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SESSÃO DE 6 DE JUNHO DE 1887
Presidencia do exmo. sr. Francisco de Barros Coelho de Campos (vice-presidente)
Secretarios os exmos. srs.
Francisco José de Medeiros
Francisco José Machado
Um officio do ministerio do reino, acompanhando um processo eleitoral; dois do ministerio da fazenda e um do ministerio da marinha, devolvendo, informados, tres projectos de lei. - Têem segunda leitura, e são admittidos, dois projectos de lei, um do sr. Matoso Santos e outro do sr. Pedro Monteiro.- Têem tambem segunda leitura, e são igualmente admittidas, uma renovação de iniciativa do sr. Pereira Borges, outra do sr. Scarnichia e quatro do sr. Ruivo Godinho. - Mandam para a mesa representações os srs. Alves Matheus, Manuel José Vieira, Oliveira Valle, José Guilherme e Francisco de Medeiros.- Apresentam requerimentos de interesse particular os srs. Francisco Machado, Antonio Sarmento e Barbosa Cohen. - Justificação de falta do sr. Alpoim. - O sr. Azevedo Castello Branco apresenta um protesto de alguns eleitores de Villa Chã contra diversos actos praticados na ultima eleição de um deputado. - O sr. Augusto Montenegro faz algumas considerações em favor de uma representação dos povos de Cabo Verde contra o aggravamento do imposto sobre o café. Responde o sr. ministro da fazenda. - Trocam-se explicações entre o sr. D. José de Saldanha e o sr. ministro da fazenda sobre a compra de cavallos e eguas para o estabelecimento de uma coudelaria nos campos de Coimbra. - E approvada a ultima redacção do projecto de lei n.º 101. - Os srs. Manuel José Vieira e José Guilherme fazem algumas considerações ácerca das representações que mandaram para a mesa, e o sr. Antonio Sarmento ácerca de um requerimento de interesse particular que apresentou á camara. - O sr. Arrojo manda para a mesa o diploma do deputado pelo circulo n.º 29.
Na ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n.º 107, orçamento rectificado, e usa da palavra, até ao fim da sessão, o sr. Franco Castello Branco, que sustenta, e manda para a mesa, uma moção de ordem.
Abertura da sessão - As duas horas e tres quartos da tarde.
Presentes á chamada 59 srs. deputados. São os seguintes:- Antonio Castello Branco, Oliveira Pacheco, Ribeiro Ferreira, Moraes Sarmento, Pereira Carrilho, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Bernardo Machado, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Feliciano Teixeira, Firmino Lopes, Francisco de Barros, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Gabriel Ramires, Sá Nogueira, Casal Ribeiro, João Pina, Franco de Castello Branco, Santiago Gouveia, João Arroyo, Menezes Parreira, Correia Leal, Alves Matheus, Joaquim da Veiga, Oliveira Valle, Oliveira Martins, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Alves de Moura, José Castello Branco, Pereira e Matos, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Pereira dos Santos, Guilherme Pacheco, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, José Maria de Andrade, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Santos Moreira, Santos Reis, Julio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Pedro Victor, Vicente Monteiro, Estrella Braga, Visconde de Monsaraz, Visconde de Silves e Consiglieri Pedroso.
Entraram durante a sessão os srs.: - Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Antonio Candido, Antonio Villaça, Antonio Ennes, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Fontes Ganhado, Jalles, Simões dos Reis, Victor dos Santos, Lobo d'Avila, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Matoso, Fernandes Vaz, Lucena e Faro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Candido da Silva; Scarnichia, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Vieira do Castro, Rodrigues dos Santos, Silva Cordeiro, Jorge O'Neill, Avellar Machado, Ferreira Galvão, Barbosa Collen, Dias Ferreira, Laranjo, Barbosa de Magalhães, Oliveira Maios, Abreu e Sousa, Luiz José Dias, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Miguel da Silveira, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Tito de Carvalho, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima.
Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Antonio Centeno, Antonio da Fonseca, Gomes Neto, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Urbano de Castro, Augusto Fuschini, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Matoso Santos, Francisco Ravasco, Frederico Arouca, Baima de Bastos, Pires Villar, Cardoso Valente, Dias Gallas, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Jorge de Mello (D.), Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Alpoim, Rodrigues de Carvalho, José Maria dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Vieira Lisboa, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Matheus de Azevedo, Pedro Diniz e Dantas Baracho.
Acta - Approvada.
EXPEDIENTE
Officios
1.° Do ministerio do reino, remettendo o processo relativo á eleição supplementar de um deputado que ultimamente se realisou no circulo 39 (Anadia).
Á commissão de verificação de poderes.
2.° Do ministerio da fazenda, devolvendo, informado, o projecto de lei n.º 101-II, que tem por fim conceder á santa casa da misericordia da cidade do Funchal o edificio do convento da Encarnação, para o estabelecimento de um hospital.
Á commissão de fazenda.
3.° Do mesmo ministerio, devolvendo, informado, o projecto de lei n.º 65-H, que tem por fim conceder á misericordia da freguezia do Carregal a igreja do extincto convento das freiras da ordem de S. Bernardo, na povoação de Taboso.
Á commissão de fazenda.
4.° Do ministerio da marinha, devolvendo, informado, o projecto de lei n.º 100 de 1880, que tem por fim conceder uma pensão á viuva e filhas do contra-almirante Francisco Antonio Gonçalves Cardoso.
Á commissão de fazenda.
Segundas leituras Projecto de lei
Senhores. - O concelho de Azambuja divide-se actualmente, para as eleições de deputados, era duas assembléas eleitoraes: uma, com a sede na villa da Azambuja, a que se juntou as freguezias de Aveiras de Baixo e Villa Nova,
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composta de 717 eleitores; a outra, com a sua séde em Alcoente, a que se juntou as freguezias de Manique e Aveiras de Cima, com perto de 1:416 eleitores.
Considerando que esta divisão não se harmonisa com o artigo 42.° da lei de 21 de maio de 1884, que manda constituir cada assembléa com eleitores no numero de 500 a 1:000 approximadamente, quando a de Alcoente tem 1:416;
Considerando que tal divisão se não harmonisa com a commodidade dos povos, por isso que a frcguezia de Aveiras de Cima, aliás a mais central do concelho, e que couta só por si 602 eleitores, é obrigada a ir votar a Alcoentre, que fica no extremo noroeste do mesmo concelho;
Considerando, finalmente, que é mais commoda e mais consentanea com os habitos dos povos a divisão em tres assembléas, sendo uma na villa da Azambuja, actual cabeça do concelho, e as outras duas nas antigas cabeças dos dois concelhos que lhe foram annexados, Alcoentre e Aveiras de Cima:
Tenho a honra de propor o seguinte projecto de lei: Artigo 1.° O concelho da Azambuja divide-se para as eleições de deputados em tres assembléas: a primeira, com a sede na villa de Azambuja, composta dos eleitores da respectiva freguezia e dos de Aveiras de Baixo e Villa Nova; a segunda, com a sede em Aveiras de Cima, composta dos eleitores dessa freguezia; a terceira, com a sede em Alcoentre, composta dos eleitores da respectiva freguezia e dos da de Manique.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Lisboa e sala das sessões da camara dos senhores deputados, em junho de 1887. = O deputado pelo circulo 71, Pedro Antonio Monteiro.
Lido na mesa, foi admittido, e enviado á commissão de administração publica, ouvida a de legislação civil.
Projecto de lei
Artigo 1.° O pessoal da secretaria da escola polyteclmica consta dos seguintes empregados: um secretario, dois officiaes de secretaria, um primeiro amanuense, um segundo amanuense, um porteiro, um guarda chefe, tres guardas, cinco serventes, um official lithographo, um guarda portão.
§ único. Os vencimentos de cada um d'estes empregados são os designados na tabella junta.
Art. 2.° Sempre que vague o logar de secretario será n'elle provido o official mais antigo da secretaria.
Art. 3.° Os officiaes e amanuenses serão nomeados pelo governo sob proposta do conselho da escola.
Art. 4.° A importancia de todos os emolumentos provenientes de matriculas e cartas e a de todas as certidões é arrecadada na escola e dividida em duas partes iguaes, uma para o secretario e outra para ser subdividida entre os dois officiaes da secretaria.
Art. 5.° É extensivo aos empregados da escola polytechnica o disposto no artigo 40.° do regulamento do ministerio do reino de 26 de junho de 1876.
Art. 6.° (transitorio) O official do exercito que actualmente exerce em commissão o logar de secretario da escola continuará, emquanto desempenhe esta commissão, a vencer o soldo e gratificação correspondente á sua patente, mantendo-se durante este tempo os uctuaes vencimentos e o actual quadro do pessoal da secretaria.
Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario.
[Ver tabela na imagem]
F. Matoso Santos.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de instrucção superior, ouvida a de fazenda.
Propostas para renovações de iniciativa
Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 60 de 1883.
Lisboa, 4 de junho do 1883.= J. E. Scarnichia.
Lida na mesa, foi admiti I da e enviada á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.
A proposta refere-se ao seguinte:
Projecto de lei
Senhores. - Á vossa commissão do ultramar foi presente o requerimento, em que João Antonio Xavier da Silva Telles, coronel reformado do estado da India, extincto exercito do estado da India, pede melhoria de reforma.
Allega o supplicante que existindo uma vaga de coronel desde 9 de outubro de 1872, em que falleceu o coronel José Maria Rodrigues, requereu ao governador da província em 13 de junho de 1874 a sua promoção áquelle posto, sendo por este funccionario mandado inspeccionar pela junta de saude, que o julgou incapaz, continuando apesar d'isto elle supplicante em serviço activo durante quasi cinco annos ainda, até que foi reformado por decreto de 8 de maio de 1879 no posto de coronel.
Junta um officio da secretaria do governo geral da India, datado de 15 de junho de 1874, no qual lhe foi ordenada a apresentação á junta de saude, e uma certidão passada pela repartição militar do mesmo estado, tendente a provar a sua antiguidade de tenente coronel, e a existencia da vaga de coronel anteriormente á data em que foi julgado incapaz.
A vossa commissão:
Considerando que o supplicante foi julgado incapaz do serviço activo pela junta de saúde da província, em 18 de junho de 1874;
Considerando que na escala de antiguidade para o posto de coronel era o primeiro desde 9 de outubro de 1872 até 18 de abril de 1876;
Considerando que neste periodo existiu uma vaga de coronel;
Considerando, portanto, que quando pela lei de 18 de abril de 1876 os officiaes de todas as armas do extincto exercito da Índia passaram a constituir um só quadro para o effeito da promoção, já o supplicante tinha direito a ser promovido áquelle posto;
Considerando que, embora prejudicado no seu accesso por effeito do disposto no artigo 3.° da lei citada, novamente passou a ser o tenente coronel mais antigo desde a morte do coronel José Pereira de Macedo, em 10 de maio de 1877, e portanto desde esta data a ter direito mais uma vez á promoção;
Considerando finalmente que só foi reformado em 8 de maio de 1879, isto é, passados dois annos depois da existencia da ultima vaga de coronel:
É de parecer que deve ser deferida a petição do supplicante nos termos do seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É auctorisado o governo a melhorar a reforma no posto de general de brigada ao coronel reformado do exercito da Índia, João António Xavier da Silva Telles.
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Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 25 de abril de 1883. = J. Sarnicgia = Santos Diniz = A. de Santos Diniz = A. de Sarrea Prado = Sousa Machado = Gomes Barbosa = D. Luiz da Camara = Luiz de Lencastre = Tito de Carvalho = Augusto de castilho = S. R. Barbosa Centeno, relator.
Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 109, apresentando na sessão de 27 de maio de 1885, que reorganisa o quadro dos facultativos do exercito.
Sala das sessões, em 4 de junho de 1887. = Antonio José Pereira borges.
Lida na mesa, foi admittida e enviada ás commissões de guerra e de fazenda.
A proposta refere-se ao seguinte:
Projecto de lei
Senhores. - A reorganisação do exercito decretada em 30 de outubro de 1884, não tendo alterado fundamentalmente a constituição da nossa força armada, foi comtudo elaborada por fórma a garantir com o augmento dos postos uperiores um accesso regular aos officiaes combatentes, excluindo d'este beneficio a classe medico-militar, como se esta corporação scientifica, que faz parte integrante do exercito, não tivesse, pela natureza especial da sua missão, incontestavel direito a igual beneficio e remuneração dos seus serviços.
A situação dos medicos militares com respeito á promoção é, como todos sabem, ainda mesmo os menos versados em assumptos militares, verdadeiramente lastimosa, e porventura deprimente para o brio e dignidade da medicina castrense.
Para demonstrar esta asserção basta simplesmente compulsar a relação de antiguidades dos officiaes do exercito que ahi se vêem alguns cirurgiões-móres em effectivo serviço sob o commando de coroneis, que eram apenas sargentos quando estes facultativos tinham já a patente de cirurgião ajudante, e alguns a de cirurgião mór!
Esta desigualdade notavel no accesso é evidentemente contraria aos principios mais elementares da disciplina militar, enfraquece o estimulo do estudo e do trabalho, e está afastando do exercito, o que é muito para ponderar, os filhos mais distinctos das escolas de medicina do continente.
Em todos os paizes civilizados têem os facultativos militares as honras e respectivas vantagens, que aos outros officiaes são concedidas por lei, tanto na effectividade do serviço como na reforma.
Pois entre nós é o posto de coronel o limite maximo, na escala hierarchica militar, aonde póde chegar o medico castrense, já carregado de annos e de serviços, com a consciencia tranquilla e plenamente satisfeita de ter bem cumprido os seus deveres profissionaes, mas desalentado e triste pela injusta desconsideração dos poderes publicos; que mal estimam os perigos da guerra, a que estão sujeitos estes funccionarios, como os arriscados labores de quem lucta com a morte no meio de mortiferas epidemias!
Senhores, o limite e morosidade extraordinarios de accesso no quadro dos facultativos do exercito reclamam, de ha muito, modificações profundas e racionaes n'este importante ramo de serviço publico, inspiradas nos dictames da justiça e da equidade, e harmonicas com as prescripções da moderna sciencia da guerra.
E é com este intuito, e confiando no vosso criterio e recto juizo, que submetto ao vosso esclarecido exame o seguinte projecto de lei.
Artigo 1.º Os treze postos superioes do quadro dos facultativos do exercito ficarão de ora em diante classificados da fórma seguinte: ao cirurgião em chefe corresponderá o posto de general de brigada; aos cirurgiões de divisão, o de coronel; aos cirurgiões de brigada, o de tenente coronel.
Art. 2 Os doze cirurgiões móres mais antigos terão o posto de major, e a designação de cirurgiões móres de 1.ª classe.
Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 27 de maio de 1885. = Antonio José Pereira Borges.
Renovo a iniciativa dos projectos de lei apresentados n'esta camara na sessão de 26 de janeiro de 1872 (Diario da camara, pag. 131) e de 30 e 31 de janeiro e 7 de março de 1883 (Diario da camara, pag. 191, 212 e 581), cuja iniciativa já foi tambem renovada na sessão de 23 e 24 de março de 1885.
Sala das sessões, em 4 de junho de 1887. = O deputado, Ruivo Godinho.
Lida na mesa foi admittida e enviada á commissão de legislação civil, ouvida á de fazenda.
A proposta refere-se aos seguintes:
Projectos de lei
Senhores. - Regular por um modo certo e definido as transferencias voluntarias e periodicas dos juizes de 1.ª e 2.ª instancias no continente do reino e ilhas adjacentes é uma medida salutar e reclamada em proveito do serviço publico.
Não desconhecemos que uma das attribuições do poder executivo é a de nomear magistrados judiciaes, e de tranferil-os de uns para outros logares, nos termos das leis em vigor; mas é certo que rasões de equidade umas vezes, outras o mero arbitrio, têem produzido favor para uns e rigor para outros, sem attenção aos principios de justiça relativa, e d'aqui tem nascido a natural e a fundada repugnancia de alguns magistrados em servirem e permanecerem nos logares das ilhas adjacentes.
As camaras dentro das respectivas classes, e as relações do continente e dos Açores, sendo todas de igual categoria, não deve por isso para o seu provimento por transferencia haver outra preferencia que não seja a da antiguidade e a do serviço effectivo nos respectivos empregos. A certeza d'esta regra, assegurando a independencia do poder judicial, que é essencialmente constitucional, e coarctando o arbitrio, fará desapparecer a repugnancia dos juizes para servirem nas ilhas adjacentes, tornando-os ao mesmo tempo em condições iguaes para as mais desejadas comarcas e relações, e trará a sua estabilidade nos logares com vantagem para a administração da justiça e para a disciplina.
A interpretação do § 5.º do artigo 4.º da lei de 21 de julho de 1855, com referencia á de 18 de agosto de 1848, sobre as transferencias periodicas dos juizes de direito de 1.ª instancia, merece tambem attenção.
O fim d'aquella lei, é que o juiz não possa servir mais que seis annos n'uma mesma comarca: é esta a sua letra e o seu espirito. Rasões de conveniencia para a boa administração da justiça exigiram e exigem as mencionadas transferencia e aquelle praso.
Mas este de mui differente maneira se tem contado, dando muitas vezes em resultado amiudados incommodos e avultadas despezas para aquelles magistrados, que não são por certo dos servidores do estado que, por sua remuneração, estão nas circunstancias de as supportarem sem grandes sacrificios. Convem, pois definir desde quando deve começar a contar se aquelle praso.
Algumas das considerações expostas, e das regras estabelecidas para os juizes, podem com utilidade applicar se até certo ponto aos delegados do procurador regio, melhorando o serviço e a situação d'estes magistrados.
Taes são, pois, as principaes rasões em que se funda a medida, que temos a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º Os logares de juizes de direito de 1.ª e 2.ª instancia, que vagarem no continente do reino e nas ilhas adjacentes, serão providos por transferencia, quando re-
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queridas, n'aquelle juiz que dentre os requerentes tiver mais antiguidade, segundo a sua classificação e nos termos da presente lei.
§ único. A transferencia nunca se verificará senão para logares da mesma instancia e classes.
Art. 2.° Logo que vagar algum logar no corpo de magistratura judicial de 1.ª ou de 2.ª instancia no continente e ilhas adjacentes, será anunciada designadamente na folha official do governo, e só será provido dez dias depois da data da publicação do annuncio.
Art. 3.° É permittida a troca dos logares entre si aos juizes de 2.ª instancia, e aos de 1.ª dentro das suas respectivas classes, não havendo inconveniente para a boa administração da justiça.
Art. 4.° Os juizes que forem nomeados para a relação dos Açores, ou para as comarcas das ilhas adjacentes, não serão transferidos para o continente sem que ali tenham tido serviço effectivo, salvo o caso do artigo antecedente.
Art. 5.° Nenhum juiz de direito de 1.ª ou 2.ª instancia das ilhas adjacentes poderá, quando transferido ou promovido, sair do seu logar sem que seja substituido pelo para ali despachado, excepto sendo entre comarcas das mesmas ilhas ou passado o praso de sessenta dias.
Art. 6.° Quando algum juiz da relação dos Açores, ou das comarcas das ilhas adjacentes, for, a requerimento seu, transferido para o continente antes de ali completar dois annos de serviço effectivo, não perceberá ajuda de custo para a viagem e substituirá metade da que tiver recebido para a ida.
Art. 7.° Todo áquelle que, ao tempo ou depois da publicado da presente lei, tiver servido por espaço de dois annos logar do magistratura judicial, ou do ministerio publico, nas ilhas adjacentes, não será obrigado a ir n'ellas servir novamente, salvo quando não houver vacatura no continente.
§ unico. Em identicas circurmstancias preferirá para o continente o que tiver tido mais tempo de serviço nas ilhas, e de entre estes o mais antigo.
Art. 8.° O praso para as transferencias periodicas dos juizes, estabelecido no § 5.° do artigo 4.° da lei de 21 de julho de 1855; será contado desde a data da posse da comarca em que o juiz se achar quando completar os seis annos.
Art. 9.° As primeiras nomeações de delegados do procurador regio serão sempre para comarcas de 3.ª classe, pastando elles depois para as de 2.ª e d'estas para as de 1.ª, secundo a sua antiguidade, merito e demerito.
Art. 10.° É applicavel aos magistrados do ministerio publico nas ilhas adjacentes o disposto nos artigos 4.°, 5.° e 6,° da presente lei.
Art. 11.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 24 de janeiro de 1872. = João Vasco Ferreira Leão, deputado por Guimarães = João Ribeiro dos Santos, deputado pela Certã = José de Menezes Toste = João Candido de Moraes.
Senhores. - Cessaram as rasões, que deram motivo á creação de um circulo judicial, ou districto de relação no archipelago dos Açores, com sede em Ponta Delgada na ilha de S. Miguel, quando se publicou o decreto de 16 de maio de 1832.
s nossas tardias e difficeis communicações das ilhas entre si e d'esta com o continente persuadiram a creação de um tribunal de segunda instancia para áquelle grupo de cidadãos, que se achavam então em condições diversas das de agora, para recorrerem á capital do reino.
Essas condições estão hoje mudadas pelas carreiras regulares de barcos movidos a vapor, que communicam quinzenalmente a capital com as ilhas d'aquelle archipelago, e estas entre si, alem de frequentes navios de vela; e assim cessou a necessidade da despeza que a nação faz com aquelle tribunal, e de obrigar magistrados encanecidos no serviço publico, bastantes com familia e todos de idade muito adiantada, a ir, sempre com repugnancia, atravessar o mar e installar-se temporariamente e sem animo de permanencia em uma ilha, sómente para não perderem o tempo de serviço, que por muitos annos prestaram na demorada, trabalhosa e mal remunerada carreira da magistratura judicial.
Se fosse reconhecida a necessidade da existencia d'esse tribunal, justificava-se a despeza feita pela nação e o sacrificio exigido aos magistrados que têem de a servir.
Mas a estatistica convence do limitado numero de processos que sobem em recurso áquelle tribunal, pois regula por cento e quarenta appellações e aggravos, civeis, crimes e commerciaes, annualmente; e basta attender-sé a que cada processo, que ali entra, custa á nação a quantia de 100$566 réis, e a que, emquanto áquelle districto judicial se compõe apenas de doze comarcas, o de Lisboa comprehende sessenta e oito e o do Porto noventa e quatro, incluindo as varas destas duas cidades.
Aquella reação com a respectiva procuradoria regia obriga, segundo o orçamento geral do estado, á despeza de 13:593$331 réis por anno, e mais 500$000 réis, termo medio, em que importam annualmente as ajudas de custo aos magistrados para ali nomeados, nos termos da lei de 19 de maio de 1864, perfazendo ao todo a despeza de réis 14:093$331.
Esta quantia poderia ser applicada a melhorar a precaria situação dos trinta e oito juizes, incluindo os presidentes das duas relações do continente, augmentando-se-lhes mais 200$000 réis alem do direito ao terço, aos seus ordenados que na verdade, mesmo juntos aos diminutos emolumentos que hoje percebem, não estão em proporção com os de outros funccionarios de categoria e responsabilidade inferior, e ainda resultará para o thesouro a economia de 3:959$998 réis.
Assim como a relação de Lisboa exerce jurisdicção nas ilhas da Madeira e Porto Santo e no archipelago de Cabo Verde, que fica a muito maior distancia do que o dos Açores, tambem a póde e deve exercer neste e com maior economia para os litigantes, porque têem na mesma cidade de Lisboa o supremo tribunal de justiça, e não necessitam, no caso de recurso a este tribunal, de constituir novos advogados e solicitadores, acrescendo que já actualmente muitas das causas em que não póde haver julgamento por falta de numero, suspensão ou impedimento de juizes, são, em virtude do § 1-.° do artigo 39.° do código do processo civil, remettidas á relação de Lisboa para as julgar.
E tão reconhecida foi esta vantagem por grande parte dos habitantes de algumas d'aquellas ilhas, que em tempo representaram do sentido da extincção da dita relação e da transferencia da jurisdição para a da capital, e ainda nessa epocha não existiam tantas communicações regulares como agora com áquelle archipelago. Para faltar ao tribunal da relação dos Açores a auctoridade que deve ter, basta attender á não permanência dos juizes de que se compõe; e às repetidas faltas de numero para funccionar, sendo sufficiente a vacatura ou impedimento de tres juizes para já não poder julgar appellação e aggravos crimes.
Para regularidade, pois, e promptidão na administração da justiça, economia para os litigantes e alivio no orçamento, tenho a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Fica extincto o tribunal da relação dos Açores.
Art. 2.° As comarcas pertencentes ao districto da relação dos Açores ficam annexadas ao districto da relação de Lisboa.
Art. 3.° Os actuaes juizes do dito tribunal extincto serão collocados como addidos nas relações de Lisboa e do
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Porto, sem prejuizo da sua antiguidade para entrarem nos respectivos quadros logo que haja vacatura.
§ único. A distribuição dos juizes pelas secções das relações, a que forem addidos, será feita pelos respectivos presidentes.
Art. 4.° O actual procurador regio junto do referido tribunal extincto ficará addido á procuradoria regia de Lisboa até ser collocado em uma das primeiras vacaturas do juiz de primeira instancia da classe que lhe pertencer, quando logo o não possa ser, e com preferencia para os logares de procurador regio ou de seus ajudantes de Lisboa ou Porto quando vagarem.
Art. 5.° O guarda mor, escrivães, officiaes de diligencias e mais empregados do mesmo tribunal extincto, serão addidos às relações de Lisboa e Porto para ahi serem collocados nas primeiras vacaturas de igual categoria e pela sua antiguidade, ou em idênticas de primeira instancia, quando assim o requeiram e com preferencia para quaesquer empregos públicos para que tenham habilitações, levando-se-lhes sempre em conta os direitos de mercê já pagos.
§ único. O serviço nas relações de Lisboa e Porto será distribuido pelos funccionarios effectivos e pelos addidos.
Art. 6.° Todas as causas, tanto findas como pendentes, do tribunal extincto serão remettidas officialmente para a relação de Lisboa e ahi distribuidas, as findas pelos cartorios dos escrivães effectivos d'essa relação e as pendentes por elles e pelos addidos.
Art. 7.° O archivo da relação extincta será remettido officialmente para o da relação de Lisboa.
Art. 8.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos deputados, em 29 de janeiro de 1883. = O deputado, Visconde do Rio Sado.
Senhores.- Na sessão d'esta camara, de 29 do corrente mez, foi apresentado pelo sr. deputado visconde do Rio Sado um projecto de lei para a extincção da relação dos Açores.
Não deixam de ser attendiveis as rasões que fundamentam aquelle projecto, mas a par d'ellas existem outras, que, se por um lado mostram a necessidade de adoptar medidas para que aquella relação funccione regularmente, e haja nos seus juizes animo de permanencia, tão indispensavel á boa administração da justiça, por outro aconselham a que, sem violencia para com os magistrados que tenham de ser para ella nomeados, se não extinga peremptoriamente um tribunal para cuja creação actuaram, alem da commodidade d'aquelles povos e da exigencia do serviço publico, altas conveniencias politicas, se os mesmos povos optarem pela sua conservação, sujeitando se a um pequeno augmento de despeza, na importancia de réis 5:333$328. Este augmento de despeza, que não onera o orçamento do estado e que dividido pelos vinte e dois concelhos dos tres districtos administrativos do archipelago dos Açores, que compõem a dita relação, importa a cada contribuinte em proporção dos seus rendimentos numa quantia insignificante, é destinado, não só a remunerar melhor os juizes daquelle tribunal, attendendo aos diminutissimos emolumentos que percebem em rasão do limitado movimento judicial e ao elevado preço dos generos e mais objectos necessarios á vida na cidade de Ponta Delgada, sua sede, mas ainda a servir de estimulo para a estabilidade dos juizes e para que não deixem de ir aquelles a quem pelo seu saber e mais longa pratica do serviço competir.
Como substituição, pois, ao referido projecto, tenho a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto:
Artigo 1.° São admittidas as renuncias aos juizes que tiverem de ser promovidos para a relação dos Açores.
§ único. Para o fim designado neste artigo farão antecipadamente os ditos juizes essa declaração em requerimentos dirigidos ao ministerio dos negócios ecclesiasticos e de justiça e ao supremo tribunal de justiça.
Art. 2.° Os juizes que não renunciarem á promoção nos queiram, pela ordem da sua antiguidade, para as primeiras vacaturas nas relações do Porto ou Lisboa.
Art. 3.° Os juizes que renunciarem á promoção, nos termos do § único do artigo 1.°, serão nomeados para as primeiras vacaturas das relações do continente, quando esses logares não tenham de ser providos na forma do artigo antecedente.
Art. 4.° Os actuaes juizes da relação dos Açores, ainda que ahi não tenham tres annos de serviço, serão transferidos, quando o requeiram, pela ordem da sua antiguidade, para as primeiras vacaturas das relações do continente, mas se requererem para ali servirem mais tres annos gosarão das vantagens d'esta lei.
Art. 5.° Os juizes da relação dos Açores que forem transferidos para as do continente não poderão deixar os seus logares sem que tomem posse os novos juizes que os forem substituir, excepto se estes a não tomarem pessoalmente no praso legal.
Art. 6.° É augmentado com mais 500$000 réis, alem do direito ao terço, o ordenado dos juizes, que em virtude desta lei forem nomeados para a relação dos Açores, e ser-lhes-ha contado pelo dobro para o effeito da aposentação o tempo de serviço que ali tiverem.
§ único. Não poderão porém estes juizes ser aposentados com maior ordenado do que os do continente.
Art. 7.° O augmento de despeza a que der logar esta lei, será distribuido em addicionaes nas contribuições do estado pelos concelhos dos districtos administrativos de que se compõe a relação dos Açores, cujas camaras municipaes requerem pelo ministerio da justiça, no praso de três mezes depois da publicação da mesma lei, a conservação da dita relação.
Art. 8.° Se a maioria das camaras municipaes não requererem nos termos do artigo antecedente, ou se as que requererem em minoria se não obrigarem a satisfazer por si aquelle augmento de despeza, fica extincta a relação aos Açores, cuja extincção o governo decretará dentro de trinta dias depois de findo o mencionado praso de tres mezes.
§ unico. O governo, dentro de quinze dias depois de findo o praso a que se refere o artigo antecedente, publicará na folha official quaes as camaras municipaes que requereram a conservação da relação dos Açores e que se obrigaram só per si a satisfazer o augmento de despeza.
Art. 9.° Extincta a relação dos Açores, os juizes e empregados d'este tribunal serão collocados como addidos nas relações do continente, para entrarem segundo suas antiguidades nos logares de igual categoria logo que haja vacatura e os empregados tambem em identicos logares de primeira instancia, quando o requeiram, e com preferencia para quaesquer empregos publicos para que tenham habilitações; e o procurador regio junto ao mesmo tribunal na classe de juiz que lhe pertencer, e com preferencia para os logares de procurador regio ou de seus ajudantes, de Lisboa ou Porto, quando vagarem.
Art. 10.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos deputados, em 30 de janeiro do l883.= Castro e Solla.
Senhores.- Têem sido apresentados, nesta e na outra casa do parlamento, alguns projectos de lei, já procurando alliviar a fazenda publica das despezas com a relação dos Açores, já pretendendo tornar mais convidativos os logares de primeira e segunda instancia das ilhas adjacentes; seja-me portanto licito tambem deixar consignadas num projecto de lei as minhas idéas, com respeito ao assumpto, o que reputo de rigoroso dever para mim, na qualidade de representante dos povos açorianos.
É justificavel a repugnancia que os magistrados judiciaes têem de seguir para as nossas ilhas adjacentes a tra-
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vessia do oceano, muitas vezes procelloso, as despezas consideráveis da viagem, principalmente quando elles possuem numerosa família, a falta, emfim, de commodidades e a de institutos de ensino para instruir e educar os filhos, nas localidades que não são capitães de districto, actuam no animo d'estes funccionarios para lhes fazer considerar as suas nomeações para ali mais castigo do que promoção.
Em taes casos é dever de todos procurar desfazer essa repugnancia, embora para isso seja preciso recorrer a um pequeno augmento de despeza, que por bem empregado se deve ter, quando com elle se facilite a boa administração de justiça aos povos.
N'este sentido proponho que aos juizes de primeira instancia e aos delegados de procurador regio, emquanto servirem nas comarcas das ilhas adjacentes, se abone uma gratificação de 200$000 réis para os que estiverem nas comarcas de 2.ª e 3.ª classe, e a de 100$000 réis para os restantes, sendo para estes a gratificação menor, por desempenharem as suas funcções em comarcas cujos emolumentos são mais remuneradores. Com esta medida apenas elevo a despeza em 5:600$000 réis. Igualmente proponho que a todos os juizes de primeira instancia e representantes do ministerio publico seja admittida a renuncia, no caso de promoção á, classe immediata para os Açores e Madeira.
Sendo a vida muito mais barata em Ponta Delgada do que em Lisboa e Porto, e tendo já adquirido direito ao terço todos os juizes, quando são despachados para a segunda instancia, auferindo, portanto, de vencimento annual 1:333$333 réis, quantia superior á que percebem os directores geraes dos ministerios, o que, se não e remuneração larga, é, comtudo, rasoavel num paiz pobre como o nosso, não proponho, por isso, gratificação alguma para os juizes da segunda instancia.
A contagem do tempo em dobro, como alguem propõe, só é admissivel para os funccionarios que vão servir o paiz em climas inhospitos do ultramar, não tem rasão alguma de ser nos climas temperados e salubres dos Açores e Madeira, alem de que, essa vantagem viria a traduzir-se num augmento de despeza, que poderia elevar-se ao máximo de 4:266$656 réis, sem attender ainda aos maiores vencimentos, a que ficariam com direito os juizes que se aposentassem; não me conformando, portanto, com esta concessão, deixo de a consignar no presente projecto de lei.
Sendo ainda grandissima, principalmente em quadros pequenos, a vantagem de preterir funccionarios mais antigos, torna-se necessario estabelecer limites certos, dentro dos quaes ella deva ser conferida; assim, não me parece exagerado que o funccionario judicial promovido para as ilhas adjacentes, ali seja obrigado a servir effectivamente dois annos; lucra com isso a administração da justiça e diminuo a despeza com transportes.
Equiparar os magistrados judiciaes aos outros funccionarios publicos para o abono das despezas do viagem, é acto de rigorosissima justiço, pois não sã comprehende que estes tenham passagens pagas em caminhos de ferro, vapores e estradas, ordinárias, ao passo que aquelles são obrigados a pagar à, sua custa o transporte seu e -da família, quando transferidos de uma para outra comarca, por acto independente da sua vontade. Também não se comprehende que ao magistrado judicial, mandado para as ilhas adjacentes, seja abonada uma quantia constante, quer elle vá só, quer acompanhado de numerosa família, pois dá-se então, como todos os dias vemos, a grande desigualdade de se fornecer a uns ajudas de custo exageradas, emquanto que outros têem de acudir, com dinheiro do seu bolso, á differença entre a importâacia que lhes é abonada e aquella que as emprezas de navegação lhes exigem.
Por estas e outras rasões, que por serem de primeira intuição só torna ocioso enumerar, tenho a honra do vos propor o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Os logares de juizes de primeira e segunda instancia das ilhas adjacentes serão providos nos magistrados da classe immediatamente inferior que não houverem renunciado á promoção para qualquer dos archipelagos.
§ unico. Para os effeitos deste artigo as renuncias serão antecipadamente dirigidas ao ministerio da justiça, em requerimento do interessado, com a assignatura devidamente reconhecida por tabellião.
Art. 2.° Excluidos os juizes e delegados do procurador regio que tiverem renunciado, serão as promoções para as ilhas adjacentes feitas do entre os restantes, segundo as leis em vigor.
Art. 3.° Sempre que na segunda instancia, ou nas mesmas classes da primeira, houver vacaturas no continente do reino e nas ilhas adjacentes, deverão ser providas por decretos da mesma data, ficando collocados no continente os funccionarios mais antigos.
Art. 4.° Os juizes e delegados do procurador regio que renunciarem a promoção nos termos do § único do artigo 1.°, serão nomeados para as primeiras vacaturas dos districtos e comarcas do continente, quando esses logares não hajam de ser providos na forma do artigo 10.° desta lei.
Art. 5.° Aos juizes de primeira instancia, e aos delegados do procurador regio, abonar-se-ha, a titulo de gratificação, emquanto servirem nas comarcas das ilhas adjacentes, uma quantia animal, que será de 100$000 réis, para os que estiverem collocados nas de 1.ª classe, e de 200$000 réis para os que estiverem nas outras.
Art. 6.° A gratificação de que trata o artigo antecedente só começará a ser abonada desde que os magistrados judiciaes e agentes do ministerio publico entrarem em exercício das suas funcções nos logares para que houverem sido nomeados, sendo interrompido o abono sempre que por qualquer motivo houverem de sair da comarca onde estiverem funccionando.
Art. 7.° O individuo que for despachado juiz de qualquer instancia, ou classe, em virtude desta lei, será obrigado a servir effectivamente o logar por espaço de dois annos completos, não podendo antes ser transferido, excepto no caso de lhe pertencer promoção á classe ou instancia immediata; ou ao supremo tribunal de justiça, na conformidade das leis em vigor, e n'aquelle de que trata o artigo immediato.
§ unico. Para a contagem dos dois annos de serviço marcados neste artigo não se levará em conta serviço algum de qualquer outra natureza, nem o tempo de licença, o de funcções legislativas, ou o de doença occorrida, ou tratada fora do districto ou comarca judicial em que o magistrado estiver provido.
Art. 8.° São permittidas as trocas entre os juizes de igual instancia e classe do continente e das ilhas nos seguintes casos:
1.° Para os juizes de segunda instancia, quando o que quizer ir para os Açores tiver, por antiguidade, um numero superior ao quarto na escala para o accesso;
2.° Para os juizes de primeira instancia, quando o que deseja ir para as ilhas adjacentes for numero superior ao decimo na escala de accesso, e lhe faltarem mais de dois annos para concluir o sexennio na comarca donde quizer sair.
Art. 9.° O individuo que for nomeado delegado de procurador regio para as ilhas adjacentes poderá ser transferido para o continente, a seu pedido, antes dos dois annos de serviço designados n'esta lei, mas sem direito a abono de transporte.
Art. 10.° Findos os dois annos de serviço, os juizes e delegados de procurador regio serão transferidos, por ordem de antiguidade, para as primeiras vacaturas que se derem no continente do reino, se assim o requererem.
Art. 11.° As vacaturas que se forem dando nos differentes cargos da magistratura judicial nos Açores e Madeira deverão ser preenchidas pelo governo dentro do
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praso de vinte dias depois d'aquelle em que no ministerio da justiça tiver chegado noticia official d'ellas.
Art. 12.° Os magistrados nomeados em virtude do artigo antecedente deverão tomar pessoalmente posse dos seus legares dentro do praso legal.
Art. 13.° Os juizes do segunda e primeira instancia, e os delegados do procurador régio das ilhas adjacentes, quando transferidos para o continente, ou de uma para outra ilha, não poderão deixar os seus logares sem que tomem posse os que os forem substituir.
Art. 14.° Aos magistrados judiciaes e do ministerio publico que tiverem de mudar de residência por motivo de promoção ou transferencia, que não seja a requerimento seu, será abonado para si e sua familia um subsidio de 35 réis por kilometro percorrido em estrada ordinária, ou bilhete de 1.ª classe em caminho de ferro ou vapor.
§ 1.º Exceptua-se o caso do artigo 10.°, em que deverá ser tambem concedido transporte aos magistrados e suas famílias.
§ 2.° Para os effeitos deste artigo é considerada família a mãe, mulher, filhos e netos, tendo a mãe viuva.
Art. 15.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 2 de março de 1883. = Antonio Augusto de Sousa e Silva = Barão do Ramalho = Visconde de Porto Formoso = Manuel José Vieira.
REPRESENTAÇÕES
Da direcção da associação commercial de Braga, pedindo que seja approvada nesta sessão a proposta n.° 5 apresentada pelo sr. ministro da fazenda em sessão de 13 de abril ultimo.
Apresentada pelo sr. deputado Alves Matheus, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.
Da associação commercial do Funchal, contra a proposta n.° 4, apresentada pelo sr. ministro da fazenda na parte que eleva o direito sobre o melaço e mel.
Apresentada pelo sr. deputado Manuel José Vieira} enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.
Dos primeiros distribuidores da administração do correio de Lisboa, pedindo augmento de vencimento.
Apresentada pelo sr. deputado Oliveira Valle e enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.
Dos professores das escolas annexas às normaes de Lisboa e Porto, pedindo melhoria de situação.
Apresentada pelo sr. deputado José Guilherme e enviada á commissão de instrucção primaria e secundaria, ouvida a de fazenda.
Dos ajudantes telegrapho postaes, de ambos sexos, pedindo augmento de vencimentos.
Apresentada pelo sr. deputado Francisco de Medeiros e enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.
REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR
De Antonio Manuel Antunes Baptista, capitão almoxarife de artilheria, para ser equiparado eni vencimento aos capitães de infanteria.
Apresentado pelo sr. deputado Francisco Machado e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.
De Manuel Ferreira Bretes, capitão ajudante da praça de Peniche, pedindo que lhe seja abonada a gratificação de 10.5000 réis mensaes.
Apresentado pelo sr. deputado Francisco Machado e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.
De Carlos Maria de Paula Neves, guarda de 1.ª clase, aposentado, da fiscalisação das alfandegas, pedindo melhoria de aposentação.
Apresentado pelo sr. deputado Francisco Machado e enviado á commissão de fazenda.
De Amandio Augusto de Gouveia Durão, primeiro sargento do regimento de infanteria n.° 7, pedindo a revogação do artigo 184.° da ultima reorganisação do exército, decretada em 30 de outubro de 1884, sendo substituído por outro com doutrina igual ao n.° 312.° e sons paragraphos do regulamento geral para os serviços dos corpos do exercito.
Apresentado pelo sr. deputado Antonio Sarmento e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.
De Henrique José de Mello, primeiro sargento da terceira companhia de reformados, pedindo que lhe seja extensiva a lei de 1880.
Apresentado pelo sr. deputada António de Sarmento e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.
Do chefe de conservação de obras publicas no districto de Villa Real, encarregado da segunda secção na estrada real n.° 5 de Villa Real á fronteira, pedindo uma ajuda de custo, para despezas de transporte.
Apresentado pelo sr. deputado Antonio Sarmento e enviado á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.
De Francisco de Albuquerque de Mello Pereira e Caceres, aspirante de 1.ª ciasse a engenheiro naval, com a graduação de guarda marinha, pedindo lhe seja concedido o soldo da patente, e lhe soja arbitrada uma gratificação.
Apresentado pelo sr. deputado Barbosa Collen e enviado á commissão de marinhe, ouvida a de fazenda.
JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS
Participo a v. exa. e á camara, que o sr. deputado José de Alpoim deixa de assistir á sessão de hoje por motivo justificado. = José de Napoles.
Para a secretaria.
O sr. Francisco de Medeiros: - Mando para a mesa uma representação dos ajudantes do serviço telegrapho-postal, na qual pedem melhoria dos seus vencimentos.
Parece-me justa esta pretensão, e todos se convencerão disto, se attenderem a que a maior parte dos indivíduos, que constituem esta classe do funccionalismo, vencem apenas 200 réis diários como retribuição dos serviços quê prestam ao paiz. É na verdade um serviço demasiadamente exiguo para cargos bastante laboriosos e de maior responsabilidade.
Na representação estão allegados os fundamentos, que ligitimam a procedencia do pedido que n'ella se contém.
Para elles chamo a attenção das illustres commissões que a respeito da alludida representação têem de dar parecer, rogando-lhes que a considerem o mais depressa possível, pois muito justo é que se pague bem a quem bem serve.
A representação teve o destino indicado a pag. 1041.
O sr. Oliveira Valle: - Mando para a mesa uma representação dos primeiros distribuidores da administração do correio de Lisboa, em que pedem melhoria dos seus vencimentos.
Os fundamentos do pedido parecem-me justos. Basta attender a que esta corporação não tem, como muitas outras, accesso, e com um vencimento exiguo é obrigada a desempenhar um serviço especial e penosissimo que, como todos sabem, principia desde madrugada até á noite.
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Confio, pois, que a illustre commissão attenderá os requerentes, como merecem, e como é de justiça.
Approveito a occasião de estar com a palavra para pedir a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se permitte que seja publicada no diario official o officio n.° 56 da procuradoria geral da corôa e fazenda, que, a requerimento meu, foi enviado a esta camara pelo ministerio competente.
Foi auctorisada a publicação do officio.
A representação teve o destino indicado a pag. 1041.
O sr. Francisco Machado: - Mando para a mesa um requerimento de Carlos Maria de Paula Neves, guarda aposentado da fiscalisação das alfândegas, em que pede melhoria na sua aposentação.
Mando igualmente para a mesa um requerimento de António Manuel Antunes Baptista, capitão almoxarife de artilheria, para que seja tambem contemplada a sua classe com a gratificação de 10.3000 réis, que por uma proposta de lei do sr. ministro da guerra e concedida a outras classes do exercito.
Mando ainda outro requerimento de Manuel Ferreira, capitão ajudante da praça de Peniche, em condições análogas, fazendo idêntico pedido.
Parecem-me de justiça estes requerimentos, attendendo a que outras classes militares, taes como capellães, officiaes da administração militar e secretariado militar, não têem mais justificadas rasões para serem contemplados com aquella gratificação.
Os requerimentos tiveram o destino indicado a pag. 666.
O sr. José Azevedo Castello Branco: - Mando para a mesa um protesto de alguns eleitores de Villa Chá sobre a maneira tumultuaria como correu a ultima eleição n'aquella assembléa. Peço a v. exa. que lhe dê o destino conveniente.
A commissão de verificação de poderes.
O sr. Alves Matheus: - Mando para a mesa uma representação da associação commercial de Braga, pedindo respeitosamente a esta camara que seja ainda approvada nesta sessão a proposta de lei n.° 5, apresentada pelo sr. ministro da fazenda na sessão do 13 de abril deste armo. Esta proposta é relativa ao imposto sobre o arroz.
Parecem-me muito bem fundamentadas as rasões expostas pelos signatários, e justo o pedido, por isso mesmo que da approvação dessa proposta resultará grande vantagem para o commercio e para o thesouro.
Para o commercio, porque ella facilita o transito de um producto de grande consumo, e dizima embaraços de uma fiscalisação que até aqui era demorada; e para o thesouro, porque, tornando a fiscalisação mais prompta, ha de concorrer para o augmento da receita.
Peço a v. exa. que dê prompto andamento a esta representação, e que se digne consultar a camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do governo.
Assim se resolveu.
Teve o destino indicado a pag. 1041.
O sr. Augusto Montenegro: - Pedi a palavra para me referir a uma representação feita pelos povos de Cabo Verde, por causa do imposto sobre o café, aggravado pela nova pauta da alfandega.
Parece-me que as allegações expostas na representação, a que me refiro, devem ser attendidas pelo governo.
Eu estive na província de Cabo Verde como director das obras publicas, e pude observar que ali não ha estradas; os transportes são, em geral, feitos às cosias dos indígenas, e muitas vezes por caminhos que são verdadeiros precipícios ; mas, ao grande despendio no transporte terrestre, acresce ainda o do transporte marítimo para conduzir os productos das ilhas productoras para os portos onde é feito o embarque para a Europa.
Pela antiga pauta as nossas colónias tinham a protecção de 00 por cento, e pela nova ficam unicamente com 00 por cento, e ainda assim parece-me que estes 30 por cento não constituem uma protecção real, por isso que, segundo me consta pela nova pauta é concedida uma protecção ao café do Brazil, único concorrente aos productos das nossas colónias, e a differenca do imposto que tem de pagar o café das colónias e o que tem de pagar o do Brazil é que con-stitue a protecção colonial por que a taxa principal raras vezes tem applicação, por isso que não ha outro ponto de onde venha café para Portugal.
Mas o Brazil está em circumstancias inteiramente superiores às nossas colónias, por isso que o Brazil tendo uma producção enorme com que póde abastecer todos os mercados da Europa, tem caminhos de ferro que conduzem os productos de todos os centros productores para os portos de embarque, por preços relativamente diminutos.
Ainda ha uma outra circumstancia e que é preciso attender; em Cabo Verde ha alguns annos em que não chove, d'ahi resulta inevitavelmente a fome, porque ali as industrias estão muito pouco desenvolvidas, e os productos são quasi todos agrícolas, não podendo fazer reservas dos annos abundantes para os annos falhos, ou em que não ha chuva.
Mas alem d'isto consta-me que o Brazil creou um imposto sobre o sal. Ora o sal é tambem uma producção importante da província de Cabo Verde, e o mercado d'elle é o Brazil. Este imposto vae recair sobre a província de Cabo Verde com risco de lhe fazer seccar esta fonte de receita, e se nesta mesma occasião nós concedermos ao Brazil uma protecção sobre o café, collocâmos a provincia em circumstancias difficilimas.
Termino aqui as minhas considerações, chamando a attenção da commissão respectiva e do governo, que de certo tomará era consideração as rasões adduzidas na representação.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho):- Ouvi com profunda attenção as considerações do illustre deputado, sobre a protecção que se deve dar às nossas colónias, e em parte estou de accordo com s. exa.
É justo, sem duvida, favorecer as colonias; mas essa protecção, que nos custa 1.200:000$000 réis, e que nos obriga á construcção de caminhos de ferro, telegraphos e outros valiosos melhoramentos é mais alguma cousa do que uma protecção.
Não deixo, porém, de tomar em consideração algumas das observações de s. exa., e neste caso está a que se refere á industria do café que se deve proteger por forma que este, como outros productos coloniaes, não seja aggravado nas suas condições económicas.
Repito, que, em todo o caso, é necessario fazer-se alguma cousa em favor das províncias ultramarinas, e parece-me que na pauta se podem realisar algumas modificações, que melhorem as suas condições sem prejuízo do thesouro.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Augusto Montenegro: - Agradeço ao sr. ministro da fazenda as explicações que se dignou dar-me, e confio plenamente em que o governo empregará todos OB esforços em bem das províncias ultramarinas.
O sr. D. José de Saldanha: - Sr. presidente, pedi a palavra, esperando que estivesse presente nesta sessão o sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, mas como s. exa. não se acha na sala e o governo está representado pelo sr. ministro da fazenda, tomo a liberdade de chamar a attenção do sr. conselheiro Marianno Cyrillo de Carvalho para um assumpto, que me parece grave, e que, embora não corra directamente pelo ministerio a seu cargo, tambem o deve interessar e muito.
O assumpto, a que me refiro, diz respeito ao ministerio das obras publicas, commercio e industria; é o da creação do gado cavallar no paiz.
Fui levado a pedir a palavra, pela rua impressão que tem causado no publico, que mais a peito tom o progresso e o desenvolvimento da raça equina em Portugal, a noticia de que o governo vae mandar comprar em Inglaterra
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uma porção de éguas e de cavallos, para uma caudelaria, que tenciona estabelecer nos campos de Coimbra, junto da escola central de agricultura.
Dizem os entendidos na matéria que os campos de Coimbra não são, em geral, proprios para a creação do gado cavallar, por isso que, pelas condições especiaes dos cascos (cascaria), os animaes desse districto estão muito sujeitos a abrirem quartos.
Dá-se ainda uma outra circumstancia, que preoccupa fortemente os entendidos, e essa circumstancia é a de que os últimos cavallos estrangeiros, vindos o anno passado para o instituto geral de agricultura, hoje instituto de agronomia e veterinária, e que foram comprados em Inglaterra para serviço dos postos hippicos e para serem emprestados aos creadores de gado cavallar, não têem agradado geralmente, não só pelo conjuncto das suas aptidões, mas também, e muito principalmente, porque quasi todos elles, se não todos, têem signaes, malhas ou marcas brancas, mais ou menos extensas, na testa, ou em outros pontos determinados da cabeça, ou nos pés, ou nas mãos, quando é sabido que, independentemente de quaesquer theorias ou factos, essas estrellas, signaes, marcas, malhas, são actualmente consideradas como signaes de tão má nota, nos paizes onde a industria da creação do gado está mais aperfeiçoada, que o preço dos cavallos, que as apresentam, ainda quando sejam cavallos de puro sangue, desce logo a ser igual ao preço dos cavallos ordinarios.
Eu não quero cansar a camara e por consequência deixarei de narrar um sem numero de factos, presenciados no estrangeiro por compatriotas nossos, e que justificam a minha proposição, independentemente d'ella estar apoiada nas cotações, ou preços, de que os jornaes especiaes sobre a matéria dão constantemente noticia.
O cavallo zaino, todo negro, ou todo castanho, sem mancha alguma branca, tem sempre melhor preço, melhor cotação.
Julgo-me, porém, incurso no dever de insistir era que os inglezes conseguiram o aperfeiçoamento da raça cavallar pela seguinte forma: primeiro, empregando para reproductores cavallos de boas aptidões e pertencentes às raças do sul, cavallos árabes, obtendo por esta forma o cruzamento da raça indígena com uma raça estrangeira e do sul j segundo, attendendo e muito á boa alimentação, pois que, sempre que a alimentação não seja, sufficiente (tanta quanta precisa) os productos de quaesquer cruzamentos, de quaesquer raças, hão de ser sempre enfezados e üão poderão satisfazer às condições exigidas.
Desde o momento em que temos no nosso paiz, e isto devido sem duvida aos cruzamentos árabes, algumas raças de cavallos de boa qualidade, é certo que havemos de obter muito bons productos quando tambem haja o cuidado e grande de attender á boa alimentação das mães e dos filhos, porque o clima e a má alimentação puxam o gado para pequeno.
Deverá tambem attender se ás qualidades das éguas, levadas aos postos hippicos.
Por outro lado, desde que ha tenção, por parte do governo, de fazer despezas avultadas com a compra de cavallos e éguas em Inglaterra, compra que, segundo os entendidos, poderá elevar se a muitas dezenas de contos de réis, 80:000$000 ou 90:000^000 réis, seria conveniente saber-se quaes os princípios a que vae ser subordinada essa compra.
Seria tambem conveniente que o publico fosse informado das outras condições, em que se tenciona estabelecer a coudelaria annexa á escola central de agricultura de Coimbra, não só em relação á questão dos cascos, mas tambem em relação á alimentação.
O que vale a boa alimentação prova-o a candelaria do sr. conde de Sobral, com a procura que os cavallos de corrida d'essa caudelaria têem para Hespanha.
Nós temos uma raça de gado cavallar, que tem uma grande fama no nosso paiz, que é conhecida nos paizes estrangeiros.
Refiro-me á raça de Alter (Alter real).
Não ha melhor em parte alguma, e essa. raça, segundo as melhores auctoridades, é devida ao cruzamento com a raça árabe.
A raça de Alter é muito boa em si, mas ha quem diga que tem estado abandonada, e que a inferioridade dos productos d'essa raça deve ser attribuida á falta de alimentação. Os que sustentam esta ultima opinião apontam para o que succedia com o gado da raça de Alter, quando a extincta casa do infantado dispunha de ubérrimas pastagens e de comida com abundância para o seu gado.
Ouvi dizer que ultimamente, com o fim de melhorar os productos dessa caudelaria, tinham sido compradas em Hespanha umas sessenta éguas, que vieram para Portugal, pelo preço médio de 60 libras cada uma, e, se me refiro a este facto, faço-o simplesmente para novamente insistir em que a compra de um avultado numero de éguas em Inglaterra ha do dar necessariamente logar a uma despeza importante para o estado.
Os indivíduos entendidos na matéria, dos quaes sustento as idéas, mas dos quaes não cito os nomes, por não ser isso conveniente, nem necessário, affirmam tambem que não é acertado querer implantar no paiz a creação de certas e determinadas espécies ou variedades de cavallos, como, por exemplo, o cavallo de caça (Hunter), porque é querer um impossível, pois essa e outras espécies ou variedades são o resultado de cruzamentos, que se fazem em Inglaterra, em França, na Russia, etc., com raças peculiares desses paizes.
Affirmam, n'esta ordem de idéas, que é impossível aclimar uma especie ou variedade dessas em Portugal, paiz no qual não existem as raças proprias para esses cruzamentos.
Ha um outro lado da questão, para o qual tambem tomo a liberdade de chamar a attenção do sr. ministro, e eme vem pôr mais em relevo a importância das considerações que acabo de fazer.
Na legislatura que findou em 18S4, lembrei eu aqui, nesta camara, a grande importância que tem para o paiz, para o exercito, o facto de se fazer, ou não, a remonta no paiz, não só do gado cavallar, mas tambem do gado muar.
Pelo menos, grande parte da totalidade da despeza, que se faz annualmente com a compra do gado muar para a artilheria e que sobe a uma quantia elevada, traduz-se em dinheiro, que todos os annos vae de Portugal para Hespanha, donde é originário esse gado.
De Hespanha vem tambem grande parte do gado cavallar, comprado para o exercito portuguez.
Entendo por isso tudo que seria para desejar que as tentativas, feitas por parte do governo, para apurar no paiz as raças de gado cavallar e de gado muar, tivessem principalmente por fim dar uma nova orientação, differente da que se lhe tem dado até hoje, aos serviços que, a cargo do ministerio da guerra, dizem respeito às remontas do gado cavallar e do gado muar para o exercito portuguez.
Dá-se uma circumstancia curiosa, para a qual chamo a attenção de todos.
É fora de duvida que temos hoje no paiz cavallos de primeira qualidade, mas esses cavallos têem pouca saída no paiz para uso das particulares, porque na maior parte são cavallos de sella.
Não é isto para admirar, porque a maior parte da população de Portugal, que antigamente se servia dos cavallos para meio de transporte, recorre hoje a outros meios, incluindo os caminhos de ferro, alem do que os nossos hábitos e costumes tambem contribuem para que os cavalos de sella tenham pouca saída para uso dos particulares.
Falta por outro lado o cavallo de tiro e a prova está em
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que ha muitas carruagens em Lisboa, que empregam para tiro cavallos com aptidões especiaes só para sella.
Os animaes, que sendo proprios para sella, são empregados para o tiro, são assim obrigados a empregar esforços e grandes para um trabalho, ou serviço, para o qual não têem as aptidões necessárias, o que enche de desgosto profundo os entendedores, que, n'essas tristes circumstancias, os encontram nas das de Lisboa!
Entendo por isto tudo que é de grande conveniência que ò governo empregue todos os seus esforços, para que qualquer tentativa de trabalhos, feita para melhorar o modo de ser das nossas raças de gado cavallar e de gado muar, tenda a que se apure gado para uso dos particulares e tambem para uso do exercito.
Sr. presidente, poderia eu, se quizesse, alongar estas minhas considerações sobre este ponto, mas não o faço, e limito-me a declarar que espero que o sr. ministro da fazenda se dignará do chamar a attençào do seu collega o sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, para um assumpto, que julgo importante.
Cumpre-me fazer outra declaração.
O que fiz hoje, estou disposto a fazel-o sempre.
Desde o momento em que eu saiba que está para se praticar um acto governativo, que dá logar a qualquer apreciação menos favorável, por se considerar que esse acto é baseado na applicação errónea de qualquer principio, ou dado scientifico, exporei aqui francamente ao governo o que se diz fora deste recinto sobre o assumpto.
Será para desejar que haja mais quem faça o mesmo, porque será o meio de muitas vezes o governo poder saber qual o modo por que a opinião publica acolheria alguns dos seus actos.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Ouvi com muita attenção o illustre deputado e hei de communicar ao meu collega das obras publicas as reflexões que s. exa. acaba de apresentar.
Concordo com o illustre deputado em que é necessario mudar a orientação do que até hoje se tem feito, com respeito ao assumpto, e disso se occupa o governo. O que a sciencia diz é que se torna necessario fixar ou estabelecer uma raça cavallar para cada região, e mantel a ahi. Por exemplo, dos campos húmidos do Vouga e do Mondego não se póde apropriar a raça cavallar que é natural dos campos em Castello Branco e do Alemtejo. Mas o que acontece? Nas candelárias pertencentes ao estado ha differentes cavallos, uns de melhores, outros de peiores estampas; vem um lavrador, pede um cavallo árabe e leva-o, por exemplo, para Aveiro; outro lavrador leva um cavallo normando para Castello Branco, e no anno seguinte trocam-se esses cavallos, mudam-se as raças, resultando que deste modo nunca se chega a apurar as raças.
Com estas mudanças e desde que se não applique sempre a mesma raça a uma certa região, o resultado é produzirem se maus cavallos.
Quanto á remonta, é isso sem duvida um negocio importante; e eu tenho ouvido a alguns lavradores uma cousa que me tem feito impressão; refiro me ao modo por que se faz a remonta para o exercito.
Até agora os cavallos para a guarda fiscal eram comprados pelos guardas que recebiam para isso 72$000 réis; mas os cavallos não prestavam Ultimamente resolveu-se que se devia fazer a remonta por conta do ministerio da fazenda e fez se effectivamente em Évora e na Gollega, onde se encontraram todos os cavallos necessarios para a guarda fiscal.
Mas, quanto ao modo por que se faz a remonta para o exercito direi que, quando se querem comprar cavallos para o ministero da guerra, é raro que appareçam! Não apparecem quando é a remonta official, mas não faltam quando a remonta é particular.
Mais ainda; os cavallos que são rejeitados na remonta official são depois dados por bons na remonta particular, e as mais das vezes procuram-se cavallos em Hespanha porque podem dar mais proveito do que comprados em Portugal.
E este um assumpto de grande importância, que eu não deixarei de recommendar, não só ao sr. ministro das obras publicas, más tambem ao sr. ministro da guerra.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
Deu-se conta da ultima redacção do projecto n.° 101, sobre a conversão.
Foi remettido á outra casa do parlamento.
O sr. Moraes Sarmento: - Mando para a mesa uma representação de Francisco Fernandes de Azevedo, chefe de conservação de obras publicas no districto de Villa Real, pedindo que lhe seja concedida uma ajuda de custo para despezas de transporte.
Mando tambem para a mesa um requerimento de Amandio Augusto de Grouveia Durão, primeiro sargento de infanteria n.º 7, pedindo que a promoção na sua classe seja feita por antiguidade e não por concurso.
Mando igualmente um requerimento de Henrique José de Mello, primeiro sargento da terceira companhia de reformados, pedindo melhoria de reforma.
Finalmente, mando um projecto de lei tendente a definir a graduação dos empregado da administração militar. (Leu.)
O projecto ficou para segunda leitura. Os requerimentos tiveram o destino indicado a pag. 1041.
O sr. Manuel José Vieira: - Mando para a mesa uma representação da associação commercial do Funchal de que tenho a honra de fazer parte, na qual se chama a attenção desta camara para o modo como relativamente devem ser tributados os dois géneros, melaço e álcool.
Effectivamente sendo o melaço um género similar da aguardente, porque é sua matéria prima, tudo quanto for desigualdade do imposto em favor do álcool, será o mesmo que tornar impossível a importação do melaço, e matará por consequência a industria nacional em prol da industria estrangeira.
Em occasião propria desenvolverei o pensamento da representação, se preciso for. Vae ella acompanhada de um pequeno mappa ou documento que a justifica.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que, tanto a representação como o mappa que a acompanha, sejam publicados no Diario do governo, a exemplo do que se tem praticado com identicas representações, mandando-a depois á respectiva commissão.
Foi auctorisada a publicação e a sua representação teve o destino indicado.
O sr. José Guilherme: - Mando para a mesa uma representação dos professores das escolas annexas às escolas normaes de Lisboa e Porto, pedindo augmento de vencimentos.
Comquanto eu esteja convencido de que não é este o meio mais seguro para que os signatarios possam alcançar o fim a que miram, todavia parecem-me tão dignas do attenção as rasões em que elles se fundam, que me atrevo a solicitar da camara uma resolução favoravel ao pedido. Os professores têem apenas 250$000 réis de vencimento, que certamente, nem lhes chega para as primeiras necessidades da vida, quanto mais para pagamento de renda de casas e vestuário, nas duas cidades de Lisboa e Porto.
Ora, eu sei que as representações desta natureza, trazidas á camara, sem virem acompanhadas de um projecto de lei, mormente quando cilas têem por fim alterar vencimentos, consignados por lei, ficam sem effeito algum, e por isso, para poder servir o professorado, que eu reconheço achar-se em péssimas circumstancias, desejaria ouvir a opinião do sr. ministro do reino sobre este assumpto, porque se s. exa. concordasse comigo em que a lei de 2 de maio de 1878 precisa de ser alterada, eu não teria duvida em apresentar, de accordo com s. exa., um projecto de lei que
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podesse remediar os males de que os professores se queixam.
Consta-me que um dos mais distinctos membros desta camara está encarregado de apresentar aqui uma representação dos professores das duas escolas normaes de Lisboa e Porto no mesmo sentido da que eu tenho a honra de mandar agora para a mesa. Pela minha parte, embora não conheça as bases d'essa representação, desde já me associo de todo o coração ao pedido que n'ella se póde fazer, e que sem duvida será dignamente sustentado pelo seu apresentante.
Mando para a mesa a representação, cumprindo assim a missão de que me incumbi, e peço a v. exa. que, quando estiver presente o sr. ministro do reino e não houver necessidade de se discutir qualquer assumpto importante da administração publica, me conceda a palavra para eu pedir a s. exa. que mo diga qual é a sua opinião a este respeito.
A representação teve o destino indicado a pag. 000.
O sr. Barbosa Gollen: - Mando para a mesa um requerimento de Francisco de Albuquerque de Mello Pereira e Caceres, aspirante de 1.ª classe a engenheiro naval, pedindo que se lhe conceda o soldo da patente e que se lhe arbitre a gratificação que se julgue conveniente.
Teve o destino indicado a pag. 1041.
O sr. Brito Fernandes: - Mando para a mesa um projecto de lei, determinando que os officiaes ajudantes de campo dos generaes commandantes das divisões militares tenham direito a cavallo praça.
As considerações que precedem este projecto de lei são de manifesta evidencia e sufficientes para o justificarem.
As circumstancias em que se encontram actualmente os officiaes a que se refere este projecto são extraordinarias, são mesmo anormaes.
Têem estes officiaes o dever, pelas exigências do seu cargo, de andar a cavallo; e tanto se lhes reconhece essa obrigação, que lhes é abonada uma forragem.
Acontece, porém, não obstante este facto, que o estado não manda dar cavallo praça a esses officiaes, o que é verdadeiramente extraordinario.
A consequencia disto é verem se os officiaes na imperiosa necessidade de comprar cavallo á sua custa, ficando sujeitos a todos os accidentes e prejuizos que podem sobrevir, quando, no cumprimento do seu dever, d'elle fazem uso a bem do serviço publico.
Este estado de cousas não me parece sensato e justificado.
E, tendo o decreto de 30 de outubro de 1884 determinado que seja dado cavallo praça aos ajudantes de campo dos generaes commandantes geraes das armas de engenheria, artilheria e estado maior, e dos generaes inspectores geraes das armas de cavallaria e infanteria, não vejo rasão alguma para que se não dê cavallo praça aos ajudantes de campo dos generaes commandantes das divisões militares.
O projecto ficou para segunda leitura.
O sr. Arroyo: - Mando para a mesa o diploma do sr. deputado eleito pelo circulo n.° 29, Alberto Antonio de Moraes Carvalho.
Á commissão de verificação de poderes.
ORDEM DO DIA
Discussão do projecto de lei n.° 107 (orçamento rectificado)
Leu-se o seguinte:
PROJECTO DE LEI N.° 107
Senhores. - Á vossa commissão do orçamento foi presente a proposta de lei e respectivos documentos, rectificando as receitas e despezas geraes, ordinarias e extraordinarias, do estado na metropole, no corrente exercicio de 1886-1887.
Segundo essa proposta e separando os dois orçamentos, ordinario e extraordinario, chegava-se ás seguintes conclusões:
[Ver tabela na imagem]
Estes numeros têem de softrer algumas ligeiras modificações, em resultado dos factos que a vossa commissão passa a expor.
Quanto ás despezas ordinarias:
Em virtude de resolução das camaras legislativas, e em obediencia á lei, é descripta n'este orçamento a importancia de 400 exemplares da interessante obra Estatisticas e biographias parlamentares portuguezas, pelo conselheiro Clemente José dos Santos, sendo o custo de 200 exemplares, ou 300$000 réis, encargo da camara dos dignos pares e igual quantia encargo da camara dos senhores deputados, sommas que serão mencionadas nas secções e artigos do respectivo capitulo da tabella.
A reorganisação do serviço aduaneiro tem reclamado n'este anno economico, como já acontecêra no anterior, despendios extraordinarios com o material do respectivo serviço, cujo melhoramento se prova, incontestavelmente, pelo excesso, sempre crescente, das receitas das casas fiscaes, excesso que, se por um lado provém do desafogo da situação economica, por outro não póde deixar de provir da reformação e aperfeiçoamento dos mesmos serviços.
O material, pois, d'esses serviços tem, por excepção, de ser mais avultado n'este orçamento. Assim, a vossa commissão, tendo ouvido o governo e as estacões competentes, julga necessario dotar o capitulo 6.° da tabella do ministerio da fazenda com as seguintes verbas, reforçando as que já n'elle se acham descriptas.
[Ver tabela na imagem]
Art. 29.º Despezas proprias do serviço interno das alfandegas ....
Art. 33.° Secção 2.ª Ajudas de custo por serviço de columnas volantes e outras na rasão de 35 réis por kilometro, que os officiaes percorrerem nas estradas ordinarias ....
Art. 36.° Secção 1.ª Rendas de casas, acquisição de mobilia e utensilios, reparações nos postos fiscaes e outras despezas da guarda fiscal, serviço terrestre ....
Art. 36.° Secção 2.ª Custeamento e outras despezas das embarcações empregadas no serviço da fiscalisação maritima ....
Art. 36.° Secção 4.ª Despezas geraes de fiscalisação ....
No serviço da caixa geral de depositos e economica portugueza, tambem a vossa commissão incluiu a verba de 3:500$000 réis, em consequencia de serem mais avultadas as despezas, realisadas n'este anno economico, com a installação da caixa de depositos nas ilhas adjacentes e por se terem feito obras de segurança na casa forte das caixas em Lisboa.
Quanto a despezas extraordinarias, as modificações feitas pela vossa commissão são as seguintes:
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[Ver tabela na imagem]
Nas receitas encontrou a vossa commissão meio de compensar a somma acima descripta a maior no computo dos encargos.
Segundo uma nota fornecida pelo governo, a cobrança dos direitos de mercê, em nove mezes dos tres annos económicos de 1884-1885 a 1886-1887 tem sido a seguinte:
[Ver tabela na imagem]
A vossa commissão augmenta essa differença no mappa das receitas.
Por decreto de 3 de maio de 1887 foi, em conformidade da lei, elevado de 0,66 a 2 por cento o imposto ad valorem sobre as mercadorias importadas, nos termos da lei de 26 de junho de 1883.
Este imposto estava calculado para um anno, na proposta do governo, em 192:400$000 réis, ou em dois mezes pela somma de 32:066$666 réis.
E se o tributo com a taxa de 0,66 produzia, em dois mezes, 32:066$666 réis, é provavel que, com a taxa de 2 por cento produza n'esse mesmo periodo 96:969$696 réis, isto é, dê um excesso de 64:903$030 réis. A vossa commissão incluiu no mappa o augmento de 64:000$000 réis d'esta proveniencia.
Na contribuição de registo e no continente tambem ha que fazer uma rectificação.
Os productos arrecadados nos dois ultimos annos economicos foram:
[Ver tabela na imagem]
É pois de 41:000$000 réis a somma que a vossa commissão addiciona á importancia provável da contribuição de registo n'este exercicio.
Nas compensações da despeza foi addicionada a quantia de 3:500$000 réis, nos termos das leis, tirada dos lucros da caixa geral de depositos e economica portugueza, para fazer face a igual somma que, a maior, é descripta na tabella da despeza.
Resulta pois que o calculo das receitas é elevado:
[Ver tabela na imagem]
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Em virtude pois das modificações, que acabam de ser expostas, a vossa commissão rectifica os mappas das receitas e das despezas geraes do estado do actual exercicio, nos termos seguintes, considerando tambem em separado os dois orçamentos, ordinario e extraordinario.
[Ver tabela na imagem]
Nos mappas, que compõem o volume do orçamento rectificado d'este exercicio, estão tão claramente desenvolvidas as alterações que existem na proposta do governo, relativamente ás tabellas vigentes, que a vossa commissão julga desnecessario mencional-as de novo aqui.
Quanto ás despezas extraordinarias, entre o mencionado nas tabellas decretadas em 15 de abril de 1886 e o que ora se propõe, encontra-se uma differença para mais de réis 4.198:145$763, que se desenvolve d'esta fórma:
[Ver tabela na imagem]
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N'este augmento não se inclue a nova despeza que tem receita especial; e como se vê, esse excesso provém principalmente das despezas coloniaes, do pagamento do resto dos armamentos encommendados e da inclusão no mappa dos encargos das sommas necessarias para despezas com caminhos de ferro, a ponto de ultimação.
É avultada esta despeza, mas sirva ella de lição, como muito bem diz o governo, para bem ordenada e cautelosa gerencia da fazenda publica.
Termina a vossa commissão estas breves considerações sobre o orçamento rectificado do actual exercicio, submettendo á vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A avaliação das receitas totaes do estado no exercicio de 1886-1887 é rectificada, em conformidade com o mappa junto n.° 1, e que d'esta lei faz parte, na somma de 44.055:127$655 réis, sendo próprias do thesouro: ordinarias 34.369:782$000 róis e extraordinarias réis 119:500$000.
Art. 2.° As despezas totaes do estado, ordinarias e extraordinarias, são fixadas no mesmo exercicio: as ordinarias em 35.857:276$142 réis e as extraordinarias em réis 8.197:851$213, perfazendo aquellas e estas a somma de 44.055:127$655 réis, tudo de accordo com os mappas juntos n.ºs 2 e 3, que fazem parte d'esta lei.
§ 1.° O governo decretará nas tabeliãs de distribuição de despeza d'este exercicio as rectificações conformes com a presente lei.
§ 2.° Fica o governo auctorisado a continuar a applicar ás despezas legaes do ministerio das obras publicas do actual exercicio as sobras das diversas verbas das tabellas de despeza, não só do exercicio de 1885-1886, como do actual, não sendo esta disposição porém applicavel ás verbas destinadas para caminhos de ferro, n'esta lei, que não poderão ter outro destino.
§ 3.° É tambem applicavel ás despezas ordinarias e extraordinarias do ministerio da fazenda d'este exercicio a disposição do § 3.° do artigo 1.° da lei de 22 de março de 1886.
Art. 3.° Fica revogada a legislação contraria a esta.
Sala da commissão do orçamento, 1 de junho de 1887. = Manuel Affonso Espregueira = Ernesto Madeira Pinto = A. J. Gomes Netto = J. Simões Ferreira = Joaquim Antonio da Silva Cordeiro = Antonio Lopes Guimarães Pedrosa = João Joaquim Izidro dos Reis = Alfredo Pereira = Eliseu Xavier de Sousa e Serpa = Antonio M. Pereira Carrilho, relator.
N.° 1
Mappa rectificado das receitas do estado do exercicio de 1886-1887, a que se refere a lei d'esta data e que d'ella faz parte
RECEITA ORDINARIA
Artigo 1.°
Impostos directos
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Artigo 2.°
Sêllo e registo
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Artigo 3.º
Impostos indirectos
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Artigo 4.
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Artigo 5.°
Bens proprios nacionaes e rendimentos diversos
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Artigo 6.°
Compensações de despeza
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RECEITAS EXTRAORDINARIAS
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Sala da commissão do orçamento, em 1 de junho de 1887. = Manuel Affonso Espregueira = Ernesto Madeira Pinto = A. J. Gomes Netto = J. Simões Ferreira = Joaquim Antonio da Silva Cordeiro = Antonio Lopes Guimarães Pedrosa = João Joaquim Isidro dos Reis = Alfredo Pereira = Eliseu Xavier de Sousa e Serpa = Antonio M. Pereira Carrilho, relator.
N.° 2
Mappa rectificado das despezas ordinarias do estado, do exercicio de 1886-1887, a que se refere a lei d'esta data, e que d'ella faz parte
JUNTA DO CREDITO PUBLICO
Administração da divida consolidada
Encargos da divida interna
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Encargos da divida externa
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Administração das caixas geral de depositos e economica
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MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA FAZENDA
Encargos geraes
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Serviço proprio do ministerio
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MINISTERIO DOS NEGOCIOS DO REINO
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MINISTERIO DOS NEGOCIOS ECCLESIASTICOS E DE JUSTIÇA
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MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA GUERRA
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MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA MARINHA E DO ULTRAMAR
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MINISTERIO DOS NEGOCIOS ESTRANGEIROS
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MINISTERIO DAS OBRAS PUBLICAS, COMMERCIO E INDUSTRIA
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Sala da commissão do orçamento, em 1 de junho de 1887. = Manuel Affonso Espregueira = Ernesto Madeira Pinto = A. J. Gomes Netto =± J. Simões Ferreira = Joaquim Antonio da Silva Cordeiro = Antonio Lopes Guimarães Pedroso = João Joaquim Izidro dos Reis = Alfredo Pereira = Eliseu Xavier de Sousa e Serpa = Antonio M. Pereira Carrilho, relator.
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N.° 3
Mappa rectificado das despezas extraordinarias do estado do exercicio de 1886-1887, a que se refere a lei d'esta data e que d'ella faz parte
MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA FAZENDA
Capitulo 1.º
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Capitulo 2.º
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Capitulo 3.°
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MINISTERIO DOS NEGOCIOS DO REINO
Capitulo 1.°
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Capitulo 2.°
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MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA GUERRA
Capitulo 1.°
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Capitulo 2.°
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Capitulo 3.°
Mobilia e utensilios
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Capitulo 4.º
Fortificações de Lisboa e seu porto
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Capitulo 5.°
Armamento e material de guerra
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Capitulo 6.º
Obras em quarteis e edificios militares
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MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA MARINHA E ULTRAMAR
Direcção da marinha
Capitulo 1.°
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Capitulo 2.°
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Capitulo 3.°
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Capitulo 4.°
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Direcção do ultramar
Capitulo 1.°
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Capitulo 2.°
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Capitulo 3.°
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Capitulo 4.°
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MINISTERIO DOS NEGOCIOS ESTRANGEIROS
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MINISTERIO DOS NEGOCIOS DAS OBRAS PUBLICAS, COMMERCIO E INDUSTRIA
Capitulo 1.°
Estradas
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Capitulo 2.°
Caminhos de ferro
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Capitulo 3.º
Obras hydraulicas
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Capitulo 4.°
Correios, telegraphos e pharoes
Artigo 1.°
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Artigo 2.º
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Artigo 3.°
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Capitulo 5.°
Arborisação de dunas
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Capitulo 6.º
Inquerito geral á agricultura do paiz
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JUNTA no CREDITO PUBLICO
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Sala da commissão do orçamento, em 1 de junho de 1887. = Manuel Affonso Espregueira = Ernesto Madeira Pinto = A. J. Gomes Netto = J. Simões Ferreira = Joaquim Antonio da Silva Cordeiro = Antonio Lopes Guimarães Pedrosa = João Joaquim Izidro dos Reis = Alfredo Pereira = Eliseu Xavier de Sousa e Serpa = António M. Pereira Carrilho, relator.
O sr. Franco Castello Branco (sobre a ordem): - Começo por ler a minha moção de ordem, que, espero, será votada por ambos os lados da camara.
A doutrina que ella encerra, reflecte por certo a aspiração de todos os representantes do paiz, e principalmente e acima de todos, a do sr. ministro da fazenda.
Diz assim:
«A camara fazendo votos para que o credito do paiz se robusteça e affirme nas solidas bases de uma severa administração dos rendimentos e serviços publicos, unicamente inspirada na pratica dos bons principios economicos e financeiros, passa á ordem do dia.»
Como a minha moção indica, não vou simples e restrictamente apreciar o projecto que está em discussão, o orçamento rectificado para o corrente exercicio de 1886-1887.
Quero, alem d'isso, aproveitar o ensejo, aproveitar a occasião para discutir a questão de fazenda, comprehendendo-se n'esta phrase, não só a critica de todos os actos de administração, praticados pelo governo, encarados sob o ponto de vista economico e financeiro, mas tambem a apreciação dos progressos que a economia geral do estado porventura experimentou, sob o influxo da gerencia do actual ministerio progressista, hoje que, pela primeira vez elle se apresenta a esta camara, para dar conta dos actos praticados no mais longo interregno parlamentar, que tem havido n'este paiz durante os ultimos annos. (Apoiados.)
Não vale a pena profundar, sr. presidente, se a questão de fazenda deve ou não ser uma questão politica. É essa uma velha polemica, tão velha pelo menos, com o sabido e estafado conceito do celebre financeiro do primeiro imperio, o barão Louis: «Dae-me boa política, dar-vos-hei boas finanças».
Sr. presidente, em um paiz como o nosso, onde a alma popular, não póde ser vivamente dispertada pelas grandes questões internacionaes, limitados, como estamos, ao nosso viver economico, em parte pela pequenez do nosso territorio, pela exiguidade das nossas forças, e era parte e principalmente pela situação geographica, que, felizmente, nos põe a salvo dos perigos, que constantemente ameaçam as pequenas nações do centro da Europa; em um paiz onde a liberdade é querida e amada, como a primeira e a mais nobre de todas as aspirações, que a alma do homem póde sentir, mas onde tambem o romance liberal, apaixonado, ardente e sentimental, viu de ha muito o seu termo; em um paiz finalmente, onde a monarchia liberal e representativa está profundamente arreigada, e francamente acceita como a fórma de governo mais adequada á nossa civilisação; no actual momento historico, pergunto eu, sr. presidente, que outra questão póde delimitar os partidos, interessar os parlamentos, commover a opinião publica, senão a questão de fazenda, que resume em si todo o viver, todas as aspirações, e tambem todos os receios do Portugal contemporaneo? (Apoiados.)
Que a França e a Allemanha se preoccupem acima de tudo, com o predominio a que aspiram na hegemonia europea; que na Russia os mais generosos espiritos esqueçam por um momento a questão economica, para combaterem e se sacrificarem acima de tudo pela conquista da liberdade,
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sem a qual os estados como os individuos não podem ter socego nem prosperidade duradoura; que ainda na Hespanha, onde o principio dymnastico, e talvez mesmo a fórma monarchica, não parecem solidamente estabelecidos, a questão economica não seja o unico problema do qual dependam a autonomia, a inpendencia e a fortuna da nação, comprehende se facilmente.
Mas, seguramente, não é este o nosso caso; e em Portugal mais do que em nenhuma outra nação da Europa, a questão do bem estar economico de todos, na relatividade possivel, é certamente a preoccupação dos governos, tem por força de ser a preoccupação dos representantes do paiz. (Apoiados.)
E debaixo d'este ponto de vista, v. exa., sr. presidente, comprehende por certo que a questão de fazenda não póde deixar de ser uma questão politica.
Mas de boa e sã politica, inspirada menos pelos interesses partidarios, por vezes legitimos, mas não raro egoistas e mesquinhos, do que pelos interesses geraes da nação, concretisados no fomento da sua riqueza, na boa organisação dos serviços publicos, e na honrada e severa gerencia das finanças do estado. (Apoiados.)
E que este meu criterio é filho da observação desapaixonada dos factos, demonstra-o a cada momento o proceder do paiz, que tantos accusam de incapaz ou de indifferente. A politica partidaria interessa-o tão pouco, quão vivamente o sobresaltam quaesquer phenomenos de ordem economica.
Os ultimos acontecimentos são a prova mais cabal das minhas affirmações.
O governo fez a dictadura mais larga, mais injustificavel, e acrescentarei mais inutil e ruinosa, (Apoiados.) de que resam os annaes da historia constitucional portugueza: e o paiz, se não ficou absolutamente indifferente, é certo comtudo que não teve a mais pequena manifestação, de força e de vontade, contra esse acto, que não só era de todo o ponto illegal, mas que, repito, e hei de demonstral-o no decorrer da minha exposição, foi o mais inutil e o mais ruinoso possivel sob o ponto de vista economico e financeiro. (Apoiados.)
Depois d'isso, ha poucos dias ainda, commetteu-se o maior attentado, a mais injustificavel prepotencia que se tem praticado desde 1851, desde que acabaram as nossas contendas e guerras civis, e que o espirito de tolerancia dos partidos uns para com os outros, e dos homens politicos reciprocamente entre si, se arvorou em norma de governo, (Apoiados.)
É que d'esta vez não se attentou unica e simplesmente contra a constituição do estado, contra a letra expressa do nosso codigo fundamental, e contra o seu espirito, claramente manifestado em todos os publicistas. Fez-se mais do que isto. Offenderam-se ao mesmo tempo os direitos individuaes de um cidadão, direitos que para todos devem ser respeitaveis e sagrados, e ainda com a aggravante d'esse cidadão ser um representante do paiz, a quem similhante qualidade está sendo mais um motivo de perseguição e castigo. (Apoiados.)
Um tal facto, que foi uma vingança, e é tambem um crime, commoveu a opinião publica. Não se póde deixar de o confessar, mas essa commoção não se traduziu em factos positivos e energicos, que pela sua propria força se imporiam ao governo, obrigando-o a reparar a violencia commettida, ou a abandonar aquellas cadeiras. No fundo de todas as consciencias o acto do governo foi condemnado. Mas, nem os culpados se commoveram por tão pouco, nem o sr. Ferreira de Almeida foi restituido á sua liberdade. (Apoiados.)
Annuncia-se, porém, a reforma da pauta geral das alfandegas, e eis que saem da habitual apathia, para se agitarem activa e proficuamente todas as classes, todos os individuos, todos os interesses que a projectada reforma póde favorecer ou prejudicar. Chovem as representações ao parlamento, e não ha classe ou gremio trabalhadar que se não reuna para discutir a questão sob o ponto de vista mais ou menos restricto dos seus interesses individuaes, e preparar os meios de os fazer vingar tão completamente quanto possivel.
Mas nada prova tanto em favor do meu criterio como os factos ultimamente succedidos em Lisboa, e especialmente no Porto, sob o influxo do decreto de 27 de janeiro.
O que a dictadura não foi capaz de provocar o que a prisão arbitraria e illegal do sr. Ferreira de Almeida não foi capaz de produzir, provocou-o e produziu-o o monopolio do tabaco, o odioso decreto de 27 de janeiro d'este anno. (Apoiados.) E o governo viu-se obrigado a calcar aos pés as leis, a offender escandalosamente os direitos individuaes dos cidadãos, para dominar as energicas e persistentes manifestações populares, que o revoltante decreto havia provocado, manifestações tão imponentes pela sua força, como pela absoluta legalidade e cordura dos manifestantes. (Apoiados.)
O governo tem fugido á discussão d'esses acontecimentos, tão grande é o receio da sua consciencia. Aproveito pois o ensejo para verberar energicamente as prisões illegaes e arbitrarias realisadas pelos delegados de confiança do governo no Porto, e a intenção que as dictou, tão revoltante, tão falta de coragem e dignidade.
O governo não podendo contrariar as manifestações dos operarios no Porto contra o decreto de 27 de janeiro, por outras manifestações de igual ordem, mas em sentido opposto, emprehendeu a dissolução dos meetings, a extincção do incendio que começava a lavrar entre todas as classes trabalhoras do Porto, pela fórma mais odienta e repugnante, prendendo a torto e a direito os operarios, enchendo as prisões e até um navio de guerra, saído de Lisboa para similhante fim, de tal maneira que as manifestações vieram a cessar ao fim de alguns dias, quando todos ou quasi todos os operarios jaziam não cadeias sem culpa formada, e sem conhecimento da respectiva auctoridade judicial. É isto o que caracterisa o procedimento do governo, vencendo pela força os que não podia dominar pela rasão, e contrapondo ás manifestações regulares e pacificas da opinião publica as cadeias da Relação e os porões do India. (Apoiados.)
Sr. presidente, com a entrada do sr. Marianno de Carvalho para a pasta da fazenda, nasceu em muitos a esperança de ver regularisadas de vez as finanças do estado. Ainda hoje alguns dos seus admiradores continuam firmes nas primeiras crenças, mas não faltam tambem já os disilludidos e desenganados. Quanto a mim e por agora direi apenas, que nunca foi tão facil delimitar as theorias e doutrinas divergentes dos dois partidos, regenerador e progressista, sobre a questão de fazenda, como no momento actual.
O sr. Marianno de Carvalho lançou-se francamente, desenganadamente no caminho dos expedientes empiricos, egoistas, sem outro alcance que não seja o de comprometter irremediavelmente o futuro a troco de umas pequenas vantagens de occasião.
Essas habilidades poderão talvez deslumbrar os espiritos superficiaes, mas como todos os empirismos são improficuos, e altamente desmoralisadores nos seus effeitos. Proceder assim não é dirigir os acontecimentos, transformando funda e duradouramente as criticas circumstancias da nossa economia nacional, mas navegar apenas á feição dos ventos que sopram favoraveis, ha um anno, nos grandes mercados europeus, com a unica mira em evitar para si difficuldades, que da melhor vontade se vão adiando intencionalmente para os futuros exercicios. (Apoiados.) É esta a unica preoccupação do actual governo, e especialmente do sr. ministro da fazenda, que até quer lançar sobre os seus adversarios a responsabilidade das enormes e injustificadas despezas do presente exercicio de 1886-1887.
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A audacia é de pasmar! Orçamento de liquidação! Tal é o nome com que o sr. Marianno de Carvalho pretende chrismar os esbanjamentos, que este orçamento veio pôr a lume, costumado como de ha muito está a desnortear a opinião publica, na justa apreciação dos nossos factos economicos e politicos.
Orçamento de liquidação! Analysaremos que liquidação é essa, com os algarismos á vista, e tomando para nós a parte que nos pertencer, espero mostrar que a do governo é de contentar os mais exigentes em materia de despezas. (Apoiados.)
Antes porém de o fazer cabe-me a obrigação de levantar uma accusação injustissima e infundada, que n'esta sessão e por mais de uma vez ha sido feita ao partido a que tenho a honra de pertencer, e ao ministerio que em fevereiro de 1886 abandonou as cadeiras do poder.
Desde o sr. presidente do conselho, na discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa, até ao deputado da maioria que ultimamente usou da palavra n'esta camara, e não digo até ao ultimo deputado da maioria porque nas fileiras da maioria não ha ultimos, todos nos têem accusado vehemente de havermos com as nossas loucuras arruinado o credito do paiz, agora felizmente restaurado pelo sr. Marianno de Carvalho, que bem poderá ser cognominado o restaurador (Riso).
É verdade que nós deixámos os fundos publicos cotados em Londres a 43 e 44.
É verdade tambem, que o sr. ministro da fazenda conseguiu eleval-os á cotação de 57, a que parece haverem ficado á data das ultimas noticias, e digo o sr. ministro da fazenda, pois é esta a phrase consagrada.
Ambos os factos são verdadeiros incontestavelmente: mas qual é a sua explicação?
Foram realmente as nossas loucuras, que sobresaltando os portadores de titulos da divida publica portugueza, determinaram a queda da sua cotação? Por outro lado deve attribuir se a alta actual á administração politica e fazendaria do actual governo?
Este é o ponto da questão.
Um illustre membro d'esta casa, o sr. Fuschini, já capitulou de puerilidade indigna de discussão, o pretender attribuir-se este phenomeno á substituição dos regeneradores pelos progressistas na administração do estado. E realmente o insinuar que o nome do sr. José Luciano de Castro, aliás muito respeitavel, poderia obter no estrangeiro maior e melhor acolhimento que o d'esse eminente estadista, cuja perda todos nós sentimos tão vivamente, e que não só era o mais illustre mas tambem o mais sympathico. (Apoiados.) de todos os politicos portuguezes, seria tão absurdo como ridiculo.
Outras circumstancias nos darão com certeza e fundadamente os motivos da mudança operada nas cotações dos nossos fundos publicos, que nada tem de mysteriosa, que é uma consequencia fatal de factos e de principios manifestos e palpaveis para todos os espiritos imparciaes, para todos aquelles que como eu não querendo amesquinhar a gloria de ninguem, se revoltam e protestam comtudo energicamente contra a mais facciosa e injusta accusação, que um partido politico ha formulado contra os seus adversarios. (Apoiados.)
Podemos estabelecer um verdadeiro dilemma.
Ou o phenomeno cuja explicação neste momento me occupa, é devido ao credito do paiz, á confiança na riqueza publica fomentada por tantos milhares de contos consumidos em obras e trabalhos de verdadeira utilidade, credito por um momento abalado em virtude de circumstancias hostis, mas independentes da acção e alheias á esphera da actividade do sr. Hintze Ribeiro, que affectaram o credito de todas as nações europeas mais ou menos intensamente, e que desde marco ou abril de 1886 desappareceram, succedendo a ellas um periodo constante de prosperidade; ou então a mudança nas cotações foi provocada e fomentada pelos actos praticados pelo actual governo no interregno parlamentar. Parece-me que ponho a questão por uma fórma clara, franca e aberta, de quem não teme uma liquidação completa das responsabilidades do seu partido, nem foge á analyse dos actos dos seus contrarios, desejando apenas que esse confronto seja feito com verdade e com a maxima largueza. (Apoiados.)
É assim que se deverá encarar este problema, para o resolver com honra para todos, tomando cada um a parte da responsabilidade que lhe competir, (Apoiados.) e sem injustiça para ninguem, mas tambem sem desvanecimento para pessoa alguma, (Apoiados.)
É á inhabilidade da ultima administração regeneradora, ou a circumstancias independentes da sua vontade, que deve attribuir-se o haverem baixado os fundos publicos a 43 e 44?
Qual foi a administração, sob o ponto de vista financeiro e economico, do ultimo ministro da fazenda, e quaes foram os actos mais principaes, da sua gerencia?
Este é o primeiro ponto a examinar.
Segundo ponto, e este ainda com relação á primeira parte do dilemma que apresentei: - que mudanças se operaram nos mercados europeus, que novas circumstancias se deram, depois da ascensão do sr. Marianno de Carvalho ao poder, que influissem poderosamente no estado actual do nosso credito? (Apoiados.)
Houve ou não um retrahimento geral dos capitães nos mercados europeus, a partir dos fins de 1884?
Parece-me que ninguem contestará este facto. Baixaram os nossos fundos como baixaram os das outras nações. (Apoiados.) O anno de 1880 foi o anno das vaccas magras, em contraposição ao de 1886, verdadeiro anno de vaccas gordas, pela abundancia e barateza dos capitães, que em Londres chegavam ha pouco a 7/8 por cento.
É facil recordar os factos que originaram estes acontecimentos de uma ordem geral e internacional.
É certo ou não, que a tensão de relações estabelecidas entre a Inglaterra e a Russia, a proposito de uma demarcação de fronteiras na Asia central, tinha produzido os justos receios de uma guerra eminente entre uma das nações mais poderosas da Europa, a Russia, e aquella que maior predominio e influencia exerce em todos os mercados monetarios do mundo, a prosperidade das quaes é simplesmente o reflexo da sua propria, a Inglaterra?
É certo ou não, que pelo mesmo tempo houve nos Estados Unidos, uma crise financeira, que, se não tomou as enormes proporções das grandes crises de 1857 e 1879, preoccupou comtudo vivamente os mercados europeus, fazendo, não só subir a taxa do juro, mas obrigando os capitães ao retrahimento, que sempre manifestam em similhantes occasiões?
Não será certo tambem, que n'esse mesmo anno e quasi n'essa mesma occasião, morria em Hespanha o soberano reinante, D. Affonso XII, e que esse facto produziu serios receios de graves perturbações de ordem publica n'aquelle paiz, receios que deviam reflectir-se tambem no nosso, pelas intimas relações que nos ligam? (Apoiados.)
Não foi tambem n'esse anno de 1885, que o flagelo do cholera morbus se desenvolveu mais intensamente no meio dia da Europa, prejudicando extraordinariamente a actividade das relações internacionaes do nosso commercio, vindo assim acrescentar a somma de difficuldades com que já luctavam a economia do paiz e as finanças do estado?
Finalmente, não será igualmente certo, que a tantas condições desfavoraveis de uma ordem externa e geral acrescia ainda uma outra de ordem interna, mas talvez a mais importante de todas para nós, a baixa do cambio do Brazil? (Apoiados.)
É sabido que essa baixa, tão prolongada, impediu a remessa dos grandes valores, que todos os annos se costuma d'ali fazer para Portugal, que segundo já ponderou o grande escriptor e meu intimo amigo, o sr. Oliveira Mar-
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tins, são o grande e principal recurso dos financeiros portuguezes, pelo largo consumo que operam dos títulos da nossa divida. (Apoiados.)
Ora, é justamente a todo este conjuncto de circumstancias, umas de ordem geral, outras de ordem puramente interna, a que é necessario attender se, quando imparcialmente se queiram estudar as causas da grande descida das cotações dos nossos fundos no ultimo anuo dá gerencia financeira do sr. Hintze Ribeiro (Apoiados.)
E não admira que uma sorte tão funesta acompanhasse a regeneração em 1885, pois que já anteriormente ella gosára a devida compensação. E o sr. ministro da fazenda, que já a esse tempo occupava um logar distincto no parlamento, lembra-se, por certo, que mais de uma vez a administração incontestavelmente brilhante e proficua do ministerio regenerador de 1872 a 1876, era apodada de feliz e afortunada, á falta d'outros defeitos que lhe podessem oppor. (Apoiados.)
O reverso da medalha appareceu nos em 1885, e isso deve servir de lição ao actual governo.
Mas assim como não seria justo accusar hoje o sr. ministro da fazenda pelas prosperidades que o têem acompanhado, pretendendo amesquinhar a sua gerencia por similhante motivo, é igualmente injusto, injustissimo, querer imputar ao sr. Hintze Ribeiro a responsabilidade de factos que não dependiam da sua vontade, nem estavam dentro da sua esphera de actividade, como politico ou como financeiro. (Apoiados.)
E visto que é uma liquidação de contas o que nos pedem, visto que não fomos nós quem provocámos esta questão, é necessario ir até ao fundo d'ella, é necessario dizer tudo em phrases correctas e delicadas, como pede a dignidade d'esta camara e o respeito por nós mesmos, mas com um grande desassombro, e uma inteira franqueza.
Falta-me examinar um facto, melindroso sem duvida, mas que concorreu poderosamente para a baixa dos nossos fundos publicos.
Não ignora de certo o sr. ministro da fazenda, que em fins do anno de 1884 se levantou entre nós uma questão da maior importancia e gravidade, a proposito dos negocios relativos á administração da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes.
Não é meu proposito trazer para aqui a narração ou a analyse das differentes peripecias, que essa questão atravessou, e que teve como ultimo resultado o ser substituida por outra a influencia que até então dominára nos negocios da companhia. Tudo isso é alheio á ordem de considerações, que eu tenho a honra de expor á camara, e portanto só me referirei aos perniciosos effeitos que n'esse momento d'ahi provieram para o credito do paiz, (Apoiados.) e que não podiam ser mais lamentaveis.
Ninguem ousará contestar-me esta affirmação, e não ha muito tempo ainda, que eu li n'um jornal, que não póde ser suspeito ao sr. Marianno de Carvalho, O Diario popular, uma accusação ao meu dedicado amigo e illustre estadista o sr. Hintze Ribeiro, por elle não haver tomado em similhante conflicto partido por um ou outro dos grupos contendedores, derivando d'esse facto o referido jornal a causa principal das difficuldades financeiras que aquelle estadista atravessou no ultimo anno da sua gerencia.
Pois eu louvo altamente o procedimento correctissimo, impeccavel de dignidade e de desinteresse do sr. Hintze Ribeiro. (Muitos apoiados.)
Esse é o maior titulo de gloria do illustre estadista regenerador; a isenção e rigida austeridade de que então deu provas, o que vieram mais uma vez demonstrar de que finissima tempera é aquelle caracter, tão respeitavel e tão respeitado, (Muitos apoiados.) de uma estructura moral tão rara hoje no nosso mundo politico, são a causa primordial, o motivo principal das grandes sympathias e numerosas adhesões que o seu nome tem conquistado. (Apoiados.)
Pois que tinha que ver um ministro da corôa portugueza com uma questão de interesses particulares, grandes interesses, é verdade, mas cuja administração ou tutela as leis não conferiram, nem conferem ao estado? (Apoiados.) Com que direito interviria n'uma pendencia, que desde o seu principio appareceu tumultuosa e irritante? É possivel que fosse habil a intervenção, mas, nem era legal, nem correcta. Talvez ella lhe trouxesse uma alta na cotação dos fundos portuguezes, mas o ministro de então detestava o emprego de similhantes meios, e por esse facto merece a minha plena e calorosa approvação. (Apoiados.)
É certo, comtudo, que foi essa malfadada questão que provocou o apparecimento de um folheto, conhecido pelo nome de Pamphleto de Anvers, que representa o facto mais odioso e repugnante ha muito praticado na nossa politica, e que é uma degradação para os seus auctores ou inspiradores. A indignação que elle despertou foi de tal ordem, que a imputação da sua paternidade representa a maior injuria e a mais grave offensa que póde fazer-se a um portuguez. (Apoiados.)
Ninguem lhe quer a responsabilidade, nem eu tambem a irei agora esquadrinhar. Deixemos essa responsabilidade á rapacidade feroz e egoista de algum banqueiro, d'aquelles para quem o dinheiro é a pátria e a familia. ( Vozes: - Muito bem.)
Recordarei apenas que esse pamphleto, viesse d'onde viesse, foi espalhado e distribuido profusamente em todos os mercados estrangeiros, onde os nossos titulos são cotados, em Londres, em Anvers, em Amsterdam, produzindo em toda a parte funda impressão, e provocando uma corrente de opinião desfavoravel para o credito do paiz. (Apoiados.)
Ninguem attribuirá por certo ao sr. Hintze Ribeiro, ao governo de que fazia parte, ou ao partido regenerador, que representavam no poder a responsabilidade de tão vis e indignos processos de descredito; não pertencerá ella tambem a nenhum partido ou homem politico, mas em todo o caso fomos nós, e só nós quem lhe soffremos as consequencias. (Apoiados.)
Mas não pararam ahi as revindictas, fosse de quem quer que fosse. Jogou-se fortemente na baixa, e, o que é mais lamentavel e digno da maior censura, é que mais de um jornal portuguez, todos bem conhecidos, referiam dia a dia e com mal escondida satisfação, os progressos que os nossos inimigos iam alcançando na sua despiedosa campanha contra o credito nacional. (Apoiados.)
Hoje que os fundos sobem, já algum jornal portuguez ou algum deputado deixou de regosijar-se por esse facto?
Não nos congratulâmos todos por isso?
As vantagens que d'esse acontecimento tiram hoje o sr. ministro da fazenda e o ministerio de que s. exa. faz parte, são vantagens transitorias; a vantagem duradoura será para o paiz, se essa alta cotação se fixar em solidas bases, como eu desejo na moção de ordem que enviei para a mesa.
E se tal succeder, as vantagens que hoje gosam os actuaes ministros serão tambem apanagio dos seus successores.
Parece me ter demonstrado, sr. presidente, que no ultimo periodo da gerencia financeira do sr. Hintze Ribeiro se deu um complexo de condições e de circumstancias, que fatalmente, inevitavelmente haviam de influir por modo desfavoravel na situação das finanças publicas.
Mas teria o illustre estadista regenerador aggravado essa crise pelas providencias ou reformas com que pretendeu aperfeiçoar os serviços do sou ministerio? Decresceram por acaso os rendimentos do estado durante a sua gerencia? Afrouxou ao menos a progressão sempre crescente das nossas receitas nos ultimos annos?
Nada d'isso. Bem polo contrario, o sr. Hintze Ribeiro póde ter a vaidade de haver conseguido na administração dos negocios dependentes do ministerio da fazenda um acrescimo de receita, aperfeiçoamentos nos serviços, que
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ainda não foram igualados, e nunca serão excedidos. (Muitos apoiados.)
Os negocios aduaneiros foram de entre todos os do seu ministerio aquelles que mais lhe prenderam a attenção, e a que dedicou os seus mais estrenuos cuidados. É com rasão, porque os rendimentos aduaneiros só por si constituem dois terços das receitas totaes do estado.
O sr. Hintze Ribeiro viu plenamente coroados do successo mais completo os seus intelligentes e persistentes esforços.
Sem augmentar as taxas pautaes, e sem chamar ladrão a ninguem, (Apoiados.) os rendimentos aduaneiros elevaram-se por uma fórma que a todos surprehendeu. Esses rendimentos, que em 1862 haviam attingido a cifra de 14.800:000$000 réis, e em 1883 a de 14.700:000$000 réis, elevaram-se em 1884, primeiro anno da gerencia do sr. Hintze Ribeiro, a 15.897:000$000 réis, isto é, mais de 1:000:000$000 réis sobre a receita do anno anterior! E em tão solidas basca assentou esse augmento, que desde então, em 1885 o 1880, elle tem-se conservado firmissimo, sendo a totalidade dos rendimentos aduaneiros em 1885 de 1886 16:864:000$000 réis, e em 1885 de 17.998:000$000 réis! (Apoiados.)
E este esplendido resultado consegiu-se, repito, sem a menor elevação nas tarifas pautaes, e sem se chamar ladrão a ninguem, tudo devido ao acerto das providencias tomadas pelo illustre estadista, e á influencia prodigiosa que sobre toda a classe aduaneira exercia a poderosa auctoridade moral do sr. Hintze Ribeiro, auctoridade moral que poz fim aos numerosos e importantíssimos latrocinios e malversações que se commettiam nas principaes casas fiscaes do paiz, como o sr. Marianno de Carvalho muito bem sabe, e que eram uma vergonha e uma ruina para a administração publica. Hoje, felizmente, n'este ramo de serviço continuam-se ainda as praticas do austero ministro regenerador, se bem que com menos severidade, e só ha a desejar que o sr. Marianno de Carvalho não perca nunca de vista os exemplos do seu antecessor, continuando, como até agora tem feito, a executar o plano tão superiormente traçado polo sr. Hintze Ribeiro para a reorganisação completa dos serviços aduaneiros.
Mas não foi este o unico ramo de serviço publico em que se fez sentir a poderosa iniciativa do ministro regenerador, com manifesta, vantagem das receitas do estado. Emprehendeu elle tambem e levou a cabo a reforma e revisão do imposto do sêllo, colligindo só toda a legislação existente a tal respeito n'um só diploma muito notavel, e augmentando desde então por fórma sensivel o rendimento d'este imposto.
Nos serviços dependentes da direcção geral das contribuições directas tambem a passagem do estadista regenerador polo ministerio da fazenda ficou proveitosamente assignalada. Alem de muitos abusos que se corrigiram, tornou-se notavel a isenção do ministro, em tudo o que se referia ao pessoal dependente d'essa direcção, por fórma tal, que poucos empregados addidos havia, quando o sr. Marianno de Carvalho entrou para a pasta da fazenda. (Apoiados.)
Talvez não aconteça hoje o mesmo, e se se fizer a comparação entre o numero de empregados que então havia nas repartições de fazenda, e o que ali existe hoje, reconhecer-se-ha que n'esta parte os dinheiros publicos não têem sido administrados pela fórma mais economica. (Apoiados.)
E o plano financeiro pelo ministro regenerador apresentado na sessão de 1886, as propostas chamadas de Caneças, teriam por acaso escandalizado de tal fórma o paiz, que n'esse facto se deva encontrar tambem uma das causas da baixa, dos nossos fundos?
Não me parece. Em primeiro logar, porque a baixa vinha já de muitos mezes atrás. Em segundo logar porque o sr. Hintze Ribeiro vinha pedir ao paiz um menor numero de sacrifícios, uma somma de novos impostos inferior a que pede o actual ministro da fazenda. (Apoiados.) Ora se os fundos então desceram, e hoje sobem as suas cotações, é porque então havia quem os fizesse descer, como hoje ha quem os faça subir. (Apoiados.)
O sr. ministro da fazenda declarou já n'esta sessão que pedia ao paiz 3.000:000$000 réis de novos sacrificios, e diante d'este pedido os fundos sobem, ao passo que diante de um pedido mais modesto do sr. Hintze Ribeiro as cotações desceram. Quem quizer que de a explicação de um tal facto. (Apoiados.)
Resta-me agora analysar as circumstancias em que se encontrou o actual ministro da fazenda, logo desde os primeiros dias da sua gerencia.
As condições de todos os mercados europeus passaram de repente a um estado diametralmente opposto ao do anno de 1885. Os receios e perturbações economicas e politicas, que haviam preoccupado todos os espiritos no anno de 1885 desappareceram, e nunca o dinheiro foi mais abundante nem mais barato, como já tive occasião de mostrar.
As relações commerciaes por um momento entorpecidas, entraram n'um periodo da maior actividade por uma natural reacção tão apreciada e conhecida nos phenomenos do ordem physica, como nos factos de ordem economica. A depressão notada em 1885 nas cotações de todos os fundos europeus foi substituida por uma alta geral. He o nosso o por cento chegou a 57, o 4 por cento hespanhol está a 67. Qualquer erudição barata de um almanach de Gotha prova a verdade do que deixo dito.
Ora supponho que não foi o sr. Marianno de Carvalho nem o partido progressista, que estenderam os beneficios da sua administração á Hespanha, á Inglaterra, e até ao proprio Egypto. (Apoiados.)
Os receios do uma guerra eminente entre a Russia e a Inglaterra dissipiram-se. A crise económica nos Estados Unidos passou sem fazer grande estrago. A politica hespanhola entrou n'um periodo de consolidação, graças ao acrysolado patriotismo de Canovas del Castillo, e á sua prudceta e firme politica. O cholera desappareceu. E finalmente o sobretudo a alta do cambio do Brazil veiu fazer mudar decisivamente a face das cousas. Este facto principalmente tem sempre a maior e a mais larga influencia nas nossas finanças, como o demonstrou já scientificamente o nosso collega o sr. Oliveira Martins.
Com a ultima alta do cambio as importantes sommas de ha muito ali represadas, começaram a correr para Portugal, e essas milhares de contos, que, como disse s. exa., são o preço por que o Brazil nos paga as vidas de portuguezes que todos os annos ali se vão consumir, os braços que a emigração rouba annualmente á nossa agricultura e as industrias nacionaes, preferem sempre como emprego os titulos da divida publica portugueza, tendo por isso uma reconhecida acção sobre as suas cotações. (Apoiados.)
O sr. Oliveira Martins já calculou em 10.000.000$000 réis os capitães que todos os annos o Brazil manda para Portugal. Pois póde quasi affiançar-se que quatro quintas partes d'essa totalidade vão empregar-se, não em fomentar as industrias nacionaes, infelizmente, mas nas inscripções, nos titulos que representam os nossos constantes déficit s orçamentaes. (Apoiados.)
Quer isto, porém, dizer que eu contesto acintosamente ao sr. ministro da fazenda a habilidade, que todos de ha muito lhe reconhecem? Por certo que não; sou tambem admirador dos talentos de s. exa., e sou até seu amigo particular. Hei de pois, fazer-lhe a justiça que eu quero para o sr. Hintze Ribeiro, e depois de levantar as infundadas accusações de que este foi victima, não irei merecer a mesma censura que dirijo aos seus detractores. (Apoiados.)
Reduzidas aos seus precisos termos as glorias da actual gerencia progressista, hei de confessar tambem, primeiro do que ninguem, que o sr. Marrianno de Carvalho tem
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praticado alguns actos do administração que merecem a minha approvação, e o favor e a adhesão de todos nós. Faço justiça, assim como a peço para todos.
Referir-me-hei em primeiro logar no concurso para a divida fluctuante, que, pela primeira vez, se usou entre nós para aquelles supprimentos do thesouro, e do qual o sr. ministro da fazenda ha tirado incontestaveis vantagens.
Mas s. exa. parece- me que não me contestará, que uma tal idéa não era nova no ministerio da fazenda. (Apoiados.)
Eu tenho informações particulares, mas de pessoa digna de todo o credito, de que na direcção geral da thesouraria havia já um despacho do illustre antecessor de s. exa., o sr. Hintze Ribeiro, e por se levantar este ministro não se apouca o sr. Marianno de Carvalho, porque ambos podem com as suas responsabilidades, e ambos têem direito á legitima gloria que adquiriram; tenho informações particulares, digo, de que havia já um despacho do sr. Hintze Ribeiro, determinando o emprego de similhante processo para os supprimentos da divida fluctuante, dependendo apenas de ensejo opportuno a execução do referido despacho. Portanto n'esta parte o actual ministro da fazenda foi o continuador da obra iniciada pelo sr. Hintze Ribeiro. (Apoiados.)
O mesmo direi com relação á livre exportação do oiro, outra medida levada a cabo pelo actual ministro, mas tambem da illustrada iniciativa do seu antecessor. Foi o sr. Hintze Ribeiro quem elaborou e trouxe á camara a proposta de lei para a livre exportação do oiro.
Foi uma camara regeneradora quem approvou e converteu em lei essa proposta.
As circumstancias difficeis do nosso mercado monetario durante o anno de 1885, não permittiram a sua execução.
Ao sr. Marianno de Carvalho cabe o louvor do ter sabido aproveitar o ensejo, offerecido pelo estado prospero do nosso mercado no ultimo anno, para usar proficuamente da auctorisação pela referida lei concedida ao poder executivo.
Não hei de deixar tambem sem a devida commemoração um outro acto da administração do sr. Marianno de Carvalho, para mim o mais apreciável da gerencia de s. exa. Refiro-me á cotação do nosso 3 por cento consolidado na praça de Paris, e á introducção dos títulos da divida publica portugueza nos mercados da Allemanha. (Apoiados.)
São obvias as vantagens e a importancia de taes factos. Não preciso explicar á camara que, quanto maior for a arca do consumo dos titulos da nossa divida, tanto mais elevadas deverão ser as suas cotações, em virtude da lei economica sobro a offerta e a procura. (Apooiados.) Quanto maior for o numero de individuos interessados na nossa divida, tanto maior será a somma de vontades e interesses compromettidos na prosperidade do nosso paiz. Quanto maior for o numero de nações onde se realise a cotação official dos nossos fundos publicos, tanto maior será a garantia que teremos de os não ver succumbir perante uma crise economica ou uma crise politica do natureza parcial. (Apoiados.)
Parece-me, sr. presidente, que tenho dado sobejas provas da minha imparcialidade na critica que estou fazendo das cousas do estado, e espero bem que o exemplo será seguido pelos meus adversarios politicos, e especialmente pelo sr. ministro da fazenda, que nas discussões em que ha tomado parte, tem demonstrado menos serenidade de animo e espirito de justiça, do que ao traçar as lucidas paginas do seu relatorio o propostas de fazenda. (Apoiados.)
Ao passo que ahi se mostrava mosdesto para comsigo mesmo, verdadeiro para com os seus adversarios, nas vezes em que ha usado da palavra n'esta camara patenteiou sentimentos bem differentes.
As pennas de pavão com que o pretendem adornar os seus correligionarios, parecem estar sendo muito do gosto de s. exa. (Apoiados.)
Onde existe pois, sr. presidente, a causa fundamental, a rasão primordial da subida dos nossos fundos ha um anno a esta parte? Está unica e simplesmente na habilidade do sr. Marianno de Carvalho, ainda na ultima sessão tão elogiada e proclamada pelo illustre deputado e meu amigo o sr. Fuschini? Nem s. exa. nem ninguem acredita em tal. E Deus nos livre sr. presidente que o credito de um paiz estivesse unica e simplesmente dependente da habilidade de um homem, por maior que ella seja, por mais patriota e desinteressado que esse homem fosse! (Apoiados.)
De onde vem pois, sr. presidente, a causa primordial da alta cotação dos nossos fundos?
Qual é a rasão fundamental, porque elles acompanharam a baixa como a alta de todos os fundos europeus, soffrendo como todos as fluctuações e incertezas dos mercados?
A verdadeira explicação d'estes factos não se podo encontrar senão na confiança que incontestavelmente infunde hoje o credito da nação portugueza. (Muitos apoiados.)
Confiança que aliás é justificada pela reconstituição da nossa riqueza publica e particular, operada com notavel intensidade nos ultimos trinta annos. (Apiodos.)
Essa reconstituirão tem sido mais lenta do que a de outros estados europeus, o que se explica pela pobreza material e decadencia intellectual a que haviamos chegado.
Gastou se de certo mais do que o estrictamente necessario; tivemos innegavelmente um periodo bem penoso de aprendizagem que atravessar, mas isso é condição fatal do todos os organismos, igualmente commum aos estados como aos individuos, tributo que a natureza humana ha de sempre pagar á sua própria imperfeição. (Apoiados.)
Mais de uma vez tenho visto pôr estes resultados um duvida, mas nunca a contradicção me foi tão penosa e desagradavel, como ha poucos dias, ao ouvir o meu illustre amigo o sr. Oliveira Martins.
S. exa., apreciando um diagramma este anno publicado, das receitas e despezas publicas, disse: «Em 1851 e 1852, as despezas publicas eram de 11.000:000$000 réis; as receitas de 10.000:000$000 réis; o desequilibrio, pois, era unica e simplesmente de 1.000:000$000 réis.
De então para cá, em 1885 e 1886, as despezas e as receitas apresentam outro aspecto. As despesas foram de 40.000:000$000 réis; as receitas do 31.000:000$000 réis. Desequilibrio 9.000:000$000 réis.
É verdade que as receitas triplicaram, mas quadruplicaram as despezas, e augmentou espantosamente o deficit. E, voltando-se em seguida para os deputados regeneradores, s. exa. acrescentou: «Ajudem o actual governo a remediar definitivamente a estes males, cuja principal responsabilidade é do partido a que s. exa. pertencem».
(Interrupção do sr. Oliveira Martins que não se percebeu.)
O illustre deputado dá-me licença? É certo ou não haver-se v. exa. referido a este facto?
O sr. Oliveira Martins: - Referi-me a esse facto, mas não inferi d'elle responsabilidade exclusiva para nenhum dos partidos portuguezes, nem com especialidade para o partido regenerador.
O Orador: - Muito bem, mas se o intuito do illustre deputado, ao fazer o exame comparativo dos factos patenteados por aquelle diagramma, era, como eu creio, demonstrar que as circumstancias do thesouro se têem aggravado de 1852 para cá, n'esse caso eu peço licença a s. exa. para lhe dizer, que me custa a acreditar, que um criterio d'esta ordem parta de um escriptor como s. exa., o auctor de tantos livros primorosamente escriptos e profundamente estudados, (Muitos apoiados.) que não só constituem a mais legitima gloria do illustre deputado, mas que são ao mesmo tempo uma honra para o paiz a que s. exa. pertence. (Apoiados.)
Pois o illustre deputado não vê, que, apesar da differença entre as receitas e as despezas ser em 1851-1852 de 1.000:000$000 réis, e em 1885-1886 de perto de réis 10.000:000$000; s. exa. não vê como todas as circumstancias, que acompanham estes dois factos, são perfeitamente contrarios á conclusão que o illustre deputado quer tirar?
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O que succedia em 1851, n'essa epocha que s. exa. julga mais favoravel para as finanças do estado? A situação da fazenda era tal, que nem conseguiamos alcançar a cotação dos nossos fundos nas praças estrangeiras: queriamos levantar um emprestimo, e imo encontravamos com quem contratar; pretendiamos supprimentos para a divida fluctuante, e só os obtinhamos de pequena importancia, e a troco de juros verdadeiramente usurarios; estavamos na impossibilidade de construir um kilometro de caminhos de ferro, quando muitas nações da Europa tinham as suas redes já bastante adiantadas; e finalmente, o que era ainda mais grave e doloroso, os proprios empregados do citado recebiam apenas relativamente a quinze dias as remunerações devidas pelo trabalho de um mez. (Muitos apoiados.) Isto era o que podia então observar o illustre historiador.
E hoje o que vê s. exa?
O sr. ministro da fazenda acaba de contratar um emprestimo, que s. exa. preconisa como o mais vantajoso que temos realisado, o que em parto e verdade; temos tres grandes linhas ferreas em construcção, emprehender os melhoramentos do porto de Lisboa, uma obra grandiosa e caríssima; os supprimentos da divida fluctante fazem-se a 4 por cento e ainda a menos; finalmente, os servidores do estado estão pagos em dia, tendo-se a muitos augmentado os seus vencimentos, em harmonia necessidades crescentes e impreteriveis. (Apoiados.)
(Interrupção do sr. Oliveira Martins.)
O illustre deputado ha de concordar commigo, que para chegar a conclusões positivas e exactas, em assumptos desta ordem, é preciso ver, não um facto isoladamente, mas attender ao conjuncto dos factos, ligados entre si por uma intima connexão, em ordem a constituir uma serie onde se apoio a conclusão verdadeira. (Apoiados.)
E este é o processo do illustre escriptor, o sr. Oliveira Martins, o methodo a que subordinou os seus livros tão proficientemente estudados. Agora outro é o seu proceder.
Mas que querem, se esta aguia que já deu caça a milhafres, é hoje uma triste ave domestica da [...] do partido progressista. (Riso - Apoiados.)
Effectivamente, em 1851-1852 o deficit era apenas de 1.000:000$000 réis, e n'este anno é de 10.000:000$000 réis. Mas apesar d'isso eu insisto em affirmar, que as circumstancias actuaes são incomparavelmente mais favoraveis. E sabe v. exa. sr. presidente, a rasão por quê? Porque então ao deficit no orçamento do estado, corresponda um deficit bem mais importante na economia do paiz, o que felizmente hoje não succede, pelo menos em identica proporção. (Apoiados.)
E se assim não fosse, como é que o sr. ministro da fazenda se abalançaria, a vir pedir ao 3.000:000$000 de novos encargos?
Julga-se que em 1851 não haveria tambem vontade de augmentar os impostos?
Havia por certo, mas o paiz é que não podia com elles.
Hoje os rendimentos aduaneiros crescem na proporção, que já descrevi, augmentando de anno para anno em mais de 1.000:000$000 réis, facto sem antecedentes na historia da nossa administração. E o sr. ministro da fazenda não contente com isso, pede cerca de 3.000:000$000 rés de novos sacrificios, conforme declarou por occasião do se discutir o projecto das catraias reaes e districtaes, sem que o paiz reaja energicamente como de certo faria, se a exigencia estivesse em desproporção com as suas forças.
É verdade que se levanta contra a medida relativa aos tabacos, não pelo acrescimo do recursos que ella deve trazer ao thesouro, mas pela fórma odiosa por que se pretende favorecer a companhia nacional. (Apoiados.) Por outro lado o redito do paiz por um momento abalado fortifica-se e robustece-se pela simples mudança operada nas circumstancias que o haviam enfraquecido.
Estes são os factos, cuja eloquência e verdade não póde ser escurecida pelos talentos mais robustos, nem pelas auctoridades mais solidamente estabelecidas.
Vejamos agora quacs foram as medidas mais importantes publicadas pelo governo durante o interregno parlamentar, e que influencia deveriam ter na situação da fazenda publica, completando assim a demonstração que eu me propuz apresentar a esta illustre assembléa.
A camara e v. exa. sr. presidente, desculpar-me-hão pelo tempo que lhes estou tomando.
Mas como deputado e membro do partido regenerador, não devia nem podia fugir ao ajuste de contas, a que tão imprudentemente nos chamou o sr. ministro da fazenda. Continuemos pois na liquidação das nossas mutuas, responsabilidades.
Os actos praticados pelo governo no interregno parlamentar póde dizer-se que têem todos um caracter dictatorial. Algumas medidas foram, é verdade, publicadas com a assignatura apenas do ministro da pasta respectiva, como succede com alguns diplomas do ministerio das obras publicas, mas essa mesmo constituem verdadeiras dictaduras, como se demonstrará opportunamente e quando se discutir o bill de indemnidade (Apoiados.)
Não é meu proposito antecipar essa discussão. Não é debaixo do ponto de vista político, burocratico ou administrativo no sentido restricto da palavra, que vou encarar essas medidas do governo. Analysal-as-hei apenas sob o seu alcance economico eu financeiro, demonstrando ao mesmo tempo que em cousa, alguma poderiam ter concorrido para as elevadas cotações que os nossos titulos da divida publica felizmente alcançaram. Para maior regularidade o clareza da minha exposição procederei separadamente á analyse das medidas publicadas por cada um dos ministerios.
Pelo do reino, as medidas mais importantes que se publicaram, foram a reforma administrativa, e a dos estudos secundarios.
Da primeira disse-nos já n'uma das sessões o sr. presidente de conselho, que ella representava uma grande economia, por isso mesmo que as amplas e largas faculdades de tributação, que até hoje gosavam as juntas geraes e as camaras municipaes, ficaram pela reforma do governo prudentemente e sabiamente limitadas. É verdade, que isso está escripto no codigo do sr. José Luciano de Castro, e parece que s. exa. crê piamente na efficacia da sua panacêa.
Eu, porém, pertenço ao numero dos descrentes, e em todo o caso o que posso affirmar, é que até hoje os corpos administrativos locaes têem continuado a viver segundo a lei velha. (Apoiados.)
E parece até, que nem ao proprio governo isso importa já muito, pois que ainda lhe não vi apresentar a proposta de lei fixando, de harmonia com o novo codigo o maximo dos addiccionaes que as juntas e camaras municipaes poderão lançar sobre as contribuições do estado.
E tanto me basta para a minha demonstração.
Seja qual for o merecimento da reforma operada pelo governo, o que fica provado, é que em nada, absolutamente em nada, poderia ser concorrido para melhorar as condições do thesouro publico durante o anno economico de 1886-1887, no decurso do qual se operou a decantada elevação do nosso credito.
Mas vou mais longe.
Desde que a reforma administrativa não assentou na remodelação das circumscripções districtaes e concelhias, em ordem a reduzir o seu numero, creando organismos administrativos com caracter e vida propria e desaffrontada, as peias e limitações de que o governo cercou as suas faculdades tributarias, serão na pratica tão improficuas como inuteis. (Apoiados.)
Os districtos e os concelhos têem despezas impreteriveis e necessarias, despezas sempre crescentes pela propria natureza dos serviços a cujo custeamento são destinadas. Mas se as despezas são fataes, não é menos fatal o seu paga-
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mento. O que se não fizer á custando imposto, ha de remediar-se por meio do empréstimo. E o que faz o sr. ministro da fazenda com as finanças do estado; é o que terão de fazer as juntas e camaras municipaes, como o futuro demonstrará. (Apoiados.)
Depois o procedimento do governo é contradictorio e absurdo.
Ao passo que restringe e limita os recursos destas corporações, augmenta-lhe as deapezas ordinarias! Cria os juizes municipaes, e manda às camaras que lhes paguem! (Apoiados.)
Com a organisação dos tribunaes administrativos succede quasi o mesmo. Devo dizer, que eu não sou contra uma tal innovação. Mas como o governo pretendia fingir de económico e rigoroso na administração dos dinheiros publicos, tratou de fixar os vencimentos ao pessoal dos tribunaes por forma, que para tanto bastasse a quantia total, que até agora se despendia com os conselhos de districto e com as commissões executivas das juntas geraes. O resultado foi que os membros dos tribunaes não podem realmente viver com os magros vencimentos que lhes furam attribuidos. E por isso o sr. ministro do reino já apresentou uma proposta lixando-lhes emolumentos mais subidos que os actuaes, remediando a>sim às precárias circunstancias em que os referidos magistrados se encontravam.
Mas quem vae pagar esses emolumentos? O contribuinte.
O que representa pois em definitivo a proposta do governo? A aggravação de um verdadeiro imposto. (Apoiados.)
É por esta forma que o governo pretendeu regularisar as finanças locaes, evitando os inconvenientes da actual ordem de cousas, e prevenindo futuros perigos para as finanças do estado. Como se em realidade o contribuinte ganhasse alguma cousa em pagar a titulo de emolumentos, o que até agora pagava, ou ainda mais do que pagava, como tributos camarários ou districtaes. (Apoiados.)
N'este assumpto nada se fará de verdadeiramente proveitoso e benefico, logo que se não comece por reduzir o numero dos districtos e dos concelhos. Era o que o governo podaria ter feito, visto que assumiu a dictadura. Assim talvez o paiz lhe desculpasse o que n'ella havia de illegal, pelo que de util realmente consignaria.
Pelo que respeita á reforma da instrucção secundaria, nada ha a dizer sob o meu ponto de vista, exclusivamente económico e financeiro. Quando se tratar do bill de mdemnidade será occasião dos competentes apreciarem o seu merecimento.
Pelo ministerio da justiça publicou-se apenas um diploma de caracter dictatorial, e de nenhum outro tenho conheci mento, que mereça menção especial.
No relatorio que precede aquelle decreto, declaram-se urgentes duas providencias a organisação ou reorganisação da magistratura judicial, e a revido da tabella dos emolumentos e salarios judiciaes, em ordem a tornal-a menos onerosa para o contribuinte. Muito bem. Pois nem se tratou de uma coisa nem de outra. Por isso mesmo que eram urgentes aquellas providencias, deixaram-se... sabe Deus para quando. (Apoiados.) É o que se fica sabendo pela leitura do decreto.
Ora como a questão financeira era a única que devia preoccupar o governo, não só porque essa é a questão capital entre nós, mas porque a situação da fazenda publica estava longe de ser desassombrada quando o actual ministerio subiu ao poder, pensei, que, visto não se reformar o que na organisação dos serviços judiciários precisa de reforma, se tratava apenas de consignar n'aquelle diploma alguma disposição, que podesse fazer impressão na praça de Londres, e determinar uma alta na cotação do nosso 3 por cento.
Não me enganei. No decreto determinou-se, que os juizes de direito não poderiam mais saír das suas comarcas sem ser substituídos por indivíduos nomeados ad hoc e para esse fim pelo governo, em decretos especiaes. Esta medida era anciosamente esperada pelos banqueiros de Londres, plenamente convencidos de que ella teria uma poderosa influencia na cotação dos nossos fundos. (Riso.)
E na realidade, apenas o acto do governo foi conhecido lá fora, os nossos fundos subiram. (Riso.)
E não trato mais do conteúdo de similhante decreto, que me parece ter lembrado ao esclarecido ministro da justiça numa hora infeliz.
Vejamos agora que medidas se publicaram pelo ministerio da fazenda.
Referir-me-hei primeiro que tudo á unica medida dictatorial, que pelo seu alcance póde merecer a minha approvação, e que, em meu juizo, poderia ser promulgada em dictadura sem escandalizar o paiz, nem provocar a áspera censura do parlamento.
Refiro me ao decreto que reorganisou a caixa das aposentações.
No meio de tanta cousa prejudicial ou escusada, esta medida apparece nos subordinada a um principio de boa administração.
Para medidas d esta natureza, ou como a da reducção do numero dos districtos e concelhos, podem as circunstancias aconselhar a sua publicação em dictadura.
Medidas são estas, que vão sempre ferir numerosos interesses, mais ou menos poderosamente representados nos parlamentos.
E triste é dizel-o, mas como eu goto de manifestar sempre o que sinto, devo confessar que esses interesses reagem contra a odopção de tudo o que os póde prejudicar. Um exemplo d'isso foi o que succedeu com a proposta do sr. Hintze Ribeiro, creando a caixa das aposentações.
Essa proposta não era tão radical como a medida do actual governo, mas as discussões parlamentares quasi lho desnaturaram os seus fins, e inutilisaram o seu alcance. (Apoiadas.)
Talvez muitos dos meus collegas não confessem publicamente esta opinião, mas creio bem que todos a sentem.
E agora, que fiz justiça ao único diploma dictatorial que teve realmente alcance económico e financeiro, continuemos no exame dos actos do governo, ou tanto vale dizer na serie de factos inúteis, escudados, prejudiciaes, ou pelo indesculpáveis, pela forma por que foram praticado.
Pelo ministerio da fazenda apparece nos em seguida o decreto que reorganisou os serviços, (tudo são roorganisações de serviços!) de fazenda nos districtos e concelhos. Parece-me que a este não attribuirá o sr. ministro da fazenda a alta dos nossos fundos. (Apoiados.)
É este decreto precedido do um relatorio, que constitue a mais pungente ironia, que tem lembrado ao sr. Marianno de Carvalho.
S. exa. começa por chorar sobre a sorte miseranda dos empregados de fazenda, sujeitos às prepotencias, nos arbitrios e á má vontade de todos os governos, como já disse o meu amigo o sr. Arroyo. Mas como o illustre ministro não achou a scena bastante pathetica, e queria mais lagrimas, desde então para cá tem feito andar os pobres escrivães de fazenda numa roda viva de continuadas transferencias, como ainda as não fez outro ministro. (Muitos apoiados).
E que o sr. ministro da fazenda, prudente o avisado político, como todo» o conhecemos, deixou a execução do seu decreto dependente da classificação dos concelhos, que ainda não está feita! E já lá vae quasi um anuo depois da publicação do decreto. Vejam como era urgente e inaddiavel esta providencia dictatorial! (Apoiados.)
Depois d'este temos o decreto que reorganizou quatro direcções geraes do ministerio da fazenda. Medida igualmente urgente e inaddiavel e tanto... que ainda não está em execução! (Riso.) Ficou dependente de um regulamento, que ainda só não fez, nem provavelmente se fará. Já se
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fizeram as novas nomeações, que eram urgentes, e o resto... o resto nunca foi urgente. (Apoiados.)
Os ultimos diplomas com caracter dictatorial publicados por este ministerio, foram os que reorganisaram o contencioso fiscal, e a guarda fiscal.
N'estes decretos o sr. ministro não fez mais do que accentuar e desenvolver o pensamento do sr. Hintze Ribeiro, no que respeita aos serviços aduaneiros, como já tive occasião de dizer á camara.
O sr. Hintze Ribeiro tinha accentuado na sua reforma os seguintes principios: primeiro que era necessario e indispensável que o processo e julgamento dos delictos fiscaes fossem de inteira competência de empregados tambem fiscaes; segundo, que o corpo da fiscalisação externa devia ser organisado militarmente, não só para dar a esse corpo uma consistência e disciplina indispensáveis para bom desempenho dos importantes serviços que lhe estão confiados, mas tambem para servir de reserva do exercito em occasiões de guerra.
O sr. Marianno de Carvalho, no que respeita ao contencioso fiscal, acceitou o principio estabelecido pelo seu antecessor, regulamentando-o, porém, de modo a dar a maior latitude á defeza e melhores garantias às partes, tirando os julgamentos aos empregados dependentes do poder executivo, para os confiar a tribunaes independentes.
Quanto á guarda fiscal, accentuou lhe o seu caracter militar, dando aos seus batalhões uma organisação idêntica á dos batalhões do exercito activo.
Parece-me que se estas medidas podem ter influencia sobre os rendimentos públicos e sobre o credito do paiz, igual influencia haviam já exercido as do seu antecessor, que apenas foram aperfeiçoadas pelo actual sr. ministro, aperfeiçoamento porém que obedece á mesma ordem de idéas e de principios a que obedeciam as do sr. Hintze. Ribeiro. (Apoiados.)
E visto que fallei da guarda fiscal, quero aproveitar a occasião para felicitar o sr. ministro da fazenda, pela rara fortuna que teve de encontrar um homem tão distincto como o nosso cellega o sr. Elyseu Xavier de Sousa e Serpa, para por á testa da mesma guarda. (Muitos apoiados.)
S. exa. tem realmente imprimido áquelle corpo a direcção que era de esperar do seu caracter austero, probo e trabalhador, qualidades estas que tanto o ennobrecem, e que são o melhor do todos os predicado para merecer a consideração e estima de todos os que o conhecem. (Apoiados.)
Resta-me analysar, nesta minha demorada peregrinação pelas secretarias d'estado, as medidas que se tomaram pela das obras publicas, commercio e industria, e ahi é que vamos ver o que é um bom critério económico e financeiro. N'esse ministerio trabalhou-se dia e noite, incessantemente, em provocar a alta cotação dos nossos fundos em Londres. (Riso. - Apoiados.)
O sr. Emygdio Navarro foi de todos os ministros áquelle que mais desveladamente trabalhou em levantar o credito publico, procurando teimosamente, affincadamente, augmentar as receitas e diminuir as despezas!... Ao pé d'elle o sr. ministro da fazenda foi realmente medíocre, e está roubando ao seu collega das obras publicas uma gloria que justamente lhe pertence, O verdadeiro, o grande restaurador foi o sr. Emygdio Navarro. (Riso - Apoiados.)
Reorganisou o serviço technico das obras pubicas. Muito bem.
Não vou discutir agora, sob o ponto de vista technico, se esses serviços ficaram melhores ou peiores do que estavam. Quando se discutir a proposta que releva o governo das suas responsabilidades pela dictadura, pessoas mais competentes do que eu nestes assumptos demonstrarão á camara e ao paiz o que são e em que consistem esses aperfeiçoamentos.
Pela minha parte só porei em evidencia a fórma verdadeiramente incomparavel por que s. exa. aperfeiçoou o orçamento.
E não o farei com cifras e numeros por mim calculados, e por isso mesmo talvez suspeitos a esse lado da camara. Recorrerei sempre ao orçamento ordinario, apresentado para o futuro exercício de 1887-1888, que foi organizado sob as immediatas indicações do illustre ministro.
No mappa, a paginas 27, lê-se:
«Pessoal technico e de administração:
«Orçamento para 1887-1888, 538:272$060 réis; anteriormente; 288:342$475 réis: para mais, 249:929$585 réis!»
Se isto não fez subir os fundos, pergunto eu, o que e então que os faz subir? (Riso. - Apoiados.)
O illustre ministro poderá dizer-nos, que, em virtude da reforma administrativa e outros diplomas posteriores, foi extincta a engenheria districtal, e que pelo facto de passarem os engenheiros e mais empregados technicos das secretarias de obras publicas districtaes a fazer parte do quadro do seu ministerio, os seus vencimentos apparecem comprehendidos n'aquella verba.
De accordo. Mas os vencimentos de todos esses empregados não podia exceder a 50:000$000 réis, como consta dos documentos, e s. exa. augmentou a despeza em reis 249:000$000. (Apoiados.)
Logo, o resto foi para fazer subir os fundos em Londres. (Apoiados.)
Organisação da secretaria d'estado.
No relatorio que precede este decreto, e que é um primor de estylo, como tudo que sáe da penna do sr. Emygdio Navarro, (Apoiados) dizia-se que a nova organisação produzia uma economia de 8:000$000 ou 9:000$000 réis.
Tal affirmação causou-me surpreza, não só porque era isso contra os principios do illustre ministro, mas tambem porque o novo quadro da secretaria parecia-me mais largo e pomposo que o anterior, creando-se mais uma direcção geral. No emtanto podia ser.
Logo que se distribuiu o orçamento ordinario, fui verificar, e no mesmo mappa, a paginas 27, vem o que passo a ler; e deve sempre notar-se que as verbas orçamentaes nunca peccam por excesso. (Apoiados.)
«Secretaria d'estado. - Orçamento para 1887-1888, réis 102:065$996; anteriormente, 81:578$000 réis: para mais 20:487$996!»
Bem me parecia a mim, que a risonha affirmativa do relatorio era contra os princípios!
Reorganisação dos serviços de correios, teleyraphos e pharoes.
Vamos ao mappa já referido.
«Orçamento para 1887-1888, 955:032$000 réis; anteriormente, 756:160$290 réis: para mais 198:871$710 réis.»
Creio bem, que neste ponto s. exa. teria necessidade de augmentar as despezas, pois dá-se com o serviço dos correios e telegraphos o mesmo que com os serviços aduaneiros. O seu rendimento cresço de anno para anno, porque os serviços de onde provém esse rendimento augmentam igualmente, e assim torna-se necessario fazer face às despezas resultantes desse mesmo augmento.
No emtanto, um excesso de 198:000$000 réis na despeza, em um só anno, parece-me de mais, para ser explicada apenas pelo incremento dos serviços. Sem duvida que uma parte foi tambem para fazer subir os nossos fundos em Londres. (Riso.)
O sr. Emygdio Navarro não quiz deixar pedra sobre pedra no seu ministerio. E homem de larga iniciativa, entrou para o ministerio na pujança do seu grande talento, no vigor da vicia, e portanto entendeu que, havendo s. exa., combatido constantemente as administrações regeneradoras por não saberem melhorar os serviços públicos, diminuindo as despezas, tinha obrigação de aprefeiçoar tudo, reduzindo consideravelmente as despezas.
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Serviços agricolas, pecuarios, florestaes e ensino agricola.
Mappa a fl. 27:
«Orçamento para 1887-1888, 369:233$236 réis; anteriormente, 187:576$559 réis: para mais 181:656$677 réis.» Isto é, quasi o dobro!
É regular, não ha de que queixar. (Riso.)
Estabelecimentos de instrucção industrial e commercial.
Mappa a pag. 27:
«Orçamento para 1887-1888, 125:391$093 réis; anteriormente, 77:198$426 réis: para mais 48:192$667 réis.»
A calcular pela despeza devia ficar bem aperfeiçoado; mas o orçamento é que ficou aperfeiçoadissimo! Ficou nítido, como o famoso relatorio do sr. Carrilho. (Apoiados. - Riso.)
Vejam se eu tinha ou não rasão quando affirmava que ninguem concorrera tão poderosamente como o sr. Navarro para levantar o nosso credito em Londres! (Apoiados.)
E paro aqui, sr. presidente, para não cansar mais a camara.
Em questão de serviços agricolas, florestaes, pecuarios, industriaes e commerciaes o illustre ministro reformou tudo com o resultado que já notei para o orçamento.
Apesar de tudo eu não seria tão severo nas minhas criticas, se ao menos s. exa. tivesse melhorado estes importantíssimos serviços com manifesta utilidade da nossa agricultura, commercio e industria, por muito caras que realmente sejam estas reformas. (Apoiados.) Mas s. exa. gastou muito dinheiro, onerou o orçamento ordinário do estado espantosamente, e nem de leve tocou em nenhuma das graves questões que affligem a nossa agricultura.
Ora vejamos quaes ellas são.
Temos primeiro a questão cerealifera. Que fez s. exa. para a resolver? Absolutamente nada.
Em que podem as suas medidas minorar os males existentes?
Em cousa nenhuma. (Apoiados.)
Temos depois a industria agrícola da engorda do gado vaccum, industria dantes prospera, hoje arruinada pela falta de exportação, o que principalmente se torna sensível nas províncias do norte. Pensou s. exa. nisto ao elaborar as suas reformas?
Por certo que não. (Apoiados.)
Foi então para a exportação dos nossos vinhos, principal riqueza do paiz, que s. exa. voltou as suas attenções?
O illustre ministro conhece muito bem a importancia capital d'este assumpto. O nosso grande mercado de consumo está sendo a França, que já este anno recorreu às producções hespanhola e italiana em preterição da nossa. Dahi um mal estar já muito sensivel para os nossos vinhateiros. (Apoiados.)
É urgente a procura e conquista de novos mercados, sob pena de nos vermos a braços, de um momento para o outro, com uma grave crise economica.
O que fez o illustre ministro nesse sentido?
Nada, que me conste. (Apoiados.)
Outro assumpto que está preoccupando tambem os agricultores, é a baixa de preços de todos os géneros e ao mesmo tempo a elevação dos salarios.
V. exa., sr. presidente, sabe muito bem que a America e, especialmente, os Estados Unidos, estão fazendo uma concorrência quasi insustentavel às producções do nosso continente, principalmente aos productos agrícolas, e em todos os mercados europeus. Dahi uma baixa considerável e persistente nos preços.
Por outro lado a depreciação constante da moeda, o arroteamento e cultivo de novos terrenos, e especialmente a emigração, têem feito subir os salarios. Este desequilibrio não é hoje um dos menores males que affligem os nossos lavradores, e ao governo incumbe estudar a doença e procurar-lhe o remedio.
Pensou sequer nisso o sr. Emygdio Navarro?
As suas reformas que o digam. (Apoiados.)
Temos emfim, sr. presidente, a organisação do credito agricola, essa questão fundamental, a primeira e a mais importante de todas, do cuja resolução depende, em meu entender, a resolução de todas as outras.
O credito agricola, num paiz em que a propriedade está, póde dizer-se, retalhada em pequenas glebas, pertencentes a diversos proprietários; o credito agricola em um paiz em que a circulação fiduciaria quasi não existe fora de Lisboa e do Porto; o credito agrícola num paiz em que o dinheiro custa aos pequenos proprietarios e cultivadores, especialmente nas províncias do centro e do sul, 8, 10, 12 e 15 por cento, é a questão vital para uma agricultura, como a nossa, que definha rotineiramente, pela falta do emprego das machinas, do bom regimen, pesquiza e aproveitamento das aguas, do uso, emfim, dos modernos processos de cultura, o que tudo demanda o adiantamento de capitães baratos, abundantes e de fácil acquisição. (Apoiados.)
Sabe, v. exa., como na alta Itália, por exemplo, se acha resolvido o problema do credito agrícola?
Pela instituição de bancos agrícolas, protegidos pelo estado, e principalmente pela organisação de uma extensissima rede de pequenos bancos populares, devidos á iniciativa particular.
(Interrupção do sr. ministro das obras publicas.)
V. exa. diz que o problema do credito agrícola não está ainda resolvido em parte alguma?
Não me offendo com essa contestação, e não quero contrapor as minhas afirmações às de v. exa., porque não sou um economista ou um financeiro.
Mas á auctoridacle do illustre ministro opponho a do sr. Leon Say, que me parece valer um poucochinho mais do que a de s. exa. n'estes assumptos.
Admira-me que o sr. Emygidio Navarro não conheça a interessante monographia escripta por aquelle illustre estadista e homem de sciencia, ácerca dos bancos populares, e que tem por titulo Dix jours dans la haute Italie. (Apoiados.)
Comprometto-me porém a facilitar a s. exa. a sua leitura, tão instructiva como agradavel, se o illustre ministro, m'o permittir.
Ahi verá s. exa., ao lado dos bancos agrícolas, fomentados e protegidos pelo estado, como se desenvolveram e estão em pleno florescimento os bancos populares, cujo estabelecimento e cuja fortuna são devidos aos persistentes e intelligentissimos esforços do sr. Luzzatti, um distinctissimo professor, e, mais do que isso, um grande patriota e um verdadeiro philantropo.
O sr. Luzzatti, quando emprehendeu a cruzada dos bancos populares, percorreu as cidades, villas e aldeias da Lombardia, fazendo prelecções publicas, incitando pelos seus conselhos e pelo exemplo os homens mais importantes das localidades a aggremiarem-se para a fundação destes pequenos estabelecimentos de credito, tendo o prazer de ver as suas palavras escutadas com interesse e respeito, e os seus trabalhos coroados de inteiro e pleno successo.
Sabe o sr. ministro a rasão por que as suas reformas hão he ficar estéreis, inúteis, improfícuas em bons resultados praticos?
E porque s. exa. as sujeitou a um falso criterio, antiquado, secco, puramente burocrático. (Apoiados.}
Hoje predominam as sciencias experimentaes e de observação. As sciencias especulativas tiveram o seu tempo.
S. exa. vive ha muito tempo e exclusivamente numa atmosphera puramente política, deixe-me assim dizer, inteiramente artificial, separado dos factos e das cousas que interessam verdadeiramente o viver nacional, o agricultor, o industrial, o operario e o trabalhador.
Conhece as questões pelos livros, porque o s r. Emygdio Navarro e um homem muito illustrado. Mas o que s. exa.
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desconhece, é o lado pratico d'estas questões, e esse é o grande peco das suas reformas.
Pois não disse, ha dias, nesta camara o illustre ministro das obras publicas, que o milho para produzir bem, se devia semear a metro e meio de profundidade...
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Eu não disse aqui similhante cousa.
O Orador: - Tenho-o ouvido repetir por toda a parte.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Não disse similhante cousa; o que eu disse foi, que o trigo como o milho, eram susceptíveis de lançar as raízes a metro e meio de profundidade.
Não ha arados que dêem essa profundidade; ha apenas os arados de surriba; e se os lavradores quisessem usal-os, pouco lucro tirariam do seu trabalho.
O milho e o trigo, repito, podem lançar raizes a metro e meio de profundidade, o que não quer dizer que se semeie a metro e meio de profundidade; mas sendo o milho, como o trigo, susceptíveis de grandes raizes, quanto mais funda for a lavoura, maior deve ser a sua producção.
O Orador: - Suspendo a minha primeira affirmação, mas aproveito a ultima que s. exa. fez.
S. exa. diz que o trigo, como o milho, são susceptíveis de lançar raises a grandes profundidades, podendo com uma lavoura funda augmentar-se a sua producção. Até aqui perfeitamente de accordo. Mas o que importa é ver a questão pelo lado económico.
O trigo como o milho não são plantas de jardim ou de estufa, que se cultivem pelo seu valor estimativo, ou pela sua belleza. São generos agrícolas, que se cultivam n'um fim; puramente economico.
É preciso pois ver o lado pratico destas cousas.
É necessario ver previamente o que rende mais, se os cereaes semeados a grandes profundidades, ou nas usadas entre nós.
Imagine o illustre ministro que 1 hectare de terreno semeado de milho, com lavoura de Oni,50 de profundidade, produz 1:200 litros, ficando as despezas de cultura por 10$000 réis; e que outro com lavoura de 1m,50 produz 2:000 litros, mas ficando as despezas de cultura por réis 30$000.
Qual dos dois processos será realmente mais productivo?
E que toda a questão reside no equilíbrio entre a custo e o preço ou renda da producção.
Falta-me ainda analysar duas medidas das publicadas pelo governo no interregno parlamentar, e que eu não classifiquei em nenhum dos ministerios.
O governo entendeu, e muito bem, que não era rasoavel, nem util, nem conveniente, que houvesse empregados addidos, que, não fazendo serviço, recebessem os seus vencimentos como aquelles que trabalham.
Mandaram, pois, organisar por todas os secretarias distado, um cadastro dos empregados addidos, e determinaram que a esses empregados fossem dadas commissões de serviço, não os obrigando comtudo a mudar de residência, e que as- vagas nos respectivos quadros fossem preenchidas alternativamente pelos empregados addidos e pelos em effectivo serviço.
Era uma boa medida de administração.
Quiz eu pois conhecer a execução, que o governo dera á sua própria medida, e por isso, logo numa das primeiras sessões, requeri, que fossem enviadas a esta camara, com urgência, copias dos cadastros organisados pelos diversos ministérios, e uma relação dos empregados addidos que estavam servindo em commissões, e dos que haviam sido já collocados porventura na? vagas occorridas.
V. exa., sr. presidente, sabe bem, como esta minha requesicão foi satisfeita. Apenas os ministérios da justiça e dos negocios estrangeiros informaram, que não havia lá nenhum empregado addido.
Dos outros, nem resposta nem mandado; d'onde conclui, que este decreto dictatorial foi simples poeira lançada aos olhos do contribuinte, para não ver qual era a verdadeira dictadura.
Com o mesmo intuito, me parece haver sido publicado o decreto reduzindo os subsídios aos deputados da nação.
De similhante decreto direi apenas, que estou convencido da sua efficacia, no que respeita á cotação dos fundos.
No estrangeiro ha banqueiros, a quem elle devia ter sido muito agradavel; são aquelles que possuem os títulos do emprestimo de D. Miguel.
Devem elles ter ficado convencidos, como eu tambem o estou, de que o actual governo pretende seriamente voltar ao governo, pessoal e absoluto do antigo regimen, pelo affinco com que procura de todos os modos desprestigiar e desauctorisar os corpos legislativos. (Apoiados.}
É pois natural, que os portadores dos títulos do empréstimo de D. Miguel, sympathisem com um governo, que tão favorável se mostra ás suas idéas e que por isso o protejam. (Riso.}
Mas sr. presidente, a melhor critica d'estas medidas, aquella que entra por todos os olhos, a que se impõe eloquentemente a todos os espíritos definindo vigorosamente a proficuidade dos actos dictatoriaes, encontra-se no exame do orçamento rectificado em cuja analyse vou agora entrar especialmente.
Vejamos primeiro como se apresenta o orçamento rectificado que está em discussão.
Orçamento rectificado para o exercício de 1886-1887:
[Ver tabela na imagem].
Eis uma critica eloquentíssima, e ao alcance de todas as intelligencias!
A administração do governo, administração cuidadosa e severa dos dinheiros públicos, conseguiu dar resultados surprehendentes: não só os fundos sobem, mas sobe tambem o orçamento rectificado! (Apoiados.)
Isto é o que se chama uma obra completa. Os fundos a 5 por cento e um orçamento rectificado de 43.943:527$655 réis! Se não estão contentes e satisfeitos não sei o que lhes faça!
Tem rasão o partido progressista. Resultados como este ainda se não viram cá. (Riso.)
Vejamos agora quaes foram as differenças entre as previsões da lei de meios, que no anno passado substituiu o orçamento ordinário, e estes eloquentíssimos números do orçamento rectificado.
Differença para mais das previsões:
[Ver tabela na imagem].
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Erro nas previsões 5.804:444$184 réis!
Também é o maior que se tem visto nos nossos orçamento.
Depois disto ainda haverá alguém, que julgue útil ou conveniente discutir os orçamentos ordinários, os orçamentos de previsão, quando elles forem organisados como o são entre nós. (Apoiados.)
Os orçamentos de previsão devem ser os documentos mais pensada e cuidadosamente elaborados, que um governo apresente ao parlamento; e a sua discussão, quando organisados nestes termos, é o ensejo mais opportuno de se (emendarem muitos erros, de se corrigirem muitos abusos dá administração do estado, que o exame annual vae trazendo ao conhecimento dos representantes da nação.
Entre nós, porém, é isto que se vê!
Por isso eu tenho de ha muito um medíocre enthusiasmo pelas discussões dessa ficção, entre nós conhecida pelo nome de orçamento ordinario. (Apoiados.)
Mas o orçamento rectificado para o corrente exercício é um orçamento de liquidação, na innocente phrase do sr. ministro da fazenda.
Vamos, pois, liquidar por confronto a administração regeneradora no ultimo exercício da sua gerência, o de 1885 a 1886, e a administração progressista no exercício corrente, devendo previamente recordar que o primeiro foi o do anno das vaccas magras, e o segundo é relativo a um anno da maior prosperidade para todos os paizes europeus.
N'esse sentido organisei os dois mappas, que vou ler á camara, e que serão opportunamente publicados com o meu discurso.
O primeiro apresenta-nos os resultados que se consignam nos dois orçamentos dos srs. Hintze Ribeiro e Marianno de Carvalho.
O segundo indica os resultados definitivos, taes como se encontram nos dois pareceres das commissões do orçamento nos annos respectivos.
Propostas ministeriaes
[Ver tabela na imagem].
Pareceres das commissões do orçamento
[Ver tabela na imagem].
Vê-se, pois, que as receitas proprias de s. exa. cresceram do ultimo anno para o corrente 1.622:000$000 réis, segundo a proposta do sr. ministro da fazenda, e réis 3.778:000$000, segundo o parecer da commissão.
Vê-se mais, que as despezas augmentaram no mesmo período 2.281:000$000 réis, segundo a proposta ministerial, e 1.937:000$000 réis, segundo o parecer da commissão.
Vê-se ainda, que o déficit total do corrente exercício é superior ao do exercício de 1885-1886 em 659:000$000 réis, segundo a proposta, e em 159:000$000 réis, segundo o parecer.
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É conveniente que se saiba isto, porque era fira é muito bom ser triumphador, mas tambem não é mau lembrar, que, junto ao carro dos triumphadores, costumava na antiguidade ir um escravo para lhes lembrar que eram homens.
Eu represento neste momento o papel do escravo, perante o sr. ministro da fazenda. (Riso.) Vou sempre lembrando a s. exa. que, apesar de todas as altas dos nossos fundos, da considerável diminuição no j aro dos suprimentos para a divida fluctuante, e mais fortunas sabidas, o desequilíbrio orçamental é ainda mais importante do que no exercício anterior, em que os fundos estavam inferiormente cotados, os juros da divida fluctuante eram mais onerosos, etc., etc.
E isto é que é decisivo.
A titulo de mera curiosidade, quero fazer notar, que no parecer da commissão do orçamento de 1880 as receitas sobem relativamente ao orçamento 13:000$000 réis, emquanto as despezas augmentam em 456:000$000 réis, ao passo que no parecer em discussão as receitas sobem réis 169:000$000, e e as despezas apenas 111:000$000 réis.
Quer isto dizer que emquanto no parecer da commissão de 1886 o desequilíbrio orçamental se aggravava ainda pela somma de 443:000$000 réis, n'este o desequilíbrio é menor em 58:000$000 réis que o da proposta ministerial.
O anno passado, quando se discutiu o orçamento, o ministro que o tinha apresentado já não estava nas cadeiras do poder, e não sei se isto explicará a rasão do facto que deixo apontado.
O sr. Carrillio: - No dias de fevereiro de 1886 foi apresentado o parecer sobre o orçamento rectificado e distribuído impresso pouco depois. Nessa data nem se pensava na queda do ministerio regenerador.
O Orador: - Será assim, e tambem não insisto nesta questão.
Continuemos na liquidação.
Mas para ella ser cabal, justa e sincera torna-se necessário, que por um lado attendamos às despezas extraordinárias que por motivos de ordem publica se effectuaram no exercício de 1885-1886, e não se repetiram no corrente, bem como ao accrescimo das receitas não provenientes de empréstimos; e por outro às despezas extraordinárias consignadas neste orçamento e relativas a actos ou contratos da iniciativa e responsabilidade do ultimo ministerio regenerador.
Só assim é que poderemos ver quem gastou mais, e quem gastou melhor. (Apoiados.)
No exercido de 1885-1886 houve as seguintes despezas extraordinárias, que não se repetiram no exercício corrente, como se vê do parecer respectivo:
[Ver tabela na imagem].
Vejamos agora quaes são as verbas de despeza extraordinária consignadas no orçamento em discussão, e relativas a actos ou contratos da responsabilidade do ministerio transacto.
Verbas importantes no orçamento rectificado, tal como estão descriptas, não vejo senão duas: a verba para caminhos de ferro de 3.456:000$000 réis, e a de 157:000$000 para pagamento do resto dás encommendas dos armamentos.
Quanto á primeira, apparece ella descripta por forma, que não é fácil descriminar o seu emprego, e portanto as responsabilidades que tenho em vista apurar.
No mappa da despeza extraordinária apresentado pelo sr. Hintze Ribeiro para o corrente exercício descreviam-se separadamente as verbas destinadas para construcção do caminho de ferro do Algarve e prolongamento das linhas do sul e sueste, e a destinada para estudos, construcção e mais despezas de outros caminhos de ferro.
Quando, porém, se apresentou a lei de meios, que substituiu o orçamento ordinario, já o sr. Emygdio Navarro era ministro das obras publicas e s. exa. conglobou estas duas verbas em uma só. E fez mais. Querendo illustrar o inicio da sua gerencia com uma medida de economia, disse, que réis 1.200:000$000, somma das duas verbas propostas pelo seu antecessor, eram de mais para um anno, e reduziu a proposta a 1.000:000$000 réis.
Esta economia de 200:000$000 réis, tão rasgadamente offerecida para equilíbrio do orçamento do corrente exercício pelo sr. ministro das obras publicas, veiu a sair-nos cara, caríssima, pois s. exa., em troca d'aquella diminuição, pede-nos agora mais a bagatella de 2.456:000$000 réis!
Outro facto tambem sem precedentes! (Apoiados.)
Deus nos livre que o illustre ministro se lembre este anno, e na lei de meios, de cortar alguma despeza no seu ministério, porque se assim fizer, para o anno, em vez de pedir 2.456:000$000 réis, é capaz, de pedir o triplo!
Mas, dizia eu que era muito diffícil, se não impossível, descriminar nesta verba, tal como está descripta, a parte que é destinada a remunerar serviços, a pagar despezas, ordenadas já pelo actual sr. ministro. E não deve ella ser pouco importante, pois,, como é sabido, s. exa. organisou umas divisões de engenheiros que andam a estudar caminhos de ferro, para toda a parte, divisão do norte, divisão do sul, divisão do oeste, e não sei quantas mais divisões! Ora essas divisões compõem-se de um pessoal numerosíssimo e eu não sei qual é a verba por onde s. exa. lhes paga.
Esta despeza de 456:000$000 réis ha de ficar toda á nossa responsabilidade?
Quero porém fazer-lhe a vontade. Sejamos nós que fiquemos com a responsabilidade de todas as despezas com caminhos de ferro, que s. exa. conglobou nesta verba de 456:000$000 réis.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Tenho muita pena de dizer ao illustre deputado, que são tres mil quatrocentos e tantos contos de réis.
O Orador: - Na totalidade; mas como na lei de meios se descreveram 1.000:000$000 réis, o accrescimo agora é de 2.456:000$000 réis.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Mas para o déficit total contam-se três mil quatrocentos o tantos contos de réis.
O Orador: - Lá vamos já. O sr. ministro da fazenda pretende, que só elle sabe fazer contas.
Vamos a ver se as minhas me saem certas.
Qual foi a verba descripta para todas as despezas com caminhos de ferro, no orçamento rectificado para o exercício de 1885-1886?
Essa verba foi de 1.500:000$000 réis.
Ora, se abatermos da quantia de 3.456:000$000 réis que se descreve neste orçamento, e cuja responsabilidade pretendem lançar-nos, a de 1.500:000$000 réis, que nós gastámos em 1885-1886 em idêntica despeza, e se juntarmos ao resultado, assim obtido, a quantia de 157:000$000 réis, que o sr. ministro da guerra pagou no exercício de 1886-1887, por conta das encommendas feitas pelo seu antecessor n'aquella pasta, temos 2.113:000$000 réis, somma total das despezas que o actual governo paga a mais neste exercício, do que se pagou no anterior, e cuja responsabilidade se quer liquidar contra nós. E, repito, não discuto para o meu fim a maneira como se pretende legalisar esta enorme despeza de 3.456:000$000, que se descreve no orçamento rectificado
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por uma fórma que seja, dito sem a menor offensa para o caracter do illustre ministro, faz lembrar as contas do grancapitão.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - A maior parte dessas verbas representam contas de liquidação de ha tres ou mais annos, e referem-se principalmente a contas de empreitadas que ha tres ou mais annos deviam ter sido pagas.
O Orador: - Não duvido do que diz o sr. ministro das obras publicas; mas s. exa. havia por forca de gastar alguma cousa, e não pouco, por conta destas verbas, com as taes famosas legiões que s. exa. lançou por todo o paiz.
O que eu desejava é que s. exa. liquidasse claramente as responsabilidades de cada um. O que eu desejava é que s. exa. viesse dizer: responsabilidades minhas, estas; responsabilidades dos meus antecessores, est'outras. (Apoiados.)
Mas, repito, o resultado é este: 2.113:000$000 réis como differença entre as despezas feitas com caminhos de ferro e estudos em 1880-1886 e a despeza feita com caminhos de ferro e estudos em 1886-1887, segundo se descreve nos respectivos orçamentos, e incluindo tambem os 157:000$000 réis que se pagaram por conta dos armamentos já encommendados.
E abatendo esta quantia da de 4.174:397$835 réis, importância total das despezas exaradas que se não repetiram no presente exercício, e do acréscimo das receitas, que desappareceram na voragem, restam-nos ainda réis 2.061:397$835, cujo desapparecimento eu não sei explicar senão, como já disse, pelos augmentos de despeza resultantes das reformas dictatoriaes, e ainda por uma outra dictadura a que logo me referirei.
E não preciso lembrar ao sr. ministro da fazenda, que os supprimentos para a divida fluctuante era 1885-1886 custaram-nos 6 e 8 por cento de encargos, emquanto no presente exercicio s. exa. tem-os obtido a 4 e 4 1/2 por cento.
A economia assim realisada, e que devia ser importante, não se reflectiu no orçamento em discussão.
É possivel que o thesouro ganhasse com essas differenças de juro; mas as finanças do estado é que em ultimo resultado nada ganharam, porque o desequilíbrio orçamental é este que acabo de descrever.
Sr. presidente, vem agora apello dizer a v. exa. que lamento profundamente, que uns documentos por mim pedidos logo no principio da sessão parlamentar não fossem ate hoje enviados a esta camara.
Pedi uma relação das gratificações mandadas abonar pelo ministerio das obras publicas aos differentes empregados dependentes d'aquelle ministerio; e pedi essa relação única e simplesmente para poder, com bom fundamento, accusar o illustre ministro das obras publicas, ou fazer-lhe inteira justiça, conforme o modo por que s. exa. tenha gerido os dinheiros da nação.
Mas porque não vieram esses documentos?
Ou o illustre ministro deu gratificações avultadas ou não deu.
Se as não deu, que rasão póde s. exa. ter para recusar documentos que o justificavam?
Se as deu, procedendo desta forma quer s. exa. deixar á nossa phantasia, á nossa imaginação, o avaliar o quantitativo dessas gratificações, tomando para base de calculo as economias que s. exa. realisou com as suas reformas? (Apoiados.)
Mas das reformas de occasião, feitas pelo illustre ministro, ha uma que é verdadeiramente typica, e que por isso eu não posso deixar de apresentar á camara.
É a reforma do instituto industrial.
Por todos os respeitos é digna de menção especial. Alem d'isso a sessão parlamentar vae tão adiantada, o interregno parlamentar foi tão longo, e os actos do governo nesse interregno foram tantos e tão extraordinarios, que, por
certo, o tempo não chegará para os apreciarmos a todos.
Aproveito, pois, o ensejo para analysar esta reforma do illustre ministro das obras publicas, que, repito, dá a medida exacta do seu pensamento de reformador.
Realisou s. exa. essa reforma por meio de um decreto sem a assignatura dos outros seus collegas no ministerio, e simplesmente com a sua.
E para tirar todo o caracter dictatorial a esse acto, s. exa. começou por se declarar auctorisado a proceder d'esse modo polo artigo 39.º do decreto de 30 de dezembro de 1852, pelo artigo 11.° do decreto de 30 de dezembro de 1869 e pelo artigo 8.° da lei de 6 de março de 1884.
Vejamos o que dizem essas disposições legislativas, e chamo para este ponto, que é interessantíssimo, a attenção da camara.
Vou ler os artigos citados, começando pelo do decreto de 1852, sendo já para notar, como original e único, o facto de s. exa. recorrer a uma pretendida auctorisação concedida ha trinta e tantos annos ao poder executivo.
Diz o artigo 39.°:
«Os graus do ensino industrial poderão comprehender outras materias, além das contidas neste decreto, quando assim se julgar conveniente.»
Recorrer em 1886 a uma auctorisação concedida ao governo em 1852, e interpretar a disposição que acabo de ler, que se referia apenas às materias, que os graus de ensino poderiam comprehender, para crear uma infinidade de cadeiras, e até logares de officiaes, contínuos ou porteiros das secretarias dos institutos, é levar realmente as cousas muito longe! (Apoiados.)
Vejamos agora o artigo 11.° do decreto de 30 de dezembro de 1869.
«Alem dos cursos designados nos artigos 8.° e 9.°, poderá o governo crear novos cursos, se assim o julgar conveniente, precedendo propostas do conselho de aperfeiçoamento, e sem dependência de medida legislativa, quando não haja augmento de despeza.»
Como glosa a este artigo apenas direi que a despeza se elevou, por virtude da reforma do sr. Emygdio Navarro, de 39:000$000 a 74:000$000 réis, como se vê do orçamento ordinario para o anno de 1887-1888!
Já se vê, pois, que o artigo referido foi tambem com muita rasão citado! (Apoiados.}
Finalmente o artigo 8.° da lei de 6 de março de 1884
«Fica o governo auctorisado: diz:
«2.° A fazer quaesquer alterações nos varios cursos e distribuição de fundos do mesmo instituto, quando as conveniencias do ensino o tenham indicado, e precedendo proposta do respectivo conselho escolar.»
Não é preciso discutir se, dentro desta auctorisação, cabiam poderes para a reforma effectuada. O que pergunto apenas é se houve a proposta do conselho escolar, condição sine que non imposta pela lei de 1884. Todos sabemos que não houve.
De fórma que os artigos de lei, invocados pelo sr. ministro das obras publicas, não só o não auctorisavam a fazer a reforma, mas ate dizem exactamente o contrario d'aquillo que s. exa. lhes attribue. (Apoiados.)
Mas não pára aqui.
As novas cadeiras crearam-se em dezembro, nas vésperas da abertura do parlamento, mas os cursos só podem começar no próximo setembro, principio do anno lectivo. No emtanto nomearam-se logo os professores, sem concurso e sem exame de qualquer espécie. Por forma que a maior parte dos novos professores de professores só têem o nome. Perdão! têem ainda uma outra cousa, que não é para desprezar - os ordenados e as gratificações. (Apoiados.)
É aqui tem v. exa., sr. presidente, explicada a rasão por que as despezas ordinárias do ministerio das obras publicas subiram de um anno para o outro a bagatella de
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1.122:000$000 réis! Não é preciso recorrer aos expedientes que se lêem no relatório do orçamento ordinário para 1887-1888. E nem assim encontra salvação possível.
É verdade que a verba de despeza para portos e rios, na importancia de 280:000$000 réis, passou, nesse orçamento, das despezas extraordinarias para as ordinarias, de onde o sr. Barro s Gomes em tempos a havia tirado.
Mas, ao passo que assim se procede, pretendem tambem abater n'aquelles 1.122:000$000 réis 514:180$000 réis, verba transcripta dos orçamentos districtaes, e relativa aos serviços que, pelas ultimas reformas, voltaram de novo ao poder do estado.
Á primeira vista parece isto regular; mas logo acode á lembrança que, ainda ha poucos dias, approvámos uma lei, auctorisando o governo a dispender annualmente réis 1.600:000$000 na construcção das estradas reaes e districtaes, realisando-se para tal fim um emprestimo; e que, para fazer face ao juro e amortização do capital emprestado, se incluísse a verba de noventa e tantos contos de réis no orçamento do ministerio da fazenda.
Ora, d'aquella quantia de 514:180$000 réis, mais de 300:000$000 réis representam o addicional para a viação districtal.
A que vem, pois, esta verba nas compensações a attribuir ao ministerio das obras publicas, se a despeza com a construcção das estradas desappareceu das tabellas daquelle ministerio?
Não é bem patente a ficção? (Apoiados.)
Veja-se mais uma vez o que é a orçamentalogia em Portugal!
O illustre ministro confessa um augmento indesculpavel de 200:000$000 réis nas despezas ordinarias do seu ministério. Com mais aquelles 300:000$000 réis, que tão mal se encobriram, temos pelo menos e indiscutivelmente um augmento de 500:000$000 réis.
Pergunto de novo se eu tinha ou não solidas rasões para affirmar que o sr. ministro das obras publicas concorrera proficuamente, como nenhum dos seus collegas, para-a alta cotação dos nossos fundos em Londres!
Não quero metter-me em capitalisações, pois que o sr. Marianno de Carvalho exige para isso que se seja versado nas sciencias mathematicas como o sr. Carrilho; mas parece-me que 500:000$000 réis de despeza ordinaria e effectiva representam um capital muito regular. (Apoiados.)
Antes de terminar quero fazer algumas ligeiras considerações sobre as propostas do sr. Marianno de Carvalho e seu plano financeiro.
O sr. ministro da fazenda já nos declarou aqui, desassombradamente, sem ambages e sem rodeios, que pedia 3.000:000$000 réis de novos encargos ao paiz.
Eu penso que é menos, mas sempre mais de réis 2.000:000$000.
Ora, quando no anno passado de 1886 o sr. Hintze Ribeiro apresentou as suas propostas, em que appellava tambem para a bolsa do contribuinte, levantou-se cFestas bancadas um homem que hoje é membro do governo, o sr. Barros Gomes, e perguntou-nos sobranceiramente:
«Quaes são as reducções de despeza, operadas no orçamento, que dão ao governo auctoridade moral para vir pedir novos sacrifícios ao paiz?
«Quaes são as reducções de despeza que o governo fez, e como nos demonstra que por esse meio não se póde equilibrar o orçamento? Emquanto o governo regenerador não responder a estas perguntas, não tem auctoridade nem direito para pedir mais sacrifícios ao paiz, e o paiz é que tem o direito de lh'os negar.»
Chegou agora a nossa vez de increparmos o actual governo da mesma forma, e espero que o illustre ministro dos estrangeiros nos acompanhará na cruzada contra as exigências duríssimas do sr. ministro da fazenda.
Menos dramaticamente, mas com igual fundamento, pergunto eu também, se é depois de reducções de despeza, como as operadas pelo governo, e em especial pelo sr. Emygdio Navarro, que o ministerio julga haver adquirido a tal auctoridade moral sobre o paiz, para lhe vir, logo depois da dictadura, pedir mais 3.000:000$000 réis? (Apoiados.)
Verdade é que o sr. Marianno de Carvalho promette regular de vez o estado do nosso orçamento, isto é matar o déficit; e o sr. Hintze Ribeiro não se abalançava a tanto.
E possível que isso console alguém, mas quanto a mim admira-me tanto a promessa, como me surprehenderia a sua realisação.
S. exa. deveria ser mais cauteloso e prudente se, na experiência de um desastre illustre, succedido com promessa igual, procurasse exemplo proveitoso e útil lição.
S. exa. não mata o déficit. E sabe porque o não mata? Não sou eu que lho hei de dizer, mas sim um seu correligionário illustre. Vou ler-lhe e á camara o trecho de um artigo do Primeiro de janeiro, publicado dias depois de ser conhecido o relatório da fazenda publica do actual ministro.
Parece-me que a auctoridade não póde ser mais insuspeita. Diz assim:
«Talvez por ouvirmos fallar quotidianamente, ha bons vinte annos na questão de fazenda, custa-nos a crer que alguém consiga remover similhante assumpto da ordem do dia perpetua da política portugueza: e depois temos a suspeita de que o déficit orçamental é tão difficil de preencher como era de encher o classico tonel das Danaides. O que faltava às condemnadas filhas de Danao para resolverem a sua questão de fazenda, não era agua, que enchesse a vasilha, era fundo na vasilha para suster a agua; se o. sr. Marianno de Carvalho não inventou tambem um fundo para o tonel da despeza do estado, o seu de vez ha de vasar-se, sem parar um instante, de envolta com todos os três mil e tantos contos de receita, que projecta crear.
«E seja dito á puridade, o governo não tem revelado assignalada vocação para tanoeiro!»
Aprenda tanoaria, sr. ministro da fazenda, é o seu mais illustrado e mais valioso correligionário no norte do paiz, que assim lh'o recommenda. E logo que saiba o officio, apresse-se a ensinal-o ao seu collega das obras publicas, porque lá que no tonel desse ministerio ha aduella de menos, isso não tem duvida alguma! (Riso. - Apoiados.)
Veja como só num anno por ali se escoaram mais de 500:000$000 réis!
Sr. presidente, quando no anno passado o sr. Hintze Ribeiro aqui apresentou as suas propostas de fazenda, não houve ironia, não houve sarcasmo, não houve accusação que se lhe não fizesse. O sr. Barros Gomes foi um dos mais indignados, o que é tanto mais para admirar, quando é pouco dado a paixões violentas.
Uma das cousas que mais irritou o illustre ministro dos estrangeiros, foi a proposta para a reforma da pauta geral das alfandegas. Nessa proposta isentavam-se de direitos de exportação as pérolas e as gemmas de todas as qualidades, ao passo que o governo pretendia tributar pesadamente géneros de primeira necessidade para as classes pobres. S. exa. perorou calorosamente contra propósitos tão cruéis como desarasoados, e perguntava jacobina e tambem um pouco insidiosamente: «Mas porque será isto?» será porque estão próximas as festas do casamento de Sua Alteza o Príncipe Real, e o governo deseja, que as damas que hão de figurar nas festas reaes, possam adornar melhor e por menos preço os colos alabastrinos?! E concluía severamente:
«A família real não gosta disto.»
E agora gosta?
Porque é de saber-se, que o governo actual se propõe a levantar tambem os direitos ou os impostos sobre géneros de primeira necessidade para as classes operarias e menos abastadas, como, por exemplo, sobre café, milho, assucar
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e sobre o arroz. Duvida alguém que o café, o assucar e o arroz são alimentos indispensáveis o ordinários das classes operarias, e que o milho é nas nossas províncias o pão do pobre? (Apoiados.) E ao mesmo tempo, e isso é que me admira, por ainda não ter ouvido estalar as santas indignações do sr. ministro dos negócios estrangeiros, as pérolas e as geminas vão entrar de graça!! (Riso.)
Agora já o sr. ministro dos negócios estrangeiros se não exalta, só porque, ao passo que os pobres vão ter aggravada a sua situação económica, se poderão adornar melhor e por menos preço os colos alabastrinos das damas que concorrem às festas reaes. Porque as festas reaes, felizmente, não acabam. O que houve foi mudança em algumas das damas que frequentam no momento actual os paços reaes.
Talvez isso explique o resto. (Apoiados.)
Primeiro porque a competência e saber do sr. Barros Gomes em assumptos financeiros são tão universalmente reconhecidos e estimados, que nem mesmo s. exa. escapa inteiramente a esta impressão geral. (Riso.)
Em segundo logar porque quero offerecer a lição ao paiz, para que este veja, segundo as próprias theorias do sr. Barros Gomes, se o actual governo tem auctoridade moral para lhe exigir os pecados sacrifícios constantes das propostas de fazenda. (Muitos apoiados.) Quero que o paiz veja e decida quem são os esbanjadores (Apoiados), se somos nós. ou se sois vós. (Muitos apoiados.)
Liquidação! E uma liquidação, mas não da nossa política. E a liquidação das reformas dictatoriaes, acrescentada pela das loucas despezas com os festejos do casamento real, festejos que foram as aguas lustraes em que o partido progressista se purificou do seu antigo espirito jacobino, desinquieto e irrespeitoso. (Muitos-apoiados.)
O governo foi inhabil á força de habilidades. Quiz provar de mais e por isso não provou nada.
Pois que? Não se descreve verba alguma da despeza com esses festejos, cuja existência e realidade está aliás na consciência de todos nós e na do paiz, e querem que alguém acredite na verdade representada por este orçamento? (Apoiados.)
Eu não quero citar factos, e podia citar muitos, quero só pôr em evidencia que, a avaliar por este orçamento, o governo não gastou nem 5 réis com es festejos! (Apoiados.)
E um triste processo este, mas do agrado do governo e dos seus amigos.
Ninguém fez maior mal ao projecto da conversão do que
o sr. Carrilho, quando affirmava, que com o systema de amortisacão proposto pelo governo, e com os 100:000$000 réis da caixa geral de depósitos, podíamos amortisar até a divida publica da Europa inteira!
Depois disso todos Mearam Jogo convencidos, de que se não amortisaria cousa alguma. (Riso. - Apoiados.)
Fallar sempre a verdade ao paiz, tal é a principal obrigação e o mais vivo interesse dos governos, como dos parlamentos.
Temos os nossos fundos cotados em Londres a 57 por cento? É verdade; e por isso felicito o sr. ministro da fazenda, o governo, o paiz e toda a camara.
Mas tambem é verdade que temos o orçamento rectificado com 44.000:000$000 réis de despeza, e perto de réis 10.000:000$000 de déficit, e por similhante facto não posso felicitar ninguém! (Apoiados.)
Se os fundos nunca chegaram a 57 por cento, tambem o orçamento rectificado nunca chegou a 44.000:000$000 réis! E se a primeira gloria pertence ao sr. ministro da fazenda, a segunda pertence-lhe pelo mesmo direito. (Apoiados.)
E por isso que eu, que acima de tudo sou portuguez, que me interesso muito mais pelas vantagens do meu paiz, do que pelos interesses do meu partido, termino fazendo votos para que o sr. Marianno de Carvalho, que já elevou os fundos a 57 por cento e as despezas a 44 000:000$000 réis ponha todo o seu cuidado em que a primeira gloria nos não venha a sair tão cara, como já nos custa a segunda. (Muitos apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi cumprimentado.)
Leu-se na mesa a seguinte
Moção de ordem
A camara, fazendo votos para que o credito do paiz se robusteça e afiirme nas solidas bases de uma severa administração dos rendimentos e serviços públicos, unicamente inspirada na pratica dos bons princípios económicos e financeiros, passa á ordem do dia. = Franco Castello Branco,
Foi admittida.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da de hoje e mais os projectos n.ºs 105 e 106.
Está levantada a sessão.
Eram mais de seis horas da tarde.
Redactor = S. Rego.