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SESSÃO DE 16 DE MARÇO DE 1883

Presidencia do ex.mo sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os srs.

Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

Francisco de Paula Gomes Barbosa

SUMMARIO

Dá-se conhecimento de tres officios recebidos: um do ministerio do reino, acompanhando uns documentos requeridos pelo sr. barão do Ramalho, e dois do ministerio das obras publicas, com esclarecimentos pedidos por outros srs. deputados.-Tem segunda leitura o projecto de lei do sr. Alberto Pimentel, prorogando o praso da concessão de que trata a carta de lei de 13 de abril de 1875.- O sr. Sarrea Prado manda para a mesa uma representação contra a proposta de lei n.º 10-D, e pede que seja publicada no Diario das sessões.- A camara annue. -O sr. Martinho Camões requer que entre em discussão, antes da ordem do dia, dispensando-se o regimento, o projecto de lei n.° 104.-O sr. Manuel José Vieira justifica as faltas do sr. Guedes Bacellar a algumas sessões. - O sr. presidente participa que se acha publicado o primeiro volume dos documentos para a historia parlamentar, coordenados pelo sr. Clemente José dos Santos.-Declara o sr. Sarrea Prado pretender tomar parte na interpellação do sr. Navarro sobre a questão do Zaire. - O sr. Antonio Maria de Carvalho pergunta ao sr. ministro da fazenda se já se acham revogadas as ordens que prohibiram o despacho de cartuchame para armas portateis; e referindo-se depois ás pautas de Moçambique, Cabo Verde e S. Thomé, pretendo saber qual seja o pensamento do governo depois do recente discurso do ministro inglez. - Responde o sr. presidente do conselho.
Na ordem do dia, primeira parte, são approvados sem discussão os projectos de lei: n.° 18, fixando o contingente para o exercito e armada; e o n.° 10, fixando a força do exercito no corrente anno.- Na segunda parte continua a discussão do capitulo 4.° do projecto de lei n.º 20. - O sr. Mariano de Carvalho apresenta, e sustenta largamente, importantes propostas sobre propinas, sobre o exercicio do ensino particular, e excluindo tanto d'este, como do ensino publico, os individuos pertencentes a communidades religiosas.- Allude depois aos perigos do collegio de S. Fiel, no districto de Castello Branco, descrevendo o modo por que se acha constituido, e indicando algumas das doutrinas que ali se ensinam.- O sr. Illydio do Valle responde, como relator, aos oradores precedentes.- O sr. Pinheiro Chagas apoia, a fiscalisação do ensino, indicada pelo sr. Mariano de Carvalho, sustenta a necessidade de duas epochas de exames; e respondendo ao sr. Arriaga, declara-o injusto para com os monarchicos liberaes, e exalta os serviços por estes prestados.-O sr. sr. ministro do reino responde ao sr. Mariano de de Carvalho e apresenta uma proposta de lei.

Abertura- Ás duas horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada - 5l srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão os srs.: - Abilio Lobo, Agostinho Lucio, Agostinho Fevereiro, Alberto Pimentel, Sarrea Prado, Pereira Côrte Real, A. J. d'Avila, Pereira Carrilho, Sousa Pinto de Magalhães, Sieuve de Seguier, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Trajano, Castilho, Sanches de Castro, Conde do Sobral, Conde de Thomar. Diogo de Macedo, Francisco de Campos, Gomes Barbosa, Illydio do Valle, Jeronymo Osorio, Rodrigues da Costa, Brandão e Albuquerque, Sousa Machado. J. A. Gonçalves, Ponces de Carvalho, J. J. Alves, José Bernardino, Figueiredo Mascarenhas, J. M. Borges, José de Saldanha (D.), Vaz Monteiro, Luciano Cordeiro, Luiz do Lencastre, Gonçalves de Freitas, Luiz de Bivar, Luiz da Camara (D.), Correia de Oliveira, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Miguel Candido, Miguel Tudella, Pedro Diniz, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão, Visconde de Porto Formoso e Visconde de Reguengos.

Entraram durante a sessão os srs.: - Sousa Cavalheiro, Lopes Vieira, Moraes Carvalho, Sousa e Silva, Cunha Bellem, A. M. de Carvalho, Mello Ganhado, Fonseca Coutinho, Zeferino Rodrigues, Barão de Ramalho, Bernardino Machado, Cypriano Jardim, Emygdio Navarro. Sousa Pinto Basto, Severim de Azevedo, Firmino João Lopes, Fortunato das Neves, Gomes Teixeira, Guilherme de Abreu, Silveira da Motta, Freitas Oliveira, Costa Pinto, Franco Frazão, J. A. Pinto, Scarnichia, Ferreira Braga, Ribeiro dos Santos, João Ferrão, J. A. Neves, Avellar Machado, Borges Pacheco. Dias Ferreira, Elias Garcia, José Frederico, Gonçalves dos Santos, Rosa Araujo, Brandão de Mello, José Luciano, Sousa Monteiro, Pereira de Mello, Pinto Leite, Lourenço Malheiro, Manuel de Arriaga, Manuel d'Assumpção, Rocha Peixoto, Silva e Matta, M. J. Vieira, Pinheiro Chagas, Pedro Correia, Pedro Martins, Tito de Carvalho, Visconde do Rio Sado e Wenceslau Pereira Lima.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Azevedo Castello Branco, Gonçalves Crespo, A. I. da Fonseca, A. J. Teixeira, Santos Viegas, Potsch, Fuschini, Neves Carneiro, Castro e Solla, Caetano de Carvalho, Brito Côrte Real, Conde da Foz, Custodio Borja, Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Mouta e Vasconcellos, Patricio, Wanzeller, Correia Arouca, Palma, Gualberto da Fonseca, Teixeira de Sampaio, Novaes, Guilherme Pacheco, Figueiredo de Faria, Ferreira Freire, Teixeira de Queiroz. J. M. dos Santos, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Luiz Palmeirim, Aralla e Costa, Pedro Guedes, Bacellar, Graça, Marçal Pacheco, Pedro Franco, Barbosa Centeno, Baracho e Visconde da Ribeira Brava.

Acta. -Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio do reino, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado barão do Ramalho, copia dos documentos relativos á creação de um logar de sub-inspector, de instrucção primaria em Angra do Heroismo.
Á secretaria.

2.° Do ministerio das obras publicas, participando, em satisfação ao requerimento do sr. deputado J. J. Alves, que não foram ainda submettidos á approvação d'aquelle ministério os novos estudos para as obras do esgoto e limpeza da capital, a que se refere a lei de 12 de abril de 1867, e que, por despacho de 28 de novembro d'esse anno, foi paga a mr. E. Gotto a quantia de £ 6:400, preço dos estudos que apresentara em virtude dos contratos com elle celebrados em 13 de julho e 21 de dezembro de 1876.
Á secretaria.

3.º Do mesmo ministerio, enviando nota das despezas feitas por conta da verba de 240:000$000 réis destinada a despezas com estradas nos districtos do Villa Real e Bragança.
Á secretaria.

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores.-A camara municipal do concelho de Setubal representou em 1875 ao parlamento, pedindo que lhe fossem concedidos os deslastres dos navios entrados n'aquelle porto para os destinar á construcção do aterro, que effectivamente já começou a construir entre o caes de Nossa Senhora da Conceição e o baluarte do Livramento, e que o remanescente da receita dos mesmos delastres fosse applicado á construcção de uma muralha de cantaria que podesse sustentar aquelle aterro.
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Essa representação deu origem a um projecto do lei, que entrou na ordem do dia da sessão de 8 de março do mesmo anno, e que foi approvado depois de uma pequena modificação proposta por um membro da camara electiva.
Julgo conveniente transcrever agora o substancioso parecer da respectiva commissão, elaborado pelo illustre deputado, o sr. Carrilho, porque n'esse documento estão claramente condensadas todas as rasões de ordem superior que justificaram a conveniencia d'aquelle projecto, sanccionado por carta de lei de 13 de abril de 1875.
Diz assim:
«Senhores. - A vossa commissão de fazenda foi presente uma representação da camara municipal de Setubal, pedindo ser auxiliada em um importante melhoramento d'aquella cidade. Trata-se de prolongar em frente de Setubal o caes que apenas está construido em parte da praia, fazendo-o chegar ao baluarte do Livramento.
«D'esta construcção resultam, importantes vantagens. A principal é fazer desapparecer os inconvenientes que para a hygiene dos habitantes de povoação tão laboriosa e commercial resultam de, na baixamar, ficarem descobertas grandes porções de vasa. A construcção do caes projectado satisfará plenamente a esta exigencia, que, por ser local, nem por isso é menos digna de attenção do poder legislativo.
«E crê a commissão que, n'um porto tão frequentado de navios, como é o de Setubal, esse caos servirá do auxilio á fiscalisação aduaneira, porque dispensará de certa fórma parte do pessoal hoje empregado na repressão do contrabando n'aquelle ponto.
«A camara de Setubal pede que lhe sejam dados os lastros para a feitura do aterro d'esse caes, lastros que hoje são lançados no logar de Troia, e que o remanescente da receita proveniente d'esses deslastres possa ser applicado á construcção da muralha de cantaria que ha de sustentar o mesmo aterro.
«A vossa commissão de fazenda entende que esta petição póde e deve ser deferida, visto como da receita dos deslastres dos navios em Setubal, pequena é a somma liquida que o thesouro aufere, e com a feitura do caes, pelo melhor exito que deverá ter a fiscalisação, essa pequena differença temporaria converter-se-ha, dentro cru pouco, em um effectivo augmento dos recursos do thesouro, independentemente do facto de se ter auxiliado, sem gravame do orçamento, um municipio importante, na realisação de obra que parece urgente ser ultimada.»
Efectivamente as obras do aterro de Setubal começaram e têem progredido com a possivel solicitude.
A camara sabe, porém, quanto são morosas as construcções d'esta natureza, e tem uma prova cabal, de quanto deixo dito, na construcção do aterro de Lisboa.
Agora, na representação que acabo do mandar para a mesa, a municipalidade setubalense pede que se amplie o praso da concessão, que lhe fôra feita, pelo tempo necessarios para a conclusão das obras do aterro, e esta representação, que tem em vista levar a cabo um grande melhoramento para a cidade de Setubal, justifica plenamente a necessidade do projecto do lei que tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação.

Artigo 1.° O praso da concessão, de que trata a carta de lei de 13 de abril de 1875, é prorogado por todo o tempo necessario para a conclusão das obras do prolongamento do caes de Nossa Senhora da Conceição até ao baluarte do Livramento, na cidade de Setubal.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 14 de março de 1883.= Alberto Pimentel.
Enviado á commissão de fazenda.

PROPOSTA DE 1EI APRESLXTADA PELO SR. MINISTRO

Proposta da lei n ° 38-B

Senhores. - A conta do exercicio do ministerio dos negocios do reino, relativa ao anno economico de 1880-1681, apresenta um excesso de liquidação na importancia de reis 27:088$933, como se observa do mappa incluso, sendo: no artigo 17.º, 1:572$595 réis, proveniente do resto das despezas com a construcção de duas tendas barracas para o hospital do S. José; no artigo 25.°, 2:945$670 réis, do despezas com os objectos enviados á exposição de bellas artes de Madrid, compra de obras artisticas para o museu do bellas artes e renda do palacio aonde está collocado o mesmo museu; no artigo 2l5.°, 20:905$960 réis, do maior desenvolvimento do trabalho na imprensa nacional; no artigo 32.°, 903$490 réis, dos soccorros prestados aos habitantes da villa da Povoação no districto de Ponta Delgada, em consequencia dos tremores de terra que ali se fizeram sentir, e finalmente no artigo 34.°, 761$218 réis, dos vencimentos de empregados dos diversos governos civis que foram aposentados; excesso, porém, que se torna necessario logalisar pelas sobras que houve nos demais artigos da respectiva tabella, na importancia de lll:767$5214 réis, como tambem se observa do mesmo mappa; n'estes termos tenho a honra do vos apresentar a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É legalisada a quantia 27:08S$5933 réis, em que no exercicio de 1881 foi excedida, pelo ministerio dos negocios do reino, a despeza doa artigos 17.°, 25.°. 26.°, 32.° e 34.°, pelas sobras dos restantes artigos da respectiva tabella das despezas.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 16 de março de 1883. = Thomás Antonio Ribeira Ferreira.

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Mappa das despezas do ministerio dos negocios do reino, auctorisadas para o exercicio de 1880-1881, comparadas com as respectivas

[Ver tabela na imagem]

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 9 de março de 1883.= Thomás Antonio Ribeiro Ferreira. Foi enviado á commissão respectiva.

REPRESENTAÇÃO

Da companhia mineira e metallurgica do Braçal, pedindo para ser modificada a proposta de lei n.° 10-D, apresentada pelo sr. ministro das obras publicas, no sentido de ser lançado sómente o imposto de 2 por cento no mineral exportado, ou, quando tal concessão se não possa fazer, que seja abatido o imposto sobre o carvão destinado ao consumo das officinas metallurgicas, e restabelecida a pequena protecção do direito de entrada sobre o chumbo.
Apresentada pelo sr. deputado Sarrea Prado, enviada ás commissões de obras publicas e de fazenda, e mandada publicar no Diario da camara.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que entre em discussão o projecto de lei n.° 104, relativo á desmembração da freguezia de S. Miguel das Aves, da comarca de Famalicão, e á sua annexação á comarca de Santo Thyrso, consultando-se a camara se, dispensado o regimento, póde este projecto ser discutido antes da ordem do dia. = O deputado, Martinho Camões.

JUSTIFICACÃO DE FALTAS

Tenho a honra de participar a v. ex.ª e á camara, que o nosso collega, o ex.mo sr. Manuel Pinto Vaz Guedes Bacellar, tem faltado, e continuará ainda a faltar a algumas sessões, pelo estado grave de doença em que se encontra uma pessoa de sua familia. = M. J. Vieira.

O sr. Presidente:-Tenho a declarar á camara que já se acha sobre a mesa o primeiro volume dos documentos para a historia parlamentar, coordenados pelo distincto empregado d'esta casa o sr. Clemente José dos Santos.
É um trabalho importante de que elle só desempenhou com o seu costumado zêlo e reconhecida intelligencia.
Opportunamente será distribuido um exemplar a cada um dos srs. deputados.
O sr. Sarrea Prado: - Mando para a mesa a declaração de que pretendo tomar parte na interpellação annunciada pelo sr. deputado Emygdio Navarro, sobre a questão denominada do Zaire, no caso de que venha a realisar-se.

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Mando tambem para a mesa uma representação da companhia mineira e metallurgica do Braçal, reclamando uma alteração na proposta n.° 10 -D apresentada pelo sr. ministro das obras publicas.
Peço a v. ex.ª que envie esta representação á commissão de obras publicas e que seja publicada no Diario da camara.
Os fundamentos da representação, e que n'ella claramente vem allegados, parecem-me dos mais attendiveis, como rasoavel, creio, o alvitre lembrado para que o imposto de minas incida só no mineral exportado, ou, quando isso não seja acceite pela commissão, que seja abolido o imposto sobre o carvão destinado á industria metallurgica, e restabelecida a protecção proveniente do direito de entrada sobre o chumbo importado do estrangeiro.
Confio que a commissão respectiva prestará a devida attenção a este assumpto, fazendo com que unia industria que não está nada desenvolvida em Portugal, não veja levantar-se-lhe embaraços que a destruam completamente.
Leu-se na mesa a seguinte

Declaração

Declaro a v. ex.ª que desejo poder tomar parte na interpellação sobre a questão do Zaire, annunciada pelo sr. deputado Emygdio Navarro, caso se realise.= A. de Sarrea Prado, deputado.
Consultada a camara, resolveu que a representação fosse publicada no Diario das sessões.
O sr. Antonio Liaria de Carvalho: - Pedi a palavra para, aproveitando a presença do sr. ministro da fazenda, lhe perguntar se já me póde dar alguma resposta com respeito á prohibição que houve na alfandega em admittir a despacho todo o cartuchame.
Aguardo a resposta de s. ex.ª e aproveito a sua presença na qualidade de presidente do conselho de ministros, para me responder ao que eu desejava perguntar ao sr. ministro da marinha, ou ao dos estrangeiros se estivessem presentes.
Vi nos jornaes portuguezes, transcripto, o discurso do ministro dos negocios estrangeiros da Inglaterra, proferido na camara dos lords, e n'elle encontro uma passagem, que me surprehendeu deveras, mas como o jornal em que li a traducção não segue a politica do governo, quiz ainda admittir a possibilidade de uma interpretação menos rigorosa.
Hoje, porém, encontro n'um jornal que segue a politica do governo, traduzido esse mesmo discurso em que vem as palavras que passo a ler.
(Leu.)
Esta declaração do ministro inglez feita na camara dos lords deverá por certo surprehender a camara, que ainda ha poucas sessões teve occasião de presenciar a discussão que se travou aqui ácerca das pautas decretadas para Cabo Verde e S. Thomé.
Se o governo portuguez só compromette com o governo inglez a tornar extensivas ás outras colonias os beneficios da pauta de Moçambique, como se explica que um membro do mesmo ministerio decrete duas pautas, com approvação do conselho de ministros que são exactamente o opposto aos principies sustentados na pauta de Moçambique?
Aguardo que por parte do governo se explique ao paiz qual o seu pensamento. Se o seu pensamento é effectivamente o indicado pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros ao ministro dos negocios estrangeiros da Inglaterra ou só, porventura, o seu pensamento é o sustentado no decreto do governo que approva as duas pautas tanto de Cabo Verde como de S. Thomé.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello) (S. ex.ª não revê as notas tachygraphicas.): - Sr. presidente, respondendo á primeira pergunta que me dirigiu o illustre deputado, dir-lhe-hei que emquanto ao despacho das cargas para armas portateis, a que já se referiu n'uma das sessões passadas, tinha havido embaraços na alfandega, em virtude de regulamentos das leis existentes, a requisição do governo civil; mas tendo eu examinado aquelle negocio, entendi que não havia motivo para se demorar o despacho, e ordenei que elle se fizesse. Portanto, n'essa parte, está satisfeita a pergunta do illustre deputado.
Emquanto á segunda parte, que diz respeito ás negociações pendentes entre Portugal e o governo da Gran-Bretanha, eu pediria ao illustre deputado e pediria á camara, que de accordo com as tradições parlamentares de todos os paizes e com a conveniencia do nosso proprio paiz, não provocasse uma discussão que podia prejudicar a questão pendente a que me refiro. (Muitos apoiados.)
O discurso a que se refere o illustre deputado não tem authenticidade, porque é um discurso transcripto de um jornal inglez e traduzido n'um jornal portuguez: não é um discurso officialmente publicado.
Por consequencia, não se póde dar a interpretação rigorosa que o illustre deputado pretende dar ás palavras que pronunciou lord Granville no parlamento inglez, quando, respondendo a um dos membros da camara dos lords, deu algumas explicações sobre as suas intenções em relação a Portugal, na questão sujeita.
Não podendo dar todo o valor a essas palavras, commetteria eu uma indiscrição, se acaso pretendesse interpretal-as. E creio que, quando mesmo o illustre deputado não tenha confiança na politica do governo, deve, pelo menos, tel-a no seu patriotismo, e estar certo de que nós não havemos em caso algum preterir os interesses do paiz no negocio de que se trata.
Pedia, pois, ao illustre deputado, no interesse da causa publica, que zela tanto como eu, que não insistisse mais a esse respeito, na certeza de que o governo não foge de dar opportunamente conta ás côrtes de todos os factos que Decorrerem. Os documentos hão de ser todos presentes ao parlamento e por elle examinados; será então occasião de fazer pesar sobre nós todas as responsabilidades em que tenhamos incorrido pelo nosso procedimento em relação a este assumpto. (Muitos apoiados.)
O sr. Guimarães Camões: - Mando para a mesa outro requerimento sobre o projecto n.° 104, que diz respeito á freguezia de S. Miguel das Aves, que se pretende desmembrar da comarca de Villa Nova de Famalicão para a annexar á comarca do Santo Thyrso.
(Leu.)
Peço a v. ex.ª que consulte a camara se permitte que se dispense o regimento para ser discutido este projecto antes da ordem do dia.
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Não posso deixar, em primeiro logar, de agradecer ao illustre ministro a resposta que me deu com relação aos embaraços que tinha havido na alfandega em admittir a despacho o cartuxame. Effectivamente nenhuma rasão de interesse publico podia aconselhar o prohibir a importação d'aquelle artigo.
E pelo que diz respeito ás considerações feitas pelo illustre ministro em resposta ao que eu disse, direi que a transcripção feita pelo jornal portuguez é do um artigo do Times, jornal que deve merecer todo o credito; e emquanto á traducção, direi apenas que o titulo do jornal que a fez abona por certo a sua exactidão, porquanto é do Diario illustrado a traducção que li á camara.
Mas o illustre presidente do conselho melhor do que ninguem poderá saber se aquellas palavras foram, ou não, proferidas pelo ministro inglez.
Assegurou o governo portuguez ao governo inglez o que este disse?
A questão é esta.
E em ser discutida no parlamento não vejo senão vantagens.
A verdade é que, em questões d'esta ordem, o commercio não póde estar constantemente em uma indecisão. O

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commercio carece de saber quaes os principios que professa a escola que está no poder; se é a escola ultra-protectora ou a escola ultra-liberal. Até hoje tem provado, pelas pautas que decretou, tanto para Cabo Verde como para S. Thomé, que é a escola ultra-protectora, se bem que pouco antes provou o contrario com o decreto sobre a cabotagem.
O fim da minha pergunta, portanto, é encontrar nas explicações do sr. ministro um elemento seguro para ajuizar do pensamento do governo, que não sei qual é, depois da impressão que deixaram no meu espirito as palavras que acabei de ler á camara.
O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção.
O sr. deputado Camões pediu para entrar em discussão o projecto n.° 104, que já está dado para ordem do dia; mas, tenho a observar a s. ex.ª que não está presente o sr. ministro da justiça, nem o sr. relator. Logo que compareçam e havendo opportunidade, submetterei á apreciação da camara o requerimento do sr. deputado.
Como não está presente o sr. ministro do reino, e já estão dados para ordem do dia os projectos n.ºs 18 e 19, e achando-se presente o sr. ministro da guerra, vae passar-se á ordem do dia, entrando estes projectos em discussão.

PEIMEIRA PARTE DA OEDEM DO DIA

Leu-se na mesa o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 18

Senhores.- A proposta de lei n.° l5-H, do governo, pede, para o serviço dos exercitos de terra e mar em 1883, o contingente de 12:493 recrutas, distribuidos, segundo a lei, pelos diversos districtos administrativos do continente e ilhas adjacentes, sendo 12:000 destinados ao exercito de terra, e 496 á marinha militar.
Subsistem para a vossa, commissão, as mesmas ponderações que tivemos a honra de apresentar-vos no anno passado: as muitas circumstancias que influem e transtornam o bom serviço do recrutamento, exigem correctivos que alcancem quanto possivel, a realisação do contingente de 10.000 recrutas, como o pede um exercito de 30:000 homens, e um serviço activo de tres annos; acresce que as estatisticas acendam um desfalque medio de 2:000 baixas no contingente annual de 10:000 homens.
Recordando ainda que, em harmonia com a administração financeira do paiz, e com o estado normalmente sedentario a que se acha habituado o nosso exercito, uma grande parte do seu effectivo é sempre licenciada, a vossa commissão da guerra é de parecer que deveis approvar a mencionada proposta do governo, depois de convertida no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° O contingente para o exercito e armada, é fixado no anno de 1883, em 12:496 recrutas, distribuidos pelos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes, conforme a tabella que faz parte d'esta lei, sendo 12:000 recrutas destinados para o serviço do exercito, e 496 para o da armada.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão de guerra, 14 de fevereiro de 1883.- Caetano Pereira Sanches de Castro= José Frederico Pereira da Costa = J. Maria Borges -H. Gomes da Palma = E. de Azevedo = Cypriano Jardim = José Pimenta de Avellar Machado =M. J. da Silva e Mata -S. de S. Dantas Baracho =Jeronymo Osorio de C. Cabral e Albuquerque-Antonio José d'Avila =A. M. da Cunha Bellem = J. C. Rodrigues da Costa, relator.

Tabella a que se refere o artigo 1.° d'esta lei

[Ver tabela na imagem]

Sala da commissão de guerra, 14 de fevereiro de 1883.= Caetano Pereira Sanches de Castro = Jeromyno Osorio de Castro Cabral e Albuquerque = José Frederico Pereira da Costa = H. Gomes da Palma =José Pimenta de Avellar Machado = Antonio José d'Avila = E. de Azevedo = A. M. da Cunha Bellem =J. M. Borges = M. J. da Silva Matta = Sebastião de S. Dantas Baracho =J. C. Rodrigues Costa, relator.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Não posso tomar parte na discussão d'este projecto, porque, tendo-o pedido, trouxeram-me o n.° 19, e para não demorar reservo-me para, em occasião opportuna, fazer as considerações que julgar convenientes.
Foi approvado o projecto.
Leu-se na mesa o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 19

Senhores. - A vossa commissão examinou a proposta de lei n.° 15 - G, apresentada pelo governo em cumprimento do § 10.º do artigo l5.° da carta constitucional da monarchia, na qual fixa a força do exercito no corrente anno em 30:000 praças de pret de todas as armas; e achando a proposta conforme com a actual organisação do exercito, e satisfazendo tambem á urgente necessidade de realisar economias com o licenciamento de toda a força que poder ser dispensada, sem prejuizo do serviço: é a vossa commissão de parecer de que a proposta de que se trata seja convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º A força do exercito é fixada no corrente anno em 30:000 praças de pret de todas as armas.
Art. 2.° Será licenciada toda a força que poder ser dispensada sem prejuizo do serviço.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

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698 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Sala da commissão, em 14 de fevereiro de 1383.= Caetano Pereira Sanches de Castro =José Frederico Pereira da Costa = José Maria Borges - Hermenegildo Gomes da Palma = E. de Azevedo = Avellar Machado =Antonio José d'Avila -Dantas Baracho-Jeronymo Osorio de Albuquerque, relator.
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Não pedi a palavra com o proposito de combater este projecto, mas de aproveitar o ensejo de estar presente o sr. ministro da guerra, que com grande magua nossa, e n'isto julgo interpetrar os sentimentos da camara, não tomos ha muito tempo visto n'esta casa, para tratar de um assumpto que tem relação com o projecto que se discute.
Aproveito esta occasião para perguntar a s. ex.ª, se por parte do governo ha ou não o proposito de trazer, ainda n'esta sessão legislativa, uma proposta de lei sobre recrutamento.
O illustre ministro sabe perfeitamente que este serviço está o mais detestavelmente organisado que e possivel.
S. ex.ª sabe perfeitamente que hoje, em todos os concelhos, o serviço do recrutamento dá margem ás mais flagrantes injustiças que é possivel praticar, que mesmo essas providencias da lei que manda proceder ao sorteamento são completamente sophismadas.
Os mancebos que tiram os numeros mais elevados estão tão arriscados a irem servir, como os que tiram o n.° l, se, porventura, não tiverem pelo seu lado quem se empenhe pela sua sorte, porque é vulgarissimo livrarem-se todos, sendo inclusivamente chamados os de annos anteriores para perfazerem o contigente.
Entendo que um serviço d'esta ordem, para que aliás esta situação mostrou em tempo a necessidade de se lhe introduzir uma reforma radical, é necessario, é urgente fazer alguma cousa.
Em 1867 foi apresentado pelo respectivo ministro uma proposta para se organisar melhor este serviço, que me parece que deve merecer a attenção do governo.
Confesso que esperei sempre que n'esta sessão fosso apresentada por parte do governo a proposta a que me retiro, e esperei, confiado nas declarações feitas no ultimo anuo, tanto n'esta como na outra casa do parlamento.
Podia, pois, ao sr. ministro, que nos dissesse se porventura, pensa em acudir a este grande mal, trazendo ainda n'esta sessão á camara as medidas que julgar conveniente.
O sr. Ministro da Guerra (Fontes Pereira de Mello):- O illustre deputado não combateu a proposta em discussão, apenas se limitou a dirigir ao governo uma pergunta sobre a sua intenção quanto a propor modificações, ainda na sessão actual, á lei do recrutamento.
Sobre este ponto preciso direi ao illustre deputado que o governo não póde comprometter-se a apresentar na sessão actual uma proposta de lei que altere, ou modifique, a lei do recrutamento.
São tão numerosos os assumptos de que a camara se está occupando nas duas casas do parlamento, são ainda tão graves aquelles de que tem de occupar-se, que me parece que seria impossivel, nos limites do praso que falta para o encerramento da actual sessão, discutir, alem d'esses, o projecto relativo ao recrutamento.
Reconheço a necessidade da reforma d'esta lei, reforma a que mais de uma vez me tenho referido, porém acho a occasião inopportuna.
Provavelmente na proxima sessão, eu e o sr. ministro do reino, porque este negocio prende mais com a pasta do reino, teremos occasião de apresentar á camara uma proposta de lei sobre recrutamento.
Estimarei muito que ella possa satisfazer as aspirações do illustre deputado.
Não havendo mais ninguem inscripto, foi seguidamente approvação e projecto.
O sr. Lencastre: - Peço a v. ex.ª que consulte a camara se quer que entre em discussão o projecto n.° 30,
O sr. Mariano de Carvalho: - Creio que o que o sr. Lencastre acaba de apresentar é uma proposta, e n'esse caso pergunto a v. ex.ª se o projecto a que s. ex.ª se refere está dado para ordem do dia.
Vozes: - Não está.
O Orador: - Posto isto, devo dizer á camara que alguns dos nossos collegas, que desejam entrar n'esta discussão, estão ausentes d'esta casa, por terem ido cumprir o dever imperioso de prestar homenagem a um correligionario seu, que se finou.
Parece não que discutir o projecto na ausencia de pessoas, que sabemos que desejam tomar parte na discussão, alem de não ser regular, não é generoso.
Espero que v. ex.ª e a camara attenderão a isto, e que o sr. Lencastre não terá duvida em retirar, por este motivo, a sua proposta.
O sr. Lencastre: - Em vista das rasões que o meu amigo, o sr. Mariano de Carvalho, acaba de expor, e pela consideração que tem havido por parte da camara de não querer levar de assalto os projectos quo aqui se discutem, desisto do meu requerimento.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão na especialidade do projecto n.° 20 (reforma da instrucção secundaria)

O sr. Presidente: - Apesar de não estar ainda presente o sr. ministro do reino, que me consta não poderá demorar-se muito, como está representado o governo na pessoa do sr. presidente do conselho, e está tambem presente o sr. relator da commissão, podemos continuar na discussão do projecto n.° 20, sobre instrucção secundaria. (Apoiados.)
Está, portanto, era discussão o capitulo 4.°, e tem a palavra sobre a ordem o sr. Mariano de Carvalho.
O sr. Mariano de Carvalho: - Começo por ler a minha moção do ordem, bem como uns artigos que julgo ser necessario addicionarem-se ao projecto.
A moção é a seguinte.
(Leu.)
Espero que a illustre commissão considerará esta minha moção pelo modo que julgar mais conveniente.
Agora os artigos addicionaes, que julgo conveniente incluir no projecto, são os seguintes.
(Leu.)
Como v. ex.ª me parece deve ter visto, estes artigos e esta moção não se afastam da materia do capitulo em discussão, que trata dos alumnos externos aos lyceus.
Espero tambem, embora eu tivesse pedido a palavra sobre a ordem, e por conseguinte não seja obrigado a restringir-me ao assumpto do capitulo 4.°, que não me arredarei muito da materia sujeita ao exame da camara. Mas, quando o faça, confio em que v. ex.ª tenha para commigo alguma benevolencia, attenta a temperança que tenho mostrado n'este debate, abstendo-me até hoje de tomar parte n'elle, apesar da minha qualidade de professor de instrucção publica.
E devo dizer a v. ex.ª que esta minha temperança não é virtude, é principalmente o fructo da rainha falta de intelligencia, tão deficiente, que não pude ainda comprehender todas as disposições do projecto. Em geral, declaro francamente que não as comprehendo, com excepção, porém, de duas, que comprehendo perfeitamente.
Não comprehendo que, sob o pretexto de estabelecer uma igual concorrencia entre os lyceus do estado e os collegios particulares, se apresentem diversos systemas de exames para os alumnos dos collegios particulares e para os dos lyceus do estado, de modo que a concorrencia se torna absolutamente desigual.
Não comprehendo igualmente que, ao passo que para os estabelecimentos do estado se pedem taes habilitações, para

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os professores, como são, possuir um determinado curso e fazer uns certos concursos, ao mesmo tempo para aquelles que queiram ser professores nos collegios particulares, não se lhes exige habilitações nenhumas.
Será n'estas desigualdades que se traduzirá o pensamento fundamental do projecto: igualar as condições de concorrencia entro os estabelecimentos particulares e os do estado, as quaes tinham sido desequilibradas pela lei de 1880?
Será assim, mas não entendo.
Igualmente não comprehendo como se pretende realisar economia, augmentando a cada passo os encargos do thesouro.
Mas comprehendo perfeitamente o espirito dos artigos 13.° e 25.° e seus correlativos.
O artigo 13.° dá-nos para cada lyceu central 23 professores, 15 effectivos e 8 aggregados!
Entendo perfeitamente o que isto quer dizer n'uma terra em que, como muito bem disse um illustre orador que me precedeu, parece que metade do paiz faz compendios e outra metade quer emprego publico.
Entendo de mais a necessidade de vinte e tres professores n'um instituto de instrucção secundaria, quando na escola polytechnica, onde se ensina mathematica, economia politica e sciencias physico-naturaes, e onde existem quasi duas faculdades, todo o serviço se faz com vinte e dois professores.
Tambem entendo perfeitamente, como reconhecendo-se todos os inconvenientes das nossas leis sobre aposentações se dá, se não explicitamente, pelo menos implicitamente, segundo resulta das declarações feitas pelo sr. relator, aos professores aggregados de instrucção secundaria, a mais singular de todas as prerogativas em materia do jubilação.
Estes professores podem estar muitos annos sem servir, nem ter vencimento, podem, até, nem servir nunca; mas no dia em que completarem vinte ou trinta annos depois de terem sido nomeados, embora não tenham feito serviço algum, passara a ser aposentados e a receberem, por consequencia, uma remuneração permanente, isto é, quando já nenhum serviço vão prestar.
No cahos em que estão as nossas leis sobre aposentações, no moio dos gravissimos inconvenientes que d'ahi resultam para a fazenda publica, só me faltava ver que se vá aposentar quem nunca serviu, e se comece a remunerar, então, de um modo fixo e permanente, quem já não póde servir.
Tambem comprehendo o artigo 25.°, o qual conjunctamente com o artigo 13.° e seus correlativos, deve ter por fim, naturalmente, a extincção do deficit.
Durante longos annos na escola polytechnica fiz o serviço dos chamados exames de madureza, exames que considero não só como meio de fiscalisação sobre o ensino secundario, mas como meio de indagar se o alumno está apto para comprehender a explicação nos estabelecimentos em que vae matricular-se. Estive, digo, fazendo exames de madureza sem remuneração alguma, mas satisfeito com isso por entender que cumpria o meu dever.
Agora vou ter eu proprio, e os meus collegas na instrucção superior gosarão tambem, uma propina de 2$500 réis por dia, pelos exames de madureza que se fizerem nas localidades onde estiverem os estabelecimentos do ensino a que pertencemos, e 4$000 réis quando os exames forem fóra d'essas localidades.
Supponho que esta remuneração, dada por um serviço que sempre foi gratuito, deve ter por fim a extincção do deficit. (Riso.)
Entendo que quem possuia a verdadeira philosophia pratica dos nossos dias, era um deputado que já falleceu, e ao qual me posso referia1 n'este momento, porque na referencia que faço de modo algum injurio a sua memoria.
Aquelle deputado era engenheiro, e notava que todas as vezes que se fazia uma reforma no serviço technico das obras publicas com o intuito de realisar economias, sempre o cartuxinho lhe ia augmentando.
Tambem me parece que n'este fervor de extinguir o deficit, as reformas dos serviços publicos se vão realisando sempre tão economicas, e de tal modo são as que se fazem pelo projecto de que nos occupâmos, que o cartuxinho vae sempre crescendo. (Riso.)
Não me queixo por mim, que naturalmente vou ser beneficiado com a disposição da lei, que aliás não pedi, não solicitei nem desejava. Queixo-me pelo thesouro.
Deixando, porém, estes pontos para a discussão dos seguintes capitulos do projecto, vou tratar de justificar as minhas propostas.
Os artigos que apresento têem por fim tornar efficaz, definida e completa a fiscalisação do governo sobre estabelecimentos de ensino particular que hoje, pela confusão das leis, pela sua inefficacia e pela falta de sancção penal, póde-se dizer que não existe.
Quer a minha desgraça que n'uma epocha em que de todos os lados da camara se proclama com geral applauso a doutrina da liberdade absoluta, seja eu que estando filiado n'um partido radical, embora monarchico, venha propor disposições restrictivas. Mas consolo-me com a idéa da que esta situação singular em que me vejo collocado em relação a alguns dos meus collegas, depende das noções differentes que temos, uns e outros, da idéa da liberdade. É notavel que em cada paiz, em cada epocha e no mesmo paiz e na mesma epocha cada um comprehenda a liberdade a seu modo, embora a noção d'ella seja fundamental em direito publico.
Assim uma escola franceza pretendeu synthetisar a idéa o a noção da liberdade na phrase resuscitada por Bastiat - laissez faire, laissez passer. Pois creio que esta phrase póde ser verdadeira e pôde ser falsa. Não representa um principio absoluto. Supponhamos que o estado deixa a todos os cidadãos os direitos de adquirir bens e de gosal-os como entenda, comtanto que não prejudique os direitos alheios; supponhamos tambem que deixa livremente que soffra cada um o castigo dos erros que praticar, ou das culpas em que incorrer.
N'este caso o laissez faire, laissez passer é verdadeiro. Mas supponhamos que um cidadão soffre males inflingidos pela acção dos outros e de que só póde defender-se com enormes sacrificios. N'este caso o laissez faire, laissez passer é essencialmente falso. Venha um caso pratico. Em virtude do laissez faire deixe o estado semear arrozaes por toda a parte, deixe envenenar as povoações só para que varios individuos gosem a liberdade de grangear as suas terras como lhes apraza. Deixe por causa do laissez passer que fujam livremente os que não querem ser envenenados. Este será o bello ideal da liberdade á Bastiat, mas não julgo que seja o bello ideal da liberdade racional.
Se não me conformo com a liberdade do arrozal e da fuga; tambem, ainda que me chamem socialista, não acceito a liberdade do latifundio e do baldio.
Não comprehendo que um certo numero de cidadãos á sombra das leis possa apoderar-se de uma grande extensão de terra, elemento essencial da producção, e a deixe por cultivar, ao mesmo tempo que outros cidadãos laboriosos não conseguem obter solo para grangear. Talvez isto seja para muitos a liberdade. Para mim é monopolio e miseria.
Aqui mesmo na camara ouço definições de liberdade contrarias ao meu modo de ver. Assim um illustre orador disse, que a liberdade deve ser como o sol que illumina a todos, e não lampada que só esclareça alguns. Pois, se não me agrada a liberdade-lampada, tambem não me satisfaz a liberdade-sol. Que o sol a uns illumina, a outros deixa na sombra; a uns queima, a outros deixa gelados. Mostra-se corruptivel nas manchas; é devorado pelo frio dos espaços e consumido pelo decurso dos tempos. Ora, a liber-

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dado deve ser igual, incorruptivel e eterna. E ao sol ale a natureza poz uma restricção, que é a noite.
Mas quer v. ex.ª saber o mais singular. O mesmo illustre sr. deputado, que divinisa a liberdade-sol. a illuminar todos, em nome da liberdade pede um compendio unico para todas as intelligencias, uma só lampada para todos os olhos. E o compendio unico forçado para todos ha de em nome da liberdade ser decretado pelo governo! Depois vem d'ali o meu illustre amigo, sr. Dias Ferreira, cujas doutrinas sempre considero muito e cuja auctoridade sempre respeito, e proclama tambem a liberdade na instrucção. Mas já é uma liberdade differente do sol.
Em que consiste a liberdade de s. ex.ª? A liberdade de e. ex.ª é que o estado deve ir aos institutos superiores de instrucção publica ver quaes são os preparatorios de que elles carecem, e depois limitar-se a exigir exames d'esses preparatorios.
Mas essa concepção constituo uma liberdade perfeitamente imcompleta.
Se a liberdade deve ter a extensão que o illustre deputado lhe quer dar, então supprimam-se todos os institutos inferiores, então dê-se faculdade a quem quer que seja para exercer a medicina com as habilitações que quizer, para exercer a advocacia como lhe parecer, ou para exercer a engenheria sem ter habilitações algumas.
Se não quizeram deixar a liberdade na base da pyramide, porque ali tem a instrucção primaria obrigatoria; se não a querem no vertice da pyramide, porque restringem o exercicio profissional e até exigem a instrucção superior ministrada pelo estado, não sei com que logica a exigem no ensino secundario.
Se não defendem a liberdade nem na base nem no vertice da pyramide, como a hão de querer no meio, que é o ensino secundario?
Outra idéa de liberdade que não comprehendo.
Comprehendo que o estudo acabe com institutos superiores e não queira saber qual é o medico que eu chamo para me curar, ou qual é o advogado que eu escolho para me defender. N'esse caso é rasoavel a liberdade completa no ensino secundario.
Mas que significa a liberdade na instrucção secundaria, a par da obrigação na instrucção primaria e das restricções na instrucção superior e no exercicio das profissões liberaes? Os sabios que o digam, e, emquanto o não disserem, que não me condemnam, como á primeira vista póde parecer justo, porque me atrevo a propor disposições restrictivas a proposito d'esta lei. Até demonstração em contrario creio que as disposições das leis devem ser moldadas pelo estado social em que se apresentam.
Vivemos n'um regimen que é a restricção organizada por todos os modos; logo, a lei de instrucção secundaria não póde deixar de ser uma lei restrictiva. E, porque a lei de instrucção secundaria é uma lei restrictiva, os melhoramentos, as modificações que se lhe façam devem ter o caracter restrictivo indispensavel para a tornarem efficaz e pratica.
Se querem a liberdade absoluta de que ha pouco fallei, então bem, então a questão é outra. Nada de restricções de especie nenhuma. Ensine quem quizer e como quizer. Mas, se querem a restricção como está n'esta lei, como não póde deixar de estar, para ella ser harmonica com o nosso systema social, então é necessario que todas as disposições da lei sejam concordantes com o seu pensamento essencial: de outro modo a lei não será racional, util e pratica.
Ainda devo dizer que não é só n'este ponto que estou em desaccordo com alguns dos meus collegas.
Eu discordo profundamente das idéas do sr. Dias Ferreira a respeito da gratuidade ou quasi gratuidade do ensino secundario, e discordo mesmo, até certo ponto, das idéas de quasi todos os meus collegas a respeito da gratuidade do ensino primario. A gratuidade do ensino funda-se n'este principio singular: o pae é, pela força da lei, desobrigado de educar á sua custa o espirito do seu filho; mas, pela força da lei, é obrigado a educar á sua custa o espirito dos filhos dos outros.
Não ha outro fundamento logico do ensino primario e secundario gratuitos. E esse fundamento é tambem o fundamento da caridade official, e conduz á miseria pelo caminho da imprevidencia.
Eu não sou obrigado a sustentar e a educar á minha custa os meus filhos, logo posso imprevidentemente procrear filhos, porque lá tenho a caridade publica para os manter o educar. Comtudo, em nome da liberdade, hei de contribuir forçosamente para educar e sustentar os filhos dos outros.
Ensino gratuito seria excellente, se elle podesse obter-se de graça; mas, como só póde obter-se por dinheiro, o principio salutar é cada um dever pagar os serviços de que carece para si ou para seus filhos. N'este ponto creio que muito poucos me acompanham; mas, eu fico tranquillo com a minha consciencia, ainda quando a minha opinião seja singular, se porventura a reputo verdadeira.
Não convem esquecer outra consideração. O sr. Dias Ferreira quer o ensino secundario gratuito, que tanto vale exigir que não do receita. Ao mesmo tempo nota que tal ensino produz doutores, medicos, advogados e funccionarios publicos; ao mesmo tempo persegue com espirituosos epigrammas o diluvio de doutores, medicos, advogados e empregados publicos. N'esse caso pede com a gratuidade a facilidade para uma producção pouco util, inconveniente até. Parece que deveria pedir o contrario.
Mas, se o estado deve proporcionar gratuitamente, ou quasi, escolas para doutores, medicos, advogados e empregados publicos, como não deve ter escolas gratuitas e oficinas gratuitas para ensinar ferreiros, carpinteiros, tecelões, estampadores, etc.? O direito é o mesmo.
Se o estado é obrigado a educar gratuitamente advogados desde o ensino primario até o diploma, igual obrigação lhes corre de educar tecelões desde as primeiras letras até as ultimas noções praticas do officio. Não vejo a differença; nem rasão d'ella.
Outros a acharam. Dizem elles, que a gratuidade sé justifica pela utilidade social de diffundir a instrucção litteraria, que moralisa o povo e diminue a criminalidade. Mais escolas, menos prisões.
Mas ou estou profundamente convencido de que da diffusão do ensino litterario e scientifico não resulta a moralisação do povo, e que tudo quanto a tal respeito se tem dito deriva do uma falsa apreciação das estatisticas. O ensino intellectual tem outra funcção; esse ensino tem a funcção de tornar cada machina-homem mais productora. A idéa de que torna o homem mais moral, creio que é desmentida pelos factos e é condemnada a priori pela rasão. Nós queremos moralisar uma creança, e entendemos que a creança comprehenderá muito melhor o sentimento do dever desde que souber, por exemplo, que certos signaes representam cortas idéas, desde que conhecer os mysterios da orthographia.
A noção do justo tornar-se-lhe-ha muito mais clara desde que a creança souber.. . taboada. Se a creança conhecer perfeitamente onde fica Tombuctú e como o Niger passa por Tombuctú, terá uma noção mais clara do amor do proximo. O ensino da mathematica, da physica, da chimica, do latim, do grego tem por effeito evidentissimo augmentar os sentimentos de altruismo, que se entende serem os mais necessarios para o bom regimen das sociedades.
Não creio que nada d'isto seja verdadeiro, e entendo que a deducção que se tem tirado das estatisticas e inteiramente falsa. Procura-se uma estatistica criminal e vê-se que o maior numero de criminosos, supponhamos de assassinos, é de individuos que não sabem ler, nem escrever. Conclue-se logo que foi a falta de instrucção a causa do que houvesse maior numero de crimes d'aquella especie entre os que não sabem ler nem escrever.

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Faltou, porém, procurar a relação entra o numero de individuos que sabem ler e escrever, e a totalidade de individuos que compõem a nação.
Do esquecimento vem as surprezas, taes como aquella que em França succedeu, quando uma estatistica da academia de sciencias moraes e politicas demonstrou, que talvez com a instrucção diminuisse o numero de crimes contra as pessoas, mas que certamente augmentava o numero de crimes a respeito de cousas. O facto é que, com estes processos, póde chegar-se a cousas curiosas.
Se se fizer, por exemplo, uma estatistica criminal comparada com a estatistica da limpeza pessoal, ha de chegar-se á conclusão de que ha mais criminosos entre os individuos que cuidam pouco da limpeza do corpo, do que entre aquelles que cuidam muito d'essa limpeza. Então dê o estado banhos gratuitos.
Ha de chegar-se á conclusão, de que ha menos assassinos entre os que se banqueteiam luxuosamente, do que entre os que vivem modestamente. Pois o estado que dê banquetes gratuitos.
Ha de chegar fatalmente a essas consequencias por uma rasão muito simples. É que o crime não depende da instrucção litteraria ou scientifica, mas depende de uma condição de vida inferior, consequência quasi sempre de uma natureza congenita inferior.
Basta de divagações, até porque cada vez me vou tornando mais hereje em doutrinas sociaes no meio dos meus collegas tão illustrados e sabedores.
Agora cinjo-me ao assumpto principal, que é sustentar as minhas propostas.
Conforme dizem, o pensamento geral d'este projecto foi tornar mais igual a concorrencia entre os estabelecimentos particulares de instrucção secundaria e os publicos.
A lei do sr. Luciano de Castro favorecia os estabelecimentos de ensino official em detrimento dos particulares; esta lei procura dar mais vantagens aos estabelecimentos particulares, ou diminuir os encargos aos seus alumnos, de maneira que as condições da concorrência se tornem mais iguaes.
Acceito o principio. O ideal em materia de ensino seria que o estado, em todos os ramos da instrucção, não tivesse senão examinadores. Cada um estudava onde queria, e o estado tinha examinadores que verificavam a aptidão d'aquelles que destinava para o seu serviço, ou para conceder a marca de fabrica em diplomas.
Mas, se não é isso o que existe, ou póde existir, e se o estado aos professores encarregados do ensino official exige aptidão e conhecimentos, não póde estabelecer-se igualdade de concorrencia deixando os professores do ensino livre sem a exigencia de condições de capacidade.
A sociedade julga-se com o direito de impedir que eu chame para me tratar qualquer individuo sem ter um diploma medico regularmente passado.
A sociedade julga-se com o direito de restringir e regular o trabalho dos menores nas fabricas, e faz bom.
A sociedade julga-se com o direito de inspeccionar e prohibir os estabelecimentos insalubres ou perigosos.
A sociedade vae aos estabelecimentos que vendem generos alimenticios e inspecciona-os a todos, procura impedir que o publico compre maus generos, falsificados, prejudiciaes á saude.
Não digo que faça mal, acho que faz bem no estado presente, embora em taes processos não esteja o supremo ideal da liberdade.
Póde ao mesmo tempo a sociedade deixar que o homem, no periodo da vida em que está desarmado, em que tem a memoria varia de conhecimentos, em que lhe falta a dura experiencia, em que possue a imaginação mais viva e mais accessivel a todas as noções exteriores, seja entregue á direcção intellectual de mestres que não têem nem aptidão, nem capacidade para ensinar? Se acreditaes na moralisação pelos preceitos, como consentis mestres que nem podem moralisar pelo modo mais efficaz, pejo exemplo? Não vos entendo.
E posto que tenho sido hereje até este ponto, diminuirei as minhas culpas, citando um evangelista.
Nós tememos aquillo que só póde matar-nos o corpo, e não aquillo que póde não só matar-nos o corpo, mas tambem o espirito.
Estabelecemos toda a especie de restricções para que o corpo não seja prejudicado ou morto, não as tomâmos contra aquillo que, matando o corpo, envenena o espirito e perverte o coração. Ora, S. Matheus disse no seu evangelho: «Não temas os que só querem matar o corpo, mas tremei e fugi dos que matam a alma». E vós fiscalisaes as mercearias, os talhos, as drogarias, as pharmacias, e duixaes os collegios sem fiscalisação efficaz e os mestres sem diplomas de capacidade. Não póde ser.
De mais a mais chegámos a uma epocha em que é necessario tomar precauções. Não ha duvida nenhuma que, desde pouco annos, se estendem na Europa duas especies de propagandas, ambas illiberaes, a meu ver. Uma reacionaria, outra anarchista.
Em Portugal, hoje, a propaganda anarchista ainda é pouco de temer. Não encontra alicerces nem nos costumes, nem nas tradições. O seu esforço e quasi nullo. Mas a propaganda reaccionaria espraia-se todos os dias e procura raizes na tradição. Illiberaes são ambas, cada uma por seu modo, ou quasi pelo mesmo modo.
Admitte o regimen monarchico constitucional, e nas condições do nosso paiz sou partidario d'elle; admitto o regimen republicano; admitto todos os regimens que se fundam na liberdade. Não admitto o regimen da theocracia, nem o da anarchia, que ambos annullam a familia e a liberdade.
Não posso, porém, negar os factos. Ambas as propagandas, reaccionaria e anarchista, se diffundem na Europa, e contra ambas devemos resistir, d'ellas nos devemos defender.
Resistir-lhes não é só direito, senão tambem dever imperativo. Defendemos o nosso bem e o patrimonio dos nossos filhos.
Em taes circumstancias é mister que o governo, qualquer governo, pelas leis esteja armado com meios efficazes de inspecção e fiscalisação com a competente sancção penal.
Permitta a liberdade, não consinta o abuso, e reprima-o onde se manifestar.
Disse ainda agora, e digo-o outra vez, que a propaganda anarchista não me parece ter raizes; mas a propaganda reaccionaria, essa tem as suas raizes no passado, facilmente se desenvolve em paizes de raça latina.
Ultimamente tem-se manifestado em Portugal com uma actividade e com uma intensidade que não podemos, de modo nenhum, desprezar.
Olha-se para a India e vê-se a desordem das consciencias ousando os conegos da só de Goa reconhecer o syllabus, que as nossas leis não reconhecem.
Olha-se para Angra e vê-se que as dignidades e os conegos da sé de Angra andam a promover manifestações a favor das ordens religiosas do sexo masculino. Outro tanto, embora sem tão poderosos auxiliares, se faz em Coimbra, no Minho e em Castello Branco.
Ás portas de Lisboa trata-se do estabelecimento de um convento, outro temos em Torres Vedras, outro se quer fundar em Leiria.
Outros, mais ou menos disfarçados, existem na Covilhã, em Castello Branco, e por toda a parte formigam religiosos, cujos intuitos não se escondem.
Não queria chamar-lhes religiosos, porque para mim a religião é cousa santa e sagrada e que por todos deve ser respeitada.
Melhor seria ter-lhes chamado jesuiticos. Religioso sou eu tambem, sinceramente o digo, ainda mesmo em risco de
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ser excommungado por todos os livres pensadores do universo, que ás vezes são os maiores intolerantes.

Quando nas aulas de philosophia officiaes e não officiaes pretenderam demonstar-me a existencia de Deus com os argumentos da velha metaphysica, tornaram-me profundamente incredulo. Mas quando, elevando-me ás sciencias physico-naturaes e mathematicas, por mais que quizesse não encontrava nem um factor, uma causa que explicasse a origem das cousas; sem me preoccupar com as formulas exteriores de cultos, e não quero dizer quaes são as minhas idéas a este respeito, nem preciso, nem sou obrigado a dizel-o, convenci-me de que existia uma cousa superior a humanidade, que creára o universo e o rege.

Onde naufragara o grande genio de La Place ao querer explicar a origem dos mundos, tanto por incompleta no principio, como por desmentida em alguns dos seus fundamentos, tornei-me crente. Acreditei n'uma cousa superior que presidia aos destinos do universo.

Tudo isto digo sem receio algum dos livres pensadores ou dos ultra-catholicos, tão intolerantes uns como outros, tanto mais quanto as suas crenças são menos sinceras. Ora, é a intolerancia de uns e de outros, de todos, que não me cansarei de combater emquanto no parlamento ou na imprensa tiver voz.

Agora é aqui. Emquanto tiver assento n'esta casa não me fatigarei de resistir contra todas as propagandas que tendem, a destruir as liberdades conquistadas pelos nossos paes, e que temos obrigação de entregar intactas, senão melhoradas, aos nossos filhos; contra a propaganda reaccionaria, alliada do absolutismo monarchico, e ao mesmo tempo contra a propaganda anarchista que promove a destruição das sociedades livres.

Teremos rasão para nos levantarmos contra a propaganda jesuitica n'este paiz?

Nem auctoridades nos faltam. Temos a do sr. Thomás Ribeiro, dizendo outro dia que a propaganda jesuitica se não era para temer, tambem não era para ser desprezada.

Temos a Revolução de setembro, que a teme n'estas palavras d'um recente artigo.

(Leu.)

Desejo mostrar como essa propaganda é multiforme e disforme, como corre disfarçada á custa da nossa negligencia, como se vae infiltrando no paiz, avassallando os animos fracos de mulheres e creanças, apoderando-se da instrucção, crente, porventura, no lemma de Leibnitz, de que será senhor do mundo quem for senhor da instrucção publica.

Aqui está qual é a opinião do sr. ministro do reino, e o que diz o jornal que merece todo o credito e que não pôde deixar de se tomar como órgão do partido regenerador.

Se não conheço todas as variadas formas como a reacção jesuitica se disfarça por toda a parte, tenho a ventura ou desventura, como lhe queiram chamar, de conhecer o que se passa cm uni estabelecimento do districto de Castello Branco.
Refiro-me ao celebre collegio de S. Fiel, na freguezia de Louriçal do Campo, ao pé de Castello Branco. Por um caso se julga dos outros.

Para que a camara comprehenda como a reacção jesuitica se organisa e fortifica, pretendo dar-lhe alguns pormenores acerca d'aquelle ninho jesuitico, e não serão deslocados, no momento em que peço a inspecção severa do estado sobre os estabelecimentos de instrucção publica.

Aqui se verá como, sob os mais louvaveis pretextos, se consegue fundar, conservar, administrar e fazer até certo ponto prosperar um estabelecimento que, ao mesmo tempo que mata a saude do corpo, mata a saude da intelligencia e a saúde do coração.

Em 1852 um padre (não profiro a palavra padre com desprezo, porque respeito todos os bons sacerdotes) chamado fr. Agostinho da Annunciação, requereu licença ao governo para fundar em S. Fiel, na freguezia do Louriçal do Campo, districto de Castello Branco, um asylo ou casa pia para orphãos desvalidos, onde se ensinasse, não doutrinas religiosas ou sociaes, mas onde se preparassem bons operarios, em numero de 40 a 50 alumnos.

Pretendia aquelle padre sustentar este estabelecimento com o rendimento dos seus proprios bens e com esmolas dos fieis.

O governo, n'uma portaria de Rodrigo da Fonseca Magalhães, datada de 9 de março de 1852, consentiu o estabelecimento d'este asylo ou casa pia, fazendo comtudo notar ao fundador, que visse com cautela se os seus bens e as esmolas chegariam para custear um estabelecimento d'aquella especie. Como garantia exigiu-lhe que formulasse estatutos e os submettesse á approvação do governo.

Taes estatutos, porém, nunca existiram.

Foi o estabelecimento crescendo em edificações, em acquisições e em numero de alumnos, convencidos todos do fim caritativo da sua instituição, até que se deu um caso extraordinario.

O padre Agostinho da Annunciação, que fundara um asylo ou casa pia principalmente para ensinar bons artífices, por escriptura de 6 de novembro de 1873 vendeu pela quantia de 2:000$000 réis a casa pia, auctorisada e consentida pelo governo, a tres subditos inglezes os padres Georges Lambert, Ignatius Cory Scales, Henry Foly, todos tres residentes em Londres.

O desejo de instituir uma casa pia em Portugal transportava-se de Portugal á Inglaterra, e o espirito caritativo do fundador do estabelecimento trocava-se por 2:000$000 réis. Até se vendia o que provinha de esmolas dos fieis e das almas caridosas. O governo portuguez não viu nada!

Estes tres padres inglezes eram representados na escriptura do venda pelo seu procurador Bernardino Pereira Monteiro, residente na rua do Quelhas n.° 6, em Lisboa.

Estes pormenores, que parece não ter valor, possuem, comtudo a sua significação.
A residencia na rua do Quelhas n.° 6, significará alguma cousa?

Significa, porque esta casa da rua do Quelhas n.° 6 em Lisboa, foi apontada por todos os jornaes da capital como a residência do padre Ficarelli, que passa por ser o provincial dos jesuitas, mais ou menos disfarçados, em Portugal.

Aqui está a importância que tem a casa da rua da Quelhas n.° 6, em Lisboa.
Tudo isto é singular. Vendem-se edificios e propriedades importantes, e vendem-se inscripções pela mesquinha quantia de 2:000$000 réis! Vende-se a caridade, vende-se o producto e o fructo de esmolas!

Este estabelecimento já em 1873 tinha proporções consideraveis. Creio que hoje se está augmentando, e mais tardo indagarei conde vem os rendimentos para tantas obras que se fazem.

Por ora consinta a camara, que continue descrevendo o que é este collegio de S. Fiel. O collegio continha, em fins do anno do 1880, não menos de 138 alumnos internos, é semi-internos, e poucos externos. Para isto tinha um pessoal de 22 individuos, a saber: 1 director, 1 sub-director, 1 supplente, 1 thesoureiro, 11 professores, 4 prefeitos e 3 capellães. Alem d'isso 24 criados.

Vou dizer á camara como é composto e como foi recrutado o pessoal.

O director era o padre João Baptista Antonio natural de Brescia, ordenado cm Roma. Cousa singular! Quando lhe perguntaram officialmente quem era o dono do collegio, disse que não sabia! (Riso.)

O sub-director era o padre Ferreira. Este portuguez, natural de Thomar, mas ordenado em França. Tinha ido para S. Fiel do collegio de Campolide.

O supplente era o padre Antonio Meyrelles Pereira Leitão Teixeira Coelho, e este em condições mais regulares. Formado em theologia. Para collegio, asylo, casa pia de ar-

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tistas, não parece que a theologia seja a melhor habilitação.

Prefeito era o padre Lourenço, natural de Villa Nova da Cerveira. Tomou ordens em Braga, mas foi do convento do Barro. Parece-me que é bem applicado o epitheto de convento a este ultimo estabelecimento. (Riso.)

Thesoureiro, Ignacio Maria de Lenna, natural de Roma, e ordenado em Roma no collegio dos jesuitas. Este declarou, muito terminantemente, que se alguma vez saisse do collegio de S. Fiel, em Castello Branco, iria logo para algum collegio dos jesuitas.

Professor, o padre João de Deus Moura, portuguez, natural de Villa de Rey, mas que tomou, ordens em França.

Era professor tambem o padre Luiz Capucci, natural de Bolonha, ordenado em Bolonha.

Era professor o padre Pedro Maria Arcioni, natural de Spolotto, ordenado em Roma.

Ali era empregado Manuel Arraiano, natural de Valle de Prazeres, e que estudou cm Hespanha (Valentia, Burgos e Corrion), em escolas dirigidas por padres, mais ou menos jesuitas.

Outro, José Borges Grainha, da dynastia dos Grainhas, educado em colllegios jesuiticos de Sevilha e Bordeaux.

Outro, José Dias Silvares, educado, á custa de collegio de S. Fiel, em Corrion de los Condes e Monfort.

Outro, Augusto Carrilho, de Lisboa, educado em collegios de padres estrangeiros.

Outro professor, cujas habilitações se aferem por diversa ordem de considerações, é José Maria da Silva, natural da Batalha, com exame de instrucção primaria, mas declarando-se habilitado para ensinar todas as disciplinas dos lyceus.

Outro professor, Luiz Abreu Corpo Santo, auctorisado a usar vestes ecclesiasticas desde os doze annos, mas que estudou sem mestres, e por isso se diz habilitado para reger todas as disciplinas.
Não cito mais; seria cansar a camara.

Todos estes professores, director, sub-director, supplente e prefeitos, só dois recebem ordenado; todos os mais são gratuitos!

Ha uma cousa singular; é que os dois unicos professores que recebem ordenado, Augusto Carrilho e Manuel Vaz, mas que não é o digno par do reino, são os unicos que comem á mesa com os alumnos. Veremos o que isto significa.

Alem dos professores e prefeitos, em numero de 22, ha 24 creados, dos quaes 8 não recebem ordenado! Ora, os 20 professores e perfeitos que não recebem ordenado, e os 8 creados, comem todos a uma mesa commum, n'um refeitorio. Vivem todos em commum, usam todos de vestes ecclesiasticas, comem todos á mesma mesa commum, vivem todos dos rendimentos de um cofre commum, que é sustentado, não só pelo rendimento do collegio, mas tambem por esmolas de irmandades, confrarias e congregações não regularmente constituidas, mas tambem pela venda de bentinhos e cousas similhantes, mas tambem por meios que cuidadosamente são escondidos.
Comprehende a camara o que isto significa? Representa congregação religiosa disfarçada. Nem mais, nem menos.

Outra cousa notavel. Por toda a parte se encontram no convento as letras I. H. S., com uma cruz sobre o H., ou então as letras A. M. D. Gr. que querem dizer Ad majorem dei gloriam. Encontram-se ,nas paredes, nos livros de cantos, nos diplomas dos alumnos, nas cartas que elles escrevem ás familias, em toda a parte.

Não comprehenderá a camarada significação d'estas connhecidas divisas dos jesuitas

Quando se recorre ás contas do collegio prova-se, e não posso ser minucioso n'este assumpto, que as receitas escripturadas não chegam para as despezas ordinarias. Não fallo das despezas com obras que se tem feito em edificios,
com a construcção de casinhas annexas e até com as de um: ramal de estrada. Fallo das despezas correntes.

Mas o mysterio desvenda-se facilmente. Por exemplo, morre em Castello Branco um individuo chamado Pedro Pina de Carvalho Freire Falcão, o qual deixa uma avultada fortuna. Morro com testamento cerrado, mas elle proprio declara que não fez o testamento, nem o leu; mas que foi feito por pessoa de sua muita confiança. Mas por quem foi feito? Um dos seus redactores foi o padre Antonio, director de S. Fiel. Percebem? Pois se querem perceber melhor, não lhes custará muito. Um dos herdeiros é José Bento Gutierres, professor gratuito de S. Fiel; outro é um servente da igreja do Coração de Jesus na Covilhã, succursal de S. Fiel, de ambos é procurador o padre Antonio, director de S. Fiel. Padre e procurador dos seus subordinados!

O regimen dos collegios, aos quaes entendo que se deve applicar a fiscalisação do estado, comprehende a educação, a alimentação, a hygiene, o ensino moral e o ensino intellectual.

No collegio de S. Fiel, não ha muito tempo, o regimen alimenticio e hygienico era detestavel. Um estabelecimento tão bem montado, que tem edificios avaliados em cerca de 80:000$000 réis, que tem rendimentos avultados, embora guardados em segredo, que não desce, na maior parte doa casos, a acceitar professores portuguezes, mas que vão buscal-os a Bolonha, a Roma, e Spoletto, ou que só acceita portuguezes educados em collegios de padres hespanhoes e francezes, deve ser um modelo não só de instrucção, mas tambem de bom regimen hygienico.
Pois vamos a ver o que acontece, e começarei pelo que é mais facil, começarei pelo regimen alimenticio.

No dia 3 de dezembro de 1880, entrando no collegio uma inspecção official, á hora do jantar, viu que os alumnos comiam sopa e um pedaço de bacalhau guizado com batatas. Assim eram tratados os alumnos de 1.ª classe, que os alumnos de 2.ª classe apenas comiam sardinhas com batatas. Como, porém, no regulamento do collegio se promettessem dois pratos de meio a cada alumno de 1.ª classe, a toda a pressa, para enganar a inspecção, e demorando-se o jantar cozeram-se uns ovos, dando-se um a cada alumno favorecido.

No dia 6 do mesmo mez, o jantar constava de um caldo de couves mal feito, carne guizada e uma maçã.

A comida, emfim, era pessima, e distribuida em tigelas e pratos do estanho, mal lavados.

O director do collegio, inquerido sobre este regimen alimenticio, confessou que effectivamente não era bom, e que para o futuro ia melhoral-o. Confessou mais que até ali o regimen dos alumnos de 1.ª classe, ao almoço era pão com sardinhas, e para os alumnos de 2.ª classe, pão com azeitonas!! A ceia caldo verde. Mas o que e ainda mais notavel é que ao passo que isto acontecia com os alumnos, os vinte e oito professores, prefeitos e creados, que comiam em commum, esses tinham uma alimentação regular, para não dizer optima. Esses santinhos tinham ao almoço beefs, café com leite e pão com manteiga; ao jantar sopa, cosido, assado, vinho, sobremesa e café; á ceia, caldo e carne assada. O jejum permanente era para os rapazes. E note-se que os alumnos ainda assim não concorriam com muito pequenas mezadas, porque os de 1.ª classe pagavam 10$000 réis e os de 2.a classe 8$000 réis por mez, alem dos extraordinarios.
Banhos? Nem receitados pelo medico. Como meio usual de limpeza, nunca; como remédio, nem receitados pelo medico!!

Camaratas com capacidade insignificante para um tão grande numero de alumnos.
E as creanças, na idade mais critica da vida, eram assim tratadas, sem que a inspecção severa do governo só exercesse ali, como se exerço em qualquer loja de viveres. Com a differença aggravante de que uma loja de viveres

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qualquer, vendendo generos falsificados, vende-os a individuos que têem a liberdade e o discernimento para os rejeitarem, emquanto que as pobres creanças de S. Fiel estavam ali sujeitas não só á falta de comida, mas ainda a respirar ar viciado, sem que podessem defender-se.

Não quero entrar em muitos pormenores, mas basta-me dizer que um dos mais distinctos medicos de Castello Branco affirmava que conhecia bastantes rapazes novos saidos d'aquelle collegio, depauperados e incapazes de resistirem a uma pneumonia aguda, sem que se tornasse carcosa. Só alguns conseguiram restaurar-se de forças.

Aqui estão os resultados physicos do collegio regido por tão brilhantes illustrações estrangeiras, e tão longe da efficaz fiscalisação do governo. Não admira. A ração da carne era insufficiente em quantidade e má em qualidade, os habitos de limpeza não existiam, as camaratas não tinham capacidade sufficiente.

Agora o ensino.

Para se poder julgar o que era o ensino seria preciso vel-o; entretanto, póde-se fazer uma idéa d'elle pelas respostas de alguns alumnos mais adiantados.
Por exemplo, os approvados em historia respondiam ás perguntas que lhes eram feitas que «a revolução franceza foi um grande mal, pois que d'ella nos vieram todas as idéas de liberdade que desde então se têem espalhado por toda a Europa».

Que direcção de educação intellectual!

Diziam outros nos exames feitos no lyceu de Castello Branco que ceda revolução franceza resultaram ainda peiores males que da liberdade de imprensa».
E todos elles respondiam que «a monarchia absoluta é notavelmente superior á monarchia constitucional».

Tal houve, filho de um cavalheiro conhecido de Castello Branco, que disse que «para um filho não era peccado matar seu pae, quando fosse em serviço de Deus».
Aqui ,está o que se ensina em tão bons e tão santos collegios.

Por isso eu proclamo que são necessárias a inspecção e fiscalização por parte do estado, mas efficazes e severas.

N'aquelles collegios até os alumnos são obrigados, tres dias por mez, ao que chamam retiro. Consiste em andarem sós, cabisbaixos, em contemplação, sem falharem uns com os outros, nem communicarem com pessoa alguma.

(Aparte.)

Diz o illustre deputado que é a Cartuxa, e eu digo que ainda c peior.
Mas de onde vem os rendimentos para estes collegios?

Examinam-se as contas do receita e despeza, e encontra-se que a receita ostensiva não chega para a despeza, nem mesmo contando com o rendimento das inscripções e de alguns bens que pertencem ao collegio. Nem ainda chegam, com a pobre alimentação que descrevi.

Vê-se mais, que havendo junto do collegio de S. Fiel uma igreja, n'ella existem umas associações, que, para fugirem á acção das leis, não se chamam confrarias, nem congregações, nem irmandades, mas devoções.

Existe a devoção de Nossa Senhora da Conceição, apostolado da oração, a congregação de S. Luiz, a devoção de S. José, a do Santissimo Sacramento, e tudo isto rende dinheiro á custa do qual vivem em communidade vinte e oito homens, vestidos de habitos ecclesiasticos e cercados de divisas jesuiticas. Mas o que é isto então?

E tambem ha as encommendas, e tambem ha as rendas de varios objectos, que são bentinhos, registos, imagens, etc.

Tudo rende dinheiro, mas tudo sommado não explica ainda as despezas do estabelecimento. O resto é mysterio.

Talvez no collegio de S. Fiel caiam os meios do céu como aos israelitas caía o maná no deserto.

Ha um annexo ao collegio de S. Fiel, cuja descripção vou ler á camara como ultimo traço caracteristico. É edificante.

«Em frente do collegio ha um numero consideravel de casas, recentemente edificadas, onde vivem mulheres sós, na grande maioria novas e solteiras, e as que são casadas vivem ali separadas dos maridos... Gastam o tempo em contemplações... O director (Antonio) declarou que lhe é pouco agradavel que venham para ali viver aquellas mulheres, mas é certo que o director adiantou ás vezes dinheiro para aquellas construcções, e dirige a parte technica d'ellas.»
Estas santas irmãs externas do collegio de S. Fiel vão regularmente para a igreja, mesmo de inverno, ás quatro noras da manhã, e saem de lá depois de noite. Os seus directores espirituaes, que são os directores e professores do collegio de S. Fiel, ensinam-lhes que são necessarias as contemplações mysticas, que é necessario viver de esmolas, que é indispensavel castigar a carne com cilicios e disciplinas, (Riso.) para se expiar a monstruosa impiedade da expulsão dos jesuitas de França, e para que a providencia benigna lhes proporcione um asylo em Portugal. Coitadinhos! (Riso.)

Podia, se quizesse, esmiuçar ainda mais esta exposição a respeito do collegio de S. Fiel, que tom mais annexos alem d'este a que acabo de me referir; podia ainda ir procurar um annexo d'aquelle collegio no estabelecimento de jesuitas, como verdadeiramente se lhe póde chamar, existente na Covilhã, onde se fanatisa o povo; mas temo fatigar a attenção da camará, de cuja paciência já talvez abusei em demasia.

Pergunto sinceramente aos homens liberaes que me cercam, se isto se póde consentir ou tolerar; se se póde consentir ou tolerar que matem o corpo das creanças com pessima alimentação, que lhes pervertam o coração com doutrinas falsas e perigosas, que lhes estraguem a intelligencia com ensinos viciosos e reaccionarios.

Não pôde permittir se isto, como não poderia permittir-se que amanhã em qualquer rua de Lisboa se fundasse um collegio de anarchistas em que se ensinasse o desprezo de Deus; o desprezo da familia; o desprezo da propriedade; o desprezo, emfim, de todos os principios fundamentaes das sociedades civilisadas.

E, porque não póde permittir-se nada d'isto, proponho as disposições complementares que julgo essenciaes para que a inspecção do estado seja activa, incessante, e tenha a sancção penal necessaria para evitar abusos que tão perniciosos podem ser para o futuro da sociedade portugueza.

Concluo, pedindo desculpa á camara por lhe ter tomado tanto tempo, e espero merecer a sua benevolencia, porque me parece que o assumpto era realmente bastante importante para se lhe dever dar algum desenvolvimento.

Leram-se na mesa as seguintes.

Propostas

Artigo... Nenhum estabelecimento de instrucção publica ou particular póde admittir ao exercicio do ensino quaesquer individuos, nacionaes ou estrangeiros, pertencentes ás communidades, corporações ou congregações religiosas, de um ou outro sexo, introduzidas ou modificadas depois da publicação dos decretos de 9 de agosto de 1833, 28 de maio e 28 de julho de 1834, seja qual for o numero dos súbditos ou associados de que se componham, o motivo do seu estabelecimento e a qualidade ou duração d'elles.

§... Os directores de estabelecimentos, e os professores de instrucção particular, que infringirem a disposição d'este artigo, incorrem na multa de 50$000 réis a l00$000 réis. No caso de reincidencia a pena será a multa de 100$000 réis a 200$000 réis, e a dissolução ou encerramento do estabelecimento.
Artigo... Nenhum subdito estrangeiro pôde exercer o ensino em estabelecimentos publicos ou particulares, sem licença do governo, ouvida a junta consultiva de instrucção

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publica. O governo póde retirar essa licença quando o julgue conveniente, ouvido o interessado, e sob parecer da junta consultiva.

§ unico. Os que infringirem o disposto n'este artigo incorrem na multa de 20$000 réis a 50$0000 réis

Artigo... Decorridos tres annos depois da publicação da presente lei, nenhum cidadão portuguez ou subdito estrangeiro poderá exercer o magisterio em estabelecimentos particulares de instrucção sem exame de capacidade feito perante o conselho de algum dos lyceus centraes ou sem possuir carta de- approvação em curso de instrucção superior ou no curso geral dos lyceus.

§ 1.° O ministerio dos negocios do reino, em vista da approvação do exame de capacidade ou da carta de approvação em algum dos cursos mencionados n'este artigo, passará diplomas de capacidade para o magisterio nos estabelecimentos particulares.

§ 2.° De cada diploma de capacidade se levará a propina de 25$000 réis, que
entrará na receita geral do thesouro.

§ 3.° Os que infringirem o disposto n'este artigo incorrem na multa de 20$000 réis a 50$000 réis.

Artigo... A inspecção do governo sobro os estabelecimentos particulares de instrucção primaria ou secundaria, tem por fim: verificar a capacidade dos directores, mestres e mestras; examinar se são observados o. preceitos de hygiene, o respeito á moralidade, á constituição e ás leis do reino; bem assim colligir e prestar as indicações tendentes á mais conveniente divisão do ensino.

§ 1.° Os relatorios annuaes da inspecção a estes estabelecimentos serão apresentados ás cortes ato ao lira do segundo mez de cada sessão legislativa.
§ 2.º O governo fará no praso de seis mezes, contados da publicação da prescute lei, os regulamentos necessarios para o serviço de inspecção.

Artigo... As multas de que tratam estes artigos serão impostas em processo correccional. = Mariano do Carvalho.

A camara entende que as propinas das matriculas devem ser minimas para os alumnos dos lyceus e nullas para os estranhos, porém que ás propinas de exames devem ser elevadas para uns e outros, e iguaes para todos.

A camara entende tambem que o numero, qualidade e systema dos exames devem ser iguaes para os alumnos dos lyceus e para os estranhos. = Marianno de Carvalho.
Foram admittidas.

Tambem foram lidas na mesa a admittidas á discussão as seguintes propostas, apresentadas ao fechar da sessão anterior.

Proponho que ao capitulo 3.° se augmente um artigo com a seguinte disposição:
Para todo e qualquer curso profissional ou superior militar ou ecclesiastico só são validos os exames de instrucção secundaria feitos nos lyceus do estado.
Sala das sessões, 14 de março de 1883. - Os deputados, José Borges de Faria -= Francisco José Patricio.

Proponho que no artigo 26.°-, onde se diz - no principio do anno lectivo se diga na primeira quinzena do mez de Outubro. - lllydio do Valle.

Proponho:

1.° A suppressão do artigo 37.° c especialmente do § 4.°;

2.° Que se dê recurso para novo exame aos alumnos que se julguem reprovados com justiça;

3.° Que se organise um tribunal de recurso para conhecer das decisões dos conselhos académicos, que impozerem a pena de exclusão perpetua ou temporaria. = Dias Ferreira.

Art. 23.° - Proponho a eliminação do § unico d'este artigo.

Art. 25.° - Que a gratificação de 2$500 réis por cada dia util de serviço, seja reduzida a 2$000 réis, e os 1$500 réis de subsidio de residencia eventual por cada dia. quando os professores não tiverem residência official na localidade sejam igualmente reduzidos a 1$000 réis.

Art. 26.°- Proponho igualmente a eliminação da ultima parte d'este artigo, que diz respeito aos exames de admissão. = Pereira Leite.

Emenda á segunda parto do artigo 18.°:

Propomos que as palavras que se seguem a exigidos por lei- sejam substituidas por estas - para a admissão á matricula nos estabelecimentos de instrucção superior, dependentes do ministerio do reino.

Art. 19.° - Propomos também a eliminação do § unico d'este artigo. = Pereira Leite = Guilherme de Abreu.

Foram todas enviadas á commissão respectiva.

Leu-se a ultima redacção dos projectos n.ºs 18 e 19.

Foram enviados para a outra camara.

O sr. Illydio do Valle (relator}: - A camará deve estar fatigada d'esta
discussão, o que não admira, depois da extensão, que n'uma assembléa politica se tem dado ás minudencias de um tal assumpto; e só a palavra auctorisada do sr. Mariano de Carvalho, derivando n'outro sentido a corrente da discussão, poderia outra vez prender a attenção da camara pelos portos de vista novos a que se referiu...

Eu não desejo roubar muito tempo á camara; mas na minha qualidade de relator da commissão, e mesmo pela consideração que devo aos illustres deputados que tem tomado a palavra n'este debate, eu não posso deixar passar em julgado algumas objecções feitas ao projecto, ou esquivar-me a dar as explicações que me têem sido exigidas.

Tenho visto mesmo, que muitas vezes se accusa o projecto por cousas, que elle não contém, e que se propõe a inserção de outras, que n'elle se acham claramente expressas.

Antes, porém, de responder ás observações ultimamente feitas pelos srs. deputados Manuel de Arriaga, Dias Ferreira e Mariano de Carvalho, devo ainda ao sr. Pinheiro Chagas algumas explicações, que ha dias me pediu, e a que ainda não tive ensejo para responder.

Perguntou s. exa. ao relator da commissão por que motivo se não concedia ao lyceu de Lamego o direito de conferir diplomas como aos outros estabelecimentos do estado; acrescentando, que se porventura era isso por motivo de ser subsidiado, e não sustentado exclusivamente pelo estado, resultaria que, nenhuma junta de districto ou camara municipal se prestaria a elevar um lyceu de 2.ª á 1.ª classe, ainda que tivesse esse desejo, visto que por esse facto o lyceu passava a ser subsidiado, e perdia, portanto, o direito do conferir diplomas.
Effectivamente não se fez esta concessão ao lyceu de Lamego, por ser um lyceu subsidiado; e porque d'essa concessão resultaria a extensão do principio a todos os mais lyceus e institutos, que em quaesquer localidades viessem a fundar-se.
Não era por certo intenção da commissão, que fossem privados d'essa prerogativa os lyceus do estado, a que as localidades quizessem elevar a graduação, pagando as despezas a maior..

E se a lucida intelligencia do sr. Pinheiro Chagas póde da confrontação dos artigos deduzir essa interpretação, significa isso, que haverá necessidade de modificar a redacção d'esses artigos, por forma a esclarecer melhor o pensamento da commissão.

Perguntou tambem s. exa. o que são secções complementares, visto que em parte alguma do projecto ellas vem definidas.

Como o curso dos lyceus de 2.ª classe se chame curso elementar, e que o estudo d'essas disciplinas vae depois completar-se nos ultimos annos dos lyceus de 1.ª classe, de-

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duz-se facilmente que secções complementares são esses annos de curso, em que os lyceus de 1.ª classe excedem os de 2.ª classe.

Referiu-se novamente s. exa. ás escolas secundarias.

Já disse, e agora repito, que essas escolas são destinadas ao ensino de disciplina do quadro da instrucção secundaria. Sito as escolas, que em harmonia com as necessidades actuaes vem substituir as antigas escolas de latim, que havia disseminadas pelo paiz; mas que agora terão outro caracter mais em harmonia com as conveniencias locaes. E se no artigo sé diz que serão de ensino especial nos centros industriaes, significa isso, que não serão escolhidas a capricho entre as disciplinas do quadro da instrucção secundaria, mas sim que serão aquella ou aquellas, que as circumstancias locaes exigirem.

Outro ponto, com que s. exa. não concordou, sendo acompanhado mais ou menos, e por uma ou outra fórma nas suas observações, pelos srs. deputados Dias Ferreira e Bernardino Machado, foi a exigência do mesmo curso secundario para a matricula, em todos os estabelecimentos dependentes do ministerio do reino.
Poderia parecer, a quem ouvisse taes accusações, que com esta exigencia se pretendia fazer dos alumnos dos lyceus latinistas. como o padre Cardoso, hellenistas como o sr. Valle, mathematicos como o sr. Mariano de Carvalho, ou chimicos como o sr. Aguiar. Nada d'isso. O que se pretendo é dar simplesmente ao» alumnos esses conhecimentos ou principios geraes d'essa pequena encyclopedia, que constituo a instrucção secundaria, quer para os educar e preparar para estudos ulteriores de ordem mais elevada, quer mesmo para lhes dar uma certa cultura de espirito indispensavel ao exercicio de muitos cargos, profissões ou mesmo para as relações sociaes.

A opposição principal de s. exa. e do sr. Dias Ferreira foi contra o latim. S. exa. entende, que aos militares mais conviria o estudo da lingua allemã; e o sr. Dias Ferreira até para a formatura em direito o julga dispensavel, considerando, todavia, necessarios alguns conhecimentos de sciencias naturaes, chegando mesmo a duvidar, de que elle possa servir para melhor se conhecer a lingua portugueza.
Eu discordo n'este ponto da opinião de s. exa., parecendo-me mesmo, que como lingua mãe, o conhecimento d'elle, aproveita para o estudo de todas as linguas neo-latina, que d'ella são derivadas, sobretudo muito especialmente para o da lingua portuguesa, que tantas afinidades tem com ella. Alem d'isso seria muito singular, que um bacharel em direito, a não ser quo esta formatura servisse sómente para dar rabulas, de aldeia, não soubesse sequer ler os nossos antigos fora es, ou os livros da antiga legislação: e muito mais singular seria ver tanto esses, como outros quaesquer, que carecessem de alguns conhecimentos de historia natural, a estropiar desapiedadamente no Cuvier, no de Candolle, ou no Jussieu; os nomes latinos das especies animaes ou vegetaes.

Mas ainda mesmo que para algum curso militar ou profissional não seja necessario o latim, tambem no projecto se providenceia, porque para esses casos é que está o curso elementar; ou querendo-se maior desenvolvimento scientifico, sem a parte classica, está o curso especial.

Eu não morro de amores por este curso especial, e preferiria que em vez d'elle houvesse antes institutos profissionaes com os cursos do certa especialidade; porém, como nada d'isso ha, nem sabemos quando poderá haver, eis o motivo por que como succedaneo e habilitação para o exercicio profissional, se entendeu estabelecer esse curso, que não preenche o seu fim tão completamente como institutos d'aquella ordem o preencheriam.

Passemos agora aos exames.

Apresentaram-se duas opiniões em contrario relativamente á fórma por que devem ser feitos os exames.

A primeira foi a do sr. Luciano de Castro, applicada na lei de 1880, de que os exames devem ser feitos não por disciplinas, mas sim por annos de curso; e com o fundamento de que só por esta forma os estabelecimentos do estado poderão ser concorridos e competir com os institutos particulares, que em menos tempo habilitavam os alumnos, não para saber, mas sim para muitas vezes levarem de assalto os exames.

S. exa., em parte, tinha rasão. Effectivamente os alumnos fugiam dos lyceus, onde as disciplinas se achavam distribuidas por diversos annos, e preferiam ir estudar fóra n'um anno ou em mezes aquillo a que no lyceu se consagrava mais tempo. Os lyceus estavam quasi desertos por este e ainda outros motivos, e depois da lei de 1880 começaram novamente a ser frequentados. Porém para que esta forma, que não estava nos nossos usos, mas era trasladada do outros paizes, podesse ter integral applicaçcão, seria preciso transportar tambem para cá a organisação do serviço docente, e instituir professores de anno e não de disciplina.

Só assim, e reunindo sob o ensino do mesmo professor algumas materias do mais correlação, poderiam os alumnos, sem inconveniente, dar uma unica prova d'essas matérias. Ora, a organisação do nosso professorado não e a mesma. D'ahi resultaram Os inconvenientes de tornar dependentes limas das outras as approvações em disciplinas que nenhuma relação tinham, a difficuldade extrema, e quasi impossibilidade, que para muitos haveria, em vencer todas as materias de um anno, e que ficariam por esta forma embaraçados na sua carreira, e as reclamações violentas, e até certo ponto justas, que suscitou a applicação d'essas disposições.

Estes inconvenientes tinham sido já muito bem notados n'um parecer do sr. Arriaga, em resposta aos quesitos propostos em 1876 pela commissão, que elaborou o ante-projecto da lei do 1880; parecer que foi estudado e apreciado como carecia, pela actual commissão; porque esta não se limitou no seu estudo a ler algumas vulgares publicações sobre a organisação do ensino nos outros paizes; não só reviu os relatorios das corporações docentes do paiz, e todos os alvitres então apresentados, mas estendeu tambem o seu estudo á regulamentação e regimen interno dos institutos estrangeiros.

A outra opinião foi a enunciada e defendida pelo sr. Dias Ferreira, de que deveria dar-se aos alumnos a mais ampla liberdade de estudarem onde quisessem, e pela ordem que quizessem. Ao governo só competia estabelecer nos lyceus os jurys de exame, diante dos quaes teriam de dar as suas provas.

Este principio do liberdade assim enunciado, é altamente sympathico; mas como o systema não é novo. E exactamente o systema, que até 1880 foi empregado no nosso paiz, e diga se a verdade, com muito deploraveis resultados.

Em primeiro Jogar os alumnos desprovidos de toda a direcção, estudavam as
disciplinas sem ordem ou nexo nem sequer mesmo das correlações das disciplinas: assim, por exemplo, estudarem latim antes de portuguez, physica antes de terem conhecimentos de geometria, etc.; do que resultava, necessariamente, um ensino muito imperfeito.

Em segundo logar, estudando n'uma occasião uma certa disciplina, pasmando depois ao estudo de entras completamente diversas, chegavam ao ultimo anno do estudo das disciplinas preparatorias, tendo esquecido completamente as que tinham estudado nos primeiros annos.

Procuravam somente obter a approvação e depois de obtida, quasi faziam as diligencias para varrer do interior do craneo todas as idéas que tivessem mettido, para lá se poderem alojar outras; e a consequencia era, que ao chegarem aos cursos superiores nada sabiam já d'aquillo que tinham estudado, como se o estudo a que eram obrigados fosse apenas um encargo, e não uma necessidade para a comprehensão dos estudos ulteriores.

Por outro lado, a organisação dos jurys deixou muito a desejar. Muitos professores dos lyceus leccionavam parti-

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cularmente, e examinavam depois esses seus alumnos particulares.
D'ahi resultava quo, com rasão ou sem ella, os alumnos entendiam que mais facilmente obteriam a sua approvação frequentando a casa do professor ou o collegio em que elle leccionasse. As consequencias de tudo isto foram uma verdadeira orgia na instrucção.
Alumnos houve, que se habilitaram em oito dias para fazer exame de latim, e em pouco mais de um ou dois meses se habilitaram ou se julgaram habilitados muitos, para se submetter, e com bom resultado, ás provas dos exames de muitas outras disciplinas.
E causou um verdadeiro espanto a ignorancia profunda que posteriormente revelavam nos cursos superiores, depois e tantas provas e exigencias legaes nos estudos secundarios.
Teria sido preferivel fechar os lyceus.
Foi com o fim de pôr cobro a tantos abusos, que se promulgou o regulamento de 31 de março de 1873, que determinava, que os exames seriam feitos perante commissões nomeadas pelo governo, excluindo d'essas commissões os professores que, nas respectivas localidades ou circumscripções, leccionassem particularmente.
Era exactamente o systema que s. ex.ª advogara, e desembaraçado dos abusos que até ahi se davam.
A hecatombe no primeiro anno foi horrorosa. Ninguem estava preparado para exames por tal forma, e tudo correra durante o anno com o conhecido desmazelo. E tambem logo de toda a parte surgiram as reclamações contra as commissões, a que se deu o nome picaresco de ambulâncias. E aqui mesmo alguma vez ouvi a propria voz do sr. Dias Ferreira insurgir-se contra ellas.
E, todavia, o nivel do ensino elevou-se com ellas.
Os lyceus continuaram desertos, em virtude da distribuição dos seus estudos por annos, continuando por isso a recorrer-se aos institutos particulares: mas n'estes institutos começou a haver mais precauções na maneira de preparar os alumnos para os exames.
E, comtudo, as commissões tambem tinham inconvenientes. Traziam um grande encargo para o estado; e alem d'isso, se era facil reunir professores em numero sufficiente para os jurys dos exames nos lyceus centraes, e ainda nos de outros isolados, para os quaes havia faceis meios de communicação, não succedia o mesmo para os lyceus das povoações mais distantes, aos quaes muitos professores se não prestavam a ir, succedendo então destacarem-se apenas dois ou tres professores, para constituírem os jurys de todas as disciplinas. O que se aproveitava nos centros, perdia-se na peripheria.
Os dois systemas estavam, pois, experimentados o julgados. Era preciso procurar um terceiro que, permittindo aos alumnos frequentar somente as disciplinas de que carecessem para o seu fim especial, ou que coubessem dentro dos limites da sua capacidade, os obrigasse, todavia, a seguir os seus estudos com methodo e ordem, por fórma a nem procurarem levar de assalto o estudo nos institutos particulares, nem se acharem completamente esquecidos do que haviam aprendido, quando tivessem terminado os seus estudos preparatorios.
Era preciso alem d'isso collocar os lyceus e os institutos particulares em condições regulares de legitima competencia.
Para conseguir esse fim, a commissão teve de passar novamente a fronteira. Foi estudar a regulamentação dos lyceus estrangeiros, e foi de lá que importou a idéa das classes; não para a copiar textualmente, porque as condições dos nossos institutos não eram as mesmas, mas sim para a assimilar e adaptar aos nossos usos e tradições.
As classes de ensino, a que se refere o projecto, significam conjunctos harmonicos de instrucção; representam como que vínculos concentricos, cuja área se vae successivamente alargando.
Assim, partindo da hypothese de que nos regulamentos o curso dos lyceus se dividisse em tres classes, cada uma de dois annos, a l.ª classe comprehenderia, alcei da franceza, a lingua portugueza e alguns elementos de geographia, desenho e principies muito rudimentares de sciencias. Seria pouco mais que o desenvolvimento do ensino primario complementar, estabelecendo a ligação d'este com o ensino secundario, e corresponderia pouco mais ou menos ás l.ªs classes dos lyceus dos outros paizes.
Na 2.ª classe ou biennio, começaria o estudo das linguas mortas, e competiria um maior quinhão ao estudo das sciencias naturaes e moraes.
E este estudo já poderia ser tal, que a habilitação com estas duas classes podesse servir de introducção aos cursos especiaes. Finalmente, a 2.ª classe completaria os estudos anteriores com as litteraturas classicas, a philosophia e as sciencias com o desenvolvimento preciso para a admissão aos cursos superiores, com os quaes estabeleceria a ligação do ensino secundario. O alumno dentro de cada classe poderia estudar as suas disciplinas pela forma que melhor lhe conviesse.
Se não podesse vencer no biennio todas aquellas disciplinas, que constituem a classe, vencel-as-ia em tres ou mais annos, mas não poderia passar para a classe immediata, sem ter todos os estudos da classe anterior, que constituiam a natural precedencia, apenas com algumas ligeiras excepções mencionadas no projecto, e cuja rasão facilmente se comprehende. E por esta fórma ficaria perfeitamente conciliada a liberdade para o alumno de estudar somente e de cada voz aquillo que coubesse na esphera da sua capacidade, com a ordem e methodo que deveria seguir nos seus estudos, para que o seu trabalho fosse proficuo, e os seus resultados uteis e duradouros.
Os exames ficam tambem por esta forma muito reduzidos cm numero, porque os de passagem só serão obrigatorios para os alumnos dos lyceus; e para estes mesmo reduzidos apenas a uma simples prova, que indique, que estão no caso de continuar o estudo da mesma disciplina nos annos subsequentes; prova que poderia ser mesmo reduzida a valores de frequência, ou de exames trimestraes, deixando ainda o recurso de uma prova final aos que não tivessem obtido na frequencia a classificação necessaria.
Foi este o systema, que a commissão adoptou. Ter-se-ia enganado nas suas previsões?
É possivel, mas se dos outros systemas se tem tirado tão mau resultado, 6 licito esperar algumas vantagens da nova proposta; e, quando a experiencia mostrasse que ainda se não tinham conseguido todos os resultados desejados, nas proprias disposições do projecto ha a elasticidade precisa para se adaptar a todas as modificações que a experiencia aconselhasse.
Outro ponto importante, a que muitos srs. deputados toem alludido, é o de haver uma ou duas epochas de exames. No projecto mencionam-se duas; sendo, porém, uma só para determinadas especies de exames. E não se mencionaram duas epochas para todos os exames, porque alem de roubarem muito tempo ao anno lectivo, já de si minguado, não é facil constituir os jurys precisos no principio do anno lectivo. Os professores estranhos aos estabelecimentos comparecem facilmente na primeira epocha, que é longa, e lhes permitte uma certa compensação do seu trabalho e da mudança temporaria de residencia. Não acceitam, porém, serviço em outubro, e não só porque lhes é preciso estarem presentes á abertura dos cursos nos estabelecimentos a que pertencem, mas tambem porque lhes não convém por poucos dias a mudança de residencia. E, pois, de uma difficuldade extrema organisar estes jurys; e o resultado é que a craveira dos exames é sempre muito mais baixa n'esta segunda epocha do que na primeira. E difficil, alem d'isso, resistir ás solicitações d'aquelles que se apresentam como carecendo de approvação n'uma só disciplina para não perderem mais um anno, e poderem matri-

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cular-se nos cursos superiores. Os governos mesmo, concedendo todos os annos estas licenças por meio de portarias, são quasi cumplices n'estas solicitações, e na maioria dos casos mais valeria de certo, sob o ponto de vista da moralidade, que essas portarias declarassem logo que ficavam dispensados os aluirmos de fazerem os taes exames que lhes faltavam para o ingresso nos cursos superiores.

E se a concessão da repetição em outubro se estendesse a todos os exames da primeira epocha, cujo resultado fosse desfavoravel, roubar-se-ia então muito tempo ao anno lectivo. A percentagem das reprovações anda por 30 a 40 cento, e se os exames da primeira epocha, e com um pessoal docente numeroso, duram muitas vezes até o meiado do mez de setembro, pôde imaginar-se até onde chegariam no principio do anno lectivo, e com a deficiencia de pessoal para a constituição das mesas necessarias.

Passarei agora ás propostas e observações do sr. deputado Mariano de Carvalho.

Disse s. exa., que o relator declarara que n'este projecto havia economia em relação ao orçamento da lei de 1880, mas que o não provara.

Mencionei anteriormente a proveniencia d'essas economias; e se não fiz as sommas é por que entendi, que quem quizesse as poderia fazer.
Porém visto que é necessario ser mais explicito, direi que essas economias provém do seguinte:

1.° Reducção de um professor no quadro dos lyceus centraes, o que se traduz por uma economia na importância de 1:800$000 réis;

2.° Eliminação dos substitutos dos lyceus centraes, do que resulta a economia de 3:600$000 réis;

3.° Reducção dos vencimentos a cinco professores em cada lyceu central, o que representa a economia de réis 1:500$000;

4.º Reducção doa vencimentos a tres professores dos outros lyceus, o que significa uma economia de 5:700$000 réis;

5.° Reducção nas gratificações por serviço de exames: estas gratificações toem custado, termo medio, ao thesouro 12:000$000 réis por anno. Ora, sendo o numero dos exames reduzido a menos de metade, fica esta verba tambem reduzida na mesma proporção; e, portanto, deverá haver n'este serviço a economia, pelo menos, de 6:000$000 réis.

Sommando tudo isto, dá evidentemente a economia annual de 18:600$000 réis.
Augmentaram-se, porém, algumas despezas: o foram 2:500$000 réis para elevar á 1.ª classe o lyceu do Ponta Delgada: 4:000$000 réis para elevar a 10:000$000 réis a minguada verba de 6:000$000 réis, auctorisada para a compra de utensilios, collecções, material de ensino e subsidios para todos os lyceus; mais 1:500$000 réis para augmentar a deficientissima verba do expediente nos 22 lyceus do paiz.

Deduzindo pois estes augmentos, todos correspondentes a verdadeiras necessidades da instrucção, ainda fica um saldo de 10:600$000 réis, que chega perfeitamente para sobro esta quantia se levantar o emprestimo necessario para prover á construcção urgente dos edificios para os lyceus centraes de Lisboa e Porto.

Foi tambem s. exa. de opinião, que as propinas de matricula deviam ser diminutas, muito embora fossem mais elevadas as propinas de exame; e que as condições deviam ser as mesmas para os alumnos dos lyceus e estranhos.
Pelo que respeita ás propinas, já foram muito reduzidas, e excedem em muito pouco a verba, que como tal se pagava antes da lei de 1880. E as condições de exames ficam perfeitamente iguaes para uns e outros alumnos.

A unica differença é a propina de l $500 réis por exame para os alumnos estranhos, mas eu já expliquei á camará a rasão d'isto. Se houvesse só a examinar os alumnos dos lyceus, bastariam, em regra, os professores dos proprios
estabelecimentos. O numero, porém, dos alumnos estranhos é tão avultado, que se torna necessario convidar para os exames muitos professores de outros estabelecimentos, aos quaes é necessário retribuir por esse serviço extraordinario. Aquella propina representa, pois, a creação da receita indispensavel para esse fim, o para o serviço dos exames d'esses mesmos alumnos; não podendo alem d'isso considerar-se muito pesada, se se attender a que recáe em geral sobre os alumnos, que têem os meios precisos parada frequencia dos collegios e institutos particulares.

Achou tambem s. exa. digno de reparo, que se estipulasse gratificação aos professores, que deveriam constituir os jurys dos exames de admissão aos cursos superiores; serviço, que em outro tempo, isto é, no tempo dos antigos exames de madureza, se fazia gratuitamente nas escolas superiores.

Talvez que essa gratuidade concorresse para a abolição d'esses exames. Em todo o caso, se fica bem a s. exa., como professor de ensino superior, entender, que poderia tornar esse encargo gratuitamente, não invalida isso o principio de que devem ser remunerados os serviços extraordinarios; e se aos professores de instrucção secundaria se concedem legalmente essas gratificações pelo serviço extraordinario dos exames, parece justo que a mesma concessão se torne extensiva aos professores do ensino superior, quando empregados no mesmo serviço. E se, apesar do ser tambem professor de uma escola superior, aqui estou advogando esta causa, não a advogo por interesse proprio, porque eu não posso, em caso algum, fazer parte d'esses jurys na escola, de que sou professor; porque os alumnos, que se matricularem n'essa escola já deverão ter feito o seu exame de admissão nos institutos superiores por onde terão de passar, antes de se matricularem nos cursos médicos. Varro, pois, por esta fórma a minha testada, para que se fique sabendo, que advogo apenas o que me parece um principio de justiça e equidade absoluta e relativa.

E não é de certo essa pequena gratificação, e pelos poucos dias que poderão occupar os exames de admissão aos cursos superiores, que trará grande onus para o estado, ou grandes proventos para os examinadores. E para isso mesmo é creada receita mais que sufficiente na propina especial d'esses exames.

Quanto ás propostas do s. exa., refere-se uma á prohibição de ensino aos individuos pertencentes ás corporações religiosas.

Segundo a lei, e em virtude dos decretos referendados por José da Silva Carvalho e Joaquim Antonio de Aguiar, não podem ter essas corporações existencia legal no paiz. Se apesar d'isso existem sob uma ou outra forma, pôde o facto e o não cumprimento da lei importar-nos como membros do parlamento. Não é, porem, da nossa competencia, como membros da commissão de instrucção, que nos assumptos d'esta especialidade tem só a regular-se por aquillo que é lei do paiz. Ao governo e a outras commissões compete providenciar sobre a plena execução d'essas leis, e para que ellas não sejam illudidas.

Refere se outra proposta á necessidade de que nos institutos particulares se exerça uma rigorosa inspecção sobre as suas condições hygienicas, alimentação, ensino e tratamento dos alumnos.

E por certo indispensavel. Porém já no regulamento do serviço da inspecção, de 20 de setembro de 1882, se acham preceituadas essas providencias. Ao governo cumpre tambem velar pela sua execução da parte dos inspectores, ou accentuar melhor aquellas disposições na parte em que' possam reputar-se illusorias ou deficientes.

Propõe, finalmente, s. exa. que se não conceda auctorisação para ensino particular senão a quem tiver titulo de capacidade para esse fim, concedido pelo governo, em virtude de provas documentaes ou de exame especial.

Na commissão, que elaborou o ante-projecto de lei de 1880, e de que eu tive a honra de fazer parte, foi esse

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assumpto discutido, e a maioria optou pela liberdade. Na lei adoptou-se posteriormente o mesmo principio. Ora, mio tendo sido intento do governo nem da commissão fazer uma lei completamente nova, para que se não podesse fazer a accusação de que se alterava ou se revogava completamente uma lei, antes do se poderem apreciar os seus resultados, foi por isso que as alterações ou modificações se limitaram áquelles pontos, sobre os quaes a experiência tinha já recaido, mostrando a necessidade d'essas modificações.

Deixou-se, pois, em vigor a lei de 1880 em todos áquelles assumptos, que não
tinham ainda recebido aquella sancção ou condemnação.

A idéa não é nova, e já esteve em execução por alguns annos no nosso paiz. Deu então legar á creação de uma nova industria, a das certidões falsas de frequência passadas aos alumnos por professores habilitados com titulos de capacidade, mas que realmente os não tinham leccionado. A idéa, porém, é muito justificada, e se não estou auctorisado a emittir sobre ella a opinião da commissão, posso asseverar que ella será discutida e apreciada como merece.
São estes, me parece, os principaes pontos a que nos seus discursos se referiram os illustres deputados que entraram no debate, e aos quaes agora procurei responder. É possivel que alguns outros me tenham escapado, porque é difficil conservar a memoria assumptos diversos, e mesmo de tantas opiniões encontradas.
Estou prompto, porém, a dar quaesquer explicações que involuntariamente ou por esquecimento tenha omittido. O que desejo é que todos se convençam de que a commissão acceitará de bom grado todas as emendas e subsídios que possam concorrer para o aperfeiçoamento da lei que discutimos, comtanto que, alem dos seus fundamentos theoricos, ou de rasão pura, ellas sejam exequiveis, e tenham o senso pratico, que nem sempre abunda em muitos das nossas leis.

O sr. Pinheiro Chagas: - Eu começo por associara minha voz á voz eloquente do sr. Mariano de Carvalho, e chamo, como elle, a attenção do governo o a attenção da commissão para o facto, realmente grave, que elle indicou no seu discurso.

Eu desejaria muito, e é de certo um grande ideal do meu espirito, a plena liberdade de ensino. Estabelecida no paiz, não tenho nada absolutamente com o modo como cada um possa ensinar; mas n'um paiz que tem na sua constituição o artigo 6.°, n'um paiz que reconhece como religião do estado a religião catholica, tem o governo o pleno direito de fiscalisação sobre o modo como os membros do clero, como as associações de qualquer especie, entendem que devem proceder no nosso territorio.

Se a nossa legislação, apesar dos principios altamente liberaes que n'ella estão inscriptos, não basta para dar ao governo as armas necessarias para pôr cobro a uma propaganda que se não póde permittir, peça o governo á camara as medidas legislativas necessarias para lhe pôr nas mãos essa arma, e para poder defender a liberdade de tal modo ameaçada.

Tinha pedido a palavra sobre a ordem, e quando acabar de fallar mandarei para a mesa a minha moção que consiste n'uma indicação relativamente ao capitulo anterior, indicação que não discutirei, porque o capitulo já está votado, limitando-me a envial-a para a mesa usando para isso da auctorisação que v. exa. nos tem concedido.
Proponho que em vez de uma epocha de exames haja duas epochas.
O sr. relator já respondeu a alguns dos nossos collegas sobre este assumpto, e eu vejo-me obrigado a replicar ás observações feitas por s. exa.
Mas antes d'isso permitta-me s. exa. que lhe diga, com respeito á inspecção do ensino particular não dar bom resultado, e pelo contrario ser a origem, de uma industria nova, a das certidões falsas, que eu acho este argumento completamente erroneo; porque equivaleria a dizer, que o estabelecimento da propriedade deu origem á industria do roubo.

A certidão falsa póde apparecer em todas as cousas, e é um crime que as leis punem.

Passando ao assumpto principal da minha moção devo dizer que estranhei sobremaneira o modo como o illustre relator se referiu a este assumpto.

Diz s. exa., que os exames em outubro são de uma craveira muito mais baixa do que os exames antes de ferias, mostrando-nos assim elle, reitor, e reitor dignissimo de um lyceu, que os nossos professores têem duas moralidades, como se podem ter dois casacos, um de verão, outro de outomno. (Riso.)

Pois é admissivel que se diga que os mesmos professores não comprehendem os seus deveres em outubro, como em julho ou agosto?

Causou-me uma certa estranheza que o sr. Illydio do Valle suppozesse que a craveira dos exames em outubro era mais baixa do que nos exames anteriores ás ferias; por isso que em outubro eram approvados muitos alumnos que tinham sido reprovados em julho.

E exactamente para serem approvados que elles repetem os exames em outubro.

O sr. Illydio do Valle: - Em setembro.

O Orador: - Ou em setembro. Se elles em quinze dias se poderam habilitar para segundo exame, é porque no primeiro não houve absoluta justiça.

S. exa. mesmo indicou isso; porque acabou de dizer, que as mesas dos exames eram ás vezes compostas de um modo irrisorio; e não quer que o alumno possa appellar de uma sentença proferida pelas mesas de exames constituidas d'esse modo?

S. exa. confessou, que muitas vezes nas mesas dos exames os alumnos eram exclusivamente julgados por um professor, porque os outros nada sabiam das materias.

Desde o momento em que as mesas se constituem d'essa fórma, e que não dão garantias de que ha de ser feita justiça ao alumno, não se ha de permittir que elle possa appellar de uma sentença que póde ser iniqua, como o sr. relator acabou de confessar?

S. exa., quando se referia a este facto de haver mesas onde nem todos os professores estavam sufficientemente habilitados para julgar os alumnos que eram submettidos ao seu exame, tirava d'ahi a conclusão da necessidade dos concursos por secção.

Não se podo dispensar que todos os professores saibam as materias de todo o curso geral dos lyceus, mas o que não se pôde é exigir que um professor de francez esteja ao mesuro tempo habilitado para reger uma cadeira de inglez, porque no concurso exige-se que tenha mais habilitações para a regência das duas cadeiras, o que é differente de estar habilitado para tomar parte no julgamento.
Eu estou, até certo ponto, e já o disse n'outro dia, com a idéa do sr. Illydio do Valle, de conservar a precedencia dos estudos nos exames, mas não me convencem as rasões que deu agora.

Disse o sr. Illydio do Valle, que os alumnos chegavam ao fim do curso sem saberem o que tinham aprendido no principio.

Esta rasão não é procedente desde o momento que só estabelecem os exames de madureza, que obrigam os alumnos a não esquecer o que aprenderam.

Responderei em m oito breves palavras a algumas observações que fez o sr. Illydio do Valle, para me dar uma explicação que eu lhe pedi.

S. exa. continuou a manter a necessidade das habilitações de um curso único geral de instrucção secundaria para preparatorio de todas as escolas de ensino superior, e disse que a instrucção secundaria não era para fazer grandes la-

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tinistas, nom grandes mathematicos, mas que os alumnos deviam ter noções geraes de todas as sciencias.

Se isto se tivesse conseguido no nosso paiz, seria muito util, e então podiam ampliar-se ainda mais as disciplinas dos lyceus; mas o nosso ensino não está organisado d'esse modo.

Não se aprendem as noções geraes e uteis da todas as cousas, as disciplinas suo estudadas no que têem de mais metaphysico e abstracto, de fórma que o curso dos lyceus, sem ser seriamente util, torna-se difficilimo.

Julga o sr. lllydio que um official de artilheria não precisa tanto saber latim, e latinidade como de saber allemão; porque, saber historia militar carece tanto do conhecimento das campanhas de Annibal, como do conhecimento das campanhas de Mollke?

Preciso então de desenvolver o meu pensamento.

Eu entendo que não é preciso saber allemão para conhecer as campanhas de Moltke, porque se encontra a sua narrativa traduzida. N'esse caso, seria necessario tambem saber sueco para se conhecerem as campanhas de Carlos XII, e grego para se conhecerem as campanhas dos generaes hellenicos.

Um official precisa de saber allemão para seguir quotidianamente, nas publicações incessantes que se fazem na Allemanha, o progresso das sciencias militares.

Só sabendo allemão é que poderá estar em dia com esse movimento incessante.

Ora, para isto é perfeitamente dispensavel o latim.

Dizia s. exa. que «era indispensavel o latim e a latinidade para se conhecer a technologia botannica». Mas, sendo assim, não sei por que se não mettc também o grego, que me parece que é mais empregado ainda na technologia das sciencias physicas, naturaes e sociaes tambem.

Vejo que s. exa. acceita um pouco a minha moção, com respeito ás aulas secundarias, porque disse que «essas escolas terão de ser como eram antigamente as aulas de latim; virão substituil-as». Parece, portanto, que acceita que essas aulas de latim se supprimam; é, pois, necessario que isso se designe na lei.
Emquanto a dizer que «só existirão escolas secundarias nas terras onde não houver escolas profissionaes», porque isso só significa que as não haverá em Lisboa e no Porto, tenho a observar que se amanhã se crear um instituto profissional na Covilhã, já deixará de ter rasão de ser o pensamento que dictou esta disposição.

Ficarão annexas ao instituto profissional, se elle se crear? Não, de corto, porque o que diz a lei é que as aulas ficarão annexas aos lyceus.

Antes de me dirigir ao ponto para que fui chamado a tomar a palavra na ultima sessão, preciso de fazer uma rectificação, para que se não possa tirar das minhas palavras uma illação menos justa.

Referi-me aqui, na ultima sessão, a um famoso diccionario latino, fiz algumas citações, e disse que me parecia que estava approvado pela junta consultiva. Não está, e até a junta consultiva tem deliberado não approvar diccionarios.
Não era meu intuito maguar a junta; em todo o caso, precisava de fazer esta rectificação.

E agora que acabei de responder, como pude, nas breves reflexões que fiz, ao sr. lllydio do Valle, permitta-me v. exa. que entre no assumpto para o qual tive do pedir a palavra na ultima sessão. Preciso de dizer algumas palavras ao sr. Manuel de Arriaga, que teve a bondade de ante-hontem se dirigir especialmente a mini na ultima parte do seu discurso. E como s. exa. respondeu ao pedido tão simples, que eu lhe fazia, de quo não trouxesse para o debate as questões politicas, sempre irritantes, declarando-me - quo ainda era generoso, e que, se quizesse trazer para aqui a politica, perguntaria o que tem feito o constitucionalismo ha cincoenta annos a favor da instrucção do povo, eu, rejeitando a generosidade, desde o momento em que se trata de combato, levanto a luva, acceito franca e lealmente o repto, como franca e lealmente mo foi arrojado, ainda que talvez um pouco fora de propósito, e vou responder á pergunta, já que a pergunta me e feita.

O que tem feito ha cincoenta annos o constitucionalismo em Portugal?
Há cincoenta annos!

Os amigos politicos do sr. Manuel de Arriaga encarregam-se nos seus jornaes de fazer o commentario bem facil d'esta phrase: Ha cincoenta annos é que principiaram para Portugal todas as desventuras.

Parece que se o seu primeiro ideal é a republica, o seu segundo ideal é o despotismo, e que lamentam profundamente que a revolução liberal, implantando no nosso paiz a sociedade moderna, derrubasse ao mesmo tempo o throno saudosissimo do sr. D. Miguel, de republicana memoria.

Pergunta o sr. Manuel de Arriaga o que tem feito o constitucionalismo a favor da instrucção do povo, ha cincoenta annos que está implantado em Portugal.

Não serei eu que lhe responda, vae responder-lhe, em palavras bem nobres e bem eloquentes, o seu correligionário e amigo de todos nós, o sr. Elias Garcia, e cito-o como auctoridade, porque supponho que, sendo apenas dois, é possível que estejam de accordo. (Riso.)

Dizia ha dias o sr. Elias Garcia:

«Depois da reforma de 1836, tão habilmente traçada e concebida pelo espirito de Passos Manuel, que ha perto de cincoenta annos dava aos estabelecimentos secundários a feição scientifica e classica ao mesmo tempo, e com mais desenvolvimento que os de hoje, quer nas sciencias, quer nos estabelecimentos annexos, nada tenho visto no nosso paiz que mais me agrade no assumpto. Como aquella cabeça admirável e bella comprehendia e concebia tudo aquillo em 1836!»
O que! Pois nobilitam e exaltam Passos Manuel, applau-dem as suas reformas, descobrem-se com. respeito diante do seu grandioso vulto, e ao mesmo tempo vem aqui condemnar corno esteril e nefasto o systema politico que este homem amou, sustentou o defendeu! (Muitos apoiados.)

O que fez ha cincoenta annos? Quem encontra s. exa. no adito do constitucionalismo? Quem são os fundadores da monarchia constitucional? São Mansinho da Silveira e Joaquim Antonio de Aguiar; Mousinho da Silveira, que emancipou a terra; e Joaquim Antonio de Aguiar, que emancipou o pensamento. Mousinho da Silveira, que arrancou do solo portuguez com a sua mão potente todos os ónus e todos os privilegios, todas as servidões e todos os parasitismos; Joaquim António do Aguiar, quo derrubou com a sua rude mão enérgica as cidadellas da intolerância, onde a sociedade clerical, poderosamente organisada, dominava e escravisava a sociedade civil. (Muitos apoiados.}

O que? Pois reconhecem o que ha de grande e democratico d'estes grandes vultos da monarchia constitucional, querem o nome do Mousinho da Silveira para orago dos seus clubs, e vem aqui perguntar o que eco que vale este systema que Mousinho da Silveira fundou, quo Mousinho da Silveira estabeleceu?! (Vozes:-Muito bem.)

Nem sempre foi assim injusto o sr. Manuel de Arriaga, nem sempre entendeu que precisava de perguntar á monarchia constitucional pelos seus pergaminhos liberaes.

S. exa. lembra-se do modo como estreitámos pela primeira vez as nossas relações pessoaes que, pela minha parte, nem a lucta politica mais aspera conseguirá romper, porque se baseiam na minha estima pelo seu nobilissimo caracter. Ligou-nos a amisade commum por um dos espíritos mais brilhantes, por um dos caracteres mais nobres d'esta terra, por um homem que foi bem cedo roubado á patria, que honrava com o seu grande talento, Silva Gayo. Acabava elle de escrever um livro admirável, onde transluziam os seus enthusiasmos pela liberdade fundada em 34. Esses enthusiasmos eram partilhados então pelo sr. Manuel de Arriaga, e não perguntava, sorrindo, a Mousi-

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nho da Silveira - quem és tu, pygmeu? Não perguntava a Joaquim Antonio de Aguiar - e tu quem és, reaccionario? Não perguntava a Passos Manuel - que liberdade é essa que tu apregoas e defendes, é hypocrita tribuno?

Não perguntava, e não me negava então a mim, na santa confraternidade dos nossos enthusiasmos, o direito de ir procurar á revolução franceza o genesis e a origem das minhas idéas liberaes.

A revolução franceza! não rebentou em 1789?

Não se passava ainda em plena monarchia a noite de 4 de agosto, em que, sacrificando tudo ao seu enthusiasmo pela idéa nova que rompia no horisonte, os membros mais dignos da aristocracia franceza se despojavam, espontaneamente, dos seus privilegios e beneficios, para que a palavra fraternidade não fosse uma palavra vã?

Não era monarchico Mirabeau, a voz eloquente da revolução? Não era monarchico Lafayette, cuja memoria ainda ha pouco commemoravam com enthusiasmo os republicanos dos Estados Unidos ?

Não era monarchico Bailly, o integerrimo democrata que expiou Ha guilhotina o crime de amar a liberdade?

Quando a republica veiu tres annos depois, não encontrou já proclamados completamente, radicados e promulgados todos os grandes principies, todas as grandes reformas que transformaram a face da sociedade franceza?

Não foi a assembléa constituinte que redigiu a declaração dos direitos do homem e a constituição monarchica de 1791?

Se o sr. Manuel de Arriaga nos quer proscrever a nós, monarchistas constitucionaes, do gremio liberal, proscreva tambem Mirabeau, se o ousa: Lafayette, se póde. Apague da historia da revolução tranoeza a data da queda da Bastilha, e a data de 4 de agosto, que não são datas republicanas, e fique para o seu calendario com a data de 2 de setembro, em que se assassinaram as mulheres, de 31 de maio em que se assassinaram os girondinos, de 18 do brumário em que se assassinou a liberdade. (Muitos apoiados.)

Põe o sr. Arriaga em contraste os nossos milhões de analphabetos com os sacrifícios que péla instrucção publica faz a republicana America! Qual America! a America republicana é muito grande.

Eu sei bem que á grande republica dos Estados Unidos é que s. exa. se referia, porque republicas da Bolivia, do Equador, do Peru, etc., não entram nunca na conta, porque não fazem conta. (Riso.)
Pois se o principio republicano está intimamente ligado com as grandes reformas que fazem progredir a sociedade, qual é o motivo por que elle dá fructos tão bons n'um lado, e tão desastrosos n'outro?

Se a fórma republicana está ligada com o principio da instrucção popular, porque não quer o sr. Arriaga dizer-nos quaes os sacrificios que as republicas do Equador e da Bolivia fazem pela instrucção publica?

Porque não nos diz quaes são as dezenas de analphabetos que ha n'essas republicas americanas?

O illustre deputado devia collocar acima das suas preoccupações partidárias o seu respeito pela verdade e pela justiça.

Podia seguir o modelo da franqueza sincera de Luiz Blanc, que não deve ser uma auctoridade suspeita para s. exa., nem para todo o partido republicano mais avançado, porque é um homem respeitado pelos proprios monarchistas pela integridade das suas .convicções, por isso que sacrificou ás idéas generosas da sua alma a sua tranquillidade e todas as suas ambições mais legitimas.

Quer ver o que dizia Luiz Blanc, a quem ainda ha pouco a França republicana prestou a homenagem mais solem-no que um povo pôde prestar a um homem? Quer ver o que elle dizia? Ouça. No seu livro Nouveau monde, publicado em 1849, reimpresso em 1873, ha um trecho que tem o seguinte titulo:

«A presidencia é uma instituição, que pôde vir q ser mais funesta do que. a propria realeza. A monarchia, continua Luiz Blanc, desconcerta as ambições; a presidencia a conquistar põe-nas em movimento e irrita-as. Se a esperança de obter 1/900 do poder que exerce uma assembléa basta para excitar tantas competencias, para revolver tantas paixões, até onde irá o desejo de se eer saudado chefe do estado.

«Aquelle que o seu nascimento chama ao throno, não precisa de abrir caminho através do povo agitado.

«A necessidade de ter creaturas não lhe custa nem tentativas facciosas, nem esforços sanguinolentos.»

E mais adiante:

«Muitas vezes se tem dito, que os nossos costumes têem um forte cunho de -igualdade, e que das nossas leis associadas aos nossos costumes resultava um espirito de opposição incompatível com a estabilidade dos governos.
«Isto carece de se explicar.

«É certo que em França, o que menos se preza n'um governo, é a sua duração; mas o que também é certo é que o poder considerado em si proprio possue n'este paiz um prestigio consideravel, e talvez não exista paiz algum n'este mundo, onde o exito tenha tantos admiradores.

«Espere-se, portanto, sempre ver ondas de incenso fumegar aos pós do idolo, logo que for collocado no altar. Ora, só este idolo for um presidente, a quem se dirigirão as homenagens? A pessoa, evidentemente; porque, como já mostrámos, um presidente de republica em Franca não representa principio algum.
«D'ahi resulta para uma nação uma causa de aviltamento.

«Oh! de certo não sou eu d'aquelles que desculpam de bom grado as superstições monarchicas, nem sequer dos que as comprehendem... Mas emfim é justo reconhecer que no regimen constitucional o que os realistas honram no seu rei é uma idéa e não um individuo. Pois bem! a dignidade humana perde menos com o culto de um principio do quo com o culto de um homem, por muito falso que seja esse principio, por muito grande que esse homem seja. Em Inglaterra n'uma reunião publica, vi rebentar uma noite, só ao pronunciar-se o nome da rainha Victoria, incríveis transportes de enthusiasmo; eram applausos de deitar a sala abaixo; as mulheres agitavam os lenços; nunca fui testemunha de similhanto sccna de idolatria.

«Um grave personagem, sentado ao pé de mim, descortinou de certo nos meus labios um ligeiro sorriso; porque, inclinando-se para mim, disse-me:
«Não julgue, senhor, que todo este enthusiasmo seja pela «pessoa da minha; o que saudámos com todos os nossos «transportes, é a constituição que tem feito até hoje a força «da Inglaterra.»

«Curvei-me em silencio, e lembrei-me d'esse estranho aviltamento do caracteres, que produziu o imperio, porque o imperio era o imperador.»

Sr. presidente, ninguem póde negar ao sr. Manuel de Arriaga o direito de seguir a opinião que quizer acerca da fórma de governo, mas permitia s. exa. aos outros que se sintam á vontade com o regimen que não desagradava a Luiz Blanc; permitta-me a mim, humilde e pequeno, que me sinta á vontade dentro d'estas instituições onde couberam gi

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712 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

lavras que a hora deu já, mas quero dizer a s. exa. que não respondi ao seu discurso na occasião em que acabou do fallar, porque quando eu entrava na camara tinha s. exa. já lido as suas moções de ordem, e eu não sabia quaes eram.
Sr. presidente, prometti dizer poucas palavras, e serão muito poucas.

Se acaso as questões religiosas existem, eu mantenho o que já disse em uma outra sessão; nem receio muito d'ellas, nem as desprezo por insignificantes. Se ellas são como s. exa. aqui nos descreveu, resta-me saber se o collegio de S. Fiel existe como instituto monacal e, portanto, fora das leis, ou se é apenas um agrupamento de homens estrangeiros e portuguezes, cujos direitos eu tenho de respeitar. Duvido que ali haja congregação religiosa; se houver, prometto a s. exa. que não hesitarei no cumprimento dos deveres que a lei ine impõe, acabando com uma associação illegal. Para isso tem o governo as necessarias faculdades legaes.

Se, porém, não houver congregação religiosa, tratarei por outros meios justos e possiveis de regular o ensino e prover a todos os cuidados que possa e deva empregar.

S. exa. tem hoje mais medo da propaganda jesuítica, do que da propaganda anarchista.

Eu felizmente nem tenho medo de uma nem de outra, e por uma rasão muito simples, porque confio no bom senso e na probidade do povo portuguez.

Desadoro o jesuitismo, porque não é religião o que ali se ensina, e os seus conselhos em moral deixaram sempre muito a desejar. A historia o diz; mas, como o illustre deputado, não acceito de melhor grado a propaganda anarchista.

O jesuitismo em Portugal não medra; não podo prosperar.

Se os collegios de S. Fiel tivessem de multiplicar-se largamente em Portugal, e fallo d'este collegio, querendo conceder que elle seja nucleo de jesuitismo, a dar credito á palavra do illustre deputado; se esses collegios tivessem de se estabelecer largamente em Portugal, acredito que já ha muito o teriam feito.
S. exa. citou, é verdade, algumas instituições de piedade e caridade, que lhe são suspeitas, mas eu desejarei separar completamente, n'esta questão, o trigo do joio; porque s. exa. sabe quanto é criminoso attentar contra associações que, de boa fé e com a maior devoção, se dedicam a fins muito úteis e muito santos.

É possivel que alguns estabelecimentos haja com intuitos reaccionarios, mas o espirito liberal d'este paiz é tal, que se ousarem nascer, elles hão de arrastar definhados uma vida ephemera, no meio do grande arrefecimento que produz o desamor e o desconceito geral, e com elles conto eu mais, do que com os cuidados das auctoridades e do governo.

Isto não quer dizer que não tomemos todas as providencias necessarias, para obstar a qualquer desregramento que pretenda incommodar-nos, e a commissão examinará com attenção as propostas do illustre deputado.

Sr. presidente, façamos votos para que o povo portuguez se não deixe impressionar, nem pela propaganda da reacção, que detesto, nem pela propaganda porigosissima da anarchia, que ultimamente já tem salpicado de sangue alguns povos da Europa, com grave receio dos governos, e que lhes estão reclamando cuidados muito especiaes, que felizmente por ora não são precisos, nem o tem sido em Portugal.

Tenho dito, creio eu, a s. exa. o que é preciso; isto é, hei de cumprir as leis do paiz.

Se acaso vir perigos, para evitar os quaes não haja remédio nas leis, trarei propostas ao parlamento; es. exa. ha do ver que não perigarão, nem por uma nem por outra propaganda, merco de Deus, visto que podemos ainda fallar em Deus, a paz publica e a ordem social.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo sr. Pinheiro Chagas.
É a seguinte:

Proposta

Proponho que haja, em vez de uma epocha, duas epochas de exames, deixando á commissão o cuidado de inserir, se acceitar a minha proposta, do modo que achar mais conveniente, no projecto de lei esta disposição. = Manuel Pinheiro Chagas.

Foi admittida.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta de lei mandada para a mesa pelo sr. ministro do reino.

Leu-se na mesa a proposta de lei legalizando a quantia de 27:088$933 réis, em que no exercido de 1880-1881 foi excedida pelo ministerio dos negocios do reino a despeza dos artigos 17°, 25.°, 26.°, 32.° e 34.°, pelas sobras dos restantes artigos da respectiva tabella da despeza,

Foi admittida e enviada á commissão de fazenda.

Vae publicada a pag. 694 n'este, Diario.

O sr. Presidente - A ordem do dia para amanhã é a continuação da que estava dada e mais os projectos n.os 29, 30, 31, 32, 34, 35, 36 e 37.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

E N.° 108

Senhores deputados da nação portugueza. A companhia mineira e metallurgica do Braçal, tendo conhecimento da proposta de lei n.° 10-D do sr. ministro das obras publicas para o imposto sobre minas, vem mui respeitosamente perante a representação nacional expor as rasões pelas quaes julga dever ser alterada a mesma proposta a effeito de somente ser lançado o imposto proposto de 2 por cento no mineral exportado, ou quando tal concessão se não possa fazer, ao menos, que na mesma proposta seja incluido o beneficio de se abolir o imposto sobre o carvão destinado ao consumo das officinas metallurgicas e de se restabelecer a pequena protecção do direito de entrada sobre o chumbo.

Encaradas as cousas sob o seu verdadeiro aspecto, as minas do Braçal, em que se empregam permanentemente nada menos de 800 operarios, podem considerar-se com justo fundamento a escola mineira de Portugal aonde não ha nenhum outro estabelecimento metallurgico que possa comparar-se com ellas.

Se é certo que a producção da mina de S. Domingos tem sido de tal modo abundante que os respectivos emprezarios já conseguiram auferir da sua exploração um lucro superior á enorme cifra do um milhão de libras sterlinas, nem por isso deixa de ser inquestionavel que esse resultado, verdadeiramente assombroso, não deve a sua origem senão a um conjuncto casual de circumstancias felizes, mas transitorias.

Não póde, pois, sem manifesto engano collocar-se esta mina, que nem ao menos merece similhante nome, porque a sua exploração se faz por assim dizer a céu aberto, na mesma plana das minas do Braçal que têem mais de 8 kilometros de carris de ferro subterrâneos e cujas machinas de esgoto e extracção formam doze grandes engenhos que tiram 3 metros cúbicos de agua por minuto, sendo alem d'isto inquestionavel que do trabalho d'ellas se sustentam 4:000 a 5:000 pessoas, emquanto que a de S. Domingos nem ao menos possuo qualquer estabelecimento metallurgico.

Vê-se, portanto, que as minas do Braçal e jazigos vizinhos estão destinados a formar o centro mineiro mais importante do norte do paiz, sendo, por isso, merecedoras de séria attenção da parte dos poderes públicos, especialmente n'esta occasião em que acabam de sair do dominio particular e exclusivo de uma familia para a posse e adminis-

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SESSÃO DE 16 DE MARÇO DE 1883

tração rio uma companhia nacional, solidamente organisada e constituida.

E desgraçadamente verdade que, por via de regra, as emprezas industriaes, estabelecidas em Portugal, têem dado resultados muito pouco lisonjeiro!" para os capitães empregados n'ellas. O mal, porém, não é irremediavel, porque os obstaculos que se oppõem a que essas emprezas prosperem não estão no caso de se reputarem insuperaveis, por isso que provém na sua maxima parte dos encargos indirectos a que actualmente se vêem sujeitas.

Assim, a mineração do chumbo, por exemplo, que, protegida pelo estado, á sombra de leis maduramente meditadas, se tornaria dentro em pouco uma fonte feracissiina de riqueza para Portugal, que nenhum outro metal produz na actualidade, está luctando com grandes difficuldades, creadas principalmente pela legislação aduaneira qne se oppõe de um modo poderosissimo a que uma tal industria attinja entre nós aquelle grau de desenvolvimento e prosperidade que era para desejar, porque ao mesmo tempo que todos os generos e objectos que lhe são indispensaveis e que ella não póde deixar de importar do estrangeiro, pelo simples motivo de os não encontrar no paiz, taes como: ferro, carvão, coke, aço, machinas e cabos de arame, estão sobre, carregados de extraordinarios direitos de entrada.

O chumbo não paga direitos de importação, estando aliás sujeitos ao pagamento todos os outros metaes não explorados no reino, e que por esse motivo têem forçosamente de ser importados.

Era um acto da mais incontestavel justiça que os poderes publicos restabelecessem a pequena protecção do direito de entrada sobre o chumbo que, valendo antigamente £ 20 por tonelada, não attinge hoje no mercado mais de £ 13,5!!.

A isto acresce que o pão dos nossos trabalhadores está onerado com o imposto de 30 por cento ad valorem o que torna mais difficil ainda a esta industria, que tão auspiciosos resultados nos offerece á primeira vista, sustentar a concorrencia com a de outros paizes em que o pão e inteiramente isento de direitos e, conseguintemente, o salario ou remuneração dos operarios muito mais barato, ao menos relativamente.

É, pois, de absoluta necessidade que os poderes publicos removam tanto quanto possivel as difficuldades apontadas para que esta companhia possa emprehender certos melhoramentos em cuja realisação terá de despender capitães avultadissimos, sendo do esperar que duplique a produção das suas minas e que o numero de trabalhadores que actualmente se occupam n'ellas venha tambem a duplicar-se.

As grandes vantagens que resultarão d'aqui ao estado e ao paiz são manifestas. Antes da exploração das minas do Braçal o concelho de Sever de Vouga concorria apenas para as despezas publicas com a magra cifra do 200$000 réis annuaes, hoje paga já 10:000$000 réis annualmente.

Que virá a succeder de futuro se tão proveitosa industria chegar a desenvolver-se n'uma esphera muito mais ampla, livre dos obstaculos que actualmente a entorpecem?

As emprezas d'esta ordem devem merecer sempre a efficaz coadjuvação dos homens que estão á frente dos negocios publicos; já porque asseguram o pão quotidiano a milhares de familias, que de outro modo teriam de emigrar ou viver na miséria; já porque desentranham do solo valores importantissimos, que lançam na circulação, augmentando a riqueza publica, animando o commercio e desenvolvendo a industria; já porque tomando certas proporções que garantam aos capitães empregados n'ellas um lucro rasoavel, incitam necessariamente os capitalistas á organisação de outras emprezas identicas, com a certeza ou pelo menos com a bem fundada esperança de auferirem a ellas os mesmos proventos; já porque concorrem de um modo directo e poderoso para o augmento de materia collectavcl e, conseguintemente, dos rendimentos doestado; e já porque dando notavel incremento ao nosso commercio de exportação, estreitam cada vez mais as nossas relações commerciaes com as outras, o que é do politica.

É certo, porém, que as minas do Braçal não poderão sair das embaraçosas circumstancias em que actualmente se encontram se os accionistas que canstituem a respectiva companhia não contarem com a probabilidade de verem remunerados os seus esforços e os seus sacrificios por um lucro proporcional aos mesmos.
Vem das disposições aduaneiras, como já observámos, quasi todas as difficuldades com que luta esta empreza, porque só as cordas de arame, indispensaveis como pertences de machinas para a mineração, sujeitas a avultadas despezas e que não se fabricam entre nós, pagam o pesadissimo direito de 65 réis por kilo!

Em vista de todo o exposto, e do reconhecido zelo e intelligente dedicação dos srs. deputados da nação portugueza por tudo quanto póde contribuir para a prosperidade da nação, espera a companhia que a proposta de lei para o imposto de minas seja modificada no sentido que deixa indicado, ou que seja abolido o imposto sobre o carvão destinado ás officinas metallurgicas e restabelecido o imposto sobre o chumbo importado do estrangeiro.

Pelo que - E. R. Mcê. - Porto, 15 de março de 1883.= Pela companhia mineira e metallurgica do Braçal, os directores, Manuel Maria da Costa Leite = A. C. de Oliveira = Theo. Schase.

Rectificação

Na primeira proposta apresentada pelo sr. deputado Bernardino Machado, na sessão de 13 e publicada a pag. 671, 1.ª col. do Diario da camara dos senhores deputados, aonde se lê: geographia e esthetica, deverá ler-se: Estas disciplinas ir-se-hão differenciando de anno para anno até haver, por exemplo, uma cadeira de geographia, e, podendo ser, do esthetica.

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