1026 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
não ha opinião publica, onde não ha jornaes, é possivel que os homens só deixem levar unica e simplesmente pelo conselho das suas paixões, e que esqueçam aquillo que é devido a si, á posição que occupam e ao que o paiz tem direito a esperar d'elles.
Ha mais alguma cousa: é certo que d'este conflicto resultou o seguinte - que em Bolama se constituiu um tribunal do que é presidente o governador geral, e um dos membros desse tribunal é o administrador do concelho, que é tambem militar. Ahi decidem-se as causas crimes, e creio que as civeis, de um modo summario e peremptorio; inquirem-se as testemunhas, o governador geral dá a sentença, e um soldado ou dois da guarnição da Guiné applica a ferula dando quinhentas ou seiscentas palmatoadas no sentenciado; havendo dias em que se castigam quatro e cinco individuos.
Se isto é verdade, faz descrer dos homens e de tudo.
O juiz, segundo me consta, pretendeu protestar contra este facto, mas ha muito que exige uma syndicancia, para poder retirar-se da provincia, mesmo porque está doente, e ha quem diga que nem mesmo tem força para protestar contra o facto.
É possivel que este acontecimento, e o descontentamento que ali reina d'esse causa a que os officiaes do batalhão querendo fraternisar com o sentimento publico, que se via indisposto com o governador da Guiné, se lembrassem, revoltando-se, de o prender, dando depois conta desse facto ao governo para elle tomar providencias.
Mas se estes factos se deram, eu sinto muito que o sr. Agostinho Coelho se deixasse levar pelas paixões de momento, esquecendo-se de que ao poder judicial é que compete julgar as causas em que o direito intervém, e que não era da sua competencia instituir tribunaes, dar sentenças e mandar applicar castigos corporaes, que não estão auctorisados nos codigos do nosso paiz.
É que no ultramar são tantos os codigos quantos são os governadores; os seus codigos são a sua vontade, os seus caprichos e as suas paixões.
A maneira porque no nosso paiz se querem administrar as provincias faz suspeitar que nunca chegarão a dar bom resultado. Sabe a camara o que acontece quando se manda para as provincias ultramarinas um governador, e principalmente quando vão para um territorio que não estava cccupado?
Leva uma grande porção de volumesinhos com a carta constitucional, e logo que ali chega manda-os distribuir pelos pretos! Vejam se isto é possivel se é possivel administrar a Guiné portugueza, a provincia de Cabo Verde e o interior de Angola com a carta constitucional, que os pretos não sabem ler, nem comprehender.
Não póde ser. Gerir d'este modo a administração das provincias ultramarinas, e a perdição d'ellas. Alem d'isso nem todas estão no mesmo caso; umas têem boa indole, outras não; umas estão adiantadas, outras atrasadas. Pois ha de administrar-se com a carta constitucional a Guiné portugueza, que deve ser considerada praça de guerra em estado de sitio permanente, visto que está a todos os momentos á espera da invasão do gentio?
O governador que para ali vá ha de esgotar todas as suas forças e todos os meios da sua auctoridade sem resultado algum emquanto existir esse systema.
Não quero com isto justificar o sr. Agostinho Coelho, se effectivamente elle instituiu ali um tribunal excepcional e se mandou inflingir castigos que não estão auctorisados nas nossas leis, e por outro lado tambem o não accuso.
Os meus illustres collegas pesarão na sua consciencia a situação critica em que se acham os diversos governadores geraes das provincias ultramarinas. Uns não têem meios para administrar devidamente as colónias e outros acham-se acorrentados pela legislação patria, que impede que usem de certos meios que entendem que são indispensaveis para poderem governar.
Cabo Verde podia ser administrada sem um unico soldado; eu respondia pelo socego publico.
Lá esteve o sr. Arrobas, e nunca vi que este cavalheiro se acompanhasse de um só official; e o meu particular amigo, o sr. Sebastião Carneiros, que fez uma administração exemplar, que realisou quasi todos os melhoramentos que lá existem, com pequenissimos recursos, parece-me que foi, de todos os governadores que lá têem estado, aquelle que menos escreveu, e que mais fez.
Quer a camara saber como o sr. Calheiros administrava a provincia de Cabo Verde?
Sou amigo de s. exa., mas não me cega a amisade para alterar a verdade.
O sr. Calheiros tinha defeitos e virtudes, como nós todos temos; mas era um homem muito zeloso pelo cumprimento do seu dever, porque estudava dia e noite a maneira de poder tirar a colonia do abatimento em que a achou.
Comquanto os meios não sobejassem, estava persuadido de que a colonia podia viver uma vida desafogada, com os mesmos que tinha.
O sr. Carneiros nunca fazia politica em Cabo Verde, nem tratava disso. As difficuldades que lá havia tinham sido creadas pelos seus antecessores.
O maior mal que os governos do paiz podem fazer, é levar o governador geral a intervir nas eleições.
Se deixassem às provincias o eleger livremente, viriam ao parlamento homens, ainda que não muito illustrados alguns d'elles, que ao menos se haviam de interessar pelo bem d'aquellas provincias, embora filiados n'um ou n'outro partido, e não num só, conforme as suas affeições politicas.
D'esse modo não se iriam alimentar as ambições dos insignificantes, pondo-se de parte attentados que ali se têem commettido, attentados de leso-patriotismo.
O sr. Calheiros passava dia e noite a estudar os meios do poder dotar a provincia com alguns melhoramentos, e às vezes, seja-me licito dizer isto em boa paz, parecia-me um louco.
Eu tinha uma certa intimidade com clle, chegava a sua casa, encontrava-o só e desprendido de todo o apparato. Não era um governo militar, mas sim um governo de administração.
N'uma occasião, chego á capital da provincia, e sei que elle tinha annunciado que dava licença sem vencimento a todos os empregados que a desejassem ter.
Fiquei admirado d'este modo de proceder, e disse-lhe: - Como é isto possivel? V. exa. não póde administrar a provincia d'este modo. Pois dispensa o serviço dos empregados quasi todos?! Resposta do s. exa.: "Não careço d'elles, desde o momento que se forem; bastam-me tres ou quatro para fazerem o serviço, e com os ordenados dos que estão fora faço obras publicas na provincia".
Era este o seu modo de pensar; e assim como o sr. Calheiros, outros têem havido, que têem administrado a provincia com muito zelo e com muita dedicação; mas a dizer-se a verdade, com uma inepcia e com uma insignificancia como a actual, é que nunca vi.
Quando eu imaginava que a separação da Guiné de Cabo Verde daria em resultado a felicidade das duas provincias enganei-me; foi um mal para a Guine, e um mal maior ainda para Cabo Verde.
Pois Cabo Verde, que deixa de ter um batalhão, para o mandar para a Guiné, batalhão que era composto todo do soldados d'aquella provincia, ha de soffrer agora um recrutamento para se organisar outro batalhão a capricho do governador?
Isto não póde ser. Nem mesmo ha meios para lhe pagar.
Eu, que sou muito modesto, posso asseverar que respondo plenamente pela ordem publica na provincia de Cabo Verde, sem um só soldado; tal é o respeito que têem aquellea ha-