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SESSÃO DE 9 DE JULHO DE 1869

Presidencia do Exmo. Sr. Diogo António Palmeiro Pinto

Secretarios - os Srs.

José Gabriel Holbeche
Henrique de Barros Gomes

Chamada - 55 Srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão - os Srs. Ornellas, Costa Simões,
Pereira de Miranda, Villaça, Sá Nogueira, Silva e Cunha, A. J. Pinto de Magalhães, Sousa e Menezes, Magalhães Aguiar, Costa e Almeida, Falcão da Fonseca, Montenegro, Saraiva de Carvalho, B. F. da Costa, C. de Seixas,
Conde de Thomar (Antonio), D. J. Freire, Palmeiro Pinto, Diogo de Macedo, F. J. Vieira, Francisco Beirão, Coelho do Amaral, Diogo de Sá, Francisco Costa,
Francisco L. Gomes, Pinto Bessa, Quintino de Macedo, Barros Gomes, Henrique de Macedo, Vidigal, Alves Matheus, Nogueira Soares, Joaquim Pinto de Magalhães,
Joaquim Thomás Lobo d'Avila, Cardoso, J. A. Maia, Correia de Barros, Bandeira de Mello, Infante Passanha, Sette, Mello e Faro, Holbeche, Lemos e Nápoles, Vieira de Sá, Teixeira de Queiroz, J. M. Lobo d'Avila, Rodrigues de Carvalho, José de Moraes, Oliveira Baptista, Nogueira, Silveira e Sousa, Afonseca, Penha Fortuna,
Valladas, Paes Villas Boas, Visconde de Guedes.

Entraram durante a sessão - os srs. Braamcamp, Alves Carneiro, Ferreira de Mello, Falcão de Mendonça, Sá Brandão, Veiga Barreira, Guerreiro Junior,
Fontes, Eça e Costa, Barão da Ribeira de Pena, Gareez, B. F. Abranches,
Carlos Bento, Fernando de Mello, F. F. de Mello, Noronha e Menezes, Gil,
Baima de Bastos, Corvo, Ferrão, Assis Pereira de Mello, Cortez, Aragão,
Matos Correia, Gusmão, Galvão, Dias Ferreira, Sousa Monteiro, Luciano de Castro,
Mendes Leal, Levy, L. A. Pimentel, Camara Leme, Daun e Lorena,
Calheiros, M. A. de Seixas, Fernandes Coelho, Mathias de Carvalho, Raymundo Rodrigues, Visconde de Carregoso, Visconde dos Olivaes.

Não compareceram - os Srs. Adriano Pequito, A. J. de Seixas, Antonio Pequito, Barão da Trovisqueira, Cazimiro Ribeiro da Silva, Santos e Silva, Latino Coelho,
José Maria dos Santos, Mello Gouveia, Luiz de Campos, Espergueira, Oliveira Lobo, Visconde de Bruges.

Abertura - Á meia hora depois do maio dia.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Representações

1.ª Da câmara municipal do concelho de Mangualde, renovando o seu pedido para que na conclusão da entrada de Vizeu a esta villa se adopte o traçado da variante.

Á commissão de obras publicas.

2.ª Da mesma camara, pedindo a approvação do projecto de lei do Sr. deputado Alves Carneiro, para gerem isentos do registo os ouns reaes de servidões constituídos em prédios rústicos antes da promulgação do codigo civil.

A commissão de legislação.

Declarações

1.ª Participo a V. Exa. e á camará, que por falta de saude não compareci ás tres ultimas sessões.

Sala das sessões, 9 de julho de 1869. = O deputado pelo circulo n.º 61, Manuel Fernandes Coelho.

2.ª O Sr. barão da Trovisqueira incumbe-me de participar á camará que não compareceu ás ultimas sessões, nem poderá comparecer a mais algumas, por motivo justificado.

Sala das sessões, 9 de julho de 1869. - Manuel Paes de Villas Boas.

O Sr. Antunes Guerreiro: - Pedi a palavra, para mandar para a mesa sete requerimentos de sargentos quarteis mestres dos corpos do exercito, em que pedem ser equiparados aos sargentos quartéis mestres que foram promovidos depois do regulamento do 21 de novembro de 1866.

O artigo 145.º da carta constitucional no § 12.º diz = que a lei é igual para todos =, e infelizmente não o é para os peticionários, porquanto ha duas leis muito diferentes que regulam a forma da promoção d'estes funccionarios militares.

Uma d'ellas é a que regula a promoção dos officiaes quartéis mestres dos corpos do exercito, e a outra a que regula a promoção dos sargentos quartéis mestres que foram promovidos em virtude do regulamento de 21 de novembro de 1866. Os primeiros são promovidos em virtude de uma lei especial, injusta e anachronica, pela qual o infeliz official e condennado a morrer no posto de capitão em serviço, ou em major reformado. Os segundos entram em uma escala geral de promoções, e lá têem diante de si um futuro auspicioso e cheio de aspirações.

E que rasões haverá, Sr. presidente, para existirem duas sortes tão distinctas entre a classe dos sargentos quarteis mestres dos corpos do exercito? Porventura não é igual o serviço que uns e outros prestam n'aquelle ramo de serviço militar? Que rasões actuariam no espirito de quem redigiu e sanccionou o citado regulamento de 21 de novembro de 1866, para dar mais garantias aos sargentos quartéis mestres que foram obrigados a exercer esse posto, do que áquelles que já o exerciam antes da publicação d'esse regulamento? Qual será o primeiro sargento que queira ser promovido ao posto de sargento quartel mestre vendo cortada a sua carreira militar e o seu futuro, tendo do mais a mais a certeza do que esse posto ha de ser preenchido por um individuo da sua classe, sem prejuizo da sua promoção ao posto de alferes?

Não sei o que se tem passado nos corpos do exercito depois da publicado do citado regulamento, mas acredito que não ha hoje um só sargento quartel mestre promovido a esse porto por sua espontânea vontade.

A minha opinião é que deve acabar por uma vez esta desigualdade, que offende o principio consignado no codigo fundamental do estado, e que leva o desalento o a descrença áquella classe.

Parecia-me até mais razoavel e equitativo que os sargentos quarteis mestres fossem nomeados como são os sargentos ajudantes; entrando os sargentos quartéis mestres com os sargentos ajudantes e primeiros sargentos em unia escala geral de promoções, e nomeando-se o official quartel mestra como se nomeia um ajudante do corpo. Foi isto que já se determinou em um regulamento geral de promoções, publicado na ordem do exército n.º 74, do 1868, e que não chegou a ter execução.

Sr. presidente, podia adduzir muitas rasões para mostrar á camara a justiça que assiste aos peticionarios, mas reservo-me para o fazer na occasião era que este negocio vier á tela da discussão; limitando-me por agora a pedir a V. Exa. que se sirva mandar publicar no Diario do governo um d´estes requerimentos com os nomes de todos os peticionários, e depois envia-lo á commissão de guerra para sobre elle dar o seu parecer.

Desde já peço á illustre commissão que não se demore em o apresentar, fazendo justiça nos peticionários.

Foi approvado o requerimento do Sr. Antunes Guerreiro.

O Sr. Bandeira de Mello: - Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação da camará municipal do concelho de Vouzella, em que pede a esta camará que obstei a que se verifique, por emquanto, a desannexação da fre-

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O Sr. Rodrigues de Carvalho:

guezia de Bodiosa, d'aquelle concelho, não a transferindo para Vizeu sem que Vouzella seja devidamente indemnisada.

Não posso dispensar me de acompanhar de algumas palavras a remessa d'esta representação para a mesa, porquanto reconheço toda a justiça d'esta pretensão. Sou conhecedor das circunstancias em que se acha aquelle concelho e aquella freguezia. Bem sei que o decreto de 15 de abril do corrente anno, que é hoje lei do estado, auctorisa o governo a fazer pequenas transferencias de povoações, de freguezia para freguezia, e mesmo de freguezias de concelho para concelho, mediante a consulta do conselho datado, e depois de ouvir as respectivas juntas de parochia, camarás municipaes e governadores civis, quando essas transferencias forem pedidas por aquellas povoações ou freguezias. Sei porém também que se na letra da lei póde fundamentar se a transferencia da freguezia de Bodiosa, oppõe-se a isso o espirito da mesma lei, porquanto no relatório que precede aquelle decreto diz-se o seguinte:

«A interferência das curtes só deve exigir se quando se trate de crear ou de supprimmir circunscripções territoriaes, acto que tem por necessaria consequencia dar ou tirar entidade jurídica, e alterar a ordem das jurisdicções.»

Ora a desannexação da freguezia de Briosa do concelho de Vouzella dá em resultado, sendo este concelho cabeça de comarca, e esta, a sua freguesia mais importante, ficar o concelho, já hoje de si pequeno, em circunstâncias impossíveis, não podendo existir, e muito menos como cabeça de comarca, o que equivale portanto a supprimir uma circunscrição territorial, tirar uma entidade jurídica, e alterar a ordem das jurisdicções, para o que se exije a interferencia das côrtes, segundo se estatue no proprio periodo do relatório do decreto que acabo de citar.

Tendo nós todos reconhecido a necessidade de uma nova circunscripção territorial geral, o estando o governo já compromettido a apresenta-la quando não seja n'esta, na proxima sessão legislativa, é pois de toda a justiça que se reserve a resolução d'este negocio para quando se apresentar n'esta camara a lei de circunscripção territorial geral, podendo então ser a freguesia de Botosa desannexada de Vouzella, e ser este concelho indemnisado da perda d'esta freguesia pela acquisição de outras freguezias dos concelhos limitrophes, havendo compensações mutuas, sem que deixe de existir nenhum dos tres concelhos de S. Pedro do Sul, Vouzella e Oliveira de Frades, que tenho a honra de representar n'esta casa, e que podem e devem subsistir, ficando cada um com 4:000 fogos proximamente, como é minha opinião, e em tempo competente hei de propor e sustentar.

Peço a V. Exa. e á illustre commisão, a quem for remettida esta representação, que lhe dêem o mais breve andamento, a fim da ser remettida ao governo, para que a tome em toda a consideração; e desde já declaro que me proponho não abrir mão d'este negocio, por conhecer a justiça que assiste a esta pretensão.

O Sr. Caetano de Seixas (por parte da commissão de legislação): - Peço a V. Exa. que se digne consultar a camara sobre se permitte que seja adjunto á commissão o Sr. José de Oliveira Baptista.

Posto a votos este, requerimento, foi approvado.

O Sr. Francisco Costa: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Ovar, pedindo a approvação do projecto de lei, apresenta-lo pelo Sr. Alves Carneiro, sobre servidões.

Este negocio é importante, S. Exa. já apresentou o projecto ha muito tempo e foi remettido á commissão de legislação, porém até hoje ainda não tem parecer, e eu desejava que algum membro da commissão me desse explicações sobre o andamento d'este negocio.

O Sr. Teixeira de Queiroz: - O negocio a que se referiu o Sr. deputado, que me precedeu, foi distribuído ao Sr. Nogueira Soares, e este senhor já ha dias participou á camará que em breve apresentaria o parecer da commissão.

O Sr. Rodrigues de Carvalho: - Assisti hontem a uma discussão na commissão de legislação sobro este assumpto.

O negocio é effectivamente importante, porque vae fazer grandes alterações no registo hypothecario, é preciso pensar sobre elle maduramente, e no entanto a commissão espera brevemente apresentar o seu parecer sobre elle.

O Sr. Francisco Costa: - Pedi a palavra para agradecei-as explicações que acaba de dar o illustre deputado.

O Sr. J. Pinto de Magalhães: - Mando para a mesa um requerimento (leu).

Não fundamento este requerimento, porque o regimento da casa não o permitte, mas espero que o Sr. ministro respectivo se dê por habilitado para responder em qualquer das sessões proximas.

Por esta occasião V. Exa. ha de permittir-me que eu dirija algumas palavras á mesa.

V. Exa. deu para ordem do dia de antes de hontem as interpellações que tinham sido annunciadas pelos deputados do ultramar, porem a camará sabe perfeitamente que durante a occasião só se tratou das interpellações que tinham sido annunciadas ao Sr. ministro das obras publicas, e apenas se verificou uma interpellação do Sr. Abranches, que versava nobre a transferencia do governador de S. Thomé e Príncipe para Timor.

As interpellações mais importantes e que dizem respeito a negócios do Ultramar, o negocios a respeito dos quaes o paiz deve ter conhecimento, ainda não tiveram logar, e como tino temos do que nos occuparmos n'esta occasião, peço licença para dizer a V. Exa. e á camará quaes são essas interpellações, a fim de só convencerem todos da necessidade que ha em que V. Exa. marque dia para ellas só verificarem.

Ha a interpellação sobre a expedição da Zambezia, com que o paiz gastou mais de 300.000$000 réis, entre as despezas feitas em Lisboa e as despezas feitas em Goa, e também com as feitas em Angola com o batalhão expedicionário.

Isto é um negocio importante e de que a camará e o paiz devem ter perfeito conhecimento; precisamos examinar este negocio muito socegadamente, porque desejo que a camará saiba até onde chega a responsabilidade ministerial, e a maneira como o governo pegou em tanto dinheiro e o deitou á rua, se pôde dizer, sem proveito algum para os negocios da Zambezia. Neste seculo ainda não vi fazer uma despeza tão desneccessaria como a que se fez com a expedição á Zambezia.

Outra interpellação no que diz respeito á Africa. V. Exa., e muitos deputados que estão n'esta casa, hão de lembrar-se da compra da celebra corveta Harck, e da discussão que houve o anno passado com o Sr. Ministro da marinha de então, o Sr. Rodrigues do Amaral.

Ouvimos aquelle funccionario dizer que aquella corveta tinha sido comprada por 40:000 libras, e hoje são passados dezoito ou vinte mezes e ainda esse navio não pertence ao paiz.

Quando se quis mandar a expedição para a Zambezia, viu-se o governo na necessidade de fretar um vapor por 58:000$000 réis, quando já podiamos ter aquella corveta e fazer-lhe aquelle transporte sem tanta despeza!

Gastaram-se 40:000, ou mais alguma cousa, e a corveta ainda está em Inglaterra! O Sr. Ministro da marinha que effectuou esta compra, declarou que era necessaria aquella corveta, porque quando queriamos algum transporte para as provincias ultramarinas não tinhamos navio; porém mais tarde havendo necessidade de um transporte, foi preciso fretar-se em Inglaterra o vapor Bornéo por 58:000$000 réis. Isto é incrível. Ficâmos sem vapor e sem corveta!!

V. Exa. deve de certo compenetrar se da necessidade que ha em se verificar esta interpellação, e espero que se dignará marcar dia para ella ter logar.

Ha ainda outra interpellação que diz respeito á transferencia de tres delegados.

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O Sr. ministro da marinha transferiu o delegado de Macau para Cabo Verde, o de Cabo Verde para Moçambique, e o de Moçambique para Macau, deixou as comarcas sem os seus delegados e gastou com estas transferencias mais de 2:000$000 réis sem precisão, e tudo por economia, que é a politica do governo!!

Posso dizer á camara que em todo o passado ainda não vi um facto d'esta ordem - e appello para os deputados do ultramar - transferencias em massa!

Se o governo transferisse o delegado de Sotavento para Barlavento nas comarcas do archipelago de Cabo Verde, o de Moçambique para Quilimane, e o de Quilimane para Moçambique, praticava um acto que a lei lhe permittia, e que estava nas suas attribuições; mas fazer as transferencias que eu ha pouco indiquei, não sei que interesse publico houvesse n'isto mais do que gastar dinheiro, e as comarcas ficarem sem os agentes do ministério publico durante muitos mezes ou annos.
Se elles eram culpados, então deviam ser processados; mas mudar os delegados, deixar as comarcas sem elles e gastar dinheiro á fazenda publica, sem precisão, não se, comprehende. E de mais a mais são dos mais antigos, e o que o Sr. ministro da marinha devia fazer era promove-los a juízes.

Ha muitas outras interpelações muito importantes, que é preciso que se verifiquem. Eu peço perdão a, V. Exa de fazer estas observações, mas os negocios do ultramar nunca se tratam aqui, e são elles tão importantes, prendem hoje tanto com a mãe pátria, que não será fastidioso para a camará occupar se alguns minutos com elles (apoiados).

Está tambem pendente uma interpellacção muito seria a respeito do decreto de 25 de fevereiro ultimo, sobre a liberdade dos escravos. Aquelle, decreto contem três artigos. Aboliu toda a legislação velha a este respeito, mas eu não entendo similhante decreto, porque deu a liberdade aos escravos o elles ficam outra vez escravos. Ficam livres, mas o seu serviço fica ainda pertencendo aos senhores. A pessoa do escravo é livre mas o seu serviço é escravo. Pela legislação anterior no fim de vinte annos todos os escravos ficavam livres, e era permittida uma indemnização aos senhores, mas o decreto de 25 de fevereiro não diz nada a esse respeito. Desejava que o Sr. Ministro da marinha declarasse se aquella indemnização caducou; é preciso que S. Exa. confesse que aquelle decreto foi feito á pressa, offendendo-se os direitos e interesses de milhares de homens que querem a liberdade e que ainda a não têem.

O Sr. Sá Nogueira: - Se isto está em discussão peço a palavra.

O Orador: - Eu não discuto, apenas fundamento a necessidade de serem verificadas as interpellações que há pendentes sobre os negocios do ultramar, e peço a V.Exa. que, compenetrando se d'essa necessidade, tenha a bondade de destinar um dia da semana proxima para continuarmos com esta tarefa, e n'essa occasião serei mais extenso. Limito aqui as minhas considerações.

O Sr. Presidente. - Há de ser destinado um dia da semana proxima para esse fim.

O Sr. Pinto de Magalhães: - Muito obrigado.

O Sr. Infante Passanha: - Sinto não se achar presente o Sr. Ministro das obras publicas; todavia usarei da palavra para fazer algumas considerações sobre objecto dependente d'aquelle ministerio, porque S. Exa. terá conhecimento d'ellas pela leitura do Diario da Camara.

A estrada da Cuba a Villa de Frades, Vidigueira e Fertel, acha-se se quasi concluída, segando as informações que tenho. É uma estrada importante, não só porque liga entre si estes concelhos, mas, e principalmente, porque os põe em communicação com a estação do caminho de ferro da Cuba, por onde podem fazer a exportação dos muitos e variados productos que n'aquelles concelhos abundam.

Há porém entre Villa de Frades e a Vidigueira uma ribeira chamada da «Canceilinha», onde é indispensavel e urgente construir uma ponte, para que similhante estrada preste effectivamente áquelles povos as commodidades e vantagens para que é destinada... E a construção pois d'aquella ponte que eu venho pedir ao Sr. Ministro das obras publicas.

Não venho pedir uma despeza impossivel nas nossas circuntancias, nam um grande sacrificio ao paiz; pessoa competente me informou que a obra está orçada em réis 1:070$000; já se vê pois que para satisfazer tão justa pretensão não é necessário contrahir nenhum emprestimo dentro ou fóra do paiz, nem sujeitarmo nos a condições mais ou menos onerosas que qualquer banqueiro quizesse impor-nos. A despeza a fazer é evidentemente insignificante, e não será esta que faça um desfalque sensivel na verba destinada a obras publicas.

Eu já particularmente fallei ao illustre ministro n'este negocio, S. Exa. respondeu-me que = aquella estrada era districtal, e que por isso fizesse o distrito da ponte =. Eu respondo ao Sr. Ministro que sabia perfeitamente que a estrada era districtal; sabia tambem o Sr. Corvo e o Sr. Canto; e, não obstante, estes cavalheiros, quando ministros, mandaram construir aquella estrada. S. Exa. mesmo ainda pouco tempo continuar os trabalhos d'aquella estrada, que havia mezes sido interrompidos, S. Exa. pois, e os seus antecessores, procediam seguramente por motivos de conveniencia publica, sendo certo que as rasões que os determinavam para a construção da estrada não podem deixar de subsistir para a construção da ponte, que complemento e parte integrante d'aquella.

Não me é portanto necessario demonstrar a necessidade e conveniência d'aquella estrada, porque o nobre ministro por seus proprios actos o reconheceu.

Devo ainda dizer a S. Exa., que de certo o não ignora, que as estradas districtaes não são feitas só á custa do districto, porque metade da despeza é feita por este e metade pelo thesouro; estando a obra orçada em 1:070$000 réis, eu venho pedir o adiantamento de 535$000 réis; e quererá o illustre ministro levar a severidade das suas reducções a ponto de, por tão diminuta despeza, deixar por muito tempo aquelles povos privados das vantagens que elles lhes proporciona aquella estrada, quando definitivamente concluída?

Confio que tal não succederá, e todavia seria essa a consequencia da indicação que s. exa. me fez, porque sendo a junta geral do distrito a competente para lançar a contribuição para taes despezas, e sendo a reunião ordinaria da junta geral do districto de Beja em maio, temos ainda de (...) dez mezes. Lançar a contribuição e arrecada-la não é obra de momento; por conseguinte esperar que o cofre do districto esteja a fazer face áquella despeza, é contrariar e desconhecer a necessidade instante de pôr quanto antes á circulação aquella estrada.

Espero que o illustre ministro, tendo em attenção o que acabo de expor, dará as ordens convenientes para que antes da estação invernosa a obra a que me tenho referido esteja concluida.

Assim o peço em nome do interesse d'aquelles povos, alguns dos quaes tenho a honra de representar, e em nome das economias, por isso que se a ponte se não faz quanto antes estão inutilizados e até certo ponto desperdiçados os capitaes despendidos n'aquella estrada.

Attenda pois o illustre ministro ao meu pedido por utilidade publica e por amor das economias, o que não será menos sympathico a s. exa., por isso que a palavra economista não poucas vezes se tem dito achar se inscripta como divisa na bandeira do actual gabinete.

O Sr. Alves Matheus: - Mando para a mesa o presente projecto de lei, que desassete Srs. Deputados me fizeram a honra de assignar e que eu já quis apresentar nas tres ultimas sessões, o que não fiz por não me haver chegado a palavra.

Peço licença á camara para o ler.

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E o seguinte:

Projecto de lei

Senhores. - Não se avalia a civilisação de um povo sómente pela natureza das suas instituições políticas, pelo maior ou menor adiantamento da sua industria, pelo numero e perfeição de seus melhoramentos; patenteia-se e aquilata-se ella tambem e principalmente pela qualidade da sua índole, pelo estado dos seus costumes, e ate pela preferencia que elle dá a certos espectáculos e divertimentos. O povo portuguez estremado entre todos os povos do mundo pela elevação do seu caracter e lenidade de seus instinctos, mantém ainda a barbara e condemnada usança das corridas de touros que, sobre não abonar o seu nome, desconvem altamente a quem como elle prezou sempre tanto os honrados fóros de nação christã e civilisada.

Lutar com animaes bravos, maltrata-los e feri-los com traças ardilosas ou com destemida temeridade, mas por gosto e sem necessidade, é cousa repugnante e deplorável e que a moral não auctorisa, e que muito dóc a corações generosos. Semilhantes espectaculos não amenizam os instinctos, nem alevantam o nivel moral de um povo, bem ao revez d'isto só servem para obdurar os ânimos, tolhendo os progressos da sua moralidade e empanando com uma nodoa os brilhos da actual civilização.

Movido de taes e tão poderosas considerações, tenho a honra de apresentar vos o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º São prohibidas as corridas de touros no continente do reino e nas ilhas adjacentes.

Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario. Sala das segues, em 5 de julho de 1869. = Joaquim Alves Matheus = José de Aguilar = Antonio Pereira da Silva = Augusto da Cunha Eça e Costa = João Carlos de Assis Pereira de Mello = Fernando Augusto de Andrade Pimentel e Mello = Henrique Barros Gomes = António Joaquim da Veiga Barreira José Dionysio de Mello e Faro = Barão da Ribeira de Pena = Henrique de Macedo Pereira Continha = Jose Augusto Correia de Barros = Francisco Pinto Beata = Luiz Vicente d'Affonseca Henrique Cabral de Noronha e Menezes = Filippe José Vieira = José Luiz Vieira de Sá Júnior = Joaquim Nogueira Soares Vieira.

Permittam-me v. exa. e a camará, que eu exponha summariamente os motivos que me determinaram a trazer aqui este projecto de lei. Na antemanhã do dia 4 d'este mez acordou sobressaltada a parte da capital, denominada baixa, com uns rumores estrepitosos, e com uma grita decompassada, que, estrondeando aos ouvidos da população, lhe cortou o somno e causou anciedades. Foi origem d'isto uma manada de touros bravos, que vindo escoltada do numeroso, festivo e tumultuario préstito do estylo, se tresmalhou, correndo á toa pelas ruas da cidade no meio de grande contusão e de clamoroso alarido. Signalaram o facto duas desgraças lastimáveis-a morte de uma pobre mulher e a de um guarda civil. Houve alem d'isto muitos ferimentos e contusões, muitos sobresaltos e sustos. Esteve em risco a vida de muitos transeuntes. Deploro deveras taes suecessos, Sr. presidente; se a Europa soubesse que uma manada de touros andou á solta pelas ruas de Lisboa, escornando enfuriadamente as esquinas e matando gente, havia de frechar-nos talvez com um sarcasmo cruel, mas não inteiramente descabido; havia de dizer que nós, em vez de lutarmos com o monstro do deficit, para lhe quebrarmos as presas, e o descabeçarmos com destimidez e esforço, andavamos lutando com a ferocidade de animaes indomitos, para nos divertirmos (apoiados). Observo, Sr. presidente, que não obstante a vigilância e as precauções da auctoridade, e as providencias mais ou menos acertadas, que ella toma para evitar discommodos e desgraças, como as que ha pouco succederam, ellas se repetem com frequência (apoiados).

Entendo que o melhor meio de atalhar-se o mal de taes effeitos, é supprimir-se o mal da causa, e acabarem de uma vez para sempre as corridas de touros (apoiados), que bem longe de abonarem o nosso nome, o abatem e deslustram no conceito dos estrangeiros (apoiados).

Um dos jornaes mais lidos d'esta capital apresentou ha dias o alvitre de construir-se uma praça fóra da linha da circumvalação de Lisboa; a mim parece-me, Sr. presidente, que nós resolvemos a questão de maneira mais peremptória, mais decisiva e mais digna, prohibindo dentro e fóra do povoado praças em que se dêem semilhantes espectáculos (apoiados).

Tive sempre por taes divertimentos repugnância profunda e invencivel.

Não me caío mais da memória um facto succedido em Coimbra, quando eu frequentava a universidade.

Arrastado por alguns camaradas de estudo, tive a infelicidade de assistir a uma tourada. Mui de proposito disse infelicidade, porque vim de lá maguado por ver um homem, que sobre a desdita de quebrar uma perna, ficou com a cabeça amolgada. Protestei arrependimento e assentei mui determinadamente não voltar. Fica a gente com uma cousa de mais e com outra cousa de menos; a cousa de mais é a tristeza no coração, a cousa de menos é dinheiro fóra do bolso, porque em taes lances tem-se como ponto obrigatório para as pessoas de brio darem esmola ao infeliz, que foi victima do boléo, para me servir da technologia tauromachica.

Reputo as touradas um legado bárbaro de uma civilisação pagã (apoiados), que, sem embargo do haver attingido os mais levantados grãos de esplendor, viveu lardeada sempre de perversões e cruezas, hoje repulsivas ao nosso senso moral e á nossa rasão allumiada pelas doutrinas a um tempo austeras e suaves da civilização christã.

Esse antigo povo romano, que tanto Re desvanecia do ser o mais policiado do mundo pela sabedoria das suas leis, pela superioridade dos seus costumes e pelas elegância da sua litteratura, levantou, como v. exa. e a camará sabem, esse grande monumento chamado Coliseo, aonde se festejava uma grande barbaridade (apoiados); tinha espetaculos de gladiadores, em que o jorrar do sangue, o lacerar das carnes, e o arquejar dos moribundos eram para o patriciado mais illustre um objecto e um motivo de recreação, e em que as matronas da primeira jerarchia e da mais alta educação cobriam com uma tempestade de frenéticos applausos a féra que despedaçava o homem, e atiravam um chuveiro de vaias insultuosa ao homem que triumphava da fera.

Ao lado do circo ensanguentado estava o torpe prostíbulo (O Sr. Falcão da Fonseca: - Apoiado); o gladíador saltava dos braços do vicio para as garras do tigre; os dois mysterios mais graves da humanidade, - a vida e a morteeram, como diz um grande escriptor, solemnemente enxovalhadas perante as turbas envilecidas, que, havendo perdido a memória da liberdade e ajoelhando submissas aos pés dos Néros e dos Caligulas, se mostravam satisfeitas e felizes, porque tinham pão e jogos (apoiados). O circo e o ergastulo consubstanciavam em dualidade horrível todas em iniquidades, todas as miserias, e todas as abjecções das antigas sociedades.

O Ave Cesar morituri te salutant era o transumpto fidelissimo dos costumes depravados do povo rei (apoiados); era a legenda tristíssima, que negrejava estampada na face de uma civilisação, que, para ser incomparavel, só lhe faltou o ser bem morigerada. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem) São as touradas um vestigio e uma reminiscência d'essas barbaras usanças e d'esses maus costumes (apoiados). Esse vestígio, não obstante a sua fórma mais humana e menos cruenta, não ha rasão nenhuma que o justifique (O Sr, Affonseca: - Apoiado), pois encontra todos os principios e todos os sentimentos proprios de um povo christão e civilisado. Não vemos hoje gladiadores, que lutem com leões e sacrifiquem a vida em holocausto ao gosto derrancado, e aos prazeres immoraes de um povo; uras vemos bandarilheiros e moços de forcado, que farpeiam e pegam a um boi (riso) com esforço e com galhardia, mas ás vezes com perigo e

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até com perda de vida, e isto para divertirem um publico ávido de sensações fortes. Um touro mugindo embravecido, espumante, desesperado, cortado de farpas, escorrendo sangue, e vingando se, não raro, com ferocidade da audácia e da habilidade do homem, que ferozmente o persegue, será para muitos um espectáculo attrahente e aprasivel; mas para mim, Sr. presidente, não é espectaculo nem moral (muitos apoiados), nem sympathico, nem louvável, nem digno de uma nação civilisada (apoiados).

Taes divertimentos, se semilhante nome póde dar-se-lhes, não são azados a amaciar as indoles, mas a endurece-las, tornando-as asperas e fragueiras (muitos apoiados); não são accommodados a melhorar os instinctos, mas a perverte-los, tornando-os rudes e truculentos; não são proprios a aperfeiçoar os costumes, mas a empeiora-los, tornando os ou duros ou mal regrados (apoiados). Mui apropositado vem o conceituoso dito de um abalisado e elegantíssimo escriptor nosso, que adereçou a lingua com as vernaculidades mais puras, e as mais formosas louçanias. É este escriptor fr. Luiz de Sousa, que disse que = as touradas só serviam para levantar corpos ao céu, e lançar almas no inferno. Eu, Sr. presidente, sinto purpurearem-se-me as faces de vergonha, quando entre as inexactidões, as injustiças e as calumnias de que estão inçados os livros estrangeiros, que fallam das nossas cousas, leio a verdade incontratavel e triste de que nós e os hespanhoes somos os povos das touradas! É preciso que alimpemos o nosso nome dos baldões d'este sarcasmo; é preciso que nos resgatemos das vergonha" d'este labéo; é preciso que aniquilemos esta herança da barbárie (muitos apoiados); é preciso que apaguemos esta nódoa da nossa civilização; é preciso, em fim, que cortemos este cancro de nossos costumes (apoiados). Se eu quizesse encarar a questão pelo lado económico, não haviam de fallecer-me argumentos. Os creadores engodados pela ganância da venda do gado por bom preço, lançam no a pastar por charnecas e gandaras extensas, que se não cultivam, e que aproveitadas podiam tornar se productivas. Entendo que a agricultura lucraria muito se acabasse o mau costume de se criarem bois para corridas (apoiados). Em confirmação d'isto me acaba de referir um facto o nosso illustre collega e meu prezado amigo o Sr. Valladas. E esse facto que, â medida que de extensiva a agricultura se torna intensiva, a criação de bois bravos diminue e vão desapparecendo.

Já por espaço de nove mezes não houve touradas n'este paiz. Um decreto dictatorial assignado pelo illustre Passos Manuel, e que tem a data de 19 de setembro de 1836, prohibiu as corridas de touros no continente do reino. De me a camará licença para ler lhe esse decreto, cujo contexto é brevíssimo. Diz assim:

"Considerando que as corridas de touros são um divertimento barbaro e improprio de nações civilizadas, e bem assim que similhantes espectáculos servem unicamente para habituar os homens ao crime e á ferocidade; e desejando eu remover todas as causas que podem impedir ou retardar o aperfeiçoamento moral da nação portuguesa: hei por bem decretar que d'ora em diante fiquem prohibidas em todo o reino as corridas de touros.

"O secretario d'estado dos negócios do reino assim o tenha entendido e faça executar. Palacio das Necessidades, em 19 de setembro de 1836. = RAINHA = Manuel da Silva Passos."

Foi este decreto revogado pela carta de lei de 30 de junho de 1837, assignada pelo Sr. António Dias de Oliveira. Lamento tal revogação que, a meu juízo, significou um retrocesso, um mal, e uma transacção ou condescendência com hábitos e interesses injustificáveis (apoiados). O decreto de 19 de setembro de 1836 é assás comprobativo d'aquelles estremados e nobilíssimos espíritos de Passos Manuel, d'aquella bua índole maviosa e amoravel, d'aquella sua alma generosa e aberta sempre ás grandes inspirações (apoiados), d'aquelle seu amor sincero e afervorado ao progresso e á boa nomeada d'este paiz.

Desculpe-me acamara se um pouco mais me alargo, fazendo aqui protestação publica de meu affecto e da minha veneração ao varão eminente, que por tantos annos foi lustre e ornamento d'esta casa, que foi um symbolo de honra e patriotismo n'esta terra, e cujo nome similhante ao cume das pyramides do Egypto, visto de longe e dourado pelos raios do sol no poente, ha de altear-se e resplandecer sempre como uma das glorias maiores, mais explendidas e mais puras da nossa historia (apoiados).

Façamos nós, por uma lei votada em côrtes, a boa acção (apoiados), que o grande dictador de 1836 não pôde tornar duradoura e permanente.

Tem o paiz nos seus theatros as harmonias da musica, que deleitam, as commoções do drama, que moralisam, e as graças da comedia, que divertem e provocam a galhofa inoffensiva; por honra do seu nome, do seu caracter e da sua civilisação, deve acabar com as corridas de touros, que tamanho desabono lhe refundem, e que menoscabam a reputação de um povo, que tanto se preza da excellencia dos seus instinctos e da amenidade dos seus costumes (apoiados). Fomos nós o primeiro povo do mundo, que em homenagem ao direito de Deus e á dignidade do homem, eliminou dos seus códigos a pena de morte; fomos nós, que em um dos mais afortunados e bellos dias da nossa vida politica social consagrámos o maximo respeito á inviolabilidade da vida humana; fomos nós, que com esse acto erguemos um marco glorioso no itinerário da civilisação; merecemos por isso que um dos genios mais fecundos e mais brilhantes d´este seculo, que um grande escriptor, que está inundando de luz os horisontes do mundo litterario, nos apertasse a mão, e nos desse cordeaes embora", chamando-nos o povo mais livre e mais feliz. Pois nós, Sr. presidente, que despedaçámos os postes da forca, que arrancamos a corda das mãos do algoz, que velámos o despedimos do meio do nós essa figura sinistra, que enche a humanidade de horror e o céu de piedade; nós, que supprimimos essa irracional, anti-christã, deshumana e monstruosa entidade do homem, que por officio matava homens, havemos da continuar a consentir, que o touro possa ser o carrasco de nossos similhantes? (Muitos apoiados,) Nós, que declarámos na lei não termos direito de tirar a vida a ninguém em nome do interesse da sociedade, havemos de tolerar que animaes bravos venham para as ruas e praças matar gente? em nome e por causa de um divertimento? (Apoiados.) Nós, que sem condolencia não podemos ver um desastre de que alguém é victíma, havemos de permittir espectaculos ferteis em sangue e desastres? (Apoiados.) Não póde ser, não deve ser, Sr. presidente. Acabem os barbaros e hediondos espectáculos das touradas (apoiados); acabem em nome da elevação e brandura de caracter, que e proverbial n'este povo, mas que em taes espectaculos recebe um desmentido; acabem em nome da boa fama e da dignidade d'este paiz; acabem em nome dos progressos da civilisação; acabem, visto ser tão desauctorisada a minha voz, em nome da memoria honrada, luzida e benemerita do Passos Manuel, que esta camará póde coroar mais uma vez convertendo em lei um dos seus pensamentos mais insto", mais humanitarios e mau civilisadores (apoiados).

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi cumprimentado por muitos dos seus collegas.)

O Sr. Camara Leme: - Pedi a palavra para um negocio urgente, e estimava que estivesse presente o Sr. ministro do reino, porque eram mais bem cabidas as perguntas que vou fazer; mas como está presente o Sr. ministro das obras publicas, desejava que s. exa. me declarasse se tinha, tido alguma noticia a respeito da ilha da Madeira.

Ha tres dias que correm boatos desagradáveis a respeito da ilha da Madeira.

Diz-se que chegou ha poucos dias ás aguas do Tejo um navio de guerra inglez, e que este navio trouxera a noticia de que havia graves tumultos na ilha; e acrescenta-

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va-se até que para o norte da ilha tinha havido também algumas mortes.

Nào sei o que ha de verdade n'isto. Não recebi carta alguma da ilha da Madeira; mas é certo que as ultimas cartas que vieram pelo paquete são todas conformes em dizer que os espíritos dos habitantes da ilha estilo um pouco alterados em consequência, creio eu, das medidas financeiras que o governo tinha apresentado na camara.

Parece que um caixeiro de uma loja, que costuma vender objectos da ilha, foi a bordo, e quo um official do navio lhe disse que á saída tinha havido grandes tumultos na ilha.

Chamava a attenção do governo, não só para este assumpto, porque tenho apprehensões que me affligem, em consequência das ultimas noticias, como tambem para que s. exa. tivesse a bondade de me declarar se o governo recebeu alguma communicação official escripta em relação a este objecto.

Aproveito esta occasião, para mandar para a mesa um requerimento de D. Maria do Carmo, D. Clara, e D. Ida Valdez de Moura, solicitando o cumprimento do decreto que lhes concedeu, e a sua mãe, uma pensão.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Calheiros e Menezes): - Tenho a declarar á camara e ao nobre deputado que o governo não teve communicação alguma do que acaba de mencionar o nobre deputado, nem official, nem particularmente.

Ainda hontem perguntei ao meu collega do reino, tendo ouvido estes boatos, se tinha noticia d´elles; e s. exa. declarou me positivamente que não tinha noticia alguma.

Se o governo tiver noticia de alguns sucessos deploraveis, á similhança dos que se deram na ilha de S. Miguel, o governo dará promptamente as devidas providencias.

Não tenho mais nada, que dizer ao illustrw deputado.

O sr. Affonseca: - E certo que ha tres ou quatro dias se tem espalhado em Lisboa a noticia de serios acontecimentos no Funchal e em toda a ilha da Madeira.

Sr. presidentes, eu não tive communicação alguma, mas como sou filho d'aquella terra e tenho a honra de a representar, entendi que devia dar todas os passos convenientes a fim de aprofundar a origem d´estes boatos.

Sr. presidente, devo dizer a v. exa. e á camara que ha em Lisboa differentes estabelecimentos do productos da Madeira, e entre elles ha um que costuma, quando chega qual quer vapor estrangeiro, mandar a bordo um agente com alguns d'esses productos para tentar mercado, e vendar alguns d'elles.

Effectivamente na terça feira, das cinco para as seis horas da tarde, entrou um vapor de guerra inglez; este vapor mandou para terra despachos não ha duvida nenhuma.

O agente que foi a bordo perguntando o que havia de novo na ilha, disseram lhe: "nós saímos no domingo ás sete horas da tarde, e á hora em que saíamos, constava na cidade que tinham rebentado serios tumultos no norte da ilha". O rapaz insistiu na pergunta, e teve sempre igual resposta.

Eu fui indagar a fundo este negocio, fallei com o rapaz e perguntei-lhe se algum marinheiro teria espado a brincar com elle; porém elle respondeu me "não, senhor, fui um official que me deu estas informações".

Eu faço votos ardentes para que não seja exacta esta noticia, não só porque primeiro que tudo sou portugues, mas tambem porque sou filho d'aquella ilha (apoiados). Mas sr. presidente, se acaso houver algum acontecimento desagradavel n´aquella ilha, não me hei de espantar d'isso, porque nas ultimas cartas que recebi anteriormente á chegada d'este navio, se me dizia que os espíritos estavam lá n'mna especie de exaltação; e alem d'isso acrescia a circumstancia de que no 1.º de julho se deveriam começar a pôr em pratica as novas medidas de capacidade.

Estas mudanças repentinas, e não preparadas convenientemente, têem muitas durezas, não me admira que isto e o augmento dos impostos, que já lá se sabia, tenham produzido serio desgosto, e mesmo alguma desordem.

Porém o que para muita ha de parecer uma cousa singular e extraordinária, é que em presença da pouca instrucção que o povo tem ainda sobre as novas medidas, se mande dissolver a repartição competente; a mim, sr. presidente, espantam estas cousas pouco, porque estou habituado a ellas, parece que ha um dedo de desacerto a apontar sobre tudo que nós fazemos.

Mas, sr. presidente, não são os senhores que se sentam n'aquelles cadeiras (apontando para as cadeiras dos ministros), não somos nós os unicos que podemos ser accusados do praticar esses desacertos, porque elles vem de longa data. Já a grande expedição á Africa do Senhor D. Sebastião, para ensinar os mouros a ler e evangelho, foi influída pelo tal dedo ominoso. A fugida da família real para o Brazil, em 1807, fazendo dizer a Napoleão I: " O rey fugia e deixou me o reyno", dando assim logar a acontecimentos que talvez se não dessem tão cedo, tudo isto é ainda do tal dedo do desacerto. Em seguida a mesma influencia, mandando um inglez tratar dos artigos da separação, em vez de um portuguez, aquelle tratou logo de si, fazendo um tratado com o novo imperio, e para nós arranjou o titulo fôfo de imperador in partibus (riso), em favor do Senhor D. João VI.

Ainda a mesma nefasta influencia na febre dos caminhos de ferro se apederou de nós, até queremos um para trazer os chapéus de Braga a grande velocidade!

E com relação a caminhos de ferro, só direi que por longos annos nós não precisavamos senão de estradas macadamisadas, de bons carros de transporte accelerados e boas diligencias; e que quando o paiz estivesse montado poder receber estas innovações, então se trataria da dos caminhos de ferro. Portanto ainda aqui andou o dedo do desacerto!

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eonvern-ido do qim se, qunndo o Drazil §e separou olhado para as nopnos colónias, para a

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oriental da conta occidcntal, já a efttn" horas a§ dua" coutas catavam em ciunmimicar^n directa, (i terinmos feito

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mo" avaiKalhido íJOO leguan, parta da oriental, a parte da

c o quo re^ta fazia m com o trabalho de um batalhão de caradores e duan pm;as de artíllieria,

isto nAo era novo. O"* governadores do Angola já mandaram despacho*, por terra, p

Ainda o dedo do desacerto !

Uiiin r""lHçAo nos boatos nobre a Madeira faço votos pnra que a IVovideneia afasto de nos mais essa calamidade ; mas receio muito que, HC HO nAo deu, se venha a dar algu-

ma coiina eM}i#rnd;iv< l, em consequência das suctorídadcM cjiiií ali temo"* ; u.nas imbeeís, as outras antipathicas o todas inconvenientes, csp^eiulmentc nas aetimes eircutnstaiifias.

O secretario gera! serviu em "S. Tiiomé e Príncipe, pó mesmo caracter, e creio que f">i o RCU primeiro logar; parece-me não a melhor rt/>rent!H*

Também ali existe um commandantc militar, que mio está á altura das circumstaneias em que ims achámos, e a prudência aconselha a pua substitui-lo (juarito antes.

Kmiirn eu reeommendo ao governo, e peço ao sr. ministro das obras publicas, que se acha presente, se digne com-municar aos seus collogas que é preciso olhar com seriedade para este negocio; e que, havendo receio de que a desordem de 8. Miguel se conmmniqua á Madeira, ó preciso, antes de tudo, ter em vista que as aúctoridades nSo dês-

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digam dos acontecimentos que se possam dar em breve, e que eu do coração desejo se não realisem.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O sr. B. F. da Costa: - Mando para a mesa um parecer da commissão do ultramar.

O sr. Barão da Ribeira de Pena: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Ribeira de Pena, pedindo a prompta construcção de um lanço da estrada do Porto a Villa Pouca de Aguiar.

Esta representação devia ser dirigida ao governo; mas como veiu sobrescriptada para a camara, eu apresento a, e a commissão de petições que lhe dê o conveniente destino.

O sr. Costa e Almeida: - Mando para a mesa um parecer da com missão de fazenda.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Está em discussão o projecto de lei n.º 25.

É o seguinte:

Projecto do lei n.º 25

Senhores. - Á vossa commissão de fazenda foi presente a proposta de lei n.º 12-F do sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, que tem por fim a approvação do contrato celebrado em 20 de fevereiro do 1869 entro o governo o Hugo Parry & Genro, para a continuação de uma carreira regular de navegação a vapor no rio Sado. entro Setúbal e Alcácer do Sal.

Tomando na devida consideração as razoes contidas no relatorio que a precede, e bem assim as considerações expendidas no seu parecer pela illustre commissão de obras publicas;

Considerando que da comparação do contraio approvado por lei de 19 de junho de 1869, com aquelle a que a citada proposta se refere, resulta que não são por este augmentados os encargos do thesouro, ao passo que o são, e consideravelmente, as vantagens publicas e as obrigações dos emprezarios;

Considerando que a pequena despeza de 3:000$000 réis annuaes, que da approvação da proposta resultará para o estado, é d'aquellas que com justa rasão podem e devem considerar se reproductivas;

Considerando finalmente que esta despeza vem substituir outra muito mais considerável que seria necessario fazer-se para dar aos povos as vantagens que da approvação do contrato lhes resultam:

É a vossa commissão de parecer que a proposta do governo n.º 12-F merece a vossa approvação, e deve ser convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º E approvado o contrato celebrado nitre o governo e Hugo Parry & Genro em 20 de fevereiro de 1869, para a continuação de uma carreira regular de navegarão a vapor no rio Sado, entre Setúbal e Alcacer do Sal.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrato.

Sala da commissão, em 28 do junho de 1869. = José Augusto Correia de Barros = João José de Mendonça Cortez = Augusto Saraiva de Carvalho = Manuel António de Seixas = Francisco Pinto Bessa = José Dionysio de Mello e Faro = Antonio Ribeiro da Costa e Almeida = Anselmo José Braamcamp = Henrique de Marcelo Pereira Continho.

Pertence ao n.º 25

Foi presente á commissão de obras publicas a proposta de lei apresentada pelo governo, para emitir o sou parecer sobre o contrato provisório celebrado em 20 de fevereiro ultimo com Hugo Parry & Genro, para a continuação de uma carreira regular de navegarão a vapor entre Setúbal e Alcácer, mediante o subsidio mensal de 250$000 réis.

As rasões principaes que levaram o governo a conceder este subsidio pela carta lei de 19 de junho de 1867 acham-se exuberantemente demonstradas no primitivo contrato celebrado em 26 de dezembro de 1866, e ainda novamente adduzidas no preambulo que, precede a presente proposta de lei, da qual nos occupâmos.

Foi o porto de Alcácer o primeiro como ponto de reunião dos productos agrícolas do Baixo Alemtejo. Esta importância diminuiu em parte pela construcção do caminho de ferro de sueste, que desloca para esta via muitos d'estes productos; entretanto quantiosos valores ainda se encaminham áquelle porto para descer pelo Sado e ir tomar o caminho de ferro, seguindo pela ramal do Setúbal.

O estado do regimen das aguas do Sado é deplorável, tortuoso, semeado de baixos e restingas, quasi sem aguas na estiagem, tornando a navegação incerta e perigosa em todas as estações.

Estes inconvenientes, augmentando de dia para dia, fazem com que seja extremamente irregular e quasi impossível a navegação á vela, causando graves transtornos ás valiosas transações commerciaes estabelecidas entre Setubal e Alcacer, circunstancias que mais se aggravam pela falta de uma estrada regular que ligue aquellas duas importantes povoações.

Foi obedecendo a estas imperiosas considerações que o governo subsidiou a empreza, para que, tirando o melhor partido do estado do regime das aguas d'aquelle rio, se compromettesse a estabelecer uma carreira diaria por barcos a vapor entre Setúbal e Alcácer.

Tendo expirado em 17 do fevereiro passado o praso do primitivo contrato por dois annos, renovou-o o governo por um contrato provisório, mas em condições mais vantajosas para o estado; por isso que o emprezario se obriga a estabelecer carreira aos domingos, que na o havia, e ao transporto gratuito dos militares em serviço, presos e escoltas, que pagavam anteriormente metade das taxas estabelecidas.

Julga a commissão de obras publicas Ter fundamentado as rasões para a commissão d'esta carreira a vapor.

Quanto ao subsidio que o governo propõe continuar a dar lhe em que deve começar, e se é ou não opportuno faze-lo, é questão que compete resolver á illustrada commissão de fazenda.

Sala da commissão, 14 de junho de 1869. = José de Mello Gouveia = Henrique de Marcelo Pereira Coutinho = Augusto Pinto de Miranda Montenegro = José Bandeira Coelho = Antonio Pinto de Magalhães Aguiar = Luiz de Almeida Coelho de Campos = José Augusto Correia de Barros = Manuel Affonso Espergueira = Manuel Raymundo Valladas.

Foi approvado em discussão.

Passou-se á discussão do projecto n.º 22.

É o seguinte:

Projecto do lei n.º 22

Senhores. - Foi presente á vossa commissão a proposta n.º 3-GG que trata se prorogar os prasos para a troca das moedas, e de renovar o beneficio concedido aos particulares, (...) e associações, pelo artigo 2.º da lei de 24 de abril de (...).

Considerando na conveniencia que provirá para o publico da proposta, e na urgencia de desviar os vexames que procederiam de se não prorrogar aquelles prasos, é a vossa commissão de parecer que a referida proposta seja convertida: no seguinte projecto de lei:

Art 1.º São prorrogados até 30 de junho de 1870 os prasos estabelecidos no artigo 8.º e seus §§ da carta de lei de 29 de junho de 1854, para a troca e giro das moedas de oiro e prata, mandadas retirar da circulação pela mesma lei.

Art. 2.º É tambem renovado até 80 de junho do 1870 o beneficio concedido aos particulares, bancos o associações pelo artibo 2.º da lei de 24 de abril de 1856.

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão de fazenda, em 30 de junho de 1869. = João Rodrigues da Cunha Aragão Mascarenhas = Francisco

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Pinto Bessa = João José de Mendonça Cortez = António Ribeiro da Costa e Almeida = José Augusto Correia de Barros = Henrique de Macedo Pereira Coutinho = José Dionysio de Mello e Faro = Manuel Antonio de Seixas = Anselmo José Braamcamp = Augusto Saraiva de Carvalho.

O Sr. Sá Nogueira: - Sinto que não esteja presente sr. ministro da fazenda, porque queria, por esta occasião, pedir algumas informações a s. exa. em relação á necessidade de se tornar uniforme a moeda em todo o reino, continente e ilhas adjacentes, e em relação á necessidade de haver maior numero de moedas, de valor mais pequeno para trocos; mas ainda que s. exa. não está presente, eu, entendendo que da prorrogaçao que se pede não póde vir inconveniente, em virtude das circunstancias actuaes, não tenho duvida em votar o projecto. E digo em virtude das actuaes circunstancias, porque é necessario nunca perder de vista que hoje a moeda de prata é auxiliar.

Voto o projecto, porque não receio que possa resultar prejuizo para o estado de continuarem a circular as antigas moedas de prata. A moeda antiga é mais forte do que a moeda cunhada depois da lei de 1854, e por consequência não concorre de certo com ella.

E reservo-me para em outra occasião interpellar s. exa. a este respeito.

O sr. Mathias de Carvalho: - Não pedi a palavra para impugnar este projecto; a sua approvação é uma necessidade. Desejava porém que n'elle se consignasse um praso atal para a troca e giro da antiga moeda.

Não concordo cora a opinião do sr. deputado Sá Nogueira, quando affirma que não ha inconveniente em que continue a coexistir na circulação a antiga com a nova moeda de prata. Oppõem-se-lhe a boa rasão, os bons princípios e a pratica seguida n'outros paizes.

odos sabem que a moeda de prata, que circulava anteriormente á lei de 29 de julho de 1854, era moeda propriamente dita, moeda de pagamento, de valor intrínseco não inferior ao seu valor nominal; emquanto que a moeda cunhada em virtude d'aquella lei é uma moeda auxiliar, com um valor intrínseco inferior ao seu valor nominal. Esta moeda é unicamente destinada a perfazer os pagamentos que não podem ser integralmente saldados pula moeda propriamente dita; e tanto que a citada lei monetária estabeleceu, com justo motivo, que ninguém póde ser obrigado a receber mais de 5$000 réis em moeda do prata, cunhada em virtude das disposições d'aquella mesma lei.

Cumpre me ainda notar que a moeda, pelo facto de circular, perde continuamente de valor, porque perde successivamente de peso; por conseguinte nova prerogação sem praso fatal para a troca da antiga moeda de prata, o que indica que outras prorogacções se lhe hão de succeder traduz-se n'um encargo para o thesouro.

Demais, sr. presidente, estabelecer a circulação monetaria nas condicções normaes que a lei determina é uma necessidade económica tão evidente que não carece de demonstração (apoiados).

Por todos estes motivos fica bem patente o inconveniente de deixar coexistir na circularão a antiga com a nova moeda de prata, e a vantagem de marcar um limite de tempo á troca e giro d'aquella moeda.

Não o proponho desde já para não embaraçar a marcha do projecto; entendi porém que devia consignar a minha opinião sobre este ponto importante, que merece ser resolvido, quanto antes, no sentido das considerações que tenho apresentado (apoiados).

O sr. Sá Nogueira: - Não posso deixar de estar de accordo com quasi toda a doutrina exposta pelo illustre deputado. Não estou porém de accordo na urgencia, que s. exa. lhe parece haver, de retirar da circulação a antiga moeda de prata.

É conveniente que haja só um typo de moeda auxiliar, mas de haver agora dois não resulta inconveniente nenhum pecuniario para o estado. Para quem póde haver inconveniente é para os possuidores da moeda antiga. E exacto isto. Um indivíduo que tem uma antiga moeda de prata de 500 réis, tem uma moeda que lhe vale mais do que uma outra moderna de 500 réis, e quando vae comprar uma mercadoria que lhe custa cinco tostões, se pagar com uma moeda antiga, paga mais do que o custo da mesma mercadoria; mas isto não pôde dar prejuízo nenhum para o estado, e sim aos particulares.

Não julgo portanto que seja urgente retirar da circulação a moeda de prata antiga.

Agora, emquanto ás outras reflexões apresentadas pelo illustre deputado, nada tenho que dizer, e estamos perfeitamente de accordo.

Como não quero alongar a discussão, fico por aqui, e parece-me ter dito o sufficiente para justificar a minha opinião.

O sr. Mathias de Carvalho: - Peço á assembléa que me releve de lhe tomar ainda alguns momentos para responder ao sr. deputado que acaba de fallar.

Julguei que havia demonstrado plenamente á camará a necessidade de se marcar ura praso fatal para a troca e giro da antiga moeda. Fiquei portanto surprehendido de ouvir o sr. Sá Nogueira de novo affirmar, sem o demonstrar, que não ha inconveniente algum para o estado em deixar coexistir na circulação a antiga com a nova moeda de prata.

Parece que s. exa. julga que a antiga moeda de prata ha de ser trocada pela nova moeda auxiliar.

Está inteiramente enganado.

A lei que no anno próximo passado mandou prorogar o praso para a troca e giro da antiga moeda, já não auctorisou o governo a continuar na amoedação de nova moeda de prata. O projecto que se discute tambem não auctorisa a continua-la; e bem procede o governo n'esta parte, porque já se acham cunhados mais de 8.000:000$000 réis de novas moedas de prata, quantidade que nenhum indicio ternos para julgar insufticiente, antes demasiada, porque é de todos sabido que nos pagamentos estão figurando sommas avultadas d'esta espade inetallica. Isto é altamente inconveniente, porque d'aqui resulta que o preço das cousas póde ser alterado pela circunstancia de que nas transacções entra um valor intrínseco em moeda que não é equivalente ao valor nominal n'ella inscrípto (apoiados).

Figura o sr. deputado Sá Nogueira a hypothese de um indivíduo que tem uma moeda do prata cunhada anteriormente á já citada lei de 1854, e que, trocando-a por uma nova de prata, perde...

O sr. Sá Nogueira: - Só nas transacções.

O Orador: - Quaes transacções? Quem possuo antiga moeda de prata com o peso normal, vende-a como mercadoria, ou pelo menos póde troca-la por valor intrínseco correspondente ao seu valor nominal (apoiados).

Porque motivo se tem exportado grandes porção da antiga moeda de prata? E porque o valor intrínseco d'esta moeda se havia tornado superior ao seu valor nominal.

Todos sabem da elevação que se deu no preço da prata em consequência da natureza da corrente metallica que se derivou da Europa para a índia e para a China. Ha mais, Br. presidente; em toda a moeda de prata, cunhada anteriormente a 1832, existe uma certa porção de oiro. Pelos progressos da chimica tornou-se possível a separação dos dois metaes preciosos, com vantagem realisavel no caso de que na massa de prata existam cinco decimos de oiro por milhar. Novo incitamento para a exportação da nossa antiga moeda, e que de certo para ella concorreu.

Os lucros da exportação determinaram a procura da antiga moeda de prata que tinha o peso legal. A que resta tanto mais se depreciará, quanto mais tempo estiver em circulação. Trate pois o governo de a retirar quanto antes, e para isto é necessário marear um praso improrogavel para troca e giro d'ella.

Estabeleça-se definitivamente a circulação monetaria nas

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suas verdadeiras bases, e ter-se-ha feito um bom serviço ao paiz (apoiados).

Neto havendo mais ninguem inscripto, poz-se o projecto á votação, e foi approvado.

O sr. Presidente: - Passa-se á continuação da discussão do parecer relativo á representação dos empregados dos pesos e medidas.

O sr. Abranches: - Peço a v. exa. que tenha a bondade de mandar ler a inscripçao, para ver se estou próximo a usar da palavra.

O sr. Presidente: - Estão inscriptos os seguintes senhores (leu).

O sr. Ministro das Obras Publicas: - O meu collega da marinha tinha pedido a palavra a v. exa., mas como elle não se acha presente, se v. exa. me desse a palavra eu usaria d'ella.

O sr. Ferreira de Mello: - Mando para a mesa o seguinte requerimento (leu}.

A mesa não podia mandar fazer esta assignatura, porque não estava para isso habilitada. Não é intenção de nenhum dos signatarios do requerimento fazer á mesa a menor censura, porque reconhecemos todos que não estava auctorisada, mas reconhecemos tambem que passar sem o Diario quem tem de seguir a administração do governo, para fiscalisar os seus actos, é absolutamente impossivel. Portanto requeremos que pelas despezas d'esta camara, das quaes ella é a unica que dispõe, se façam estas assignaturas e se distribuam os Diários desde o principio d'este mez. Peço a urgencia.

Leu-se na mesa o seguinte

Requerimento

Requeremos que a mesa seja auctorisada a mandar assignar o Diario do governo desde o l.º do corrente mez, mandando distribui-lo a todos os srs. deputados.

Sala das sessões, 9 de julho de 1869, A A. Ferreira de Mello Francisco Pinto Bessa = A. J. de C. Pinto de Magalhães = Mathias de Carvalho = F, D. de Sá -Januario Pereira Pinto L. P. Vidigal = J. Thomás Lobo d´Avila = Diogo de Macedo = C. de Seixas Vasconcellos Fernando de Mello = Bandeira Coelho = Francisco Antonio da, Veiga Beirão = Augusto da Cunha d'Eça e Costa = J. A. Correia de Barros = Barão da Ribeira de Pena = João Carlos d'Assis Pereira de Mello = F. J. Vidra = José de Aguilar Teixeira - Luiz Augusto Pimentel - Raymundo Venancio Rodrigues = Joaquim de Vasconcellos Gusmão = Agostinho d'Ornellas; Henrique de Macedo Pereira Coutinho = Conde de Thomar (Antonio) = José Maria d'A. T. de Queiroz = Antonio José Antunes Guerreiro Junior António Pereira da Silva de Sousa Menezes Antonio Augusto de Sousa Azevedo Villaça = José Dionysio de Mello e Faro = Manuel Fernandes Coelho = L. V. d'Affonseca = D. Luiz da Camara Leme = Manuel J. Penha Fortuna = J. P. da Silva Baima de Bastos = Augusto P. M. Monte-negro = José Maria Rodrigues de Carvalho = José Maria Lobo d´Avila = Ferreira Galvão = L. F. Gomes = B. F. d'Abranches = Firmo Monteiro.

Foi approvado.

O sr. Ministro das Obras Publicas: - O meu collega da marinha tinha pedido a palavra para responder ao sr. deputado Mendes Leal, porém s. exa. tambem me dirigiu varias perguntas e pediu esclarecimentos, que me cumpre dar á camara.

Não posso acompanhar o illustrado deputado em todas as partes do seu discurso, mas responderei ao que respeita especialmente ao ministerio das obras publicas, ao que é necessario para esclarecimento da camará. S. exa. leu um periodo do relatorio que eu apresentei n'esta camara, e v. exa., sr. presidente, ha de permittir-me que leia esse período e outros que se referem ao assumpto que hoje está em discussão; e seguindo a ordem dos períodos d'esse relatorio, tratarei de esclarecer a camará sobre as perguntas e reflexões que fez o sr. deputado Mendes Leal (leu).

51 *

Este periodo refere se ao decreto organico. Eu leio alguns artigos que estabelecem os princípios, pelos quaes se regula esta materia (leu).

Aqui está pois, sr. presidente, o que diz o decreto de 13 de dezembro de 1852, base de todo o serviço de pesos e medidas. Continuarei a ler o relatorio, e sobre a legislação concernente farei as reflexões que forem convenientes para esclarecimento da camará, e para que ella saiba como este serviço devia ser executado e como o está sendo actualmente (leu).

Por consequencia vê a camara que, pelos artigos do primeiro decreto que acabo de ler, tinha sido collocado no ministerio das obras publicas, não o desempenho, mas a superintendência e a fiscalisação technica d'esse serviço.

Continua o decreto (leu).

Esta e a legislação que regula a materia. Eu quiz ler á camará estes artigos, para depois sobre elles assentar a resposta que tenho a dar ao sr. deputado que me precedeu.

O illustre deputado fez as seguintes perguntas:

Quem é que exerce e como se exerce a fiscalisação? Esta fiscalização em virtude da lei deve ser exercida pela aucturidudc administrativa; assim o determinam differentes artigos do codigo administrativo, que escuso de ler á camará que os conhece de certo, e são o 127.º, 135.º 146.º, 140.º e differente s disposições posteriores que contém matéria correlativa.

A fiscalisacão de pesca e medidas deve pois ser exercida pelo governador civil e administradores de concelho, sendo dirigido superiormente este serviço pelo ministério do reino.

Também s. exa. perguntou que material era este das repartições de pesos e medidas, e como é que elle tinha passado para as repartições districtaes, e quem é que dirigia essas o officinas?

Este material são os padrões de 2.ª classe, balanças, alguns pesos e medidas que existiam em deposito para venda, e alguma mobília pertencente ás extínctas inspecções.

As officinas onde estão e quem as dirige?

As officinas de atilamento, sr. presidente, estão nos concelhos, são as officinas dos aferidores, onde estes empregados municipaes aferem os pesos o medidas do novo systema metrico-decimal. É um estabelecimento limitado, que não precisa de grande material, nem pôde ter numeroso pessoal. Está determinado no ultimo regulamento quaes são os objectos que o aferidor deve possuir.

Qual o pessoal de correição? É o pessoal da administra-lo publica que deve dirigir este serviço coadjuvado pela repartição de serviço districtal, que dispõe dos meios que lhe forem votados para o serviço dos dístrictos.

Quem lima, quem forja e quem funde? Perguntou o illustre deputado. Quem lima é o aferidor, e não precisa limar senão para aferir os pesos e medidas. N´este serviço não é necessario forjar, e ainda menos fundir.

Pois imagina alguem que haja nos dístrictos officinas de forja e de fundição? Os pesos e medidas são aferidos nos concelhos, mas são forjados e fundidos nas officinas particulares, que depois os mandam e constituem um ramo de commercio.

Diz ainda o relatorio (leu).

Este quadro do pessoal da repartição de pesos e medidas já foi publicado no anno passado no Diario do governo, e quando eu disse que este serviço era desempenhado por 326 empregados não estava em erro.

D'estes 326 empregados, alguns tinham nomeação do governo, como eram os officiaes que estavam servindo n'aquella repartição, e os conductores que pertenciam ao pessoal technico do ministerio das obras publicas.

D'estes empregados que requereram á camara, poucos tinham nomeação regia, apenas consta na repartição competente que dois amanuenses e um chefe da officina foram nomeados por portaria, e um fiel por despacho do ministério.

Eu desejo só esclarecer a camará, e esta decidirá se con-

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vem attender á reclamação dos requerentes, e se elles têem direito de continuarem a ser retribuídos pelo estado.

O pessoal de 326 empregados a que alludi, desempenhava ultimamente quasi todo o serviço de pesos e medidas, não só o da fiscalisação e direcção technica, mas também o dos afilamentos; e a este respeito dizia eu no meu relatorio:

«Estabelecidos os inspectores, o serviço de pesos e medidas, comprehendendo os atilamentos, era desempenhado por 326 empregados subsidiados pelo estado, dos quaes só 28 eram de nomeação regia ou tinham provimento pela secretaria das obras publicas. Aquelle serviço gastou no anno económico de 1867-1868 a quantia de 48:186$429 réis, sendo 17:748$197 réis gastos com o pessoal technico que pertencia ao ministério das obras publicas, 21:417$086 réis com 298 indivíduos que não tinham nomeação do ministério das obras publicas, e o resto em differentes despezas, como vereis pelo mappa organisado na repartição de contabilidade. A repartição de pesos e medidas tinha feito uns contratos de avença com as camaras municípaes, segundo os quaes devia entregar-lhes uma determinada quantia pelo producto dos afilamentos, que constituem receita municipal, revertendo os lucros, quando os houvesse, a favor da repartição. Este rendimento, que devêra restituir se ás camaras municipaes, produziu, juntamente com os das multas, 13:215$944 réis no anno de 1867 e 14:540$491 réis no de 1868. A repartição devia entregar ás camarás, segundo os ajustes, a quantia de 5:985$266 réis.

«Estes contratos não foram auctorisados pelo ministério do reino, eram reprovados quando tinham de subir áquella estação superior, e davam origem a graves conflictos, que tornavam e poderiam tornar ainda mais odiosa a adopção dos pesos e medidas do systema metrico-decimal, procedendo a varejos e ingerindo se os empregados do ministerio das obras publicas nas attribuições dos empregados administrativos. É verdade que a portaria regulamentar do ministério das obras publica», de 30 de outubro de 1866, Auctorisava estes ajustes, mas não estava em harmonia com o disposto pelo ministério do reino em portaria de 2 do mesmo mez e anno, a qual mui expressamente determina que o rendimento dos afilamentos seja integralmente entregue ás camarás municipaes.»

Foi dirigido pelo ministerio das obras publicas ao do reino um officio com differentes ponderações relativas ao melhor desempenho do serviço dos afilamentos.

Em consequência do que, expediu se pelo ministerio do reino uma portaria recommendando aos governadores civis que aconselhassem as camaras municipaes a nomearem os seus aferidores de entre os empregados do ministerio das obras publicas.

Em virtude d´esta portaria, foi expedida uma outra pelo ministerio das obras publicas, acompanhando um regulamento, cuja doutrina não estava em perfeita harmonia no ultimo período, com o que fôra disposto pelo ministério do reino, lembrando que o producto dos atilamentos pertencia integralmente ás camarás municipaes..

O artigo do regulamento a que me retiro contém o seguinte (leu).

Em virtude d'estas palavras a repartição do pesos e medidas devia ter um contrato de avença com as camarás municipaes; mas como nem todas concordassem, o serviço dos atilamentos ficou fazendo-se de duas maneiras, uma em virtude dos contratos, e outra como determina a lei, isto é, desempenhado pelos aferidores nomeados pelas camaras e só d´ellas dependentes. Parece-me porém que o ministério das obras publicas não o queria assim estabelecido. Estes contratos nunca foram approvados pelo ministério do reino. Do sorte que o serviço dos atilamentos não estava legalmente estabelecido pelo ministério das obras publicas, a lei não permittia que assim se praticasse e as devidas disposições de administração publica não admittiam os contratos de avença, nem auctorisavam a reter o producto dos afilamentos.

O sr. Mendes Leal: - E as tabellas?

O Orador: - S. v. exa. me diz quaes são essas tabellas eu respondo já. Não sei quaes sejam.

O sr. Mendes Leal: - Sinto muito.

Orador: - O illustre deputado referiu-se especialmente a um período final do meu relatorio, que diz o seguinte (leu).

Isto é um facto innegavel. As camaras conservaram durante muitos annos estas variadas medidas. Se porém algumas se alteraram, conservaram-nas todavia com essas alterações e tinham força nos seus municípios para as fazerem adoptar. Se pois tinham força para as fazer adoptar sem serem auxiliadas pela administração central, de certo que tendo esse auxilio muito melhor as podem conservar.

Ora todos sabem que não são precisos grandes conhecimentos para um emprehendimento d'esta ordem. E preciso talvez grande empenho, esforço, e actividade, para fazer estabelecer promptamente em todo o reino o novo systema de pesos e medidas, porém sustento que não é preciso grande sciencia, nem dilatados conhecimentos.

Não se trata agora de estabelecer a base que está determinada; nem de medir o meridiano terrestre; trata-se unicamente de fazer adoptar medidas que são invariáveis, a de extensão, a de capacidade e a de peso, cujos prototypos estão depositados no ministério das obras publicas. D´estes foram tirados os padrões de differentes classes, que são invariaveis.

A verificação é simples, faz-se no ministerio das obras publicas a dos padrões de primeira ordem, e os outros verificam-se por esses. Será pois necessário um grande esforço de intelligencia para acabar de estabelecer em Portugal o systema metrico de pesos e medidas?

O serviço dos aferimentos é desempenhado pelos concelhos e vigiado pela auctoridade administrativa, em conformidade com o código administrativo.

Se o ministerio das obras publicas entra n'este serviço, é em conformidade com os princípios prescriptos no decreto de 13 de dezembro de 1852, que estabeleceu o novo systema de pesos e medidas; é, como já disse uma vez n'esta camará, para vigiar que não haja alteração em o novo systema, e para coadjuvar o ministério do reino n'este ramo de serviço da sua immediata competência (apoiados).

O sr. Ferraira de Mello: - Confesso a v. exa. que na altura a que tinha chegado o debate, depois dos eloquentes discursos do sr. ministro da marinha e do sr. Mendes Leal, eu estava com muita hesitação e mesmo com grande receio de tomar a palavra. Ainda assim, como só tencionava tratar restrictamente do assumpto que motivou esta discussão, isto é, do serviço de pesos e medidas e da reclamação dos empregados que tinham sido despedidos, sustentei a minha inscripção, e tinha tenção de não desistir d´ella, julgando que a deusa da palavra, por mais exigente que fosse, devia estar satisfeita com os discursos notáveis e eloquentíssimos que tinham sido pronunciados n'esta casa.

No entretanto agora sinto-me mais á vontade, acho a questão propriamente no terreno em que desejava encontra-la. O sr. ministro das obras publicas seguiu o caminho em que eu desejava e tencionava entrar, limitando-se a tratar esta questão perante os factos e as suas consequencias, e lendo vários periodos da legislação e do seu relatorio a este respeito.

Não sei se s. exa. respondeu completa e cabalmente ás perguntas que lhe tinham sido dirigidas pelo sr. Mendes Leal; o que sei porém é que, tendo seguido s. exa. com toda a attenção, não me considero sufficientemente esclarecido sobre algumas duvidas que tenho e que exporei a s. exa. para, ácerca d'ellas, me dar algumas explicações.

Para mim, mesmo depois dos eloquentes discursos a que me referi, e do desvio que soffreu esta discussão, desvio que eu não lamento, antes pelo contrario estimei muito, porque deu occasião a ser elevada a tribuna parlamentará altura em que deve estar no governo representativo; para mim, digo, a eloquencia não mudou a natureza das cousas,

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e por isso não julgo que esta questão possa transformar-se em questão política.

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Apoiado.

O Orador: - Estimo muito o apoiado que acabo de ouvir ao sr. ministro das obras publicas, e que me causa o maior prazer.

A questão pois não é politica (apoiados). E uma questão de organisação de serviço, é um simples requerimento de homens que se julgam feridos nos seus direitos ou nos seus interesses. Estamos todos de accordo em que, ainda que a proposito d'esta questão se levantasse uma discussão politica, não devemos considerar a questão de que trata o parecer da commissão de obras publicas como questão política, porque de política não tem nada. É esta a opinião do proprio sr. ministro das obras publicas, a quem ha pouco tive o prazer de ouvir apoiar esta minha idéa, que presumo ser a idéa geral (apoiados).

Sr. presidente, a camara sabe que eu não sou da escola d'aquelles que vêem nos empregos publicos de qualquer ordem uma collocação inamovivel e vitalícia, nem dos que defendem uma theoria de direitos adquiridos, que tenho ouvido sustentar n'esta casa por mais de uma vez a distinctos collegas meus, cujas opiniões eu respeito, discordando completamente d'ellas e combatendo-as. Eu nego que haja direitos adquiridos nos empregos públicos. Para mim a collação é uma garantia especial e privativa do estado ecclesiastico. Não desejo de maneira nenhuma transportar a collação ecclesiastica nem os effeitos d'ella para os empregos civis propriamente ditos.

E por esta occasião peço licença a v. exa. e á camará para dizer de passagem, que a theoria da inamovibilidade existo apenas em relação ao poder judicial, e sustenta-se por uma única rasão, e é que o poder judicial tem de ser independente n'um paiz livre. Ainda assim ha muito quem negue, e com solidos fundamentos, a utilidade da doutrina da inamovibilidade no poder judicial, e logo que a independencia possa garantir-se sem a inamovibilidade, esta não se sustenta. Mas querer ampliar essa doutrina, que por excepção está ali, a todos os empregos em geral, parece-me empreza dificil de sustentar, e mais dífficil ainda de aceitar, porque a reputo subversiva em qualquer systema de governo. Reputo-a um erro á face dos princípios, e na pratica um erro ainda muito maior, porque d'ahi dimanam consequencias funestissimas.

Uma cousa é a tolerancia política ou partidaria, que mais do que virtude é um dever de todos os partidos, outra cousa muita diversa é a inamovibilidade que prende a justa acção de qualquer governo. Peior que a inamovibilidade é a theoria dos direitos adquiridos, diante dos quaes teria de recuar qualquer reforma, tornando se impossível o progresso, que é a primeira lei da humanidade, e muito difficil qualquer melhoramento, que é a primeira condição social.

Eu terei, sr. presidente, occasião mais propria para dar a estas idéas o necessário desenvolvimento. Desejo restringir-me positivamente á questão, que se discute, aproveitando esta occasião para declarar que eu sustento ainda as idéas que manifestei no anno passado n'um projecto, que aqui tive a honra de apresentar, sobre a organisação e simplificação dos serviços publicos e sobre o melhor meio de attender na transição aos interesses dos empregados, que sejam desnecessários depois das reformas dos serviços.

Por consequencia, não entro n'esta questão nem pelo lado dos direitos adquiridos, nem pelo lado do sentimentalismo, nem pelo lado das economias platonicas, nem tambem pelo lado da collação em empregos publicos, porque ë doutrina que não sigo; entro n'esta questão por dois pontos importantes: o primeiro é o serviço, e este é o principal; o segundo e saber se a medida que o sr. ministro das obras publicas entendeu dever adoptar em relação a estes empregados, é uma medida geral para todos os empregados nas mesmas circumstancias, ou é uma medida excepcional em relação apenas a estes empregados que agora recorrem á camara, tendo-se tido constantemente por parte do mesmo governo e do mesmo ministério um procedimento diverso e contrario em relação a todos os outros empregados em circumstancias identicas.

Portanto, repito, a questão para mim é em primeiro logar de serviço, isto é, saber se nós podemos ou não podemos fazer este serviço dispensando-se estes empregados; e em segundo logar saber se nós vamos adoptar em relação a estes empregados uma medida de excepção contraria á regra geral que se tem seguido para com todos os outros em idênticas circumstancias.

Eu pergunto a s. exa. o sr. ministro das obras publicas se em relação ao seu ministério este serviço acabou de todo ou não.

Vejo que o relatorio de s. exa. parece dizer que em relação a este serviço as funcções do ministério das obras publicas quasi que terminaram; mas ao mesmo tempo que n'um período o relatorio diz que = o desempenho de todo este serviço compete ás repartições das obras publicas districtaes e aos municípios sob a direcção do ministério do reino =, período que encontro em perfeita harmonia com a resposta que o nobre ministro acaba de das meu illustre collega e amigo, o sr. Mendes Leal, eu vejo que na continuação do mesmo relatorio o período seguinte diz: se ministério das obras publicas superintende, dirige, facilita e coadjuva o ministério do reino».

E este segundo período do relatorio, que me parece contradizer o primeiro, contradizendo igualmente a doutrina que o meu illustre amigo, o sr. ministro das obras publicas, acabou de expor, está em perfeita harmonia com a legislação anterior e com o proprio decreto de 23 do março d´este anno, porque pela doutrina antiga e pela legislação vigente os serviços technicos de administração, fiscalisação e policia dos pesos e medidas, ficaram competindo ás doze divisões do serviço ordinário das obras publicas, subordinadas á direcção geral das obras publicas no ministerio respectivo: assim se determinou no artigo 6.º do regulamento approvado por decreto de 31 de dezembro de 1868, cujo numero 5.º incumbe os pesos e medidas ás doze divisões a que acabo de me referir.

Por esta legislação, e pelo regulamento de 23 de março d'este anno, vê-se o seguinte (leu).

Por consequencia a cargo do ministério das obras publicas fica ainda, fiscalisar, administrar, policiar e superintender.

Ora eu pergunto a s. exa. quem é que fiscalisa, quem é que administra, quem policia e quem é que superintende?

Não posso contentar-me de maneira nenhuma com uma resposta genérica o vaga, como a que acabou de dar ao meu amigo o sr. Mendes Leal, dizendo que quem fiscalisa, administra e superintende é a auctoridade administrativa. Se é a auctoridade administtativa nas localidades, não posso contentar-mo com isso, porque não confio em que essa auctoridade tenha não só a força, roas sobretudo a dedicação, vigilância e zêlo que são indispensaveis para se não deixar perder um serviço d'esta ordem (apoiados).

O sr. ministro diz no seu relatorio que = as camaras municipaes, tendo conservado por centenares de annos as suas variadas medidas, atravez de vicissitudes e invasões, são competentes para estabelecer e conservar um systema unico e uniforme, decretado para todo o reino =.

Parece-me que s. exa. n'este relatorio seguiu apenas os seus desejos e as suas excellentes intenções, mas não tomou na necessária consideração o que são as dificuldades praticas, o que é a realidade das cousas: dificuldades praticas e realidade das cousas que energicamente protestam pela lição da experiencia contra os desejos e theorias do sr. ministro das obras publicas (apoiados).

S. exa. deve saber melhor do que eu, pelo que consta no ministerio a seu cargo, se é exacto o que eu leio n'um a publicação recente a este respeito. Peço a attenção dos meus collegas. Diz se:

«As informações até agora obtidas demonstraram que algu-

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mas camarás haviam destinado os grandes padrões de zinco para ourinoes e os pequenos para tinteiros; que outras os tinham aproveitado para escarradores, enchendo de areia os decalitros, e faziam deposito de papeis velhos nos hectolitros de madeira; que outras confiavam os pesos, destina dos para padrões, aos açouges municipaes, onde foram encontrados em estado de lamentável avaria...

(Interrupção.)

Tenha v. exa. paciencia. Nem tudo são rosas, e nós precisâmos de saber o que vae pelo mundo. Eu conheço que repugna a toda a imaginação de poeta a triste realidade das cousas, porém devo recordar a v. exa. que a realidade e mais isto do que as hypotheses e os sonhos dourados que existem na imaginação do sr. ministro. Ouça, pois, o resto.

«Demonstraram que uma parte d'ellas os conservava mal guardados e em péssimo estado, ainda que os não tivesse aproveitado para as citadas applicações ou para outras similhantes.»

Eu só posso ter noticia d'estes factos por informações particulares, ou por este genero de publicação, mas o sr. ministro não está no mesmo caso. S. exa., pelo logar que desempenha, tem estricta obrigação de saber se estas informações existem ou não, e se dizem ou não a verdade. Pergunto a s. exa. se o que acabo de ler representa a verdade, representa a triste realidade das cousas...

( Interrupção.)

O que pergunto é se e verdade, não pergunto de quem é a publicação, nem se é anonyma ou se tem nome. Escreve se que as informações obtidas dão este resultado. O sr. ministro tem obrigação de conhecer as informações obtidas. Pergunto a s. exa. se isto e verdadeiro ou falso (apoiados). Pergunto a s. exa. póde afiançar a esta camará, ao parlamento e ao paiz, que todas as camaras municipaes conservam com o maior zelo e cuidado os padrões das medidas...

O sr. Ministro das Obras Publicas: - V. exa. dá me licença que o interrompa?

O Orador: Com todo o prazer.

O sr. Ministro das Obras Publicas: - É uma cousa extraordinaria o que vem n´um folheto anonymo, onde o seu auctor não m atreveu a pôr o seu nome, porque se o tivesse posto talvez se devesse principiar a ler o nome d'esse individuo...

O Orador: - Não sei quem é, nem me importa saber.

O sr. Ministro dm Obras Públicas: - O individuo a quem me refiro não se atreveu a por o seu nome; se o tivesse posto, repito, a primeira cousa que devia começar-se a ler era o nome d´elle.

Parece impossível trazer se para a camará uma questão de ourinoes. Pois eu posso saber se se ourina nas medidas de capacidade? Não posso saber isso. Estou mesmo convencido que tal não acontece. Póde ser que algum empregado negligente tenha feito mau uso das medidas de capacidade, mas ignoro, não sei. Estou convencido que não.

Não tenho mais nada que dizer, e nem posso saber o que se passa no recondito das casas dos aferidores. E uma cousa impossivel.

O Orador: - É de algumas camaras municipaes, não é dos aferidores, que esta publicação que li affirma haver estas informações officiaes.

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Não sei.

O Orador: - Começo por declarar que a questão não é de ourinoes. A questão ó de saber Be no ministério das obras publicas ha informações que dizem isto (apoiados). Se no ministério das obras publicas ha informações que demonstrem que as camarás municipaes, longe de terem o zelo, o cuidado e o interesse que devem ter pela conservação dos novos padrões, os applicavam para escarradores, para guardar papeis velhos ou cousas similhantes, descurando este serviço. S. exa. diz que é possível que algum empregado negligente tivesse feito mau uso d'essas medidas. Basta esta confissão da parte do ministro, para se ficar sabendo que a realidade das cousas se approxima muito das informações que acabo de ler á camara; informações que tanto importa que sejam escriptas n'um folheto anonymo, como n'um folheto com o nome do auctor; porque não ó o nome do auctor que aqui se discute.

(Interrupção.)

Não discuto o nome, o que discuto é a exactidão ou inexactidão das informações obtidas.

Mas como o illustre ministro das obras publicas recusa a auctoridade do folheto anonymo, eu vou invocar a auctoridade do proprio sr. ministro.

S. exa., por um commentario que acabou de fazer ha pouco a esse periodo poetico e brilhante ao seu relatorio, veiu confirmar perfeitamente a doutrina d'estas informações.

S. exa. descreveu-nos aqui que as camaras municipaes no seu limitado território sustentaram as suas medidas atravez de vicissitudes, invasões e epochas as mais calamitosas. Mas que sustentaram ellas?

A historia ensina-nos que as camarás municipaes já tiveram um systema unico e uniforme de padrões e medidas. El-Rei D. Sebastião distribuiu padrões e medidas iguaes a todas as camarás municipaes. Se as camarás municipaes, depois de terem recebido estes padrões unicos e uniforme?, e estas medidas iguaes, as tivessem conservado, como s. exa. o sr. ministro das obras publicas indica no seu relatorio, nós teriamos sea duvida encontrado medidas iguaes em todo o reino; porém o proprio sr. ministro das obras publicas se incumbiu de confessar o que todos sabiamos, que esta doutrina não era a verdadeira. Ouvimos s. exa. em toda a parte as medidas antigas, mas alteradas ou por alterar. Ora, sr. presidente, por força existiam algumas medidas, porém não é isso de certo o que a camará quer: d'estas medidas do novo systema. Para isso é que o novo systema se estabeleceu, e agora cumpre não o deixar alterar e perder. A experiencia antiga e moderna demonstra que as camaras municipaes não toem nem podem ter pela conservação do syatema único e uniforme o zelo, a dedicação e o cuidado que essa conservação reclama.

Nós vemos na historia que as camaras antigas, por desmazelo, por ignorancia e muitas vezes para defraudar o povo fazendo augmentar mais os tributos que lançavam sobre o consumo, não tinham duvida nenhuma, não só em consentir na alteração das medidas, mas até em a decretar (apoiados). Eram as proprias camaras municipaes que alteravam, diminuíam os padrões, e depois nos afilamentos adulteravam todas as medidas, para que lhes rendesse mais negocio mostrou aqui outro dia o illustre deputado, o sr. Mendes Leal, com a leitura que fez de uma memória perante o sr. ministro das obras publicas (apoiados).

Por consequencia, sr. presidente, se o governo, se o ministério das obras publicas tem, como não pôde deixar de ter, a obrigação de fiscalisar, administrar, policiar e superintender, precita de empregados competentes debaixo da sua direcção que fiscalizem nos mercados, nas feiras e perantes as camaras municoipaes a conservação fiel dos padrões, e que nos dêem todas as garantias de que esta reforma que custou tanto a implantar, que custou tanto trabalho, difficuldades e dinheiro, se não perca, perdendo-se ao mesmo tempo todo o trabalho e toda a despeza já feita (apoiados).

Sr. presidente, pergunto ao illustre ministro das obras publicas quem é que, despedidos estes empregados, s. exa. tem para mandar fiscalisar, alem das auetoridades administrativas a que ha pouco se referiu; porque as auetoridades administrativas não tem nem a competencia nem a dedicação necessaria para desempenhar este serviço e para o fiscalisar como precisa ser fiscalisado (apoiados).

Se o ministerio das obras publicas tem de continuar a exercer esta fiscalisação, superintendência, administração

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e policia, como é que se podem despedir os empregados que são os mais competentes para o serviço, no qual já estão experimentados?! (Apoiados.)

Se o serviço acabasse de todo, se nós estivessemos em circunstancias de poder abandonar toda a fiscalisação e superintendencia, se os habitos do povo e a civilisação de todo o paiz podessem já dispensar o governo de uma certa ingerencia, da tutella quasi constante, que é indispensavel para não deixar perder as reformas e para tirar utilidade das novas instituições, eu conformar-me-ía inteiramente com a theoria do sr. ministro das obras publicas; não eram necessários os empregados.

Mas se o serviço não acaba e as reformas de s. exa. mandam continuar no ministerio das obras publicas a fiscalisação, a policia e a superintendencia d'elle, s. exa. não pôde dispensar empregados para fazer o serviço que continua.

E eu prefiro empregados já experimentados e habilitados por longa pratica do serviço a empregados novos, que têem de aprender á custa do paiz antes de poderem prestar o serviço que o paiz d'elles tem direito a exigir (apoiados).

Disse-nos o illustrado relator da commissão, e repetiu-o o sr. ministro das obras publicas, que este serviço desde 1854 tinha custado ao estado 438:000$000 réis.

Aqui tem v. exa., sr. presidente, o principal argumento com que se quer fazer impressão nos membros d'esta camara!

Pois porque uma cousa custa dinheiro, segue-se que ella é má? Então teriamos que nos levantar indignados contra todas as instituições e reformas, porque custam dinheiro ao paiz! E a que estado nos levaria esta theoria?

Permitta me a camará que eu cite uma discussão ainda recente que teve logar no corpo legislativo francez.

O corpo legislativo francez votou os fundos necessários para a construcção de um theatro, uma nova grande opera, e votou-os com grande opposição da parte de quasi todos os representantes dos círculos ruraes e das províncias, depois de larga discussão.

Principiou a construir-se a nova grande opera, e as difficuldades do terreno, a grande quantidade de agua que se encontrou ao cavarem se os alicerces, determinaram um augmento de despeza extraordinario a ponto que o orçamento, que tinha sido votado com grande repugnancia, não só foi excedido, mas a despeza primeiro calculada chegou quasi a triplicar-se.

Pois quando o governo francez apresentou a ultima alteração do orçamento com augmento novo de despeza na sessão do anno passado, mesmo aquelles que de principio tinham impugnado e combatido com toda a força a construcção d'aquelle edificio, vieram reconhecer que desde que elle se havia principiado e se tinham gasto sommaas enormes, o que convinha era fazer o sacrificio indispensavel para o concluir, porque abandona-lo depois de se haverem gasto sommas enormes para o levar áquelle estado era perder não só o edificio e a sua utilidade, mas o juro das sommas enormes já despendidas. A opposição limitou-se a observar á camará a rasão que tinha quando combatia a construcção; e quasi ninguem se levantou para recusar o augmento de despeza que se pedia para terminar a obra, que estava proxima a concluir-se.

É assim que procede e se governa um paiz culto e illustrado. A economia nem sempre consiste em guardar o dinheiro, em recusar toda a despeza. Muitas vezes uma pequena somma, que se recusa, faz perder uma instituição, um serviço, toda a utilidade que d'ahi resultaria, e todo o trabalho, e todo o dinheiro que se despendeu para levaria reforma ao ponto em que por ignorancia se abandona. São esses os maiores desperdícios, porque se traduzem em retrogradar para o barbarismo, perdendo com o retrocesso todas as sommas já despendidas para conquistar as vantagens da civilisação.

Appliquemos esta verdade a este serviço de pesos e medidas. Que encontramos nós? Encontramos que, se já gastámos desde 1854 até hoje 439:000$000 réis com este serviço, como se infere do relatorio do sr. ministro das obras publicas, temos rigorosa obrigação de fazer os sacrifícios indispensaveis para que não venhamos a perder a reforma que já nos custou tanto dinheiro, e o juro das sommas que nós applicámos para introduzir no nosso paiz áquelle serviço.

Se nós hoje abandonarmos o novo systema de pesos e medidas, que acontece? Acontece que uma das reformas mais uteis que podíamos obter (e eu dispenso-me de mostrar á camara a utilidade que resulta d'este novo systema, não só para as relações de indivíduo para individuo, como para o commercio interno e externo); uma reforma para a qual nós já fizemos tantos sacrificios, fica inutilisada, perdendo não só a vantagem de a haver implantado em Portugal, como tambem os juros das quantias que tem custado essa implantação. E a camará sabe que entregar um systema unico e uniforme á variedade municipal, é perder a reforma e ficar então ainda em peior estado do que estavamos antes de tentar introduzi-la entre nós.

Outro ponto principal n'esta questão é saber se esta medida decretada pelo ministerio das obras publicas, com relação a estes empregados, foi uma medida geral ou uma medida de excepção.

O meu particular amigo e collega, o sr. Mathias de Carvalho, quando tomou a palavra n'esta questão, mostrou á camara que por um decreto dictatorial assignado por todos os srs. ministros, se conservaram com os seus vencimentos os empregados do arsenal e da extincta majoria da armada, que estavam em circunstancias idênticas ás d'aquelles que hoje reclamam. Ainda não vi que isto se negasse, nem que o sr. ministro tentasse convencer-nos do contrario. Eu sou tambem informado de que o proprio sr. ministro das obras publicas, n'uma reforma que fez, conservou os respectivos empregados com dois terços dos ordenados, estando elles aliás em idênticas circumstancias com estes. Refiro-me aos telegraphistas; e quando se discutir o orçamento, eu terei occasião de me convencer do que ha de verdade n'este ponto. Não quero antecipar a discussão, e também não desejo discutir nenhuma classe de individuos; portanto reservo essa averiguação para ensejo opportuno, que é o da discussão do orçamento.

Mas, se esses empregados estavam em circumstancias identicas ás d'aquelles, que hoje vêem reclamar perante a camara, e se esta é uma medida excepcional, eu voto contra ella, porque não se póde de maneira nenhuma admittir que se adopto uma medida geral para todas as classes, fazendo-se uma unica excepção para com estes empregados (apoiados).

Termino aqui as minhas observações, e espero que o sr. ministro das obras publicas, se se dignar responder, na sua resposta explicará completamente cites pontos, e habilitará a camara a votar com perfeito conhecimento de causa nobre uma questão que, segundo a declaração do proprio sr. ministro das obras publicas, que me honrou com o seu apoiado, não tem nada de politica e reduz se apenas a continuar ou não um certo serviço, e a fazer justiça ás reclamações que se nos fazem. Tenho concluído.

O sr. Bandeira de Mello: - Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra sobre a proposta do governo n.º 20-C.

O sr. Ferreira de Mello: - Mando tambem para a mesa dois pareceres, um da maioria e outro da minoria da commissão de legislação, ácerca da licença pedida para a continuação do processo do sr. deputado Santos e Silva.

O sr. Secretario (Holbeche): - A commissão de redacção mandou para mesa a ultima redacção dos projectos n.º 22 e 25. Mandam-se expedir para a outra camara.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta do sr. Mendes Leal, apresentada em uma das ultimas sessões, e que ainda não foi admittida.

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O sr. Correia de Barros: - Sr. presidente, v. exa. e a camara comprehendem de certo, que é muito a meu pezar que me vejo forçado a usar novamente da palavra sobre um assumpto, que durante quatro sessões tem prendido a attenção da camara e occupado a sua actividade.

E digo, a meu pezar, não porque a palavra eloquente dos illustres impugnadores do parecer tenha logrado destruir, abalar sequer, a profunda convicção com que o lavrei; mas porque a discussão, arredando se do thema quo v. exa. lhe havia prescripto, entrou por um caminho, no qual me seria sobremodo desagradavel o segui-la.

Sr. presidente, afóra algumas moções do ordem, pretextos mais ou menos fundados dos brilhantes discursos que tivemos a fortuna de ouvir n'esta casa, e exceptuadas algumas breves palavras ditas, como que incidentemente, em defeza das mesmas moções, limitaram se os illustres impugnadores do parecer a mandar a sua vida publica de qualquer planta damninha, que lá tivesse conseguido germinar; todos se restringiram a varrer das suas testadas qualquer atomo menos puro, que porventura lá houvesse deixado na passagem o deficit, que todos querem sacudir da sua beira, mas que, mau grado d'elles, a todos nos afflige e persegue.

Mas o que prova tudo isso?

Sr. presidente, já que no decurso d'esta discussão se tem ido buscar imagens á medicina, seja me permittido ir lá buscar tambem uma de que careço; que nome mereceriam os medicos que, chamados á cabeceira do um agonisante, esperdiçassem em dissertações, aliás doutissimas, sobre a origem do mal, que o mata, e sobre a fórma por que obra na economia o especifico que pode salva-lo, os minguados instantes que lhe restam de um tempo, que apenas bastava para o preparo e applicação da droga salvadora?

Sr. presidente, se para tanto tivesse direitos a minha voz humillima, perguntaria eu ao parlamento do meu paiz: que resposta daremos á nação quando ella nos perguntar em que temos gasto os dois mezes de sessão já decorridos?

Que havemos de responder ao paiz, quando elle nos pergunte - de que males o livrámos, que dores lhe alliviámos que necessidades lhe satisfizemos, e a que doenças lhe soubemos prover de remédio? ( Apoiados.)

Ditas estas palavras, que não podem ser-me tomadas em conta de censura a pessoa alguma, e que são apenas a expressão franca do meu modo de patinar, farei algumas brevíssimas reflexões sobre o assumpto que se está discutindo,

Sr. presidente, o sr. Carlos Bento, usando da palavra sobre a ordem, em uma das ultimas sessões taxou, se me não engano, de obscura a conclusão do parecer.

Disse s. exa. que = não percebia bem qual o pensamento da commissão, quando concluía que desejava que o governo applicasse nus individos, de que se trata, as mesmas regras que em circumstancias análogas houvessem sido porventura applicadas a outros empregados =.

Sr. presidente, a commissão não se fez cargo de saber se havia ou não empregados, que se tivessem achado nas mesmas circumstancias; mas como era possivel que tal facto tivesse occorrido, e como a commissão não está possuida da mais pequena animosidade contra os empregados da extincta repartição de pesos e medidas, concluiu recommondando ao governo que applicasse a estes a mesma jurisprudencia que a outros se houvesse applicado (apoiados).

Tambem se disse que não é com mealhas, como as que resultariam de ser desattendido o requerimento dos supplicantes, que se poderão regenerar as finanças d'este paiz.

Ora eu peço licença para ponderar que não entendo que possa chamar-se mealha a uma somma superior a 30:000$000 réis annuaes; porque não se trata sómente dos dezenove signatários do requerimento, mas sim de duzentos e noventa e oito empregados, que illegalmente haviam sido nomeados para o serviço pelo inspector geral de pesos e medidas (apoiados).

Sr. presidente, releve-me v. exa. que eu repita alguns dos raciocinios, que em outra occasião tive a honra de adduzir perante a camara em do parecer.

Á commissão não incumbia estabelecer regras geraes, nem particulares com relação a estes ou a outros empregados; a tarifa da commissão limitava-se apenas a averiguar se nas leis em vigor existe alguma disposição, da qual derive o direito dos supplicantes áquillo que elles pedem (apoiados).

Eu creio ter já exuberantemente demonstrado que não ha na legislação em vigor, disposição alguma que possa ser por elles invocada; o que restava pois á commissão era dizer a verdade á camara, isto é, que os requerentes não têem direito ao que, pedem; como porém elles inspiram sentimentos iguaes a todos os membros da commissão e da camara, entendeu aquella que não faltava ao que a si propria deve, recommendando os ao governo, para que este procedesse para com elles da mesma forma por que houvesse procedido para com outros.

A maior parte das moções mandadas para a mesa importam o adiamento da questão. Em nome da commissão declaro eu a v. exa., que da approvação de qualquer d'essas moções resultaria o maximo dos males para os requerentes, qual seria o de não alcançarem despacho algum ao seu requerimento, como do certo não alcançariam, emquanto a camara não nomeasse uma commissão especial para resolver esta questão (apoiados).

Sr. presidente, v. exa. o a camará fazem-me de certo a justiça do acreditar, que o meu primeiro cuidado, quando me foi distribuído este negocio, foi illustrar o meu espirito acerca do assumpto por todos os modos ao meu alcance, e que não foi sem a mais profunda convicção que eu lavrei o parecer tal como foi approvado pelos meus collegas e submettido á apreciação da camara (apoiados).

Não entrou no meu animo, e muito menos não de nenhum dos meus collegas da commissão, sentimento algum que não derivasse directamente do que nós entendemos ser rigorosa justiça (apoiados).

Estabelecidas estas premissas, se acaso a camara, na sua alta sabedoria, entender que o parecer deve voltar á commissão pela minha parte e em nome, dos meus collegas declaro desde já a v. exa., que não podemos tomar conhecimento d´elle para modificarmos o nosso juizo, consignado no parecer em discussão, por isso que ainda não ouvimos que rasões levassem a modificar a opinião que já manifestámos ( apoiados).

Por outro lado eu creio que a commissão não poderia sem faltar ao muito respeito que deve á camara, concordar no adiamento para, passados alguns dias, apresentar de novo o parecer que a camara já tinha mostrado não poder opprovar (apoiados).

A approvação do adiamento imporia por consequencia uma e simples perda do tempo, pois que a commissão, repito, não póde senão insistir na conclusão do parecer que está em discussão (apoiados).

Sr. presidente, se algum dos dígitos membros d'esta camara, usando da sua iniciativa, submetter á approvação do parlamento um projecto de lei cujas disposições possam aproveitar aos requerentes talvez que, o meu voto, como deputado o como membro da commissão, lhe não seja desfavoravel; mas exigir se que a commissão tome sobre e assumpto uma resolução diversa da que tornou, enquanto nas leis se não introduzirem principios bem claros que determinem essa mudança, ou emquanto se não apresentarem rasões que demonstrem que a commissão errou no juizo que emittiu, isso é que não póde ser (apoiados).

Sr. presidente, mal cabidos me parecem tambem os repetidos appellos, que se têem feito á sensibilidade o á equidade de cada um do nós.

Sr. presidente, a base da equidade, como a palavra o diz, é a igualdade; e como podemos nós invocar a equidade em favor de uma classe pouco numerosa, em compara-

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ção com a população do reino, quando a não podemos applicar a todo o paiz?

Pois quando vamos pedir ao paiz o sacrificio pesadissimo de pagar 4.500:000$000 réis de augmento de impostos; pois quando, por falta de bases para o lançamento equitativo d´estes impostos, vamos ferir desigualmente os contribuintes, exigindo a uns o dobro, emquanto que a outros pedimos metade do que poderiam pagar, podemos ou devemos nós attender uma classe, bastante numerosa, é certo, mas insignificantissima quando comparada ao numero total dos contribuintes? (Apoiados).

Pois podemos nós impor larguezas de liberalidade aos mesmos a quem exigimos tão dolorosos sacrificios era nome da conservação da honra e talvez da independência nacional? (Apoiados.)

Sr. presidente, parece me ter resumido quanto sobre o parecer da commissão, e em sustentação d'elle, me cumpria dizer (apoiados).

O que peço de novo á camara é que faça justiça inteira e cabal, como nos prezamos de lh'a merecer, a todos os membros da commissão, e que se convença de que não imperou no animo de nenhum d'elles outros sentimentos, que não fossem o da mais severa imparcialidade e o da justiça mais rigorosa (muitos apoiados).

Não tenho mais nada que dizer (apoiados).

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi Cumprimentado por varios srs. deputados.)

O sr. Mathias da Carvalho: - Quasi me poderia dispensar de tomar novamente a palavra sobra esto assumpto. Em verdade, sr. presidenta, tendo sido pedidas, como foram por mim e por outros srs. deputados, explicações ao sr. ministro das obras publicas acerca do modo como m deverá effectuar de hoje em diante o serviço de pesos e medidas, declaro que infelizmente não ouvi resposta satisfactoria. Portanto ficam ellas subsistindo completamente (apoiados).

Não tomarei muito tempo á camara para não incorrer na censura, que me parece injustificavel, da parte do nobre relator da commissão, quando nos faltou no tempo despendido em divagações de politica retrospectiva.

E certo, que differentes oradores têem apresentado algumas considerações que não se referem directamente ao parecer que se discute. Quem são os responsaveis? São os srs. ministros (apoiados), que provocaram a opposição para a questão politica (apoiados). Toda a camara viu que o sr. ministro do reino, quando fallou sobre o parecer da commissão do obras publicas, emprasou a opposição para uma liquidação de contas (apoiados).

Veiu depois o nobre ministro da marinha, e pondo de parte o assumpto da discussão, occupou-se principalmente de analysar os actos das administrações pagadas. Sinto não ver presente s. exa., porque tenho necessidade de responder a das algumas das suas humilde pessoa.

Acamara parece-me, pouco disposta a empregar mais tempo com a discussão d´este parecer, e não admira que assim seja. As attenções estão longe do assumpto que se debate. Dirigem-se todas para a crise ministerial.

O governo deixou-nos completamente; o nosso unico companheiro de trabalhos é o sr. ministro das obras publicas; s. exa. vae-se tornando amigo d'esta casa. Todos os dias temos o prazer de o ver aqui, e pela minha parte confesso que tenho com isso muita satisfação. S. exa. já usa todos os dias da palavra; e hoje, se não fallou largamente, pelo menos leu largamente (hilaridade).

Maguou me ouvir ao nobre relator da commissão, porque conheço a sinceridade das suas convicções, e sou o primeiro a fazer-lhe justiça completa, que ella não podia fazer outra cousa senão recommendar ao governo que tivesse em attenção entes empregados; isto depois de termos ouvido ao sr. ministro das obras publicas dizer que nada faria em favor d'elles!

porque tenho necessidade de responder a considerações que se referiam á minha

O sr. Correia de Barros: - V. exa. dá-me licença?

O Orador: - Pois não.

O sr. Correia de Barros: - Se v. exa. ou outro qualquer membro do parlamento, propozesse que fosse creada para estes empregados uma posição analoga á que foi dada, por exemplo, aos engenheiros districtaes, de que sou o mais humilde, talvez associasse o meu nome, se me dessem licença para isso, a essa proposta, mas a commissão não podia dar senão o parecer que deu.

O Orador: - Muito folgo com a declaração do nobre relator. Já lucrámos alguma cousa.

O sr. Correia de Barros: - Esta declaração é apenas individual.

O Orador: - Muito bem; em todo o caso tenho muita satisfação em ver o illustre deputado separar se do sr. ministro das obras publicas, e associar-se aos membros d'esta capa que têem pugnado porque estes empregadas não fiquem reduzidos á miseria, e seja aproveitado o seu prestimo na continuação do serviço que elles já conhecem e que d'elles não póde prescindir.

N'este ponto das necessidades do serviço, insistiram differentes oradores, e insisti eu tambem, porque é a questão principal. N'esta parte, porém, não ouvi ainda um unico argumento, pelo qual ficasse demonstrado que se podiam dispensar os empregados requerentes.

Responde-se vagamente que o serviço de pesos e medidas vae ficar a cargo das camarás municipaes; mas o meu nobre amigo, o sr. Ferreira de Mello, mostrou a pouca regularidade com que este serviço foi feito pelas municipalidades quando esteve a cargo d'ellas. E por esta occasião referiu-se s. exa. a uma publicação, que tenho presente, e e que se intitula " o governo e as reformas".

Esto escripto contém esclarecimentos importantes, e em nada prejudica os creditos do seu esclarecido auctor, que é o sr. Fradesso da Silveira. Cito o nome de s. exa. porque estou para isso auctorisado.

Subsistindo todos os argumentos adduzidos para justificar a desigualdade com que foram tratados os empregados a que se refere o parecer da commissão, e subsistindo igualmente todos os argumentos em virtude dos quites ficou bem patente que estes empregados são indispensaveis ao serviço da administração e fiscalisação dos pesos e medidas, entendo que a camara não póde deixar de significar por meio de uma votação que não approva os actos praticados pelo sr. mililitro das obras publicas em relação a estes empregados.

Não occupo por mais tempo a attenção da camara, porque me parece que ella está sufficientemente elucidada e que por isso deseja votar.

Tenho concluido.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Conta e Almeida: - Requeiro que v. exa. consulte a camara sobre se a materia está suficientemente discutida.

Venceu- se affirmaativamente.

Leu na mesa, para ser votada, a proposta de adiamento do sr. Andrade Corro.

O sr. Andrade Corvo: - Peço se consulte a camara sobre se quer votar nominalmente essa proposta.

Assim se resolveu.

O sr. Falcão da Fonseca: - Eu tinha apresentado uma moção de ordem, que significava tambem o adiamento, isto é, que se adiasse a discussão d'esse projecto até que fosse apresentada uma proposta, que o ministerio devia trazer, para regular os ordenados dos empregados que ficaram fóra dos quadros. Como o governo já apresentou esta proposta, está prejudicada a minha moção de ordem, e peço licença para a retirar.

Mas aproveito esta occasião para me habilitar a dar o meu voto o n'este assumpto, fazendo um simples pedido ao nobre ministro das obras publicas. E que s. exa. se dignasse declarar á camara, visto que os empregados a quem este decreto se refere receberam uma circular declarando, que desde o 1.º de julho em diante não venceriam mais cousa

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alguma do estado, se o governo está resolvido a ter alguma contemplação com estes empregados.

Vozes: - Ordem, ordem. Votos, votos.

O Orador: - Isto o que quer dizer é que o nobre ministro não se digna responder! (Vozes: - Ordem, ordem, está encerrada a discussão.) Fico satisfeito com essa mesma falta de resposta!

O sr. Abranches: - Peço licença para retirar a minha moção, porque depois que o sr. Mendes Leal apreseutou a sua, eu vejo que a minha idéa está consignada na proposta de s. ex.ª

A camara concedeu a licença pedida.

Leu-se na mesa a proposta do sr. Andrade Corvo, para a qual se requereu e approvou a votação nominal.

E a seguinte:

Proposta

Proponho que o parecer em discussão volte á commissão a fim de que, segundo as indicações do sr. ministro das obras publicas, indique o modo por que deve ser organisada a inspecção e fiscalisação dos pesos e medidas, e ahi se aproveitem os serviços dos empregados, que em virtude da ultima reforma, ficaram fora do serviço publico onde fructuosamente se empregaram.

Feita a chamada:

Disseram approvo-os srs. Ferreira de Mello, A. J. Pinto de Magalhães, Fontes, Falcão da Fonseca, B. F. da Costa, Diogo de Macedo, Fernando de Mello, F. J. Vieira, F. F. Mello, Francisco Costa, Baima de Bastos, Corvo, Mártens Ferrão, Matos Correia, Joaquim Pinto de Magalhães, Joaquim Thomás Lobo d´Ávila, José Dias Ferreira, Queiroz, José Maria Lobo d'Avila, Mendes Leal, Levy, Camara Leme, Affonseca, M. Fernandes Coelho, Matinas de Carvalho, Visconde de Guedes.

Disseram remito -os srs. A. A. Carneiro, Pereira de Miranda, Sá fogueira, Sá Brandão, Silva e Cunha, Veiga Barreira, Sousa de Menezes, Magalhães Aguiar, Costa e Almeida, Eça e Costa, Montenegro, Saraiva de Carvalho, Barão da Ribeira de Pena, Belchior Garcez, Abranches, C. de Seixas, C. J. Freire, Francisco Beirão, Coelho do Amaral, Pinto Bessa, Noronha e Menezes, H. de Macedo, Gil, Cortez, Aragão Mascarenhas, Alves Matheus, Nogueira Soares, Gusmão, Teixeira Cardoso, Correia de Barros, Bandeira de Mello, Mello e Faro, Firmo Monteiro, Lemos e Nápoles, Vieira de Sá Junior, Rodrigues de Carvalho, José de Moraes, Oliveira Baptista, Silveira e Souna, L. A. Pimentel, Daun e Lorena, Penha Fortuna, Paes Villas Boas, R. V. Rodrigues, Calheiros, Palmeiro Pinto, H. de Barro» Gomes, Holbeche.

Foi portanto rejeitada por 48 votos contra 26.

O sr. Presidente: - Vae-se ler a conclusão do parecer para se votar.

O sr. Abranches: - Não, senhor; o que se deve votar agora é a proposta do sr. Mendes Leal, que é uma emenda ao parecer da commissão.

O sr. Previdente: - Desde que apparece duvida sobre a classificação que a mesa fez da proposta, é necessario consultar a camara.

O sr. Abranches: - E só duas cousas que ha a votar, a proposta do sr. Mendes Leal e o parecer da commissão?

O sr. Presidente: - Sim, senhor.

O sr. Abranches: - Pois então requeiro votação nominal sobre qualquer das duas cousas que v. ex.ª entenda que deve pôr á votação em primeiro logar.

O sr. secretario leu a proposta do Sr. Mendes Leal.

O sr. Presidente: - Paneceu á mesa, que esta proposta era uma verdadeira substituição á conclusão do parecer; mas se a camara julga que se deve classificar de diverso modo, classifica se.

O sr. Mendes Leal: - Creio que essa proposta não póde ser classificada senão como uma verdadeira emenda, porque propõe uma solução de questão differente da que é apresentada pela illustre commissão de obras publicas.

O sr. Correia de Barros: - Eu tenho a declarar por parte da commissão que rito posso por fórma alguma concordar com a substituição do sr. Mendes Leal, porquante ella não faz alteração alguma na doutrina do parecer, e por isso creio que não ha absolutamente vantagem alguma em ser votada. A recomendação que n'ella faz explicitamente o sr. Mendes Leal é idêntica áquella que a propria commissão faz ao governo; é - que sejam applicadas a estes empregados as disposições que porventura hajam sido applicadas a outros, e isto mesmo diz o parecer. Por conseguinte entendo que não se póde aceitar essa substituição.

O sr. Presidente: - Consulto a camara sobre se entende que a proposta do sr. Mendes Leal é uma substituição.

Votou se affirmativamente.

O sr. Fontes Pereira de Mello: - Parece-me que a proposta do illustre deputado, o sr. Mendes Leal, não e uma proposta que possa rigorosamente considerar- se como emenda ou substituição; creio que póde haver sobre ella votação sem prejuizo do parecer, e votação d'este sem prejuízo da proposta (apoiados}. Em todo o caso o que não póde é a pmposta ficar prejudicada cora a votação do parecer (apoiados).

O sr. Correia de Barros: - Peço licença para de novo affirmar que a proposta do sr. Mendes Leal não e outra cousa mais que o parecer da commissão (apoiados). E absolutamente a mesma cousa. Não traz medida nem materia nova. A fórma é que é outra; o pensamento e o mesmo da commissão, exactamente o mesmo (apoiados).

Vozes: - Votos, votos.

O sr. Ferreira de Mello: - Depois da declaração do illustre relator da commissão creio que s. ex.ª não terá duvida nenhuma em que a proposta do sr. Mendes Leal seja inserida no parecer.

Vozes: - Nada, nada; votos, votos.

O Orador: - Desde que o relator da commissão diz que a proposta é a mesma cousa que o parecer, parece-mo que ella póde ser inserida no mesmo parecer, e terminar este incidente.

O sr. Correia da Barros: - Peço licença ao meu amigo, o sr. Ferreira de Mello, para lhe disser que, nem na linguaguem escripta, nem na linguagem fallada, gosto de pleonasmos.

O sr. Falcão da Fonseca (para um requerimento): - O meu requerimento é o seguinte. É para pedir no illustre relator da commissão, que tenha a bondado de declarar á camara se toda a commissão de obras publicas approva a declaração que s. ex.ª fez?

Vozes: - Approva, approva. Votos, votos,

(Susurro.)

O Sr. Carreia de Barros: - Eu não posso responder ao illustre deputado, porque não ouvi o que s. ex.ª me perguntou.

Vozes: - Votos, votos.

O sr. Presidente: - O tempo que estamos gastando infructiferamente podia aproveitar se conciliando-se á vontade manifestada por uma e outra parte, e em votar o parecer da commissão com a declaração de que com essa votação não ficava prejudicada a votação sobre a proposta do sr. Mendes Leal (muitos apoiados).

Vozes: - Votos, votos.

O sr. Abranches: - Eu requeri que a votação fosse nominal.

O sr. Presidente: - Já vou consultar a camara a esse respeito, mas antes d'isso tem a palavra o sr. Mendes Leal.

O sr. Mendes Leal: - Se v. ex.ª põe a minha proposta á votação, na forma que v. ex.ª acaba de declarar, não tenho nada que dizer. O que eu não posso é prescindir do direito de que ella seja votada (muitos apoiados).

O sr. Presidente: - Votar se-ha depois do parecer (apoiados).

Vozes: - Votos, votos.

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O Sr. Abrantes: - Lembro a v. ex.ª o meu requerimento

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre se quer que seja nominal a votação do parecer. Os senhores que assim o approvam tenham a bondade de se levantar.

(Pausa.)

O sr. Secretario (Holbeche):- O requerimento para a votação nominal está rejeitado.

Vozes: - Votos, votos.

O sr. Abranches: - Eu peço que se contem os votos novamente.

Vozes: - Votos, votos.

O sr. Presidente: - Os senhores que entendem que a votação sobre o parecer deve ser nominal tenham a bondade de se levantar.

(Pausa.)

O sr. Secretario (Holleche): - Estão levantados cinco srs. deputados, portanto o requerimento está segunda vez rejeitado.

Vozes: - Votos, votos.

Posta á votação a conclusão do parecer, foi approvada.

O sr. Presidente: - Vae votar-se a proposta do sr. Mendes Leal.

O sr. Costa e Almeida: - Não posso comprehender para que é esta redundancia de votações (apoiados).

Eu reconheço perfeitamente qual é a intenção com que os illustres deputados insistem pela votação d'esta proposta; mas nos não podemos, e eu pelo menos, deixar de considerar que é uma completa redundancia.

Pois se a commissão concluo, recommendando ao governo que de a estes empregados a mesma collocação que já deu a outros em analogas circumstancias, e é exactamente este o pensamento, não a forma por que está redigida a proposta do sr. Mendes Leal, para que se ha de votar sobre ella?

É certo que ella não está prejudicada, mas está completamente inserida na substancia do parecer que acaba de se votar (apoiados).

(Qualquer que seja a decisão da camara, votando a, eu, rejeitando-a, não tenho em vista rejeitar a sua doutrina, porque já está approvada no parecer que acaba de ser votado (apoiados).

O sr. Mendes Leal (sobre o modo de propor): - Se ha aqui redundancia, tambem ha bastante clareza.

Se ha redundancia não vejo que o amor da rethorica deva levar tão longe a camara, que não tenha a condescendencia de aceitar e votar esta proposta (apoiados). Mas sim ou não, peço a v. ex.ª que mantenha a indicação que já annunciou (apoiados).

Sc a maioria a não quer aceitar, rejeite-a francamente; mas não se diga que a votação é inutil depois que da presidencia se annunciou que a minha proposta se havia de votar depois do parecer da commissão (apoiados).

O sr. Ferreira de Mello: - Pedi a palavra para declarar, em primeiro logar, que é escusado dar á votação um caracter politico, porquanto o sr. ministro declarou, em resposta a mira, que esta questão não tinha nada de política. Isto foi declarado cathegorica e expressamente pelo sr. ministro. É necessario que não haja quem queira eximir-se da responsabilidade da votação, sob pretexto de politica.

Agora quanto á proposta do sr. Mendes Leal, notarei a v. ex.ª e á camara, que eu ha pouco quando respondi ao illustre relator da commissão, declarei claramente, que duvidava de que a proposta e o parecer da commissão fossem uma e a mesma cousa.

A proposta envolve uma especie de additamento, que não se pôde votar como emenda ou substituição, mas como additamento, porque designa a maneira por que devem ser considerados estes empregados, quer dizer, como o foram os do ministerio da marinha e da guerra (apoiados).

O sr. Correia de Sarros: - E unicamente para declarar por parte da maioria da commissão, que rejeitando, como rejeitâmos a proposta do sr. Mendes Leal, não significa que rejeitamos o pensamento exarado n'ella, porque esse pensamento está comprehendido no parecer da commissão (apoiados).

Posta á votação a proposta do sr. Mendes Leal, foi rejeitada por 39 votos contra 28.

O sr. Correia de Barros: - Pedi a v. ex.ª a palavra, para mandar para a mesa um projecto de lei que prende intimamente com o assumpto, a respeito do qual a camará se acaba de pronunciar. A questão foi muito esclarecida durante a discussão pelos illustres deputados, eu exceptuado, que tomaram parte no debate, por isso me dispenso de o fundamentar (leu).

Ficou para segunda leitura, e então será publicado.

O sr. Camara Leme: - Peço a v. ex.ª que submetta á votação da camará se quer, dispensando o regimento, votar os pareceres da commissão de legislação, relativos ao sr. deputado Santos e Silva, que por melindre não tem comparecido na camara.

Vozes: - Deu a hora.

O Orador: - Creio que não levará muito tempo a discutirem-se; mas em todo caso, requeiro a v. ex.ª que consulte a camará sobre se quer prorogar a sessão até se votar este parecer.

Consultada a camara, approvou-se a prorogação da sessão até se votarem os pareceres.

São os seguintes:

Parecer da maioria da commissão

Senhores. - A maioria da vossa commissão de legislação, tendo examinado a proposta approvada em sessão de 5 do corrente, entende que lhe cumpre sustentar tal qual o parecer que já apresentou.

Sala da commissão de legislação, 9 de julho de 1869. = José Maria Rodrigues Pereira de Carvalho = Antonio Alves Carneiro = Joaquim Nogueira Soares e Vasconcellos = Caetano de Seixas e Vasconcellos = João Rodrigues da Cunha Aragão Mascarenhas = Antonio Augusto Ferreira de Multo (relator).

Parecer da minoria da commissão

Senhores. - Os abaixo assignados, em observancia da resolução da camara na sessão da 5 d'este mez, tendo examinado o processo correccional intentado pelo editor do Jornal do commercio contra o sr. deputado João Antonio dos Santos e Silva, por injurias contra elle commettidas n´uma carta publicada no n.º 1:272 do Diario de noticias; e havendo apreciado a conveniencia e opportunidade da sua continuação em vista do mesmo processo, da natureza do crime de que se trata, e das circunstancias que o acompanham, são de parecer, que não deve ser auctorisada por inopportuna e continuação do mencionado processo.

Sala da commissão de legislação, 9 de julho de 1869. = José Luciano de Castro = Antonio Emilio Correia de Sá Brandão-- José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz.

O sr. J. Pinto de Magalhães (sobre o modo de propor): - Requeiro a v. ex.ª para que a votação recaia sobre o parecer da minoria da commissão, que é uma emenda ao parecer da maioria da mesma commissão; e como emenda deve ser votada primeiro.

Vozes: - Votos, votos.

O Orador: - Como é que v. ex.ª classifica o parecer da minoria?

O sr. Presidente: - O que me parece regular é votar-se primeiro o parecer da maioria da commissão. Se for rejeitado votar-se sobre o parecer da minoria, ou considera-se que este fica approvado pela rejeição d'aquelle (apoiados).

O Orador: - Não obstante, peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se deve começar a votar pelo parecer da minoria, porque isto importa haver uma só votação (apoiados).

O sr. Presidenta: - Vou consultar a camará sobre só quer considerar como emenda o parecer da minoria da commissão. Se o considerar assim, então, na conformidade do

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regimento, vota-se primeiro o parecer da minoria (apoiados).

Consultada a camara, resolveu que fosse considerado como emenda.

Procedeu-se á chamada para a votação por espheras.

O sr. Secretario (Holbeche): - Foi approvado o parecer da minoria por 51 espheras brancas, contra 7 espheras pretas.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a discussão dos projectos n.º 26, sobre a fixação da força de terra, e n.°31, que já estava dado, sobre a contribuição predial. Temos mais para a primeira parte os projectos n.ºs 24 e 27, que são auctorisações às camaras municipaes para levantar emprestimos.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

Discursos do sr. deputado Levy Maria Jordão, pronunciados na sessão de 5 do corrente, e que deixaram de ser publicados no competente logar

O sr. Levy: - N?o tomaria por alguns instantes a attenção da camara se a tanto me não forçasse o ter ha muito a minha opinião comprometida na questão de direito a que dá logar o parecer em discussão.

Trata-se de um processo instaurado em um juizo criminal d'esta cidade contra o sr. deputado Santos e Silva, processo que o respectivo juiz remetteu a esta camara para ella, nos termos do artigo 27.º da carta dar ou negar a licença para a sua continuação.

Pondo de parte a questão, aliás importante, de direito constituendo, occupar-me-hei do direito constituido, porque é á face da legislação em vigor que havemos de resolver.

Qual tem sido a intelligencia constante do artigo 27.º da carta até hoje?

Que preparado o processo criminal é remettido á camara pelo juiz; e esta, examinando o mesmo processo, a natureza e valor da incriminação, e as circumstancias que a possam aggravar, attenuar, ou extinguir, concede ou nega a licença para a continuação da cousa.

Esta disposição constitucional é uma garantia politica da independencia do deputado, estabelecida com o fim de evitar que elle seja victima de paixões politicas, de odios ou vinganças de qualquer especie.

Quanto á natureza da funcção que a camara exerce em virtude do artigo 27.º ha duas opiniões; consideram uns a camara como uma especie de tribunal de ratificação de pronuncia; entendem outros que ella exerce uma funcção meramente politica, como o governo quando nega ou concede a licença para a continuação do processo contra funccionarios administrativos.

Esta divergencia de opiniões quanto á natureza da funcção, não destroe porém a intelligencia que os partidarios de ambas dão ao alcance e importante d'essa mesma funcção.

Hoje apresenta-se por parte da commissão (ou para melhor dizer, da maioria d'ella) uma nova opinião, que é a do seu illustre relator, o sr. Ferreira de Mello, sustentada por elle tão habilmente na polemica jornalistica com um dos primeiros publicistas d'esta terra, o sr. Antonio Rodrigues Sampaio.

A theoria da commissão é em poucas palavras s seguinte:

O processo não deve ser remettido á camara, nem esta tem de o analysar ou estudar.

O juiz deve limitar-se a participar que o deputado está pronunciado por tal crime.

E a camara, conhecendo só da opportunidade do processo, decide se este ha de continuar já ou mais tarde, sem poder negar a licença.

D'aqui tira a commissão por conclusão que deve ser dada a licença para seguir o processo, mas finda a presente sessão.

Para eu repellir similhante doutrina bastava-me attender a que ella repugna até ao bom senso.

Querer obrigar a camara a dar a licença, a declarar se o deputado deve ou não ficar suspenso do exercicio de suas funcções, se deve ou não ser preso, sem conhecer a natureza e valor da accusação, e as circumstancias que n'ella podem influir, seria fazer justiça às cegas.

Mas eu não quero limitar me a isto; e vou demonstrar o mais concisamente que a doutrina da commissão se oppõe á letra e espirito da carta, pugna com o espirito da mais legislação politica, funda se n'uma confusão de idéas, leva ao absurdo, dá em resultado a immoralidade, e é repellida pela jurisprudencia parlamentar, e até pela dos tribunaes.

Oppõe se á letra da carta - porque esta dá expressamente á camara no artigo 27.° o direito de conceder ou negar a licença; e a commissão recusa-lhe o direito de negar la, dando lhe apenas o de suspender ou adiar o processo, que a tanto se reduz a questão da opportunidade.

Oppõe-se ao espirito da carta - 1.°, porque o seu fim, estabelecendo esta garantia politica, foi evitar que o deputado podesse ser victima de paixões politicas, odios ou vinganças; e a commissão, recusando á camara o direito de negar a licença, aniquila a garantia - 2.°, porque se a camara tivesse direito de suspender o processo, como entende a commissão, estaria isso em manifesta opposição com o artigo 145.º § 12.°, que prohibe a qualquer auctoridade sustar causas pendentes.

Pagam com o espirito da mais legislação politica, porque se pronunciado um deputado a camara só tivesse direito de suspender o processo até findar a legislatura ou a sessão legislativa, continuaria elle deputado a funccionar como tal dentro da camara; mas se a lei não quer que o pronunciado possa votar, como poderia admittir que podesse fazer leis?

Funda se n'uma confusão de idéas, porque para negar á camara o direito de negar a licença (que aliás lhe reconhece o artigo 27.º) argumenta com o artigo 41.º, que dá á camara dos pares a competencia para julgar os deputados, o que é uma confusão de idéas. Pois uma cousa é julgar o criminoso, outra é decidir se o processo instaurado deve ou não continuar; a primeira attribuição pertence á camara dos pares, como tribunal; a segunda á dos deputados ou seja como uma especie de jury de ratificação de pronuncia, ou como exercendo, com respeito aos seus membros, uma funcção politico igual á que o governo exerce com relação aos funccionarios administrativa, como já disse.

Lera ao absurdo, porque sendo a disposição do artigo 27.º igual para os pares e deputados, reduzida a questão á simples opportunidade sem se conhecer do fundo a doutrino da commissão, seria inapplicavel aos pares que são vitalicios, e daria em resultado, julgada a inopportunidade em relação a algum d'elles, nunca poder ser processado emquanto vivo fosse.

Dá em resultado immoralidade; 1.º, porque admittida a doutrina da suspensão de processo por inopportunidade, poder se-ia dar a grande immoralidade de estar funccionando no seio da camara um deputado accusado de um crime grave; 2.º, porque conhecido o fundamento da accusação, para fazer justiça é sempre tempo.

E repellida pela jurisprudencia parlamentar, porque durante mais de trinta annos tem sido a doutrina que sigo, impugnado o parecer, abraçada por todos os parlamentos e seguida e sustentada pelos homens mais distinctos que n'elles têem tido assento.

É repellida finalmente pela jurisprudencia dos tribunaes: 1.º, porque a commissão diz que não tem o processo de ser remettido á camara, e os tribunaes enviam sempre o processo, como ainda remetteram este que nos occupa; 2.º, porque a commissão recusa á camara o direito de negar a licença e os tribunaes reconhecem-lh'o até com o effeito de extinguir a acção criminal, como ainda há pouco decidiu o supremo tribunal de justiça com relação ao processo instaurado contra o ex-deputado José Vaz de Carvalho, e que hoje se pretendia fazer reviver, apesar de ter sido negada a licença pela camara.

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Tendo por esta fórma combatido o parecer da commissão, e entendendo que a camara tem o direito de conhecer de processo e de conceder ou negar a licença, fazendo applicação d'estes principios á hyputhese presente, nego a licença; e nego-a pela seguinte rasão:

Um jornal d'esta capital, não habilitado, disse que =o sr. Santos Silva era assassino =. A isto respondeu elle, em carta publicada pela imprensa, que = o seu desforço seria nos tribunaes, pois se pedisse outra satisfação, os seus amigos não lhe apertariam a mão =.

O jornal alludido, habilitando se depois, segundo me in formam, veiu então na pessoa do seu editor, pedir em juizo correccional satisfação d'estas expressões da carta do sr. deputado; e é para este processo que se pede a licença.

Nego-a, porque não vejo n'ellas criminalidade alguma; nego-a, porque são uma satisfação á opinião; não a, porque não sirvo de instrumento para satisfazer despreiro finalmente em nome da moral e do direito; e provocada pela enormidade da insinuação; por isso termino mandando para a mesa a seguinte moção:

«A camara nega a licença para a continuação do processo.

«Camara dos senhores deputados, 5 de julho de l869. = O deputado, Levy Maria Jordão.»

Vozes: - Muito bem.

O sr. Levy: - Não tomaria de novo a palavra se a isso não fôra forçado pelo meu collega, o sr. Rodrigues do Carvalho, o qual disse que a minha doutrina era tão falta de fundamento, que eu fôra obrigado a trazer commigo uma bagagem de acertos e citações, á falta de outras razões, para poder defender uma opinião que era de contrabando.

Sr. presidente, eu não carecia para entrar n'este tiroteio ou escaramuça parlamentar de trazer muchila, nem bagagem, nem de me preparar de vespera; a camara bem vê qual de nós trouxe bagagem.

A doutrina que sustentei será muito embora de contra bando, mas o que eu não vejo é a aliandega jurídica, onde elle ha de ser tomado por perdido, a por mais que estenda a vista não descubro o verificador, e muito menos o director.

Demonstrei a minha opinião, como soube e pôde, e certamente sem pretensões a querer ensinar os outros, o que é sempre ridículo; expostas as rasões em que me fundava, acrescentei que esta era a doutrina corrente ha mais de trinta annos, e abraçada constantemente pelos homens mais nota veis do paiz, jurisprudencia que ficaria necessariamente abalada pelo illustre deputado, se as rasões que apresentou não tivessem o defeito de serem já velhas, repetidas e rebatidas dentro e fôra d'esta casa.

O que, porém, me pareceu curioso foi o illustre deputado, que não gosta de citações, invocar a Silvestre Pinheiro! Como fonte de interpretação da carta tem este nosso publicista o pequeno defeito de combater a doutrina dos artigos, objecto da questão, e isto basta para repellir a sua auctoridade.

Quanto á quentão propriamente dita, notarei apertas que o illustre deputado argumenta com o artigo 41.º que trata do julgamento, e esquece se do 27.º que trata d'esta funcção espacial de conceder ou negar licença para a continuação do processo. É d´isto que se trata e não do julgamento; esse pertence á camara dos pares, ninguem ainda contestou.

O argumento deduzido do artigo 145.º § 12.º ficou sem resposta. Desde que o artigo 27.º ficasse reduzido á chamada questão de opportunidade, necessariamente a camara sustaria uma causa pendente, decidindo que ella proseguisse só no fim de seis mezes ou de um anno.

(Interrupção do sr. Rodrigues de Carvalho.)

Diz o illustre deputado que estas causas são julgadas pela camara dos pares; mas que tem isso? Não é como tribunal que ella julga? Tanto exercem poder judicial os tribunaes ordinarios, como os de excepção.

A questão já está muito debatida e por isso termino.

Discurso do sr. deputado Cazimiro Ribeiro, que deixou de ser publicado na sessão de 7 do corrente, á qual pertence

O sr. Cazimiro Ribeiro: - Direi muito poucas palavras sobre esta interpellação, que e relativa ao lanço de estrada comprehendido entre o Alto de Meirelles e o Alto da Barquinha, na estrada que vae de Mirandella á Foz de Sabor por Villa Flor.

Este lanço foi um dos primeiros que se poz em construcção n'esta estrada, uma das pripcipaes da provincia de Traz os Montes; mas deixou de se concluir e pôr igualmente em construcção uma parto importante do lanço a que acabei de me referir, e que e a comprehendida entre a quinta da Pereira e a saída de Villa Flor. Todo o resto do lanço se poz em construcção, exceptuou-se apenas essa fracção de estrada, da o pequena, mas tão necessaria e importante.

Desejava que o sr. ministro me dissesse quaes os motivos por que se não pôde continuar com a construção d'aquella estrada n'esse ponto, que é em todo o caso o essencial da minha interpellação.

Depois da resposta que eu obtiver do sr. ministro, farei as considerações que julgar convenientes. Por emquanto limito me apenas a fazer esta pergunta.

O sr. Ministro das Obras Publicas: - A resposta que já aqui dei a um nobre deputado, que ha pouco fallou, é a que tenho a dar ao illustre deputado que me precedeu.

Essa estrada a que s. ex.ª se referiu está ainda em construcção...

O sr. Cazimiro Ribeiro: - Tenho cartas em que me dizem que essa estrada deixou de estar em construcção, e principalmente n'este ponto.

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Nunca se suspendeu a construcção, tem sempre havido ali algum trabalho, e não se tem adiantado mais a construcção, porque não chegam os meios para emprehender tudo ao mesmo tempo por toda a parte; mas ha do ser devidamente contemplada; espero dota la convenientemente na proxima distribuição de fundos que tenho a fazer para o presente anno economico.

O sr. Cazimiro Ribeiro: - Esta escusa que s. ex.ª me dá não me satisfaz, porque eu vejo distribuidos para o districto do Villa Real 108:000$000 réis, e para o de Bragança apenas 24:000$000 réis. Isto surprehende; e não póde deixar de surprehender que haja uma desproporção tão grande n´esta distribuição de fundos, o que se deixem de uma grande importancia, como é esta estrada do Mirandella á foz do Sabor, sem serem contempladas, quando se contemplam outras que não têem a mesma importancia que esta.

Portanto não me parece justo que s. ex.ª venha responder, dizendo que no orçamento futuro dotará esta estrada para poder concluir-se.

Da mais a mais parece-me que já ouvi dizer a s. ex.ª, que não sabia onde havia de gastar a verba que lhe restava d'aquella que era destinada para melhoramentos na província de Traz os Montes. Por consequencia, tendo s, ex.ª fundos á sua disposição, como diz ter, para melhoramentos de viação em Traz os Montes, provincia excepcional e filha bastarda de todas os governos, é muito justo que esses fundos se distribuam de preferencia para aquellas estradas que estão em andamento, e se não mandem sustar os trabalhos em estradas que são de tanta importância como a do Mirandella á foz do Sabor (apoiados), porque vae dar a um caes de primeira importancia para onde são conduzidas as mercadorias e todos os generos de producção do alto da provincia de Traz os Montes, para d'ahi serem transportadas pelo Douro ao Porto, unico mercado que temos para as nossas producções. Já se vê pois que não deve obstar se a que uma estrada d'esta ordem offereça todas as commodidades que são necessarias para que as mercadorias possam ser conduzidas commodamente aos unicos pontos onde podem ser embarcadas (apoiados).

Entendo portanto que essa escusa de s. ex.ª não devia ser proferida aqui; e espero que dos fundos que tem (sup-

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ponho que os tem) distribua já e immediatamente aquelles que são necessarios para dar andamento e conclusão prompta á parte que falta d´essa estrada, porque a morosidade que tem havido na sua conclusão está causando grandes transtornos (apoiados).

Termino pedindo com o maior empenho que se distribua já e immediatamente aquillo que é necessario para se dar andamento a esta estrada, e para que ella se conclua o mais breve possivel. A sua morosidade na construcção está, como eu disse, causando grandes prejuízos ao nosso commercio.

Espero ouvir ao sr. ministro mais algum as rasões em resposta ao que acabo de dizer. Se s. ex.ª não me prometter que ha de mandar continuar esta estrada, eu ainda hei de fazer mais algumas considerações, para, ver se o resolvo a ouvir meus rogos e os dos povos que represento, que até hoje têem estado completamente esquecidos para a distribuição equitativa dos melhoramentos de viação, mas bem lembrados para a distribuição desigual das contribuições.

Rectificações

No discurso do Sr. deputado Veiga Barreira, publicado no Diario da camara dos senhores deputados:

Na pag. 625, col. l.ª, onde se lê = Os srs. deputados pelos districtos de Bragança e Villa Real apresentaram um projecto de lei - deve ler-se = Os srs. deputados pelo districto de Villa Real e outro do districto de Bragança apresentaram projectos de lei =.

Na pag. 676, col. 2.ª, onde se lê = Portanto parece que o districto de Bragança já não faz parte = deve ler-se = Portanto parece que o districto de Bragança, no entender de s. ex.ª, já não faz parte =.

Na mesma pag. e col., onde se lê = A estrada que vae de Bragança a Mirandella creio que merecera muita attenção ao nobre ministro, mas o facto é que quando agora por lá passei não vi trabalhar senão na ponte de Murça, alem de Mirandella = deve ler-se = A estrada que vae de Villa Real a Bragança, por Mirandella, acredito que merecerá muita attenção ao nobre ministro, mas o facto é que, quando agora por lá passei, não vi trabalhar senão na ponte de Murça e n'outra alem de Mirandella =.

Na mesma pag. e col., onde se lê = Samora = deve ler-se = Zamora =.

Na pag. 677, col. 1.º, onde se lê - O que acontece pois é que havendo uma grande porção de vinho no districto de Bragança não ha meio de communicação para elle = deve ler-se = O que acontece pois é que, havendo uma grande porção de vinho no districto de Bragança, não ha meios de communicação para elle ser exportado =.

Na mesma pag. e col., onde se lê = Esta estrada é importantíssima, porque vae ligar as províncias de Traz os Montes e Minho com o centro da Galliza, e vae liga-las completamente com o centro da Hespanha = deve ler-se - Esta estrada é importantíssima, porque vae ligar as províncias de Traz os Montes e Minho com o centro da Galliza; mas é de igual ou maior importância o prolongamento da estrada de Bragança á fronteira, que vae liga-las completamente com o centro da Hespanha, mediando apenas um dia de jornada que dista de Bragança a Zamora, onde chega o caminho de ferro que liga Madrid a Valhadolid e as terras mais importantes de Hespanha =.

Na mesma pag. e col., onde se lê = até á segunda cidade do reino, o Porto = deve ler se = e até á segunda cidade do reino, o Porto =.

Na mesma pag., col 2.ª, onde se lê = esperando que o sr. ministro tenha em attenção as que tenho apresentado = deve ler-se = esperando que o sr. ministro tome em consideração as que tenho apresentado =.

Na sessão de 2 de julho o sr. deputado Santos e Silva votou contra a contribuição industrial extraordinaria.

1:206 - IMPRENSA NACIONAL -1869

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