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SESSÃO DE 2 DE JULHO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Diogo Antonio Palmeiro Pinto

Secretarios - os srs.

Henrique de Barros Gomes
Manuel Paes Villas Boas

Chamada-52 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão - os srs. Ornellas, Ferreira de Mello, Pereira de Miranda, Silva e Cunha, A. J. Pinto de Magalhães, Sousa e Menezes, Magalhães Aguiar, Falcão da Fonseca, Eça e Costa, Montenegro, Saraiva de Carvalho, Cazimiro Ribeiro da Silva, Conde de Thomar (Antonio), C. J. Freire, Palmeiro Pinto, F. J. Vieira, Coelho do Amaral, Diogo de Sá, Francisco Costa, Quintino de Macedo, Barros Gomes, Noronha e Menezes, H. de Macedo, Gil, Vidigal, Corvo, Santos e Silva, Assis Pereira de Mello, Cortez, Aragão, Alves Matheus, Matos Correia, Nogueira Soares, Gusmão, Cardoso, Correia de Barros, Bandeira de Mello, Dias Ferreira, Firmo Monteiro, José de Nápoles, Teixeira Queiroz, José Maria Lobo d'Avila, José de Moraes, Oliveira Baptista, Nogueira, Silveira e Sousa, Mendes Leal, Levy, Luiz de Campos, Camara Leme, Daun e Lorena, Affonseca, M. A. de Seixas, Fernandes Coelho, Valladas, Paes Villas Boas, Thomás Lobo, Visconde do Guedes.

Entraram durante a sessão - os srs. Adriano Pequito, Braamcamp, Sá Nogueira, Falcão de Mendonça, Veiga Barreira, Guerreiro Junior, A. J. de Seixas, Fontes, Barão da Ribeira de Pena, Belchior Garcez, Abranches, B. P. Costa, Carlos Bento, C. de Seixas, Fernando de Mello, F. F. de Mello, Francisco Beirão, Pinto Bessa, J. Pinto de Magalhães, J. Thomás Lobo d'Avila, J* A. Maia, Ferreira Galvão, Sette, Mello e Faro, Holbeche, José Luciano, Vieira de Sá Junior, Latino Coelho, Rodrigues de Carvalho, José M. dos Santos, L. A. Pimentel, Mathias de Carvalho, Calheiros, Visconde de Bruges, Visconde de Carregoso, Visconde dos Olivaes.
Não compareceram - os srs. A. A. Carneiro, Costa Simões, Villaça, Sá Brandão, Antonio Pequito, Costa e Almeida, Barão da Trovisqueira, Baima de Bastos, Mártens Ferrão, Infante Passanha, Mello Gouveia, Espergueira, Penha Fortuna, R. V. Rodrigues.

Abertura - Aos três quartas depois do meio dia.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio da marinha, dando algumas informações pedidas pelo sr. deputado Joaquim Pinto de Magalhães.

Á secretaria.

2.° Do ministerio dos negocios estrangeiros, declarando que não pude remetter alguns documentos pedidos pelo sr. deputado conde de Thomar (Antonio).

Á secretaria.

3.° Do ministerio das obras publicas, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. visconde de Bruges, diversas informações.

A secretaria.

4.° Do ministerio das obras publicas, remettendo, era satisfação ao requerimento do sr. deputado Francisco Diogo de Sá, diversas informações ácerca da estrada de Moncorvo ao Pocinho.

A secretaria.

5.° Do sr. visconde de Bruges, participando, que por motivo de doença não tem podido comparecer ás sessões, e remettendo tres representações de tres camaras municipaes do districto de Angra do Heroismo.

Inteirada.

Representações

1.ª Da camara municipal da Villa da Praia da Victoria, reclamando contra as medidas de fazenda.

Á commissão de fazenda.

2.ª Da camara municipal de Angra do Heroismo, reclamando contra as novas medidas tributarias.

Á mesma commissão.

3.ª Da mesma camara municipal, pedindo diversas providencias em beneficio dos seus municipios.

Á mesma commissão.

4.ª Da camara municipal do concelho da Villa da Lagoa, reclamando contra as medidas de fazenda.

Á mesma commissão.

5.ª Da camara municipal de Ponta Delgada, reclamando contra as medidas tributarias novamente apresentadas.

Á mesma commissão.

6.ª Da camara municipal do concelho da Villa Franca do Campo, reclamando contra as medidas de fazenda ultimamente apresentadas.

Á mesma commissão.

7.ª De cem operarios de Lisboa, em nome de mais quatrocentos, pedindo a modificação da proposta de lei do sêllo de modo que elles possam fundar uma associação, que seja conjunctamente de piedade;, caixa economica e de basar de productos industriaes.

Á mesma commissão.

8.ª Do presidente e vogaes das confrarias das almas e Sacramento da freguezia de Ëncolde, concelho de Coura, diocese de Braga, pedindo que a camara os absolva da contribuição de 10 por cento para beneficencia com que estão vexadas, attendendo ás suas precarias circunstancias.

Á mesma commissão.

Requerimentos

1.° Requeiro que se peça, com urgencia, pelo ministerio da marinha e ultramar:

I Copia das propostas ou officios dirigidos áquelle ministerio, pela direcção da companhia do canal de Suez, sobre o transporte das tropas da expedição de Moçambique.

II Copia de quaesquer propostas feitas para o mesmo fim pela companhia de navegação da Africa ou outras emprezas ou individuos.

Sala das sessões, 2 de julho de 1869. = O deputado, José Maria Lobo d' Avila.

2.º Requeiro que se peça, com urgencia, pelo ministerio da marinha e ultramar, declaração da quantia total. por que foi auctorisado a sacar contra o cofre aquelle ministerio, o governador gerai da provincia de Moçambique, ultimamente nomeado.

Sala das sessões, 2 de julho de 1869. = O deputado, José Maria Lobo d' Avila.

3.º Requeiro que se peça, com urgencia, pelo ministerio da marinha e ultramar, a conta da importancia paga aos cofres dos conselhos administrativos dos differentes corpos do exercito e provimento do que aos mesmos deviam as praças de todas as guarnições que passaram a servir na expedição de Moçambique.

Sala das sessões, 2 de julho de 1869. = O deputado, José Maria Lobo d' Avila.

4.° Requeiro que se peça, com urgencia, pelo ministerio da marinha e ultramar, declaração nominal doa officiaes superiores da expedição de Moçambique, a quem se fez abono para compra de cavallos, visto figurar na conta respectiva a importancia de 450$000 réis com esta applicação.

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Sala das sessões, 2 de julho de 1869.=0 deputado, José Maria Lobo d'Avila.
Foram remettidos ao governo.

Notas de interpellação

1.ª Desejo interpellar o sr. ministro da justiça sobre os seguintes objectos:

I Se o governo tenciona ou não extinguir os juizes ordinarios?

II Se o governo está ou não resolvido a regular por lei os despachos dos delegados e sub-delegados para os logares de juizes, sendo aquelles funccionarios os unicos considerados candidatos a magistratura judicial?

III Se o governo está ou não resolvido a alterar convenientemente a lei de 4 de junho de 1859, que considera os auditores do exercito e da marinha juizes de 3.ª classe?

IV Se o governo está ou não resolvido a reformar o systema da substituição dos juizes de 1.ª instancia, consignado no artigo 87.° da novissima reforma judicial, e na lei de 18 de julho de 1855?

V Se o governo está ou não resolvido a mandar classificar como juizes de 1.ª instancia, e segundo as regras estabelecidas na lei de 21 do julho de 1855, os juizes togados que actualmente servem no supremo conselho de justiça militar, que foi reorganisado pelo decreto de 20 do novembro de 1868, visto terem sido considerados aquelles magistrados como juizes de 3.ª classe, em virtude da lei de 4 de junho de 1859?

VI Se o governo está ou não resolvido a estabelecer por lei o accesso dos escrivães de direito do comarcas de inferior para as de superior classe, e das de 1.ª classe para as relações, a requerimento dos interessados, e por concurso entre aquelles empregados, attendendo-se ás informações dos juizes e dos delegados?

VII Se o governo está ou não resolvido a dar algumas garantias e vantagens aos empregados das secretarias do supremo tribunal de justiça, das relações e das procuradorias regias, sendo os secretarios do supremo tribunal do justiça e das relações do continente considerados candidatos á magistratura judicial, como são os secretarios das procuradorias regias?

VIII Se o governo está ou não resolvido a regular o serviço na relação dos Açores de maneira, que nenhum juiz possa servir no Porto ou em Lisboa, sem primeiro ter servido nos Açores, sendo lhe garantida a transferencia para o continente logo na primeira vacatura, ou sendo addidos ás relações do continente no fim de tres annos de serviço, quando durante este espaço de tempo não houver vacatura.

IX Se o governo quer ou não que as multas impostas nos julgamentos de policia correccional sejam applicadas para as despezas dos tribunaes de 1.ª instancia, quando aquellas multas não excedam a quantia de 5$000 réis?

X Sobre as providencias que o governo tem dado, ou tenciona dar, para que nos tribunaes de 1.ª instancia haja o Diario do governo?

Sala das sessões, de julho de 1869.- O deputado pela ilha de S. Thomé, Bernardo Francisco de Abranches.

2.ª Desejo interpellar a s. exa. o sr. ministro dos negocios do reino sobre a maneira por que têem sido tomadas as contas aos depositarios dos concelhos. = O deputado pela ilha de S. Thomé, Bernardo Francisco de Abranches.

3.ª Desejo interpellar a s. exa. o sr. ministro dos negocios da justiça sobre a maneira por que toem sido tomadas as contas aos depositarios das arcas dos orphãos. = O deputado pela ilha de S. Thomé, Bernardo Francisco de Abranches.

Mandaram-se fazer as devidas participações.

SEGUNDAS LEITURAS

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 23-F, publicado no Diario de Lisboa n.° 148 de 1868, pag. 1567, sobre a construcção de um porto artificial nas proximidades da cidade do Funchal, ilha da Madeira. = O deputado pela Ponta do Sol, Agostinho de Ornellas de Vasconcellos.

Projecto de lei

Senhores. - A ilha da Madeira, outr'ora florescente, luta hoje com graves difficuldades, e carece, para supera-las, do efficaz auxilio do governo.
Ainda nos primeiros annos do seculo, durante a guerra do primeiro imperio, ou, para melhor dizer, durante a guerra peninsular, era a alfandega da Madeira, em rendimentos, a segunda da metropole e possessões. O corpo diplomatico portuguez era pago pelo erario da ilha, alem de repetidos saques para fornecimento do exercito anglo luso.

A sua posição, oasis no meio do vasto Oceano, caminho para diversas partes do globo, attrahia ao seu porto as numerosas esquadras que sulcavam o Atlantico e traziam comsigo á ilha o movimento e a vida.

Hoje esse movimento e essa vida demandaram outras plagas, e a Madeira serve apenas de sanatorium para alguns estrangeiros, que ali vão, seduzidos pela amenidade do seu clima, buscar allivio a seus crueis padecimentos. Triste privilegio, que está em risco de perder, tão imperfeitas são as communicações que a ligam com o continente.

As medidas legislativas da metropole, feitas com dura uniformidade, sem attender ás circumstancias especiaes da ilha, a mania centralisadora que supprimiu com um traço de pena cento e oitenta leguas de mar, tornando ilha adjacente o que por sua natureza é provincia ultramarina, tudo concorreu para a decadencia à aquelle bello paiz. Poz o remate aos seus infortunios a fatal enfermidade das vinhas, conhecida pelo nome do oidium tukeri. A producção vinicola, que era antes d'essa calamidade de 30:000 pipas por anno, não chegou, nos annos que se lhe seguiram, a mais do uns 30 almudes.

Hoje, com uma força de vontade e uma constancia inexcediveis, á custa de ímmensos sacrificios que lhes impõe a natureza accidentada e escabrosa lo solo, vão os lavradores madeirenses replantando as suas vinhas, totalmente destruídas paio oidium, ou substituindo-as, nos sítios mais apropriados o abundantes de agua, pela cultura da canna do assucar, outra antiga fonte da prosperidade da ilha.

Mas esta renascença agricola, por emquanto lenta o laboriosa, carece do impulso e do auxilio do governo para attingir o immenso desenvolvimento do que é susceptivel Tudo quizeramos fazer por nós, mas como o governo se reserva o direito de dispor dos nossos recurso, urge que preencha os deverem que da centraliza-lo lhe resultam.

Esses deveres reduzem-se, na Madeira, a completar o systema de irrigação artificial das terras, a construir as nossas estradas de 1.ª ordem, e a edificar no Funchal um porto que assegure abrigo ás embarcações que demandam a
Na proposta que temos agora a honra do submetter á alta sabedoria do parlamento, tratâmos sómento das obras de irrigação. O projecto de lei auctorisando a despeza necessaria para melhorar o porto do Funchal, já na anterior sessão legislativa foi apresentado ás cortes, e só esperâmos os esclarecimentos pedidos ao governo para nos occuparmos do importante objecto da viação.
A necessidade de grandes trabalhos de irrigação para dar á agricultura da Madeira todo o desenvolvimento de que é susceptivel, e tirar do seu solo ferecissimo as incalculaveis riquezas que póde produzir, foi reconhecida em todos os tempos.

Grandes trabalhos d'esta natureza se levaram a effeito, já pela iniciativa particular em epochas de prosperidade, já pela acção do governo. Acham-se porém ainda incompletas duas obras, superiores pela sua magnitude, ás forças do uma empreza privada, no estado de decadencia em quo se acha a Madeira, mas de facil e breve execução se o estado nos prestar o seu poderoso auxilio. São as levadas do Rabaçal e do Furado, esta destinada a irrigar parto dos concelhos do Funchal e Santa Cruz, aquella que deve fertilisar o importante concelho da Calheta.
A levada do Rabaçal, começada no tempo da dominação

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de Calheta, interrompida pouco depois, recomeçada pelo illustre Mousinho de Albuquerque, quasi concluida pelo governador Couceiro, está tão proxima do seu termo, que é um verdadeiro opprobrio para o paiz não ser immediatamente acabada; 20:000$000 réis apenas suo necessarios para romper o ultimo obstaculo que veda ás aguas espalharem-se pelas ferteis veigas do sul da ilha, reclamando para a cultura alguns centos de hectares do terreno mais productivo do mundo.

Mais difficil é talvez a conclusão da levada do Furado, que virá fertilisar terrenos onde a falta de trabalhos de irrigação têem feito subir a 3$000 réis por hora o preço annual do tenue fio de agua que trazem de verão as poucas levadas que existem. É verdadeira lastima e prova de singular incuria do governo, ver incultas e crereis terras que sufficientemente irrigadas, dariam, tilo fertil é o solo, um producto liquido por hectar duas vezes maior que em Inglaterra!

Gastaram-se já 40:000$000 réis, todos subscriptos por uma sociedade do accionistas, para satisfazer esta urgentissima necessidade, que deve ser o primeiro objecto da solicitude do governo. Outros tantos são ainda precisos para trazer as aguas aos pontos onde são reclamadas. Os estudos para a renovação dos a trabalhos começaram o anno passado e revelam já a possibilidade de terminar satisfactoriamente obra de tanta utilidade.

Estas não são porém as unicas obras de irrigação que a Madeira reclama. Alem dos dois trabalhos capitaes a que nos referimos, ha muitos de menor monta que devem dar á agricultura um auxilio indispensavel e um incalculvel incremento. Algumas indica as já a voz publica, outras ha de revela-las o estudo dos homens competentes.

Pensâmos pois que o governo não só cumpre um imperioso dever, mas concorre efficazmente para a resolução do problema financeiro que hoje domina todas as questões, desenvolvendo uma tão copiosa fonte de riqueza como a agricultura da Madeira.

Não são para tão grande fim necessarias muitas despezas. O augmento de contribuição que o governo pede para o anno de 1869 é mais que sufficiente para dar aos trabalhos todo o impulso de que são susceptiveis, durante dois annos, e os representantes da Madeira não hesitarão em auctorisar a continuação d'esse augmento de contributo até serem concluidas as duas obras principaes.

Os impostos assim applicados darão dois rendimentos: um immediato proveniente do arrendamento ou venda de aguas, canalisadas, outro mediato, nascido do augmento de materia collectavel que infallivelmente trarão comsigo o desenvolvimento da agricultura e a exploração de uma maior extensão de terreno.

Não me pareço conveniente que o governo, como até agora tem feito, continue a arrendar annualmente a agua que á sua custa canalizar. É regra de bom politico que o estado se não faça emprezario nem procure lucros directos dos melhoramentos cuja executo é um dos seus primeiros deveres.

Não cabe aqui indicar o modo por que o governo deve ceder aos particulares, mediante uma retribuição moderada, que não deve ser calculada pelo preço da agua dos proprietarios, as aguas que canalisar e conduzir onde as reclame a cultura. Queremos sómente estabelecer aqui o facto de que o governo póde recobrar uma parte consideravel das sommas que já gastou ou vier a despender em obras de irrigação.

Recuperada porém parte do capital adiantado, cumpre applicada á satisfação de outras necessidades inmperiosas nenhuma mais urgente, completado que for o systema de irrigação artificial da ilha, que a rearborisação de suas montanhas. As matas têem uma ligação intima com o regimen das aguas, e este importante ramo de cultura acha-se hoje entregue ao mais completo abandono. Concluida a distribuição das aguas pelas terras cultivaveis, resta ainda proteger os mananciaes, conservar nas encostas alcantiladas das montanhas a terra vegetal, defender o litoral das tremendas inundações a que dá origem a falta de arvoredos e a accumulação repentina das aguas nos leitos das ribeiras, cujo pendor as transforma em torrentes devastadoras.

Movidos por estas considerações temos a honra de vos submetter o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a gastar na conclusão do systema de irrigação artificial na ilha da Madeira, e especialmente no immediato acabamento das levadas do Rabaçal e do Fundão, uma somma que não exceda a réis 60:000$000.

§ unico. Esta somma sei á dividida em cinco prestações annuaes de 12:000$000 réis cada uma.

Art. 2.º O governo venderá aos particulares, por um preço nunca superior ao custo das obras de canalisação, as aguas que, já possuo canalisadas e aquellas que em virtude d'esta lei vier a canalizar.

Art. 3.° O producto d'esta venda será tambem applicado para as despezas da conflui o do systema de irrigação artificial da dita ilha, na parte que exceder a somma acima determinada.

Art. 4.° As sommas provenientes da venda de aguas do estado, que sobrarem depois de completo o referido systema de irrigação, serão exclusivamente applicadas ás despezas de rearborisação das serras da ilha da Macieira.

Art. 5.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 1 de julho de 1869. = O deputado pela Ponta do Sol, Agostinho de Ornellas de Vasconcellos = Luiz Vicente d'Affonseca = D. Luiz da Camara Leme.

Foram admittidas e enviadas ás respectivas commissões.

O sr. Fernandes Gil: - Requeiro que v. Exa. consulte a camara sobre se consente que a representação da camara municipal de Villa Franca seja impressa no Diario.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Paes de Villas Boas: - Por parte da commissão de administração publica mando para a mesa um projecto de lei apresentado pelo governo, para ser remettido á commissão de legislação.

O sr. Ministro da Fazenda (Conde de Samodães): - Mando para a mesa a seguinte proposta de lei (leu).

O sr. Aragão: - Declaro que faltei ás ultimas duas sessões por legitimo impedimento.

O sr. Saraiva de Carvalho: - Mando para a mesa um parecer da commissão de verificação de poderes, relativo á eleição do circulo n.º 21 (Villa Nova de Gaia, no qual foi eleito deputado o cidadão Diogo de Macedo, e ouitro parecer da mesma commissão ácerca da eleição do circulo n.º 97 (Horta), e no qual foi eleito o cidadão Luiz Vieira de Sá Junior.

Pedia a dispensa do regimento, a fim d'estes pareceres entrarem desde já em discussão, visto um dos eleitos achar-se nos corredores.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa duas representações, uma do presidente e vogaes da junta de parochia das confrarias do Sacramento e Almas da freguesia de Encolde, do concelho de Coura, na diocese de Braga, que pedem ser isentos da contribuição de 10 por cento para beneficencia, attendendo ás precarias circumstancias em que estão as ditas confrarias; outra de uns com operarios da cidade de Lisboa, que vêem em seu nome e no de mais uns quatrocentos pedir a esta camara que seja modificada a proposta da lei do sêllo, apresentada pelo sr. ministro da fazenda, de modo que elles possam fazer um monte de piedade, caixa economica e basar do productos industriaes, o que lhes é completamente impossivel só forem adoptadas as disposições d'aquella proposta de lei.

Quando se discutir esta petição, tomarei a palavra o darei os esclarecimentos e rasões necessarias para desenvolver a doutrina que ali está consignada.

Consultada a camara sobre a dispensa do regimento para

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entrar immediatamente em discussão o parecer da commissão de poderes, resolveu affirmativamente.

Leu-se na mesa, entrou em discussão e foi logo appravado o seguinte

Parecer

Senhores. - A vossa commissão de verificação de poderes examinou detidamente os processos eleitoraes abaixo mencionados, e vem dar vos conta do resultado do seu exame nos termos seguintes:

Circulo n.° 21 (Villa Nova de Gaia)

Compõe-se este circulo das assembléas, a saber: Villa Nova de Gaia, Mafamude, Oliveira, Valladares, Avintes, Grijó, Pedroso, Perosinho, Arcozello e Sandim.

Foi o numero real dos votantes .... 2:709
O cidadão Diogo de Macedo obteve .... 1:397
O cidadão Adriano de Abreu Cardoso Machado obteve .... 1:300
Diversos .... 12
Maioria absoluta do numero real dos votantes .... 1:355

Considerando que o processo correu regularmente, e que d'elle não consta protesto ou reclamação alguma que ponha em duvida a validade da eleição;

Considerando que o cidadão Diogo de Macedo obteve a maioria absoluta do numero real dos votantes de todo o circulo, é por isso a vossa commissão de parecer que esta eleição deve ser approvada, e o referido cidadão Diogo de Macedo proclamado deputado da nação, visto o respectivo diploma em fórma legal.

Circulo n.º 97 (Horta)

Compõe-se este circulo de sete assembléas, a saber: Matriz, Feteira, Cedros, Pedro Miguel, Santa Cruz, Lages e Corvo.

Foi o numero real dos votantes .... 1:220
O cidadão José Luiz Vieira de Sá Junior obteve .... 1:219

Considerado portanto que o referido cidadão obteve a maioria absoluta do numero real dos votantes, e que n'este processo eleitoral se observaram todas as prescripções legaes, sem que d'elle conste protesto ou reclamação alguma, é por isso a vossa commissão de parecer que esta eleição deve ser approvada, e proclamado deputado o referido cidadão José Luiz Vieira de Sá Junior, que apresentou o seu diploma em fórma legal.

Sala das sessões da commissão, 2 de julho de 1869.= Antonio Augusto Ferreira de Mello = Augusto Saraiva de Carvalho = João Rodrigues da Cunha Aragão Mascarenhas.

Foram proclamados deputados os srs. Diogo de Macedo, e Luiz Vieira de Sá Junior, que logo foi introduzido na sala e prestou juramento.

O sr. J. M. Lobo d'Avila: - Sr. presidente, tenho pedido a palavra por varias vezes para chamar a attenção de v. exa. ácerca das interpellações annunciadas ao sr. ministro da marinha.

Sinto que s. exa. não esteja presente, mas como vejo no seu logar o sr. ministro da fazenda, s. exa. de certo terá a bondade de fazer constar ao seu collega, que eu suppondo-me interprete dos deputados do ultramar, mais uma vez solicito de s. exa. o obsequio de vir responder ás interpellações que têem sido annunciadas n'esta casa sobre negocios das colonias por varios deputados das nossas possessões. Entre essas figuram as interpellações dirigidas a s. exa. pela transferencia ou demissão, do governador de S. Thomé e Principe, já hoje em Lisboa.

A outra interpellação já annunciada por varios deputados do ultramar é com relação á compra da corveta Hawk, ha um anno estacionada na Inglaterra e para a qual já se despenderam 110:000$000 réis, estando o serviço publico privado d'aquelle navio que talvez na presente occasião faça falta para conduzir os soccorros que por ventura o governo se resolva a mandar para as ilhas dos Açores.

Ha tambem varias representações a respeito de negocios de Moçambique, mais determinadamente com relação a negocios da expedição.

As contas da despeza feita com aquella expedição não foram mandadas a esta camara, como tinham sido solicitadas por varios deputados, mas emfim foram publicadas no Diario do governo.

Aquella conta parece clara á primeira vista, mas examinando-a encontrei ali algumas deficiencias a respeito das quaes hei de mandar para a mesa varios requerimentos que peço com urgencia que sejam attendidos, e hei de mandar para a mesa varios requerimentos que peço sejam attendidos com urgencia, porque sem elles serem satisfeitos não posso fallar com bastante conhecimento de causa em tão importante assumpto.

Com a expedição a Moçambique gastaram-se 237:000$000 réis. Supponho que ainda ha verbas que ainda não foram comprehendidas e é com relação a essas que tenho a mandar para a mesa os requerimentos a que já me referi, a respeito dos quaes eu pedia ao sr. ministro que não demorasse as informações, porque póde de um momento para outro ser necessario tratar d'este negocio; e sem que os deputados do ultramar, principalmente os d'aquella provincia, estejam habilitados, não se póde tratar tão importante assumpto.

O Diario do governo deu hontem noticias das nossas provincias ultramarinas, com relação á India, Macau, Timor, S. Thomé e Cabo Verde; mas tendo vindo duas malas de Angola, uma do vapor Quanza que ficou arribado em Fernando Pó e outra pelo vapor D. Antonia, admira-me que não se fizesse mensão d'ellas e não sei se com relação aquella provincia haverá algum motivo pelo qual se entendense dever não dar publicidade ás noticias officiaes ou particulares que d'alli tinham vindo.

Por carta que tenho aqui, e pelo que referiu hoje o Diario de noticias, consta-me que na margem do rio Zaire houve um serio conflicto entre varios regulos que não só perpetraram grandes roubos aos estabelecimentos commerciaes pertencentes a europeus, alguns dos quaes estrangeiros; mas até mataram alguns europeus, e isto levou o governador d'aquella provincia a mandar para ali o brigue Pedro Nunes, onde, fez embarcar uma força consideravel do batalhão do infanteria n.º 1.

Desejava que o sr. ministro da marinha estivesse presente, porque se estas noticias são exageradas, s. exa. nos informaria com toda a verdade e conhecimento do facto para socegar a agitação que sobro tudo no commercio de Lisboa que está em relação com aquella provincia, se tenha por acaso originado em consequencia de tal acontecimento. Não supponho que tenha passado despercebido um facto de que a imprensa se tem occupado, a que se referiu o jornal As novidades, hontem a Revolução de setembro, e ha mais dias o Diario popular que tenho premente.

Poderia ler integralmente o artigo que se refere ao caso e de que poderia occupar-me; mas limito me a chamar a attenção do sr. ministro da guerra o da marinha, para um farto que a ser exacto reclama de s. exas. serias e immediatas providencias.

Diz-se e affirma-se era mais de uma folha, como já referi, que um individuo, não sei quem é, que tinha sido condem nado a degredo para o ultramar, onde o concluiu, tendo depois regressado ao reino foi alistado nos corpos do exercito, conseguira chegar ao posto de primeiro sargento e ultimamente tinha sido proposto para entrar na escala para official e seguidamente ser promovido a official para o ultramar.

Não sei até que ponto isto é exacto; mas o que é certo é que não está fóra do conhecimento do publico este facto, e eu pedia a s. exas. os srs. ministros competentes, que tomando conta d'este assumpto ponham cobro a entes abusos e não se deixe illudir pela sua boa fé, ou por não ter conhecimento d'esta occorrencia de que assim ficam claramente prevenidos.

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Com relação á expedição de Moçambique, peço tambem que me sejam mandados os documentos que me consta existirem no ministerio da marinha e ultramar, em virtude dos quaes foram feitas propostas áquelle ministerio, para transporte das tropas destinadas áquella expedição, pelo canal de Suez, e dizer-se que com vantagem para o thesouro, porque as passagens haviam de ser muito mais baratas, e alem d'estas propostas haviam outras da companhia da navegação da Africa e de outros individuos, e similhantemente são por mim solicitadas.

Mando para a mesa os requerimentos, e peço a v. exa. que os declare urgentes pelos motivos que já expendi, e não os leio para não tomar mais tempo á camara.

Tenho dito.

O sr. Ferreira de Mello: - A questão urgente que tenho a tratar é a analyse dos documentos apresentados hontem pelo sr. ministro da fazenda, documentos que eu pedi em uma das sessões passadas.

Esta questão, não só urgente, mas urgentissima, creio que tem de ser a primeira de que o parlamento deve occupar-se, e que não póde preterir um só momento.

Antes de entrar propriamente na questão, preciso fazer algumas considerações previas em resposta ou como cautela ao systema adoptado pelo governo para se defender de todas as arguições que aqui se levantam, systema tanto do nobre ministro da fazenda como do nobre ministro do reino em relação á questão que nos occupa, quando eu em uma das sessões passadas a trouxe a esta camara.

Parece-me indispensavel que quando se levanta uma questão d'esta ordem, o systema de defeza por parte dos srs. ministros seja completamente contrario d'aquelle que tem sido, e que s. exas. não pensem que se responde a arguições importantes, como esta, apenas com a declaração de que é a opposição quem as levanta.

Quando outro dia pedi esses documentos, fui movido e forçado pelo cumprimento do meu dever, como eu o entendo. Representante da nação, não sou nem posso ser indifferente ás questões graves que os jornaes discutam ou apresentam perante o paiz, e pasmei de ver levantar-se o sr. ministro da fazenda, quando eu lhe dizia que me tinha decidido a pedir aquelle documento porque a imprensa fallava, o responder-me: "a imprensa, outra vez a imprensa; a opposição n'esta casa vem sempre com o que diz a imprensa e com umas certas cartas..."

Serei eu opposição? Porventura a minha posição n'esta casa desde o principio da sessão dará direito ao sr. ministro da fazenda de me confundir com a opposição politica a que s. exa. se referiu?

Alguns dias antes da imprensa denunciar este facto ao paiz, eu, longe de ser opposição, auxiliava com a melhor vontade o nobre ministro da fazenda e o governo.

Quando eu fallei na imprensa e pedi esses documentos, vinha ainda ha pouco de auxiliar o governo como membro da commissão de fazenda, prestando-lhe os poucos serviços de que os meus pequenos recursos me permittem dispor. Nas commissões e aqui, com a palavra e com o voto, em defendia e sustentava o governo.

Não foi pois a opposição quem, pediu esses documentos. Foi a situação quem os pediu. É a situação em nome da qual s. exa. subiu ao poder, que lhe pede estrictas contas da maneira como tem administrado a fazenda publica.

Não pense s. exa. que a situação é o seu nome ou a sua qualidade de ministro, nem quaesquer nomes nem quaesquer ministros que occupem aquellas cadeiras; se s. exa. pensa d'esta maneira, illude-se completamente.

A situação, quanto a mim, e a realisação das promessas solemnes que se fizeram ao paiz; é o cumprimento das exigencias que o paiz fez e tinha direito de fazer; é a applicação exacta dos principios de economia aos serviços publicos sem os desorganisar a pretexto de reducção das despezas; é o saldo do orçamento pelo equilibrio entre a receita e a despeza. Isto é que é a situação (apoiados).

Todo e qualquer ministro que vá por este caminho, todo e qualquer governo que torne em realidade as promessas que fez o satisfaça as exigencias que lhe fizeram, representa a situação; mas todo o ministro, cujos actos estejam em contradicção com o programma que adoptou, esse não é nem póde ser situação, é o contrario da situação (apoiados).

Portanto não me diga o nobre ministro da fazenda, nem repita o sr. ministro do reino que, quando eu fallo, se ergue a opposição politica ou partidaria. Eu não me presto a aceitar as posições que outros me escolham; a minha posição escolho-a só eu, e a voz, sem ser eloquente, chega-me para determinar e definir bem qualquer posição que eu escolher.

Essas recriminações, esses exames de politica retrospectiva, se são argumentos ad odium, não podem empregar-se contra mim, e quem se soccorre a taes argumentos mostra bem que lhe faltam todos os outros, e só consegue ferir-se com a propria arma que emprega para a sua defeza.

Quando outro dia, para me responder a mim, o sr. conde de Samodães me fez a honra de me confundir com toda a opposição, eu julguei que o habitual systema de defeza iria até ao fim, e estava á espera que o nobre ministro da fazenda viesse lançar-me em rosto o acampamento de Tancos, as viagens a Paris e as accusações de ser os quem lhe tinha fechado as portas dos mercados estrangeiros, e lhe tinha embaraçado as operações em Londres ou em Paris! Contra mim tal systema de defeza seria admiravel!

Não foi membro algum da opposição que pediu a apresentação dos documentos, nem quando eu fallo falla membro algum da opposição a que s. exa. se referiu, falla apenas um representante do paiz, que, forçado pelo seu mandato que deseja cumprir á risca, tem de tomar ao governo estrictas contas da maneira como só applicam os dinheiros publicos, e da maneira como se contrahem emprestimos para fazer face ás despezas do paiz.

Repito, não foi a opposição que pediu os documentos. Se fosse não teriam elles ainda apparecido, nem appareceriam nunca. Pois não ouviu a camara, e não ouvi eu ainda hontem, dizer ao nobre deputado, o sr. Dias Ferreira, que desde 22 de julho do anno passado não foi presente á camara, na integra, nem uma unica copia do contratos ou supprimentos? (O sr. Dias Ferreira: - Apoiado.)

A maioria não exige, a opposição não é attendida, e nunca se sabe a tempo o preço das operações que nos arruinam. Póde isto continuar assim? Não ha de ser com o meu voto, nem com o meu consentimento, e posso dizer a v. exa. que sou eu que fallo em nome da situação e em nome dos principios por que fui eleito.

Declaro que não estou ligado com parcialidade alguma politica; não subscrevo ás combinações da opposição, assim como não subscrevi nunca ás combinações da maioria, quando com ellas não se conformava o meu modo de ver as cousas. Vim aqui para cumprir o meu dever conforme entendo, e só quero para mim a responsabilidade das minhas acções. Posso ficar teclado, e só, sem prestigio nem influencia nas decisões d'esta assembléa, mas fico á minha vontade, e a responsabilidade é só minha.

Peço á camara e digo ao governo que me considerem n'esta posição especial; e considerando me assim, não é favor, fazem-me apenas justiça.

Tenho ainda outra consideração previa a fazer. O nobre ministro do reino, na sessão de 25 do mez passado, empregou a muita habilidade e longa experiencia parlamentar, que todos lhe reconhecemos, para me dar uma especie de lição ou prelecção theorica sobre principios de governo representativo. Estranhando que eu me declarasse em opposição a um dos nobres ministros, sem envolver na minha opposição todos os outros, declarou que, sendo os ministros solidarios, a guerra a um significava a guerra a todos, e que, quando um caísse, caíam os outros.

A theoria que o nobre ministro do reino se dignou en-

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sinar-me já eu a tinha estudado, já a tinha aprendido ha muito; mas alguma pratica no parlamento fez-me logo distinguir, nos principios deste systema de governo, o que são ficções constitucionaes, do que suo factos, do que são regras applicaveis, e que se executam. Entre a theoria e a pratica a differença e grande em muitos pontos, e na solidariedade e maior ainda.

Com que direito se póde levantar um dos ministros actuaes, allegando a solidariedade do gabinete perante o parlamento, quando ha poucos dias, discutindo-se o emprestimo na generalidade, e apresentando eu algumas propostas, levanta-se o sr. ministro da fazenda, declara que as aceita, e que quer que ellas sejam insertas na lei, porque apresentam não só a opinião do governo, mas a do parlamento e a do paiz, e poucos dias depois dois dos srs. ministros solidarios votam contra uma d'estas propostas? (Apoiados.) Que solidariedade é esta? Até que ponto querem escarnecer de nós? Se são solidarios para uns actos, têem obrigação de ser solidarios para todos, e não é pó para salvar no parlamento um ministro de quem a confiança do parlamento se retira.

Porém a theoria do digno ministro do reino não é a verdadeira nem a mais seguida. A solidariedade, mesmo quando se applica, e leva a rigor, costuma soffrer certa distincção entre os actos combinados em conselho de ministros e aquelles que são exclusivamente próprios de cada um dos ministros (apoiados).

Eu, referindo-me á administração financeira do nobre ministro da fazenda, querendo faze-la cessar, sendo caso o unico mal que reputava irremediavel, podia vir a esta camara fazer o que fiz e declarar-me com toda a franqueza opposição apenas ao systema finaceiro, opposição apenas ao sr. ministro da fazenda. E fiz isto, porque adoptei o systema que protesto seguir á risca, de não conservar em politica com o ministro senão dentro d'esta casa, perante o paiz e bem alto; não lhe digo segredos ao ouvido, nem nunca lh'os disse. O que eu entender ácerca da direcção que o ministro dá aos negocios piblicos, hei de dize-lo aqui e só aqui.

Eu sabia e sei que, se o parlamento votar qualquer moção de censura ou rejeitar qualquer medida geral do sr. ministro da fazenda, o ministerio cáe, porque o ministerio é solidario; mas sabia tambem que levantando-se antes d'isso n'esta casa para avisar o ministerio dos riscos a que se expunha continuando o actual systema financeiro e demorando-se na gerencia da fazenda o illustre ministro actual, os seus collegas podiam ouvir e attender este aviso salutar, e querendo mudar de caminho, abandonar este systema de finanças, substituir um ministro e apresentarem-se aqui depois de uma recomposição, que lhes desse força e lhes segurasse a confiança do parlamento, podiam evitar o risco de pela solidariedade se verem obrigados a saír todos os ministros.

Eu fallei bem claro na commissão de fazenda e fallci depois aqui com a mesma clareza quando expuz á camara os motivos da minha resolução de não tornar á commissão. A minha incompatibilidade era apenas com a financeira. Por isso, levantando me aqui para dar este aviso salutar, se o resto do ministerio o quizesse tomar em consideração, podia ouvir nas reuniões de familia, nas commissões a que chamam reuniões de familia, podia ouvir na reunião da maioria, podia sondar emdim por qualquer meio a opinião de cada um dos dignos membros do parlamento para tomar depois a resolução que melhor lhe parecesse, conforme encontrasse o meu aviso em harmonia ou desharmonia com o sentimento da maioria dos representantes da nação.

O ministerio não quiz seguir este caminho, preferiu apresentar-se como solidario, como responsavel todo, declarando que quando caísse um ministro caíriam todos. Estão no seu direito, mas eu estou tambem no meu.

Desde esse momento eu era opposiçÃo e opposição tenaz não só ao sr. ministro da fazenda, mas a todos os seus collegas que com elle fossem e quizessem continuar a ser solidarios.

Ao governo fallo aqui, só aqui; e espero que qualquer dos dignos membros do governo em relação a mim falle tambem aqui, e só aqui.

Não foi sem estranheza que no outro dia, apellando eu para a lealdade e para a dignidade do nobre ministro da fazenda para que s. exa. explicasse a esta camaara e ao paiz a phrase que tinha empregado, que eu tivera varios motivos para saír da commissão de fazenda, vi s. exa. conservar-se silencioso até ao fim da sessão e desde então até hoje deixar ainda o parlamento em duvida sobre quaes e quantos foram esses varios motivos a que s. exa. se referiu.

Pedi a explicação, apellando para a lealdade e para a dignidade do nobre ministro da fazenda; e pedi, quando me parece que tinha o direito de exigir.

Espero, pois, que s. exa. me repondo, não digo satisfactoriamente, mas claramente. O que eu quero é uma resposta clara. Não preciso de uma resposta que mo satisfaça em qualquer outro sentido; quero que me satisfaça apenas pela clareza.

Estejam s. exas. certos, assim como todos os mais, de que não deixo pesar sobre mim insinuação de qualidade alguma; e, se estes pedidos que eu faço com toda a moderação e com toda a cordura não forem satisfeitos como devem ser, eu sei tambem dizer aqui na camara palavras que tornem indispensaveis explicações.

Espero que o nobre ministro da fazenda tome nota a este respeito, para declarar á camara e no paiz o que queria dizer quando outro dia se referiu aos varios motivos por que eu seria da commissão de fazenda.

Estas questões poderão ser pequenas, mas embora o sejam, vale muito mais trata-las aqui no parlamento á face do paiz do que trata-las em conventiculos e conciliabulos particulares, acreditando intrigas mesquinhas, improprias na sociedade que deve acompanhar sempre todos os actos dos representantes da nação.

A mim contam me tambem historias, contam-me tambem intrigas. Ainda ha pouco tempo me vieram dizer que o sr. ministro do reino em casa de um amigo seu declarára que eu estava em opposição a este ministerio, na qual o sr. Dias
Ferreira tomava tambem uma parte mais distincto, porque faziamos...

O sr. Dias Ferreira: - Sr. presidente, eu peço ordem a v. exa. (apoiados).

O Orador: - Se a v. exa. lhe não convem que estas cousas se digam aqui, convem-me a mim.

O sr. Dias Ferreira: - Eu não quero saber o que disse o sr. ministro do reino em conversa com os seus amigos (muitos apoiados).

O Orador: - Mas quero eu.

O sr. Dias Ferreira: - O sr. ministro póde dizer o que quizer em qualquer parte, eu não tenho nada com isso, mas só com o que elle, diz no parlamento (apoiados).

O Orador: - Eu não trago isto para discussão, mas apenas para explicação, para que as cousas se saibam. É necessario que estas cousas, se se disseram, o que não creio, se digam completamente. Quando as não queiram dizer em relação aos outros que estão no seu direito em não querer, quero eu que se digam em relação a mim.

Ha entre nós continuamente este costume...

O sr. Presidente: - Parece-me que o sr. deputado viu a demonstração que acaba de fazer a camara, de que não póde aceitar a discussão n'este terreno (muitos apoiados).

O sr. deputado formulou o seu requerimento, e eu peço-lhe que se cinja á materia d'elle.

O Orador: - Tenho entendido, e serei docil ás observações de v. exa., porque reconheço em v. exa., alem da maior respeitabilidade de caracter, os melhores desejos de continuar a reger os trabalhos d'esta casa como os tem re-

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gido até aqui. Eu entendi que a manifestação da camara se referiu apenas á allusão que eu fizera a outro sr. deputado quando fallei de uma conversa particular, e julguei que a camara não quereria privar-me de dizer unicamente a meu respeito o que entendesse conveniente, porque a responsabilidade era só minha. Entretanto, como o meu fim está conseguido, desde que mostrei que não acredito, e que estou disposto a trazer aqui quaesquer ditos ou insinuações de qualquer ordem que sejam, uno tenho duvida em ceder ás advertencias de v. exa., e vou entrar desde já precisamente no objecto para que pedi a palavra, que é a apreciação dos documentos apresentados pelo sr. ministro da fazenda, reconhecendo eu tambem que esto assumpto é mais importante do que todos os outros (apoiados).

Eu fiquei satisfeito por ver o cuidado que o nobre ministro da fazenda teve em apresentar os documentos que lhe tinham sido requisitados, mas declaro francamente a v. exa. e á camara que não esperava encontrar nos documentos o que elles contem, depois que na sessão de 25 de junho o nobre ministro da fazenda declarou a esta camara o seguinte:

"O que posso affirmar á camara é que o estado actual não é mais grave do que tem sido ha dois ou tres mezes, nem os supprimentos têem sido negociados em condições mais graves do que anteriormente. Ainda hoje fiz um supprimento para o pagamento do coupon da divida externa com uma casa de Paris, e não foi em condições demasiadamente onerosas, porque foi a juro de 6 por cento e commissão de 2 por cento em tres mezes, representando por consequencia 14 por cento ao anno; e é assim que trem sido feitos os ultimos supprimentos."

Quando eu vi s. exa. fazer esta declaração pareceu me que estava com perfeita consciencia do administrar bem os dinheiros publicos. Suppuz que os documentos, quando se apresentassem, dariam á imprensa, a que eu me referia, um desmentido completo e solemne, e que a reforma das letras de 300:000 libras á société générale representaria um contrato, quando não fosse vantajoso, ao menos toleravel, que nunca podia exceder um encargo de 14 por conto ao anno. Porém, desde que os contratos appareceram, eu tenho de dar ás palavras que o nobre ministro da fazenda proferiu n'esta casa, no outro dia, uma interpretação inteiramente contraria, e de declarar á camara e ao paiz que as palavras de s. exa. n'aquella occasião representavam uma ironia e um sarcasmo lançado pelo sr. ministro da fazenda sobre todos os membros d'esta casa, que tinham approvado os seus actos anteriores ( Vozes: - Ordem).

O sr. Presidente: - Parece-me que v. exa. se vão separando dos termos regulares da discussão; peço lhe que se restrinja ao ponto do requerimento quanto for possivel. V. exa. acaba de ouvir uma desagradavel manifestação da camara. Eu sou tolerante e quero se-lo, até onde eu entenda que posso se-lo; mas desde que a camara se pronuncia de certo modo, não posso deixar de annuir ao seu desejo. Peço a v. exa. que não entre nas intenções dos srs. ministros, nem em personalidades que estão prohibidas pelo regimento.

O Orador: - Peço perdão a v. exa.; apesar da minha voz ser regularmente forte e clara, a distancia era que nos achâmos impede de certo a v. exa. de me ouvir perfeitamente.

Eu não entrei nas intenções do nobre ministro da fazenda, nem podia entrar, ainda que quizesse, porque isso era impossivel. Referi-me á significação natural que têem as palavras perante os factos; e se v. exa. ou algum membro d'esta camara me querem privar de apreciar livremente as palavras e os factos, a minha presença n'esta capa é perfeitamente inutil, desde que a minha voz não possa servir para a expressão do meu pensamento.

Eu disse que esperava, depois da declaração do nobre ministro, que a apresentação dos contratos desmentisse completamente as asserções que a imprensa tinha feito; disse que depois da apresentação dos documentos, comparando-os com as palavras de s. exa. em vez de ver aquelle desmentido a todas as asserções da imprensa, eu via só ironia e sarcasmo sobre nós e sobre mim também, porque anteriormente tinha appr vado alguns acãos de s. exa.

Pois que é isto, sr. presidente? Que significa dizer-se a uma c mara que as condições dos supprim ntos não são peiores do que erara anteriormente, e apresentarem-se-lhe documentos de que constam condições que excedem tudo o que se tem visto e tudo o que poderia imaginar-se? Não é isto lançar-nos em rosto a approvação que demos ao supprimento de 517:000 libras contratado com a casa Fruhling & Goschen? Não será dizer-nos que a camara que approvou aquelle supprimento, em que se estipulou a multa, a que se librou a concessão do emprestimo consolidado não está hoje livre, mas está forçada pela complicidade anterior a approvar todos os contratos e supprimentos, sejam quaes forem as condições leoninas ou ruinosissimas com que o sr. ministro tenha querido conformar-se?

Desde que eu, confiado nas palavras do sr. ministro da fazenda, na sessão de 25 de junho, espero um encargo não superior a 14 por conto ao anno, e encontro nos documentos o que elles contêem, dou provas de grande moderação attribuindo á ironia a illusão em que estive pelas palavras de s. exa.

A questão uno é de palavras é de factos, e dos factos é que eu quero tratar. Obedecendo á minha consciencia defloro á camara que não quero offender ninguem, e qualquer palavra que seja mal cabida e que eu possa pronunciar precipitadamente, retiro-a, o mantenho a expressão da minha idéa.

O que é certo é que o primeiro documento assignado em Paris em 3 de junho, entre o sr. Eduardo Pinto de Soveral e o sr. Herpin, diz o seguinte:

"A pedido do governo portuguez, a sociedade geral consente reformar até 27-30 de junho as 350:000 libras lê letras do governo portuguez, descontadas ou já reformadas pela sociedade geral, e que se vencem desde 4 até de junho na importancia de 310:000 libras, e desde 10 a 18 de junho na importancia de 40:000 libras."

Por consequencia tendo para as duas sommas um praso de reforma que varia entre vinte e tres e dazesete dias, póde-se dar para termo medio do praso vinte dias, e a reforma em relação ás duas sommas teve as condições seguintes:

"A sociedade geral obriga-se a pôr á disposição do agente financial do governo portuguez em Londres, em tempo util, os fundos necessarios para o pagamento das letras, e o governo portuguez entregará á sociedade geral até 8 de junho, o mais tardar, letras na importancia de 350:000 libras, iguaes ás precedentes, e a vencer desde 27 a 80 de junho. Esta reforma é feita com o juro de 10 por cento ao anno, e alem d'isso com a commissão de 1 por cento fixo."

Temos por consequencia que o tempo por que se reformou foi de vinte dias, e o praso do vencimento estipulado desde 27 até 30 de junho. Esta reforma foi feita com o juro de 10 por cento ao anno, e mais uma commissão de 1 por cento fixo. O periodo que se segue precisa de explicação por parte do nobre ministro da fazenda:

"A sociedade geral fornecerá ao governo portuguez o cambio das despezas de remessa dos fundos para Londres, remessa que fica encarregada de fazer por conta do governo, e a melhor dos interesses, sem outra remuneração, depois do reembolso das despezas, alem da commissão de 1 por cento acima mencionada."

Antes de passar a outras condições importantes já vemos que o governo aceitou uma reforma por vinte dias, obrigando-se a pagar o juro de 10 por cento ao anno e uma commissão de 1 por cento fixo n'esses vinte dias. A commissão de 1 por cento fixo em vinte dias equivale a 1 1/2 por cento ao mez, por consequencia a 18 por conto ao anno. Juntando-lhe os 10 por cento de juro, vinha este suppri-

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mento a ficar-nos no preço de 28 por cento ao anno. O cambio não se percebe bem, e eu deixo de o considerar até que o sr. ministro se explique a este respeito. Porém ha mais condições, não só violentas, mas verdadeiramente humilhantes. A société générale não consentiu n'esta reforma, já por este preço e só pelo praso de vinte dias, confiando no credito do governo portuguez.

Não foi o credito do governo que levou a société générale de Paris a consentir n'uma reforma por vinte dias em condições de 28 por cento, mesmo contendo-se apenas o juro e a commissão. Foi necessario aceitar a expressa condição de que as letras seriam garantidas com titulos de 3 por cento, e no praso do vencimento seriam pagas pela casa Fruhling & Gosehen, sobre a parte firme do emprestimo.
O documento diz o seguinte:

"Os titulos de divida publica portugueza dados em penhor ficam obrigados ao pagamento das letras que se reformarem. A presente reforma é consentida na previsão, e com a condição de que as letras reformadas serão pagas por mrs. Fruhling & Goschen por conta do governo portuguez, sobre a parte firme que estes senhores contrataram com o ministro da fazenda de Portugal. Para este fim o governo portuguez obriga-se a dar á sociedade geral uma delegação ou cheque sobre os senhores Fruhling & Goschen, logo que o dito emprestimo se torne definitivo pela ratificação das côrtes."

Dificilmente haverá uma condição mais humilhante, uma condição mais triste para um paiz do que ver-se forçado a fazer uma reforma leonina por praso de vinte dias, sendo, alem do penhor de inscripções, obrigado a garanti la com o credito de uma casa estrangeira, reconhecendo e confessando o governo que este paiz não tem credito proprio nem póde inspirar confiança para pagar com o empenho de seus titulos uma reforma de vinte dias. Quando se chega a este estado, que mais se póde perder?

Sr. presidente, não é tudo ainda, ha mais, ha a multa:

"Se a ratificação do emprestimo não estiver votada, e se o bond-généml não for assignado até 17 de junho o mais tardar, todas as letras se reputarão vencidas e exigíveis n'esse dia 17 de junho, e alem d'isso o governo portuguez obriga se a pagar á sociedade geral uma commissão de 10:000 libras esterlinas, como multa por essa falta. Para este fim entregará á sociedade geral no dia 8 de junho a importancia d'esta multa ou commissão em letras que se vençam era 18 de junho, as quaes a sociedade restituirá se tiver aviso official da ratificação das côrtes e da assignatura do lond-général. As despezas de execução d'este contrato ficara a cargo do governo portuguez."

Sr. presidente, alem d'estas condições todas incríveis e algumas humilhantes, o sr. ministro da fazenda obrigou se para obter uma reforma por vinte dias, a pagar antecipamente uma multa passando letras por 10:000 libras. A sociedade geral exigia tanto a multa como o vencimento das letras no dia 17 de junho, se o bond-général não estivesse passado e quando o emprestimo não estivesse ratificado; o sr. ministro modificou n'esta parte o contrato pelo que vem publicado no fim dos documentos, mas foi modificado subsistindo estas bases e apenas com o adiamento de praso ato 27-30 de junho:

"Não ratifico o contrato feito com mr. Fiuhling & Goschen, Oppenheim, Sulzbach e Herpin; tendo porém sido já sacadas ás letras em favor da sociedade geral para vencer em 27-80 do corrente, que ella recebeu, confirmo o contrato com ella feito, salva a exigibilidade de pagamento no dia 17, porque isso seria forçar o parlamento a votar sem discutir, o que rejeito, tornando-se porém effectiva no dia do vencimento, se antes não tiver passado a lei em ambas as camaras.
"Paço, em 10 de junho de 1869."

Sr. presidente, o praso do vencimento passou, o land-général não está passado ainda, nem o emprestimo está ratificado pelas côrtes! A multa está vencida e está paga.

O sr. ministro da fazenda que declarava rejeitar o forçar-se o parlamento a votar sem discutir, foi aceitar expressamente o mesmo que declarava rejeitar com a unica differença de demorar os effeitos da aceitação por mais dez dias (apoiados).

O sr. ministro da fazenda não queria que se impozesse ao parlamento a condição de o obrigar a votar precipitadamente, mas s. exa. partindo d'este principio por uma logica notavel e até hoje desconhecida, não recusou absolutamente a condição, aceitou-a e offereceu a para dez dias mais tarde !! Essa demora de dez dias longe de ser sufficiente para dar ao sr. ministro da fazenda o que queria, para o parlamento discutir e votar, foi insuíficiente e inutil, porque o dia 30 do mez passado já lá vae, o contrato de emprestimo não está ainda discutido nem approvado na outra camara e o bond geral não está ainda assignado!

Mas sabia d'isto o parlamento ou sabia alguem, alem do sr. ministro da fazenda? Eu sei-o agora, quando o mal não tem remedio, e quando a indignação que sinto de nada póde aproveitar ao paiz.

O que se vê, o que se encontra como acto consumado sem conhecimento das camaras reunidas, é que o sr. ministro da fazenda pagou, alem dos 28 por cento de juro e commissão, a multa de 10:000 libras peia reforma de vinte dias.

Ora, á vista d'isto, porque preço fez o sr. ministro da fazenda a reforma do supprimento de vinte dias? Deu o juro de 10 por cento, 1 por cento fixo de commissão que em vinte dias equivale a 18 por cento ao anno. A multa de 10:000 libras, em vinte dias, equivale a 50 por cento ao anno.

Vozes: - Ouçam, ouçam.

O Orador: - E isto fóra as despezas de cambio que o sr. ministro da fazenda explicará. Esto supprimento fica-nos por 78 por cento!!...

Vozes: - Ouçam, ouçam.

O Orador: - Pense bem a camara. Este supprimento fica-nos por 78 por cento. E não o póde conseguir por mais de vinte dias, porque mesmo o agente que o sr. ministro da fazenda está todos os dias a elogiar, e elogiou até no seu relatorio, diz que, apesar de todos os esforços e da melhor vontade, não póde conseguir a reforma por mais tempo! Vê-se tambem que para conseguir essa reforma não chegou o credito do governo portuguez! Para essa reforma por vinte dias não foi sufficiente que o governo d'esse grandes penhores, foi indispensavel que os banqueiros estrangeiros se obrigassem no vencimento ao pagamento das letras!
Tem v. exa., tem esta camara, tem alguem conhecimento de contratos n'estas condões? Isto nunca se fez (apoiados). Não ha paiz nenhum que tenha por vinte dias contratado em condições de tal fórma horríveis e deshonrosas como estas são (apoiados). Julgo incrível que quem n'este paiz tenha propriedade, fortuna ou amor da patria, possa consentir um só momento que este systema financeiro continue (apoiados). A nação mais rica do mundo, aquella que tivesse as suas finanças bem preparadas, que poluísse as maiores e melhores fontes de riqueza publica, arruinar-se-ia em dois annos se entrasse lá o systema financeiro que nós vamos seguindo e que nos arrasta para um abysmo que está próximo (apoiados).
É para isto que o sr. ministro não trata directamente pelo telegrapho com os banqueiros estrangeiros, nem aqui com os agentes que os representam! É para isto que o sr. ministro da fazenda multiplica os seus representantes nas praças estrangeiras, inventando um systema original de negociações, e inundando os mercados de Paris e Londres com agentes portuguezes que se guerreiam uns aos outros, e que fazem, perante as mesmas casas, só questão das commissões na questão das reformas!

Que é isto? Como se póde chegar a este estado? E como póde o parlamento consentir a continuação d'este systema,

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que é um crime, tornando-se complice d'esse mesmo crime?

Se o sr. ministro da fazenda dizia ou entendia dizer, quando me respondeu na sessão de 25 de junho, que este parlamento estava obrigado a votar as condições dos supprimentos por mais onerosos que fossem, porque tinha votado os contratos anteriores, s. exa. enganava-se.

Eu não tive duvida nenhuma em votar a absolvição do sr. ministro da fazenda, quando, estando o parlamento fechado, s. exa. se viu forcado, pela necessidade de reformar dividas anteriores, a aceitar condições onerosas; mas desde que o parlamento está reunido, de maneira nenhuma posso absolve-lo.

O sr. ministro da fazenda imagina que póde fazer estas reformas, nas condições que lhe aprouver, sem consultar a maioria, sem consultar as commissões, sem se aconselhar com o parlamento?

Desde que s. exa. imagina poder fazer isto a seu arbítrio, eu lhe mostrarei que o deputado, que com tanta facilidade absolveu os desperdícios anteriores, quando o parlamento não estava reunido, talvez não tenha duvida nenhuma em accusar, ainda que o seu nome fique só, o ministro que, tendo as camaras reunidas, faz por vontade propria e a seu arbítrio contratos ruinosos, de quo torna complice o parlamento, que ignora as condições em que s. exa. contratou no segredo do gabinete.

A camara ignorava completamente as condições onerosas em que o sr. ministro da fazenda contratou as reformas dos supprimentos de que precisou; creio que ninguem na camara o sabia. Foi preciso que eu o suspeitasse e viesse outro dia requerer a apresentação d'estes documentos.

A camara, este parlamento, que veiu aqui, em nome das economias, quererá apoiar uma administração financeira quo lança fóra n'um dia o producto das economias de um anno?

A camara, quando nós ao entrarmos as portas d'esta casa temos de violentar o coração para nos não deixarmos mover pela compaixão de dezenove ou vinte empregados a quem se tirou o pão quotidiano para economisar em cada um apenas 600 réis diarios, quererá que só lance fora com contratos d'esta ordem trinta vezes mais do que o que se póde tirar a esses desgraçados, cujos familias se reduzem á fome e á miseria? (Muitos apoiados.)

Por este systema, tudo quanto é portuguez, tudo quanto vive em Portugal póde estar n'um anno reduzido á fome e á miseria (muitos apoiados), e ainda assim este ministro da fazenda não terá satisfeito as exigências que a usura estrangeira faz aos léus agentes.

Preciso descansar. Pedirei a palavra novamente, se o julgar necessario, depois da resposta do sr. ministro da fazenda (Vozes: - Muito bem).

O sr. Ministro da Fazenda (Conde de Samodães):- O illustre deputado concluiu declarando que pediria a palavra depois de eu fallar; mas a primeira cousa a saber era se eu queria responder, porque ainda não tinha pedido a palavra.

Estimo muito que a questão tomasse o caracter, que apresenta agora. A questão está definitivamente formulada. Agora sim. Agora está o negocio em termos claros e terminantes, e por consequencia nas circumstancias de poder ser resolvido.
O illustre deputado diz que vae formular a sua proposta de accusação, e esta proposta ha de seguir os seus termos naturaes e regulares. Convido mesmo o illustre deputado a quo a formule quanto antes.

Convido-o tambem a dizer quaes são as insinuações que me quer fazer. O illustre deputado julgou, não sei com que fundamentos, que eu lhe queria fazer insinuações quando disse que por varios motivos tinha o illustre deputado saído da commissão de fazenda. Não havia aqui insinuação nenhuma nem a podia haver. O illustre deputado tinha apresentado algumas propostas, que não tinham sido depois approvadas pela commissão, e eu julguei que o illustre deputado estaria despeitado com isso e por essa rasão queria sair da commissão.

O sr. Ferreira de Mello: - Mais nada?

O Orador: - Mais nada. Mas se o illustre deputado tem algumas insinuações a fazer-me, queira faze-las claras e terminantes.

O sr. Ferreira da Mello: - Eu creio que v. exa. ouviu mal. Eu não disse que tinha insinuações a fazer a v. exa., nem tenho d'isso a menor idéa. O que eu disse é que, se o sr. ministro não respondesse claramente sobre este ponto, eu, julgando-me offendido, diria algumas palavras d'aquellas que obrigam necessariamente a explicações. De mais não queria fazer insinuações nenhumas ao caracter de s. exa., mas queixar-me unicamente das insinuações, que eu julgava terem me sido feitas. Agora estou satisfeito com a explicação do sr. ministro.
O Orador: - Eu tambem estou satisfeito, e portanto n'esta parte termino completamente a questão.

O que não póde acabar é a questão da accusação. Essa proposta é indispensavel que s. exa. a formule, e eu hei de sujeitar-me ás consequencias necessarias d'ella.

Uma parte do discurso do illustre deputado parece-me que nem merece resposta.

Quando o illustre deputado traz para a camara as questões particulares, as conversas d'entre amigos, eu creio que este assumpto está a baixo de uma discussão parlamentar. Portanto, da minha parte entendo, que não posso responder a este ponto.

A não ser á accusação, com que o illustre deputado preterido terminar esta espécie de interpellação, a que chamou negocio urgente, de certo creia que não tenho a responder senão ao que respeita ás explicação que este negocio póde trazer comsigo.

O illustre deputado disse que [...] aqui á verdade, ou por outra, que tinha [...] sarcasmo e da uma ironia, quando na sessão de 25 de junho passado eu disse que tinha feito supprimentos por um certo preço, quando o preço real era superior áquelle que se deduz d'estes documentos.

Eu quando disse aquillo nunca me referi a estes documentos, porque nem este negocio de que se trata é um supprimento. Supprimentos são as outras operações que eu tenho realisado em differentes occasião, para fazer face aos diversos encargos do estado nas praças estrangeiras. Isto agora não foi um supprimento, porque estas 350:000 libras são o resto das 940:000 libras, que em setembro do anno passado foram emprestadas pela société générale. Foi já este ministerio que levantou esta somma, mas não fui eu que fiz esta transacção.

Esta somma por consequencia não era nem á um novo supprimento, e eu, dizendo aquellas palavras, disse a verdade, mantenho-a e hei de sustenta-la perante a camara. E não me refiro a isto, mas a uma cousa essencialíssima, qual é a da sociedade geral de Paris querer por todos os modos e por todas as formas acabar esta quentão, e não continuar a sor credora do governo portuguez.

Chegadas as cousas a este ponto, diz o illustre deputado que eu tenho mandado por varios agentes, que se andam guerreando nas praças estrangeiras, fazer propostas. Eu pediria ao illustre deputado que me dissesse quem são esses agentes.

O sr. Ferreira de Mello: - Consta dos jornaes, di-lo a imprensa.

O Orador: - Eu já disse por mais de uma vez n'esta casa que não leio os jornaes, respeito a imprensa quando ella é seria, mas não tenho tempo para ler jornaes, nem posso estar a responder por quantos boatos por ahi se espalham e se propalam por differentes maneiras.

Ainda hoje apparecem publicados n'um jornal politico os boatos mais disparatados e absurdos que se podem imaginar. Querem que eu esteja a pedir a palavra e a responder a tudo que lá apparece, a occupar a camara com questões futeis e a desviar a sua attenção dos negocios graves que foi chamada a deliberar?
O negocio d'esta reforma foi tratado primeiramente tele-

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graphicamente por mim, mas o resultado foi a sociedade querer receber infallivelmente esta somma no dia do seu vencimento. Ora, estando pendente um contrato de emprestimo feito ao governo por uma casa bancaria, era claríssimo que a não ser essa casa, não havia nenhuma outra que se prestasse a fazer o supprimento de uma somma tão avultada como esta é. Está ahi um documento entre esses outros a que o illustre deputado se referiu, que prova que eu procurei fazer esse supprimento por outra maneira, para evitar de me ver na necessidade de confirmar este contrato.

Infelizmente nada pude fazer, isto é, não houve casa nenhuma que se prestasse a fazer o supprimento de uma quantia tão grande e em tão curto praso.

Ora, se o governo não tomasse a resolução que tomou, qual seria o resultado? Seria que a sociedade geral no dia aprazado apresentaria as suas letras, que seriam protestadas, e a consequencia era que nenhum emprestimo se poderia fazer depois.

Mas ainda assim, por um despacho que está n'esse processo, de que o illustre deputado não quiz ler parte, lá se verá que eu rejeitei uma das condições mais onerosas d'esse contrato; rejeitei o tal contrato feito com a casa Fuhling & Gosehen, por isso que eu estava na minha liberdade para o poder fazer, sem prejuizo para o credito do paiz.

E ainda assim é preciso que os illustres deputados saibam que esse contrato foi assignado em 3 de junho em Paris, que não me chegou senão no dia 9, e foi despachado no dia 10 de junho; e eu não podia n'essa occasião presuppor que no dia 30 ainda não estivesse approvado em ambas as camaras o contrato do emprestimo; não podia suppor que esta camara occupasse dezoito dias successivos em discutir a questão do emprestimo, e que em logar de se votar este emprestimo, se estivessem aqui a fazer recriminações da parte a parte entre os deputados, varrendo cada um a sua testada, e ao passo que nós varríamos aqui as nossas testadas, os estrangeiros tambem as varriam.

Eu não podia suppor por modo nenhum que uma discussão d'esta ordem levasse mezes e mezes, e por essa fórma que o nobre deputado argumenta, nunca se podia estabelecer um praso para se concluir uma negociação, porque assim como eu humanamente não podia prever que na altura em que estava o debate no dia 10 da junho, ainda no dia 30 não tivesse passado para a camara dos dignos pares,
tambem pelo mesmo argumento o nobre deputado não consentiria que tivesse espaçado por mais um mez ou dois a moina condição. Mas não pára ainda aqui, porque eu immediatamente que vi isto, fiz uma reclamação perante a société générale, mostrando-lhe a iniquidade d'esta condição, e que eu esperava que ella nunca a poria em execução; e tanto assim é que ainda essas letras não foram
na altura de tempo em que estavamos, que podessemos ter a lei approvada e o contrato assignado no praso que estava marcado; e apesar d'isso mandei pagar a maior parte da sua divida, e société générale, com a melhor vontade, sem reclamação alguma, sem nenhum encargo novo, e sem mesmo pagamento de novo juro, espera pelo resto do pagamento por mais quinze dias.

O nobre deputado fez a distincção entre as differentes opposições que há n'esta camara. Sei que há aqui opposições diversas, a opposição á situação; a opposição ao ministerio; e a oppsição a ministros. Sou tão infeliz que partilho de todas tres (riso).

Como situação, tenho a opposição principal d'esta casa; como ministerio, tenho a opposição da outra parte que não é opposição á situação, mas o é ao ministerio, e finalmente como ministro tenho até as iras do illustre deputado. Vejam até que ponto vae a minha infelicidade; e agora no fim de tudo isto, vem a acusação, e eu cá fico sentado no banco dos réus, e irei talvez degredado para a costa de Africa! (Riso.)

Se todos estiverem com as iras do nobre deputado não ha nada já que me possa salvar.

O sr. Ferreira de Mello: - Isso não, com toda a certeza.

O Orador: - Mas o illustre deputado, já que vem aqui propor para que eu não continue n'este systema...

(Interrupção que se não ouviu.)

Para que serve o emprestimo? Para que fiz eu uma proposta logo no primeiro dia da sessão, para sairmos d'este estado embaraçoso e difficil?

Quando o illustre deputado foi membro da commissão de fazenda, bem viu que eu procurava por todos os modos sair d'aqui, e que nunca tratei de occultar que o estado do paiz não podia melhorar senão por meio de uma operação de credito.
Portanto de que me accusa o illustre deputado? Por não ter podido levar de assalto a discussão, ou por não fazer votar a proposta de um dia para o outro? Esse é que póde ser o meu crime.

Póde o illustre deputado estar certo que se a proposta estivesse convertida em lei, só o emprestimo estivesse effectuado, não succederia de certo isto. O illustre deputado, permitta-me que lhe diga, é injusto n'esta apreciação, sabe perfeitamente que não tenho culpa ?alguma da demora que tem havido n'esta discussão.

No primeiro dia que a camara funccionou como assembléa política, apresentei a proposta para sairmos d 'este estado embaraçoso e periclitante, estado que não é de hontem nem de hoje, e que se não sairmos d'elle ha de-se aggravar de dia para dia, e se o illustre deputado vier para este logar ha de encontrar os mesmos embaraços, e se não os resolver por esta fórma ha de sujeitar-se a condições peiores.

Nunca me esquivei a todas as conferencias que me foram pedidas sobro este assumpto, e ainda não faltei um só dia á camara. De que me accusa pois o illustre deputado?

É preciso que se saiba que é sempre ura erro fazer o calculo dos juros d'estas reformas pelos dias que ellas são feitas.

O illustre deputado sabe perfeitamente que, se em vez da reforma ser de vinte e dois ou vinte, o tres dias, mezes, que se paga a mesma commissão e o mesmo juro.

Estas despezas, com entes encargos annexos a differentes supprimentos, principal mente quando sito transferencias de praça para praça, são sempre as mesmas.
Não julgue o illustre deputado que venho aqui defender.

De que o illustre deputado se ha de convencer é de que, nas circumstancias em que o negocio se collocou, procurei todos os meios para sair d'este estado, e annullei a parte mais importante e perigosa do negocio.

Sabem qual era? Era ainda ura outro eleve por uma quantia que não se chegára a dar. O que queriam que eu fizesse? Que viesse dizer á camara - votae o emprestimo antes do dia 16? - Queriam isso? Que viesse forçar o parlamento a não discutir?

Este negocio, na altura que tem tomado, receio muito que continue, porque vejo que ha aqui um proposito firme de estar sempre commigo na tela da discussão. O illustre deputado não perde occasião de estar commigo a contas, e realmente lamento que, por causa da minha humilde e pequena individualidade, se esteja a perder tempo precioso para prover de remédio aos males publicos.

O sr. Ferreira de Mello: - A culpa não é minha.

O Orador: - Eu já disse que, por muito respeitavel e auctorisada que seja a opinião do illustre deputado, por muito vehementes que sejam os seus desejos politicos de me ver d'aqui para fóra, eu não posso retirar me d'aqui só pela vontade do illustre deputado; é preciso mais alguma cousa; não posso sair d'aqui só porque o sr.Ferreira de Mello quer que eu sáia. Há só um meio, que está na sua

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mão; use d'elle, seja franco; accuse o ministro da fazenda, mas accuse-o de uma maneira clara a categorica. O illustre deputado é distincto advogado, tem feito muitos libellos, sabe muito bem como ha de formular a sua accusação, usando mesmo das taes insinuações e de tudo que quizer; mas accuse categoricamente o ministro da fazenda, accuse-o de todos os modos, por todas as maneiras, como quizer, que lhe dou para isso ampla liberdade; mas seja categórico e acabemos com esta questão por uma vez. Peço-lhe por bem da causa publica, a que devemos attender primeiro que tudo, e acima das nossas personalidades e caprichos, que acabe com esta questão por uma vez, formulando a sua accusação; a camara depois se pronunciará e eu seguirei o caminho que me for indicado; mas é necessario terminar por unia vez com este systema...

O sr. Ferreira de Mello: - Apoiado.

O Orador: - Apoiado? Mas siga o illustre deputado o seu caminho, cumpra o seu dever, e ponhamos termo a isto hoje mesmo. O corpo de delicto ahi está, e se ha mais crimes appareçam, que o réu aqui está tambem para responder.

Estes incidentes successivos, estes acontecimentos que têem tido logar ultimamente n'esta caga, têem feito com que se não tenham podido discutir negocios importantes que estavam na téla da discussão. Dá-se mesmo o caso de eu não saber a quem hei de responder, pois as accusações e interpellações apparecem de todas as partes; umas vezes vem dos bancos superiores, outras vem do lado esquerdo, outros de outra qualquer parte, de modo que eu nem procuro já defender-me. Fui eu só que fiz emprestimos ruinosos, fui eu só o que criei a divida fluctuante, foi na minha administração que appareceu o deficit; antes de eu ser ministro não havia nada d'isto, nunca se fizeram emprestimos ruinosos, nunca - houve divida fluctuante!! Já aqui appareceu um deficit, mas cousa insignificante! A final creio que até se transformou n'um saldo positivo!
Portanto já se vê que todos os males são filhos da minha gerencia!

Eu nem mesmo posso condescender com as commissões onde vão os meus projectos, nem consentir que se faça uma pequena alteração n´elles. Isso é me expressamente prohibido!

Esta opposição é uma opposição tyrannica. Quer que eu esteja aqui desde o principio até ao fim da sessão. Quer que eu não assista na outra casa do parlamento ás discussões cm que devo tomar parte. Ainda hoje lá se está discutindo uma questão, que ha de resolver esta outra, e não consentem que eu lá vá.

A opposição quer por força que eu leia todos os jornaes.

A opposição quer que eu falle sempre que ella o exigir.

Se eu não peço a palavra, dizem logo, porque não pediu a palavra?

O ministro da fazenda ha de fallar sempre que a opposição quizer, ha de dizer tudo quanto a opposiçao quer que elle diga. De maneira que eu preciso de ponto para me advertir quando tenho de entrar em scena, e para me lembrar o que tenho a dizer.

A opposição não me permitte que eu ceda nem n'uma palavra, nem n'uma virgula com as commissões que examinam os meus projectos.

Mas, sr. presidente, d'onde vêem essas accusações? Pois não se fizeram já em outras epochas muitas concessões em propostas importantíssimas, em propostas, que eram as principaes dos respectivos systemas, e não se consentiu que ellas fossem alteradas desde o primeiro ate ao ultimo artigo? Eu era opposição em 1864 na camara dos dignos pares, opposição tenaz, política, decidida, mas plenamente caracterisada, como eu nunca tinha sido a ministerio nenhum. Pois apresentando-se ali uma proposta importantíssima, eu fiz uma moção de ordem para que em logar de se começar a discutir o artigo 1.° se começasse pelo artigo 13.°; e apesar da opposição, que o governo fez a esta proposta, o governo viu-se obrigado a aceita-la, apesar de se ter mettido na camara dos pares duas fornadas successivas! Apesar de tudo isso, o systema da discussão por mira proposto foi admittido, e começou a discutir-se do artigo 13.° em diante, um projecto de lei, que tinha sido profundamente alterado e modificado.

Pois quando uns ministros se não julgam offendidos nem maculados na sua existencia política e constitucional por actos d'esta ordem, quando ministros a quem se faz isto, continuam gerindo os negocios do estado, eu não julgo que, por fazer concessões, em boa harmonia com as commissões, que examinam as minhas propostas de lei e discutindo placidamente qualquer assumpto, eu ceda da minha dignidade ou me rebaixe, ou mesmo me torne moralmente morto, como já aqui foi dito.

Portanto eu não posso nem devo estar aqui todos os dias a responder a tudo quanto se me diz, a todas as perguntas, a todas as accusações, que se me fazem! Era-me absolutamente impossível seguir este caminho.

Emquanto a proposta de accusação não for votada, eu hei de seguir o caminho, que julgar mais conveniente, e hei de usar da palavra quando me pareça que devo usar; mas não hei de estar constantemente, a responder a questões pessoaes, que são aquellas que menos importam á causa publica (apoiados).

Por agora tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Camara Leme: - Mando para a mesa o parecer da commissão de guerra sobre a proposta do governo para a fixação da força do exercito.

O sr. Presidente: - Consulto a camara sobre se quer continuar n'este incidente, ou se o dá por terminado. A hora de se passar á ordem do dia já deu ha muito tempo.

O sr. Ferreira de Mello: - Poucas sito as reflexões que tenho a fazer, mas v. exa. comprehende que não posso deixar sem resposta algumas das observações feitas pelo sr. ministro da fazenda.

O sr. Presidente: - O que é necessario é que a camara se pronuncie... (Vozes geraes:- Falle, falle.) A camara pronuncia-se, tem o sr. deputado a palavra.

O sr. Ferreira de Mello: - Ouvi mais de uma vez ao sr. ministro da fazenda declarar que esta questão era pessoal, e que invocava o nosso patriotismo e chamava a nossa attenção só para as questões que fossem uteis á causa publica.
Do que esta questão tem menos é de pessoal. Não se trata senão de saber por que preço ficou a reforma (já que s. exa. não quer que seja supprimento), de 350:000 libras á société générale. Eu mostrei que o encargo tinha sido de 78, e s. exa. respondeu que isto era uma questão pessoal! Não é uma questão pessoal, é uma questão de cifras; é uma questão de dinheiro.

Permitta-me v. exa. que eu leia á camara o que outro dia disse com relação ás qualidades pessoaes do sr. ministro da fazenda:

Devo declarar a v. exa. e á camara, que eu tenho pelo sr. ministro da fazenda a maior consideração pessoal que um homem póde ter por outro; tenho a maior veneração pelas suas qualidades, pelas suas virtudes e por tudo que em um homem póde constituir um perfeito cavalheiro, como s. exa. é; vou ainda mais longe: tenho ainda muito respeito pelas intenções que presidiram ao systema que s. exa. julgou dever inaugurar para dirigir as finanças do paiz. E direi a v. exa. e á camara, que isto em mim não é mero comprimento; digo o que sinto, porque, se sentisse o contrario, dizia o que sentia ou não dizia nada. Mas superior á consideração e ao respeito pelo homem está o interesse do paiz, e ou eu me engano muito ou o systema adoptado por s. exa. não correspondeu ás suas intenções.

A respeito da pessoa creio que não se póde dizer nada mais agradavel nem mais lisonjeiro do que eu disse outro

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dia com relação ao sr. ministro da fazenda. O que então disse é o mesmo que confirmo agora. Nada tenho com a pessoa, nada tenho com o nobre ministro como homem, tenho tudo com a administração financeira de s. exa. A administração financeira de s. exa. não é questão pessoal, e essa administração produziu uma reforma por 20 dias, garantida pelo credito de um banqueiro estrangeiro, com o encargo de 78 por cento ao anno!

Estranha o nobre ministro que eu venha aqui insinuar que s. exa. quer continuar no mesmo systema. Não, senhor.

Os desejos, as intenções de s. exa. são muito justas, muito louvaveis; mas s. exa. não continua, s. exa. aggrava. A respeito da pessima administração de s. exa. póde repetir-se o que dizia o poeta latino: Vires acquirit eundo... A carreira redrobra-lhe as forças, e cada novo acto é maior desgraça publica. Cada supprimento que s. exa. contrata é mais oneroso do que o anterior. Disse s. exa., que quando se referiu outro dia a supprimentos não foi a este, parque isto não é supprimento, mas sim reforma. Se saiu por este preço de 78, porque era reforma, se sendo supprimento sairia a 14, porque em vez de reformar não fez s. exa. um novo supprimento para pagar esta divida? (Apoiados).

Desde que o alto génio financeiro de s. exa. inventou estas distincções entre reformas e supprimentos, não sei porque s. exa. não levantou um supprimento novo para pagar, em vez de reformar.

Se tinha possibilidade, se tinha facilidade em levantar supprimentos a 14 por cento, porque não levantou um supprimento de 350:000 libras com o encargo de 14 para pagar á société générale, e para que foi aceitar um encargo de 78?!...
Disse mais o nobre ministro da fazenda que este negocio foi tratado telegraphicamente, mas dizem aqui OH documentos que quem o tratou por escripto foi o sr. Eduardo Pinto Soveral, agente nomeado e elogiado pelo sr. ministro no seu relatorio de eterna memoria.

Eu dou ás palavras de s. exa. um credito extraordinario, todo o credito que ellas merecem, um" realmente hesito desde que sou forçado a escolher entre o credito que merecem as palavras de s. exa. e o credito que merecem os docu mentos que s. exa. apresentou, quando um credito é negado e contrariado pelo outro.

Disse s. exa. que, se não aceitasse isto, o resultado seria apresentarem se as letras e serem protestadas, mas s. exa. não disse á camara o que ella mais precisa saber.

Como está ainda este negocio? O praso acabava no dia 30. S. exa. declarou que mio tinha pago completamente, que ainda devia, que esperava pagar, e que pedira uma demora de quinze dias, mas s. exa. devia-nos ter dito como pagou, e porque preço.

Pagou levantando um supprimento facil e util a 14 por cento, ou pagou reformando? E as reformas são carissimas, já o sabemos por triste experiencia.
Eu notei a circumstancia, para que o sr. ministro da fazenda tanto chamou a minha attenção. Notei que s. exa. resolveu este negocio pelo telegrapho no dia 10 de junho; mas agora vou comparar a data d'esta resolução com a data do vencimento das letras.

O sr. ministro resolveu aqui pelo telegrapho, no dia 10, o negocio relativo a letras que se tinham vencido desde o dia 4 até ao dia 7, resolvendo por consequencia seis ou tres dias depois, e o negocio relativo a letras que se venciam desde o proprio dia 10 até ao dia 13!

É pasmosa esta actividade! Resolver pelo telegrapho no dia 10, em relação ao pagamento de letras que se tinham vencido desde o dia 4 até ao dia 7, e de letras que se venciam desde o dia 10 até ao dia 13, é uma resolução a tempo, é simplesmente post factum!...

Desde o dia 4 até ao dia 7, e desde o dia 10 até ao dia 13 deviam as letras estar reformadas ou pagas, e o sr. ministro resolveu-as no proprio dia 10!... Ainda assim o sr. ministro resolvia e telegraphava ao seu agente Soveral.

Disse o nobre ministro que o encargo não se póde assim calcular, porque o juro fica compre o mesmo. Isso sei eu. O juro ficava sempre a 10 por cento ao anno, mas havia de ser pago por maior praso, se a reforma fosse por mais tempo. A proporção é sempre rigorosa e exacta, e o calculo que fiz exactissimo.
Diz o sr. ministro, que a commissão seria a mesma, ainda que o praso fosse mais longo, e que então a reforma sairia, mais barata.

Mas porque não conseguiu s. exa. um praso mais longo ? Foi porque não quiz, como s. exa. affirma, esquecendo-se de que pagou a multa exactamente porque o praso foi curto, ou foi porque não póde, como diz o seu agente Soveral no documento que eu ha pouco?

Eu quero concordar com o nobre ministro da fazenda até onde o posso fazer, mas de certo não é possivel esse accordo na questão de que se trata, porque ao passo que s. exa. nos assevera que não quiz reformar com maior praso, porque se quizesse a operação lhe saía mais barata, o seu representante em Paris diz-nos claramente no documento, que fez todos os esforços para prorogar mais o praso, pelo menos ato um mez, e que o não póde conseguir!

No fim de tudo isto eu não posso dizer que fico satisfeito, quando na realidade fico contristado, porque se verificou o que eu receiava que acontecesse. Desde que o nobre ministro é o primeiro a declarar que não vem aqui defender a reforma que fez do supprimento; desde que elle declara que não toma a defeza d'esse contrato, e apenas assegura que empregou todos os esforços, todas as diligencias, e que não o póde fazer melhor; desde que s.exa. deixa ficar de pé a asserção de que o emprestimo é feito a 78,75, eu vejo que não me enganava quando fazia aqui todos os esforços para que estes documentos fossem presentes á camara, e quando me retirava da commissão para vir aqui combater o nobre ministro.

Mas pergunta s. exa.: "Os outros ministros da fazenda o que fizeram? Pois não tem havido muita divida fluctuante, não tem havido muitos supprimentos?"
Respondo a s. exa. - Que tenho eu com isso? Que me importa a mim o passado que eu não posso remediar e de que não tenho responsabilidade nenhuma? Em todo o caso nunca póde servir de desculpa o passado para a má gerencia actual. E eu que tenho ouvido muitas accusações feitas a governos anteriores, nunca ouvi lançar em rosto a nenhum ministro da fazenda que fizesse e m pré; timos a 78,75 por cento. Vejo, por exemplo, o sr. Diás Ferreira dizer-nos que já depois de estar demittido, e conservando apenas o expediente, contratava supprimentos a 8 1/2 por cento, e ainda não vi que nenhum ministro os fizesse como o actual Sr. ministro da fazenda a 78,75 por cento.

Concluirei mandando para a mesa a seguinte moção de ordem (leu).

Esta moção é apenas a manifestação de um pensamento individual. Eu entendo que continuando nós com unia administração financeira que contrata supprimentos a 78,75 por cento, periga o credito e o futuro do paiz; os meus illustres collegas que entenderem o contrario que rejeitem a minha moção.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado por alguns sr. deputados.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara entende que o systema actual da administração financeira não póde continuar sem perigo para o credito e futuro do paiz.

Sala das sessões, em 3 de julho de 1868.- Antonio Augusto Ferreira de Mello.
O sr. Presidente: - Peço a attenção da camara. Segundo marca o regimento são precisos 29 srs. deputados para se admittir esta proposta á discussão.
(Susurro.)

O sr. J. T. Lobo d'Avila: - Tendo-se alterado o regi-

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mento, deve fazer-se a contagem na proporção do numero de deputados quando se tratar d'estes negocios.

O sr. Presidente: - As disposições que se acham consignadas no regimento e que vigoram, porque ainda não foram revogadas, dizem o seguinte (leu).
As disposições regimentaes a este respeito dizem que são necessarios 39 srs. deputados para se abrir a sessão, porque o numero total de deputados actualmente é de 116.

A quarta parte d'este numero são 29. É o sufficiente para se tomar uma resolução legal.

Estas são as disposições que se encontrara no regimento; se alguma outra ha, não tenho conhecimento d'ella por que não se acha consignada.

O sr. Ferreira de Mello: - Visto que v. exa. se propõe inverter a pratica seguida sobre a admissão da minha proposta, requeiro votação nominal sobre se admitte ou não, á discussão.

Decidiu-se affirmativamente.

O sr. Presidente: - Na conformidade do regimento, os Srs. deputados que admittírem á discussão a proposta do sr. Ferreira de Mello dizem approvo, e os que não admittem dizem rejeito.

Feita a chamada.

Disseram approvo - os srs. Ferreira de Mello, Pereira de Miranda, A. J. de Seixas, A. J. Pinto de Magalhães, Fontes, B. F. Abranches, Fernando de Mello, Diogo de Sá, Francisco Costa, Corvo, Santos e Silva, Matos Correia, J. Pinto de Magalhães, J. Thomás Lobo d'Avila, Dias Ferreira, J. M. Lobo d'Avila, José Maria dou Santos, Levy, Mendes Leal, Camara Leme, Valladas, Mathias de Carvalho, Visconde de Guedes.

Disseram rejeito - os srs. Adriano Pequito, Braamcamp, Sá Nogueira, Falcão de Mendonça, Silva e Cunha, Guerreiro Junior, Sousa de Menezes, Magalhães Aguiar, Falcão da Fonseca, Eça e Costa, Montenegro, Saraiva de Carvalho, Barão da Ribeira da Pena, Belchior Gareez, B. Francisco da Conta, Caetano de Seixas, Carlos Bento, Cazimiro Ribeiro da Silva, P. J. Vieira, F. P. de Mello, Coe lho do Amaral, Francisco Beirão, Pinto Bessa, Quintino de Macedo, H. de Macedo, Vidigal, Assis Pereira de Mello, Cortez, Aragão Mascarenhas, Alves Matheus, Nogueira Soares Gusmão, Cardoso, Galvão, Correia de Barros, Bandeira de Mello, Sette, Mello e Faro, Firmo Monteiro, José Nápoles, Luciano de Castro, Latino Coelho, Rodrigues de Carvalho, José de Moraes, Oliveira Baptista, L. Augusto Pimentel, Daun e Lorena, Affonseca, M. A. da Seixas, Calheiros, Visconde de Bruges, Palmeiro Pinto, Barros Gomes, Paes Villas Boas.

Ficou portanto rejeitada a proposta por 55 votos contra 23.

Vozes: - Ordem do dia.

O sr. Presidente: - Passâmos á ordem do dia.

O sr. J. T. Lobo d'Avila: - Peço a palavra para um requerimento.

Vozes: - Ordem do dia.

O sr. J. T. Lobo d'Avila: - Senhores, não é d'esse modo que o paiz se governa melhor (grande agitação).

O sr. Pimentel: - O paiz é que soffre com isto. É necessario acabar com estes tumultos por uma vez.

Vozes: - Ordem.

O sr. J. T. Lobo d'Avila: - A camara póde manifestar a sua opinião, mas não me parece regular que a manifeste tumultuosamente (apoiados). Tenham os nobres deputados tolerancia.

Vozes: - Ordem do dia.

O sr. Presidente: - Eu vou consultar a camara sobre se quer passar á ordem do dia. Os srs. deputados que são de opinião que se passe á ordem do dia tenham a bondade de se levantar.

Decidiu-se affirmativamente.

O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia.

Peço a attenção da camara. Nós tiramos em discussão o projecto de lei n.° 20, e o parecer da commissão de obras publicas sobre a representação dos empregados da extincta repartição de pesos e medidas. Ambas estas discussões foram interrompidas, agora consulto a camara sobre qual dos assumptos quer discutir primeiro.

Vozes: - Isso compete á mesa.

O sr. Presidente: - Muito bem. Continua a discussão sobre o projecto n.° 20, e tem a palavra o sr. Joaquim Thomás Lobo d'Avila, que não acabou o seu discurso na ultima sessão em que este projecto se discutiu.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n.°20

O sr. J. T. Lobo d'Avila: - (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã...

O sr. Correia de Barros: - Eu tinha pedido a palavra para um requerimento antes de se fechar a sessão.

O sr. Presidente: - É verdade. Tem a palavra.

O sr. Correia de Barros: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se quer que se prorogue a sessão até se votar o projecto que está em discussão.

Algumas vozes: - Não póde ser; já está dada a ordem do dia para ámanhã.

O Sr. Presidente: - Eu ainda não tinha fechado a sessão. É verdade que me escaparam aquellas palavras, mas a hora ainda não deu, e alem d'isso o sr. Correia de Barros tinha pedido a palavra para um requerimento antes de se fechar a sessão (apoiados).

Posto a votos o requerimento do sr. Correia de Barros, foi logo approvado.

O sr. Barão da Ribeira de Pena: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se julga esta materia sufficientemente discutida.

O sr. Andrade Corvo: - V. exa. não me inscreveu sobre a ordem?

O sr. Presidente: - Mas um requerimento prefere.

O sr. Andrade Corvo: - O que eu desejo saber é se se proroga a sessão só para se julgar a materia discutida, com preterição de um deputado que tinha a palavra sobre a ordem. Desejo que a resposta da camara seja categórica, e por meio de uma votação.

Algumas vozes: - A camara é que ha de decidir.

Apartes entre differentes srs. deputados.

O sr. Barão da Ribeira de Pena: - Desisto do meu requerimento por emquanto, o reservo-o para depois de fallar o sr. Andrade Curvo (apoiados).

O sr. Presidente: - Então tem a palavra sobre a ordem o sr. Andrade Corvo.

O sr. Andrade Corvo: - Não cansarei a camara. Desejo apenas mandar para a mesa a minha questão previa.

Tinha muitas considerações a fazer, considerações que eu julgava do meu dever apresentar ao parlamento. Mas o parlamento mostra-se cansado, e por isso reservo-as para outra qualquer occasião. Limito me a mandar a minha moção de ordem, que se refere a todos os projectos que têem por fim o augmento de impostos.

A camara com prebende bem que, embora eu não faça n'este momento as considerações que o caso pede, ellas ficam de pé, para as apresentar em outra qualquer occasião, porque não me ha de faltar ensejo de sustentar a minha moção de ordem, que aliás está de certo na consciencia de todos. Eu estou persuadido de que a minha moção de ordem está na consciencia da maioria, que é bastante patriotica e que deseja o bem d'este paiz.

Vou ler a minha proposta (leu).

Para mim é uma questão previa. Se esta moção for approvada, eu voto o projecto em discussão; de contrario, não.

Abstenho-me por agora de dar as immensas rasões que podia dar em sustentação d'esta idéa, que é toda de beneficio para a causa publica.

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Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o sr. ministro Já fazenda seja convidado a seguir, nas questões financeiras, um systema differente do que tem presidido ás suas operações, a fim de que a camara possa discutir e votar os projectos de imposto, sem receio de que os encargos das operações financeiras absolvam o acrescimo de imposto, e fique sem se resolver a gravo questão que nos occupa. = Andrade Corvo.
Não foi admittida á discussão.

O sr. Presidente: - Agora vou pôr á votação o requerimento do sr. barão da Ribeira de Pena.

Foi logo approvado.

O sr. Ferreira de Mello: - Peço a v. exa. que tenha s bondade de ler a inscripção que estava feita sobre este projecto. Eu creio que estava inscripto sobre a ordem, e v. exa. deu a palavra ao sr. Andrade Corvo.

O sr. Presidente: - Aqui não ha ordem... (riso.) Quero dizer, n'este projecto não havia inscripção sobre a ordem; apenas o sr. Andrade Corvo tinha pedido a palavra sobre a ordem, mas ha pouco tempo; quando mesmo eu dissesse que não havia ordem, não faltava de certo á verdade (muitos apoiados).

Estava pois inseripto sobre a ordem o sr. Andrade Corvo, e agora o sr. Ferreira de Mello pediu a palavra para um requerimento.

O sr. Ferreira de Mello: - O meu requerimento é para que v. exa. tenha a bondade de ler a inscripção sobre a materia.

O sr. Presidente: - Estavam inseriptos ainda os senhores (leu).

Creio que v. exa. estará satisfeito. Agora vou por á vota cito a generalidade do projecto.

Foi approvado o projecto na generalidade e passou-se á especialidade.

Artigo 1.º

O sr. Ferreira de Mello: - Sr. presidente, eu tenho poucas palavras a dizer.
Levantei me apenas pura declarar a v. exa. e á camara a resolução firme e inabalavel em que estou de recusar todo o imposto, tanto o antigo, como aquelle que se pede por augmento, emquanto os negocios publicos seguirem o caminho que vão seguindo, e emquanto a camara na fim alta sabedoria entender que deve rejeitar uniu quentão previa, como aquella que o illustre deputado e num amigo o sr. Andrade Corvo acaba de mandar para a mesa.

Alem das rasões geraes que determinam o meu procedimento, ha, em relação ao projecto que se discute, uma circunstancia especialissima.

Não comprehendo que, emquanto nós estamos consentindo uns direitos extraordinarios nas pautas das nossas alfandegas, com o unico fundamento de proteger industriai que, sem essa protecção, não podem existir nem desenvolver nem, vamos, sem preceder uma base perfeita para uma distribuição justa e equitativa, tributar essas mesmas industrias que nos obrigam a uma protecção extraordinaria. Ha outra rasão ainda.

Emquanto tive a honra de tomar parte nas reuniões e trabalhos da commissão de fazenda, passava lá, como resolução immutavel, que projecto nenhum de imposto se discutiria emquanto não principiasse a discussão do orçamento.

O orçamento ainda não appareceu, e as propostas tributarias vão apparecendo. Já votei no outro dia contra o augmento da contribuição pessoal voto agora contra o augmento da industrial, e votarei contra todos os impostos, emquanto se não seguir outro caminho.

Tenho dito.

O sr. Ornellas (sobre a ordem): - Quando aqui pela primeira vez appareceu a serie de propostas tributarias apresentadas pelo sr. ministro da fazenda, nós, os deputados pelos districtos insulares, mandámos para a mesa uma proposta, na qual se pedia que o augmento de contribuições n'aquelles districtos, e as alterações propostas nas pautas que vigoram nas ilhas, fossem objecto um parecer separado da commissão de fazenda, que attendesse ás circumstancias especiaes em que se mesmos districtos se acham. Esta proposta, como não podia deixar de ser, foi admittida pela camara, foi tomada em consideração pelo sr. ministro da fazenda e pelo illustre relator do projecto que estava então a discutir-se, e foi mandada á commissão; mas ato agora não veiu parecer sobre ella. Nós não tomos motivo algum para duvidar de que a commissão toma em consideração as nossas circumstancias especiaes, e deseja elaborar os projectos que submette á camara com toda a madureza e toda reflexão que são necessarias em medidas legislativa; mas julgo que não posso deixar de mandar para a mesa esta proposta que vou ler, e quo se acha implicitamente contida na outra que apresentámos. Supponho que não encontrará impugnação alguma na camara, porque não é mais do que a consequencia de um principio que ella já admittiu. Se porém, o que não prevejo, esta proposta for impugnada, peço a v. exa. que me dê a palavra para a defender. A proposta é a seguinte (leu).

Proposta

Propomos que no artigo 1.° do projecto em díscussão sejam supprimidas depois da palavra = importancias = a palavra = tanto =, e depois da palavra = reino = as palavras = desde como = até adjacentes inclusive.

Os deputados pelos districtos das ilhas, Agostinho de Ornellas = Jacinto Fernandes Gil = José Pereira da Cunha Silveira e Sousa = Luiz Vicente d'Affonseca = José da Silva Mendes Leal.

Leu-se na mesa, e não foi admittida á discussão.

O sr. Presidente: - Vae votar-se o artigo 1.º

O sr. Luiz de Campos (sobre o modo de propor): - Tendo ouvido ha poucos dias dizer n'esta camara a alguns distinctos membros da opposição que em materia de tributos não ficariam nunca áquem da maioria, e vendo eu pela votação da generalidade que não aconteceu assim, para que o paiz saiba bem quem entende em sua consciencia que se devem lançar novos impostos e quem entende em sua consciencia que se não devem lançar, peço a v. exa. que proponha á camara se quer que esta votação seja nominal.

Approvou-se que se votasse nominalmente.

O Sr. Ornellas: - Desejava unicamente saber se a proposta que eu tive a honra de mandar para a mesa tem ou não de ser votada.

O Sr. Secretario (Holbeche): - Não foi admittida á discussão.

Feita a chamada

Disseram approvo - os srs.: Braamcamp, Pereira do Miranda, Sá Nogueira, Silva Cunha, Guerreiro Junior, A. J. de Seixas, Fontes, Sousa de Menezes, Magalhães Aguiar, Montenegro, Saraiva do Carvalho, Barão da Ribeira de Pena, Belchior Garcez, C. de Seixas, Carlos Bento, Ribeiro da Silva, C. J. Freire, Francisco Beirão, Francisco Costa. Pinto Bessa, Quintino de Macedo, H. de Macedo, Santos o Silva, Cortou, Aragão Mascarenhas, Alves Matheus, J, P. do Magalhães, J. T. Lobo d'Avila, Gusmão, Teixeira Cardoso, Correia de Barros, Bandeira de Mello, Sette, Mello e Faro, Firmo Monteiro, José Luciano, Latino Coelho, J. M. Lobo d'Avila, Rodrigues de Carvalho, Oliveira Baptista, Luiz de Campos, L. A. Pimentel, Daun o Lorena, M. A. de Seixas, Paes Villas Boas, Calheiros, Thomás Lobo, Visconde de Bruges, Visconde dos Olivaes, Palmeiro Pinto, H. de Barros Gomes, Holbeche.
Disseram rejeito - os srs.: Agostinho de Ornellas, Ferreira de Mello, F. F. de Mello, Coelho do Amaral, Diogo do Sá, Gil, Vidigal, Corvo, Vieira de sá Junior, Mendes Leal, Mathias de Carvalho, Visconde de Guedes.

Foi portanto approvado o artigo 1.° por o 51 votos contra 11.

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Entrou em discussão o

Artigo 2.°

O sr. Andrade Corvo: - Eu quero aproveitar a occasião de se discutir este artigo, para fazer uma simples declaração.

Eu votei contra a generalidade do projecto, votei contra o seu artigo 1.°, e tenho votado contra todos os projectos de impostos que aqui se discutiram. Antes do conhecimento d'estas operações, cujos documentos foram lidos na camara, eu tinha a intenção de votar contra todos elles; mas quero que fique bem consignado que o meu voto não é contra o principio dos novos impostos, é simplesmente um voto que eu entendo dever dar, porque a camara não tomou em consideração uma simples moção de ordem, que me parecia indispensavel para eu me julgar habilitado a votar os novos impostos, visto que não desejo de modo algum que elles sejam gastos em operações que não são uteis ao paiz, nem ao credito d'esta nação; mais nada.

O sr. Mathias de Carvalho: - Estimei muito que o nobre deputado, o sr. Luiz de Campos, me desse ensejo para que eu podesse claramente manifestar a minha opinião. Não gosto do equivocos, por isso agradeço ao meu antigo amigo o haver requerido votação nominal, requerimento que eu mesmo teria apresentado se s. exa. o não tivesse feito.

Desejo aproveitar esta occasião para explicar o meu voto. Não tornei parte alguma no debate que se aditou na sessão de hoje, antes da discussão do projecto que se está votando. Ouvi silencioso o que se passou; respeito e acato as deliberações da camara.

Entendeu a maioria d'esta assembleia que não devia mesmo deixar entrar em discussão uma proposta do meu illustre amigo e collega o sr. Andrade Corvo. Não partilhei esta opinião; e julgo até que essa proposta não só devia ser discutida, mas approvada. Não o foi; podo pois continuar a mesma gerencia financeira, a que essa proposta obviava, e n'este caso entendo que não posso nem devo lançar impostos ao meu paiz, para serem de tal fórma applicados: do que tomo inteira e completa responsabilidade.

O sr. Mendes Leal: - Peço apenas por alguns momentos, e muito breves, a attenção da camara.

Sou ordinariamente parco em usar da palavra, o tornei-me avaro d'ella depois das declarações do nobre ministro da fazenda.

O tempo da camara é precioso sempre, mas n'esta conjunctura por tal modo custoso, que receio até gastar alguns minutos. Receio com terror d'aquellas colmas e multas, que em resultado do systema de s. exa. podem vir a pesar nobre o paiz, alongando-se os debates.

Nem mesmo teria entrado n'este, contentando me com votar em silencio, conforme a minha consciencia, quer approvano, quer rejeitando, se não fôra o requerimento motivado apresentado pelo illusre deputado por Vizeu.

Em todas as epochas tenho desassombradamente manifestado o meu voto, sem recuar diante das responsabilidades d'elle. (O sr. Luiz de Campos: - Peço a palavra.)

Reconheço, e não de hoje, a necessidade do augmento das receitas. Em fevereiro de 1867, do alto d'aquella tribuna, formulai eu bem explicitamente esta idéa. A necessidade impreterivel de tal augmento existia já então, e bom fôra que todos a reconhecessem como eu, que não nos teriamos precipitado pela senda lastimavel em que nos achâmos.

A este o a outros analogos projectos, que, por um modo evidentemente injusto, como tive hontem a honra de indicar, comprehendam os districtos dos Açores, um dos quaes tenho a honra de representar n'esta casa, não me é possivel, acquiescer. Reconhecer necessario o augmento do imposto, não é reconhecer util o augmento da desigualdade. Esta a minha posição. Não é contradicção, é amor da justiça. Approvarei oa acrescentamentos da receita que se fundem n'um calculo rasoavel das forças collectaveis: outros.

Eis summariamente as rasões do meu voto. Sou forçado a expo-las assim, concisamente, visto a interpretação que lhe podia ser dada. E exponho-as, rejeitando toda e qualquer supposição de contradicção.

Entendo cumprir assim os meus deveres como representante de um dos districtos lesados com desigualdade incomparavel, e confio que todos os membros d'esta casa, tanto de um como de outro lado, farão plena justiça ás minhas intenções. (Vozes: - Muito bem.)

O sr. Pereira de Miranda: - A hora está muito adiantada, a camara está fatigada, e por isso não me proponho a fundamentar a moção que vou mandar para a mesa. Creio que deve ser considerada como substituição ao artigo 2.° que está em discussão. A moção é a seguinte (leu).

Creio que nem o nobre ministro nem a illustre commissão estão longe de aceitar esta proposta, que não é mais do que adoptar desde já um principio estabelecido na proposta definitiva do governo a respeito da contribuição industrial.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Art. 2.° A nenhum contribuinte, cuja taxa de contribuição industrial seja distribuida por gremio, poderá competir mais do que o decuplo da taxa respectiva, comprehendendo o augmento extraordinario, nem menos da decima parte. =: Antonio Augusto Pereira de Miranda.

Foi admittida.

O sr. Cortez: - O relator d'este projecto não está presente, mas não obstante isso, e com a annuencia dos meus collegas, não tenho duvida em declarar a v. exa. e á camara que me parece conveniente que a proposta do sr. deputado vá á commissão para a tomar na consideração que merecer, votando-se o artigo, salva a redacção.

É n'este sentido que mando uma proposta para a mesa.

Proposta

Requeiro que a proposta do sr. deputado Miranda seja remettido á commissão de fazenda para a tomar na consideração que ella merecer. = João José de Mendonça Cortez.

O sr. Pereira de Miranda: - Creio que a minha proposta vae alterar completamente, ou pelo menos parte do artigo, porque a legislação vigente, isto é, a de 1860, que de aos gremios de nunca poderem baixar o menos da quinta parte, nem elevar a mais do quintuplo. E eu proponho que a nenhum contribuinte, cuja taxa de contribuição industrial seja distribuiria por gremios, poderá competir mais do que o decuplo da respectiva taxa, nem menos da decima parte.

Portanto não sei como se ha de approvar o artigo, salva a reducção, se a proposta altera a materia do mesmo artigo. Esta disposição não fere em nada a legislação actual, e é exactamente a que se acha na proposta definitiva do sr. ministro da fazenda, relativamente á contribuição industrial.

O sr. Ministro da Fazenda: - A commissão de fazenda ainda não discutiu a reforma da contribuição industrial. É um assumpto que ainda não foi considerado por ella (apoiados).

Eu que tenho assistido a todas as sessões da commissão, tenho visto que ainda não se tratou d'esse assumpto. Tratou se unicamente d'esta proposta, por ser uma proposta transitoria (apoiados).

É certo porém, que as idéas que inseri na proposta definitiva são exactamente aquellas que o nobre deputado inseriu na sua moção.

A minha opinião é que para podermos distribuir convenientemente este imposto, devemos reformar os limites que estão estabelecidos na legislação existente, como muito bem disse o sr. deputado. A taxa é cinco vezes mais e cinco vezes menos. E na proposta que apresentei elevo a taxa ao decuplo e diminuo tambem a decima parte, que é o que o sr. deputado quer; mas quer que se adopte desde já para este anno e n'esta medida provisoria. Pela minha parte não

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tenho duvida; mas como este negocio ainda não foi estudado na commissão convenientemente, parece-me que haveria inconveniente em votar-se desde já.

É possivel que a commissão chegue a convencer-me de que a minha proposta não é boa; mas por ora estou plenamente convencido de que ella é util, e que é o unico modo de poder reformar a contribuição industrial.

Já se vê que não tenho duvida em aceitar a moção do illustre deputado, mas como não discuti ainda este assumpto com a commissão, parece-me que é um dever de delicadeza da minha parte, como ministro, para com a commissão de fazenda, não aceitar desde já uma proposta que é a base fundamental da reforma d'esta contribuição, sem primeiramente entender-me com ella.

Parece-me pois que a proposta devia ir á commissão. A commissão reune se esta noite e ella a tornará na consideração que merece.

O sr. Pereira de Miranda: - Respeito muitissimo as considerações de delicadeza que o sr. ministro tem para com a illustre commissão de fazenda; mas eu desde já declaro que não posso desistir da minha proposta! (Apoiados.)

Segundo a legislação actual nunca se poderá lançar a cada membro do gremio nem mais do que o quintuplo da respectiva taxa, nem menos do que a quinta parte d'ella; porém, eu segundo a minha substituição, proponho que a nenhum contribuinte, cuja taxa de contribuição industrial seja fixada pelos gremios, possa competir mais do que um decuplo da taxa respectiva, comprehendendo o augmento extraordinario, nem menos da decima parte (apoiados).

Sr. presidente, parece-me que sendo a minha proposta clara e evidente, não ha rasão alguma de conveniencia para que vá á commissão respectiva, a fim de ser examinada, porque da sua simples leitura se comprehendo perfeitamente qual é o sentido que tenho em vista (apoiados).

Tenho concluido.

O sr. Montenegro: - O sr. Costa e Almeida tinha-me incumbido de participar a v. exa. que hoje, por motivo justificado, não lhe era possivel vir á camara; porém, tendo-me esquecido de fazer a v. exa. esta participação, faço-a agora, porque sendo s. exa. relator do projecto de que se trata, poder-se-ía de certo reparar na sua ausencia. Fazendo esta declaração, tenho cumprido o meu dever.

O sr. Luiz de Campos: - Pedi a palavra a v. exa. unicamente porque o meu distincto amigo, o sr. Mendes Leal, invocou o meu nome para justificar a rasão do seu voto, e conseguintemente vejo-me collocado na necessidade de tambem submetter algumas palavras á consideração da camara. Sr. presidente, eu não posso pôr em duvida a dignidade e o patriotismo do illustre deputado; e fazendo justiça a s. exa., tenho a declarar que sei que o illustre deputado se apresenta sempre, e em toda a parte, perfeitamente mantenedor do seu voto e da sua opinião, assim como creio que os outros membros d'esta casa procuram igualmente satisfazer a esse preceito com igual honestidade e desassombro (apoiados).

Mas, sr. presidente, eu já sabia que o illustre deputado, como representante de um dos districtos insulares, e pelas palavras que s. exa. hontem submetteu á considerarão da camara, e que eu tive a satisfação de ouvir, estava constituido na obrigação de rejeitar esta proposta. Entretanto se eu pedi votação nominal, é porque entendi na minha consciencia que os direitos que assistem aos membros da opposição, permanecem igualmente para os deputados da maioria (muitos apoiados). A opposição, sr. presidente, quando lhe convem, propõe votação nominal, e eu entendo que a maioria tambem deve propo-las quando a opposição não quizer que ella se verifique (apoiados).

(Interrupção que se não percebeu.)

Em questões de tributos é indispensavelmente preciso que cada um tenha a coragem do seu voto, e eu tenho a certeza...

(Interrupção que não póde ser ouvida.)

Sr. presidente, poucas vezes tomo a palavra n'esta casa, sou mesmo muito economico na phrase, porque reconheço perfeitamente que não tenho os dotes nem a elevação indispensaveis para ser orador, muito menos para comparar-me com o illustre deputado (para o sr. Santos e Silva); mas mesmo por essa rasão entendo que me deve ser permittido fazer á camara estas ligeiras considerações.

Sr. presidente, em questão de tributos entendo eu na minha consciencia que é preciso que cada qual manifeste o seu voto perante o paiz (apoiados).

Quanto ao meu illustre amigo o sr. Corvo e a justificação do seu voto direi que, quando eu entender que o ministerio deve saír dos conselhos da corôa, que póde ser ámanhã, não terei duvida em o manifestar em questão politica, mas quero ficar com a consciencia tranquilla, porquanto eu não voto os tributos para os ministros, voto-os para o paiz, porque os ministros passam e os tributos ficam (apoiados.- Vozes: - Muito bem).

O sr. Presidente: - A proposta do sr. Miranda equivale a um adiamento; por isso, e porque a commissão requer que lhe seja remettida, volta o artigo 2.° á commissão para conjunctamcnte com elle se considerar a proposta.

A ordem do dia para ámanhã é em primeiro logar a continuação da discussão do parecer da commissão de obras publicas, ácerca do requerimento dos empregados dos pesos e medidas, e depois os projectos n.ºs 21 e 22.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e tres quartos da tarde.

Por terem apperecido alguns erros no discurso do sr. Cazimiro Ribeiro, publica-se novamente, e é o seguinte:

O sr. Cazimiro Ribeiro: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei, que tem por fim propor á camara a reducção dos dois districtos de Villa Real e Bragança a um só, que se denominará = districto de Traz os Montes = tendo por séde Mirmidella, como o ponto mais central da nossa provincia.

Esta idéa da reducção do numero dos districtos, amadurecida já no espirito de todos, e que eu hoje apresento, restringindo-a aos dois districtos de Villa Real e Bragança, por ser d'elles que tenho mais exacto conhecimento, ha de fazer com que em breve venha a esta cana uma proposta que se occupe em mais larga escala d'esta medida, que eu julgo tanto mais proveitosa para o paiz, quanto for melhor estudada e por ventura realisada.

Emquanto a mim resolvi fazer a apresentação d'esta proposta, porque entendo que cada um dos membros d'esta casa deve tomar sobre si parte da responsabilidade que importam medidas d'esta natureza, porque são aquellas, que vão, ferir mais ou menos directamente o melindre dos povos. É por isso que tomei a iniciativa d'esta medida, que desejo estudar de harmonia com a camara e governo, a fim de a podermos levar á pratica com aquella rasão de ser, que deve acompanhar sempre medidas d'esta natureza.

Creio que o governo não soffre desaire algum em aceitar qualquer medida, embora parta d'este ou d'aquelle lado da camara, quando ella tem por fim reduzir a despeza e melhorar o serviço com proveito do paiz.

O governo não póde fazer tudo, e a camara não é só chancella para discutir, approvar ou reprovar as medidas apresentadas por parte do mesmo governo. A sua missão vae mais alem; ella tem tanto direito a discutir, a approvar ou a rejeitar essas medidas, como direito tem a apresentar as que julgar convenientes para melhorar qualquer ramo de administração publica.

Pedir só economias ao governo sem lhe dizer onde ellas estão, e acompanha-lo até lá, não me parece o melhor caminho a seguir. É preciso pois que o governo e a camara, concordes no mesmo pensamento, o da boa administração,

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se auxiliem para chegarmos ao fim que o paiz deseja, que é este o unico para que aqui nos mandou.

De intelligencia com estas idéas, vou mandar para a mesa o meu projecto, que peço licença á camara para ler por ser muito resumido.

Como não vejo presente a s. exa. o sr. ministro das obras publicas, reservo-me para outra occasião fazer algumas considerações ácerca dos esclarecimentos que a pedido meu me foram enviados pelo ministerio a seu cargo.

Por isso em occasião mais opportuna farei as considerações que julgo convenientes para chamar a attenção de s. exa. para os melhoramentos de viação da provincia de Traz os Montes.

Por deliberação da camara publica-se o seguinte documento:

Srs. deputados da nação portugueza. - A camara municipal do concelho de Villa Franca do Campo, do districto de Ponta Delgada, sempre solicita pelo bem estar dos povos do seu concelho, e na actual conjunctura em que se dá a urgentissima necessidade de exigir, desde já, de todos os cidadãos contribuintes extraordinarios e penosos sacrificios para acudir ao deploravel estado da nossa situação financeira, convencida da justiça dos clamores dos habitantes d'este municipio, vem mui respeitosamente perante a camara dos srs. deputados da nação expor as circumstancias especiaes em que se acha o districto de Ponta Delgada, para não poder sobrecarregar um imposto extraordinario, constante da proposta n.° 1, apresentada pelo sr. ministro dos negocios dá fazenda em sessão de 18 do mez proximo passado.

Cumpre porém a esta camara fazer sentir previamente aos srs. deputados que os povos d'este distrieto por fórma alguma pretendem subtrahir-se a cooperar com o contingente que em devida proporção lhes tocar para os encargos do estado (de que já em differentes epochas tem dado exuberantes provas), mas o que não podem é ficar silenciosos, nem deixar de reclamar contra a frisante e injusta desigualdade que se dá entre o que d'elles se exige, confrontado com o que contribuem os seus irmãos do continente, e provém uma tal disparidade da differença de procedencias, que serviu de base ou ponto de partida para a fixação dos contingentes districtaes, quando se poz em vigor o decreto com força de lei de 31 de dezembro de 1852, que creou a chamada contribuição predial, tendo servido de base para o estabelecimento d'aquella contribuição no continente, os tributos que então existiam, e que d'elles faz expressa menção o artigo 1.° do citado decreto, que ao todo não excediam a 4 por cento do rendimento collectavel, emquanto n'este archipelago foi o ponto de partida a importancia do producto dos dizimos, que não se pagam no reino desde 1833, e que avultavam a 7.000:000$000 réis annuaes!! Já se vê pois, que se no territorio de Portugal se poderá lançar sem maior sacrificio sobre a propriedade o augmento do imposto a que allude a proposta n.° 1, não póde este districto supportar tal accumulação sobre o que se está já pagando, por ser altamente vexatorio, como se passa a demonstrar.

Para tornar palpavel a desigualdade que subsiste entre o que se paga de contribuição predial n'esses districto, em parallelo com o que se exige no continente, basta notar-se que a população dos deseseis districtos do reino (fóra o de Lisboa) monta a 3.319:000 habitantes, que pagam de contribuição predial 1.200:000$000 réis (numeros redondos), emquanto S. Miguel com 100:000 habitantes contribue com 92:000$000 réis, quer dizer, cada individuo do continente contribuo na proporção de 335 réis, e nós aqui com 920 réis fracos, equivalentes a 736 réis, moeda forte, tributo este resultante de uma rigorosa e exagerada avaliação da materia collectavel que consta das matrizes, contra a qual os habitantes deste districto deveriam ter reclamado pelo gravame que d'ahi lhes resulta, e não o têem feito por não serem dos ultimos povos da monarchia a fazer sacrificios em favor do estado, emquanto no continente se nota que a avaliação predial das matrizes é n'uma escala muito baixa, e até certo ponto abusiva, com grande desprezo da igualdade de direitos que assiste a todos os contribuintes.

Á vista d'estas considerações demonstradas á luz da justiça, e do rigor dos algarismos extrahidos dos dados estatisticos ministrados pelo proprio governo, haverá quem possa de boa fé sustentar que os habitantes d'esta ilha deverão, alem do que já pagam, sobrecarregar com mais o acrescimo de 46:188$025 réis, conforme a referida proposta de lei? E isto, afora os 40 por cento addicionaes de viação, accumulados a estas enormes sommas!!

Mas ainda ha a observar, que alem de todas as mais propostas apresentadas pelo sr. ministro da fazenda (em numero de vinte e sete), comquanto algumas sejam injustas, e sobremodo vexatorias, e contra as quaes, se esta camara não representa, é por se convencer da dura necessidade que ha de fazermos sacrificios para attenuar os apuros do thesouro; releva mais informar os srs. deputados, que pesa já sobre este districto um grande e mui desigual tributo, qual é o de 200 réis imposto em cada caixa de laranja que se exporta, quando é certo que tal ramo de commercio, sendo outr'ora o mais florescente, e que muito promoveu a nossa prosperidade, hoje pela concorrencia d'este artigo, levado tambem de outros paizes, principalmente da Hespanha, para os mercados de Inglaterra, em grande parte tem contribuido para a sua notavel e progressiva depreciação, e cujas funestas consequencias ainda se não podem bem calcular.

Á vista do expendido mui succintamente, é manifesto que o augmento do imposto de 50 por cento na contribuição predial, sem previa revisão e alteração nas matrizes reguladoras dos contingentes districtaes, irá aggravar consideravelmente os habitantes d'esta ilha. É contra o que esta camara mui respeitosamente reclama, por não estar tal acrescimo de imposto na justa proporção do que lhe deve caber, como se deixa comprovado.

Deus guarde a v. exa. Camara municipal de Villa Pouca do Campo, na ilha de S. Miguel, 22 de junho de 1869. = Exmos. srs. deputados da nação portugueza. = O presidente da camara, José Borges Baptista de Gusmão = Manuel Moniz Furtado = Vicente Julio da Mota José Jacinto Pacheco = José Bento de Oliveira.

46 * 1:205 - IMPRENSA NACIONAL -1869

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