta a classe de primeiros amanuenses e substituida pela da segundos officiaes, como se vê das tabellas annexas aos decretos de 8 de setembro do 1859, e 19 de agosto do mesmo anuo.

Todas as reformas que successivamente se foram praticando nos ministerios da fazenda, guerra, estrangeiros, marinha e obras publicas, obedeceram ao pensamento que havia presidido ás reformas de 1859, adoptando se em substituição á classe de primeiros amanuenses a de segundos officiaes, e ainda na reforma a que ultimamente se procedeu nas diferentes direcções do thesouro publico í*e adoptou igual classificação.

Não existo, pois, actualmente nas secretarias dos diversos ministerios, nem nas das camaras legislativas, nem em nenhuma daí repartições superiores do estado a classe de primeiros amanuenses, sando a unica excepção a secretaria do supremo tribunal administrativo, aonde se não procedeu a reforma alguma, desde a epocha da sua primitiva organisação em 1845.

Parece-me, pois, que estes factos evidenceiam a justiça que assista aos quatro amanuenses da 1.ª classe da secretaria do supremo tribunal administrativo de serem igualados aos de todas as outras repartições superiores do estado, dando-se-lhes a mesma denominação, categoria e vencimentos, que a estes firam concedidos, a fim de não ficarem n'uma situação relativamente inferior, que nenhuma rasão justifica.

Por todas estas considerações, tenho a honra de propôr á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Art. 1.° Os quatro amanuenses de 1.ª classe da secretaria do supremo tribunal administrativo, denominar-se-hão segundos officiaes, ficando por esta fórma equiparados, para todos 03 effeitos, cos empregados de igual cathegoria das Difel entes secretarias d'estado.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 9 de março de 1876. =Francisco Van-Zeller.

Projecto de lei Senhores. — As instrucções de 22 de abril de 1851, ultima legislação que regulou o lançamento da antiga decima e impostos annexos, determinaram no seu artigo 50.° que fossem isentos do quinto ou da decima os rendimentos das misericordias, os dos hospitaes e asylos de beneficencia.

O decreto com força de lei de 31 de dezembro de 1852, extinguindo a antiga decima, creou em seu logar a contribuição predial de repartição, não isentando d'ella os rendimentos das misericordias, dos hospitaes e asylos de beneficencia, mas limitando-se n'esta parte a isenção sómente aos edificios onde estiverem estabelecidas as misericordias e hospitaes, como se mostra do seu artigo 9°, n.º 5.

A carta de lei de 30 de junho de 1860, tratando no artigo 2.° de ampliar as isenções a que se refere o artigo 9.° do citado decreto de 31 de dezembro de 1852, não abrangeu nas ampliações os estabelecimentos de beneficencia, como era de justiça que o fizesse.

Em resultado de tal omissão expediram-se pelo ministerio da fazenda as ordens necessarias para se collectarem os estabelecimentos de beneficencia, que a lei não isentou do imposto, succedendo que na cidade do Porto fóra intimada a administração da tanta casa da misericordia para ver louvar ou avaliar os predios dos asylos de beneficencia que em numero de oito estão debaixo do seu regimen, a tini de serem collectados em contribuição predial desde 1869 até 1875, e não em collecta singela, mas dobrada pela omissão na matriz dos ditos predios, na conformidade do artigo 5.° do decreto de 9 de setembro do 1869.

Os asylos, e em geral os estabelecimentos de beneficencia, sustentam-se da caridade publica, e não é por certo justo que o fuco vá ainda cercear os seus minguados recursos, que com bastante difficuldade se alcançam, tendo, em muitos casos, ainda o estado a necessidade de dar-lhes o seu auxilio.

Fundado pois n'estes principios, tenho a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São isentos de contribuição predial os edificios onde se acham estabelecidos os asylos, recolhimentos e outros quaesquer estabelecimentos, sejam de que denominação forem, comtanto que o seu fim seja a beneficencia ou a caridade publica.

Art. 2.° As collectas de contribuição predial que tiverem sido lançadas aos estabelecimentos de que trata o artigo antecedente, serão annulladas para não produzirem effeito, ficando taes estabelecimentos relevados da responsabilidade da? collectas que por effeito das leis anteriores devessem ser-lhes lançadas.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Camara dos deputados da nação portugueza, em 8 de março de 1876. = O deputado pelo Porto, Illidio Ayres Pereira do Valle.

Projecto do lei

Senhores. —A lei de 9 de abril de 1875, que estabelece a maneira de se effectuar a promoção no quadro da direcção da administração militar, dispõe no seu artigo 1.° que os aspirantes da mesma direcção sejam classificados para accesso á classe de segundos officiaes por ordem de antiguidade, adoptando-se por base a dala da primeira graduação militar de official, obtida em qualquer repartição dependente do ministerio dos negocios da guerra.

Dá-se porém o caso de que entre os aspirantes d'aquella

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direcção na data da promulgação d'esta lei havia um que, despachado por provimento em concurso, em 15 de maio de 1865, sendo então alferes da provincia de Moçambique, e a quem, por decreto de 1 de julho de 1868 fóra conferida a graduação de tenente, por ter mais de dez annos de serviço, contando-se lhe para esse effeito o tempo que havia servido como official da provincia de Moçambique, por virtude da restricção da lei, quando diz — a data da primeira graduação de official obtida em qualquer repartição do ministerio da guerra — ficou privado da antiguidade que lhe resultava d'esse tempo de serviço, e que já lhe tinha sido contada, e passou a ser considerado mais moderno, sendo mais antigo do que alguns dos aspirantes que, tendo pertencido ao extincto quadro do pessoal civil com graduação militar do arsenal do exercito, furam, pela extincção d'aquelle quadro, passados para o da direcção da administração militar.

A consequencia d'aquella restricção da lei é que a estes se conta o tempo de serviço civil feito em outras repartições no reino e aquelle se despresam quasi sete annos de serviço de official combatente em Africa, que individuos que entraram para o quadro da direcção da administração militar com a graduação de alferes, por não terem ainda dos annos de serviço, quando aquelle já tinha a graduação de tenente por ter os dez annos (m que se lhe contava o seu tempo de serviço em Africa, pasmaram a ser considerados mais antigos do que elle, porque a uns se conta e ao outro n?>o a sua antiguidade da data do primeiro decreto que lhes conferiu graduação de official.

Não estava de certo na mente do legislador fazer esta differença que nenhuma rasão justifica, e por isso tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei.

Artigo 1.° E o governo auctorisado a contar para todos os effeitos ao empregado da direcção da administração militar, Eduardo Annibal Botto, a antiguidade de 30 de julho de 1858, data do decreto que lhe conferiu a primeira graduação de official, despachando-o alferes para a provincia de Moçambique.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 11 de março de 1876. = O deputado, Lourenço de Carvalho.

.Foram admittidos e enviados ás respectivas commissões.

O sr. Ferreira Braga: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Odemira, em que pede a approvação do projecto apresentado pelo nosso collega o sr. Namorado para a creação de dezoito comarcas.

O sr. Mouta e Vasconcellos: — Mando para a mesa uma representação do escripturario de fazenda do concelho de Alvaiázere, pedindo que lhe sejam augmentados os seus parcos vencimentos. Esta pretensão é de toda a justiça, e peço á illustre commissão de fazenda que dê quanto antes parecer sobre ella.

Tambem mando para a mesa uma representação dos pagadores de obras publicas pedindo que lhes seja concedida reforma, e igualmente espero que a commissão de fazenda dê parecer favoravel sobre tão justa pretensão.

O sr. Julio Ferraz: — Mando para a mesa um requerimento, em que D. Anna Emília de Castro Medeiros, viuva do ex-governador civil do districto de Ponta Delgada, pede, attentas as suas más circumstancias, e em attenção aos relevantes serviços prestados por seu marido, empregado probo o honrado, se lhe conceda uma pensão.

O sr. Pires de Lima: — Pedi a palavra com dois fins.

O primeiro é para requerer a V. ex.ª que se digne dar para ordem do dia o projecto n.º 45, que foi distribuido em uma das ultimas sessões.

O segundo fim é para lembrar novamente ao sr. ministro do reino que adopte algumas providencias com relação ao collegio de surdos-mudos ria cidade de Guimarães, do qual já por mais de uma vez me tenho occupado n'esta casa.

O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): —Digo Sessão de 13 de março

ao illustre deputado que mandei estudar a questão dos surdos-mudos, e tenho aqui uma informação favoravel que vou mandar para a commissão de instrucção publica, a quem está affecto o projecto primitivo, para ella, querendo, lavrar o seu parecer.

O sr. Pires de Lima — Agradeço a diligencia com que o sr. ministro do reino se houve n'este negocio; e peço á commissão de instrucção publica que aproveite o pouco tempo que nos resta de sessão para que se resolva alguma cousa definitivamente sobre este objecto.

O sr. Jeronymo Pimentel: — Mando para a mesa um parecer da commissão de administração publica, tendo sido ouvida a de guerra, sobre a cedencia de parte do forte da Alfarrobeira á camara municipal de Lisboa para continuar as obras do aterro.

O sr. Mariano de Carvalho: —Mando para a mesa uma moção, que na sua essencia não tem nada de politica, e cujos considerandos vou ler, e para os quaes peço a attenção da camara.

Esla moção está assignada por mim e pelos srs. Francisco Mendes, Francisco de Albuquerque, Osorio de Vasconcellos e Pereira de Miranda; e creio que tambem vae ser assignada pelos srs. Pinto Bessa e Antunes Guerreiro. (Leu.)

O sr. Barros e Cunha: — Sr. presidente, V. ex.ª tem a bondade de me dizer se o sr. ministro da fazenda já se deu por habilitado para responder á interpellação que lhe annunciei ácerca dos despachos dos assucares na cidade do Porto?

O sr. Presidente: — O sr. ministro da fazenda disse que brevemente se havia de discutir a interpellação do illustre deputado conjunctamente com o projecto que eu brevemente darei para ordem do dia.

O Orador: — Agradeço a V. ex.ª a informação que acaba de me dar.

Agora pergunto ao sr. ministro do reino se acaso s. ex.ª se resolve a trazer á camara o projecto de reforma do codigo administrativo, visto que pelas declarações feitas por um dos membros da commissão de administração publica se annunciou á opposição d'esta casa que as alterações que ella tinha proposto ao mesmo codigo administrativo, tinham feito o seu caminho, e triumphado no seio da commissão, creio que de accordo com o governo.

Felicito por isso o governo e a maioria d'esta casa; mas o que desejo é que ao mesmo tempo o paiz possa tirar algum resultado dos esforços que todos nós fizemos para tornar a proposta do governo possivel, acceitavel e util.

O sr. Ministro do Reino: — Peço a palavra.

O Orador: — Visto que o sr. ministro do reino pede a palavra, e como estimo muito ouvir s. ex.ª, reservo-me para continuar depois de s. ex.ª acabar de fallar.

O sr. Ministro do Reino: — O illustre deputado sabe que eu trouxe a reforma do codigo administrativo a esta casa ha muito tempo; creio tambem que s. ex.ª está informado de que ella se tem discutido na commissão, e que eu tenho sido assiduo em trabalhar com ella. (Apoiados.)

Este negocio está entregue ao relator, o sr. Julio de Vilhena, que de certo o apresentará brevemente.

O que se passou no seio da commissão, e as alterações que ella fez ao projecto para o melhorar, de accordo com o governo, não importam para elle nenhum desaire; e estimo que o projecto saia de tal fórma acceitavel, que não só se torne exequivel, mas mereça o apoio do illustre deputado. (Apoiado.)

O sr. Barros e Cunha: — Agradeço muito ao nobre ministro as explicações que me deu e o modo porque as deu.

Eu de modo algum tive idéa de provocar censura, ou de insinuar que podesse haver desaire para o governo; pelo contrario entendo que as reformas são para o paiz e não para os partidos (apoiados); e portanto tudo quanto o governo poder introduzir nas leis que apresentar n'esta

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casa, de sorte que as torne mais acceitaveis pelos differentes grupos que representam a opposição, melhor para essas leis, melhor para o paiz e para a parte dos eleitores que a opposição representa n'esta casa.

Já que estou com a palavra mando para a mesa um requerimento para que pelo ministerio da guerra sejam enviados com urgencia a esta camara os seguintes documentos. (Leu.)

Desejava tambem saber se o sr. ministro da guerra já apresentou o bill de indemnidade, que s. ex.ª declarou havia de trazer ao parlamento para relevar o governo da responsabilidade em que incorreu pelas alterações que fez na organisação da artilheria.

Não foi só isto. O governo alterou igualmente o corpo de engenheria, elevando a seis as companhias que pelo regulamento de 1869 são quatro em tempo de paz; e fez esta alteração desde 1874, e até hoje ainda se não apressou em vir dar conta ao parlamento, nem a pedir para ser relevado da responsabilidade em que incorreu.

Sei que o sr. ministro da guerra tem estado doente, mas isto não póde de modo algum prejudicar os deveres que o poder executivo tem de cumprir para com a representação nacional.

O sr. Ministro dos Estrangeiros: — Peço a palavra. O Orador: — Pedia tambem que algum dos srs. ministros presentes me dissesse quaes foram as providencias que o governo adoptou ácerca da revelação feita na imprensa, n'uma serie de artigos sobre a organisação clandestina que existe nos corpos do exercito, chamada organisação de espionagem militar, a qual parece ter por fim crear nos differentes corpos do exercito um elemento de desordem que no futuro deve restituir aos conselhos da corôa aquelle a quem chamam chefe.

A imprensa divulgou e publicou uma serie de documentos e de factos que por si constituem prova sufficiente de que alguma cousa existe, e o governo tem obrigação de desaffrontar os poderes publicos se por acaso aquella publicação é falsa, fazendo comparecer perante os tribunaes e exigindo a responsabilidade ao jornal que publicou taes artigos ou tem obrigação de examinar se effectivamente ha algum fundamento para elles e de dar conta de quaes as providencias que tomou para que não voltemos aos tempos em que as conspirações militares dispunham principalmente dos destinos do paiz.

Já que tenho a fortuna de ver presente o sr. ministro da marinha, direi a s. ex.ª que sinto que me não tenham sido fornecidos uns documentos que pedi pelo seu ministerio ácerca dos negocios de S. Thomé e Principe. Desejava muito ver esses documentos, e ao mesmo tempo tambem desejava ouvir a s. ex.ª sobre as perturbações que tiveram logar n'aquella provincia, e que eu principalmente considero devidas á administração do actual governador.

Por não estar a demorar por mais tempo a solução d'este negocio, direi que tenho em meu poder e na minha mão dois relatorios do governador de S. Thomé.

Um é o relatorio que elle enviou ao ministerio do ultramar, e do qual se vê que entre o mencionado governador, da parte mais importante da população d'aquella provincia e todos os empregados de quaesquer cathegorias que sejam, ha uma indisposição insanavel.

No ministerio da marinha supprimiu-se este relatorio, escapando um unico exemplar que está em meu poder, porque creio que se fez um auto de fé a todos os outros, sendo substituido por outro relatorio que tambem possuo e no qual se eliminaram as partes mais aggravantes do relatorio primitivo.

Concordo perfeitamente que o governo no interesse das provincias ultramarinas mandasse supprimir ou eliminasse tudo quanto na realidade poderia aggravar mais e mais a indisposição semeada pelos actos d'aquelle governador, mas o que me parece é que esse facto envolve ao mesmo tempo um desejo pouco licito em não dar conhecimento ao

parlamento dos documentos genuínos que são mandados pelos governadores das provincias ultramarinas.

A administração da provincia de S. Thomé, já que tive a infelicidade de entrar na investigação dos seus actos, depois da interpellação que teve logar n'esta casa, parece-me que é detestavel; não é só a administração politica, é ao mesmo tempo a administração da fazenda.

Ali tem-se ultimamente feito contratos, por exemplo, o contrato para a construcção da alfandega, por um preço elevadíssimo. Tendo se posto em praça a arrematação d'aquellas obras por 28:000$000 réis, foi dada por um preço superior; e combinando se os preços pagos pelo estado nas obras que faz por conta propria, com os preços estabelecidos no orçamento particular pelo qual se contratou, vê-se que ha differença, differença importantissima para o thesouro, e que valeria muito mais que aquellas obras fossem feitas por conta da administração colonial. Não recorro senão aos boletins, aos relatorios do director das obras publicas, á conta que foi dada á junta de fazenda do ultramar, e ahi se vê, por exemplo, que ha fornecimentos que tendo sido feitos por conta do estado por 4$000 ou 5$000 réis, são levados em conta aos fornecedores por 12$000 réis e mais, e o mesmo acontece com os salarios, etc. etc..

Ora o governo tem lá um director de obras publicas, tem engenheiros, tem o pessoal necessario para proceder a estas obras, e parecia-me muito conveniente que o sr. ministro da marinha houvesse por bem de prestar a sua attenção a todos estes factos; para que aquelle povo não tenha rasão de queixa, e para que a administração das provincias ultramarinas chegue ao estado de perfeição a que deve chegar, zelando se os seus interesses como se zelam os interesses da metropole.

Todos nós sabemos o que se passou em Angola. O governo parece, que tem tomado energicas providencias para remediar a estas fraudes e a estes inconvenientes, que por muito tempo fulminaram o ultramar, e não desejo que o parlamento se feche sem ter uma garantia de que o sr. ministro providenciará ácerca de todas as outras provincias, com o mesmo desvello e zêlo com que procedeu ácerca da provincia de Angola.

Mas como s. ex.ª pediu a palavra, concluo aqui as minhas observações, estimando muito que me não seja lançado á conta de opposição subversiva, a diligencia que faço para que o governo representativo no continente e fôra d'elle, chegue, senão a ser uma realidade pelo menos a não fazer recaír sobre a opposição, a responsabilidade que resultaria se ella não instigasse por todos os modos o governo, a cumprir com o que considero os seus indeclinaveis deveres.

O sr. Ministro da Marinha: (Andrade Corvo)—-As observações do illustre deputado referiram-se a assumptos diversos, alguns dos quaes dizem respeito aos negocios do ultramar, e outros dizem respeito a negocios dependentes do ministerio da guerra.

Começarei por dizer o que a respeito dos negocios do ultramar me occorra n'estas circumstancias, e estou certo de que as minhas explicações hão de satisfazer o illustre deputado.

O illustre deputado queixou-se do que pedíra documentos ácerca da questão de S. Thomé para verificar uma interpellação, creio eu, e de que esses documentos ainda não foram trazidos ao parlamento. O illustre deputado de certo sabe que a questão, a que se refere, é explicada n'uma grande quantidade de documentos, e que esses documentos hão de vir á camara.

Não falto nunca ao que prometto. Os documentos estão-se copiando, formam um grosso volume (e não imagine o illustre deputado que isto é um pretexto para os documentos não virem), e sendo elles para apreciar as accusações feitas a um funccionario, parece-me que se não deve omittir documento nenhum, nem aquelles sobre os quaes o

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illustre deputado póde formular a sua accusação, nem aquelles sobre os quaes se póde estabelecer a defeza d'aquelle funccionario e a defeza do governo que ali o conservou. (Apoiados.)

Toem sido graves as accusações feitas áquelle funccionario, e todas essas accusações têem por fundamento factos inqualificáveis que ali se praticaram, atacando a liberdade individual e opprimindo os cidadãos, como no tempo da mais feroz e abjecta escravidão de Africa; roas é preciso que se considerem tambem as difficuldades e circumstancias em que se achou o governador, para julgar com a justiça com que deve julgar o parlamento, e sem duvida alguma o illustre deputado.

E depois de serem examinados todos esses documentos, que hão de vir á camara, hei de ouvir da bôca do illustre deputado n'este parlamento explicações similhantes aquellas que o seu espirito recto fez ha poucos dias, e que tambem é capaz de fazer a respeito d'este assumpto. (Apoiados.)

S. ex.ª ha de dizer que as accusações feitas áquelle funccionario não têem fundamento, que são mais ou menos violentas, que, podendo haver erros mais ou menos ligeiros, são completamente attenuados pelas difficuldades em que áquelle funccionario se encontrou.

Emquanto á outra accusação, de que se fizeram fornecimentos com preços variados, diversos d'aquelles por que outros fornecimentos se tinham feito, essa questão ha de ser tambem julgada pelo parlamento. E desde que o illustre deputado se refere a este ponto, que vem atacar a probidade de um funccionario que pertence ao ministerio a meu cargo, é meu dever declarar que, se a probidade d'esse funccionario é pura, fique isso claramente consignado; senão é, quero que seja accusado, e tomo a responsabilidade que me pertencer. (Apoiados.)

Isto é o que a esse respeito tenho a dizer.

Assim não quero que no parlamento se possa accusar a maioria e o governo de que não sabe respeitar as praxes constitucionaes, de que não sabe cumprir o seu dever e de que não quer ser julgado por quem tem direito de o julgar. Por conseguinte, 0 illustre deputado ha de ter occasião de ver esses documentos e de os julgar com a imparcialidade que lhe é propria.

Accusou-se o governo, de passagem, de que ao publicar os relatorios do governo de S. Thomé, não publicara tudo o que n'elles vinha consignado.

(Interrupção do sr. Barros e Cunha.)

O que vou dizer é que não ha culpa, e vou provar que a não ha.

Sabem de certo 03 illustres deputados que ha uma regra de administração que obriga todos os governadores do ultramar a mandarem ao ministerio competente relatorios annuaes, narrando todos 01 factos e dando todas as informações para que o governo tinha conhecimento do estado das colonias, e possa tomar as medidas que julgar opportunas, Esses documentos têem um duplo caracter; são todos os factos de administração, e são, além d'isso, informações reservadas dadas ao governo, porque não se estabeleceu, como se devia ter estabelecido, que houvesse dois relatorios, um que referisse os factos de administração, e outro que desse informações reservadas, que toda a gente que se tem occupado de administração sabe muito bem, que devem ser conhecidas e estudadas pelo governo antes de serem publicadas,

O governo, ao publicar os relatorios dos governadores do ultramar, não alterou em cousa alguma os factos; supprimiu, porém, tudo aquillo que julgou conveniente para os interesses publicos que fosse supprimido, e que dizia respeito a informações propriamente confidenciaes dadas ao governo. Estou certissimo de que todos os illustres deputados, quando tiverem a responsabilidade de ministros, hão de fazer a mesma cousa. (Apoiados.)

Não tenho n'isto a mais pequena duvida. Esse facto

passou-se commigo e não com nenhum dos ministros que me precederam, porque nenhum d'elles publicou estes documentos; fui eu o primeiro a publica-los. Sem sonegar nenhum facto importante ao conhecimento do parlamento e do publico, era conveniente supprimir qualquer phrase nas indicação que aggravasse as paixões e podesse prejudicar a administração das colonia?. Todas as pessoas que as conhecem sabem que não ha nada mais prejudicial para a sua boa administração do que a excitação das paixões, ás vezes por causas bem insignificantes. (Apoiados.)

O illustre deputado, começando as suas reflexões, referiu-se a assumptos pertencentes ao ministerio da guerra, e como que pareceu duvidar, por instantes, que o sr. presidente do conselho quizesse dar ao parlamento explicações cabaes sobre esses assumptos.

V. ex.ª e a camara sabem que o sr. ministro da guerra prometteu trazer á camara uma proposta de lei, para serem regularisados os actos que se praticaram em relação ao regimento de artilheria e ao augmento de uma companhia no batalhão de sapadores.

Que estas medidas eram indispensaveis para o bom serviço, já se reconheceu, porque estes factos já existiam o anno passado, e o governo tratou, de accordo com o parlamento, assumptos que se referiam a elles. (Apoiados.)

Outras explicações complementares d'estas fique certo o illustre deputado de que o sr. ministro da guerra as ha de vir dar, e não creio que seja assumpto de tal maneira urgente, que tendo o illustre deputado deixado passar dois mezes e meio que a camara está aberta, sem perguntar nada sobre elle senão de passagem, tenha agora demasiada pressa, quando sabe que o sr. ministro da guerra está doente.

O sr. ministro da guerra está ligeiramente doente, e espero em Deus que ha de vir em breve explicar de uma maneira clara e completa, e com" a convicção conscienciosa com que procede em todos os seus actos (apoiados), o que fez e porque o fez. (Apoiados.)

Assumpto, porém, mais grave foi tocado pelo illustre deputado, e na ausencia do sr. ministro da guerra; foi com relação a uns artigos que alguns jornaes publicaram fallando não sei de que sociedades secretas no exercito, querendo o illustre deputado que o sr. ministro da guerra chamasse o jorna! aos tribunaes.

Se ha accusações falsas feitas por alguem, o ministro da guerra, segundo me consta, procede a um inquerito, e ha do ser rigoroso com quem fez essas accusações falsas, assim como ha de ser rigoroso com quem tiver faltado ao seu dever. (Vozes: — Muito bem.)

As outras explicações que o illustre deputado deseja hão de ser dadas, e não creio que a impaciencia de s. ex.ª seja tanta que o leve a não esperar que melhore de uma doença passageira o sr. ministro da guerra, de maneira que possa vir á camara para a esclarecer ácerca de um assumpto tão grave como o de serias accusações a uma classe tão respeitavel como é aquella a que se referiu o illustre deputado, classe d'onde hão de saír os officiaes, classe d'onde hão de saír os futuros generaes que por ventura tenham de defender o paiz.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Antunes Guerreiro: — Peço a attenção do sr. ministro dos negocios estrangeiros para o assumpto de que me vou occupar.

No artigo 27.° do tratado de ratificação de limites de 29 de setembro de 1864, celebrado entre Portugal e Hespanha, determina-se o seguinte:

«Havendo passado integralmente ao dominio e soberania de Portugal, em virtude dos artigos 10.° e 11.°, os tres povos promíscuos denominados Soutellinho, Cambado e Samadarcos, e ficando igualmente sob o dominio e Soberania de Hespanha, em virtude do artigo 7.°, os tres povos do couto mixto chamados Santa Maria de Rubiães, S. Thiago e Meãos, convem ambas as partes que tanto os

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habitantes dos povos promíscuos que sejam realmente hespanhoes, como os habitantes do couto misto que sejam realmente subditos portuguezes, possam, se aspira lhes convier, conservar a sua respectiva nacionalidade. Para este fim tanto uns como outros declararão ante as auctoridades locaes, no termo de um anno, contado desde o dia em que se ponha em execução este tratado.»

Por uma certidão que tenho na minha mão e que vou mandar para a mesa, para que o sr. ministro dos negocios estrangeiros faça d'ella o uso que julgar conveniente, consta que uma grande parte dos habitantes das povoações que formavam o couto mixto chamadas Santa Maria de Rubiães, S. Thiago e Meãos, declararam perante a administração do concelho de Montalegre, dentro do praso marcado no artigo que acabo de ler, que queriam ser portuguezes.

Apesar d'esta declaração, o governo hespanhol tem continuado a recrutar para o serviço do exercito os individuos que assim manifestaram os seus desejos perante as auctoridades portuguezas e os filhos d'elles, e por tanto parece-me que o governo hespanhol tem praticado um abuso, um excesso, uma violencia ou mesmo um attentado contra este tratado, porque eu supponho que aquelles individuos, pela declaração que fizeram, em harmonia com o artigo que li, são cidadãos portuguezes para todos os effeitos.

Eu desejava ouvir o sr. ministro dos negocios estrangeiros a este respeito, e pedia a s. ex.ª que, se se convencesse, como eu estou convencido, de que aquelles individuos são cidadãos portuguezes para todos os effeitos, se entendesse com o governo hespanhol para pôr termo a esta arbitrariedade, fazendo para esse fim a reclamação em termos que faça terminar de uma vez para sempre as queixas que successivamente estão dirigindo aos poderes publicos do nosso paiz os cidadãos a quem me tenho referido.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Andrade Corvo): — Começo por agradecer ao illustre deputado o ter chamado a attenção do parlamento para este assumpto.

Esta questão é importantissima, porque é uma questão de nacionalidade de cidadãos portuguezes. (Apoiados.)

A camara sabe muitissimo bem que havia uma certa fluctuação em diversos sitios nos limites dos territorios portuguez o hespanhol, e que, depois de uma convenção para se fixarem bem esses, limites, uma commissão nomeada para esse fim começou a fazer a divisão e a demarcação entre o territorio portuguez e o territorio hespanhol.

A divisão era facil, mas havia pontos que eram os chamados coutos infixos, os quaes constituiam um territorio que, para assim dizer, não tinha nacionalidade, um territorio neutro.

Nestas circumstancias era indispensavel um accordo, e o accordo que se fez foi repartir, em relação á população e em relação ao territorio, os coutos mixtos entre Portugal e a Hespanha.

O sr. Guerreiro: — Os coutos mixtos ficaram pertencendo todos á Hespanha, em compensação de ficarem sendo portuguezas as povoações mixtas.

O Orador: — O illustre deputado que tem rasão de conhecer bem este assumpto, e que n'esta occasião me esclareceu, disse que é facto que uma parte d'este territorio de nacionalidade duvidosa ficára pertencendo á Hespanha; porém nunca póde resultar, nem resulta, desde a convenção, que os cidadãos que estavam ali e que quizessem conservar a nacionalidade portugueza não podesse assegurar essa regalia mediante as condições da convenção, fazendo a declaração de que queriam ser cidadãos portuguezes no centro administrativo mais proximo.

E pois certo que todos os individuos que fizeram esta declaração tinham, para todos os effeitos, sido considerados cidadãos portuguezes. Isto succede aos hespanhoes que estão em territorio portuguez, e que por esse facto estão exactamente em condições identicas.

N'esta crise por que a Hespanha tem passado durante a

guerra civil, o governo hespanhol foi muitas vezes precipitado em actos de recrutamento, e isto explica se pelas circumstancias especiaes em que se achava, resultando que um certo numero de individuos pertencentes evidentemente á nacionalidade portugueza foram recrutados. Têem-se feito numerosas reclamações ao governo hespanhol, havendo difficuldade em um ou outro caso, mas o facto é que o governo hespanhol ultimamente tem attendido a essas reclamações; e com relação aquellas que de futuro se possam apresentar, espero que serão igualmente attendidas.

Agradeço ao illustre deputado a maneira benevola com que se dirigiu a mim n'este assumpto, mas mais lhe agradeço por isso que me parecia conveniente que o parlamento fixasse a sua attenção para elle; e parece me mesmo conveniente, tratando a questão maia em geral, com relação a todos os individuos que a tal respeito dirigiram representações, fazer uma reclamação ao governo hespanhol. Eu vou faze-la, e espero, e tenho a certeza, que será attendida porque é completamente justa e completamente conforme com o tratado.

O sr. Guerreiro: — Agradeço ao sr. ministro dos negocios estrangeiros a fórma benevola com que s. ex.ª se dignou responder-ma e attender á minha justa reclamação. E peço por esta occasião a s. ex.ª que não se descuide do fazer o mais breve possivel essa reclamação, porque não é justo nem rasoavel que aquelles povos continuai] na indecisão em que estão desde 1866, ha dez annos.

Espero que o ar. ministro dos negocios estrangeiros tome em consideração este meu pedido, porque estou persuadido que elle ha de ser attendido pelo governo hespanhol.

lato é um acto de violencia da parte do governo hespanhol, que não poda deixar de terminar por uma vez.

O sr. Illidio do Valle: — Mando para a mesa um requerimento de D. Anna Maria Lopes, pedindo «ma pensão.

O sr. Boavida: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Villa de Rey, districto de Castello Branco, era que pede a revogação do decreto de 16 de abril de 1874 e dos decretos posteriores que dizem respeito á circumscripção comarca, e bem assim que não seja approvado o projecto da reforma administrativa, que foi apresentado pelo sr. ministro do reino.

Esta camara mostra de um modo incontroverso a injustiça que lhe foi feita, não sendo creada em Villa de Rey uma comarca em harmonia com as condições topographicas e com os elementos dos povos que contem aquelle municipio.

Estas rasões produzidas pela camara municipal são todavia tão justas e evidentes que me dispenso de as descrever, o limito-me por isso a chamar a attenção de V. ex.ª e da camara para esta representação, e requeiro que ella seja publicada no Diario do governo.

Algumas outras representações no mesmo sentido me foram dirigidas, e que não tenho agora em meu puder, e peço a V. ex.ª que em uma das sessões seguintes me dê a palavra para as apresentar, e farei então as considerações que entender.

O sr. Julio de Vilhena: — Mando para a mesa quatro requerimentos dos srs. Alfredo Carvalho Marrocos, Victorino de Sant'Anna Pereira de Almeida, Miguel Emydio da Costa e Antonio Pedro Lopes, quarteis mestres, que pedem augmento de vencimento. Dizem que estão sobrecarregados de serviço, e fundamentam sobejamente a sua pretensão.

Peço a V. ex.ª que mande estes requerimentos á commissão competente.

Aproveito a occasião de catar com a palavra para pedir ao sr. Barros e Cunha que demore a sua impaciencia por maia algum tempo. A reforma administrativa é possivel que ainda seja n'esta sessão discutida; mas se o não for, o que posso assegurar ao illustre deputado é que a commissão tem trabalhado com toda a dedicação n'este projecto. O illustre deputado o sr. Barros e Cunha sabe perfei-

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lamente que um negocio d'esta importancia não se póde discutir em pouco tempo. A commissão tem discutido esta reforma largamente, e todos os seus membros estão animados do maior desejo, e igualmente o governo, de que este projecto seja discutido no parlamento n'esta sessão.

O sr. Pereira de Miranda: — Mando para a mesa uma representação de negociantes, importadores e refinadores de assucar em Lisboa, a proposito do projecto de lei que está dependente de resolução d'esta camara.

Já ha dias o meu illustre collega e amigo, o sr. Seixas, apresentou outra representação sobre este assumpto; não sei, porém, que destino seguiu; eu peço a V. ex.ª que mande esta com urgencia á commissão de fazenda, a fim de que possa tambem, com urgencia, entrar em discussão com o projecto que já está distribuido.

Por esta occasião desejo pedir a V. ex.ª que dó para ordem do dia a eleição do vogal da junta do credito publico que esta camara tem de eleger. Áquelle corpo fez já publicar na folha official o recenseamento dos seus eleitores; não sei se já foi enviado para a mesa; mas no cato que fosse pedia a V. ex.ª que desse para ordem do dia esta eleição.

O sr. Presidente: — A mesa já tinha declarado que brevemente dava para ordem do dia essa eleição.

O sr. D. Miguel Coutinho: — Mando para a mesa uma declaração de voto, de que s<3 estivesse presente na sessão do dia 11 do corrente mez teria votado contra a proposta do sr. Julio de Vilhena.

Aproveito tambem a occasião para mandar para a meta uma representarão do director do correio de Abrantes que pelos motivos que allega pede um augmento de vencimento e a vantagem da aposentação.

Peço a V. ex.ª que a envie á respectiva commissão, e a esta que attenda as rasões que o peticionário expõe no seu requerimento.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Mando para a mesa uma representação dos filhos do segundo matrimonio do fallecido conde de Farrobo, em relação a um assumpto que parece estar dependente da proxima resolução da commissão de fazenda.

Peço a V. ex.ª que esta representação seja remettida á commissão de fazenda com urgencia, e ao mesmo tempo que seja publicada no Diario do governo.

O sr. Augusto de Mello: — Nas sessões de 8 e 23 de fevereiro apresentei n'esta camara representações das camaras municipaes de Souzel e Crato contra a lei de 16 de abril de 1874, e pedi que fossem publicadas no Diario do governo conformo solicitavam os representantes; até hoje não vi publicadas as referidas representações apesar de ver no Diario muitas outras representações que foram apresentadas posteriormente a estas.

Peço por isso que sejam mandadas publicar com brevidade.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Pedi a palavra para solicitar de V. ex.ª o favor de me inscrever para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas.

E visto que estou com a palavra seja-me permittido, já que o nobre ministro dos negocios estrangeiros fez o favor de appellar para mim, dirigindo-me uma apostrophe, seja-me permittido, repito, dizer duas palavras.

A accusação feita pelo sr. deputado Barros e Cunha versa sobre assumpto muito grave, e ácerca da sua gravidade o nobre ministro foi o primeiro a fazer completa justiça, ninguem póde negar que desde o momento em que na imprensa se levantam accusações do tal ordem e accusações que tendem a provar que no exercito portuguez ha associações tercetas de delação, desde esse momento seria perfeita loucura o dizermos em pleno pai lamento que tal accusação não tinha importancia alguma. (Apoiados.)

O facto é grave, m\?s em consequencia da gravidada do facto não devemos declarar, como fez o illustre ministro,

que a melhor maneira de tratar d'elle é o silencio, ou pretender esquecer que taes accusações foram levantadas. (Apoiados.)

Portanto, a discussão é o melhor cautério, o se os factos incriminados icem fundamento vá o castigo a quem caiba; se não têem fundamento, e eu desejava esta segunda hypothese, ainda assim é essencial que a verdade fique patente em toda a evidencia. (Apoiados.)

Mas o que não se póde concluir das palavras do sr. Barros e Cunha é que s. ex.ª quizesse lançar accusações sobre o exercito portuguez.

O parlamento portuguez quer que o exercito seja respeitado. Todos queremos isto, a maioria, o governo e a opposição; todos nós fazemos justiça plena, inteira e cabal ao exercito, e por isso queremos que a verdade se apure, para que se houver crimes sejam castigados.

A verdade é sempre o melhor. Inquiramos, pois, a verdade. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu pela minha posição especial, por isso que tenho a honra de vestir uma farda do exercito portuguez, não podia ficar silencioso.

Ainda que fallo aqui sempre como deputado, não posso em certas occasiões esquecer-me de que sou tambem official do exercito portuguez, e de certo ma caberia grave responsabilidade ficando calado se as suspeitas, que o illustre ministro levantou ácerca das accusações do sr. Barros e Cunha, fossem verdadeiras.

O que se diria lá fóra entre os meus camaradas, se se contasse que tinha havido uma suspeita de tal ordem e que, havendo um official do exercito n'esta casa, elle se não tinha levantado immediatamente para protestar! (Apoiados.)

Sim, sr. presidente, para protestar vehementemente contra essas accusações. Felizmente, aqui não se accusou o exercito; creio mesmo que não se accusa ninguem. O que se pertende é chegar ao conhecimento da verdade. (Vozes: — Muito bem.)

Ditas estas poucas palavras ainda me refiro a uma outra questão, que tambem fui tratada pelo sr. Barros e Cunha. É a questão de S. Thomé.

Logo que se abriu a sessão n'este anuo tive a honra de mandar para a mesa um requerimento, pedindo ao governo 03 documentos que se referiam a esta mal fadada questão, e que ainda não vieram naturalmente por motivos rasoavel?. Assim o quero crer.

Não pretendo acamar o sr. ministro de sonegar, de mole proprio, á publicidade os documentos que lhe são pedidos pelos deputados. Se porventura s. ex.ª entendesse que esses documentos estavam no caso d'aqui outros que tinham tido cabida no relatorio, e que s. ex.ª expungiu d'elle, em nome de necessidades da administração publica, srs entendesse que taes documentos não podiam ser dados á publicidade, teria a franqueza da o dizer no parlamento.

Como s. ex.ª não o disse, concluo eu que o meu pedido, e creio que de mais alguns srs. deputados, não foi indiscreto. Nós podiamos ter feito o pedido de alguns documentos que o illustre ministro, em nome das necessidades da administração que ha pouco invocou, entendesse não mandar. Podia ser que o pedido foste indiscreto; mas estou perfeitamente seguro de que não havia indiscrição alguma no nosso pedido, desde o momento em que p. ex.º não o tinha declarado no largo decurso do tempo que vae desde que se abriu esta sessão até agora.

Portanto não houve indiscrição quanto nós pedimos os documentos; o se não houve indiscrição, bom será que s. ex.ª se apresso, se é possivel, em mandar esses documentos para me livrar de accusar severamente o ministerio; porque estou sempre com gravo terror do commetter alguma indefinição, ou collocar os ministros n'aquellas difficuldades administrativas, cuja responsabilidade s. ex.ª pretendo depois querer lançar sobre nó?. (Apoiados.)

Tambem tenho muitos documentos particulares relativos

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a esta questão, ruas queria trata-la em vista dos documentos officiaes, porque, na verdade, têem auctoridade em relação aos documentos officiosos. Era isto o que tinha a dizer. (Vozes: — Muito bem.).

O sr. Barros e Cunha: — Tanto pelo governo, como pelo representante da commissão administrativa, fui accusado principalmente de impaciente. Em relação ao governo, não ha rasão alguma para isso, porque pedi os documentos desde os primeiros dias de sessão, e elles até hoje não me foram fornecidos: não só ha não motivo para me accusarem, em relação a esta questão, mas não o ha tambem, em relação a outra. E com especialidade me refiro á interpellação que annunciei, ácerca da questão dos assucares, e na qual V. ex.ª com a sua suprema e alta sabedoria teve a bondade de dizer que podia perder completamente a esperança de que tal questão fosse debatida, porque houve por bem determinar ser discutida quando viesse o projecto da reforma das pautas, o qual projecto acredito que ficará talvez para o anno de 3:000. (Riso.)

Um illustre deputado, que não vejo presente, relator da commissão de administração publica, tambem me deu de conselho que moderasse a minha impaciencia, impaciencia que data de 1872, e sempre illudida pelas promessas do meu amigo o sr. ministro do reino, creio que sem vontade de faltar, e com melhor desejo de ver a sua proposta convertida em lei.

O certo é que as promessas de s. ex.ª não se têem realisado, e aqui tem s. ex.ª uma impaciencia de quatro annos, posta hoje como artigo de accusação, no momento em que por parte da commissão de administração publica se diz que todas as difficuldades estão vencidas.

A culpa é minha, se acaso esta questão não se restringiu a um dos variados pontos sobre que chamei a attenção do governo e do parlamento. Eu quizera ter tratado unicamente de um dos pontos do debate, mas como não era minha idéa provocar as iras do governo e levantar a cólera do sr. ministro da marinha e ultramar, por isso toquei levemente differentes negocios, julgando que o governo francamente nos diria se estava resolvido a vir dar conta d'elle ao parlamento, mas collocado na necessidade de me defender, e passando de atacante para atacado, vou dizer em prol da minha justiça aquillo que julgo absolutamente indispensavel.

Os documentos ácerca da questão de S. Thomé acham-se em meu poder, e não diga o sr. ministro que estes documentos são confidenciaes, porque o documento a que me refiro está publicado, (mostrando-o) tenho-o aqui.

As rasões por que o sr. ministro mandou fazer outro relatorio para destruir aquelle pelo qual se conhece o estado das nossas provincias ultramarinas, e a maneira por que são administradas, póde o sr. ministro dizer que são rasões de administração publica, mas quando se confrontar o que o governador escreveu e o que o sr. ministro quiz que elle escrevesse ou o que imaginou que devia escrever, a camara ha de ter conhecimento de que não foram do certo rasões do administração publica que levaram o governo a praticar similhante acto, mas que foram rasões de conveniencia ministerial, sem a qual de certo viria ao parlamento o principal argumento e documentos para o habilitarem a conhecer qual é na realidade o estado das provincias ultramarinas.

Isto não se deve fazer, o sinto muito que se fizesse, estimando que o governo não seja falso propheta, e que me possa convencer de que estou em erro, e que s. ex.ª está de todo o ponto justificado.

A outra questão, de que tenho a tratar, é a que se refere á espionagem no exercito.

Eu não accuso o exercito, não accuso ninguem. Tem-se dito, e continua a dizer se, e tem-se divulgado por toda a parte, que no exercito existe uma espionagem na classe inferior d'elle, o a case respeito deve o governo dar contas ao parlamento; se por acaso havia motivos para pedir a

responsabilidade ao jornal, levar aos tribunaes os redactores; ou, se a accusação do jornal era fundada, quaes eram as providencias que o governo tinha tomado, e qual era o castigo que tinha dado aos culpados; porque eu entendo que estes elementos de insubordinação, de desordem e de desorganisação no exercito, não deve o governo consenti-los; e se por acaso não é cumplice n'elles, deve justificar-se perante o parlamento e perante o paiz, o deve justificar-se de todo o ponto. (Rumor.)

Sr. presidente, é necessario estabelecermos para sempre uma cousa: eu não sei já quaes tão os direitos da camara dos deputados. A camara dos deputados e accusada porque repara em que o governo não publica as portarias; a camara doa deputados é accusada quando pede a responsabilidade pelo modo por que se dispõe da fazenda nacional; a camara doa deputados é accusada quando pede a responsabilidade e quando pede explicações aos ministros; a camara dos deputados é accusada por tudo!

Eu não estou aqui a tratar de uma questão pessoal minha; eu estou a tratar de uma questão da nação. O exercito não é doa ministros, o exercito é da nação, é do paiz...

O sr. Manuel d'Assumpção: — Eu já aqui o disse quando V. ex.ª dizia o contrario, quando V. ex.ª dizia que o exercito pertencia ao governo, fui eu que disse que não, que pertencia á nação.

O Orador: — Mas o que quer V. ex.ª concluir?

O sr. Manuel d'Assumpção: — Que não é uma novidade que V. ex.ª me tenha dado; quando já eu o havia dito.

O Orador: — Para isso não é preciso s. ex.ª irritar-se, nem justificar os seus direitos. Se precisa de uma desistência minha, de que eu não quero a gloria da invenção, estou muito prompto a assigna-la, e declaro desde já que julguei que não offendia a s. ex.ª O illustre deputado, n'uma occasião em que eu disse aqui que não bastava ao governo ter peças de artilheria, disse que o exercito era da nação. Eu repito a sua phrase, e não sei que motivo haja para a estranheza do illustre deputado, não dei motivo nenhum para isso.

O sr. Manuel d'Assumpção: —Não estranho. V. ex.ª modificou as suas idéas.

O Orador: — O que eu não quero é que o exercito seja nem do governo, nem dos espiões, nem doa partidos, quero que o exercito seja da nação; e como sou representante da nação, tenho direito de saber se acaso na organisação intima d'esse exercito ha alguns elementos que o tirem do fim principal para que elle existe e para que deve existir.

O illustre ministro reparou em eu dizer se acaso o governo não é cumplice n'esses factos, e se essas accusações não são fundadas, precisa de todo o ponto justificar perante o parlamento e perante o paiz, pelas providencias que der, qual é o grau de verdade, de veracidade, que ha n'estas accusações, que são feitas, e que são aliás muitissimo importantes, porque não é a primeira vez, sabemos muito bem, que no exercito tem havido conspirações.

O sr. ministro da guerra prometteu mandar á camara o bill para sanar o abuso em pratica desde 1874 ácerca da alteração feita na organisação dos dois corpos do exercito, artilheria e engenheria: perguntei a V. ex.ª se o bill tinha vindo, não accusei o sr. ministro da guerra de que não tivesse vindo. Mas é sabido que o parlamento ha de fechar-se no dia 2 do mez que vem; toda a gente o sabe; e não tendo chegado até agora, veja V. ex.ª que esperança nos resta de que aquella illegalidade seja sanada pelas disposições parlamentares.

O bill que o sr. ministro das obras publicas aqui mandou ácerca das providencias que tomou para a provincia do Algarve é necessario que V. ex.ª saiba que ainda se não distribuiu no parlamento. Eu desejo muito que o parlamento na realidade se não feche pesando sobre mira a accusação ainda mais gravo de, em logar de dois mezes,

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conforme o sr. ministro da marinha teve a bondade de dizer que eu estivo callado, ser accusado pelo silencio de tres mezes.

As questões que eu levanto na camara não pertencem exclusivamente a um ministro; pertencem ao governo, e qualquer dos srs. ministros deve estar habilitado para responder por ellas sem ir acobertar-se com a doença do sr. presidente do conselho, que eu muito lamento, e que desejo quanto antes ver restituído ao seu logar.

O sr. Presidente: — Preciso dar uma pequena explicação. Parece-me que o illustre deputado concluiu das poucas palavras que eu disse, que seria muito demorada a interpellação que 8. ex.ª tinha annunciado. O que disse foi que já estava sobre a mesa o parecer n.º 3, que trata dos direitos de importação sobre o assucar; que este projecto já podia ter sido dado para a ordem do dia se alguns srs. deputados não tivessem pedido que se demorasse a sua discussão por alguns dias, a fim de que as corporações mais interessadas na resolução d'este projecto de lei podessem manifestar a sua opinião. Disse já tambem que muito brevemente daria para ordem do dia este projecto, e que por essa occasião podia o sr. deputado verificar a interpellação.

Não me referi ao projecto das pautas; referi me especialmente ao projecto n.º 3.

O sr. Barros e Cunha: — Eu peço licença a V. ex.ª para dizer que d'esta vez ainda entendi menos do que da outra. É a mesma cousa. (Riso.)

O sr. Pereira Rodrigues: —Mando para a mesa uma declaração do motivo por que faltei ás ultimas sessões.

Permitta-me V. ex.ª, visto que me concedeu a palavra, que faça algumas observações muito breves ás novas accusações do sr. deputado por Silves, em relação á administração superior da provincia de S. Thomé e Principe.

Faço tão pouco cabedal das minhas faculdades, que nunca ergo a minha voz n'esta casa, senão quando sou obrigado pelo dever.

Corre-me a obrigação de defender sempre, e em toda a parte, o actual governador ce S. Thomé, que é meu amigo e meu parente muito proximo, como a camara sabe.

Quando se ousa pôr em duvida a honra de um homem que eu prezo tanto como a mim proprio, não posso deixar de unir a minha voz á do sr. deputado e á do meu illustre collega e amigo o sr. Osorio de Vasconcellos, para pedir ao nobre ministro do ultramar te digne enviar á camara, no mais breve espaço de tempo, os documentos pedidos e que devem esclarecer estes assumptos.

Sei que o unico motivo por que os documentos ainda até hoje não foram presentes á camara, é a difficuldade em copia-los, porque são muito volumosos, e talvez mesmo, segundo me parece, tenham de ser impressos, para facilitar o seu exame.

Se bem me recordo, o nobre ministro assim o declarou na camara dos dignos pares não ha muitos dias, mas em todo o caso, eu uno a minha voz, repito, á dos srs. deputados a que me referi, para solicitar com instancia que sejam sujeitos á apreciação da camara esses documentos.

Como relator do projecto do lei para a abolição da condição servil em S. Thomé e Principe, preparei-me para discutir essa medida, que basta para immortalisar o nome do sr. Corvo.

A camara entendeu que devia approvar o projecto por unanimidade, sem discussão, e não me foi possivel apresentar então os documentos que tinha procurado, os quaes me parece que provam que só merece louvores o governo e especialmente o sr. ministro do ultramar por ter sanccionado os actos do governador d'aquella provincia. (Apoiados.)

O governo conhece perfeitamente esta questão, porque o governador de S. Thomé e Principe, desde 1873, anno em que tomou posso do governo, tem enviado ao ministerio da marinha e ultramar sobre este assumpto, os documentos, cuja synopse vou ler á camara:

Synopse dos officios que o governador de S. Thomé tem dirigido ao ministerio da marinha sobre escravos e libertos

1873 Dezembro 30 —N.° 230 —Mulher livre acorrentada entregue ao poder judicial, ainda hoje sem julgamento.

1874 Maio 27 — N.° 167—Pedindo providencias sobre um menor preto encontrado em um navio.

1874 Maio 30 —N.° 176 —Sobre os libertos que como taes estão registados, a quem nunca te deu baixa nos livros. Pedindo instrucções.

1874 Outubro 28—Relatório de 1874.

1874 Novembro 18 —N.° 348 —Sobre a questão do trabalho.

1875 Janeiro 2 — N.° 1—Sobre um meeting com respeito á introducção de braços.

1875 Fevereiro 27 — N.° 54 — Sobre os maus tratos dados aos libertos em Moate Café.

1875 Março 17—N.° 76 — Sobre escravos clandestinos.

1875 Abril 2 —N.° 91—Assassinato do feitor do ilhéu das Rolas pelos libertos.

1875 Abril 28 —N.° 111 — Sobre escravatura.

1875 Junho 19 —N.° 143 —Sobre libertos.

1875 Junho 22—N.° 147 —Sabre o modo de contar o serviço dos libertos.

1875 Julho 1—Sobre a retirada da corveta Duque da Terceira.

1875 Agosto 11—N.° 206 —Sobre a tranquilidade publica.

1875 Setembro 23 —N.° 233 —Insulto de um fazendeiro ao governador, por proteger 03 libertos que se queixavam dos maus tratos dos senhores.

1875 Outubro 25 — N.° 262—Dando conhecimento dos maus tratos feitos na roça Conde dos Frades, onde só havia nove libertos obrigados a serviço.

1875 Outubro 25—N.° 263—Relatório de 1875.

1875 Novembro 11—N.° 279 — Noticia de acontecimentos importantes, não se alterando porém o socego publico.

1875 Novembro 12—Participando a vinda dos libertos á cidade, pedindo a liberdade a que tinham direito.

1875 Novembro 26 —N.° 288—Dando conta do abandono das roças e remettendo os documentos sobre a crise que se apresentou, e que se resolveu sem a tranquilidade publica ser alterada.

1875 Novembro 27—N.° 289 —Reservado. Sobre os negreiros quererem armar navios para ir á costa.

Como se vê em muitas e differentes datas o governado! de S. Thomé enviou documentos que eu não conheço, mas que devem ser os principaes fundamentos que levaram o sr. ministro do ultramar a approvar os actos d'esta sua auctoridade.

Tambem tenho alguns outros documentos que requeri das diversas repartições da provincia de S. Thomé e Principe, como porém, são volumosos e de certo fatigaria a camara com a leitura d'elles, envio-os para a mesa a fim de que V. ex.ª os mande publicar no Diario da camara, ou no caso contrario, para que qualquer sr. deputado que os queira examinar o possa fazer. Por elles se verá a sinceridade com que se affirma que os libertos eram bem tratados e que os seus possuidores eram os primeiros que queriam conceder-lhes a liberdade.

Com estas breves considerações, a camara comprehende de certo que eu não tenho a louca pertensão de procurar sustentar o governador de S. Thomé e Principe. O governo é quem sustenta as suas auctoridades; o governo é que tem obrigação de defender as auctoridades que sustenta; e o nobre ministro da marinha e ultramar acaba, na minha humilde opinião, de justificar brilhantemente o funccionario tão apaixonadamente increpado. (Apoiados.)

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Limito-me apenas a levantar a minha voz para acudir por quem aqui não póde defender-se das apreciações injustas dos illustres deputado e das accusações aleivosas de parte da imprensa, accusações promovidas por individuos que podem ter dinheiro para pagar a inserção de artigos e correspondencias em jornaes, mas que ainda até hoje não poderam provar uma unica das accusações feitas ao governador de S. Thomé.

O nobre ministro sustenta e defende este funccionario porque está convencido do seu bom serviço, nem poderia ser por outro motivo depois das repetidas reclamações de opposição parlamentar, depois das accusações do parte da parte da imprensa periodica e depois das minhas proprias solicitações, porque tenho solicitado do sr. ministro a substituição do governador de S. Thomé; e tenho-a solicitado repetidas vezes, porque desejo primeiro que tudo a tranquillidade e soergo d'aquelle funccionario e da sua familia, e porque estou convencido de que a sua completa justificação começará no dia em que lhe for nomeado successor.

(Aparte do sr. José Luciano, que, se não percebeu.)

O Orador: — Sim, senhor. Instei pela substituição do governador de S. Thomé desde que li n'um jornal, o Jornal do Commercio, creio eu, uma ameaça de morte clara, positiva, terminante, contra este funccionario, e comecei a receiar pela vida d'este honrado chefe de familia, persuadido de que tal ameaça partindo de individuos habituados talvez a viver nos climas inhospitos para onde são degredados os assassinos, poderia tornar-se um facto. Nem todos os governadores de S. Thomé têem morrido de morte natural. (Apoiados.)

Por hoje não digo mais nada.

Vozes: — Muito bem.

Os documentos a que se referiu o si. deputado são os seguintes:

«Certidão. — Certifico em cumprimento do que me foi ordenado pelo dr. delegado d'esta comarca, que do processo crime instaurado n'este juizo pelos ferimentos A isto em diversos libertos, e distribuido ao primeiro officio sob numero cento e dezeseis, consta o seguinte:

«Ill.mo e ex.mo sr. dr. juiz de direito. — Diz o delegado d'esta comarca, que constando-lhe acharem-se em curativo no hospital os libertos Marianno Grande, Pongue, Domingos Batalha, Domingos Filippe, Antonio Pedro, José Matheus, Joaquim Manuel e João Antonio Francisco, este ao serviço de José Antonio Freire Sobral e aquelles pertencentes á roça do Monte-café, que foram feridos na manhã do dia 25 do corrente na roça de Manuel da Trindade, sua na freguezia da Trindade, os quaes se achavam acorrentados segundo tudo se declara nos officios juntos, requer que sem demora se proceda a exame e corpo de delicto directo pelo crime de ferimentos que apresentam, reservando-me para n'essa occasião promover o mais que julgue necessario; e assim pede a V. ex.ª se digne deferir. — E. R. M. — S. Thomé, 26 de janeiro de 1875. = 0 delegado, Antonio Manuel Teixeira de Sequeira.

«Defiro ao requerido: proceda-se a corpo de delicto hoje pelas onze horas da manhã no hospital; e officie-se ao secretario do governo para este solicitar de a. ex.ª o governador da provincia, a apresentação de dois facultativos para servirem de peritos, e intime-se o delegado do ministerio publico para ser presente. S. Thomé, 26 de janeiro de 1875. = Silveira e Castro.

«Intimação. — Certifico que intimei o ill.mo dr. delegado Antonio Manuel Teixeira de Sequeira, do conteudo do despacho supra, que lhe li, e de que ficou sciente, e assignou comigo escrivão Silva. S. Thomé, 26 de janeiro de 1875. = Antonio Manuel Teixeira de Sequeira. = 0 escrivão interino, José Bernardino Gonçalves e Silva.

«Auto de exame e corpo de delicto directo. — Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1875, n'esta

cidade de S. Thomé e casa que serve de hospital n'esta ilha, aos 26 dias do mez de janeiro, aonde eu escrivão vim com o juiz do direito Esteva;) José Lopes da Silveira e Castro, para se proceder ao cisme pelos ferimentos praticados em Mariano Grande, Pongue, Domingos Batalha, Dorningus Filippe, Antonio Pedro, José Matheus, Joaquim Manuel, libertos da roça Monte-café, e pelos ferimentos tambem praticados em José Antonio Francisco, liberto de José Antonio Freire Sobral, mas actualmente em serviço na peça Monte-café, todos aqui presentes, aqui compareceram o dr. delegado d'esta comarca, Antonio Manuel Teixeira de Sequeira e os facultativos Torquato Tasso Dias e Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, devidamente requisitados á secretaria do governo para servirem de peritos no presente exame; e logo elle juiz lhes deferiu juramento aos Santos Evangelhos, sob cargo do qual lhes encarregou que vissem e examinassem bem 03' feridos acima indicados, ao os ferimentos são mortaes ou perigosos, o instrumento com que denotam terem sido feitos, especificando tudo o maia que achassem digno de notar-se, e sendo por elles recebido o dito juramento assim o prometteram cumprir, sendo presentes as testemunhas Joaquim Alves Barbosa e Victorino Augusto da Silva, ambos maiores e empregados no hospital. E logo passaram a examinar o liberto Mariano Grande, em resultado do que declararam: que o ferido é de côr preta, deve ter approximadamente 35 annos, de construcção robusta, apresenta um ferimento produzido por arma de fogo, na parte externa da nádega direita. Este ferimento deve ter sido feito por uma bala impellia por um rewolver do diametro de acto millimetros approximadamente. A bala entrando nos músculos nadegueiros dirigiu-se do fóra para dentro, o está a uma profundidade de esse centimetros approximadamente. Esto ferimento não produz aleijão, nem deformidade, mas impossibilita o queixoso de trabalhar durante doze dias e deve ter sido feito ha 30 horas approximadamente.

«Passando a examinar o liberto porque, declararam: que o queixoso de côr preta, de quarenta annos de idade approximadamente, e de construcção forte, apresentava dois ferimentos, que devem ter sido feitos ha trinta horas aproximadamente, um no braço direito o outro no antebraço esquerdo, ambos os ferimentos são produzidos por instrumento prefurante e cortante; que o primeiro tem tres centimetros de comprimento sobre dois millimetros de profundidade, e que o secundo tem dois centimetros de comprimento sobre um de profundidade; que nenhum dos ferimentos produz disformidade ou aleijão e que devem estar curados dentro de seis dias, durante os quaes está impossibilitado do fazer serviço.

«Passando a examinar o liberto Domingos Batalha, declararam; que o queixoso, de côr preta, de trinta o cinco annos de idade pouco maia ou menos, de construcção forte, apresenta dois ferimentos produzidos por instrumento cortante, um no craneo e outro na face dorsal da mão direita, o primeiro terá cinco centimetros approximadamente de comprimento, e não chega a atravessar todo o couro cabelludo, que é dirigido de diante para traz, seguindo parallelamente ao bordo superior do parietal esquerdo; que o segundo está situado sobre a articulação do metacarpo com a phange do dedo indicador, que tem um centímetro approximadamente de comprimento sobre tres millimetros de profundidade; que nenhum d'estes dois ferimentos produz aleijão ou deformidade, e que impossibilitam sómente o ferido de trabalhar durante dez dias. Declararam mais que estes ferimentos devem ter sido feitos ha trinta horas pouco mais ou menos.

«Passando a examinar o liberto Domingos Filippe, declararam: que o sr ri do de côr preta, de vinte o sete annos de idade approximadamente, do construcção regular, apresenta uma contusão no antebraço direito, e um ferimento produzido por instrumento cortante no antebraço esquerdo; que a contusão nenhuma gravidado tora, e que o outro

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ferimento tem um centímetro de comprimento sobre dois milímetros de profundidade; que nenhum dos ferimentos produz deformidade ou aleijão, e que impossibilitam o queixoso de trabalhar durante dois dias; declaram finalmente que estes ferimentos devem ler sido feitos ha trinta horas pouco mais ou menos.

«Passando a examinar o liberto Antonio Pedro, declararam: que o queixoso, de côr preta, de vinte e cinco annos de idade pouco mais ou menos, de construcção regular, tem uma leve contusão no antebraço direito, junto da articulação humoso imortal, a qual não produz deformidade nem aleijão, e produz impossibilidade de serviço por dois dias. Declararam finalmente que a contusão deve ter sido feita ha trinta horas approximadamente.

«Passando a examinar José Matheus, declararam: que o queixoso, do côr preta, de quarenta annos de idade approximadamente, de construcção robusta, apresenta duas contusões, uma no hombro esquerdo e outra no direito, as quaes devera ter sido feitas ha trinta horas, o não produzem deformidade, aleijão, doença nem impossibilidade de serviço.

«Passando a examinar o liberto Joaquim Manuel, declararam: que o queixoso, de côr preta, de trinta e cinco ânuos de idade pouco maia ou menos, de construcção debil, apresenta uma contusão bastante intensa na perna direita, a qual impossibilita de trabalhar durante quinze dias, mas não produz deformidade, aleijão ou doença. Declararam mais que a contusão deve ter sido feita ha trinta horas approximadamente.

«Passando a examinar o liberto Antonio Francisco, declararam: que o queixoso, de côr preta, de quarenta annos de idade approximadamente, de construcção robusta, apresenta no braço, antebraço, mão, cosa o perna direita, e uma solução de continuidade dirigida obliquamente da esquerda para a direita a região frontal; que este ultimo ferimento foi produzido por instrumento cortante, que tem cinco centimetros da comprimento approximadamente, que atravessa todo o couro cabelludo, que nenhum d'estes ferimentos produz doença, aleijão ou deformidade, roas impossibilita o queixoso de trabalhar durante quinze dias; que o queixoso apresenta na região frontal, perto do ferimento acima mencionado, uma cicatriz dirigida de diante para traz, a qual tem quatro centimetros de comprimento; declararam finalmente que os ferimentos devem ter sido feito ha trinta horas approximadamente.

«E logo elle juiz passou a informar-se do delicto e suas circumstancias, e por isso mandou chamar á sua presença o queixoso Mariano Grande, e vendo que este não sabia fallar a lingua portugueza, nomeou para lhe servir de interprete a Joaquim do Oliveira Brito, o qual achando se presente, eu escrivão, com venia d'elle juiz, o intimei para o dito fim, e por isso sendo-lhe deferido pelo momo juiz o juramento aos Santos Evangelhos, para com fidelidade e sã consciencia transmittir á testemunha as perguntas que lhe forem feita? na lingua indigena, e traduzir depois na lingua portuguesa as respostas ás mesmas perguntas, e recebido pelo interprete o devido juramento, assim o prometteu cumprir; e perguntado o queixoso por intervenção do mesmo interprete, respondeu: chamar-se Mariano Grande, que hontem pela manhã viera da roça Monte Café, em cujo serviço se empregára conjunctamente com os outros queixosos presentes, os quaes vinham todos acorrentados, menos elle declarante, e se dirigiram todos á roça ahi proxima pertencente ao forro Irmandade (Manuel da Trindade) a fim d'ali cortarem folha de palmeira; e logo apparecendo ahi o dito Irmandade com uma porção de gente, libertos e parentes d'elle, que elle declarante-não conhece, ignorando até os seus nomes, e armados os de cacetes, outros de machos, e o dito Manuel da Trindade de rewolver, e começando a espancar a todos os queixosos, lhes fizera os ferimentos que apresentam, sendo um d'elles de tiro de resolver, que o dito Irmandade disparara no queixoso declarante.

«Que estes factos foram presenciados por varios pretos, cujos nomes ignora, todos pertencentes á roça Monte Café, onde trabalham, o que são do queixoso.

«Que a corrente a que se achavam presos os outros queixosos a trouxeram estes já da roça Monte Café, onde a mesma corrente lhes tinha sido pasta pelo administrador da mesma, Nicolau José da Costa, e lhes tinha sido tirada hoje n'esta cidade no hospital por mandado do respectivo director, para lhe fazer o curativo. Sendo presente n'este acto a mesma corrente e respectivas gargalheiras, reconheceu o declarante serem as mesmas: e que nada mais tinha a declarar; sendo-lhe lida a sua declaração, a achou conforme, não assignando por não saber escrever.

«Em seguida f >i perguntado o queixoso que diz chamar-se porque, que hontem de manhã tinha vindo da. roça Monte Café, em cujos trabalhos se emprega conjunctamente com outros queixosos presentes, que todos vinham acorrentados á corrente que n'este acto se acha presente, que reconhece ser a propria, e bem como as gargalheiras tambem presentes, e isto menos o queixoso Mariano Grande, que vinha solto, e dirigindo se todos á roça que ali fica proxima, pertencente ao forro irmandade (Manuel da Trindade), e entrando n'ella com o fim de apanhar alguma folha de palmeira para fazer cestos, ahi appareceram o dito Irmendale com uma porção de pretos seus libertos e parentes, cujos nomes ignora, e estes com cacetes, regalias e machins, e o dito Irmendale com um rewolver, espancaram com os mesmos instruirmos e feriram a elle queixoso e aos mais paio que apresentam e já se acha descripto.

«Que estes factos no nas tinham sido presenciados pelos aggressores e aggredidos. E que os pretos queixosos que se achavam acorrentados á corrente que se acha presente, e tinham sido pelo administrador da roça Monte-Café, Nicolau José da Costa, e isto ha muito tempo, mas ha menos de um anno, e que ignora 03 nomes de testemunhas que caibam d'este facto. Que nada mais tinha a declarar. Sendo lida a sua declaração a achou conforme, não assignando por não saber escrever.

«Em seguida passou a perguntar o terceiro queixoso, que disse chamar-se Domingos Batalha, e que hontem de manhã viera acorrentado á corrente n'este acto presente, que reconhece ser a mesma, bem como as gargalheiras tambem presentes, da roça Monte Café, onde trabalha conjunctamente com os mais queixosos n'e*te acto presentes, e dirigindo-se todos á roca ali proxima do forro Irmendale (Manuel da Trindade) a fim de ahi colherem folha de palmeira, encontraram lá o mesmo Irmendale, que andava de ronda á sua roça, e esta conjunctamente com outros pretos seus libertos e parentes, cujos nomas ignora, armados com cacetes, zagaias, machins e o Irmendale com rewolver, dirigindo-se e aproximando-se dos queixosos os espancaram com as mesmas armas, e lhes fizeram ferimentos que elle declarante e 03 mais apresentam.

«Que estes factos apenas tinham sido presenceado pelos aggressores e aggredidos.

«Que elle declarante e os mais queixosos que se achavam presos á corrente, o tinham sido pelo administrador da roça Monte Café, Nicolau José da Costa, estando elle declarante n'este estado ha uma semana, e os outros uns ha quatro dias e os mais ha tres mezes e ha um anno.

«Que elle queixoso tinha sido acorrentado por ter em occasião em que o mesmo Nicolau o estava castigando, pegado n'um pau para se livrar das pancadas que lhe dava, e que o mesmo Nicolau julgou ser para o aggredir.

«E que nada mais tinha a declarar, e sendo-lhe lida a sua declaração a achou conforme, não a assignando por não saber escrever.

«Em seguida passou elle, juiz, a inquirir o quarto queixoso, e disse chamar-se Domingos Filippe, e que hontem viera pela manhã preso á corrente, que n'este acto se acha

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presente, e que reconhece ser a mesma, bem como as gargalheiras que estão presentes, que lhe foram tiradas hoje n'este hospital por mandado do respectivo director, a fim de se lhe poder fazer o competente curativo com os outros seus companheiros, tambem queixosos, n'este acto presentes, da roça Monte Café, onde todos trabalham, e se dirigira com estes a uma outra roça, ali proxima, pertencente ao forro Irmendale, este na companhia dos outros pretos seus libertos e parentes, dirigindo-se a elles queixosos, e armados de cacetes, zagaias, machins e o primeiro de rewolver, lhes perguntaram o que ali faziam, e respondendo-lhes que andavam a apanhar folha de palmeira, elles lhes disseram que não era verdade, que o que faziam era roubar-lhes as bananas, e em seguida com as armas de que vinham munidos os espancaram e lhes fizeram os ferimentos que elle declarante e os mais queixosos apresentam, tendo fugido os dois primeiros mencionados n'este auto, o que elle declarante e os mais não poderam fazer por se acharem acorrentados.

«Que estes factos tinham sido apenas presenciados pelos aggressores e aggredidos, ignorando elle declarante os nomes d'aquelles, a não ser o do dito Irmendale.

«Que elle declarante tinha sido preso á corrente, que aqui está presente, ha sete mezes pelo administrador da roça Monte Café, Nicolau José da Costa, e isto em rasão d'elle declarante ter ficado por fóra de casa da roça em consequencia de se ter deixado dormir.

«E que nada mais tinha a declarar, e sendo-lhe lida a sua declaração a achou conforme, e não assignou por não saber escrever.

«Em seguida passou elle, juiz, a tomar as declarações do quinto queixoso, e disse chamar-se Antonio Pedro, e tendo elle, juiz, observado que o declarante não sabia fallar portuguez, lhe tomou a sua declaração pelo interprete, já nomeado sob o juramento que prestou, e por intervenção do mesmo interprete respondeu, que hontem de manhã fôra elle declarante preso á corrente, que n'este acto se acha presente, com as gargalheiras que tambem estão presentes, que reconhece serem as mesmas, com outros seus companheiros, os queixosos presentes, e se dirigiram da roça Monte Café, onde todos trabalham, para uma outra roça ahi proxima, pertencente ao forro Irmendale, a fim de ahi apanharem folha de palmeiras para fazer cestos, e sendo ahi encontrado em tal serviço pelo mesmo Irmendale, este chamando outros pretos de sua casa, cujos nomes ignora, e armados, o primeiro com uma pistola e os mais com machins, cacetes e zagaias, aggrediram todos a elles queixosos, os espancaram e lhes fizeram com os ditos instrumentos que apresentam.

«Que estes factos tinham apenas sido presenciados pelos aggressores e aggredidos. Que quem o tinha prendido á corrente fôra o administrador da roça Monte Café, Nicolau José da Costa, haverá quatro semanas, e que só hoje d'ella saíra por lhe ter sido mandado pelo director do hospital, para lhe ser feito o respectivo curativo, e que o motivo de se achar na corrente era porque tendo ido á roça d'uns forros tirar banana, e havendo ahi milho, o tendo tirado uma porção de espigas e deitado as no chão, elle declarante tirara algumas, por cujo motivo elles o prenderam e levaram a dito Nicolau, e em consequencia d'isto o mandára metter na corrente.

«E que nada mais tinha a declarar, e sendo lhe lida a sua declaração a achou conforme, não tendo assignado por não saber escrever.

«E logo elle juiz passou a tomar a declaração do sexto queixoso, que disse chamar se José Matheus, que hontem pela manhã cedo fôra elle declarante, em companhia dos mais queixosos, por ordem do administrador da roça Monte Café Nicolau José da Costa apanhar uma porção de folha de palmeira para fazer cestos, e como na dita roça o não houvesse, se dirigiram a uma outra ali proxima, pertencente ao forro Irmendale, o andando n'aquelle serviço

ali foram encontrados por este, o qual chamando gente da sua casa, cujos nomes ignora, e apparecendo-lhes depois aquelle armado de espingarda e pistola, e estes de cacetes e machins e zagaias, se dirigiram todos a elles queixoso?, perguntando-lhes o que ali faziam, e elles responderam que andavam apanhando, por ordem de seu senhor, folha do palmeira, e dizendo-lhes os mesmos que era falso, porque o que elles ali vinham fazer era roubar banana, então os espancaram com as ditas armas e lhes fizeram com ellas os ferimentos o contusões que elle declarante e os mais queixosos apresentam.

«Que elle declarante se achava n'essa occasião solto, e que os que estavam presos á corrente que n'este acto se apresenta, bem como com as gargalheiras tambem presentes, que reconhece serem as mesmas, eram outros dos queixosos, os quaes tinham sido mandados metter n'elle, pelo administrador da roça Monte Café Nicolau José ca Costa, Um por andar fugido e os outros por varios crimes que praticaram.

«Que estes factos não tinham sido presenciados senão pelos aggressores e aggredidos.

«E que nada mais tinha a declarar, e sendo-lhe lida a sua declaração a achou conforme, não assignando por não saber escrever.

«Em seguida elle juiz passou a tomar as declarações ao setimo queixoso, e disse chamar-se Joaquim Manuel, que hontem de manhã cedo fôra preso á corrente, que n'este acto se acha presente, que reconhece ser a mesma, bem como as gargalheiras tambem presentes, e que lhe foram tiradas hoje n'este hospital por ordem do respectivo director para se lhe fazer o respectivo curativo, com outros seus companheiros, os queixosos presentes, por ordem do administrador da roça Monte Café Nicolau José da Costa, onde todos trabalham, apanhar rama de palmeira, e para isso se dirigira com os mais a uma roça ali proxima pertencente a um forro de nome Irmendale, onde sendo encontrados por este, e porque alguns de seus companheiros d'elle declarante tivessem ido cortar duas pinhas de banana para todos comerem, então o mesmo Irmendale chamando gente da sua casa, cujos nomes ignora, e armados todos, o primeiro de revolver, e os mais de cacetes, machins e zagaias, os aggrediram, fugindo aquelles que se achavam desprendidos da corrente, e como elle declarante e outros dos queixosos se achavam presos a esta, e não podessem por isso fazer o mesmo, os ditos aggressores, deitando-os no chão, os espancaram e lhes fizeram os ferimentos que apresentam.

«Que estes factos apenas tinham sido presenceados pelos aggressores e aggredidos.

«Que elle declarante se achava preso á corrente ha dois mezes pouco mais ou menos e que tinha sido em rasão da gente da roça Bemposta onde elle declarante tambem estava, em consequencia dos maus tratamentos e fome que soffria, se ter ido queixar a Santa Luzia ao respectivo administrador, e como elle declarante tivesse ficado e não acompanhasse a dita gente, quando o administrador da roça Bemposta chegára a esta e vira o dito facto, obrigara a elle declarante a ir procurar a gente que havia saído, e como não soubesse o caminho, viera ter a esta cidade, onde fóra preso por um cabo verde-preto, assistente n'esta cidade, o qual o conduzira á presença do administrador da roça Monte Café, Nicolau José da Costa, e este mandára elle declarante para a dita roça. onde o mandára metter na corrente em que estava.

«E nada mais declarou, e sendo-lhe lida a sua declaração a achou conforme, e não assignou por não saber escrever.

«Em seguida o mesmo juiz tomou a declaração do sitado queixoso e disse chamar-se João Antonio Francisco, liberto de José Antonio Freire Sobral, que hontem de manhã fóra prese á corrente que n'este acto está presente o que reconhece ser a mesma, com as gargalheiras tambem presen-

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tes, com outros seus companheiros os queixosos por ordem do administrador da roça Monte Café, Nicolau José da Costa, apanhar folha de palmeira, e como a não encontrasse na dita roça a procuraram n'uma roça ahi proxima pertencente ao forro Manuel Trindade, e quando ahi se achava n'esse serviço apparece este, e chamando gente da sua casa ignorando o nome d'este elle declarante) armados todos, o primeiro de pistola espingarda e a mais gente de cacetes, machins e regalias se dirigiram assim todos aos queixosos, espancando-os e fazendo-lhes ferimentos e contusões que apresentam.

«Que alguns dos queixosos que se achavam soltos fugiram, outros, porém, como elle declarante que se achavam presos á corrente o não poderam fazer, e por isso os aggressores agarrando os deitaram no chão, lhes fizeram as offensas referidas.

«Que estes factos tinham sido apenas presenceados pelos aggressores e aggredidos.

«Que elle declarante se acha preso á corrente ha dois annos, e o tinha sido por mandado de seu senhor já referido, mandando o para isso para a roça Monte Café a cujo serviço tem estado desde então, e isto por que achando-se a mulher d'elle declarante gravida, e constando-lhe por outros pretos que ella tinha relações amorosas com outro preto chamado Fernando, se fóra elle declarante queixar por isso ao dito seu senhor, o qual promettendo-lhe averiguar esse negocio, não fizera depois caso d'isso; e como os outros pretos continuassem a avisar a elle declarante de que o dito Fernando continuava tendo as mesmas relações com a sua mulher, e até o caçoassem por isso, então elle declarante se travou de ratões com o mesmo Fernando, e fizera com elle barulho, o qual serviu de pretexto para ser acorrentado, como estava, pelo dito seu senhor.

«E nada mais tinha a declarar e sendo-lhe lida a sua declaração a achou conforme e não assignou por não saber escrever.

N'este acto o dr. delegado do procurador regio requereu que fosse nomeado depositario a quem fosse entregue a corrente e gargalheiras em numero de sete e a respectiva chave, e que os ditos queixosos fossem mandados apresentar ao reverendo presidente da junta protectora d'esta provincia a fim d'este tomar as providencias que julgue convenientes.

E elle juiz deferindo ao requerimento digo ao requerido mandou que fossem depositadas a corrente, gargalheiras e haver referidas em poder do depositario do juizo, Antonio Pereira da Cunha, e que em relação aos queixosos fossem remettidos ao presidente da Junta protectora para os fins legaes.

E não havendo mais nada a fazer, deu elle juiz por findo este acto, de que para constar ordenou que se lavrasse o presente auto que depois de lido perante todos, foi assignado por elle juiz, delegado, peritos, interprete e testemunhas presentes d'este auto, não o fazendo os queixosos pelo motivo já dito, comigo João Bernardino Gonçalves e Silva, escrivão interino que o escrevi, Estevão José Lopes da Silveira e Castro, Antonio Manuel Teixeira de Sequeira, Dulcidonio Torquato Tasso Dias, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Joaquim de Oliveira Brito, Joaquim Alves Barbosa, Victorino Augusto da Silva.

E nada mais se contém nas peças dos referidos autos que foram apontados para esta certidão, e que n'ella se acham transcriptos, vae conferida e concertada com o escrivão meu collega comigo assignado reportando-nos ambos aos proprios autos que ficam em meu poder e cartorio.

S. Thomé, 26 de fevereiro de 1875. — Eu escrivão, Estanislau Augusto Pinto a subscrevi e assignei, Estanislau Augusto Pinto.

Conferida por mim, Estanislau Augusto Pinto. — E por mim, João Bernardino Gonçalves e Silva.

Copia. — Serie de 1866. — Administração do concelho da | ilha de S. Thomé. — N.° 463-—Ill.mo sr. — Envio a presença de V. s.ª um moleque Justino que foi amarrado pela policia da Trindade, e que continuadamente, anda fugido, pelo que merece uma boa correcção de corrente. Estava julgo eu arrendado a Bartholomeu Pires de Andrade.

Deus guarde a V. s.ª— Administração do concelho em S. Thomé, 28 de novembro de 1866. — Ill.mo sr. secretario da junta protectora — Antonio Urbano Pereira de Castro, administrador do concelho substituto.

Copia. — Serie de 1867. — Administração do concelho da ilha de S. Thomé. — N.° 31. — Ill.mo sr. — Participo a V. s.ª que se acaba de apresentar n'esta administração, gravemente ferido o preto Manuel da Gloria, escravo de Beatriz Rodrigues o qual vou immediatamente mandar conduzir para o hospital militar.

Deus guarde a V. s.ª — Administração do concelho em S. Thomé, 19 de janeiro de 1867. — Ill.mo sr. delegado do procurador = Alberto Julio Ferreira, administrador do concelho.

Está conforme. — Administração do concelho da Ilha de S. Thomé, 7 de abril de 1875.

Copia. — Serie de 1866. — Administração do concelho da ilha de S. Thomé. — N.° 343. — Ill.mo sr. —Com este envio á presença de V. s.ª dois negros gabões de nomes

Inácia e...... a primeira está retida no calabouço da

policia desde o dia 1 de agosto sem ter sido procurada como a V. s.ª vocalmente participei, o segundo está retido desde o dia 24 de setembro proximo passado, e foi procurado por differentes individuos, chamando-lhe todos seu, pelo que o não entregue a pessoa alguma.

Ambos são gabões novos nesta terra ao que parece, porque não sabem fallar mais que a lingua do seu paiz. Com a negra gastei em comida 2$480 réis em sessenta e dois dias á rasão de 40 réis diarios; com o negro a quantia de 280 réis em sete dias á rasão de 40 réis diarios, e sendo de presumir que V. s.º os mande para a junta protectora, peço a V. s.ª se digne fazer com que a mesma junta me pague o dinheiro, que em sustento com elles despendi.

Deus guarde a V. s.ª — Administração do concelho em S. Thomé, 1 de outubro de 1866. — Ill.mo sr. secretario do governo = Antonio Urbano Pereira de Castro, administrador do concelho.

Copia. — Serie de 1865. — Administração do concelho da ilha de S. Thomé. —N.° 194. —Ill.mo sr. — Passo ás mãos de V. s.ª o auto de investigação incluso, para ter a bondade de o apresentar a s. ex.ª o governador da provincia, e communicar me as ordens do mesmo senhor.

Não vae por copia, nem n'esta administração fica, porque faltam empregados n'esta administração, e sé o escrivão d'ella existe que escreva. D'elle verá s. ex.ª que foi dado castigo ha oito dias a um preto de nome Bando, do serviço de Jorge Dias Monforte, á vista d'esse e por elle ordenado, no qual houve barbaridade escusada da parte do senhor, sem que, comtudo, existam provas de que o preto morreu do castigo ha oito dias recebido, o que só os facultativos poderiam dizer. Entretanto, para livrar do primeiro repente do senhor aos servidores Domingos, Matheus, Cesar e Ganga, entendi prudente envia-los á presença de s. ex.ª, como foram, para serem depositados na fortaleza, visto que depozeram contra o senhor, ou contra áquelle que como tal representa na qualidade de testamenteiro e o herdeiro do pro-vigario, o conego Paschoal, fallecido no anno passado.

Hontem recebi o officio de s. ex.ª, ás oito horas e meia; communiquei o ao delegado do procurador da corôa e fazenda, ás nove horas, e partiu outro para o regedor de Santo Amaro, com ordem de sustar o enterramento do ca-

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haver do preço Bando, ás nove horas e meia, por antes não ter um soldado eu cabo de policia que soubesse a residencia do regedor.

Este officio chegou tarde, e segundo me participa o regedor recebeu-se ás onze e meia horas, ruas mesmo que fosse recebido ás horas que s. ex.ª mandou o seu, já iria tarde, pois que o cadaver foi dado á sepultura, segundo a resposta que me deu o guarda do cemiterio, das seis para as sete horas da manhã. O juiz ordinario, servindo de direito, e o doutor delegado chegaram á roça de José Maria de Freitas, estando eu a terminar o auto, eram perto de quatro horas da tarde.

A bronchite aguda com que estou, obrigou-me a espaçar para hoje este officio, por hontem ter chegado o estado de tosse a ser tão continuado que nem fallar podia.

Deus guarde a V. s.ª Administração do concelho da ilha de S. Thomé, 2 de julho de 186(3. — 111.º10 sr. secretario do governo da provincia. = Antonio Urbano Pereira de Castro, administrador do concelho.

Copia. — Serie de 1866. — Administração do concelho da ilha de S. Thomé. — N.° 196. — IH.™ sr. — Passo ás mãos de V. ex.ª o aucto de investigação a que procedi em vista do officio do governador da provincia, junto por copia, bem como por copia junto o officio do regedor, pelo que se vê que o cadaver, que se diz fallecido de uma surra foi dado á sepultura antes do regedor receber um meu officio, em que mandava sustar o enterramento do cadaver do negro Bando, emquanto as auctoridades judiciaes não fizessem o competente corpo de delicto.

Pelo auto de investigação vê-se que com (feito foi castigado com barbaridade cascada por José Dias Monforte o preto Bando, no domingo, 24 de junho proximo passado, mas não se conhece nem eu faço mica perfeita.

Na bateria acham se depositados doze pretos do dito Monforte, ou melhor da herança do conego Paschcal, que j Monforte na qualidade de testamenteiro e herdeiro, governa.

Na roça de José Maria de Freitas encontrara-se os negros que d'este depozeram no auto. O corpo está enterrado no cemiterio da villa de Santo Amaro, e foi-o das seis para as sete horas da manhã.

Deus guarde a V. s.ª Administração do concelho da ilha de S. Thomé, 2 de julho do 1866. —Ill.mo sr. Dantas delegado do procurador da corôa e fazenda. = Antonio Urbano Pereira de Castro, administrador do concelho.

Copia. — Serie de 1868. — Administração do concelho da ilha de S. Thomé. — N.° 55. —Ill.mo sr. —Por informação ao requerimento que por V. s.ª me foi remettido era officio n.º 92, com data de hoje, cumpre-me dizer a V. s.ª que no dia 9 do corrente se me apresentou Antonio Vis da Apresentação, queixando-se que que Manuel Alves da Cunha, lhe tinha detida em sua casa, ha perto de um me?, uma sua liberta Constantina, de sete annos de idade, linha de sua escrava Felicidade Maria. Em consequencia porem dos muitos affazeres d'esta repartição não poude n'esse dia ouvir circumstanciadamente a queixa do dito Antonio Vaz, e per isso lhe ordenei que voltasse na segunda feira 11 do corrente, acompanhado de sua escrava Felicidade Maria o liberta Constancia, e moído da competente certidão de registo; e tendo-se-me o mesmo apresentado no dia indicado, ao perguntar á preta Felicidade se era livre ou escrava, como me respondesse ser livre, passei a interroga-la separada do dito Antonio Vaz, e della obtive as declarações do auto incluso que remetto por copia, e do qual constam tambem as da alludida liberta Constancia.

Em vista pois da certidão de registo que remetto, para me ser devolvida, e das declarações obtidas, entendi que devia immediatamente prender o dito Antonio Vaz da Apresentação, e de tudo mandar lavrar os respectivos autos, que hoje vão ser remettidos ao ministerio publico.

Creio pois t,-r cumprido o meu dever; entretanto s, essa o governador melhor julgará.

Deus guarde a V. s.ª Administração do concelho em S. Thomé, 13 de fevereiro de 1867.-r-Ill.mo sr. secretario do governo. = Alberto Julio Ferreira, administrador do concelho.

Copia — Serie de 1869 — Administração do concelho da ilha de S. Thomé —N.° 427 — Ill.mo sr. — Cumpre-me levar ao conhecimento de V. s.ª que hontem me participou D. Josefa Ferreira da Costa ter encontrado, das sete para as oito horas da noite, na escada da sua casa de residencia um preto morto, que lhe pareceu ser um que ha dias vendera a Anselmo Luiz Francisco, carpinteiro, o que ali foi collocado aquella hora da noite por elle e dois libertos, não sabendo se o preto apresenta algum ferimento. Das averiguações a que procedi conta-me que o preto lêra ha dias vendido pela participante ao dito Anselmo, tendo-o empregado já em seu serviço, e que fôra elle effectivamente que aquella hora da noite, acompanhado de dois libertos, lêra lançar o cadaver do preto, Manuel das Neves, na escada da participante, de cujo facto são testemunhas Manuel do Nascimento Suba, Matos Correia, José Duque - leite, Victor de Carvalho e Ignacio Cravid Neto, e como este facto é passado aquella hora da noite, apresenta fortes presumpções de crime, mandei pôr uma guarda ao cadaver, e ordenei a captura do dito Anselmo, o qual mando para a cadeia á disposição do juizo. Não podendo em casos taes conceder licença para sepultura, V. s.ª, a bem do serviço publico, se sirva participar-me se devo e quando conceder a referida licença.

Deus guarde a V. s.ª — Administração do concelho da ilha de S. Thomé, 4 de dezembro de 1869. — Ill.mo sr. dr. delegado. =Francisco Abilio das Santos Severino, administrador do concelho.

Copia—Serie de 1869 — Administração do concelho da ilha de S. Thomé — N.° 414 —Ill.mo sr. — Para os fins convenientes passo da menor. do V. s.ª o incluso auto a que mandei preceder, em consequencia das participações feitas pelo chefe da policia, do ter prendido em flagrante a preta Anna, mulher livre, por estar espancando a liberta da junta protectora e de nome Josefa, a quem deu uma dentada na mão direita do que resultou derramamento de sangue, o ter resistido á policia, chegando a rasgar uma camiza a um soldado a as ao chefe de policia, como consta do mesmo auto, e que presenciei. Mando pois apresentar a V. s.ª a liberta Josefa e remetto para a cadeia a preta Arma.

Deus guarde a V. s.ª Administração do concelho da ilha de S. Thomé. 26 de novembro de 1869. — Ill.mo sr. dr. delegado = Francisco Abilio dos Santos Severino, administrador do concelho.

Copia. — Serie do 1871. — Administração do concelho da ilha de S. Thomé. —N.° 216. — Ill.mo sr. —Para os fins conveniente?, cumpra-se levar ao conhecimento de V. s.ª, de que Manuel Quaresma, que como liberto tem estado ao serviço de Generoso, morador no sitio de Torres Dias, decimou hontem n'esta repartição, que Generoso, maciara ha mais de um anno um seu companheiro de nome João, que catava ao serviço d'elle, e o sepultara na mesma roça;

Que este assassinato fôra feito com pauladas e ultimamente degolando o com uma faca; e que tendo tido logar este acontecimento em casa, o cadaver fôra sepultado no mato, rendo elle o Generaes, que o conduziu e sepultou;

O dito João parece que era natura! do Gabão e bem conhecido da vizinhança, e quando este desapparecerá, Generoso dizia ás pessoas que perguntavam por elle, que o homem era doente e estava em tratamento fôra da casa. Manuel Quaresma diz que Generoso o tentara já matar, e lhe dera algumas facadas de que apresenta signaes, em con-

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sequencia rio que fugira do casa e que fôra servir em casa de José Antonio Soares Dias.

Hontem dirigi me á roça de Generoso, acompanhado de Manuel Quaresma, e n'um pequeno recinto, no mato, rae indicou este, ter sido áquelle o logar da sepultura de Joio sem que precisamente a indique, porque a terra fóra muito calcada e ficou nivelada com o outro terreno.

Deixei pois ali uma força de policia para vigiar o terreno indicado, e conservo no calabouço de policia Manuel Quaresma ás ordens de V. s.ª,

Ponho A disposição de V. s.ª todos os instrumentos necessarios para exalações, e aguardo as suas ordens e por sete horas e meia da manhã.

Deus guarde a V. s.ª Administração do concelho em S. Thomé, 23 de junho de 1871. —111.100 sr. dr. delegado do procurador regio. — Francisco Abílio dos Santos Severino, administrador do concelho.

Copia. — Serie de 1869 — Administração do concelho da ilha de S. Thomé —N.° 106. —111.™ sr. — Constando-me agora mesmo pelo dr. delegado que hoje se apresentaram em juizo alguns escravos da viuva Freitas a participar que o caseiro tinha morto um preto e depois o enterrara, queira V. s.ª apresentar-se ámanhã de madrugada acompanhado de policia para prestar ao dr. juiz de direito que ahi deve ír para proceder a exumação de cadaver, a fim de lhe prestar o auxilio de que lhe carecer. Por esta occasião devo extranhar e fazer sentir a V. s.ª o não me ter feito a participação d'este crime que rae consta ser publico e notorio, e que jamais posso permittir estas omissões a quem. tem por dever e tem os elementos para saber dos crimes que se praticam no seu districto e que me devem ser immediatamente participados.

Deus guarde a V. s.ª Administração do concelho em S. Thomé, 15 de abril de 1869. — 111.º10 sr. regedor de Santo Amaro. — (Assignado.) Francisco Abílio dos Santos Severino, administrador do concelho.

Copia — Serie de 1868 — Administração do concelho da ilha de S. Thomé —N.° 274—Ill.mo sr. — Incluso envio a V. s.ª o auto do investigação a que se procedeu n'ella administração pela denuncia feita por Paschoid Barreto de Sousa e Almeida, contra José Maria de Andrade, por antonomásia Brandão, por esta lhe ter escravisado cinco homens livres que tinha a seu serviço, e que conseguindo ter hoje em seu poder dois d'elles de nomes Antonio e José, por lh'os ter agarrado na roça, e bem assim um do dito Brandão de nome Pedro, que declarava que o seu senhor tambem tinha em seu poder tres escravos pertencentes ao espelho do fallecido Manuel Domingos de Castro.

Procedendo eu as competentes averiguações sobre este facto, reconheceu-se que os pretos Pedro, Antonio e José, eram homens livres, segundo as declarações do queixoso e do dito Andrade, e bem assim Medrosa, Captando e Manuel, que pertenceram a Manual Domingos do Castro.

Ficam portanto á disposição de V. s.ª para os requisitar quando O achar conveniente, os pretos Pedro, Antonio e Medina, como consta do mesmo auto, deixando de terem sido apresentados n'esta administração, Caetano, Manuel e José, pelas rasões que do mesmo consta.

Sirva-se V. s.ª dizer-me, se as pretas as declaradas a devo conservar nas casas da policia, retidas até que V. s.ª mas requisite, ou se as devo mandar entregar ao presidente da junta protectora, visto que lhas estou abonando a ração diaria.

Deus guarde a V. s.ª — Administração do concelho em S. Thomé, 1 de setembro de 18(38, —Ill.mo sr. dr. delegado I da comarca. = (Assignado) Francisco Abilio dos Santos Severino, administrador do concelho.

Está conforme. — Administração do concelho em S. Thomé, 5 de abril de 1875. = O amanuense da administração, Henrique Wess da Costa e Almeida.

ORDEM DO DIA

Leu-se na mesa e entrou em discussão o seguinte Projecto do lei n.º 22

Senhores. — A vossa commissão de marinha, examinando a proposta n.º 17 - A do governo, indicando o contingente do recrutas do presente anno para o serviço no corpo de marinheiros, e vendo que é necessario completar o referido corpo que está muito longe do seu quadro legal, e que mais do falcado ficará com as baixas que devem dar-se ás praças que já completaram ou que completem o seu tempo de serviço, é de parecer que a referida proposta seja convertida em lei do estado, e por isso apresenta á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O contingente para o serviço da armada, relativo ao anno de 1875, é fixado em 971 recrutas.

Art. 2.° A distribuição do contingente pelos departamentos e districtos maritimos será feita conforme o mappa que faz parte d'esta lei, na proporção do numero de individuos recenseados em cada um dos mesmos departamentos e districto».

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da camara dos senhores deputados, 21 de fevereiro de 1876. = Joaquim José Gonçalves de Matos Correia = José Frederico Pereira da Costa —Joaquim José Alves = Hermenegildo Gomes da Palma = Carlos Testa—Carlos Eugenio Correia da Silva, relator.

Mappa do contingente de recrutas de marinhagem, relativo ao anno de 1875

Maritimos Recrutas Departamentos Districtos maritimos recensear- que

doa deve ter

“VER DIARIO ORIGINAL”

Sala da camara doa senhores deputados, 21 de fevereiro de 1876. = Joaquim José Gonçalves de Matos Correia — José Frederico Pereira da Costa = Joaquim José Alves — Hermenegildo Gomes da Palma—Carlos Testa—Carlos Eugenio Correia da Silva, relator.

Foi approvado sem discussão.

Leu-se na mesa e entrou em discussão o seguinte

Projecto do lei n.º 23 Senhores. —A vossa commissão de marinha, considerando devidamente a proposta de lei n.º 17-B apresentada n'esta camara pelo governo, com o fim de fixar a força de mar para o serviço no proximo anno economico de 1876— 1877, é de parecer que a dita proposta seja convertida em lei do estado, para o que tem a honra de offerecer ao vosso esclarecido julgamento o seguinte projecto de lei:

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Artigo 1.° A força de mar para o anno economico de 1876-1877, é fixada em 3:045 praças, distribuidas por 1 navio couraçado, 6 corvetas e 6 canhoneiras de vapor; 3 vapores; 1 fragata de vela, escola pratica de artilheria naval; 2 transportes de vapor e 1 transporte de vela; 1 vapor, 1 hiate e 1 cuter, para o serviço da fiscalisação das alfandegas.

Art. 2.° O numero e qualidade dos navios armados podem variar segundo o exigir a conveniencia do serviço, comtanto que a despeza total não exceda a que for votada para a força que se auctorisa.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da camara dos senhores deputados, 21 de fevereiro de 1876. = Joaquim José Gonçalves de Matos Correia = José Frederico Pereira da Costa —Joaquim José Alves = Hermenegildo Gomes da Palma—Carlos Testa = Carlos Eugenio Correia da Silva, deputado relator.

O sr. Mariano de Carvalho: — Como este projecto n.º 23 que se discute, diz no artigo 1.° que a força de mar para o anno economico de 1876-1877 á fixada em 3:045 praças distribuidas por differentes navios incluindo o couraçado, pergunto a s. ex.ª o sr. ministro da marinha, primeiro se durante a construcção do couraçado esteve em Inglaterra algum engenheiro assistindo a ella; e em segundo logar se é ou não exacto que o principal canhão d'aquelle navio é do systema Krupp, emquanto que o reparo é do systema Armstrong.

O sr. Ministro da Marinha: — O couraçado contratado n'uma das principaes fabricas, foi, em todos os pontos da sua construcção, acompanhado de officiaes de marinha nossos. O almirantado inglez aceitou o encargo de verificar se todos os pontos essenciaes do navio tinham a solidez necessaria.

Quanto ao armamento do navio, adoptou se as peças de Krupp e os reparos são de Armstrong, e por uma rasão muito simples, por ser navio barato.

O sr. Mariano de Carvalho: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Foi em seguida approvado o projecto. Leu-se na mesa o seguinte

Projecto de lei n.º 34

Senhores. — A vossa commissão de guerra examinou a proposta de lei n.º 28-C apresentada pelo governo, a qual tem por objecto fixar em 8:000 recrutas o resto do contingente para o exercito no anno de 1875 e chamar ao serviço mais 4:000 mancebos do contingente do anno de 1876, que é fixado em 10:000 recrutas.

Devendo pela carta de lei de 9 de setembro de 1868 ser de tres annos o serviço effectivo das praças de pret e portanto corresponder os contingentes á terça parte da força effectiva do exercito;

E sendo indispensavel, para haver a força effectiva reclamada pelas exigencias do serviço, ir supprindo, como se fez no anno proximo passado, a falta do contingente que deixou de ser fixado no anno de 1871;

É a vossa commissão de parecer que a sobredita proposta seja convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1," E fixado em 8:000 recrutas o resto do contingente para o exercito no anno de 1875, distribuidos pelos districtos administrativos do reino e ilhas adjacentes.

§ unico. Do mesmo modo e nos mesmos termos serão distribuidos 4:000 recrutas do contingente do anno de 1876, que é fixado em 10:000 recrutas.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 3 de março de 1876. = D. Luiz da Camara Leme — Hermenegildo Gomes da Palma = José Frederico Pereira da Costa = João Maria de Magalhães= Antonio José d'Avila = Antonio Manuel da Cunha Belem = José Joaquim Namorado, relator.. O sr. Pedro Franco: — Vou mandar para a mesa um

additamento a este projecto para que não continue o abuso que se está dando na lei do recrutamento. (Leu.)

Estão-se chamando recrutas dez e doze annos depois de recenseados. O resultado é, que muitos individuos, que já não contavam ser chamados ao exercito, têem casado, Icem familia e são obrigados a assentar praça. Ora este estado de cousas é impossivel continuar. (Apoiados.) E visto que o governo não traz á camara uma lei de recrutamento, para obviar a estes abusos e graves inconvenientes, eu apresento o meu additamento, que peço á commissão que o não considere como partido da opposição, mas como partido de um deputado d'esta casa, que deseja que as leis sejam bem feitas, e se obste aos abusos que constantemente se estão dando. (Apoiados.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Tres annos depois de promulgada esta lei não poderá ser chamado a assentar praça recruta algum d'este contingente. = Pedro Augusto Franco.

Foi admittida.

O sr. Camara Leme: — Sendo membro da commissão de guerra e tambem da do recrutamento, declaro que a ultima está tratando de uma proposta identica á que o illustre deputado, o sr. Pedro Franco, acabou de enviar para a mesa; por isso, em nome d'esta commissão, declaro que havemos de considerar a proposta do illustre deputado, não só n'essa commissão como na de guerra.

N'estes termos parece-me que a camara poderia approvar o projecto em discussão, independentemente da proposta.

Parece-me, pois, que a camara póde approvar este projecto sem prejuizo da proposta do illustre deputado, que entendo deve ser remettida á commissão do recrutamento. (Apoiados.)

Em seguida foi approvado o projecto.

O sr. Presidente: — A proposta apresentada pelo sr. Pedro Franco vae ser remettida á commissão do recrutamento.

Leu-se na mesa e entrou em discussão o seguinte

Projecto de lei n.º 35

Senhores. — A vossa commissão de guerra examinou a proposta de lei n.º 28-B apresentada pelo governo, a qual tem por objecto fixar, no corrente anno, a força do exercito em 30:000 praças de pret de todas as armas.

E observando que esta força corresponde ao pé de paz, segundo o plano de organisação do exercito, auctorisado pela carta de lei de 23 de junho de 1864, que é a mesma que tem sido votada nos annos anteriores, e que para attender ás condições economicas hão de ser licenceadas todas as praças, que podem ser dispensadas sem prejuizo do serviço: é de parecer que a referida proposta deve ser convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A força do exercito é fixada no corrente anno em 30:000 praças de pret de todas as armas.

Art. 2.° Será licenciada toda a força que poder ser dispensada, sem prejuizo do serviço.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, 3 de março de 1876. =D. Luiz da Camara Leme=Hermenegildo Gomes da Palma ¦= José Frederico Pereira da Costa = João Maria de Magalhães = Antonio José d'Avila = Antonio Manuel da Cunha Belem = José Joaquim Namorado, relator.

O sr. Pedro Franco: — Não vejo presente o sr. ministro da guerra, todavia estou convencido de que qualquer dos srs. ministros poderá responder a uma pequena pergunta que desejo dirigir-lhe, e é se s. ex.ª tenciona licenciar a reserva, ou se tenciona continuar a tê-la em armas.

Ouvi dizer ao sr. ministro da guerra, que a reserva estava em armas, em consequencia da guerra de Hespanha;

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ora tendo ella terminado, desejava saber quaes eram as intenções do governo a similhante respeito, para ver a fórma porque hei de votar este projecto.

A despeza com a reserva orça por 800:000$000 réis, e é importante gastar-se desnecessariamente uma verba destas, quando vejo regatear um pequeno augmento a funccionarios mal retribuidos e que prestam excellentes serviços, augmentando consideravelmente a receita publica.

O sr. Ministro da Marinha: — A indicação do illustre deputado não tem directamente nada com o projecto em discussão. Esta opinião será de certo apreciada detidamente pelo parlamento, logo que o sr. ministro da guerra aqui venha; devendo eu desde já responder, que segundo e conforme as necessidades e circumstancias do paiz, se licenciará a reserva opportunamente, tendo-se sobre tudo em attenção, primeiro a defeza do paiz, e em segundo logar a economia; porque para mim a defeza do paiz está acima da economia. (Apoiados.)

Foi approvada a generalidade, assim como o artigo 1°, e em seguida entrou em discussão o

Artigo 2.°

O sr. Pedro Franco: — É sobre este artigo que desejo insistir novamente com o sr. ministro da marinha; porque s. ex.ª acaba de dizer que a minha proposta não tem nada com este projecto.

Eu entendo que tem muita relação com este artigo 2.°, que diz: que será licenceada a parte que for desnecessaria.

Desejava, pois, que s. ex.ª me dissesse cathegoricamente se entende que ainda é necessario que a reserva continue em armas. S. ex.ª, que tomou a defeza do sr. ministro da guerra, parece-me dever estar habilitado para dizer peremptoriamente se julga ou não que ainda seja necessaria a reserva em armas, como se estivessemos em guerra aberta com alguma nação estrangeira.

O sr. Ministro da Marinha: —Já respondi ao illustre deputado, e ainda mais responde a s. ex.ª o artigo do projecto em discussão.

Toda a reserva, quando não seja necessaria, será licenciada; e posso assegurar ao illustre deputado, que todos os soldados da reserva que têem pedido licença, tem-lhes sido concedida.

O sr. Camara Leme: — O artigo que está no projecto, é reproduzido todos os annos. Isto é para limitar a despeza. (Apoiados.)

O sr. Pedro Franco: — Pois é o que eu desejo, e que se não continuem a gastar os 800:000$000 réis.

O Orador: — O sr. ministro já disse que a reserva ha de ser licenciada, e creio que toda a reserva está licenciada, menos os soldados que preferiram ficar nas fileiras.

O sr. Barros e Cunha: — Peço desculpa á camara de tomar n'esta occasião a defeza do governo.

Quando na discussão do orçamento do ministerio da guerra tomei a palavra n'aquelle debate, foi declarado pelo sr. ministro da guerra, sobre o ponto que actualmente se discute, que tinham sido expedidas as ordens mais terminantes para a reserva ser completamente licenciada. Por consequencia, isto dá a idéa de que a reserva não serve, e de que se algum soldado ainda existe na reserva, é unicamente porque por falta de meios prefere conservar-se no serviço militar.

Foi isto o que me foi afirmado, e n'estas condições, não posso crer que o artigo que vem inserido n'esse projecto, possa auctorisar o governo a conservar a reserva debaixo de armas. (Apoiados)

Não tendo elle esse alcance, a restricção é inutil. (Apoiados.)

Foram approvados os artigos 2.º e 3.º

Leu-se na mesa e entrou em discussão o seguinte

Projecto de lei n.º 37 Senhores. — A commissão de negocios ecclesiasticos foi Sessão de 13 de março

presente a proposta de lei n.º 28-1, datada de hontem, na qual o governo pede ser auctorisado a proceder, de accordo com a santa sé, a uma nova circumscripção de dioceses, supprimindo-se e annexando-se as que não deverem ser conservadas e assignando-se limites ás que houverem de subsistir.

Comprehende a proposta outras disposições que, sendo consequentes da auctorisação solicitada, têem por fim organisar convenientemente as cathedraes, prover á sorte do pessoal dos bispados que deixarem de existir, estabelecer base certa para a distribuição dos haveres das mitras, cabidos, fabricas das sés e seminarios das dioceses não conservadas, e attender ás exigencias do culto, do ensino nos seminarios e dos governos ecclesiasticos por meio das apresentações dos beneficios capitulares que, no sentir dos prelados, forem necessarios, e actualmente não podem fazer-se pela prohibição do decreto com sancção legislativa de 12 de novembro de 1869.

Como providencia de que dependem, ou a que todas as outras são subordinadas, é a principal a que respeita á pedida auctorisação.

Seria por demais encarecer quanto importa adaptar ás conveniencias do serviço, do interesse religioso e social, e do ensino ecclesiastico, as condições das dioceses, para que nem a excessiva grandeza prejudique o seu bom regimen, nem o acanhamento de territorio e população torne menos uteis os encargos que seriam mais proficuos em mais vasta circumscripção. Se não bastassem para demonstrar a importancia do assumpto, o cuidado com que o governo procurou habilitar-se com a auctorisação da lei de 29 de maio de 1843, o reconhecimento da necessidade de providencias novas, consignado no convénio de 21 de outubro de 1848, a proposta de lei de 28 de fevereiro de 1850, e finalmente a lei de 3 de agosto de 1853, que limitou as faculdades concedidas pela já citada de 29 de maio de 1843, levariam a convicção aos espiritos que menos se tivessem occupado d'este negocio, os relatorios que justificaram as propostas do governo nas diversas epochas da apresentação d'ellas, e o que fundamentando o decreto de 12 de novembro de 1869 sobre a materia sujeita, duplicadamente se assignala pelas largas noticias que encerra, e pela elevação das considerações ali desenvolvidas, as quaes, não restrictas ao pensamento das economias, se acham bem completadas pelas do relatorio que antecede a proposta de que se trata.

A commissão sabe que não consiste sómente na approximação das condições numéricas da população a boa divisão ecclesiastica do territorio; mas reconhece igualmente que na area do continente não variam de tal modo as outras circumstancias que possa por momentos sustentar-se uma circumscripção que apresenta as desproporções seguintes:

Dioceses Parochias Fogos Almas

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DE mais, nem se poderia reputar bem feita qualquer nova divisão, que apenas repartisse menos desigualmente a população, porque, demandando cada diocese a satisfação de encargos necessarios para a manutenção de cada uma, a exageração do numero d'ellas, e importaria despezas, senão superfluas, pelo menos pouco justificaveis.

Examinando o modo do ser das circumscripções ecclesiasticas de outras nações, offerece-se naturalmente para elemento de comparação, pela proximidade de circumstancias, a Belgica; onde cinco bispados; constituindo com á metropole de Malines uma só provincia, Satisfazem cabalmente as necessidades da administração espiritual da communidade catholica; e fica pelo exemplo bem justificada á proposta. Mas se se comparar o numero das dioceses dó. reino com as da Baviera, que comprehende duas metropoles com seis suffraganeas, da vizinha Hespanha, da França e do vasto imperio do Brazil com apenas doze dioceses suffraganeas da igreja metropolitana e primaz de S. Salvador da Bahia; attendendo ás diversas condições de população, limites de territorio, diversidade de cultos e maior ou menor dispersão ou agglomeração das povoações d'aquelles estados, não fica menos manifesto que á existencia de dezesete dioceses no continente de Portugal. além de duas nas ilhas adjacentes, não é reclamada por vencimento de qualquer ordem.

Considerações analogas fizeram já que no seculo passado se supprimissem alguns bispados, por serem demasiado numerosos os que havia, e parto dos quaes deviam, talvez, a sua creação a instancias, hão determinadas sómente, ou principalmente por motivos de conveniencia Religiosa.

No presente acresce a consideração, sobre todas ponderosa, no dizer do relatorio da proposta, para aconselhar a tratar com a Santa Sé a reducção do numero das dioceses, a qual consiste na necessidade de desenvolver o estudo, e assegurar a educação dos ordenandos nos seminarios.

Faltam recursos para a sustentação de tantos estabelecimentos quantos existem actualmente, seminarios e cursos de sciencias ecclesiasticas, um em cada diocese. Vivem todos, é verdade, mas poucos se acham habilitados para corresponder aos seus fins, alguns estão longe do que rasoavelmente póde e deve esperar-se, e em outros faltam as condições mais essenciaes para educar e formar clero habilitado para illustrar com a palavra e aconselhar com o exemplo.

A commissão examinando documentos de que não é preciso fazer largas transcripções porque se acham publicados na folha official, póde apreciar, em vista de dados estatisticos, quanto melhor serão aproveitadas as quantias que actualmente se despendera com a instrucção é educação eclesiástica, quando destinada a subsidiar um rasoavel numero de seminarios.

Estes estabelecimentos e os cursos ecclesiasticos das dioceses foram no anno lectivo de 1873-1874 frequentados no continente do reino e ilhas adjacentes por 1:816 alumnos, dos quaes 1:101 externos e apenas 715 internos.

As despezas do pessoal docente o administrativo com relação a cada alumno variam tanto de diocese pára diocese C com tanta desvantagem para algumas em rasão do pequeno numero dos que frequentaram as aulas, que, a não querer denominar-£e desperdicio grande o modo como a força das circumstancias obriga a despender as sommas applicadas ao ensino ecclesiastico, é pelo menos evidente que, mais vantajosamente se poderão empregar quando, reduzidas as dioceses a justas proporções, o numero dos seminarios não for além do necessario.

Por todas estas rasões acha k commissão da maxima conveniencia habilitar o poder executivo para tratar de uma nova circumscripção diocesana.

Nas providencias que se referem á collocação dos membros das corporações capitulares e funccionarios empregados nas cathedraes das dioceses que se supprimirem e ao destino dos haveres das mitras, cabidos e fabricas, e seminarios das dioceses, a proposta conforma-se inteiramente com as regras de justiça e de equidade a que geralmente attendem as leis de reformas, que não perdem, antes ganham auctoridade quando respeitam interesses legitimamente creados que, pelo caracter de transitorios, em nada prejudicam as mesmas reformas.

A commissão, coherente com esse pensamento, julgou dever considerar tambem uma classe pouco numerosa, mas cujos interesses devem encontrar na lei algum favor. Trata-se dos professores de sciencias ecclesiasticas das diocese que tiverem de ser supprimidas; e coalhaste o favor em permittir-se lhes admiração aos concursos para provimento de beneficios parochiaes, embora lhes faltem algumas dás condições necessarias segundo os regulamentos actuaes, em quanto vigorarem. A graduação academica Ò o exercicio do magisterio justificam, senão cabalmente á dispensa.

Entende finalmente a commissão que, para fundamentar a auctorisação que sé pede na proposta para alguns provimento» de beneficies nas cathedraes, basta considerar que, tendo se executado rigorosamente desde" a publicação do decreto de 12 de novembro de 1869, a disposição que prohibiu as novas apresentações emquanto se hão reduzirem os Cabidos e se fixarem os respectivos quadros, as Vacaturas têem successivamente crescido, são já grandes da faltas, e tornar se hão cada vez maia sensiveis, com prejuizo do culto, do ensino e dás necessidades do governo das dioceses, se não se lhes acudir com adequada providencia.

Parece portanto á vossa commissão que a proposta do governo, de accordo com este acrescentada pelo modo já referido, deve ser approvada nos termos do seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E ò governo auctorisacão á proceder, de accordo com a santa sé apostolica, á annexação, reducção e nova circumscripção das dioceses do reino.

Art. 2.º Effectuada a reducção das dioceses, em conformidade do artigo antecedente; proceder-se-ha, pelos meios legaes, á fixação doa quadros capitulares das cathedraes subsistentes.

§ 1.° As dignidades, conegos e maia ecclesiasticos que tiverem beneficio nas cathedraes das dioceses annexadas, serão addidos ás corporações capitulares subsistentes, até poderem ser collocados nos beneficios que "nas respectivas classes, vagarem.

§ 2.° Emquanto se não realisar a reducção das dioceses e a fixação dos quadros capitulares, não serão providos os beneficios vagos, exceptuados aquelles que, precedendo representação dos prelado?, de julgarem precisos para a decente sustentação do culto, necessidades do ensino nos seminarios, ou do governo das respectivas dioceses.

§ 3.° Os funccionarios das dioceses annexadas serão, tanto quanto for possivel, collocados pela ordem do seu merecimento, antiguidade e serviços nos logares analogos, que vagarem nas dioceses subsistentes. Se o provimento depender de concurso, terão apenas preferencia aos outros concorrentes em igualdade de circumstancias.

§ 4.º Os professorei de disciplinas ecclesiastica doa seminarios e cursos das dioceses annexadas, sendo graduados nas faculdades de theologia ou direito pela universidade de Coimbra, serão admittidos como concorrentes de primeira classe, nos termos dos regulamentos em vigor, emquanto subsistirem, aos concursos para provimento de beneficios parochiaes, em que requererem apresentação.

Art. 3.° Os haveres das mitras, cabidos, fabricas das cathedraes e seminarios das dioceses que deixarem de subsistir, serão integral ou parcialmente adjudicados ás mitras, cabidos, fabricas das cathedraes e seminarios das dioceses a que as supprimidas forem total ou parcialmente annexadas.

Art. 4,º O governo dará conta ás côrtes, nas subsequentes sessões legislativas, da execução da presente lei. Art. 5,° Fica revogada á legislação em contrario,

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Sala das sessões da commissão de negocios ecclesiasticos, em 3 de março de 1876. = Luiz Frederico Bivar Gomes da Costa = Augusto Neves dos Santos Carneiro = Manuel d'Assumpção = Manuel Augusto de Sousa Pires de Lima (com declarações) = Manuel Maria de Mello e Simas = Julio Marques de Vilhena = Luiz de Freitas Branco, relator = Tem o voto do sr. Marçal de Azevedo Pacheco.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Desejo simplesmente dirigir uma pergunta ao sr. ministro da justiça, o essa pergunta resume se assim: pergunto a s. ex.ª se em virtude da concordata que existe entre Portugal e a curia romana, foi necessario que o governo portuguez fizesse algumas concessões para alcançar que não se levantassem difficuldades da parte da curia. Se o governo não fui obrigado a fazer concessão alguma á curia romana para por parte d'ella não se levantarem difficuldades contra a reducção de dioceses que tinha sido pedida, cuja necessidade tem sido demonstrada e. que eu reconheço, n'esse caso, nenhuma duvida teve em declarar que voto o parecer que está em discussão; mas se o governo tem de fazer alguma concessão, peço ao illustre ministro que diga franca, clara e cathegoricamente qual a natureza e o alcance d'essas concessões, se por ventura existirem, para que o debate fique bem esclarecido. Formulei a minha pergunta e espero a resposta.

O sr. Ministro da Justiça (Barjona de Freitas): — Disse que a necessidade da reducção das dioceses tem sido reconhecida por todos os governos, como o é pelo actual, e que a santa sé, reconhecendo tambem essa necessidade, presta-se a concordar com o governo n'uma reducção rasoavel; declara cathegoricamente ao illustre deputado, que não ha concessão nenhuma por parte do governo feita á santa sé, em troca da sua annuencia á reducção das dioceses.

O sr. Pires de Lima: — Eu pedi a palavra o vou usar d'ella, não para impugnar ou para defender o projecto que entrou em discussão, mas unica e simplesmente para expor os motivos porque assignei com declarações o parecer da commissão e ao mesmo tempo justificar o voto que tenho a dar sobre este objecto, que por muitas considerações reputo momentoso e grave.

Começo por declarar que me agrada o principio fundamental da proposta do governo, a qual eu aceito e approvo sem grandes repugnancias. Reduzir a proporções mais modestas o numero evidentemente exaggerado das dioceses actuaes e distribuir mais proporcionalmente e com mais igualdade pelos bispados que ficarem subsistindo, as freguezias de que actualmente se compõe o pai?, é uma necessidade real e instante, reconhecida ha muita tempo, confessada por todos os homens que lêem pensado seriamente nos assumptos mais graves da governação publica, e que não precisa ser abonada com grande cabedal de rasões.

Temos actualmente no continente do reino e ilhas adjacentes, dezenove bispados. As primeiras tentativas para supprimir alguns datam do W33. Desde então até hoje essas tentativas tem continuado quasi sem interrupção, e se não lograram colher bom exito, não devo isso ser motivo para increpações, nem objecto para censuras dos homens que lidaram em levar a cabo esta reforma, pela qual todos anceiam e que é evidentemente reclamada pela opinião publica.

Ás vezes, póde mais do que a vontade energica, do que o trabalho incessante, e do que a solicitude diligente a força irresistivel das circumstancias.

No largo periodo do trinta a quarenta annos, que tantos são os que decorrem desde 1833 até hoje, a idéa fundamental d'esta proposta tem sido largamente debatida Da imprensa, no parlamento e nos conselhos da corôa, e não ha partido algum, não ha publicista ou estadista eminente em Portugal que não tenha sobre ella pronunciado a sua opinião e declarado o seu voto. E, cousa notavel, ao passo que entre os differentes partidos politicos ha ás vezes abysmos profundos no que respeita aos artigos doa seus programmas, n'esta materia ha uma perfeita consonância de opiniões, de modo que ha de ser difficil encontrar dois alvitres dificil entes. dois pensares encontrados.

E não admira similhante unanimidade. Temos dioceses da mais, e para o provar bastará não esquecer as lições que fornece a historia patria e não desprezar os exemplos, que estranhos nos offereceram.

Em tempos remotos, quando eram tão animados como hoje ou maia ainda, os sentimentos religiosos do povo portuguez, quando se talvez mais robusta a sua crença, mais viva a sua fé, e mais firme e solida a prosperidade nacional, quando a fama do nosso nome e a reputação da nossa brilhantíssima gloria chegavam até aos confins do mundo, e quando alem de tudo isto as differentes povoações do paiz estavam como que sequestradas umas das outras pela falta de vias de communicações regulares h faceis, nós tinhamos um numero de bispado s muito inferior aquelle que hoje possuimos. E com isso não soffriam damno, nem os interesses da igreja, nem as conveniencias do estado. É verdade que mais de uma vez se tentou o conseguiu erigir novas diocese», mas é tambem verdade que muitas d'ellas erradas talvez para satisfazer necessidades politicas ephemeras e passageiras, deixaram do subsistir, porque essas necessidades desappareceram,

Se olharmos para a Belgica, para a França o para a nossa vizinha Hespanha, e cotejarmos com a do nosso paiz a população d'estas nações, facilmente encontraremos que na primeira o numero dos bispados é inferior quasi sete, na segunda quasi quatro, na terceira quasi tres vezes ao que actualmente contamos no reino o nas ilhas adjacentes.

Bem sei que n'aquelles doía paizes ao lado dos catholicos se encontra grande numero de sectarios de outras crenças, mas sei tambem que o numero doa primeiros é o que mais avulta e avulta extraordinariamente; e pelo que respeita á Hespanha ninguem dirá que a sua adhesão ao catholicismo seja menos sincera ou menos geral do que entre nó?.

As licções, pois, da historia patria e os exemplos de estranhos este naturalmente indicando a necessidade de se reduzir o numero actual das nossas dioceses.

E grande, é nobre e é elevado o principio religioso. Diante d'elle devem esmorecer, e perder grande parte da sua força, ar. considerações financeiras,

Não são porém estas de tão tomemos valor, ou de interesso tão secundario que devam ser completamente esquecidos, ainda tratando-se d'este assumpto.

Ternos dezenove bispados. D'estes, alguns não estão em condições normaes. Conserval-os como se acham, nem é muito util para a religião, nem extraordinariamente conveniente para a sociedade. Melhorar as suas circumstancias e colloca-los em estado da corresponderem todos dignamente ao seu fim, affigura-se-me emprehendimento, quando não superior absolutamente aos recursos do thesouro, ao menos arduo e muito difficil apesar da prosperidade sempre crescente, tão apregoada pelo governo e seus defensores, da fazenda publica. E depois eu estou muito longe do crer que tão pesado sacrificio seja exigido ou pelo explendor da religião, ou pelo decoro e magestade do culto, nu pelos commodos espirituaes dos fieis, ou pelas conveniencias temporaes dos povos, ou pelas necessidades, emfim, da boa e regular administração e regimen ecclesiastico.

Muitos dos nossos bispados não estão em circumstancias normaes. O governo d'elles está confiado a prelados efémeros, os quaes pela falta de estabilidade não têem o prestigio e a força absolutamente indispensaveis para se desempenharem dignamente da sua missão. Diocese:1 tambem ha, em que não existe cabido, o qual com o seu voto e o seu conselho coopere no regimen d'ellas; em muitas, falta um seminario, onde os alumnos que se destinam ao ministerio da igreja, recebam a instrucção e a educação convenientes; e n'algumas é tal a escacez dos meios ne-

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cessarios para o culto, que as solemnidades religiosas celebradas na cathedral cedem em brilho e explendor ás que se fazem em humildes templos de freguezias sertanejas.

Conservar dioceses nas circumstancias que acabo de esboçar, nem é decoroso nem conveniente. Eleva-las ás condições ordinarias de verdadeiros bispados, demanda do thesouro publico sacrificios enormes, cuja necessidade impreterivel mal activo como possa defender-se.

Assim, pois, parece-me acto de grande e louvavel sensatez o tratar quanto antes de effectuar pelos meios competentes a reducção dos nossos bispados.

Ao lado d'esta reducção e juntamente com ella deve vir a reforma da actual circumscripção diocesana, a qual está cheia de defeitos, entre os quaes sobresáe o da desigualdade na distribuição das freguezias.

Veja-se, por exemplo, o pequeno e microscópico bispado de Portalegre com as suas 35 freguezias apenas, e compare-se com o vasto e amplo arcebispado de Braga, o qual comprehendendo toda a opulenta provincia do Minho, e ainda uma parte consideravel de Traz os Montes conta ao todo 1:263 parochias!

Por mais levantados que sejam os recursos de um prelado, por mais peregrinos que sejam os seus dotes, por mais assidua que seja a sua vigilancia, por mais improbo que seja o seu trabalho, por mais escrupuloso que seja o seu cuidado de se sequestrar do que não for directa, e proximamente attinente a assumptos da governação do seu bispado, por mais numerosos emfim, e mais diligentes que forem os seus cooperadores, eu não creio que elle possa cumprir devidamente a sua missão tendo de governar 1:263 freguezias. E se se entende que uma diocese do reino póde extender-se por tão vasto territorio, comprehender tal abundancia de freguezias,.e conservar dimenções d'este modo gigantes e collossaes, então forçoso é confessar que as outras que actualmente lho são inferiores em grandeza, ou devem ampliar se até lhe ficarem iguaes, ou devem supprimir-se annexando-se ás vizinhas.

Cumpre pois cuidar seriamente em reduzir as dioceses e ao mesmo tempo em alterar a sua circumscripção.

É para realisar estes dois melhoramentos, que o governo vem pedir ás camaras auctorisação, á qual não assigna limites ou condições algumas. Tambem não serei eu que lh'os marque ou imponha.

Comprehendo que seria difficil ao governo, ou talvez impossivel, entrar era accordo com a santa sé, ce por ventura não se lhe deixasse a liberdade amplissima de entabolar com ella negociações sobre este assumpto.

Pela minha parte não posso recusar a auctorisação pedida, mas concedendo-a não fico isento completamente de apprehensões e receios.

V. ex.ª sabe, e creio não ser novidade para pessoa alguma, que eu não tenho confiança no actual gabinete. É por isso que eu não espero que elle no uso d'estas faculdades sem restricções, que o parlamento lhe não negará certamente, se inspire sempre dos principios da justiça e das conveniencias dos povos, e deixe de olhar algumas vezes para os interesses partidarios e para as conveniencias politicas do grupo a que pertence e que representa no poder.

Dou ao governo actual as faculdades que elle solicita, mas da-las-ia de melhor grado a amigos e correligionarios meus. Como porém eu não desejo de modo algum que se conserve o estado actual, como tenho para mim que é crescido o numero das dioceses e imperfeita e irregular a sua circumscripção, como alem d'isso estou convencido que é este o ensejo mais opportuno para levar a cabo esta reforma, ha tanto tempo reclamada por todos, e a favor da qual se tem pronunciado tão geralmente a opinião publica, não posso n8tn devo tomar a responsabilidade de com o meu voto, ou com a minha palavra, contribuir para addiar a realisação d'este melhoramento.

Alem disso o governo, ainda depois de approvada esta

auctorisação, não fica habilitado a realisar só por si a reforma que intenta fazer.

Ao lado d'elle estará a santa sé com quem vae entrar em negociações, e eu confio que está pairando em regiões elevadas e onde não tem accesso as intrigas politicas que nos dividem, attenderá unicamente aos interesses legitimos e ás necessidades reaes da igreja e do estado, e repellira quaesquer pretenções do governo que não assentem na base solida e respeitavel do bem da religião e da sociedade.

A santa sé pelo seu representante n'esta corte está bem informada das circumstancias geraes do paiz e das necessidades da igreja lusitana, e portanto, na reducção e annexação dos bispados não hade querer nem consentir se não o que for mais justo e conveniente.

Na distribuição das freguezias pelos bispados que ficarem subsistindo e na a8signação dos limites de cada um, póde em verdade haver abusos do governo, porque os conhecimentos da santa sé provavelmente não se entendem a pormenores tão minuciosos, mas quaesquer que sejam as condescendências ou caprichos do illustre ministro não receio que a futura circumscripção seja mais imperfeita e monstruosa do que a actual. Peor não podemos ficar, e toda a esperança é de que havemos de melhorar.

E isto basta, emquanto ao assumpto principal da proposta que se discute.

Agora seja-me permittido que chame a attenção do illustre ministro da justiça para outros assumptos pertencentes á sua pasta, os quaes têem com este ligação mais ou menos directa.

O illustre ministro já n'esta casa se gloriou de ter associado o seu nome a differentes reformas importantes. Pena é que não podesse tambem affirmar, que tinha realisado todas as reformas indispensaveis, ou pelo menos attendido a todas as necessidades mais urgentes da pasta que gere. Aproveito a occasião para apontar algumas. E faço votos para que não seja improfícuo o meu trabalho.

A primeira é a dotação parochial. E difficil encontrar uma classe tão prestadia, tão util e ao mesmo tempo tão mal remunerada do seu incessante lidar como a dos pastores de almas. (Apoiados.)

O parocho toma o homem no berço e acompanha-o até ao tumulo; abre-lhe as portas da igreja e abre-lhe as portas da eternidade; acompanha-o nos momentos de maior alegria e jubilo para lhe inspirar moderação e não o desampara nunca nos longos dias de tribulação e angustia, para que lhe não falte o animo e a fortaleza. (Vozes: — Muito bem.)

Allumia-lhe a intelligencia, ensinando-lhe os principios sublimes da fé, purifica-lhe o coração, lavando-o pelo arrependimento e pelo perdão das manchas que o conspurcara, fortifica-lhe e robustece-lhe a vontade pelos conselhos que lhe dá, pelas exhortações que lhe faz, pelas duvidas que lhe dissipa e pelos exemplos com que o edifica.

Para os empregados civis e para os demais funccionarios ecclesiasticos ha horas marcadas de trabalho e dias certos de repouso, mas para o pobre parocho, nem as noites desabridas, nem as estações rigorosas, nem frios excessivos, nem calores intensos, nem o gelo, nem as tempestades podem servir de desculpa para demoras e muito menos ainda para recusas, quando em nome da religião de que é ministro, reclamam os seus serviços.

O pobre parocho deve estar sempre prompto não só para occorrer ás necessidades espirituaes dos fieis, se não ainda para desempenhar muitas funcções que o estado lhe impõe, funcções que são completamente alheias ao seu ministerio e pelo desempenho das quaes não recebe retribuição alguma.

A classe parochial é geralmente mal remunerada. Reconhecem-no todos.

Raro tem sido o discurso da corôa, raro o programma ministerial que não tinha fallado da dotação do culto e do clero. (Apoiados.)

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Essa promessa tem sido feita muitas vezes, e tantas vezes tem sido feita, quantas -vezes tem sido malograda. (Apoiados.) Hoje já ninguem crê e quem mais duvida é a classe parochial.

. Sei bem as difficuldades que essa providencia encontra e creio as quasi invencíveis.

Não peço ao sr. ministro que traga aqui uma proposta de lei para dotar convenientemente o culto e o clero, mas peço que ao menos pense no modo de melhorar as condições em que se encontra a maioria dos parochos. (Apoiados.)

Em 1839 e 1841 é que foram publicadas as leis que regulam as congruas.

Estas leis exigem que os arbitramentos então feitas permaneçam os mesmos e não se alterem, emquanto não vier uma lei geral da dotação.

Mas desde 1841 até hoje quanto não têem mudado as circumstancias economicas do paiz? Quanto não têem augmentado as obrigações e o trabalho do clero parochial? Mas, ao passo que tudo tem mudado, permanece sempre inalteravel a remuneração dos desgraçados parochos. (Apoiados.)

A mim affigura-me justa e racionavel a revisão, não obrigatoria, mas facultativa, das congruas. Se alguns parochos se queixam, permitta-se a feitura de novo arbitramento das suas congruas, e para evitar patronatos e favoritismos con8Íntam-se e recebam-se dos parochos e dos freguezes recursos da junta das congruas para tribunaes superiores.

Lembro isto ao sr. ministro da justiça, e espero que s. ex.ª estudará com pausa este assumpto, e que nos poucos dias que restam para se encerrar o parlamento, ou no anno seguinte, se estiver ainda nas cadeiras do poder, traga a este respeito uma proposta á camara.

Chamo tambem a attenção de s. ex.ª para o registo parochial, o qual sobre preencher cabalmente o fim para que é destinado, suppor alem d'isso a falta do registo civil, que por ora apenas existo nos artigos do codigo e nos desejos e aspirações de parte do publico.

O registo parochial dá grande trabalho aos parochos e aos arcyprestes. Aquelles não recebem paga por este serviço, nem ha lei que lh'a mande dar; estes nem sempre a recebem, porque são contradictorias e encontradas as portarias expedidas sobre o assumpto pelos dois ministerios do reino e dos negocios ecclesiasticos.

É necessario que se adopte alguma providencia legislativa, na qual se attenda ás justissimas reclamações dos primeiros; assim como urge pôr termo ás duvidas, que todos os dias se levantam a proposito dos emolumentos dos arcyprestes. Esta segunda questão é facil, e nas attribuições do governo está o resolve-la.

Tambem convém' não perder de vista, nem esquecer o modo por que são feitos actualmente os provimentos nos beneficios curados. O decreto de 2 de janeiro de 1862, que o regula, exige alteração prompta e grande.

É sabido que no provimento das parochias raras vezes tem logar o concurso de provas publicas, e quasi sempre se recorre ao concurso documental, de modo que mais vale para o effeito da apresentação a antiguidade e serviços, do que o merito real dos pretendentes. Este systema produz resultados deploraveis. Aquelles que tiveram a infelicidade de nascer mais tarde, havendo entrado ha pouco na carreira ecclesiastica, conhecendo por experiencia que para o despacho se (lha principalmente aos annos de serviço e se esquece a illustração e cultura intellectual dos pretendentes, vão pouco a pouco perdendo o amor do estudo e a dedicação aos livros, e esta perda, diminuindo o prestigio e o préstimo do clero, não póde senão trazer detrimento á religião e á sociedade. Quantos ecclesiasticos, distinctos pelo seu talento e instrucção, não são preteridos por quem bó póde allegar em seu favor o ter já cãs e rugas? E estas preterições injustas, a que o decreto de 2 de janeiro conduz fatalmente, serão acaso asadas para favorecer a illustração do clero? Respondam os factos.

E já que fallei da illustração do clero, não esquecerei o dizer alguma cousa a respeito dos seminarios.

Aquelles que se dedicam ao ministerio da igreja precisam receber não só instrucção conveniente mas tambem educação religiosa apropriada, e esta não se póde conseguir quando apenas se frequentam as aulas ecclesiasticas, e não se vive em commum com os demais ordinandos, sequestrado do convivio social e n'um edificio acommodado.

Sei que a inspecção suprema dos seminarios e a iniciativa do seu melhoramento pertence aos prelados, mas são tão escassos os recursos de que elles dispõem geralmente, que se o governo não correr a ajuda-los nos seus bons desejos, mal poderão vê-los realisados.

Queria occupar-me agora da necessidade de estabelecer uma tabella que regule os emolumentos das camaras ecclesiasticas, e fallar ainda de outros assumptos, mas como não desejo ser muito extenso, vou já concluir dizendo apenas poucas palavras sobre o modo por que actualmente são solicitados e obtidos os breves pontificios, especialmente os de despensas de matrimonio.

Em Hespanha esses breves são solicitados pelo governo, em França pelos prelados, e em Portugal por uns procuradores especiaes, a que se dá o nome de banqueiros, os quaes muitas vezes exigindo emolumentos avultados, prejudicam as partes, tornam por isso odiosas as dispensas e desacreditam a religião. Para acabar com estes inconvenientes é necessario que se substitua o systema actual, usado entre nós, pelo do França ou pelo de Hespanha, ou por outro qualquer. As cousas como estão não devem continuar a permanecer, não só para evitar ao povo despezas exageradas, mas ao mesmo tempo para garantir de uma maneira incontroversa a autenticidade dos breves e dos rescriptos pontificios. São serios os assumptos a que elles respeitam, e deve portanto haver todas as cautelas.

E robusto o talento do illustre ministro da justiça; d'elle ha dado abundante documento nas lides da imprensa e nas lides do parlamento, nas cadeiras do magisterio e nas cadeiras do governo, no gabinete de ministro e nos conselhos da corôa. Mas já que é tão feliz o seu engenho que para tudo póde chegar, bom será que o applique tambem a estas reformas que indiquei.

As honras ministeriaes quando são desacompanhadas de serviços incessantes prestados ao paiz, podem lisongear a propria vaidade, mas nunca dão direito á estima e á gratidão da patria. Trabalhe pois o nobre ministro, e assim satisfará á sua consciencia e bem merecerá dos seus concidadãos.

Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Visconde de Arriaga: — Pedi a palavra para requerer que a sessão se prorogue até se votar o projecto que está em discussão.

Contados os votos sobre este requerimento, ficou approvado.

O sr. Boavida: — Peço a V. ex.ª mande verificar o numero dos deputados que approvaram esta prorogação da sessão.

Feita de novo a votação, verificou-se estar approvado o requerimento por 40 votos.

O sr. Ministro da Justiça: —... (S. ex.ª não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar

O sr. Luciano de Castro: — Não pretendo discutir largamente este projecto. Apenas quero dar a minha opinião sobre elle e dizer o motivo por que não posso conceder a auctorisação, que n'elle se pede.

Basta dizer á camara que este projecto importa a revogação do decreto de 12 de novembro de 1869 que eu referendei, que versa sobre cabidos, para mostrar que eu não podia deixar passar este assumpto em silencio, e sem protestar contra a revogação d'aquelle projecto, que é agora proposta, ainda que por modo pouco claro e explicito.

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Quanto á reducção das dioceses concordo com as rasões que foram expendidas pelo sr. ministro da justiça e pelo meu amigo o illustre deputado o Sr. Pires de Lima.

A este respeito não ha no meu espirito a menor duvida. E devo declarar que, quando estive no ministerio em 1869 e 1870, fiz todas as diligencias compativeis com as minhas forças, para que a santa fé viesse a um accordo com o governo sobre este assumpto.

Só quando me convenci de que eram imiteis a baldados todos os esforços que o governo empregasse para conseguir esse accordo, em virtude dó qual se realisasse uma reducção de dioceses, cuja necessidade a mesma santa só não podia deixar de reconhecer, só então é que referendei o decreto de 12 de novembro de 1869, prohibindo ao governo o provimento de certos bispados.

N'e8sa occasião a santa sé exigia, para concordar com o governo portuguez na reducção das dioceses, reducção em cuja conveniencia e necessidade ella mesma concordava, O restabelecimento doa convento, na freiras, e eu entendi que o governo não devia vir propôr ao parlamento aquella providencia. (Apoiados.)

Desesperando portento do que a curia romana viesse, n'aquella conjunctura, a acceitar um accordo nas condições que convinham ao paiz, resolvi-me ti publicar o decreto de 12 de novembro de 1869, precedido de um codigo relatorio, em que se historiavam as diligencias mutuamente empregadas para se conseguir a reducção, no qual se proibia ao governo provimento de certas diocese?, pois entendi que assim a santa sé mais tarde ou mais cedo havia de ver-se obrigada, por interesse proprio, a concordar com o governo portuguez na pretendida reducção das dioceses, reducção cuja necessidade a mesma santa sé reconhecia e confessava, como já disse.

Não posso portanto contestar a conveniencia o a necessidade de se reduzir o numero du bispados. Effectivamente nós temos dioceses de roais, e n'este ponto estão de accordo com o sr. ministro da justiça e com o meu amigo o sr. Pires de Lima, mas não posso ainda assim deixar de fazer alguns reparou se examinar o projecto que se discute.

Pois vae em cinco annos que o Sr. ministro occupa o seu logar; desde muito tempo se falla em que s. ex.ª se dedica a este assumpto com particular cuidado; já se disse até que 8. ex.ª negociava e levava muito adiantadas as suas combinações com a santa »é a respeito d'esta materia; e agora, e só agora, em logar 'de apresentar uma circumscripção já feita de bispados, vem simplesmente pedir uma auctorisação para proceder a essa circumscripção?!

O que tem s. ex.ª feito em quatro annos e meio de governo?

Pois ha tanto tempo que se diz, que se insiste, que se affirma pela imprensa, que s. ex.ª se occupa incessantemente d'este assumpto e -que negoceia com a santa «é um -accordo para a reducção das dioceses, e agora quando nós tinhamos o direito dos esperar que s. ex.ª apresentaria uma proposta de lei, que contivesse a circumscripção e delimitação das dioceses, vem pedir apenas uma auctorisação para proceder a essa circumscripção?!

Não comprehendo mesmo a rasão porque s. ex.ª vem pedir esta auctorisação. >

Pois havemos nós de arrastar Como aresto parlamentar que o parlamento é incompetente para proceder a todas' as circumscripções, 'quer seja a circumscripção comarca, quer seja a administrativa, que ja a ecclesiastica?!

Em todos os paizes regidos pêlo systema representativo, o parlamento entendo roestes assumptos. As circumscripções territoriais só em Portugal são feitas por delegações illimitares da representação nacional. Temos no uma excepção na lei de 1859 a respeito de circules eleitoraes, em que a divisão foi feita pelo parlamento.

Porque não tratou, pois, o governo d'este negocio com a santa sé, e porque não veiu depois apresentar Um projecto de circumscripção de dioceses á camara, para aqui ser discutido o apreciado?

E se p. ex.ª me dá licença, direi, sem intenção de o melindrar, porque não é esse o meu proposito n'este momento, que tenho para mim, que o fim occulto, mas verdadeiro, d'este projecto não é a reducção das diocese: está mais ou menos claro no § 2.° do artigo 2.° (Leu.)

O governo não póde actualmente nomear conegos. Só são permittidas as transferencias.

Por esta disposição fica auctorisado para nomear conegos, sem numero fixo, dependendo apenas a nomeação da representação dos prelados, e nós sabemos ou devemos presumir que elles não ha de ser parcos em por essas nomeações. (Apoiados.) D'este modo o sr. ministro da justiça obtém a revogação do decreto de 12 de novembro de 1869 que foi por mim publicado.

O governo consegue o seu fim. Obtém maia alguns logares para collocar os seus afilhados, e vae accumular nomeações sobre nomeações para alargar a sua clientella. E depois, quando houver de proceder á fixação definitiva dos quadros doa cabidos, ha de lutar com graves difficuldades.

Mas porque se não diz isto claramente? Era preferivel a vedada e a franqueza. O governo o que pretenda é nomear conegos á sua vontade, o sem numero certo. A reducção das dioceses é apenas um pretexto. O que se quer é a revogação do decreto do 12 de novembro de 1869.

O illustre ministro vae de certo dizer-nos: «A situação actual dos cabidos não póde continuar. Não ha conegos para satisfazer ás necessidades do culto e ás precisões do ensino. É preciso providenciar.» Não desconheço casa situação; mas o que digo é que ella não é tão apertada, tão urgente, tão instante, que s. ex.ª não possa aguardar mais algum tempo, até que traga aqui uma proposta completa sobre a reducção das dioceses e que o governo possa fixar pelos meios competentes os quadros capitulares.

Esta situação não é do agora. Existe ha muito tempo. Procede de se não terem preenchido os logares, ha muito tempo vagos nos cabidos, de 1870 para cá. Mas eu não creio que esta situação seja tão extrema, o por tal modo angustiosa no tocante ás necessidades do culto, do ensino e do governo das dioceses, que não possa esperar se mais algum tempo para se trazer ao parlamento um projecto de reducção de dioceses e fixação dos quadros capitulares.

Disse o illustre ministro que tem entaboladas algumas negociações com a santa sé a este respeito. Qual é o resultado ou estado d'e3»as negociações? O que póde o parlamento saber sobre este assumpto?

Não digo que s. ex.ª venha aqui dar informações que ponham em risco o resultado das negociações encetadas, mas diga-nos ao menos se estão ou não adiantadas essas negociações, e se podemos ter algumas esperanças de conseguir a desejada reducção das dioceses.

Eu faço esta pergunta sem de maneira nenhuma querer saber senão o que n'estes assumptos se póde dizer e saber.

Eu penso que, no interesse do paiz e do proprio governo, o sr. ministro da justiça não deve desarmar-se dos meios defensivos que lhe fornece o decreto da 12 de novembro de 1869, com relação á santa sé, para obter mais facilmente o accordo quanto á reducção das dioceses. Parece-me que s. ex.ª vae privar-se de uma arma que é um recurso poderosissimo e por ventura indispensavel para obter o desejado accordo.

Eu não faço proposta alguma com relação ao § 2.° do artigo 1.º porque tenho quasi certeza de que a camara a não approvaria, por isso não estou resolvido a fazer propostas. Paço as considerações que entendo dever fazer, as quaes o sr. ministro o a camara attenderão como tiverem por mais conveniente.

Digo só que protesto contra a revogação indirecta, que está envolvida n'este projecto, do decreto de 12 de novem-

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bro de 1869. Esta decreto tem trazido ao thesouro larga e avultadas economias. (Apoiados.) Essas economias vão desapparecer logo que o sr. ministro da justiça esteja habilitado pelo parlamento para nomear conegos sem numero fixo, porque, desenganem-se, esta auctorisação que o governo vem pedir não é senão para nomear conegos, e nada mais. (Apoiados.) As dioceses ficarão como estão.

Fallarei agora em relação ao § 4.º Ha n'este § uma disposição sobre a qual desejava explicações, que por parte do sr. ministro da justiça, que por parte do sr. relator da commissão.

Diz o § 4.° (Leu)

Estas palavras «concorrentes da primeira classe» não estão na nossa legislação vigente, Persuadem que adivinho o pensamento dos auctores do artigo; mas não estão, repito, na nossa legislação, e é preciso que as palavras das leis estejam de accordo com a legislação vigente a que se referem, de maneira que não dêem logar na pratica a equivocos e obscuridades de interpretação.

Quer a illustre commissão dispensar o concurso de provas publicas a estes individuos a que se refere, aos professores de ensino ecclesiastico nos seminarios? Ficam estes individuos equiparados aos habilitados para entrar em concurso documental?

Se é esta a idéa da commissão pedia que isso se declarasse, e só tenho pena de que o sr. ministro da justiça não aproveite esta occasião para inserir na lei p pensamento a que s. ex.ª ha pouco se referiu, com relação aos encommendados que tiverem um certo tempo de serviço, pensamento que me applaudo de ter ouvido a s. ex.ª, pois que ha muito tempo estou convencido da sua justiça e da vantagem que haveria em supprir uma grande lacuna da legislação vigente.

Fiz só esta pergunta em relação ao § 4.°, mais sem a intenção de me esclarecer, do que com o intuito de promover quaesquer difficuldades á approvação do artigo.

Não fallo já na dotação parochial, dotação que anda promettida ha uns poucos de annos nos programmas do governo e nos discursos da corôa.

Sei as difficuldades que acompanham a realisação d'essa idéa..

Por agora fico entendendo que o sr. ministro da justiça, apesar das suas elevadas faculdades e doa seus talentos incontestaveis, reduz a sua iniciativa parlamentar, no tocante a este assumpto, na presente sessão legislativa, ao projecto em discussão.

Não é de mais.

Lamento que s. ex.ª não possa applicar os seus cabedaes intellectuaes em dotar o paiz com alguma melhoramentos de maior importancia; todavia não deixarei de felicitar o sr. ministro, se s. ex.ª conseguir levar a cabo a reducção das dioceses, reducção para a qual creio ainda haverá, durante muitos annos, grandes impedimentos, e talvez difficuldades invencíveis, que nem o sr. ministro da justiça, nem alguns dos seus successores, poderão resolver.

Oxalá que s. ex.ª alcance esse desideratum. Se o conseguir, terá feito um importante serviço ao paiz.

O sr. Freitas Branco: — Esta questão póde considerar-se debaixo de tres pontos de vista, segundo me parece:

quanto á necessidade da reforma que se projecta, quanto

á fórma de realisa-la, e quanto á confiança politica no governo para conceder-se-lhe ou negar ser-lhe a auctorisação que pede.

Emquanto á necessidade da reforma da circumscripção ecclesiastica do reino, ae carecesse de defender o projecto da commissão, tinha já feito a defeza na primeira parte do primoroso discurso do sr. Pires de Lima, confirmada pelo do distincto orador a quem respondo, o sr. Luciano de Castro; porque ambos reconheceram a necessidade de reduzir o numero das dioceses; e por consequencia, não tenho a fazer considerações sobre este particular, porque estão feitas pelos srs. deputados que fallaram e se achavam tambem á desenvolvidas já nos relatorios que precedem a proposta do governo e o projecto da commissão.

Emquanto á fórma de realisar q melhoramento que se emprehende, e este é um dos pontos de vista sob que o sr. Luciano de Castro considerou o negocio, basta-me ponderar que s. ex.ª, entro os muitos assumptos de que ao occupou quando como ministro presidiu aos negocios ecclesiasticos e de justiça, tratou tambem d'este, estabelecendo para o governo o preceito de um dos decretos de 12 de novembro de 1869, em que se determinou que se não proveriam senão certos bispados, emquanto o governo não concordasse com a santa sé uma reducção e nova circumscripção das dioceses, para o que deveria empregar as diligencias necessarias.

Ora a proposta, ou projecto que se discute, não é maia do que a reproducção do decreto por s. ex.ª referendado, na parte em que impoz ao governo a obrigação de tratar com a santa sé a este respeito, isto é, para concordar n'uma reducção de dioceses em harmonia com as necessidades da administração, com as conveniencias religiosas doa fieis, e com as circumstancias actuaes do paiz.

No entretanto a s. ex.ª parece agora que este meio não é bum; porque pergunta ao governo qual foi a rasão por que não tratou este negocio com a santa sé e não veiu aqui apresentar o seu projecto definitivo a esse respeito, declarando quaes as dioceses que seriam supprimidas, quaes as que haveriam de ser conservadas.

Mas creio que s. ex.ª, nas palavras que pronunciou, respondeu a si mesmo quando disse: * que diversos ministerios se têem occupado d'este assumpto sem poderem chegar a accordo pelas difficuldades que encontraram!» Pois foram essas difficuldades que o governo tratou de superar, e quando chegou a vence-las veiu á camara pedir a auctorisação necessaria para poder levar ao cabo as negociações começadas. E n'este particular perguntou s. ex.ª tambem, porque é que a camara nunca se ha de achar competente para proceder por si mesma ás reformas necessarias uma vez que se trata de circumscripções.

Não posso encarregar-me de responder n'este momento á pergunta, porque não sei quaes foram as rasões que tem determinado o parlamento a confiar ao governo em differentes epochas o encargo de reformar as circumscripções administrativa, judicial, e de outras ordens; mas o facto é que taes reformas têem sido feitas fóra do parlamento, e não me parece que para o caso em questão possa colher o exemplo, que s. ex.ª citou, de ter sido feita pelas camaras legislativas alguma circumscripção eleitoral; porque realmente mal se poderia comprehender que o parlamento, ao fazer a lei da sua Constituição, abdicasse ou delegasse no governo quaesquer auctorisações. (Apoiados.)

O terceiro ponto de vista debaixo do qual póde apreciar se o projecto que se discute é quanto á confiança.

N'esta parte nada me cumpre dizer: depende o voto sómente da consciencia de cada um, que dá ou nega a auctorisação pedida, segundo sim ou não confia no governo.

Feitas estas observações, vou agora tratar de resumir o mais possivel o que por dever do meu cargo, como relator, sou obrigado a acrescentar, e procurarei ser breve, não só porque os reparos do sr. Luciano de Castro não exigem muito larga discussão, mas ainda porque o adiantado da hora me aconselha a não fatigar a attenção da camara; farei então diligencia por não esquecer as perguntas e observações, em que s. ex.ª principalmente insistiu, para a todas responder.

O illustre deputado e meu amigo o sr. Luciano de Castro só vê de real n'este projecto o intuito occulto de revogar o decreto de 12 do novembro de 1869, que não permitte as apresentações em beneficios capitulares.

Sinto, sr. presidente, que o illustre deputado fosse menos justo, attribuindo ao projecto como pensamento occulto p que está tão manifestamente declarado na proposta de

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lei apresentada, como no projecto que se discute; e se acha claramente fundamentado nos relatorios que precedem a mesma proposta do governo e o projecto da commissão.

A verdade é esta, quer-se effectivamente revogar em parte, e em termos convenientes, o decreto de 12 de novembro de 1869, para obviar os males de que está sendo causa.

Desde que se publicou aquelle decreto tem sido rigorosamente executado. Nunca mais se fez uma apresentação nos quadros capitulares das cathedraes; têem fallecido muitos conegos. Para não abusar da benevolencia da camara não leio a estatistica do pessoal dos cabidos como se acha, mas são muitas as vacaturas que existem, e ha já grandissima falta de capitulares habilitados, tanto para a decente sustentação do culto na3 cathedraes, como para exercerem o professorado nos seminarios das dioceses. Ainda ha poucos dias, um illustre prelado, o sr. bispo de Vizeu, na sessão de 11 de fevereiro, se bem me recordo, interpellava o governo na camara dos dignos pares a este respeito, dizendo que este estado de cousas não podia continuar. (Apoiados.) O facto é muito recente.

Parece-me que o pensamento do illustre deputado o sr. Luciano de Castro, que nos fins de 1869 occupava logar distincto nos conselhos da corôa, quando, como ministro dos negocios ecclesiasticos e de justiça, promulgou o decreto de 12 de novembro d'esse anno, foi sem duvida que se realisassem mais cedo as suas aspirações ácerca da reducção e nova circumscripção ecclesiastica, de que depende a reducção do numero de cabidos. S. ex.ª de certo não contava que se haviam de passar quasi sete annos, que já hoje se contam, sem se realisar esta reforma.

É por consequencia necessario occorrer a esta grande necessidade, sobretudo á falta, que experimentam os seminarios, dos professores que lhes forneciam os cabidos, com grande utilidade do ensino, e grande auxilio para a administração economica d'aquelles estabelecimentos.

Emquanto a s. ex.ª entender que o governo se desarma de um meio poderoso de levar a santa sé a mais facilmente concordar n'uma circumscripção ecclesiastica, permitta-me que não o acompanhe n'essa ordem de idéas.

Desde o momento que entramos em negociações para chegar a um accordo, não devemos partir do ponto de desconfiança, mas sim da confiança reciproca.

Devemos suppor que ha tão boa vontade da parte do governo que propõe a negociação, como da parte da santa sé que se mostra disposta a transigir. Seria erro grave suppor que em taes assumptos podem aproveitar as pressões, que, ou nada valem, ou não conduzem a resultado algum.

Se á santa sé parecesse que não podia transigir, não seria por meio de pressão que poderiamos obter a sua annuencia. Não podemos de modo nenhum considerar o não provimento dos canonicatos como uma arma que sirva para alguma cousa. Se a santa sé entendesse que não devia ou não podia rasoavelmente alterar-se o modo de ser actual das dioceses, não carecia de empregar meios alguns positivos; se nada quizer que se faça, basta-lhe nada fazer. As dioceses continuarão a existir, poderão faltar-lhes, em algumas, prelados rui Irados; mas lá estão para governal-as os vigarios capitulares, e os vigarios geraes. Para nenhum caso é omisso o direito sobre o modo de prover ao regimen das dioceses.

Por consequencia, não partamos da desconfiança; não julguemos que é necessario qualquer meio de pressão para levar a santa sé a concordar em alguma cousa. Nem faltam documentos que devemos acreditar, nos quaes se manifesta bem claramente o sentir da santa sé a este respeito. Refiro-mo ao convénio de 21 de outubro de 1848, documento que todos conhecem, porque está publicado. Já ahi se reconheceu por parte da santa sé a necessidade de reduzir o numero de dioceses. A respeito de algumas quasi ficou assentado que não poderiam continuar a subsistir.

Sobre quaes deveriam ser conservadas, quaes extinctas, ou annexadas, haveria o governo de confeccionar um projecto para base de discussão e accordo com a santa sé.

Por consequencia, parece-me que as apreciações do illustre deputado n'este ponto são menos fundadas, e não conduzem a resultados praticos. O illustre deputado tem n'um dos decretos que referendou em 12 de novembro de 1869, e no modo como elle tem sido executado, o meio de verificar como falta cabimento para os seus receios. Fallo do decreto que prohibiu a nomeação e apresentação de prelados n'outras dioceses que não as dez ali mencionadas, em quanto não produzissem effeito as diligencias que o governo ficava obrigado a empregar para chegar a accordo com a sé apostolica a respeito de uma nova circumscripção diocesana.

O governo não podia, é verdade, apresentar dignidades, conegos e beneficiados nas sés cathedraes, por se entender que o decreto que o prohibira tem sancção legislativa, e não podia, portanto, ser revogado por acto do poder executivo; mas o decreto de 12 de novembro de 1869, que limitou o numero das apresentações de prelados para os bispados vagos, não tem a mesma natureza do outro de igual data, como o nobre deputado muito bem sabe. No relatorio, em que se expenderam as rasões determinativas do decreto, claramente disse o illustre deputado que o referendou, que as disposições d'elle eram transitorias, que se destinavam a facilitar a desejada reducção das dioceses.

E, pois, fóra de toda a duvida que o governo podia revogar esse decreto, podia fazer todas as apresentações que lhe parecessem necessarias. Todavia não o fez. Nenhum dos governos, que se seguiram aquelle de que fez parte o sr. José Luciano de Castro, o alterou.

Mas o decreto de que me occupo, comquanto não fixasse as dioceses que haviam de ficar subsistindo e as dioceses que haviam de ser suprimidas, revelava comtudo o pensamento do governo a tal respeito.

O governo não deu como resolução assentada que taes dioceses subsistiriam, e que taes outras seriam supprimidas,

Isso dependia do accordo, que não é a vontade de um só, mas o resultado de reciprocas cessões e concessões. No entretanto deixou ver qual o seu modo de pensar sobre o assumpto, ou pelo menos o ponto de que partiria para negociar o accordo sobre o numero e quaes as dioceses que julgava deverem ser conservadas.

O governo actual tambem tem por certo idéas fixas para base do accordo que procura; e, portanto, no uso da auctorisação que pede, andaria em desaccordo manifesto com o seu pensamento, se fizesse apresentações e elevasse os quadros capitulares nas dioceses que entende que devem ser supprimidas.

Por consequencia, as mesmas considerações, as mesmas cautelas, a que o illustre deputado quiz attender, e assegurar no decreto de 12 de novembro de 1869, devem actuar no animo do governo para não fazer apresentações e provimentos de beneficios capitulares nas dioceses que segundo os seus planos tiver como assentado que não devem ficar subsistindo.

Tratemos agora das economias resultantes de haverem cessado as apresentações nos quadros capitulares, porque o sr. Luciano lembrou tambem a parte economica do decreto de 12 de novembro que as prohibiu.

Effectivamente o decreto de 12 de novembro de 1869, prohibindo as apresentações e provimento das dignidades, canonicatos e de mais beneficios capitulares das cathedraes, tem dado occasião a deixarem de ser pagos em maior quantia os subsidios com que pelo thesouro publico são auxiliados os cabidos. Mas seria mesquinho attender sómente á economia, especialmente dando-se hoje em muito menor escala algumas das rasões que principalmente determinaram a publicação do decreto de 12 de novembro; e não attender

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ao modo digno de lastima em que se encontram os cabidos de muita? cathedraes, das que nunca poderão ser supprimidas, sem ministros para o culto, sem mestres para os seminarios, quasi extincto o senado dos bispos, sem pessoal pela morte de uns, pela impossibilidade de outros, e pelo pequeno numero dos que restam.

Não vamos mais longe; não é necessario saír de Lisboa, basta ver a que estado se acha reduzida a corporação capitular da igreja patriarchal.

Termino aqui as observações que julguei dever fazer a respeito da parte do discurso do sr. Luciano de Castro com relação ao § 2.° do artigo 2.° do projecto.

S. ex.ª, porém, fez algum reparo, e pediu explicações, a que devo responder, quanto ao § 4.° do mesmo artigo.

Em primeiro logar peço licença para notar que na penultima linha d'este § 4.° do artigo 2.° ha um erro de imprensa. Onde se lê a palavra = requerem = deve ler se = requererem.

Bem sei que a grammatica está por si só exigindo a emenda, mas devia mencionar o erro para que não passasse para as copias, se, approvado o projecto, tiver de seguir os mais tramites legaes.

Agora emquanto á3 considerações feitas pelo sr. Luciano de Castro, as quaes se referem a dois pontos, direi o seguinte:

Parece-me que a redacção do § 4.º está bastante clara; se o não estivesse, seria facil o remedio; a commissão de redacção tinha e tem competencia para dar-lhe; mas eu creio que o illustre deputado respondeu ao seu proprio reparo. A designação de concorrentes a beneficies parochiaes nos concursos por documentos, é verdade que não se encontra nas leis, mas encontra-se nos regulamentos em vigor, e a esses se refere o paragrapho.

No artigo 15.° do decreto de 2 de janeiro de 1862...

(Interrupção do sr. Luciano de Castro.)

Conheço bem o decreto de 2 de janeiro, o sei que os concorrentes são ali designados por dois grupos, que aquelles que pertencem ao primeiro grupo têem preferencia ao outro, e que nem podem ser despachados os do segundo, quando os ha idoneos no primeiro, que constitue a primeira classe. A esse primeiro grupo, a essa primeira classe, ficam pertencendo os professores dos seminarios nas circumstancias do § 4.° do artigo 2.° do projecto em discussão.

Este paragrapho, que se não encontra na proposta do governo, foi introduzido no projecto em virtude de proposta feita por um dos membros da commissão, e acceita pela mesma commissão e pelo governo.

A proposito da doutrina d'elle, que acha acceitavel, o illustre deputado perguntou qual a rasão por que não hão de ser tambem considerados, ou incluidos, os parochos encommendados, especialmente depois do que o sr. ministro dos negocios ecclesiasticos disse em resposta ao sr. Pires de Lima, quanto á reforma do decreto de 2 de janeiro de 1862.

Eu peço licença para observar que esta disposição do § 4.° do artigo 2.° é uma disposição inteiramente transitória, e que só póde aproveitar aos professores dos seminarios das dioceses que se supprimirem, quando elles tenham as habilitações ali exigidas.

Como alguns d'esses professores, por estarem empregados no magisterio, não têem tido occasião de se prepararem para estar habilitados a concorrer para provimento das igrejas parochiaes aos concursos documentaes, e fechados os seminarios ficariam sem collocação e não habilitados para logo a encontrarem, julgou-se que a graduação universitária e o exercicio do magisterio eram suficientes titulos para se lhes dispensarem as habilitações que aliás se exigem, em regra geral, aos presbyteros para poderem concorrer ás igrejas em concurso documental.

A providencia lembrada a respeito dos encommendados, essa só póde ter cabimento quando se tratar da alteração dos regulamentos dos concursos, 6 de nenhum modo em

uma disposição transitória, que só respeita e trata de attender com equidade ás circumstancias excepcionaes em que a reforma que se projecta poderá collocar alguns ecclesiasticos que por ella forem prejudicados.

Creio ter respondido sufficientemente a todas as observações feitas, especialmente attendendo ao adiantado da hora; mas se no decurso da discussão assim parecer necessario, tornarei a pedir a palavra.

O sr. secretario Mouta 6 Vasconcellos: — A commissão de redacção não fez alteração aos projectos n.ºs 22, 23, 34 e 35. Vão ser expedidos para a outra camara.

O sr. Boavida: — E extraordinario e verdadeiramente surprehendente o que hoje tem acontecido, relativamente á discussão da proposta de lei, que tem por fim auctorisar o governo a reduzir as dioceses, de accordo com a santa sé!

Eu estava muito longe de imaginar sequer, que esta proposta entrasse hoje em discussão.

Apenas entrei na sala fui ver o quadro, que designa a ordem do dia, e não esperava, que fossem preteridos, sem rasão justificada, dezesete ou dezoito pareceres, que estavam inscriptos na tabella em primeiro logar. N'estas circumstancias, apenas tive noticia de que se transtornava e invertia arbitraria e subrepticiamente a ordem dos nossos trabalhos, tratei a toda a pressa de me munir de alguns documentos importantes, que eu desejava apreciar, e que nem pelo menos tive tempo de coordenar convenientemente.

Sinto, portanto, que me chegue a palavra n'estas condições, e sobretudo que se prorogasse a sessão, afim de se discutir precipitadamente e de surpreza uma medida, que é de tanto alcance, e que involve interesses, certamente muito momentosos ao paiz. (Apoiados.)

Aproveitarei, pois, os poucos momentos, que nos restam, para apreciar essa proposta de lei, que offerecia nas suas variadas relações um campo vasto a mais larg03, serios e uteis debates. (Apoiados.)

Devo, porém, declarar, que eu não tencionava, nem desejo fazer questão, nem combater esta proposta, por motivos, ou considerações de politica. Ha mesmo uma parte, em que concordo plenamente: é no principio, que se reconhece, é na necessidade, que se sente, de organisar melhor as dioceses.

Entendo, comtudo, que esta pressa, com que o sr. ministro da justiça quer discutir e votar a sua proposta, é inconvenientíssima. (Apoiados.)

A este respeito eu julgo muito bem cabida a reflexão, que fez o sr. Luciano de Castro, de que, estando o governo ha quasi cinco annos no poder, tivesse descurado completamente este assumpto, e viesse agora precipitadamente, á ultima hora, não apresentar as bases d'um projecto de reforma, mas simplesmente pedir uma auctorisação, vaga e injustificavel, cuja concessão obriga o parlamento a abdicar os direitos, as faculdades, as attribuições mais importantes, que lhe pertencem. (Apoiados.)

Eu entendo que o governo devia effectivamente apresentar as bases de uma circumscripção, que nós podessemos discutir largamente, para que os povos tivessem occasião de representar, em prol dos seus interesses, direitos, e commodidade?, e empenhassem os seus representantes na defeza dos principios da justiça o das conveniencias publicas. (Apoiados.)

Se nós não tivessemos concedido a auctorisação para a reforma das comarcas, mas se a tivéramos discutido no seio da representação nacional, não teria havido tantos protestos, e reclamações tão justas contra essa reforma; não se teriam levantado em todo o paiz brados de indignação tão justos e justificados, como aquelles, que todos os dias encontram echo n'esta casa, conforme se collige das representações, que tem sido aqui apresentadas. (Apoiados.)

Não posso, portanto, nem devo por fórma alguma, votar uma auctorisação indefinida e ampla, para o governo,

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a seu talante, desmembrar as dioceses, preterindo os interesses publicos, e inspirando-se em motivos de conveniencias politicas e partidarias, e outros, porventura, menos dignos, menos generosos e tem os nobres, a exemplo do que aconteceu na circumscripção) comarca, que nos proporciona uma severa lição, que deveria aproveitar-nos, tornando-nos mais precavidos. (Apoiados.)

Por taes motivos, e em vista dos precedentes, não posso approvar tal auctorisação.

Nem se julgue que é porque esteja ameaçada com a suppressão a diocese, que tenho a honra de governar, nem porque possam ser feridos os meus interesses individuaes, que eu combato a auctorisação, que se pede. Se a camara m'o permittisse, eu faria a este respeito breves observações, que são determinadas pela situação especial, em que estou collocado.

Não costumo, nem me apraz fallar de mim; mas, para mostrar a isenção, com que fallo n'esta questão, e com que procedo sempre em tudo o que possa interessar-me pessoalmente, devo dizer que, durante dezeseis annos em que acompanhei o partido regenerador, nunca pedi favor, nunca solicitei graça alguma era beneficio meu proprio, apesar dos direitos que me conferiam as minhas habilitações litterarias; apesar dos longos e constantes serviços que havia prestado; apesar mesmo dos consideraveis sacrificios, que fizera, de fortuna e commodidades, em favor d'esse partido, que segui dedicadamente nas horas da adversidade; mas que abandonei, por questões de dignidade, de moralidade e justiça, quando elle estava no vestigio do poder, e dispunha de todos os elementos de força e de influencia. (Apoiados.)

Se, desde 1865 até 1867, alguns amigos meus particulares me solicitaram para eu acceitar alguns cargos ecclesiasticos, instando commigo para os requerer, ou pelo menos para exhibir os documentos comprobativos das minhas habilitações, não poderam realisar os seus desejos, porque eu nunca me prestei, nem a assignar requerimentos, nem a fornecer os documentos, que eram indispensaveis para a minha nomeação.

Portanto, não importunei com pedidos o partido regenerador; antes recusei algumas graças, que não solicitei, como foi a nomeação de commissario dos estudos e reitor do lyceu de Castello Branco. (Apoiados.) Acceitei, é verdade, a commissão de inspector das escolas, porque desejava prestar serviços á causa da instrucção popular; mas, entrando em exercicio e tendo pedido providencias para pôr termo a muitos abusos e irregularidades, que havia encontrado, não foram escutadas as minhas justissimas reclamações; por isso não quiz receber remuneração alguma pelo trabalho e incommodos que soffrêra, nem pelas despezas que fizera, convencendo-me de que taes inspecções não dão resultados proficuos, e só servem a ministrar elementos a estatisticas e relatorios pomposos, mas estereis. (Apoiados.)

Não é, portanto, a conveniencia pessoal, que me determina a insurgir-me contra esta auctorisação, porque tenho abnegação e desinteresse bastante, e d'isso tenho dado provas na minha vida publica e particular. (Apoiados.)

Se combato esta auctorisação, é porque julgo de todo o ponto inconveniente a suppressão de algumas dioceses. Por exemplo, a diocese de Beja é uma d'aquellas, que eu entendo se deve sustentar, não por interesse proprio, como já disse, porque subsistindo ella, e sendo nomeado para ali um bispo, a minha missão acaba da mesma fórma, não sendo por isso o desejo de continuar a gerir o cargo que me foi confiado, e que eu não devo ao partido regenerador, que me leva a defender os justos e legitimos interesses d'aquella diocese. (Apoiados.)

A diocese de Beja é a mais extensa do paiz, por isso que se estende desde a raia hespanhola até ao Oceano, em toda a largura de Portugal, e desde o Algarve até Tróia, perto de Setubal, medindo assim mais de 100 leguas em circumferencia, e contendo 27:823 fogos, 149:694 almas, espalhadas por uma superficie superior a 1.164:800 hectares.

A diocese de Beja contém um grande numero de freguezias, muito dispersas; e este facto torna summamente difficil, não só a administração parochial, mas tambem a administração ecclesiastica superior. Por todos estes motivos, entendo que a diocese de Beja deve subsistir.

Eu poderia abonar com documentos valiosos a justiça da causa que defendo; poderia mostrar mesmo que foi o proprio cardeal D. João da Cunha, que era arcebispo de Evora, no reinado de El-Rei D. José I, quem requereu a Sua Magestade, instou e pediu, com o seu governo, para que interpozesse a sua influencia para com Sua Santidade, a fim de ser erigido o bispado actual de Beja, e separado d'aquella archidiocese, a que pertencia, e que o mesmo arcebispo declarava de difficilima administração, attenta a area vastissima de territorio, que abrangia.

Se pois fossem supprimidas duas ou tres dioceses no Alemtejo, e encorporadas, no todo ou em parte, ao arcebispado de Evora, muito mais difficil, senão impossivel, seria a sua regular administração ecclesiastica. (Apoiados.)

Eu poderia ainda ler, se dispozesse de tempo sufficiente, os documentos, que tenho em meu poder, e que comprovam plenamente a verdade das minhas observações.

Limitar-me-hei, porém, ao strictamente necessario, para não ser taxado de importuno; e por isso direi simplesmente, que a santa sé achou tão justa e attendivel a petição do governo portuguez, que promptamente a satisfez, erigindo a diocese de Beja, que havia já sido sede de um bispado em eras mais remotas.

Eu, sr. presidente, tinha muito que dizer sobre o assumpto em discussão, mas vejo me constituido na necessidade de restringir estas humildes e desalinhadas reflexões, em rasão de estar muito adiantada a hora, e de nos vermos ameaçados do perigo de se converter em ordem da noite a ordem do dia, para assim ser completo o transtorno dos nossos trabalhos n'esta sessão.

Preciso, porém, mostrar com a franqueza e lealdade, que me é propria, que não combato a auctorisação por considerações politicas, e que estou de accordo em relação á necessidade de uma nova circumscripção diocesana.

Para este fim tenho de ler uma parte do relatorio, que dirigi ao governo de Sua Magestade, poucos dias depois de receber uma portaria circular, em que se me pedia a minha informação a tal respeito.

Em outubro de 1872 dizia eu o seguinte ácerca da circumscripção das dioceses:

«É má a organisação actual dos bispados. Foi o arbitrio, em grande parte, que presidiu a esta organisação, sem que se attendesse, nem a rasões topographicas, nem a condições moraes e economicas.

a Ha concelhos, que pertencem a uma diocese e a districto differente. Ha mesmo concelhos, cujas freguezias pertencem, parte a uma, parte a outra diocese.

«Esta anomala divisão convem que acabe, para interesse e commodidade dos povos, e para a melhor harmonia das relações entre a igreja e o estado.

«É, portanto, parecer meu, que a divisão ecclesiastica das dioceses, corresponda á divisão administrativa dos districtos. As rasões, que militem em favor da circumscripção dos bispados, são as mesmas, que acconselham a suppressão dos districtos.

«A multiplicidade e facilidade das communicações, fomentando o progresso das artes e das industrias, tirando obstaculo e dispêndio á circulação, e supprimindo, para assim dizer, as distancias, estreita as relações commerciaes e sociaes entre os povos.

« O invento prodigioso e a util applicação do vapor e da electricidade, tendendo a approximar os homens, convida-os á fraternidade, e prepara uma communhão mais ampla, mais abundante, de idéas, de crenças, de sentimentos e de interesses.

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«A diffusão luminosa da imprensa, alargando a esphera dos conhecimentos humanos, radicando a consciencia dos direitos e deveres, rasga mais largos horisontes ás conquistas da verdadeira liberdade e da civilisação christã.

«E a igreja catholica, que aspira a estabelecer uma familia, uma sociedade universal, não contraria, não póde contradizer estes innocentes progressos: bendi-los como consentaneos á consecução dos altissimos e salutares fins, que se propõe.

«Justificada é, pois, reconhecida e logica a necessidade de se proceder a upa racional arredondamento de dioceses, em harmonia com as divisões naturaes, com os costumes, habitos, tendencias e interesses dos povos, e impetrando-se o previo e indispensavel accordo da santa sé. Pelo que respeita á circumscripção das dioceses do Alemtejo, parece me conveniente que, das quatro que hoje conta, subsistam duas, em harmonia com a ultima divisão territorial; uma, que comprehenda o Alto Alemtejo, com a sede em Evora, aggregando-se-lhe a diocese de Elvas, e toda ou parte da de Portalegre; outra no Baixo Alemtejo, com a sede em Beja, a que devem ser annexadas algumas freguezias do sul e sueste do arcebispado de Evora, e porventura algumas do sul do patriarchado.

«Ha effectivamente n'aquelle arcebispado freguezias, que estão encravadas na diocese de Beja: taes são as dos concelhos de Barrancos e Grandola. Os concelhos de Mourão, Portel e Vianna poderiam ser annexados tambem á diocese de Beja, a que já pertencem algumas das suas freguezias.

«Formar uma só diocese em todo o Alemtejo, seria alta - mente nocivo aos interesses e commodidades dos povos, e á regular administração dos negocios ecclesiasticos.

«Tem esta provincia uma area extensissima, desprovida em grande parte dos beneficios da viação ordinaria.

«Uma quantidade consideravel de parochias é constituida de herdades e casaes dispersos, e administrada espiritualmente por curas amoviveis, sendo jade si difficil, no estado actual, fazer chegar a esses pontos disseminados a conveniente acção da auctoridade ecclesiastica. _ 1

«O bispado de Beja de per si só mede em circuito cento e nove leguas e meia, como se vê do auto da demarcação, realisada em 1772, e conta 45 freguezias administradas por parochos encommendados, sendo 113 o numero total das parochias.

«Está dividido este bispado em 15 districtos ecclesiasticos, cujas capitães são as differentes villas; mas, ainda assim, a falta de correios e de communicações, e as consideraveis distancias, a que muitos parochos estão da sede do bispado, tornam sobremaneira dificultosa a boa administração.

«E tanto assim é, que o proprio arcebispo, que foi de Evora, o cardeal D. João da Cunha, reconhecendo por experiencia propria, que lhe era summamente difficil governar commoda e opportunamente esse arcebispado, em rasão da sua grande extensão, rogara instantemente a El-Rei, que para melhor serviço de Deus, proveito espiritual da igreja e das almas, interpozesse a suai real auctoridade para o santo padre, fim de se dignar consentir na divisão d'aquelle arcebispo em que estava incluida a diocese actual de Beja.

Conhecendo El-Rei a utilidade summa, que resultaria d'esta divisão, ordenou ao seu ministro plenipotenciario na curia romana, que supplicasse ao summo pontifice Clemente XIV esta graça, que foi concedida por breve apostolico de 10 de julho de 1770, sendo juiz executor d'este breve o arcebispo de Lacedemonia por sentença de 11 de julho de 1771.

«Por esta fórma e por tão ponderosos motivos, fóra a diocese actual de Beja desmembrada do arcebispado de Evora, com approvação e consentimento do mesmo arcebispo, devidamente manifestado em alvará de 24 de dezembro de 1771.

«Esses motivos, que então se invocavam para justificar tal separação, subsistem ainda hoje, e mais aggravados, se porventura for encorporada no arcebispado de Evora a diocese de Elvas, e parte da de Portalegre.

«O bispado do Algarve, circumdado pelo oceano, pelo Guadiana, e pelas serranias, rios e ribeiras, que o extremam do Alemtejo, está naturalmente formado pela sua propria situação topographica.

«A provincia da Beira Baixa, que hoje possue tres bispados, deve conservar dois, cujas sedes continuarão a ser as cidades de Castello Branco e da Guarda.

«Ao bispado de Castello Branco póde annexar-se, em rasão da facilidade de communicações e menor distancia, a parte do norte do bispado de Portalegre, o concelho de Proença a Nova, e todas as freguezias pertencentes ao patriarchado, e que fazem parte do districto de Castello Branco, e bem assim os concelhos da Covilhã, Fundão e Penamacor, que pertencem ao mesmo districto e á diocese da Guarda.

«Ao bispado d'esta cidade da Guarda deverá unir-se toda a diocese de Pinhel, que não póde commodamente ser aggregada a outra cidade, e as freguezias mais proximas do bispado de Lamego...............................»

Não sendo meu intuito fatigar a camara, deixo de ler a ultima parte das considerações, que eu fizera relativamente á organisação das restantes dioceses do continente, e em que manifesto a conveniencia de não se exagerar o arredondamento d'essas dioceses. Para este fim, seria muito para desejar, que, em conformidade com as prescripções do direito canonico, se procedesse ás informações = de commodo et incommodo =; e que se observassem as formalidades, com que deve realisar-se a união de quaesquer beneficios: =cum causoe cognitione et vocalis vocandis =. O governo, porém, procede com toda a reserva, porque, quando se lhe pedem informações ácerca das negociações entaboladas com a santa sé, declara, que estão removidas as difficuldades; e quando se insta, para que apresente as bases da circumscripção diocesana, diz que necessita de auctorisação ampla, para remover livremente essas difficuldades!!!

Fallando de outro assumpto, estimei, que se reconhecesse a necessidade de modificar o decreto de 2 de janeiro, e de attender ás tristes circumstancias dos parochos encommendados; por isso folgo, que o sr. ministro da justiça declarasse, que estas questões merecem a sua attenção. Na realidade, é injusto e penoso, que esses ecclesiasticos, que consagram bastantes annos da sua vida ao serviço parochial, não gosem as garantias e as commodidades, a que têem direito. (Apoiados.)

Releve-me ainda a camara, que eu leia a parte do meu relatorio de 1872, que diz respeito á dotação do clero e organisação dos cabidos e seminarios, questões estas, sobre que tem versado a discussão

Parece-me, que nós obteremos maior economia de tempo, lendo as idéas, que estão compendiadas no relatorio, do que expondo-as e desenvolvendo-as oralmente. (Apoiados. — Vozes: — Leia, leia.)

Dotação do culto e clero

«E deploravel a situação do clero parochial. O systema vigente, em vista do qual os parochos têem de perceber os mesquinhos meios para sua congrua sustentação, é o mais inconveniente possivel.

«A dependencia immediata em que estão de seus freguezes, e a reluctancia d'estes, em grande parte, em satisfazerem os encargos relativos ao culto e clero, collocam os parochos na mais dura e dolorosa alternativa; porque, ou têem de obrigar os seus parochianos ao cumprimento de seus deveres, originando-se d'aqui graves conflictos e inimisades, que não se compadecem com o espirito evangelico, nem com a dignidade e caracter sacerdotal; ou tem de renunciar ao direito de realisarem os parcos meios de

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sua sustentação, vendo-se assim a braços com mil privações e com a miseria.

«D'esta fórma os parochos estão collocados como em gume pungentíssimo, que os dilacera, tendo em perspectiva, por qualquer dos lados, dois abysmos negros e profundos.

«O quadro é triste, mas verdadeiro infelizmente!

«Altíssimo serviço prestará, pois, o estado á nossa santa religião, dotando o clero com os recursos essenciaes á vida e á decencia de sua posição, e libertando-o da dependencia directa de seus freguezes, ou por meio do rendimento de fundos especiaes, ou recorrendo a impostos addicionaes.

conviria, portanto, que, emancipado e dotado o clero, por esta fórma, os serviços parochiaes, como os de justiça, fossem gratuitos, pagando sómente os freguezes a pompa, que requeressem nos actos religiosos.

«Ganharia assim a religião em respeito e o clero em prestigio.

«Mas, para que a desamortisação dos bens das corporações religiosas, destinados a occorrer ás despezas d'essa dotação, possa produzir os desejados effeitos, convem estabelecer um accordo com a santa sé, tirando d'este modo escrupulos ás consciencias, e pretextos a quaesquer conflictos.

«Sem entrar por agora em promenores ácerca das bases, sobre que deve assentar a dotação do clero, parece-me justo, que se estabeleçam categorias na organisação das parochias, formando-as de 1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª classe.

«Os parochos devem ter accesso, percorrendo progressivamente as differentes classes, conforme o merecimento de seus serviços e habilitações.

«Os parochos de 4.ª classe, que poderão ser curas amoviveis, considerar-se-hão habilitados, depois de oito annos de bom serviço, a serem providos, nas igrejas de 3.ª classe, e assim nas superiores.

«Os parochos de 1.ª classe, que houverem tido uma conducta illibada, e que se impossibilitarem para o serviço activo da vida parochial, deverão de preferencia ser providos nos canonicatos, e assim torna-se muito conveniente A organisação dos cabidos

«Na organisação, porém, dos quadros capitulares, não se deve ter sómente em vista a remuneração de longos e provados serviços parochiaes, senão que deve attender-se tambem ás exigencias do ensino ecclesiastico.

«Houve tempo, em que a instituição capitular foi impropriamente taxada de inutil, se inutil póde considerar-se a oração endereçada ao Omnipotente, e o cumprimento de deveres sagrados impostos ao clero pelas leis canonicas.

«Desde que, porém, o decreto de 26 de agosto de 1859 providenciou ácerca do provimento de alguns canonicatos com a obrigação annexa do ensino theologico, augmentou consideravelmente a importancia e utilidade dos cabidos.

«Foi esta providencia o primeiro passo dado para o progresso da obra civilisadora da instrucção ecclesiastica, que ainda assim está muito áquem do que deve ser, faltando-lhe a indispensavel uniformidade e o necessario desenvolvimento, condição esta que o governo muito louvavelmente intenta realisar.

«A proficua reforma, pois, do ensino e educação ecclesiastica será um melhoramento salutar, do que temos a esperar os mais beneficos e lisongeiros resultados, e que deverá contribuir poderosamente para que o clero seja o que convem e deve ser: illustrado e virtuoso.

«Illustrado, para que saiba derramar a luz da verdade, ensinando aos povos os seus direitos e deveres, pela influencia da palavra, e da sciencia, conforme o preceito sublime de uma missão divina e civilisadora.

«Virtuoso, para que os edifique pela moralidade do exemplo, preservando-os da acção dissolvente do vicio e da corrupção.

«Como conseguir, porém, tão altos, e proveitosos fins, em presença dos escassos meios destinados á educação e instrucção do clero?!

«Se é um facto averiguado e incontroverso o melhoramento realisado nos ultimos annos no ensino ecclesiastico, está, ainda assim, longe de attingir o grau de aperfeiçoamento, a que deve chegar, por interesse da religião, da moral e da mesma sociedade civil.

«Não ha, em verdade, sociedade alguma, que possa aperfeiçoar-se sem a cooperação religiosa do padre, cujos serviços são indispensaveis á conquista e garantia da verdadeira liberdade, e cuja missão se harmoniza perfeitamente com as mais nobres, e elevadas aspirações da moderna civilisação, como sensatamente se observa da portaria de 30 de outubro de 1866.

«É necessario, pois, desenganarmo-nos, de que o imperio, e efficacia das leis, sem o concurso da religião e dos costumes, pouco ou nada vale.

«Convém, portanto, que desappareçam os preconceitos aventados contra o clero, immerecidamente accusado de inimigo da liberdade; quando é certo, que a esta obra redemptora, lançara o Divino Mestre no Evangelho os fundamentos, sobre que o sacerdócio deve edificar, em beneficio do tempo e da eternidade, levado pelo exemplo generoso de proprio Christo, que não duvidara sacrificar-se pelo resgate da humanidade opprimida, pelo egoismo, pela ignorancia e pela escravidão.

« Não afastemos, pois, o clero, com falsos pretextos, da obra salutar da instrucção e educação do povo: empenhemo-lo, antes, interessemo-lo vaia util propaganda de regeneração social.

«Instruamos, portanto, o clero.

«Eduquemo-lo, para que possa e saiba satisfazer os altos deveres da sua missão evangelisadora.

«O primeiro passo a dar agora n'esta santa cruzada é revogar o decreto de 12 de novembro de 1869, que inhibe a apresentação nos beneficios vagos nos quadros capitulares, e a nomeação de prelados para differentes dioceses.

«A promulgação de tal decreto, dizemo-lo sem espirito de malquerença, nem de parcialidade, foi uma verdadeira calamidade, convindo, por isso, que seja revogado, por interesse da igreja e do estado.

«Aproveitemos convenientemente os elementos, que os cabidos, e as collegiadas offerecem, e que devem contribuir poderosamente para melhorar a educação e instrucção do clero e do povo.

«Empreguemos proficuamente o pessoal d'estas corporações, sem restringirmos os quadros, sem fecharmos a porta e tolhermos o futuro á geração nova, que se consagra ao sacerdócio.

«Lastimamo-nos todos os dias, porque não podemos sustentar pela força physica o imperio das leis, e da auctoridade nas nossas possessões de além mar. Lastimamo-nos, porque não conservamos os direitos do padroado, e accusamos a propaganda, de no-los usurpar, pretextando a nossa incuria, a falta do comprimento dos nossos deveres.

«Tão solicitos somos, porém, em accusar a existencia do mal, como inertes nos meios de remedia-los.

«Se Portugal, pelas suas gloriosas conquistas, foi como a cabeça da Europa, se o seu nome inspirava o respeito e admiração do mundo, não era tanto pela força material de que dispunha, como pela pureza das crenças, e dos costumes, e pela superabundancia dos sentimentos religiosos.

«A par de nossas armas, erguia-se o symbolo da fé, o estandarte da religião, que não sé favorecia e alargava essas conquistas nas plagas remota, e desconhecidas, senão tambem as mantinha no amor, no respeito e na obediencia.

«Tão relevantes serviços, tão altos beneficios eram devidos, sem contestação, á influencia das missões.

«Que os avisos, pois, da experiencia nos sirvam de lição!

«Curemos de organisar em todos os seminarios diocesanos com o pessoal dos cabidos, escolas de missionarios,

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aproveitando e estimulando as vocações, e remunerando | devidamente os serviços.

«Formemos os costumes publicos sobre a base essencial da religião que, como diz o sr. Alexandre Herculano, modifica os corações, não educados pela civilisação e pela philosophia.

« Moralisemos e instruamos o clero, e empreguemo-lo em trabalhos consentaneos á sua augusta missão. E o governo, que houver de realisar estas reformas, bem merecerá da religião e da patria.»

O relatorio contém ainda differentes considerações, com relação a outros assumptos, sobre que o governo mandou ouvir os prelados, mas prescindo da sua leitura, e abstenho-me tambem de ler outros documentos bastante volumosos, que nos fariam demorar aqui muitas horas, sendo culpados dos transtornos, que soffremos, o governo, a presidencia e a maioria, que me collocaram n'esta situação.

É por isso que sinto, que este parecer entrasse em discussão tão repentinamente e de assalto, preterindo-se outros, como já disse, prorogando-se a sessão, sem necessidade nenhuma, e obstando-se assim a que podesse esclarecer-se uma questão de tão alta importancia. (Apoiados.)

Na verdade, tenho pena, que a escassez do tempo não me permitta ler e apreciar alguns documentos.

Vozes: — Leia, leia.

O Orador: — Se a camara deseja, leio, mas previno-a de que são muito longos esses documentos. Vozes: — Leia.

O Orador: — Não leio, para não cansar a camara.

Eu tencionava mandar algumas propostas para a mesa; não o faço, porém, nem leio mais documentos, porque não quero que se supponha que procedo por acinte.

E não mando as propostas para a mesa, porque está escripto, que o parecer ha de ser approvado como está. Tenho d'isso certeza antecipada.

Uma das minhas propostas seria, que opportunamente se estabelecessem e fixassem as bases para a reducção das dioceses, a fim de que o parlamento as discutisse, e não abdicasse as prerogativas que lhe pertencem.

Outra proposta seria, pedindo o adiamento d'este projecto até que fosse decretada a reforma administrativa, porque, segundo as idéas que expuz no meu relatorio, entendo que a circumscripção das dioceses deve ser em harmonia com a circumscripção dos districtos: isto por interesse e commodidade dos povos, que, tendo de se dirigir para negocios civis á capital dos districtos, podiam tambem, seu doa-lhes preciso, tratar conjunctamente dos negocios ecclesiasticos. (Apoiados.)

Mas, como estas minhas propostas seguramente não seriam acceites, e eu não quero por mais tempo prolongar este debate para não abusar da paciencia da camara, nem desejo que por modo algum se julgue que combato acintosamente a auctorisação proposta n'este parecer, ou que o faço por intuitos politicos para embaraçar a resolução d'este negocio, não só não apresento as propostas, como não procedo á leitura dos documentos, que poderia ler, nem peço votações nominaes para se verificar, se na sala ha numero legal de srs. deputados para se poder votar. Abstenho-me até de adduzir outras considerações, que tencionava fazer, e que estou persuadido seriam interessantes, não pela importancia de quem as apresentaria, mas pela natureza do assumpto.

Desisto, portanto, da palavra.

Vozes: — Muito bem.

O sr. D. Miguel Coutinho: — O adiantado da hora e o estado em que todos nos achamos, ou, pelo menos, o estado em que eu me acho, obriga-me a mandar para a mesa a minha proposta quasi sem a acompanhar dos argumentos que eu julgava indispensaveis para a sustentar.

A proposta é a seguinte. (Leu.)

Eu tencionava mandar para a mesa uma proposta da natureza muito diversa d'esta, mas, depois das explicações

do illustre deputado e meu amigo, o sr. relator da commissão, entendi que a devia substituir por aquella que agora apresento, e apenas indicarei um dos argumentos principaes em que me fundo para a offerecer á consideração da camara.

Vejo, no artigo 2.°, nada mais e nada menos do que a revogação completa do decreto de 12 de novembro de 1869, e d'aqui concluo que se poderão fazer provimentos nos quadros capitulares, augmentando-os consideravelmente.

E esta a rasão principal por que eu faço esta proposta, que tem por fim limitar esses quadros capitulares a um numero certo e determinado. Não digo mais nada. Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que se acrescente ao § 2.º do artigo 2.° o seguinte:

Com tanto que não exceda o numero dos existentes á data do decreto de 12 de novembro de 1869. = D. Miguel Pereira Coutinho. Foi admittida.

O sr. Freitas Branco: — Declaro, por parte da commissão, que esta não póde acceitar a proposta do sr. D. Miguel Coutinho.

O sr. Pedro Franco (sobre o modo de propôr): — Peço a V. ex.ª que, antes de se votar, mande verificar se ha na sala numero sufficiente para a votação. Vozes: — Ha, ha.

O sr. Pedro Franco: Tanto direito tenho eu para dizer que não ha numero, como os srs. deputados para dizerem o contrario, emquanto a mesa não fizer a verificação.

O sr. Presidente: — Ha numero na sala; vae votar-se.

O sr. Pedro Franco (para um requerimento): — Requeiro a V. ex.ª que consulte a camara sobre se quer votação nominal, que é a maneira de se saber se ha numero na sala.

Consultada a camara resolveu negativamente e foi logo approvado o projecto na generalidade e em todos os artigos na especialidade, sendo rejeitada a proposta do sr. D. Miguel Coutinho.

O sr. Secretario (Mouta e Vasconcellos): — A commissão de redacção não fez alteração alguma ao projecto que acaba de ser votado. Vae ser expedido para a outra camara.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje, e mais os projectos n.º 5 20, 24, 28, 31, 40, 45, 46 e 122. Está levantada a sessão. Eram seis horas e meia da tarde.

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