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N.º 56

SESSÃO DE 17 DE ABRIL DE 1901

Secretarios- exmos Srs.

Armando Eduardo da Mota Veiga
José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Approvada a acta, teve segunda leitura um projecto de lei, e é deferido juramento aos Srs. Agostinho Lucio e Urbano de Castro - Sob proposta do Sr. D. Luiz de Castro é aggregado á commissão do orçamento o Sr. Anselmo Vieira. - O Sr. Fratel requer alguns esclarecimentos pelo Ministerio do Reino; o Sr. Moreira Junior apresenta uma representação da classe dos cortadores lisbonenses e o Sr. Pequito manda para a mesa o parecer da commissão administrativa da Camara dos Senhores Deputados.- O Sr. Augusto Fuschini realiza o seu avião previo sobre o valor actual da lei de 25 de junho de 1897, relativo a conversão, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Justiça.- O Sr. André de Freitas declara que lançou na caixa respectiva uma petição e o Sr. Oliveira Simões renova a iniciativa de um
projecto de lei.

Da ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n.° 28, elevando o imposto do bacalhau pescado por navios nacionaes, usando da palavra o Sr. Espregueira, que apresenta algumas emendas ao artigo 1.°, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Fazenda.

Primeira chamada - Ás dez horas e meia da manhã.

Presentes - 5 senhores deputados.

Segunda chamada - Ás onze horas.

Abertura da sessão - ÁS onze horas e quarenta minutos.

Presentes - 54 senhores deputados.

São os seguintes - Abel Pereira de Andrade, Alberto Allem Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alberto Ferreira da Silva Oliveira, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Alvaro da Costa Machado Villela, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio José Gomes Netto, Antonio José Lopes, Navarro, Antonio José Teixeira de Abreu, Antonio Sergio da Silva e Castro, Augusto Fuschini, Augusto Patricio Prazeres, Eduardo Burnay, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Fernando Augusto de Miranda Martins de Carvalho, Fernando Mattozo Santos, Francisco Felisberto Dias Costa, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Guilherme Augusto Santa Rita, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Joaquim André de Freitas, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, Joaquim Pereira Jardim, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Belchior Pinto Garcez, José de Castro Figueiredo Faria, José Coelho da Motta Prego, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Mondes Leal. José Malheiro Reymão, José Maria Pereira de Lima, José Matinas Nunes José Nicolau Raposo Botelho, Julio Maria de Andrade e Sousa, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Filipe de Castro (D.), Luiz José Dias, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Joaquim Fratel, Marquez de Reriz, Matheus Teixeira de Azevedo, Nicolau Alburquerque Vilhena, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Thomaz de Almeida Manuel de Vilhena (D.) e Visconde de Tinalhas.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Agostinho Lucio Silva, Albino Maria de Carvalho Moreira, Antonio de Almeida Dias, Antonio Roque da Silveira, Arthur Urbano Monteiro de Castro Telles d'Eça, Augusto Cesar da Rocha Louza, Carlos Alberto Lopes do Almeida, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Penha Garcia, Custodio Miguel de Borja, Fidelio de Freitas Branco, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Frederico Ressano Jarda, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria de Oliveira Simões, Lourenço Baldeira da Gama Lobo Cayolla, Manuel Francisco de largas, Paulo do Barros Pinto Osorio, Pedro Mousinho de Mascarenhas Gaivão e Rodrigo Affonso Pequito.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adriano Emilio de Sousa Cavaheiro, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Botelho, Alipio Albano Camello, Anselmo de Asais e Andrade, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Carlos Coelho Vasconcellos Porto, Antonio José Boavida, Antonio Maria de Carvalho de Almeida Serra, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Tavares Festas, Antonio Xavier Perestrello Côrte Real, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Carlos Fialho e Castro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Carlos de Almeida Pessanha, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Conde de Paçô-Vieira, David José Alves, Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Ignacio José Franco, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, João Franco Pereira de Mattos, João Marcellino Arroyo, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João de Sousa Tavares, Joaquim Ornellas de Mattos, José Adolpho de Mello e Sousa, José Carlos de Gouveia, José Dias Ferreira, José Freire Lobo do Amaral, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Luiz Ferreira Freire, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Queiroz Velloso, José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa Junior, Julio Cesar Cau da Costa, Julio Ernesto de Lima Duque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz de Mello Correia Pereira Medello, Manuel Homem de Mello da Camara, Manuel de Sousa Avides, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Patricio Eugenio Mascarenhas Judice, Quirino Ave-

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHOBES DEPUTADOS

lino de Jesus, Visconde de Mangualde, Visconde de Reguengo (Jorge) e Visconde de S. Sebastião.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Segunda leitura

Projecto de lei

Artigo 1.° É o Governo auctorizado, na corrente sessão legislativa, a modificar o decreto de 2 de outubro de 1896, que rege as associações de soccorros mutuos.

Art. 2.° Fica revogada a legislação era contrario.

Camara, 16 de abril de 1901. = O Deputado pelo circulo n.° 96, Guilherme Augusto Santa Rita.

Foi admittido e enviado á commissão de obras publicas.

O Sr. Presidente:- Está nos corredores da sala o Sr. Deputado Agostinho Lucio para prestar juramento.

Convido os Srs. Marquez de Reriz e Alvaro Possollo a introduzirem S. Exa. na sala.

(S. Exa. foi introduzido, prestou juramento e tomou assento}.

O Sr. D. Luiz de Castro:- Por parto da commissão do orçamento mando para a mesa a seguinte

Proposta de aggregação

Proponho, por parte da commissão do orçamento, que soja aggregado á mesma commissão o Sr. Deputado Anselmo Vieira. = O secretario da commissão, D. Luiz de Castro.

Foi approvada.

O Sr. Manuel Fratel:- Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pela Secretaria dos Negocios do Reino, seja enviada, com urgencia, a esta Camara, copia das consultas dos conselhos academicos das diversas faculdades da Universidade á portaria de 3 de janeiro de 1899 e ao officio mandado expedir pelo actual Sr. Ministro do Rei no, sobre a reorganização d'aquelle estabelecimento de ensino. = O Deputado, Manuel Fratel.

Mandou-se expedir.

O Sr. Moreira Junior: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação da associação de classe dos Cortadores de Lisboa.

Nesta representação pede-se a remodelação do imposto de consumo, a remodelação do Mercado Central de Gados, a eliminação das taxas que incidem sobre a importação do gado vaccum e a remodelação dos talhos municipaes, de modo que não entrem em uma concorrencia desleal com o commercio livre.

Abstenho-me de fazer, por agora, considerações acerca d'este assumpto, visto ter sido apresentada hontem, pelo Sr. Ministro do Reino, uma proposta de lei relativa aos serviços municipaes, proposta que, em meu entender, é menos apropriada, não só pelo que diz respeito á doutrina que nella se contem, mas tambem pelo que respeita á opportunidade em que foi apresentada, attentas as circumstancias de cercear accentuadamente os privilegios municipaes, exactamente no momento em que a effervescencia popular manifesta, contra a questão religiosa, sentimentos altamente liberaes.

Nestas circumstancias, mando para a mesa a representação, sem fazer as considerações que ella me podia suggerir, e unicamente peço a V. Exa., que consulte a Camara sobre se permitte a sua inserção no Diario do Governo.

Foi auctorizada a publicação.

Vae por extracto no fim da sessão.

O Sr. Rodrigo Pequito:- Mando para a mesa um parecer da commissão administrativa da Camara dos Senhores Deputados, sobre as contas da gerencia da junta administrativa da mesma Camara nos periodos de 25 de julho de 1899 a 23 de janeiro de 1900 e 28 de junho de 1900 a 10 de janeiro de 1901.

Mandou-se imprimir.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Fuschini para realizar o seu aviso previo enviado para a mesa em 23 de fevereiro.

O sr. Augusto Fuschini:- Vae fazer uma pergunta ao Sr. Ministro da Justiça; mas dirige-se mais ao jurisconsulto do que ao Ministro. Pede tambem aos jurisconsultos da Camara e aos que fora do Parlamento se interessam pelos negocios publicos que a attendam, apreciando as considerações com que a vae acompanhar e desenvolver.

Eis a pergunta: qual é o valor actual da lei de 25 de julho de 1897?

Esta lei, como é sabido, foi a que auctorizou a conversão ; é o que se chama uma verdadeira auctorização parlamentar.

A questão tem importancia sob todos os aspectos.

Em these, é um interessante ponto de direito constitucional; na hypothese, a opinião que sobre este assumpto se formar acerca do valor actual da referida lei podo ter influencia profundissima nos destinos do pais.

Em principio, uma auctorização d'esta natureza é a negação do proprio systema parlamentar, visto que o parlamento não foi criado senão para discutir profundamente as questões. Não existe, pelo menos ainda, o mandato imperativo; mas ha certamente a obrigação que se impõe a todos os deputados de conhecer directamente as questões, apreciá-las, discuti-las, desenvolvê-las, tanto quanto possivel seja, em harmonia com os interesses e as opiniões do pais.

Uma auctorização parlamentar constitue a negação de tudo isto; é peor do que uma dictadura, porque a dictadura, podendo aliás ser imposta pelas circumstancias, não dá resultados legaes sem o bill de indemnidade haver sido approvado, emquanto que a auctorização parlamentar dá resultados immediatos; e quando elles são presentes ao parlamento, se na auctorização se diz que o Governo dará conta ás Cortes do uso que d'ella fizer, já esses resultados são definitivos.

É claro, a Camara pode tomar a responsabilidade moral e politica aos ministros, mas os factos já se deram e para elles não ha remedio.

Este systema de auctorizações parlamentares tem sido entre nós mais do que um uso, constitue um verdadeiro abuso. De situação para situação, se vae accentuando o systema de pedir ao parlamento auctorizações para reformas de serviços e outros fins, evitando-se por este processo a discussão e illudindo-se a fiscalização parlamentar.

Elle, orador, é amigo pessoal do Sr. Ministro da Fazenda; todavia, não pode deixar de lamentar que S. Exa., nas suas medidas, usasse d'este systema em quantidade extraordinaria, porque, sendo o principio mau, necessario é usar d'elle em porção que não envenene o organismo politico.

Este uso de auctorizacões é puramente nacional. Nos parlamentos que elle, orador, melhor conhece, ou não se adopta, ou é empregado com muita parcimonia, porque da parte dos deputados existe a consciencia de que são elementos activos, independentes, em face do poder executivo e responsaveis perante a nação que representam.

Admittindo, porem, que esse systema de auctorizações faz parte do nosso regimen parlamentar, poderá ser indefinida a duração de uma auctorização? Não pode.

O que é uma auctorização parlamentar ? Um verdadeiro substabelecimento de um mandato, que, logicamente, deve cessar com o proprio mandato;

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O que é um parlamento ? É, ou deve ser - e não se pode admittir que o não seja - a representação rigorosa da opinião publica do país. Os deputados recebem o mandato para no parlamento traduzir perante o poder executivo e perante o proprio país as suas opiniões pessoaes e as dos grupos politicos que porventura representem.

Se não fosse esta a theoria dos parlamentos é claro que poderia ser indefinida a sua duração; ora, como todos sabem, uma lei eleitoral é considerada tanto mais liberal quanto menor é a duração da camara por ella eleita, porque se suppõe que A variação de opiniões podo ser muito rapida, devendo ser sempre acompanhada por successivas e correspondentes organizações parlamentares. Nestas condições, é um contracenso conservar o substabelecimento, quando desappareceu o mandato do que elle derivou.

Uma auctorização parlamentar é, alem d'isso, tambem um acto do confiança. Elle, orador pode ter muita confiança no actual ministerio - mera hypothese, é claro- e declinar nelle as suas funcções, é questão de confiança pessoal; mas desapparecido este ministerio, que razões logicas podem haver para se manter esse acto de confiança com outro ministerio?

Crê ter tocado ligeiramente os argumentos mais importantes, com que se pode demonstrar irrecusavelmente que as auctorizações parlamentares, constituindo sempre um mau principio, serão detestaveis quando forem indefinidas.

Vão agora apreciar a questão por outro lado.

Ha um processo seguro para avaliar a verdade de uma proposição, e levá-la a certo limito o ver se em tal caso a sua applicação envolve absurdo, ou grave inconveniente.

Admitta-se que a lei de 25 de junho de 1897 caiu no esquecimento, que passaram sobre pila não tres annos, como agora, mas vinte, o publico não se lembra d'ella, na Camara apenas os eruditos, dada a massa enorme da legislação que produzimos todos os annos, poderão ter conhecimento da sua existencia; um dia, porem, o Ministro da Fazenda, de accordo, ou com ignorancia dos collegas, usa d'essa auctorização, faz um contrato mais ou menos subrepticio - e não é difficil demonstrar pelos antecedentes que é possivel fazê-lo - com um grupo de estrangeiros, que elle alcunha de comité de representantes dos credores externos, e o pais acha-se ligado por um contrato oneroso, feito em virtude de obsoleta e esquecida auctorização parlamentar.

Não será isto o maior dos absurdos?

Dir-se-ha que o caso é difficil; mas é possivel fazer-se. A demonstrá-lo ha um caso actual assas caracteristico: a celebro reforma do notariado feita em 1900, no uso de uma auctorização concedida em 1891!

Ora, que se faça uma reforma de notariado nestas condições ainda vá, porque isso tem uma- influencia relativamente insignificante na administração do país; que uma auctorização caduca possa servir para remodelar serviços augmentando as despesas publicas, é lamentavel, mas não representa uma seria difficuldade; agora, grave e insanavel seria o acto internacional, que pudesse provir da applicação de uma auctorização, como a da lei de 25 de junho de 1897, que envolve os mais altos interesses e até a soberania do pais.

É por isso que deseja ouvir a opinião do distincto jurisconsulto, que sobraça a pasta da Justiça, e chama, tambem, para o assumpto attenção de todos os jurisconsultos, que teem assenso nesta casa.

Tal auctorização não deve subsistir; se o Governo actual entende que carece de lei de 25 de junho de 1807, como está ou modificada, venha ao parlamento, que actualmente representa e pois, e poça-lhe a renovação d'essa auctorização, evitando, o que pode acontecer, que algum mal intencionado ou mal conduzido pelo raciocinio, possa usar d'ella mais tarde em detrimento dos interesses intimos do país e do decoro nacional.

Vae apresentar d Camara a demonstrado da importancia que tem a discussão parlamentar e como se pretende fugir a essa discussão; porque a verdade é que o parlamento, ainda nos paizes onde elle tem menos prestigio, constituo uma garantia para a administração e excellente processo do fiscalização dos actos do poder executivo.

Vae ler á Cornara um periodo do relatorio do Sr. Madeira Pinto acerca do convenio, projectado pelo Ministerio anterior.

O comité de Paris lembrava tambem a conveniencia de, antes de se ultimar o convenio, pedir o Governo ás Cortes a approvação das novas bases, na parte em que pudessem exceder n auctorização já conferida pela carta de lei de 25 de junho de 1897, a fim de evitar que a ratificação do mesmo convenio ficasse dependente da sua discussão o approvação nas Cortes. Considerando de grave inconveniente para todos a não ratificação do convenio que se celebrasse, julgava o comité de Paris ser de vantagem não ultimar sem a certeza de que seria posto em execução a fim desse não repetir o que succedera com o convenio assignado em Paris em 1892".

Este receio é caracteristico e chega a ferir a dignidade dos representantes da nação portuguesa.

Pois, exactamente, a unica garantia que o país podia ter nossa operação era a discussão parlamentar, tintes de se tomar qualquer responsabilidade seria ou compromisso definitivo.

Tal não pensavam os interessados na conversão.

E quer o Sr. Presidente, sabor como se procedeu em Portugal para se satisfazer a este pedido?

Como na lei de 1897 não havia disposição pela qual se pudesse fazer a reorganização da Junta do Credito Publico, como pediam os comités, metteu-se na lei do orçamento em vigor varias disposições, que podiam, em occasião opportuna, servir de auctorização parlamentar para o effeito!

Chama a attenção da Camara para este facto, que se pode repetir amanhã, que repetirá sem duvida se essa lei de 25 de junho de 1897 continuar a vigorar.

Elle, orador, quase não tem outro papel politico senão o de combater a conversão.

Tudo quanto se faz na administração interna do país, com uma pennada se desfaz.

Um bom ministro governa bem e justamente com uma lei má, as boas leis dissolvem-se nas mãos dos maus ministros ...

O Sr. Presidente: - Observa ao orador que deu a hora de se passar á ordem do dia.

O Orador: - Objecta que poucos minutos lhe restam para concluir.

O Sr. Presidente: - Diz que mesmo assim não lh'os pode conceder sem, consultar a Camara.

Consultada a, Camara respondeu afirmativamente.

O Orador: - Agradece a delicadeza da Camara; proseguindo diz que o que não se desfaz com uma pennada seria um convenio d'esta natureza, que é um contrato bilateral feito entre Portugal e outros paises.

Ha de voltar novamente á questão, com pertinacia e serenidade, porque o fogo, que denuncia ás vezes a sua palavra, não correspondo a um estado de excitação do seu, espirito; é ura acto physiologico, não é um acto psychologico; ha de voltar á questão, com convicção profunda e a pertinacia inabalavel com que Catão dizia que era preciso destruir Carthago.

Affirma que é preciso impedir o convenio projectado; sem elle o país pode salvar-se, com elle está perdido.

Já não se podem occultar detrás d'essa habilidade de que a questão dos credores seria discutida largamente, quando viessem os documentos, porque já existem; tem-nos ali o orador, embora se procurasse eliminá-los.

Acabemos com estes sophismas.

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Esta questão precisa ser tratada com extrema clareza. Negocios d'esta natureza, de caracter financeiro, carecem de ser discutidos aberta e claramente, á luz do dia, com todos os documentos, em pleno parlamento.

preciso para este effeito que se declare que a lei de 25 de junho de 1897 caducou logicamente, quando acabou o mandato da Camara, que a concedeu, ou pelo menos quando desappareceu o Governo, a quem foi dada.

Quando elle, orador, se lembra que d'aqui a muitos annos se pode usar d'esta auctorização obsoleta como se fosse nova em folha, enche-se de espanto. Sente o receio de que nessa occasião para fazer reviver essa lei caduca e morta se empreguem aquelles decisivos argumentos, que lhe parecem bem definidos em alguns versos do Barbeiro de Sevilha.

Agora é uso fallar na Camara em romances e em come dias; portanto não é muito que elle, orador, traga para a discussão a obra prima de Beaumarchais, o Barbeiro de Sevilha. Não se lembra dos versos em francês, mas sabe-os em italiano e o italiano tem neste momento grande vantagem sobre o francês.

Dizia Alexandre Dumas que não havia como o latim para dizer cousas que se não podem pronunciar em outra lingua; ora, como o italiano é a lingua mais proxima da latina, está nas precisas condições. Vae, pois, dizer os versos em italiano.

A Camara recorda-se, quando o D. Basilio é encontrado por D. Bertolo, tratando do casamento da Rosina com Almaviva; então D. Bartolo pergunta a D. Basilio como elle faz aquillo e atraiçoa a sua amizade; D. Basilio objecta:

Ah, Dom Bartholo mio, quel signor conte

Certi raggioni ha in tasca,

Certi argumenta, a cui non si risponde ...

(O discurso será publicado na integra suando S. Exa. restituir}.

O Sr. Presidente:- E a hora de se passar á ordem do dia; mas o Sr. Ministro da justiça pediu a palavra.

Vou consultar a Camara sobre se permitte que lhe seja concedida a palavra.

(Consultada a Camara, resolveu afirmativamente).

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): Sr. Presidente: em muito poucas palavras satisfarei o desejo do illustre Deputado, que acaba de falar.

S. Exa. o Sr. Augusto Fuschini, deseja saber qual é a minha opinião acerca da actual validade da lei de 25 de julho de 1897, que auctorizou o Governo, em certas condições, clausulas e bases, a negociar um convenio com os credores externos da divida portuguesa.

Sr. Presidente: tem sido principio geralmente acceite e universalmente reconhecido, que uma auctorização concedida pelo Parlamento ao Governo, subsiste, independentemente das pessoas que d'esse Governo fazem parte, porque os Ministros passam, mas a entidade Governo fica.

Portanto, uma auctorização concedida pelo Parlamento a um Governo, só deixa de ter validade em três casos: quando passa o prazo marcado nessa auctorização, se o marcou; quando ella se executa, ou quando é revogada a lei.

A lei de 1897 não marcou prazo em que o Governo deve usar da auctorização.

O Parlamento nada revogou, e o Governo não usou da auctorização que essa mesma lei concedeu; portanto a lei está em vigor.

Não se sobresalte, porem, o illustre Deputado, com estas palavras, e sobre este ponto não ha opinião diversa, porque o Governo por mais de uma vez tem declarado, tanto pelo Sr. Presidente do Conselho, como pelo Sr. Ministro da Fazenda, como pelo Sr. Ministro dos Estrangeiros, que nesta grave questão dos credores externos, o Governo, repito, mantém o regimen da lei de 1893. E, quando houvesse de fazer um convenio, não só manteria a nossa autonomia financeira, mas não tomaria qualquer encargo, que fosse pesado, e superior, ás forças do Thesouro.

O Sr. Fuschini:- Porventura, os actuaes Ministros consideram-se eternos?

O Orador: - Peço licença para dizer, que em assumpto tão grave como este, o Governo, qualquer que elle seja, ha de sempre zelar os verdadeiros interesses do pais. Não se pode suppor o contrario.

Pelo que respeita ás considerações, que o illustre Duputado fez, acerca do projectado convenio, devo dizer a S. Exa., em primeiro logar, que não é da responsabilidade do Governo essa auctorização, e em segundo logar, que não é assumpto que corra pela minha pasta.

Dito isto, quer-me parecer haver respondido completamente ao illustre Deputado. (Muitos apoiados).

Vozes: - Muito bem.

(s. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente:- Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis para mandar para a mesa, podem fazê-lo.

O Sr. André de Freitas:- Mando para a mesa a seguinte

Declaração

Declaro que lancei na caixa das petições um requerimento assignado por Adelaide Emilia Barata e Maria da Conceição Barata, filhas do fallecido porteiro d'esta Camara, João Candido Barata.

Peço que seja enviado á respectiva commissão. = André de Freitas.

Para a secretaria.

O Sr. Oliveira Simões: - Mando para a mesa uma proposta de renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 63-C, que tem por fim conceder a D. Anna Rosa Ferreira Brandão, filha do fallecido capitão Ezequiel Antonio Ferreira Brandão, gravemente ferido em combate, uma pensão mensal de 12$000 réis.

Ficou para segunda leitura.

ORDEM DO DIA

Discussão de projectos de lei

O Sr. Presidente:- Vae ler-se para entrar em discussão o projecto de lei n.° 23.
Leu-se na mesa:

E o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 23

Senhores.-- A nossa antiga legislação patrocinava e incitava os pescadores nacionaes nas suas pescarias do alto mar.

Prolixo é historiar-vos as regalias e isenções pessoaes com que em tempos preteritos se desenvolveu entre os nossos maritimos o espirito audacioso de lavrar os mares, o que aliás foi sempre uma das honrosas caracteristicas da nossa raça.

Na actualidade, á falta de providencia legal elaborada pelo poder legislativo, vigorava provisoriamente desde 1886 o regimen de protecção pautai, concedida, pela portaria de 14 de abril de 1886, aos dois unicos armadores, que exerciam a pesca do bacalhau, com tripulação e sob bandeira portuguesas.

E sendo esta protecção fiscal assas importante, porque applicava ao peixe importado em taes condições, apenas o imposto do pescado costeiro, ou sejam 50 por cento ad valorem, deduzindo-se ainda um differencial para as queiras que vão do peso do bacalhau fresco e salgado para o do mesmo peixe já sêcco e prompto a ser vendido no mercado, emquanto que o bacalhau estrangeiro paga 39 réis por kilogramma, e ainda os respectivos addicionaes, parece

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á vossa commissão de fazenda que bem avisado e de real alcance pratico é a proposta de lei n.° 10-L, apresentada pelo actual Ministro da Fazenda, elevando o actual imposto sobre o bacalhau pescado por portugueses a 12 réis por kilogramma, sem differençar o verde do sêcco, o que constitue ainda uma protecção para esta industria piscatoria, e incita a usarem da liberdade da pesca, os armadores nacionaes, que assim podem ter ensejo de desenvolver a nossa marinha mercante, a qual chegou a uma assas lamentavel decadencia.

O Thesouro, sem augmentar os sacrificios que já se faziam para fomentar esta pesca, ficará, portanto, na possibilidade de estender tão benefica protecção a outros, que queiram exercer tal industria, sem maior gravame para as nossas finanças.

Assim, o projecto, repetimos, é, não só uma acertada medida de fazenda, mas tambem um esperançoso fomento para a nossa marinha mercante.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° O actual imposto de pescado sobre o bacalhau fresco, em salmoira, ou simplesmente salgado, pescado por navios portugueses, com tripulações completamente portuguesas, é elevado a 12 réis por kilogramma.

Art. 2.° De produção d'este imposto destinar-se-ha a terça parte para subsidiar a Liga Naval Portuguesa, sob as condições dependentes de regulamento.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario. José Dias Ferreira (com declarações) = Anselmo Vieira = Augusto Lousa = Marianno de Carvalho = Manuel Fratel = Rodrigo Affonso Pequito = Manuel de Sousa Avides = Alouro Possollo = Jayme Arthur da Costa Pinto = Alberto Ravasco = Conde de Paçô-Vieira = José Maria Pereira de Lima, relator.

Senhores.- A vossa commissão de artes e industrias é de parecer igual ao da vossa commissão de fazenda.

Sala das sessões, 20 de março de l90l. = José Maria Pereira de Lima = Albino de Figueiredo = Antonio Alberto Charula Pessanha = Luciano Antonio Pereira da Silva = José Maria de Oliveira Simões.

N.º 10-L

Senhores.- O bacalhau pescado por navios nacionaes tem que ser transportado em salmoura, e sêcco no continente. A forma de acondicionamento para o transporte, a ulterior lavagem necessaria e As condições climatericas em que a seccagem vem fazer-se, não são apropositadas para a melhor preparação definitiva d'este peixe e muito lhe fazem perder das suas propriedades, tornando-o um producto de inferior qualidade. Alem d'isto a seccagem incompleta dá ao bacalhau menos possibilidade de conservar-se. Assim é que o seu consumo tem de fazer-se, entre nós, até maio, dificilmente aguentando maior demora em estado vendavel.

Na vasta extensão do Oceano que o bacalhau frequenta ha duas largas zonas que são o seu habitat de eleição. A primeira limitada de um lado pela Groenlandia e do outro pela Islandia, a Noruega, as costas da Dinamarca e da Alemanha, e este e o norte da Gran-Bretanha e as Ilhas Orçados, comprehende os paizes designados pelos nomes de Dogger-banck, Vell-banck e Cromer, aos quaes podem referir-se os pequenos lagos do agua salgada das ilhas occidentaes da Escossia, onde grandes bandos de bacalhau chamam, principalmente, a Gareloch, os pescadores das Orcades de Posterhead, de Portsoy, de Firth e de Murray. O segundo espaço, ha menos tempo conhecido, mas hoje de mais nomeada entre os pescadores, comprehende as aguas vizinhas da Nova Inglaterra, da Nova Escossia e sobretudo a Ilha da Terra Nova, ao pé da qual existe e tão famoso banco de areia, o grande banco, com perto de 200 leguas de comprimento e 62 de largo, que cobrem desde 20 até 100 metros de agua. É ahi que o bacalhau vive em enormes phalanges, porque ahi tem um dos principaes comedoiros, sendo estas paragens as proprias dos harenques e outros peixes que lhe servem de alimento.

Navios franceses, ingleses, hollandeses, noruegueses e americanos acodem em grande numero ao banco da Terra, Nova para pescarem o bacalhau.

Uma parte do bacalhau pescado pelos navios franceses não é sêcco na Terra Nova; muitos dos navios que vão á pesca são equipados para a pesca sem seccagem, isto é, trazem o producto da pesca, apenas previamente salgado, para a metropole, ou expedem-no pelos navios que lhe vão levar o sal. Estas remessas veem na maior quantidade a Rochello, Bordéus e Cette. Uma outra, a parte maior, é sêcca principalmente nas ilhas de Saint-Pierre e Miquelon.

É pela primeira forma que procede a nossa industria. O bacalhau vem salgado, a seccagem faz-se no país.

A França, que reputa a pesca do bacalhau uma escola de primeira ordem para a marinhagem, tem procurado por todas as formas animar esta industria. Dá premios aos marinheiros que se alistam, criou caixas de socorros para as familias dos que lá morrem, anima e convida por todos os meios os pescadores, onde principalmente se recruta a tripulação dos navios de pesca do bacalhau, a dedicarem-se a este tão improbo como perigoso serviço.

Não é, porem, d'ahi que as preoccupações para manter esta industria lhe provém. É da difficuldade de collocar o bacalhau sêcco em França, sempre muito inferior em qualidade ao sêcco era Saint-Pierre e Miquelon. Premios de exportação conforme os destinos, consumo obrigatorio um certo numero de vezes por semana para o exercito, varios incentivos directos e indirectos mantem-lhe dispendiosamente esta industria, dispendio que certamente compensam vantagens de ordem superior.

Não podemos infelizmente fazer nem cousa que se pareça.

Se por uma parte é de bom conselho manter essa industria, que livremente exista, mas sem que lhe sacrifiquemos, alem de não largos limites, uma receita quantiosa.

É, porem, necessario, como muito bem diz na sua consulta o Conselho Superior do Serviço Technico Aduaneiro, que cesso "a situação provisoria" que vem de ha quatorze annos.

Por portaria de 14 de abril de 1886, em vista da reclamação, de 23 de dezembro do anno anterior, da Associação Commercial de Lisboa, foi provisoriamente determinado que sobre o bacalhau pescado por navios portugueses se cobrasse o imposto de pescado e respectivos addicionaes, até decisão das Côrtes, ficando, porem, limitada esta providencia apenas aos navios que no anno de 1885 andassem empregados na pesca, ou que tivessem requerido até 31 de março anterior, e só ao bacalhau que se apresentasse fresco, em salmoura, ou simplesmente salgado, mas não sêcco.

Era evidentemente esta limitação pelo que respeita aos navios para salvaguardar a receita, visto o beneficio concedido em quanto aos direitos.

Nenhuma providencia anterior do poder legislativo alterou esta situação provisoria.

Estabelecido o direito de importação para consumo, que se julgue defender os interesses do Thesouro e não prejudicar grandemente a industria, razão nenhuma aconselha se limite, por qualquer forma legal, o seu exercicio. A limitação ser-lhe-ha imposta pelas condições economicas, motivo algum ponderoso inata porque se lhe crie situação excepcional.

O direito que vos proponho, de 12 réis por kilogramma, comparado ao minimo direito que paga o bacalhau estrangeiro sêcco (34 réis por kilogramma), posto que referido ao peixe verde e com sal preso, representa, ainda assim, uma protecção superior a 40 por cento.

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PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° O bacalhau fresco, em salmoira, ou simplesmente salgado, pescado por navios portugueses, pagará de direitos de importação para consumo, 12 réis por kilogramma.

§ unico. Estes direitos serão cobrados sobre o bacalhau no estado em que for importado.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Fazenda, aos 25 de fevereiro de 1901. = Fernando Mattozo Santos.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Manuel Affonso de Espregueira: - Sr. Presidente, V. Exa. tinha-me inscripto antes da ordem do dia?

O Sr. Presidente: - Sim, senhor. V. Exa. estava inscripto.

O Orador.- Se me tivesse chegado a palavra antes da ordem do dia, poderia ter feito algumas observações a respeito do que nesta casa do Parlamento foi dito acêrca da lei de 1897.

Não é agora occasião para me occupar largamente d'esse assumpto, por isso, permitta-me a Camara que, simplesmente em dois minutos, ou ainda em menos, diga o que desde já entendo dever dizer a esse respeito.

Em primeiro logar, mesmo pela leitura das considerações ou da nota que aqui foi lida á Camara de um relatorio confidencial do Sr. Madeira Pinto, seria facil demonstrar que a interpretação d'aquellas palavras seria muito diversa da que se lhe deu. Em segundo logar, tenho a declarar á Camara, que é absolutamente inexacta a affirmação que se fez, de que no orçamento se tenha incluido uma clausula expressamente destinada a um certo e determinado fim.

Ha ainda nesta Camara Deputados que assistiram á discussão que houve a esse respeito, dos quaes um está na minha frente, que ouviram perfeitamente a declaração categorica que fiz a esse respeito, e, alem d'isso, o Sr. Ministro da Fazenda, que se senta naquelle logar, e que tem de executar a lei que foi votada no Parlamento quando eu era Ministro da Fazenda, sabe muito bem o que continham os artigos nella inscriptos, e que nesses artigos não havia um unico que pudesse subtrahir ao conhecimento da Camara qualquer alteração ou excesso, que proventura podesse haver na auctorização que havia sido dada ao Governo.

Esta é a verdade pura.

Sinto ter de tomar muitas vezes a palavra nesta casa, para repetir, tambem muitas vezes, que são innexatas as asserções que aqui se apresentam com caracter de verdadeiras, mas que, no fundo, são destituidas de fundamento.

Eu não affirmo só; a Camara sabe que, quando eu affirmo, demonstro.

Desculpe-me a Camara o haver dito estas palavras. Vou entrar desde já na discussão do projecto.

O projecto que se discute, parece, pela forma por que foi apresentado, não só pelo illustre Ministro, mas principalmente pela commissão de fazenda d'esta casa, insignificante e de pequenissima importancia.

Pois facil será demonstrar que, pelo contrario, merece os maiores reparos, não somente pela forma por que é apresentado á deliberação da Camara, mas tambem pelos defeitos que este projecto apresenta.

Não desejo ser desagradavel ao Sr. Ministro da Fazenda, mas permitta-me S. Exa. que lhe diga, que sinto ver que um projecto d'esta ordem, que entra tão especialmente nas suas attribuições e conhecimentos especiaes da materia, fosse trazido á Camara tão falta de informações, que evidentemente S. Exa. podia apresentar, porque ninguem como o Sr. Ministro conhece melhor este assumpto.

O Sr. Ministro da Fazenda já disse que podiam ser consultados todos os documentos no seu Ministerio, para esclarecimento dos assumptos que se discutem na Camara, mas todos comprehendem que não é dado aos Srs. Deputados andarem pelas Secretarias de Estado a pedir esclarecimentos para completar os que lhes são apresentados, com os assumptos que se discutem. Alem d´isso, nem todos podem dispor d'esse tempo, ou estão nas circumstancias de saber os esclarecimentos que teem que pedir.

Ha ainda outra razão mais forte.

A Camara deve deliberar inspirando-se nos documentos e informações, que lhes são apresentados; mas não é só a Camara que deve ser informada, o publico tambem deve conhecer estes assumptos.

Não basta que um Deputado, que tenha de tomar parte na discussão, vá ao Ministerio respectivo pedir esclarecimentos. Não basta isso, para que as discussões na Camara possam ter utilidade.

O que estou dizendo não é justificação pessoal, porque, referindo-me á falta de esclarecimentos, devo declarar á Camara que tenho muitos, não todos que desejaria, mas, em todo o caso, muitos.

Todavia, estou certo, que a maior parte dos membros d'esta casa do Parlamento, ignoram os esclarecimentos que possuo.

Isto não é censurar, mas unicamente mostrar á Camara que, por mais pequeno que se julgue o assumpto, é necessario conhecê-lo bem, para que a deliberação que sobre elle cair, possa ser util.

Não é só votar um projecto; é necessario que a Camara tome a responsabilidade do que vota.

Facil me será demonstrar que o projecto em discussão, poucos o poderão apreciar, e a Camara ha de permittir-me que eu faça essa demonstração com as proprias palavras do Governo e da commissão.

O Sr. Ministro da Fazenda, no seu relatorio datado de 20 de fevereiro, diz o seguinte.

(Leu).

Como a Camara vê, este relatorio apenas diz o que todos sabem: que a pesca do bacalhau se faz em navios nacionaes, que tem de ser transportado em salmoura e sêcco no continente, e que é de uma qualidade inferior.

Isto não é um esclarecimento que deva ser dado ao Parlamento, mas veja a Camara qual foi o cuidado que o illustre Ministro teve em instruir este projecto. Não diz nada de especial a respeito d'esta industria, que, de facto, tem importancia; espraia-se em noticias sobre o que se faz no estrangeiro, e isto não para explicar a sua proposta, mas para nos dizer o que se encontra no Manual de pesca, ou em qualquer outra publicação, porque, como a Camara vae ver, o illustre Ministro diz, no periodo mais largo que tem este relatorio.

(Leu).

Escreveu este periodo longuissimo para nos dizer que navios franceses, ingleses, hollandeses, noruegueses e americanos acodem em grande numero ao banco da Terra Nova para pescarem bacalhau, mas a respeito dos navios portugueses nada diz, não se sabe onde vão pescar. É na Terra Nova, mas nem isso diz.

Diz mais o relatorio o que se faz em França a respeito do bacalhau pescado por navios franceses.

(Leu).

Por aqui fica a Camara sabendo, quaes são os portos franceses de onde saem e para onde voltam os navios que vão á pesca; mas em Portugal quaes são os portos onde essa industria se exerce? Não se sabe. Eu sei que ha essa industria em Lisboa e na Figueira, mas desconheço se ha mais algum porto português onde ella se exerça actualmente.

Para que a Camara veja como este projecto é instruido, basta reparar que no relatorio se indica quaes são os por

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tos de França em que entram e saem os navios destinados á pesca do bacalhau, e não se diz uma palavra a respeito dos portugueses. Mas não bastava indicar os portos, era necessario que se dissesse a tonelagem dos navios empregados na pesca, a sua tripulação, emfim, todos os elementos para a Camara poder avaliar essa industria.

A este respeito nem um unico esclarecimento, nem da parte do Sr. Ministro, nem da parte da commissão, como logo provarei.

Em seguida dá-nos o Sr. Ministro idéa de que se faz em França para proteger esta industria, de sorte que pela leitura d'este paragrapho eu julguei que S. Exa. nos ia propor uma lei de protecção á mesma industria. Não. É unicamente para nos dizer que em frança pouco resultado se colhe, e que nós estamos muito longe de fazer qualquer cousa a este respeito. E a conclusão é que aggrava o imposto que actualmente paga esta mercadoria.

Mais adeante, pelo relatorio, fica a Camara sabendo que em França se obriga o exercito a comer bacalhau francês, mas continua na ignorancia absoluta da maneira como esta industria se exerce em Portugal, e de todas as condições a ella relativas.

Diz o Sr. Ministro:

(Leu).

Parece-me isto de uma absoluta inutilidade. Se ha necessidade de manter uma industria é preciso ao mesmo tempo ver se essa industria, pela producção que tem, pode prejudicar as receitas do Estado, e as circumstancias em que esta reducção se pode fazer. Mas dito como aqui está, é, permitta-me o Sr. Ministro, uma idéa vaga, uma asserção que melhor cabimento teria em outra parte e sobretudo tratando-se, em especial, de uma certa e determinada industria.

(Leu).

É este o argumento principal. É que cesse uma situação provisoria, que vem de ha quatorze annos.

Mas qual é esta situação provisoria?

Eu estou convencido, sem fazer offensa, que ninguem sabe, a não serem os membros da commissão, e um ou outro que estudasse este assumpto, qual é esta situação provisoria. Eram precisos esclarecimentos especiaes a este respeito. E ninguem sabe qual é esta situação provisoria, mesmo porque ha divergencias, e já ouvi opiniões diversas a este respeito.

Mas eu direi depois, qual é realmente a situação actual.

A situação, porem, explica-a o Sr. Ministro, e, até certo ponto, parece que não ha uma disposição legal em que esteja incorporada esta industria.

E devo dizer, que essa parte, que era essencial, está dita de modo que é necessario recorrer a outros documentos, para bem se completar a idéa e se saber o que tem havido a este respeito. O que o relatorio diz é pouco e, sem outros esclarecimentos, difficilmente se pode comprehender.

O illustre Ministro diz simplesmente o que consta da portaria de 14 de abril de 1886, que é o seguinte:

(Leu).

Anteriormente a esta portaria o que havia?

Neste ponto fica a Camara em completa e absoluta ignorancia.

Pode recorrer-se a um parecer do Conselho Superior Technico Aduaneiro, e ahi a explicação é mais clara, mas ainda assim não a tão completa como devia ser. É necessario ir ao relatorio de 1895 da Associação Commercial, para ahi encontrar uma explicação cabal e completa.

Em seguida diz ainda o illustre Ministro:

(Leu).

Receita e beneficio! Mas que receita, e que importancia poderá ter essa nova industria?

omo ella se estabeleceu ignora-se completamente.

Parece-me que tudo isto são apenas empirismos, opiniões individuaes sem fundamento, que podem ser excellentes, de pessoas que talvez tenham auctoridade para essas opiniões; mas quem tem de deliberar sobre o assumpto precisa mais do que isso: precisa saber em que se fundam essas opiniões.

Procurarei mostrar á Camara a importancia que este assumpto tem, mas o que desejo frisar bem é a maneira incompleta e absolutamente censuravel, permitta se-me esta palavra, porque estes projectos são apresentados.

Continuando, temos:

É exactamente isso o que se pede. O que se pode é o modo como se pode estabelecer esse imposto, e como elle se fixa de maneira a não prejudicar os interesses da Fazenda, ou, pelo menos, não se prejudicar grandemente.

Diz mais o illustre Ministro:

(Leu).

Não comprehendo este periodo.

Condições economicas! Se fosse uma industria livre, completamente, sem estar sujeita a um regimen pautal em concorrencia com productos estrangeiros, era preciso provar primeiro até que ponto se poderia nosso regimen defender os interesses da Fazenda. Se é isso que se quer de todo este projecto, fico sem saber se se pretende que continue a industria portuguesa da pesca do bacalhau, com restricção a certos e determinados navios, ou se tal industria se estende a todos que quiserem usar d'ella, sem mesmo procurar prejudicar os interesses do Estado, ou por ultimo se se pretende terminar com semelhante industria.

Não sei qual era o pensamento do illustre Ministro, se tornar a industria livre com relação ao numero de navios e ao pessoal que ellas podem empregar, ou estabelecer taxas que sejam applicadas para todos os navios.

Mas a condição essencial era acabar com a taxa estabelecida e permittir o livro exercicio d'esta industria.

Hoje o bacalhau português é pescado por navios portugueses pela forma que se sabe, e a sua importação tem augmentado consideravelmente.

Esse augmento de direitos permitte que essa industria continue a desenvolver-se? Não vejo nada no relatorio que nos possa esclarecer a este respeito.

Como o illustre Ministro se refere ao parecer do Conselho Superior Technico Aduaneiro, vou dizer á Camara o que se pode concluir d'este parecer.

Tres cousas teve em vista o Conselho Superior Technico:

(Leu).

Emquanto á primeira parte é affirmativa a opinião do Conselho; e desde que ella seja acceita, até certo ponto vem invalidar o que anteriormente se tinha disposto a este respeito, porque o Conselho entende que a unica taxa que legalmente é applicavel a este genero, é a do pescado. E escuso de repetir as razões que o Conselho dá.

A principal razão é que o bacalhau português é pescado no mar alto, onde a propriedade é de todos.

O bacalhau está nas condições de outro qualquer peixe que seja pescado por barcos que vão fora das aguas territoriaes.

Sendo assim, a conclusão immediata a tirar era deixar usar livremente d'esse direito a todos os navios que quisessem empregar-se nesta industria.

Devo dizer á Camara que, quando fui Ministro da Fazenda, não se apresentou um unico pedido para exercer a pesca do bacalhau.

Constou-me que anteriormente tinha apparecido um ou dois requerimentos neste sentido; mas no tempo em que fui Ministro, pela informação que me foi dada pela repartição respectiva, não entrou ali nenhum requerimento, de sorte que foi assumpto sobre o qual não tive que dispor.

O Governo acceitou, por conseguinte, a primeira parte d'esse parecer e a declaração do Conselho Superior Technico Aduaneiro, no que diz respeito á taxa que legalmente se deve applicar. Esse parecer tem data de 21 de fevereiro e a proposta a de 25; de sorte que media-

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ram apenas tres ou quatro dias entre um e outro. Nessa consulta encontro eu alguma cousa que pode, até certo ponto, explicar a proposta do illustre Ministro, e por isso vou lê-la á Camara.

Tratando de averiguar o segundo ponto, diz o Conselho Superior Technico Aduaneiro:

(Leu).

Ora, aqui tem a Camara a origem da taxa que foi proposta. Mas occorre desde logo uma observação, que me parece muito fundamentada. O Conselho Superior baseia-se na disposição generica da reducção de 50 por cento applicada a todos os generos coloniaes, mas aqui trata-se de uma especialidade. Estabeleceu-se, nas nossas relações com as colonias, uma taxa de favor de 50 por cento, em geral, para muitos generos; mas a que proposito vem o argumento do que se faz com as colonias para este caso especial? Os 50 por cento obedeciam a considerações de ordem muito diversa. Aqui trata-se de saber qual é a protecção que se deve dar a um genero certo e determinado, cuja industria não pode subsistir sem uma determinada protecção; que razão ha, portanto, para que se diga: dê-se-lhe a mesma que se dá aos generos coloniaes? É uma razão empirica que não pode satisfazer.

O que eu desejava era que se dissesse o que custa essa industria, em comparação com o que se faz em outros paises. Se a qualidade do genero é inferior, o que se deve é ver se convem reduzir-lhe o preço para poder servir ás classes menos abastadas. O que se deve é ver se convem premiar aquelles que se esforçarem por manter uma industria como esta, que tem protecção em outros paises.

Era sobre isto que se devia basear, e não sobre um facto que se diz semelhante, apesar da sua dessemelhança; pois foi sobre esta base que o illustre Ministro firmou o seu projecto.

Mas o Conselho Superior Technico Aduaneiro diz ainda mais:

(Leu).

Aqui apparece-nos um elemento que nós devemos acceitar: é que a differença que vae entre o peso bruto do genero, e aquelle em que sae para o consumo dá uma quebra de 35 por cento; e eu acceito esta base porque ella é dada por uma corporação que deve conhecer o assumpto. Entretanto, representa apenas um numero e não demonstra que se tenham feito experiencias ou indagações sufficientes, para saber se essa media corresponde á realidade dos factos; a esse respeito nada se fez. Estipulou-se ha já muito tempo - porque isto vem de longe - uma quebra, mas não se sabe qual a relação, que pode haver entre o peso com que o bacalhau sae do navio, e aquelle com que entra para o consumo. Suppôs-se que havia uma quebra, mas essa supposição não é de modo algum baseada em factos; não obstante, não tenho duvida em acceitar esta proporção de 35 por cento, porque nenhuma outra existe nas repartições competentes; e eu não sei se alguem, que mais particularmente estudasse este assumpto, chegaria a conclusão diversa d'esta.

Volto agora novamente ao relatorio da Associação Commercial; insisto neste ponto porque quero mostrar á Camara qual é o pensamento do Sr. Ministro da Fazenda, e como a commissão alterou profundamente a proposta sobre que recaiu o seu estudo. Quem lê o parecer suppõe, á primeira vista, que elle se harmoniza com as idéas sustentadas pelo Sr. Ministro da Fazenda no seu relatorio; mas não é assim, e para que tal se comprehenda basta ler este documento - a representação da Associação Commercial - onde se encontra perfeitamente estudado e explicado o assumpto.

Esta industria da pesca do bacalhau é muito antiga e teve em outros tempos uma grande protecção; mas tinha definhado e desapparecera, até que alguem se apresentou ha poucos annos com alguns navios para a pesca do bacalhau na Terra Nova. O fisco hesitou na taxa a applicar, e consultou sobre as suas duvidas não as estações technicas da Alfandega, mas a Procuradoria Geral da Coroa, que foi de parecer que a taxa a applicar devia ser a do bacalhau estrangeiro importado, e que nesse tempo era de 33 réis por kilogramma.

O Governo conformou-se com esse parecer e ordenou ao Conselho Superior das Alfandegas, que existia então, que dissesse como se havia de dar execução a essa disposição.

D´ahi resultou o estabelecimento da taxa de 33,50, penso eu, com a faculdade para os individuos de estabelecer um deposito alfandegario e por conseguinte só na saida, quando o bacalhau estava preparado para ser entregue ao consumo. Simplificava se essa taxa e dizia-se que era para pô-la em condições iguaes á do bacalhau importado do estrangeiro. Contra essa disposição reclamou a Associação Commercial de Lisboa e reclamou exactamente com fundamentos faceis de comprehender, mostrando as difficuldades com que luctava a industria nacional, as vantagens que haveria em protegê-la e a impossibilidade em que se veria collocada de competir com as industrias mais avançadas do estrangeiro; pagando exactamente o mesmo era completa e absolutamente impossivel manter-se a industria nacional: era um serviço arriscadisssimo, havia grande difficuldade em arranjar marinheiros, navios, capitaes para o exercicio d'essa industria, como demonstrava largamente a experiencia da pesca, obtendo-se um genero de inferior qualidade pelas condições em que era feita a mesma pesca, longe do sitio onde devia ser preparado esse genero para o consumo, resultando d'ahi a impossibilidade de poder entrar em concorrencia com o genero que vinha em condições de maior barateza, e ao mesmo tempo de melhor qualidade.

Em presença d'isto o Ministro entendeu que devia manter apenas a disposição que era applicada ao pescado, mas restringindo o numero de navios para assim diminuir, dizia o Ministro, os prejuizos que d´ahi pudessem resultar para o Estado.

Dizia a Associação Commercial de Lisboa, na sua representação, que eu não leio toda porque é inutil, e insistindo neste ponto com razão, que a este genero não devia ser applicado senão o imposto do pescado.
(Leu).

Ora, já vê a Camara que esta informação completa não se encontra na consulta do Conselho Superior Technico Aduaneiro, e o illustre Ministro foi nessa mesma informação que se baseou, formulando o seu projecto da seguinte forma:

«O bacalhau fresco, em salmoura, ou simplesmente salgado, pescado por navios portugueses, pagará de direitos de importação para consumo, 12 réis por kilogramma».

Não é tão precisamente nos termos da portaria que restringiu o direito aos navios que então existiam e que faziam esse commercio, porque ali diz-se mais «e ainda não sêcco».

Mas em todo o caso parece-me, que a idéa do illustre Ministro foi acceitar as condições actuaes d'essa industria e a fiscalização pelo modo como se fazia, estabelecendo para base da taxa do pescado uma taxa fixa de 12 réis por kilogramma, mas conservando exactamente as outras condições.

Ora, aqui acode naturalmente uma observação. Quem segue esta discussão e quem lê o parecer da commissão e o relatorio da proposta do Governo fica ainda na ignorancia do modo como hoje é cobrado o imposto e o direito applicavel, porque todos sabem, que o direito do pescado é ad valorem.

Sabe-se que o imposto do pescado recae sobre o valor do genero; 5 por cento sobre o valor. Por conseguinte comprehende a Camara a transformação do direito, que passa do valor do genero para um direito estabelecido sobre o peso.

Não encontro nos documentos apresentados á Camara a menor explicação, que possa esclarecer a relação que ha

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entre o novo direito e o que se pagava. (Apoiados}. E note a Camara, é facil dizer 5 por cento ad valorem. Mas qual é o seu valor? Em que estado do genero se applica?

Evidentemente é um facto simples e conhecido do illustre Ministro da Fazenda; mas o que seria conveniente era que a Camara a conhecesse tambem.

A Camara até a este momento, a não ser os Srs. Deputados que mais especialmente teem estudado o assumpto, está na ignorancia das relações que podem haver entre os dois direitos.

A este respeito permitta-me a Camara, que lhe diga, que ha um outro ponto de grande conveniencia saber-se.

Qual é a importancia da pesca da industria do bacalhau por navios portugueses? Qual é a importancia dos direitos que o Estado recebe pelo bacalhau estrangeiro? Qual é o valor da industria nacional o qual o valor do seu consumo no país?

Emquanto ao valor do consumo na parte relativa ao bacalhau importado, encontra a Camara alguns esclarecimentos nos documentos que teem sido apresentados ao Parlamento, mas ainda assim esses documentos não são os necessarios.

Eu, no relatorio de fazenda do anno passado, introduzi, pela primeira vez, um mappa relativo aos generos alimenticios, de proposito para comparar o que nós recebiamos do estrangeiro para alimentação e o que exportavamos, embora de generos de diversas qualidades, mas todos destinados á alimentação publica; ahi encontra a Camara nota do valor do bacalhau estrangeiro importado e dos direitos que tem pago ao Estado, mas o que não encontra, em parte alguma, é o valor do bacalhau que é introduzido no mercado proveniente da pesca nacional.

Parece me, que isto é um dado indispensavel, para se poder avaliar como essa industria entra na alimentação publica.

Sinto não poder dizer á Camara, senão o que tem produzido o bacalhau estrangeiro desde 1893, mas era conveniente, para esclarecimento completo d'este assumpto, que se dissesse qual havia sido o rendimento nos annos anteriores, e depois ver a alteração que tinha produzido no consumo do país a nova industria, e tambem qual o prejuizo para o orçamento desde 1886.

Não tenho aqui documentos senão para o bacalhau estrangeiro introduzido desde 1892.

No Ministerio da Fazenda não me puderam formular mais esclarecimentos, porque nesse tempo não havia a necessidade que hoje se nota.

Emquanto ao bacalhau nacional, pode obter apenas tres annos e por favor da Repartição da Alfandega de Lisboa, favor que devo á benevolencia, com que o Sr. Ministro da Fazenda, auctorizou as repartições do Estado a fornecer me os esclarecimentos, que pedi para acompanhar este assumpto, e para poder esclarecer a Camara. Mas os illustres Deputados podem e devem prescindir d'esse direito, porque o Governo tem obrigação de apresentar todos os documentos necessarios.

E não se diga isto, porque um assumpto d'esta ordem, apresentado á Camara, embora sob um aspecto simples, é sempre gravissimo, porque toca com a principal alimentação das classes pobres, e com uma industria, que todos os paises teem procurado introduzir e proteger.

Desde 1892 tem o Estado retirado do bacalhau importado do estrangeiro uma receita avultadissima. O maximo foi em 1896, em que produziu 905 contos de réis.

Já vê a Camara que é uma receita de primeira ordem.

E o anno em que produziu menos, segundo uma nota que tenho aqui, foi o de 1899, 569 contos de réis.

Em 1893 produziu 804 contos de réis.

(Leu).

Em 1899, em Lisboa e fora de Lisboa o movimento da pesca nacional é pequeno; apenas se encontram tres ou quatro navios, que se occupam nesta industria; em 1898, foi de 111 contos de réis, no immediato 128, ainda no outro 138.

Por consequencia vê-se que em 1899 subiu, não obstante ser inferior a receita para o Estado do bacalhau estrangeiro; mas em 1900 os direitos do bacalhau estrangeiro subiram, não obstante ter-se elevado tambem o valor do bacalhau pescado pelos navios portugueses.

D'aqui é que se poderia concluir a influencia que esta pesca possa ter exercido no rendimento total do imposto, mesmo porque para o consumo do bacalhau estrangeiro devem ter contribuido as differenças grandes de preço, e as difficuldades da industria em certos periodos.

O que me parece é que o bacalhau fornecido por navios portugues não tem causado á Fazenda os prejuizos que se julgava.

Não sei se o augmento na importação do bacalhau tem permittido um abatimento no preço d'este genero por pequeno que seja.

O consumo em 1898 - refiro-me ao peso - foi de 1:600 e tantas toneladas de bacalhau nacional e emquanto ao bacalhau estrangeiro foi de 19:000 toneladas; em 1899, o peso foi de cêrca de 1:700 toneladas de bacalhau português e de 16:000 toneladas de bacalhau estrangeiro; em 1900, o peso do bacalhau nacional foi de 1:843 e tantas toneladas e o do bacalhau estrangeiro subiu a 22:086 toneladas. Por consequencia, augmentou tanto o consumo do bacalhau nacional, como o do estrangeiro.

Comtudo, não me parece que d'este augmento resultasse diminuição no preço.

Era um esclarecimento a dar que conviria tambem saber, qual o preço no mercado do bacalhau nacional e estrangeiro, para se ver qual a percentagem necessaria para proteger esta industria e averiguar se realmente o publico podia tirar vantagem da introdução de uma qualidade inferior.

Parece-me que este facto não influe no preço, mas não posso ter a certeza.

Referi-me ha pouco ao imposto ad valorem.

A Camara não faz idéa pelos documentos produzidos, do que paga o bacalhau nacional.

O bacalhau pagará 12 réis por kilogrqmma. A forma como se fixou esta taxa, é a seguinte:

(Leu).

O direito que pesa actualmente, sobre o valor com addicionaes, é de 7,41 por cento. O valor é calculado do seguinte modo:

(Leu).

De sorte que, pelo projecto, em vez de 5,28 réis por kilogramma passa a pagar 12 réis, se for sobre o peso em verde.

Já a Camara vê que este documento lhe diz mais do que o proprio relatorio.

Evitava isso o trabalho de procurar todos estes esclarecimentos para formar o meu juizo, porque não era pelo modo como estava redigido o projecto que eu podia assentar o meu estudo.

Pelo projecto do Sr. Ministro da Fazenda vejo que:
(Leu).
e que este direito recae sobre o modo como elle é trazido.

Vamos agora a ver o que diz a commissão.

Sobre este ponto, e depois das considerações que fiz, não pode haver duvidas a respeito do pensamento do Sr. Ministro da Fazenda, mas a commissão diz o seguinte:
(Leu).

Sem differenciar o verde do sêcco, diz o parecer, exactamente quando o Sr. Ministro da Fazenda propunha, pelo contrario, baseando-se na representação da Associação Commercial, que se considerasse o estado - verde - o que o bacalhau fosse pesado, como hoje se faz, á saida do navio e não nos fala em differenciação para quebras, como quer a commissão;

(Leu).

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Isto não tem demonstração, é apenas uma opinião que não se discute.
(Leu).

É extraordinario que nada se diga sobre o que o publico pode utilisar com isto, porque não basta reduzir o imposto, que recae sobre os elementos que denotam maior riqueza, tambem alguma cousa deve dizer-se sobre um genero que é de primeira necessidade para as classes pobres. Essa orientação não está no animo da commissão.

A commissão modifica inteiramente a proposta do Governo e diz assim:
(Leu).

Mas em logar de 7,41 é elevado o imposto a 12, é porque era applicado nas mesmas condições; logo, a que proposito diz a commissão no seu parecer: «Sem differençar o verde do sêcco»?

O § unico da proposta de lei foi completamente supprimido. Diz assim: «Estes direitos serão cobrados sobre o bacalhau no estado em que for importado». Esta suppressão no projecto explica-se: «sem differençar o verde do sêcco»; quer dizer, deixa livro ao commercio apresentar a despacho o bacalhau no estado em que entra, ou já sêcco preparado para consumo, havendo uma reducção de 35 por conto a principio, e que ás vezes pode ser superior.

O unico meio do commercio apresentar ao fisco esse genero, era exactamente depois de sêcco, preparado para entrar em consumo. Quanto mais sêcco melhor, menos pesa.

São estas as observações que eu tinha a fazer. Não creio que com isto consiga melhorar o projecto; mas, em todo o caso, entendi que não devia deixar de fazer essas observações e apresentarei umas emendas, e estou persuadido que o Sr. Ministro será o primeiro a dar-me o seu apoio, por isso mesmo que essas idéas traduzem exactamente a opinião de S. Exa.

Eu proponho o seguinte ao artigo 1.°:
(Leu).

Supprimia a palavra «actual», por ser inutil, quando se fixa um imposto especial para uma certa e determinada mercadoria, e accrescentava ás palavras; «simplesmente salgado» estas: «e ainda não sêcco», que são exactamente os termos da portaria.

Supprimia a palavra: «completamente» porque me parece significar uma idéa que não vem senão para dizer que haverá a bordo cozinheiro e outros tripulantes portugueses, isto é, tripulações portuguesas na accepção da nossa legislação a este respeito, para significar a protecção dada aos navios que são tripulados por portugueses, exactamente nas condições de toda a outra legislação.

Substituia tambem as palavras: «elevado a 12 réis» por «fixado em 10 réis». A razão d'isto é muito simples.

Se d'este projecto resulta o alargamento da industria nacional da pesca do bacalhau, parece-me que bem empregado foi o nosso tempo, não só porque desenvolvemos a navegação nacional, que é hoje um fim para que todas as nações empregam os maiores esforços, mas, alem d'isso, porque se concorria para o barateamento d'este genero, que é de primeira necessidade para as classes pobres. (Apoiados).

Por consequencia, não tenho receio algum de que isso pudesse influir para que a navegação, que actualmente se emprega nesta industria, não possa supportar o augmento de 10 réis, e mesmo não podem vir outros navios e armadores accrescentar-se aos que já existem. E nesse caso, o Estado não tinha prejuizo algum, porque o augmento da pesca seria maior do que hoje, e, por consequencia, o fisco teria um pequeno augmento sobre o valor que hoje recebe.

Se por acaso do augmento da navegação resultassem as vantagens que eu já disse á Camara, o Parlamento terá occasião de poder modificar esse direito e ver se essa industria pode supportar um pequeno aggravamento.

Por consequencia, prefiro o direito mais baixo, que actualmente não pode prejudicar, porque a industria da pesca do bacalhau é difficlima, precisa de capitaes e de homens arrojados, em condições especialissimas que se não dão em outra qualquer industria.

Logo, não é facil suppor, que quantidade enorme de embarcações se vão empregar nessa industria, com prejuizo dos rendimentos do Estado. Mas quando de ahi houvesse esse desenvolvimento da navegação nacional, julga o illustre Ministro que deviamos hesitar?

Ao contrario, se conheceria que havia margem para receber uma percentagem sobre o direito estabelecido, sem prejudicar essa industria e o Thesouro. (Apoiados).

De sorte que supponho que não ha perigo para o Estado da diminuição que proponho, e não vou mais baixo porque a Associação Commercial de Lisboa já acceitava o imposto de 10 réis, que julgava sufficiente para esta industria.

Antes de terminar, pergunto ao illustre Ministro da Fazenda: se S. Exa. foi ouvido sobre o parecer da commissão, por isso mesmo que o parecer é contradictorio e o projecto altera completamente as bases essenciaes no que diz respeito ao imposto, e ao modo como se ha de cobrar.

Desejava, por isso, que o Sr. Ministro da Fazenda me dissesse se foi ouvido sobre este projecto. É esta a pergunta que tinha a fazer. Dito isto, termino pedindo desculpa á Camara do tempo que lhe tomei. (Apoiados).

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Constando-me que está nos corredores d'esta Camara o Sr. Deputado Urbano de Castro, convido os Srs. Agostinho Lucio e Custodio Borja a introduzirem S. Exa. na sala a fim de prestar juramento.

S. Exa. foi introduzido, prestou juramento e tomou assento.

O Sr. Presidente: - As emendas ficam em discussão conjuntamente com o projecto.

O Sr. Sergio de Castro: - Mando para a mesa, por parte da commissão de redacções, as ultimas redacções dos projectos de lei n.ºs 17 e 24, aos quaes a commissão não fez alteração alguma.

O Sr. Presidente: - Vão ser remettidos á Camara dos Dignos Pares.

Tem a palavra o Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Ministro da Fazenda (Mattozo Santos): - Procurará limitar-se ao tempo que lhe resta, para responder ás considerações do illustre Deputado Sr. Espregueira. Se for breve na sua resposta, não é certamente por menos consideração para com o illustre Deputado, mas porque S. Exa., em vez de combater o projecto, limitou-se a uma analyse logico-philosophico-historica do que está escrito no relatorio.

Será elle pouco claro, pouco explicito? Ninguem realmente tem mais razão para o dizer do que S. Exa., cuja clareza e previsão em todos os seus relatorios, quando Ministro, como nos seus discursos tem podido ser apreciadas por todos.

Toda a argumentação de S. Exa. cifrou-se em querer um imposto, para o bacalhau, de 10 réis e não de 12 réis.

Ora, se para S. Exa. o defeito de todo o projecto está somente nisto, realmente é pouco. E até se, com essa reducção, S. Exa. effectivamente se alegrasse muito, elle, orador, se não tivesse de ser coherente em todas as suas propostas, quasi teria vontade de se declarar disposto a concordar nessa reducção. Queria assim ver em que ficava depois toda a argumentação de S. Exa.

Falou tambem o illustre Deputado na consulta do Conselho Superior do Serviço Technico Aduaneiro, notando que sobre ella nem uma palavra se diz no relatorio que precede o projecto. Mas desde que essa consulta vem em annexo ao relatorio, para que é necessario repetir neste o que nella se diz?

Conclue-se, pois, que a apresentação de semelhante argumento significa vontade de fazer opposição e ao mesmo

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SESSÃO N.º 56 DE 17 DE ABRIL DE 1901 11

tempo falta completa de justificadas arguições contra a proposta de lei de que se trata.

Perguntou S. Exa. quaes são as condições economicas de que fala o relatorio. São as que resultam da possibilidade da collocação de uma industria, as que resultam das relações de offerta e de procura. É evidente que a limitação que se propõe no projecto é a que naturalmente resulta da concorrencia commercial.

Insistiu S. Exa. muito em mostrar que a proposta ministerial foi formulada sobre o parecer do Conselho Superior Technico.

É certo que elle, orador, se baseou sobre esse parecer; mas d'ahi até adoptar a sua doutrina, por completo, vae uma grande distancia.

Acceitou, por exemplo, a doutrina de que o bacalhau, pescado por navios portugueses e importado em certas e determinadas condições, deve ser considerado como mercadoria nacional, e isto não contradicta o que se diz no artigo 1.° da proposta. Todos sabem que a importação é um facto commercial, que nada tem com a origem da mercadoria; tanto se pode importar, para consumo, uma mercadoria nacional como uma mercadoria estrangeira.

Alem d'isto, como o Conselho Superior dizia achar-se esta industria, em virtude, até, de uma disposição transitoria, num verdadeiro estado de monopolio; como elle, orador, entende que o monopolio só se admitte, quando não haja mercado sufficiente de absorpção do producto, ou quando está constituido um verdadeiro monopolio de facto; e como não admitte que, em outras condições, a possibilidade da industria não esteja ligada á plena liberdade de completa concorrencia; e, por outro lado, nem o mercado interno era sufficiente para a absorpção do producto, nem havia possibilidade de elevar o consumo, alem de um certo limite; por todas estas razões entendeu que não havia razão para não se estabelecer a concorrencia.

Não concorda o illustre Deputado Sr. Espregueira com o direito de 12 réis, estabelecido no projecto; mas, por uma simples proporção arithmetica, verá S. Exa. que esse direito é exactamente o mesmo, que já existia em 1882.

(O discurso, a que este extracto se refere, terá publicado na integra, e em appendice, quando S. Exa. tenha revisto as notas tachygraphicas).

O Sr. Manuel Affonso de Espregueira: - O illustre Ministro não respondeu á pergunta que ou fiz, se foi ouvida.

O Sr. Ministro da Fazenda (Mattozo Santos): - Eu respondo a V. Exa., mas ha de permittir-me que eu defina a pergunta. Se V. Exa. me pergunta se eu vi o relatorio, declaro que vi; agora se me pergunta se fui ouvido, digo que não, nem tinha que o ser, e admira-me até que d'esse lado, de onde tanto se invocam as prerogativas parlamentares, venham perguntar se eu dei o meu consentimento a um acto que é meramente da commissão.

O Sr. Manuel Affonso de Espregueira: - Peço que se inscreva na acta que eu fiz esta pergunta perfeitamente definida ao Sr. Ministro - se foi ouvido?

O Sr. Ministro da Fazenda (Mattozo Santos): - V. Exa. quer que eu responda? Ouvido não fui, mas vi.

O Sr. Presidente: - Ámanhã ha sessão á hora regimental. A primeira chamada tem de fazer-se ás duas horas e a segunda ás duas e meia. A ordem do dia é a mesma que vinha para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram duas horas e dez minutos da tarde.

Documentos enviados para a mesa nesta sessão

Renovação de iniciativa e proposta de lei
a que se refere a mesma,
apresentada pelo Sr. Presidente do Conselho de Ministros

Renovo a iniciativa da proposta de lei n.° 141-A, apresentada á Camara dos Senhores Deputados da Nação, com data de 17 de julho de 1899, e publicada no Diario do Governo n.° 159, de 19 do mesmo mês e anno.

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, em 16 de abril de 1901. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Proposta da lei n.° 141-A, a que se refere a renovação de iniciativa

Senhores: - O desenvolvimento que as sciencias physicas tomaram nos ultimos tempos, o ambito extraordinario que a geologia alcançou, justificam plenamente as reclamações que o Conselho da Academia Polytechnica do Porto fez subir ao Governo para que a cadeira de physica seja dividida em duas partes, e a da geologia em outras duas, uma reservada á de geologia propriamente dita e outra á mineralogia.

D'essa nova organização no serviço resulta apenas a criação de dois logares de lentes; e se se attender ao augmento de propina de abertura e encerramento de matricula e ás propinas de trabalhos praticos que se propõem para servir de base á criação de demonstradores e repetidores, de que abaixo se fala, ficará assim criada receita sufficiente para os vencimentos dos dois novos lentes.

Demonstrou tambem o Conselho da mesma Academia a necessidade de serem criados logares de repetidores e demonstradores destinados a auxiliar o ensino naquelle estabelecimento de instrucção superior.

Desnecessario é patentear as vantagens d'estes auxiliares do ensino numa escola de applicação como a Polytechnica do Porto; quando não houvesse o exemplo das escolas estrangeiras da mesma indole, bastaria, para justificar a reclamação da Academia Portuense, o que se concedeu á Escola Polytechnica de Lisboa.

Demais, a criação que o Conselho da Academia Polytechnica reclama, não traz comsigo augmento de encargos para o Estado, por isso que, na propria Academia é criada receita para fazer face ás gratificações dos repetidores e demonstradores. Effectivamente, o Conselho Academico propõe que seja estabelecida uma retribuição especial, ou propina especial dos alumnos para os trabalhos praticos, como se faz em toda a parte e como está em uso ha bastantes annos na Universidade de Coimbra, onde os alumnos pagam 2$500 réis por mês no laboratorio chimico, o que perfaz em nove meses uteis 22$500 réis, só num gabinete.

O Conselho da Academia Polytechnica propõe, e o Governo adopta, que a matricula de trabalhos praticos em cada gabinete da Academia seja de 8$000 réis por anno lectivo, e assim aos alumnos que geralmente terão de frequentar dois gabinetes em cada anno lectivo é imposto o encargo de 16$000 réis; e que a propina de abertura e encerramento de matricula seja augmentada com mais 635 réis. Votados que sejam estes augmentos, ainda assim o ensino na Academia Polytechnica ficará incomparavelmente mais barato que o dos alumnos nas escolas similares estrangeiras.

D´esta forma, calculando em 330 os alumnos que frequentam a Academia, e que são obrigados a trabalhos praticos, colherá annualmente o Estado a receita de 5:489$550 réis. Ora, importando em 2:142$090 réis o vencimento annual de dois novos lentes, e sendo de 400$000 réis, tambem annuaes, a exemplo da Escola Polytechnica de Lisboa, o vencimento de cada um dos tres repetidores e dos dois demonstradores, importara estas despesas em réis 4:142$090. Temos, porem, a acrescentar ainda o dispendio de 1:274$000 réis annuaes, que ha a fazer com a reforma da secretaria do mesmo estabelecimento, de que adeante se trata, formando assim a despesa um total de 5:416$090 réis. É preciso, porem, notar que aquella receita é liquida, e que a despesa está sujeita a deducções, que ainda a reduzirá, podendo o saldo positivo ser applicado ao augmento e aperfeiçoamento do material de ensino.

A reforma da secretaria da Academia Polytechnica do

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Porto, tambem se impõe ha muito tempo como da mais absoluta necessidade. O desenvolvimento que este estabelecimento tem attingido, especialmente depois do decreto de 10 de setembro de 1885, augmentou consideravelmente os serviços da secretaria, que, como em 1837, ainda estão a cargo simplesmente de um secretario e de um amanuense pago pela verba da despesa variavel.

Na Escola Polytechnica de Lisboa o serviço da secretaria é desempenhado por um secretario, dois officiaes e dois amanuenses; e sendo na Polytechnica do Porto esse mesmo serviço desempenhado apenas por um secretario e um amanuense, facil é inferir-se a somma de trabalho que estes ultimos precisam desenvolver para conservarem com regularidade os serviços da sua repartição.

Demais, a esta desigualdade de numero accresce a desigualdade de remuneração e de condições, o que se não pode considerar justo entre empregados do mesmo Ministerio e de estabelecimentos congeneres. É, pois, indispensavel a fixação, pelo menos, de um quadro, em que esses dois funccionarios sejam equiparados aos de Lisboa; e bem modesta é esta proposta, por isso que, emquanto os vencimentos do pessoal da secretaria da Escola Polytechnica de Lisboa montam a 5:572$500, alem dos vencimentos de sete serventes e um continuo, distribuidos pelos varios estabelecimentos da mesma Escola, o que se propõe para o pessoal da secretaria da Academia Polytechnica do Porto não passa de 2:956$000 réis, havendo, portanto, uma differença para menos de 2:616$500 réis. Como acima fica dito, o augmento e criação de propinas que se propõe cobrirá estas differenças sem affectar os cofres do Estado.

Por todas as razões expostas, temos a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação a seguinte proposta de lei:

Artigo l ° São criadas na Academia Polytechnica do Porto duas novas cadeiras: uma de physica mathematica e outra de mineralogia na secção de philosophia.

§ unico. Para os cursos preparatorios de marinha e medicina apenas será exigida a approvação na cadeira de physica geral.

Art. 2.° No mesmo estabelecimento de instrucção superior são criados tres legares de repetidores para as cadeiras de mathematica e dois de demonstradores, respectivamente para as cadeiras de physica e chimica, aos quaes é arbitrado o vencimento ordinario de 400$000 réis annuaes.

§ 1.° O provimento d'estes logures será feito mediante concurso por provas publicas, prestadas perante o corpo docente do mesmo estabelecimento.

§ 2.º A primeira nomeação definitiva poderá recair, independentemente de concurso, sobre individuo que reuna capacidade para exercer o cargo, mediante informação do corpo docente e voto do Conselho Superior de Instruição Publica.

Art. 3.° Para fazer face aos encargos provenientes da criação d'estes logares serão augmentadas em 635 réis as propinas da abertura e encerramento da matricula, e é criada uma propina de matricula para trabalhos praticos, de 8$000 réis em cada cadeira onde esses trabalhos tenham de executar-se.

Art. 4.º Será liquidado o excedente das receitas, assim cobradas annualmente, e o saldo será exclusivamente empregado em augmento do material de ensino e melhoramento nos serviços academicos.

Art. 5.° Aos repetidores e demonstradores militares das escolas superiores é applicavel o disposto na carta de lei de 13 de março de 1884.

Art. 6.° O pessoal scientifico auxiliar dos gabinetes de mineralogia e geologia, de botanica e zoologia, actualmente existente na Academia Polytechnica do Porto, como assalariado, será equiparado em categoria e vencimento ao da Escola Polytechnica.

Art. 7.° O pessoal da secretaria da Academia Polytechnica do Porto compor-se-ha de um secretario, um official de secretaria, um guarda-mor, tres guardas subalternos e dois serventes, com os vencimentos consignados na carta de lei de 25 de agosto de 1887.

§ unico. O actual amanuense é promovido ao logar de primeiro official de secretaria e substitue o secretario nos seus impedimentos.

Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios do reino, em 17 de julho de 1899. = José Luciano de Castro.

RECEITA

Augmento de cada proprina de abertura e encerramento de matricula calculado sobre a media de 330 alumnos, a 635 por propina.................... 209$550

Propinas de trabalhos praticos nas cadeira de philosopbia e mathematica, calculadas sobre a media de 330 alumnos, a 8$000 réis por alumno e por cada gabinete......................................5:280$000 5.489$550

DESPESA

Dois logares de lentes, a 1:071$045 réis............ 2:142$090

Cinco logares de repetidores e demonstradores, a réis 400$000..................................2:000$000

Augmento de vencimento do pessoal da Academia Polytechnica, na secretaria.................... 1:274$000 5:416$090

A receita total de 5:489$550 réis é liquida e a despesa total de 5:416$090 réis é ainda sujeita a deducção.

Numero de alumnos matriculados nas cadeiras de phylosophia (Academia polytechnica) nos annos de 1894-1895 a 1898-1899

[...ver tabela na imagem]

Media geral = 774

Foi enviaria ás commissões de instrucção primaria e secundaria, superior e especial, e mandada publicar no Diario do Governo.

Representação

Da associação de classe dos Cortadores Lisbonenses, pedindo que seja auctorizada a livre importação de gados, a remodelação do imposto de barreira, a remodelação dos serviços e encargos do Mercado Geral e que se torne obrigatorio o recenseamento annual dos gados, e que se estabeleçam talhos reguladores dos preços das carnes.

Apresentada pelo Sr. Deputado Moreira Junior, mandada enviar ás commissões de administração publica, agricultura e de fazenda, e mandada publicar no Diario do Governo.

O redactor interino = Albano da Cunha:

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