O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 205

N.º 15

SESSÃO DE 17 DE MARÇO DE 1855.

PRESIDENCIA do Sr. JULIO GOMES DA SILVA SANCHES.

SECRETARIOS os Srs.

Carlos Cyrillo Machado

Luiz Augusto d’Almeida Macedo.

Chamada— presentes 68 srs. deputados.

Entraram durante a sessão — os srs. Archer, Castro e Abreu, Corrêa Caldeira, Macedo Pinto, Barros e Sá, Camarate, Fontes Pereira de Mello, Lopes de Mendonça, Barão d'Aguiar, Carlos Bento, Cesar Ribeiro, Cunha Pessoa, D. Francisco d'Almeida, Francisco Carvalho, Francisco Damazio, Castro e Lemos, Silva Pereira (Frederico), Pegado, Teixeira de Sampaio, Gomes Lima, Joaquim Guedes, Honorato Ferreira, Silva Pereira (Joaquim), Celestino Soares, Lobo d'Avila, Bilhano, Eça, José Estevão, Pestana, J. J. da Cunha, Luciano de Castro, Casal Ribeiro, Latino Coelho, Tavares de Macedo, Lourenço José Moniz, Nogueira Soares, e Novaes.

Faltaram com causa justificada—os srs. Affonso Botelho, Sousa Pires, Cesar de Vasconcellos, Quelhas, Emilio Brandão, Louzada, Pitta, Brayner, Barão d'Almeirim, Rebello de Carvalho, D. Diogo de Sousa, Faustino da Gama, Nazareth, Chamiço, Gomes da Palma, Soares de Azevedo, Pessanha (João), Soares d'Albergaria, Mamede, Pessanha (José), Ferreira de Castro, Silva Pereira (José), Moraes Pinto, Silva Vieira, Oliveira Pimentel, Cunha e Abreu, Moraes Soares, Paiva Barreto, Northon, e Visconde de Castro e Silva.

Faltaram sem causa conhecida — os srs. Calheiros, Gomes Corrêa, Themudo, Castro Guedes, Bento de Castro, Fonseca Moniz, Conde de Saldanha, Garcia Peres, Bivar, Pereira Carneiro, Baldy, Emauz, Passos, e Visconde da Junqueira.

Abertura — á meia hora depois do meio dia. Ado. — approvada.

Declarações.

1.ª—Do sr. Antonio Feyo, de que o sr. Moraes Pinto não póde comparecer á sessão de hoje, e talvez a mais algumas, por incommodo de saude.

A camara ficou inteirada.

2.ª—Do sr. Rocha, de que o sr. Chamiço não comparece á sessão de hoje, e talvez a mais algumas, por incommodo de saude.

A camara ficou inteirada.

Officios.

1.° —Da camara dos dignos pares, participando ler sido alli approvado o projecto de lei, que lhe enviou esta camara, concedendo o real beneplacito ás leiras apostolicas do Santo Padre Pio 9.° Ineffabilis Deus, o qual, convertido em decreto das côrtes, vae ser levado á sancção regia.

A camara ficou inteirada.

2.° —Do ministerio do reino, acompanhando a relação dos estudantes que, em cada uma das faculdades da universidade de Coimbra, não obtiveram informações em costumes nos ultimos cinco annos; satisfazendo assim a um requerimento do sr. Justino de Freitas.

Para a secretaria.

3.° —Do ministerio da justiça, acompanhando as cópias dos requerimentos do marquez de Niza e José Marcellin, pedindo que seja citado Thomaz da Costa Ramos & Companhia, como adjudicatario do projectado caminho de ferro de Aldeia Gallega ás Vendas Novas; satisfazendo assim a um requerimento do sr. Cunha Sotto-Maior.

A commissão de legislação.

Representações.

1.ª—Dos parochos dos concelhos de Mont'alegre e Boticas, apresentada pelo sr. Barão d'Aguiar, pedindo medida legislativa que fixe uma base justa e igual, para que a contribuição municipal directa, com que são onerados, se lhes torne mais equitativa e proporcional.

A commissão ecclesiastica.

2.ª—De algumas viuvas e orphãos de officiaes amnistiados em Evora Monte, que por terem fallecido anteriormente ao decreto de 23 de outubro de 1851, nem gosaram das suas vantagens, nem deixaram melhorada a sorte de suas familias, e pedem que lhes seja reconhecido este direito, votando-se a referida igualdade de montepio.

A commissão de guerra.

3.ª—Da camara municipal da Gollegã, pedindo que se façam no seu concelho as obras necessarias para impedir as invasões do Téjo.

A commissão de obras publicas.

O sr. Vellez Caldeira: — Pedi a palavra para chamar a attenção da commissão de obras publicas a este respeito.

No anno passado apresentou o sr. deputado José Estevão uma representação no mesmo sentido; eu tive a honra de a apoiar, e o sr. ministro das obras publicas prometteu tomar isto em consideração. Eu não podia esperar, porque não tenho a fortuna de privar com os srs. ministros, que o meu apoio á representação fosse attendido; mas esperava, que sendo este negocio apresentado pelo sr. José Estevão, merecesse este sr. deputado alguma attenção dos srs. ministros.

Sr. presidente, os campos da Gollegã estão muito sujeitos a serem inundados; estão quasi cheios de areia; e se assim continuarem, fica a agricultura inutilisada em toda a extensão dos campos da Gollegã; e os rendeiros serão obrigados a entregar as terras aos proprietarios. Esta camara, que se mostra tão zelosa por causa da má administração dos vinculos, não deve ficar indifferente, vendo que os bens publicos estão muito arriscados a ficarem, n'aquella localidade, absolutamente inutilisados. Para umas cousas vejo

Vol. III—Março—1855,

Página 206

206

muita sympathia, e para o bem geral, para objectos a respeito dos quaes é necessario que se adoptem immediatamente providencias, porque são objectos importantes e de utilidade geral, não vejo sympathias algumas!

Peço á illustre commissão de obras publicas que dê toda a attenção a este negocio. Não se trata de dois, tres ou quatro individuos, trata-se de uma propriedade de tanto valor, como é a dos campos da Gollegã.

EXPEDIENTE

a que pela mesa se deu destino.

Requerimentos.

1.° —Requeiro que se peça ao governo, pelo ministerio das obras publicas, informe a esta camara das sommas postas á disposição do director das obras publicas do districto da Guarda, para a factura das estradas n'aquelle districto; outrosim quaes foram as causas por que se suspenderam os trabalhos principiados entre a Jijua e Celorico n'aquelle districto. = Fonseca Castello Branco.

2.° — Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, sejam remettidas a esta camara as representações, que o delegado do thesouro no districto do Funchal, ou qualquer outro funccionario, ou corporações, tiverem enviado ao governo, pedindo para os devedores á fazenda nacional a renovação do beneficio concedido pelo decreto de 26 de novembro de 1836, em attenção ás circumstancias excepcionaes e deploraveis d'aquelle districto. = Silvestre Ribeiro.

Foram remettidos ao governo.

O sr. Presidente: — Um cidadão muito respeitavel, commissionado dos lavradores dos concelhos de Villa Franca e Alhandra, prejudicados pela cheia que ultimamente teve logar, encarregou-me de apresentar á camara um requerimento, em que elles pedem providencias para que lhes sejam fornecidas as sementes de que carecem, e soccorros pecuniarios para compra de gados.

A este requerimento dar-se-ha o competente destino na seguinte sessão.

O sr. Pinto d'Almeida: — Pedi a palavra para chamar a attenção da commissão de foraes, e pedir-lhe com a maior instancia, que dê o seu parecer sobre uma proposta que apresentei na sessão de 18 de janeiro d'este anno. A minha proposta é para a permissão de remissão, aos emphyteutas dos foros, de corporações de mão morta. Ainda hoje recebi uma representação que me foi enviada por um grande numero de lavradores do concelho de Evora (são quarenta e seis os que assignam este requerimento), que eu não tenho a honra de conhecer; mas fallei com um illustre college nosso, o sr. Rivara, que me disse, que eram os principaes lavradores d'aquelle concelho; e os signatarios d'esta representação pedem-me que empregue todos os esforços para que a commissão de foraes dê, quanto antes, o seu parecer sobre a minha proposta.

Eu entendo que a unica maneira de nós fazermos alguma cousa, é sairmos do cahos em que se acha a questão dos foraes, é approvar aquella minha proposta. Assim se fará beneficio não só aos emphyteutas, mas tambem aos senhorios, os quaes nada vem a perder com essa remissão, porque, pela minha proposta, permitte-se remir os foros por inscripções da junta do credito publico. Estou certo de que a commissão terá em consideração o meu pedido; mas não posso, nem devo deixar de continuar a solicitar da illustre commissão que dê, quanto antes, o parecer sobre esta minha proposta.

Agora, sr. presidente, aproveito esta occasião para declarar a V. ex.ª e á camara, que desisto da interpellação que tinha annunciado ao sr. ministro da guerra, a respeito do atrazo de pagamento aos officiaes em disponibilidade, pertencentes á segunda divisão militar; e desisto, porque s. ex.ª o sr. ministro me subministrou um documento, pelo qual vejo que se pagaram áquelles officiaes os mezes de novembro e dezembro, que eu dizia que não tinham sido pagos, quando effectivamente estão pagos. Assim como estou prompto para accusar, quando me parecer que o devo fazer, assim estou igualmente prompto a fazer a devida justiça a quem a tem; agradeço ao sr. ministro a pontualidade com que mandou satisfazer o pagamento áquelles desgraçados.

O sr. Mello e Carvalho: — A commissão de foraes alguns trabalhos já tem encetado sobre diversos projectos e representações que lhe tem sido apresentados, e cedo ha de apresentar o resultado de seus trabalhos; mas é necessario confessar, e a! camara sabe-o muito bem, principalmente os homens que! são versados na materia, que não se póde elaborar um parecer sem a meditação e reflexão devida; a materia é em si mesmo difficil, e torna-se tanto mais difficil, quanto que os interesses são oppostos: uns dizem-se prejudicados, sem realmente o estarem; outros entendem que a lei carece de interpretação, em quanto outros dizem, que não precisa de interpretação, e outros ha que já islão na téla judicial, e são muitos pleitos. Portanto, isto é objecto muito serio, além de que, esta camara sabe que devemos considerar que alguns foraes formam receita geral do estado; e não se póde bolir em receitas do estado sem muita meditação e consideração, e sem ir de accôrdo, n'esta parte, com o governo; emfim, ha mil outras circumstancias a que é preciso attender. A commissão tem já alguns trabalhos preparados, e ha de apresenta-los com a maior brevidade possivel.

A proposta do illustre deputado o sr. Pinto d'Almeida já foi considerada pela commissão; já foi vista e examinada, e logo que a commissão se possa reunir outra vez, dará conta á camara do resultado de seu exame. É o que, por parte da commissão, posso dizer ao illustre deputado.

O sr. Pinto d'Almeida: — Agradeço ao illustre deputado o sr. Mello e Carvalho o favor que me fez de responder ao que eu disse; mas lembro a s. ex.ª que não proponho a reforma completa da lei dos foraes, nem peço a interpretação da lei de 26 de julho de 1846- Peço que a commissão dê o seu parecer sobre a minha proposta, rejeitando-a, ou approvando-a. Peço com instancia a s. ex.ª que tome este negocio da minha proposta na sua especial consideração.

O sr. Silva Maya: — Não é sem repugnancia que uso da palavra para fallar em objecto de bastante interesse para a cidade do Porto.

Eu peço a V. ex.ª que desperte da illustre commissão de fazenda a apresentação do seu parecer sobre um projecto de lei apresentado por mim na sessão do anno passado. Este projecto importa o entregar-se á associação commercial do Porto parte da quotisação que tinha applicação para o estabelecimento de salva-vidas, a fim de aquella associação continuar na edificação da praça, ou bolsa commercial d'aquella cidade. Este projecto foi assignado por varios srs. deputados, amigos meus, os srs. Cyrillo e Mamede; e estou certo que os srs. deputados do Porto, que estão n'esta camara, não deixarão de apoiar este meu projecto.

Desde 1853 até hoje, da ametade da quotisação que foi offerecida condicionalmente para o estabelecimento do salva-vidas, não tem revertido nada para as obras da bolsa; acha-se reduzida a quotisação para a obra d'aquella praça apenas á ametade do producto do imposto destinado para este fim.

Não posso deixar de pedir a V. ex.ª que insista com a illustre commissão de fazenda para apresentar o seu parecer sobre o meu projecto. Está proxima a discussão do orçamento; é um objecto importante; parece-me que não póde haver a menor duvida da parte da commissão de fazenda em apresentar o seu parecer. Não estou bem certo, mas parece-me que foi na sessão de 21 de junho de 1853, que s. ex.ª o sr. ministro da fazenda, perguntado por mim sobre a intelligencia da lei respectiva, s. ex.ª declarou, que dava á lei a mesma intelligencia que eu dava, isto é, que tirada a parte da quotisação, que tinha applicação para o estabelecimento do salva-vidas, o resto devia reverter para a associação commercial. Foi esta a intelligencia que lhe deu o sr. ministro da fazenda, e creio que é a mesma que

Página 207

-207-

lhe dará a commissão de fazenda; e é a mesma que eu lhe dou no meu projecto; comtudo é preciso fixar definitivamente esta applicação, por quanto desde 1853 até hoje se tem distrahido aquelle dinheiro da applicação que devia ter; e pela conta da gerencia dada ultimamente pela associação commercial, ve-se que, desde 1853, oito contos e tanto cada anno têem entrado nos cofres do estado, desviados assim da applicação devida. Por consequencia, peço a V. ex.ª queira ter a bondade de solicitar da illustre commissão de fazenda a apresentação do parecer sobre aquelle meu projecto.

Uso tambem da palavra para pedir a V. ex.ª queira despertar a attenção da illustre commissão de legislação, onde me parece que está pendente outro meu projecto sobre pensões; objecto importante, não só digno de ser considerado por esta camara, como de ser considerado pelo governo e por todos, e em que' se trata de regular o modo como deve ter logar 'a concessão de pensões, o que deve ser considerado como uma especie de direito moral para as familias d'aquelles que serviram o estado. (Apoiados.)

Aquelles que serviram o estado, ou que por effeito d'esse serviço mereciam uma recompensa; ou aquelles que encaneceram no serviço da patria, parece-me que teem adquirido um direito moral a que a nação olhe pelas suas familias. (Apoiados.) Esse direito ninguem o desconhece, mas até agora não tem havido lei alguma que o regule. Eu tomei a liberdade de apresentar á camara em uma das sessões passadas um projecto de lei a este respeito; esse projecto foi enviado á commissão de legislação, e segundo fui informado passou d'ahi á commissão de fazenda. Depois de alguns mezes de demora n'esta commissão, voltou á commissão de legislação, com a simples indicação de que « commissão de fazenda não tinha nada a dizer por ora sobre este objecto. Até hoje a commissão de legislação nada tem resolvido sobre este meu projecto; e eu não posso deixar de instar com todas as minhas forças, e pedir a V. ex.ª queira ler a bondade de solicitar da illustre commissão de legislação, que apresente á camara um parecer ácerca d'elle. (Apoiados.)

Este objecto de pensões é um objecto muito importante. Ha pessoas e familias que teem direito, a ellas, mas para a concessão é preciso regular definitivamente esse direito.

Resta-me ainda usar da palavra sobre a necessidade da apresentação de um parecer ácerca de outro projecto por mim apresentado a esta camara, para a classificação da divida fluctuante. Esse projecto foi remettido á illustre commissão de fazenda, e lá está, creio eu, desde o anno passado, sem nenhum andamento; e por isso não posso deixar de despertar "a attenção d'aquella illustre commissão, e pedir a V. ex.ª que solicite d'ella que apresente á camara o seu parecer sobre o meu projecto.

Sr. presidente, se a iniciativa dos deputados n'esta camara não é um nome vão estou no meu direito pedindo a V. ex.ª, e com todas as minhas forças, que tenha a bondade de solicitar das illustres commissões d'esta casa os seus pareceres sobre os projectos que apresentam os deputados. E n'esta occasião não posso deixar dê o fazer a respeito dos projectos por mim apresentados, pedindo ás illustres commissões, a que me refiro, queiram dar os seus pareceres sobre elles. A camara é a competente para julgar do merecimento d'esses projectos,

O sr. Vellez Caldeira: — Sr. presidente, a camara sabe muito bem, e sabem todos que o governo nomeou uma commissão externa da camara para dar o seu parecer sobre a concessão de pensões. A commissão de legislação precisava ouvir o governo, e tem pedido a sua opinião sobre este assumpto; mas a commissão de legislação não póde dar parecer algum, sem que aquella commissão ou o governo apresente o resultado dos seus trabalhos. (Interrupção do sr. Bordallo.) Aqui me diz um meu collega, que por parte da commissão de legislação se acaba de lavrar o parecer n'este mesmo sentido.

O sr. Presidente: — Deu a hora de entrarmos na ordem do dia; fica por conseguinte pendente este incidente, e reservada a palavra para antes dá ordem do dia, áquelles senhores que se acham inscriptos.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — A rasão que se deu hontem para se entrar logo na discussão do projecto n.° 87, dá-se tambem hoje, e parece-me por isso que a camara quererá que hoje se faça o mesmo que hontem, que é passar-se á discussão do projecto n. 87. (Apoiados.) N'esse caso tem a palavra, que lhe ficou reservada para continuar o seu discurso, o sr. Forjaz, sobre o artigo 3.°

O sr. Forjaz: — Sr. presidente, eu senti não poder acabar hontem o meu arrazoado, as mal alinhavadas expressões que tinha principiado, porque a camara, quando a qualquer deputado fica reservada a palavra para o dia seguinte, tem rasão para esperar um discurso bem elaborado, e ainda melhor estudado; entretanto o estado da minha saude não me permittiu alcançar idéas novas sobre este objecto... (Pausa.) nem estudar palavras, trabalho penosíssimo e a que nunca pude acostumar-me, nem ligar o fio das idéas que expuz hontem com as que tenho de expor hoje.....(Pausa. — Havia grande sussurro na sala, e o orador mudou de logar para estar mais perto dos tachigraphos.)

Sr. presidente, se V. ex.ª me dá licença, fallarei fóra do meu logar, porque o grande sussurro que ha na sala não permitte que eu seja ouvido, e desejava que os srs. tachigraphos podessem tomar nota exacta das minhas palavras...

(O sr. presidente pediu attenção.)

Limitar-me-hei unicamente a recopilar em poucas palavras as idéas que tinha apresentado hontem, e concluirei por mostrar as rasões que me levam a combater uma parte do artigo em discussão, com quanto eu tivesse pedido a palavra a favor, com o fim de sustentar, além do n.° 1.° do artigo, o principio geral que julgo ter presidido á redacção d'este artigo.

Principiava hontem pedindo á camara toda a sua attenção sobre a contradicção que se nota entre a disposição do artigo 3.° e a do artigo 1.° d'este projecto, contradicção que, se não e verdadeira, pelo menos é apparente, porque, se o artigo 1.° apresenta' uma prescripção que parece envolver a abolição obrigatoria dos vinculos, parece conclue-se do artigo 3.°, que esta abolição é puramente facultativa; desde que se permitte que alguem possa requerer a abolição dos vinculos; todas as vezes que a abolição dos vinculos fica dependente da vontade de alguem, não póde dizer-se que a abolição seja obrigatoria, como todavia inculca o artigo 1.°

Ou a mente da camara foi abolir os vinculos por força e virtude da lei, ou conceder sómente o direito de os fazer abolir. Qualquer que fosse o pensamento da camara, é preciso declara-lo, harmonisando os dois artigos. Se quiz que os vinculos, que não rendem mais de 1:000$000 réis, ficassem ipso jure abolidos, faça intervir o ministerio publico, para que fiscalise a observancia da lei; e então o artigo 3.° torna-se inutil. Se quer que a abolição possa ser promovida, mas não imposta, reconsidere o artigo 1.°, dizendo que os vinculos, cujo rendimento não é superior áquella taxa, poderão ser abolidos. Eu tambem quizera que a camara reconsiderasse o mesmo artigo 1.° debaixo de um outro ponto de vista. E não tenha a camara medo das reconsiderações. Eu, sr. presidente, nunca me envergonho de reconsiderar. Quando a reconsideração é imposta por alguem, e especialmente se este alguem é o poder, a reconsideração então, e só então, é odiosa; mas quando a reconsideração é filha de intima convicção, e esta convicção é um resultado da reflexão, do raciocinio, da meditação, e fundada em motivos, a reconsideração é louvavel, e a ninguem deve envergonhar. Eu direi com um dos primeiros homens do nosso paiz, cuja

Página 208

-208-

modestia me permittirá que pronuncie n'este logar o seu nome, direi com o sr. Alexandre Herculano n'uma de suas obras, que nunca me envergonho de reconsiderar, porque não me envergonho de pensar e reflectir.

Sr. presidente, depois de se terem combatido os vinculos especialmente pelo lado economico, quando todos os que não estamos cegos com este parecer esperavamos ver tirar a consequencia logica d'estes principios, abolindo-se ou todos os vinculos, como coherentemente propoz o sr. Pinheiro Osorio, ou, pelo menos, aquelles em que se davam em maior gráu, os inconvenientes d'esta instituição, como tive a honra de propor; pelo contrario vi que eram abolidos os vinculos que ou não eram prejudiciaes, ou em que não se davam em subido gráu aquelles inconvenientes. Parece-me pois necessario que não sáia d'esta camara um projecto que está em opposição com o que se disse, quando se tratou da generalidade dó mesmo projecto. E não venha o illustre deputado, o sr. Moraes Carvalho, • não obstante o muito que respeito s. ex.ª, argumentar com a authoridade do marquez de Pombal e de Mousinho da Silveira. O tempo das authoridades já passou, o ipse dixit de Pithagoras perdeu de moda; e á authoridade, aliás respeitavel, d'aquelles dois ministros tambem eu podia oppor a de grandes economistas, que não aconselham que se extingam vinculos pequenos, para se conservarem vinculos tão grandes como os que ficam subsistindo em Portugal, se o artigo 1.° não for alterado.

Mas, sr. presidente, a authoridade d'estes dois grandes homens não justifica o pensamento do artigo 1.°, porque o pensamento e os principios que dictaram alei de 1770 e o decreto de 1832 não são os mesmos que presidiram á discussão d'este parecer. O Marquez de Pombal e Mousinho da Silveira consideraram nos vinculos uma instituição necessaria para sustentar a nobreza e representar a riqueza; OS illustres deputados, pelo contrario, que tomaram tão activa parte na generalidade do parecer, consideraram as desvantagens d'esta instituição, principalmente, pelo lado economico, pelos prejuizos que os vinculos causam, ao menos em these, á agricultura, retirando da circulação quantidade de terras, e favorecendo o desaproveitamento d'estas; e tanto assim foi. que não duvidaram affirmar e insistir em que a riqueza não consiste na vinculação das terras; em que as grandes fortunas, que avultam hoje em Portugal, não procedem de morgados; e em que não é a riqueza hereditaria, alcançada por estas vinculações, quem sustenta hoje a camara dos pares.

E portanto, se os illustres deputados não só não justificaram os vinculos pelo lado economico, mas os condemnaram mesmo pelo lado politico, contra o que fizeram o Marquez de Pombal e Mousinho da Silveira na lei de 1770 e no decreto de 1832, como querem agora que se julgue muito coherente com estes principios a disposição do artigo 1.°, cm que se condemnam os vinculos que não merecem condemnação nenhuma, e se justificam (porque se não extinguem) os que têem todos os inconvenientes?

Tambem no meu arrasoado de hontem me parece ter mostrado as rasões que justificam a opinião relativa a ser a abolição facultativa e não obrigatoria. Eu disse que votaria de muito melhor vontade pela abolição obrigatoria, porque era, ao menos, orna medida rasgada, e o espirito do parecer está, pelo contrario, um pouco encoberto; creio que o pensamento do parecer é que a abolição seja facultativa, e, n'este presupposto, é que me inscrevi a favor do parecer, mas não posso fazer uni perfeito juizo ele qual seja, á vista dos artigos 1.° e 3.°, o verdadeiro pensamento do projecto ácerca d'esta questão.

Eu votaria tambem de muito melhor vontade pela abolição de todos os vinculos; mas eram necessarias para isso duas circumstancias, que não existem; a primeira era, que o governo tomasse a iniciativa n'este projecto, e munido ele todos os dados estadísticos viesse dizer á camara a quantidade e qualidade dos vinculos, o rendimento que produzem actualmente, e o que provavelmente poderiam produzir, se fossem desvinculados; quaes os recursos que o thesouro lira d'estes bens, e quaes as que, a maior, tiraria sendo declarados allodiaes, se os bens vinculados estavam ou não estavam cultivados e aproveitados, e se o desaproveitamento d'elles era devido á vinculação, ou qual a causa que para isso se clava. E assim que eu entendo que esta questão devia ser tratada; mas abolir vinculos em Portugal, em Portugal, onde esta instituição está tão arreigada, e identificada com os habitos do povo, e com o systema de legislação, fazer uma reforma que cantraría tudo isto sem una profundo exame e cabal conhecimento de todos estes dados, parece-me imprudente. Eu quereria tambem que, antes de fazer esta reforma obrigatoriamente, primeiro se aplanasse o caminho para ella. Estabelecer uma reforma em qualquer ramo de administração publica, sem lhe ter aplanado primeiro o caminho, parece-me perigoso.

Pretende-se distribuir pequenas g ebas de terra por muitas mãos; muito bem; mas é preciso que a todas estas pessoas, que se pretende beneficiar, se prestem os meios de haverem capitaes para aproveita-las, porque só assim é que essa reforma póde offerecer um bom resultado; mas os filhos segundos que não têem outros meios senão a protecção benefica de seus irmãos mais velhos, como hão de cultivar essas terras? Se houvessem entre nó; esses famosos bancos territoriaes, essas grandes associações agricolas, as quaes, garantindo aos capitalistas meio prompto e seguro de se reembolsarem do capital e juros pela hypotheca commum dos bens de todos os associados, animassem os capitalistas a abrir seus cofres sem usura; sem usura, sr. presidente, porque o juro baixa com a certeza do pagamento, ainda muito bem; era por esse modo que as filhos segundos podiam encontrar os capitaes para cultivar; mas pensam os illustres deputados que, não havendo estes bancos, será facil haver estes meios por um juro modico? E persuadem-se que, na falta d'estes bancos, os capitalistas abrirão seus cofres, confiarão seus fundos com juro modico, só porque o pede o bem da agricultura? Estão muito enganados, se esperam d'elles tão santa abnegação de seus interesses. Aboli por força de lei os vinculos, e em troco do beneficio e protecção que pretendeis dar aos filhos segundos, vereis absorver no sorvedouro da agiotagem a sua unica riqueza.

Mas falta-nos tambem outra circumstancia; eu queria que esta camara se convencesse que, para esta reforma ter bom resultado, era necessario que n'este paiz tivessemos em estado regular, não só as estradas geraes e reaes, mas as districtaes e vicinaes. Não são sómente as estradas geraes e reaes as que mais interessam á circulação; as estradas distritaes e vicinaes são tão importantes como aquellas, porque por ellas podem os lavradores transportar os generos cios seus districtos, dos seus logares aos mercados geraes. (Apoiados.) A communicação das aldeias entre si no sertão das provincias, a ligação d'estas aldeias com os centros do commercio por meio de estradas que vão entroncar nas estradas reaes, é uma necessidade que ninguem póde disputar. (Apoiados.)

Desde 1846 que se falla em estradas, e se tem trabalhado muito em estradas; e se o governo de então deu, como não póde negar-se, principio a esta grande fonte de riqueza publica, é tambem necessario confessar que o governo actual segundou perfeitamente, e tem preenchido as vistas d'aquelle. Oxalá, sr. presidente, que as grossas sommas que desde 1846 até hoje tem sido construidas improductivamente em successivas revoluções, se tivessem consumido productivamente n'estes melhoramentos materiaes, que de certo teriam dado muito melhor proveito, e teriam talvez removido um dos inconvenientes que hoje se encontram para se poder por em pratica a reforma dos vinculos.

Tudo isto se podia ainda remediar, se a educação dos filhos segundos tivesse sido differente da que geralmente se lhes tem dado, ou se o genio do povo portuguez fosse mais industrioso. Mas os filhos segundos, educados até agora debaixo da benefica protecção de seus paes ou de seus irmãos mais velhos, tendo a certeza de encontrar sempre alli o pão nosso de todos os dias, não vendo, ordinariamente, diante

Página 209

-209-

de si outro futuro; e dizer o contrario disto, sr. presidente, é desconhecer o que effectivamente acontece, ao menos, n'algumas provincias, creados e educados á grande, porque os irmãos mais velhos (salvas rarissimas e odiosíssimas excepções) repartem com elles suas riquezas; os filhos segundos sem capitaes, sem meios de os haver, sem educação propria, mesmo, pela sua parte, sem genio industrioso, ficariam n'uma condição muito mais penosa do que a situação em que o systema dos vinculos os colloca hoje. Mesmo seu genio industrioso, disse eu, sr. presidente, porque, e é verdade, o genio do povo-portuguez não é industrioso. Não sei onde li, sr. presidente, mas li n'um escriptor que mostrava conhecer bem as tendencias e indole do povo da Peninsula, que o povo portuguez e o hespanhol era um povo de fidalgos, e não linha, como o povo inglez, a tendencia natural para a industria: percorrei, se vos não convenceis d'isso, as nossas provincias, ide á provincia da Beira, que eu conheço mais que as outras, e vereis por toda a parte vegetar apenas a-industria, e mesmo a agricultura, através dos preconceitos e dos prejuizos da nobreza. Ide a Coimbra, que vós conheceis todos, e ahi achareis o homem da classe mais infima do povo, julgando-se desprezado, e sem consideração nenhuma na sociedade, porque não tem um-filho que trajo batina, ou que seja doutor!

Faltando todas estas circumstancias, indispensaveis para que a reforma vincular surta bom effeito, e já que a camara insiste em que sejam abolidos alguns vinculos, apezar d'esta reforma não estar justificada pelas circumstancias do paiz, soffra-se do mal o menos, e seja facultativa a abolição. Deixemos, ao bom senso das pessoas, a quem for permittido requerer a abolição dos vinculos, o promoverem ou não esta abolição, segundo virem que pela abundancia ou falta de capitaes e de meios de os haver; pelo conhecimento de suas proprias circumstancias e das circumstancias especiaes dos bens vinculados; pela facilidade ou difficuldade de consumir productivamente n'outro ramo de industria o valoradas terras; pela propria vocação mesma, ou por quaesquer outras, considerações, a desvinculação é conveniente ou prejudicial á agricultura. Não nos persuadamos, já o disse hontem, sr. presidente, que ninguem queira ser pobre para ser morgado; e hoje especialmente que as idéas da moda fazem consistir, bem ou mal, feliz ou desgraçadamente (não entro n'essa questão) a nobreza não no sangue, não na educação, não nos pergaminhos, mas nos capitaes, não receiem os illustres deputados, que tanto se assustam com a vinculação das terras, que se algumas terras for conveniente desvincular, essas continuam a ser vinculadas. O que eu quizera, sr. presidente, era que por fórma alguma fossem admittidos a promover a desvinculação os herdeiros do administrador, aos quaes todavia pelo n.° 2.° do artigo se confere este direito; receio muito, sr. presidente, que elles promovam inconsiderada e imprudentemente esta desvinculação. Como elles têem a certeza de que necessariamente hão de ter um quinhão na distribuição dos bens que se desvincularem, receio muito que vão requere-la inconsiderada, irreflectidamente, sem terem conhecimento das circumstancias pelas quaes, e só por ellas, se póde avaliar a vantagem ou desvantagem d'ella para a agricula. arrastados sómente pela cegueira do seu interesse. Quantas vezes, sr. presidente, não ha de acontecer que um administrador activo, zeloso, intelligente, um verdadeiro lavrador, não se atreverá a pedir a desvinculação, porque entende que a vinculação é preferivel, ou porque o seu successor tem as mesmas qualidades, a mesma aptidão, os mesmos bons desejos de aproveitar os bens, ao mesmo tempo que um herdeiro desleixado, sem zêlo, sem vocação para a agricultura poderá, unicamente com a mira no interesse, para poder alcançar um quinhão na distribuição dos bens, pedir a desvinculação contra a vontade do administrador, o unico que podia e dévia apreciar bem as vantagens e desvantagens de um ou outro systema, da vinculação, ou da desvinculação?! Por isso eu quizera que. o direito de pedir a desvinculação fosse concedido exclusivamente áquelle que está nas circumstancias de poder avaliar bem a vantagem ou a desvantagem da vinculação, e esse e a meu ver o administrador.. Parece-me mais, que esta disposição, permittindo aos herdeiros o poderem pedir a desvinculação, é, e deve ser, inutil,_ porque.eu confio tanto na moralidade e na religião das familias, que não me atrevo a suppor que.um filho possa pedir a desvinculação contra vontade de seus paes, faltando-lhes ao respeito; que um irmão desconsidere seu irmão que um herdeiro se levante contra seus parentes. A harmonia das. familias é o maior e mais forte esteio da sociedade. Em, vez de fomentar a desordem entre as familias; crear inimisades e odios entre parentes; promover a desobediencia dos filhos a seus paes, a lei deve promover a harmonia das familias, que e a principal origem da felicidade e da tranquillidade publica; o n.° 2.° d'este artigo, sr. presidente, desconhece os mais nobres e mais intimos sentimentos do coração humano;-vae promover a desobediencia dos filhos aos paes, levantar as desordens no seio das familias, quebrar os mais santos laços que devem prender os parentes; se for executado, o que me parece difficil, será de gravissimo prejuizo para a sociedade.

Approvo inteiramente, sr. presidente, a segunda parte do n.° 1.° d'este artigo, e nem podia deixar de lhe prestar todo o meu assentimento. Diz ella —que todo o administrador póde pedir a abolição do vinculo sómente quando for maior. — Ouvi apresentar contra esta disposição, um argumento da parte d'aquelles srs. deputados, que assignaram vencidos quanto ao n.° 1.° do artigo 3.° Disseram os srs. deputados, que ao conselho de familia, pelas pessoas que o formam, e pela natureza da sua missão, devia tambem ser concedido promovera desvinculação porque estava encarregado de outros objectos tão importantes como este. Eu discordo inteiramente do sentir dos illustres deputados. Por isso mesmo que este objecto é tão grave, por isso mesmo que influe tanto na felicidade futura dos que se hão de seguir ao administrador; por isso que póde ter não influencia muito grande no futuro mesmo da sociedade, é que eu quero que só o administrador possa pedir a desvinculação, quando estiver em perfeito uso das suas faculdades, e, por consequencia, poder apreciar devidamente as conveniencias ou inconveniencias da desvinculação E seria mesmo uma contradicção em mim, se, tendo-me declarado contra a interferencia dos herdeiros n'este objecto, tendo manifestado o receio de que promovam inconsideradamente a desvinculação, eu fosse dar esse direito ao conselho de familia, de que elles fazem parte, porque sabe a camara, melhor do que eu, que o conselho de familia, forma-se, pelo menos ordinariamente, das pessoas mais proximas do administrador. Sr. presidente, eu concluirei sustentando algumas das substituições e additamentos que mandei para a mesa, e que têem uma relação intima com este artigo. Ao n.° 1.° deste artigo fiz eu o seguinte additamento. (Leu.)

Entendo que, se não é absolutamente necessario, ao menos seria muito conveniente o acrescentarem-se estas palavras ao n.° 1.° do artigo 3.°, porque effectivamente tem-se suscitado questões sobre se os administradores, que o não eram ao tempo do decreto de 1832, mas que depois entraram na administração, são considerados incluidos na expressão geral administradores actuaes, d'este mesmo decreto de 1832, e porventura póde acontecer, e consta-me que tem acontecido, haver administradores que g não eram em 4 de abril de 1832, mas que depois, entraram na administração, os quaes requereram a desvinculação por não teremos vinculos o rendimento mencionado n'aquelle decreto, e oppoz-se-lhes a incompetencia por, isso que não eramos administradores de que fallava o decreto de 1832. (O. sr. Mello Soares:—Em que-juizo-seria.-.. só na Turquia....) Não posso dizer o juizo em que foi, nem posso affirmar se é verdade, mas ouvi (onde, não é preciso dizer) que um administrador, n'aquellas circumstancias, requerêra a desvinculação, e que o successor, unico parente que tinha, se oppozera a isso com aquelle-fundamento. Póde assim ser, e basta poder ser para dever esclarecer-se esta parte do decreto de 1832; e

Página 210

— 210 —

ainda quando não seja absolutamente necessario, creio que não resulta inconveniente nenhum de se estabelecer uma medida que póde esclarecer um ponto de direito.

Ao n.° 2.° apresentei a seguinte substituição. (Leu.)

Parece-me que não é preciso fazer um grande discurso, nem adduzir muitos argumentos para provar a necessidade de respeitar os direitos adquiridos. O respeito aos direitos adquiridos é um principio que nenhuma legislação de paiz civilisado ousou ainda contrariar. E nem nós podemos deixar de os respeitar em toda a sua plenitude, porque a carta constitucional manda, que as leis não tenham effeito retroactivo, e este projecto, quando fosse reduzido a lei, effectivamente teria um effeito retroactivo, porque tirava direitos a pessoas que os tinham em virtude da lei de 1770.

E eu, sr. presidente, não levo tão longe os direitos adquiridos, que comprehenda n'elles toda e qualquer esperança, como me parece ter ouvido ao sr. Elias da Cunha Pessoa, quando disse = que havia unicamente duas opiniões a este respeito; uns que pretendiam que no objecto de vinculos não houvesse nenhuns direitos adquiridos, e outros que queriam que se considerasse como direitos adquiridos toda e qualquer esperança. = Creio que o illustre deputado se referia a mim; entretanto, este não é o fim, nem a letra, nem o espirito da minha substituição. Eu quero unicamente que se respeitem os direitos que estão legal e irrevogavelmente adquiridos; os direitos cujo exercicio não depende de eventualidades; os direitos que as pessoas, a respeito das quaes elles se dão, têem a certeza de que necessariamente hão de ser exercidos por ellas, sem que eventualidade alguma lh'os possa fazer perder. Quando este projecto for convertido em lei, as pessoas que n'essa occasião tiverem direito a succeder em vinculos por virtude da lei de 1770, sem duvida alguma têem direitos adquiridos, e são esses direitos que eu quero que se respeitem... Essas pessoas ião, na linha descendente, os primogenitos, em cada um dos graus d'esta linha, ena transversal, se n'aquella não houver ninguem, o irmão immediato, e na sua falta o filho mais velho d'este, em uma palavra, os sobrinhos do administrador, aos quaes competir a successão nos termos da lei de 1770, que citei na minha substituição. Convertido em lei este projecto, abolidos os vinculos por virtude d'elle, as pessoas que mencionei têem effectivamente direito adquirido ao vinculo, porque o exercicio d'este é garantido pela lei de 1770, e não está dependente de nenhuma eventualidade. A morte do administrador não é eventualidade que se conte para embaraçar a acquisição d'estes direitos.

O outro additamento que mandei para a mesa é o seguinte. (Leu.) Versa, como se vê, n'um ponto interessante de direito, e a sua resolução não é deslocada deste logar. Eu estou persuadido, sr. presidente, que o caso não é tão claro que seja desnecessario tomar uma resolução a este respeito, e um illustre deputado, com o qual, devo declarar á camara, não tive a mais pequena combinação a este respeito, veiu offerecer exactamente a mesma idéa, prova evidente de que não é só n'uma provincia, n'um juizo que apparecem estas difficuldades, mas que apparecem em differentes provincias e em differentes juizos. A meu ver, o ponto é muito questionável; o caso é o seguinte: um administrador tinha dois sobrinhos, um é filho do irmão immediato do administrador, outro é filho do irmão mais novo; os dois irmãos do administrador morreram; estes dois sobrinhos succedem por direito proprio, ou por direito de representação? Se succedem por direito proprio, prefere no vinculo o mais velho, ainda que este seja filho do irmão mais novo do administrador, porque a lei de 1770 chama á successão dos vinculos pela ordem da idade; mas, pelo contrario, se elles succederem por direito de representação, póde succeder o mais novo, se esse mais novo for filho do irmão immediato ao administrador, porque o direito de representação é uma ficção, pela qual um succede nos direitos em que succederia outrem que elle representa; e, portanto, dos dois primeiros succede o mais novo, representando seu pae, que, a viver, succederia ao administrador.

Eu sei, sr. presidente, que a pratica é esta mesma que eu exarei na minha proposta; mas, como o ponto é questionável, e alguns illustres deputados que me precederam fizeram á camara as mesmas considerações que eu fiz, o pediram que se estabelecesse uma medida decisiva a este respeito, parece-me que, pelo menos, não ha inconveniente nenhum em que a camara resolva este ponto no sentido que é o espirito da lei de 1770, e que é o unico geralmente adoptado.

O sr. Nogueira Soares (sobre a ordem): — Sr. presidente, eu pedi a palavra sobre a ordem, para requerer a V. ex.ª e á camara, que se declare em discussão conjuntamente com o artigo 3.°, de que a camara se tem occupado ha tres dias, os artigos 4.°, 5.° e 6.° A materia e o artigo 3.° é tão conjunta com a dos artigos 4.°, 5.° e 6.º, que se não póde separar de maneira alguma a discussão d'esse artigo da discussão dos outros. Isto é tanto assim, que todos os illustres deputados que têem fallado n'esta questão ale agora, têem-se occupado igualmente cio artigo 3.°, e dos outros artigos. Se houvesse a fazer uma distincção, e se podesse começar por uns e acabar por outros, então devia-se começar pelo 6.°, S.° e 4.°, e acabar pelo 3.°

Sr. presidente, V. ex.ª sabe que a acção é una remedio de direito para um individuo pedi" ao juiz que obrigue outro a dar ou fazer aquillo que tem obrigação perfeita de dar ou fazer. Nós ainda não sabemos por quem é que se ha de dividir a propriedade do vinculo, e já estamos a dar acção para tratar d'essa divisão! A camara não póde dar o direito de intentar acção para abolição do vinculo, senão áquelle a quem der parte na propriedade do vinculo. É, portanto, necessario começar por saber quaes são aquelles que têem parte na propriedade do vinculo, para depois dar acção a esses: o contrario é absurdo, é antilogico, é começar pelo fim e acabar pelo principio.

O sr. Pascoal José de Mello, que foi nosso mestre, de Iodes os que aqui estão que estudaram direito, põe as acções em quarto logar; trata primeiro do direito, e depois das acções; e este illustre author não fiz mais que seguir os primeiros elementos de direito, e ledos os compendios do mundo. Não ha compendio algum, que comece pela acção e acabe pelo direito; isso era uma invenção, e uma innovação, que estava reservada para ser estabelecida agora pela primeira vez.

Por isso repito: quando a camara tivesse de discutir separadamente estes artigos, devia começar pelo 4.°, 5.° e 6.°, e devia depois do artigo 4.° tratar do 3.°; mas tratar agora do 3.° antes do 4.°, 5.° e 6.°, não póde ser. A consequencia d'esta desordem na discussão, d'esta falta de ordem na collocação dos artigos, tem sido que z camara tem discutido constantemente os artigos seguintes por occasião da discussão d'este artigo, que é o unico que V. ex.ª declarou que' estava em discussão. O sr. Elias da Cunha discutiu o direito do immediato successor, o sr. Antonio Feyo discutiu o direito do immediato successor, o sr. Moraes Carvalho discutiu o direito do immediato successor, todos o têem discutido, e não podem deixar de discutir. Pois como hão deixar de discutir, se no § unico de artigo 3.° se trata já esta questão, que vem amplamente desenvolvida nos outros artigos?

Por isso, sr. presidente, eu mando para a mesa esta Proposta.

Proponho que se considerem tambem em discussão, além do artigo 3.°, os artigos 4.°, 5.° e 6.º=Nogueira Soares.

Foi admittida, e ficou em discussão, como questão previa.

O sr. Mello Soares: — Pedi a palavra antes do illustre deputado mandar a sua moção para a mesa, porque me pareceu inconvenientissimo que nós agora, depois de tres dias de sessão, gastos com a discussão d'este artigo 3.°, ainda vamos fazer uma embrulhada maior, para não se votar o artigo 3.°, unico que lemos discutido, repito, emires dias successivos de sessão. (Apoiados)

A rasão que o illustre deputado, que me precedeu, invo-

Página 211

-211-

cou para se inverter a ordem da discussão que estava dada pela mesa, e admittida pela camara, é, a meu ver, uma sem-rasão. O illustre deputado diz, que alguns outros illustres deputados, quando fallaram sobre o artigo 3.°, fallaram tambem na materia dos artigos 4.° e 5.° Esta aberração, se assim podemos chamar-lhe, é inevitavel que a pratique o deputado que tem de fazer uma proposta, e que tem de a sustentar, porque vae buscar um principio aqui ou alli em todo o projecto para a sustentar; mas isto não tem uma ligação intima, e tal, como a discussão do artigo, cuja materia se debate, que em virtude d'isso, hajamos de alterar a ordem que seguia a discussão. Se isto fosse rasão, então deveriamos discutir outra vez o projecto na generalidade; porque a maior parte dos illustres deputados que teem fallado, teem tambem invocado a generalidade. O illustre deputado, que precedeu o sr. Nogueira Soares, fallou na generalidade do projecto, até discutiu a lei de 3 de agosto de 1770, e discutiu, o decreto de 4 de abril de 1832; então, pela rasão do illustre deputado, devem por-se tambem em discussão estas duas leis. Isto é uma consideração geral que eu faço; mas descendo á rasão methodica que o illustre deputado deu, essa menos procede ainda. Diz elle, que as materias do artigo 3.°, 4.° e 5.° estão colligadas de tal maneira, que não se podem separar. Eu vou mostrar ao illustre deputado,. que ellas estão separadas por sua natureza. De que se trata no artigo 3.°, n.° 1.°, 2.° e § unico? De saber quaes são as pessoas habilitadas em juizo para poderem requerer a desvinculação. De que tratam os artigos 4.° e 5.°? Dos interesses que hão de resultar da desvinculação depois d'ella effectuada. Que tem. uma cousa com a outra? Pois não póde designar-se primeiro a pessoa que ha de ficar habilitada para entrar em juizo, e depois saber-se qual ha de ser o interesse que ella ha de tirar da divisão da propriedade? Pois o litigante, quando vae a juizo, ha de primeiro, dizer o interesse que lhe ha de resultar da demanda, se a vencer? Não se ha de habilitar primeiro? Qual é a primeira cousa na proposição de uma acção em juizo? Não é a habilitação da pessoa? Porque não ha. de seguir-se aqui na discussão o mesmo methodo? Porque ao individuo que propozer a acção se ha. de dar metade, não tendo herdeiros forçados, e se ha de dar um terço lendo-os; porque ao immediato successor se ha de dar um quinto dos bens do vinculo; segue-se que não devamos tratar primeiro de quem é aquelle que ha de proporá acção em juizo? Não ha rasão alguma para isso. De fórma que a proposta (longe de mim attribuir más intenções ao illustre deputado, se a proposta não viesse de uma fonte tão pura, da qual não posso suppor que seja o seu fim embaraçar a sua discussão, eu inclinar-me-ia a crer que a proposta não tinha outro fundamento) do illustre deputado não tem rasão alguma a seu favor; porque rasão não ha nenhuma para discutir os tres artigos conjuntamente, quando a materia do artigo 3.° é distincta completamente da dos artigos 4.° e S.°

Por conseguinte, a ordem da discussão estava dada; esta ordem principiou; toda a camara a approvou já, e a inversão d'esta ordem não traz nenhum resultado util, nem tem rasão que a justifique. Portanto, voto contra a moção do illustre deputado, pedindo a V. ex.ª que continue a discussão sobre o artigo 3.°, para ver se chegámos a vota-lo.

O sr. Presidente perguntou a varios srs. deputados, que haviam pedido a palavra, se se inscreviam a favor ou contra.

O sr. Nogueira Soares: — Sr. presidente, não obstante terem-se declarado tres ou quatro oradores inscriptos contra a moção, persistirei em a sustentar, porque a propoz, como acaba de dizer o sr. João de Mello, convencido de que fazia um serviço á camara e á discussão.

Insisto em dizer, que e inteiramente impossivel separar a materia do artigo 3.º da -dos artigos 4.° e 5.° De que se trata no artigo? Trata-se de designar as pessoas que teem direito a requerer a acção de abolição de vinculos. Quer o illustre deputado que se trate depois que ellas tenham parte na abolição? Parece-me que não quer. (Apoiados.) O artigo 3.° diz... (Leu.) Ora, antes da camara resolver, se cada uma d'estas pessoas tem ou não tem direito a intentaria acção, se se deve ou não deve dar ao administrador ou seus immediatos successores o direito de intentar a acção do vinculo, é necessario que se resolva, se se quer que elles tenham parte na abolição do vinculo. (Apoiados.) É inteiramente inutil dar-lhes o direito de intentar a acção da abolição, não lhes dando interesse. Ora, n'isto não ha logica; é inteiramente absurdo e contrario aos principios de direito, que nós aprendemos. Ninguem tem uma acção sem ter um direito, e nós que não. lhes démos ainda o direito, queremos começar por lhes dar a acção! (Apoiados.)

Repito, pois, que se a camara adoptar a minha proposta, e se discutir conjuntamente os artigos 4.°, 5.° e 6.°, ha de poder votar com mais conhecimento de causa.

Eu, sr. presidente, não quero embaraçar esta discussão: estou morto que ella acabe; e por estar morto que ella acabe, é que eu fiz esta proposta. Se a materia é conjunta, se os argumentos, com que se hão de discutir, se hão de por força repetir n'este e n'outros artigos, para que havemos de ouvir tres edições dos mesmos argumentos? Os illustres membros da commissão querem sustentar a sua obra; fazem muito bem; teem direito a isso; eu, pela minha parte, pugno pela regularidade dos trabalhos, e pugno pelo aproveitamento do tempo. (Apoiados.) A camara faça o que quizer, eu satisfiz a minha consciencia.

O sr. Bordallo: — Sr. presidente, eu sou o primeiro a reconhecer e a fazer justiça ás intenções do illustre deputado; (O sr. Nogueira Soares: — Não é necessario; basta-me o "testimunho da minha consciencia.) sou o primeiro a reconhecer os altos esforços que-tem feito o illustre deputado para se não demorar a discussão d'este projecto, assim como o de muitos outros; mas peço perdão para lhe dizer, que não teem rasão alguma em querer que se discutam conjuntamente os artigos 4.°, 5.° e 6.° com o 3.º, porque a rasão principal, em que se funda a sua pretenção, e, que a commissão tratou em primeiro logar das acções, do que do direito á successão dos bens desvinculados. O illustre deputado devia demonstrar, que a commissão tinha tratado primeiro das acções, para proceder a sua argumentação; e não o fez, e mesmo enganou-se; no artigo 3.° não se trata das acções, mas sim das pessoas que teem direito a requerer a abolição, o que não é o mesmo que a acção, a qual é o remedio para pedir a applicação d'esse direito, é muito differente. (Apoiados.) Se o illustre deputado tivesse lido o artigo 8.° do parecer, veria que ahi é que se tratou das acções, (Leu.)

A simples leitura d'este artigo convence, de que foi aqui que se tratou da acção, e no artigo 3.° d'aquelles que podem intenta-la. Como havia de a commissão tratar primeiro das pessoas, que têem a succeder nos bens desvinculados, antes de tratar da desvinculação! A successão dos bens desvinculados ha de competir a pessoas diversas d'aquellas a quem pertenceriam os vinculos; mas antes de se tratar da abolição, não póde tratar-se, nem saber-se quaes são essas pessoas. (Apoiados.) Pela ordem natural, das idéas qual é o que vem primeiro, é a abolição ou a successão? A camara votou, porventura, que a abolição se operasse por immediata disposição da lei? Não; logo é necessario tratar das pessoas a quem compete requerer a abolição, antes de tratar da successão, porque esta se ha de operar sómente depois da desvinculação.

Disse mais o illustre deputado, author da moção de ordem=que o sr. Paschoal tinha tratado primeiro das pessoas, depois das cousas e obrigações, e em ultimo logar das acções;=é verdade, mas porventura não posso eu citar ao illustre deputado o nome de um mestre que foi d'elle e meu, o sr. Coelho da Rocha, que no seu tratado se occupou das acções em seguida ao direito das pessoas, ao direito das cousas, e ás obrigações, conforme derivavam de uma onde outra origem?

O illustre deputado, que chamou em seu favor uma grande authoridade de um nosso mestre, ha de permittir-me que eu opponha a essa authoridade outra não menor.

Página 212

-212-

Disse o illustre deputado = que nunca se linha visto começar a tratar em primeiro logar das acções; = mas a commissão seguiu exactamente o methodo estabelecido no decrete de 4 de abril de 1832, que tratou em primeiro logar das pessoas que tinham direito á acção, ca respeito da successão nada dispoz, e ficou vigorando o direito commum. Ora, supponha o nobre deputado que a respeito da successão a camara prefere tambem o direito commum ás provisões dos artigos 4.°, 5.° e 6.°...(O sr. Nogueira Soares: — Não o póde fazer, se adoptar o artigo 3.°) Não concordo com o nobre deputado; porque nada tem a successão com a abolição, e por isso mesmo é que se deve tratar primeiro do artigo 3.°

Sr. presidente, eu creio que tenho dito quanto basta para concluir, como concluo, rejeitando a moção que mandou para a mesa o illustre deputado, o sr. Nogueira Soares.

O sr. Santos Monteiro: — Pedi a palavra para que V. ex.ª consulte a camara =se esta questão de ordem está sufficientemente discutida. =

Julgou-se discutida; e foi rejeitada a proposta do sr. Nogueira Soares.

O sr. Presidente: — Continua portanto a discussão sobre o artigo 3.°

O sr. Casal Ribeiro: — Sr. presidente, este projecto é decididamente um projecto infeliz. Não ha artigo que entre em discussão que não seja logo accommettido por uma immensidade de propostas: e quando a discussão vae já longa e cansada para esta camara, vem ainda as moções de ordem apresentadas de certo na intenção de simplificar o debate, mas que, no meu entender, em logar de o simplificar, o complicam.

Eu penso que a camara está fatigada d'esta discussão, e por isso não quero abusar da sua paciencia, e teria mesmo tentações de ceder da palavra, porque tambem me sinto accommettido d'esta fadiga em que vejo os meus collegas. Talvez que não seja tanto a extensão do debate que produz em nós este sentimento; em mim pelo menos posso attribui-lo a outra cousa.

Eu não perdi o amor a este projecto, mas a f é e a esperança tenho-a perdido quasi de todo. Nós somos n'esta casa sessenta e tantos bachareis em direito, e por isso é grande a difficuldade de chegar a accôrdo n'um ponto juridico: ha de haver sempre grande difficuldade em que esta camara assente em um ponto juridico. Mas quando vejo a illustre commissão, composta de tantas capacidades, estar divergente entre si; quando vejo (o que eu sinto) que o governo se não pronuncia decididamente por qualquer idéa; quando o vejo assistir ao debate, mas assistir com uma especie de indifferença e de desamor por este malfadado projecto, então declaro francamente que não posso deixar de perder a f é e a esperança, que tinha por elle. (Âpaiodos.)

Não desejo voltar de novo á discussão geral, e portanto não posso seguir o nobre deputado que me precedeu, o sr. Forjaz, no campo que s. ex.ª encetou. Mas não posso tambem deixar de dar uma explicação a um meu amigo e antigo condiscipulo que se senta d'este lado da camara, (o lado esquerdo da camara) o qual se declarou ha poucos dias victima daí. decisões da camara, e da opinião publica... (O sr. Pinheiro Osorio: — Peço a palavra.) O illustre deputado fez-me ume admoestação que eu agradeço, e quasi que me levou a mal que o viesse acompanhar no seu infortunio; fez-me ver que tendo o anno passado votado pela abolição parcial, e votando agora pela abolição completa e radical, nem por isso ganharia na opinião publica. Póde ser que assim seja, mas eu digo ao illustre deputado, que respeito muito a opinião, mas respeito mais ainda a minha consciencia. Pois a minha opinião, quanto á abolição dos vinculos, é porventura duvidosa? Porventura não disse eu, não o repeli tantas vezes, que preferia a abolição radical, e que, se votava pela abolição parcial, é porque queria uma transacção possivel? Vi depois que esta transacção não era promovida com tanta efficacia, quanta seria para desejar, a fim de que ella fosse levada á execução, e por esse motivo vim á camara e disse, que se me fosse licito ainda escolher qual a base que se devia adoptar, votava pela abolição radical, porque entendia que já não existiam as mesmas rasões que me tinham feito ceder em parte das minhas aspirações, relativamente a um principio que reconheço de grande utilidade para o paiz. Se a transacção é impossivel, a lucta deve ser mais energica.

Mas, sr. presidente, o que eu não faço agora, e o que eu não farei, é só porque a camara não entendeu a questão como eu entendi; só porque ella quiz respeitar a sua decisão, o principio já votado; o que eu não faço, digo, é guerrear agora este projecto em nome das idéas mais liberaes, e antes quero, prefiro antes, votar agora a abolição parcial, do que não votar cousa alguma. Eu quereria hoje votar a abolição radical, mas não quero em nome de um principio embora verdadeiro, e santo para mim, recuar um passo d'aquillo que a camara já votou. A camara entendeu não dever ir mais além do principio que estabeleceu o anno passado, e eu não quero concorrer para que fiquemos áquem d'esse mesmo principio. (Apoiados.)

Sr. presidente, na discussão do artigo 3.° tenho visto uma cousa singular, tanto por parte dos membros da illustre commissão de legislação, como por parte de outros oradores. Duvida-se sobre a significação do veto que a camara pronunciou no artigo 1.°, e parece-me que d'esta duvida, d'esta hesitação que ha entre os illustres deputados, é que procede em grande parte a diversidade de opiniões que se têem manifestado n'esta discussão. É preciso pois assentar n'um principio, e ver o que a camara votou.

Ouvi com espanto meu proferir ainda ha pouco a um illustre deputado, membro da commissão, que a camara não tinha votado a abolição parcial dos vinculos como obrigatoria, mas sim como facultativa. Eu entendo que a votação que recaíu sobre o artigo 1.° não póde significar outra cousa senão a abolição obrigatoria; entendo que a camara votou a abolição parcial dos vinculos, Tias a abolição de to. dos os vinculos que estiverem comprehendidos na disposição do artigo 1.° Pois tendo-se este artigo póde porventura duvidar-se do qual seja a sua genuina interpretação? Que diz este artigo? Diz: a São abolidos todos os morgados e capellas que não tiverem de rendimento annual, liquido de encargos e de todas as contribuições directas, 4:000$000 reis,» etc. Ha nada mais positivo do que estas disposições? Póde-se dizer que esta disposição é facultativa? A abolição facultativa póde vir ainda, mas não para os vinculos estabelecidos na regra do artigo 1.°; póde vir para os que excederem 1:000$000 réis de rendimento, e tanto é assim, que uma das propostas que estão sobre a mesa, assignadas pelo sr. Forjaz, se me não engano, diz o seguinte. (Leu.)

Eu hei de votar por esta disposição, a qual tinha tenção de propor. E como se exprime o illustre deputado n'esta proposta? Diz: «É permittida a abolição dos vinculos, » etc. E se esta expressão se não encontra no artigo 1.°, como se póde então sustentar que a votação que recaír sobre o artigo 1.° significa a possibilidade de se abolirem os vinculos, e não significa a abolição obrigatoria dos vinculos? Appello tambem para a discussão que houve n'esta casa o anno passado, e de certo nenhum dos illustres deputados me negará que a que se discutiu sempre, o que se comparou foi a abolição parcial e a abolição completa, e não se encarou nunca o artigo d'este projecto, debaixo d'este ponto de vista. Mas ha mais ainda. Pois o systema do projecto que está em discussão não é a prova mais evidente, mais clara e inconcussa, de que não é a abolição facultativa que se pretende estabelecer? Para se estabelecer a disposição facultativa, seria necessario que os vinculos podessem só ser abolidos, quando os diversos individuos que tinham interesse na sua conservação estejam ele accôrdo. Mas não é isso que o projecto estabelece; o projecto chama a requerer a desvinculação, o administrador, mesmo contra a vontade do immediato successor; o immediato successor contra a vontade do administrador, e chama os herdeiros á vontade do administrador, e do immediato successor. Então é uma disposição facultativa que se pretende estabelecer? não é uma dispo

Página 213

— 213 —

sição positiva e terminante, que mande abolir todos os vinculos? A disposição comprehendida no artigo 1.° parece-me tão evidente pela sua letra, pela discussão que houve n'esta casa, pelo systema todo d'este projecto, parece-me tão evidente, que respeitando a decisão da camara, e acceitando o principio votado, para mim não ha duvida alguma sobre o que significa o artigo.

O artigo 1.° aboliu todos os vinculos pela immediata disposição da lei, mas aboliu-os só debaixo de uma condição, a do rendimento inferior a 1:000$000 réis. Que resta, portanto? Provar que se dá a condição da lei. Mas como se ha de fazer esta" prova? É a disposição do artigo 3.° O artigo 3.° estabelece quaes as pessoas competentes para fazerem a prova, de que se dá a condição que a lei exige para que o vinculo seja abolido. Aqui apresentam-se duas opiniões oppostas, porque todas as propostas que estão sobre a mesa, á excepção da do illustre deputado meu amigo o sr. Nogueira Soares, se ligam mais ou menos com o systema do projecto. Ha, porém, duas idéas inteiramente diversas e oppostas.

Quanto á questão que se trata no artigo 3.°, é preciso, para que a lei se execute, que se prove a condição; mas deve-se provar directamente ou deve-se presumir a existencia d'essa condição? Essa é a primeira questão que se suscita n'este logar. O sr. Nogueira Soares quer, ou propõe que a desvinculação se presuma, e que a prova seja incumbida aos interessados pela sua conservação.

O nobre deputado quer que a desvinculação se presuma, e que seja necessario provar que o vinculo existe e subsiste, porque não está nas condições da lei, quando se opponha a excepção vincular. Entendendo, como eu entendo, a disposição do artigo 1.°, eu não duvido declarar a V. ex.ª e á camara, que julgo mais logica e mais juridica a proposta do sr. Nogueira Soares, porque a proposta do illustre deputado não faz mais do que ampliar ás disposições d'este projecto o direito commum; e o direito commum é que a vinculação não se presume, mas que é necessario prova-la quando se requer a partilha de bens ou a sua execução.

Resolvida assim a questão a favor da desvinculação, esse principio não fazia mais do que ampliar ao caso em questão, o direito commum; e evitar assim a necessidade que se dá, de se admittir o principio contrario que propõe a nobre commissão, de ir, para assim dizer, premiar a denuncia no seio das familias; inconveniente grande que vejo n'este projecto; mas inconveniente inevitavel se passar o pensamento da illustre commissão, porque, para chamar os herdeiros a requerer a desvinculação, é preciso conceder-se-lhes interesses certos e seguros por essa desvinculação. Para isso é preciso estabelecer regras que sáiam fóra do direito commum; é preciso ir premiar factos, que podem ser conforme a lei, mas que não são de certo conformes com a moral e com o sentimento de familia. (Apoiados.)

Disse-se que a proposta dó meu amigo o sr. Nogueira Soares póde dar logar a um grande numero de demandas. Eu não vejo (póde ser que seja isso devido á minha pouca experiencia de negocios forenses), que se sigam mais demandas, se for admittida a proposta, do que se seguirão se for admittido o principio contrario. Entendo que, se for admittido o principio da illustre commissão, não póde haver uma abolição de vinculo sem haver uma demanda. Admittida a proposta, a demanda não é necessaria, porque a abolição se presume sempre, e só quando os interessados se quizerem oppor á partilha, ou á execução dos bens, só n'esse caso e necessario fazer a prova de que o vinculo não está abolido pela disposição da lei.

Um illustre deputado e respeitavel jurisconsulto, o sr. Moraes Carvalho, apresentou uma objecção, dizendo, se bem me recordo, que haveria difficuldade em se effectuar qualquer transacção sobre os bens, antes de haver uma sentença que os julgasse livres;-mas eu peço ao nobre deputado que observe, que o remedio a esse inconveniente está na mesma proposta. Pela proposta não se-tolhe a faculdade que tem o administrador de ir fazer a pro y a fia desvinculação, quando ao administrador convenha, para effectuar qualquer transacção sobre os; seus bens, ou para alienar uma parte d'elles, ou mesmo para os hypothecar; a prova da desvinculação é livre, e pela proposta do meu nobre amigo não ficam os administradores tolhidos de o fazer. Mas ha mais do que isso; ha agora e sempre, em todos os tempos, não só para alguns, mas todos os interessados, o direito salvo, porque tema seu favor a presumpção legal. Por estas considerações, inclino-me a votar pela proposta do sr. Nogueira Soares, que me parece que é mais consequente com o principio estabelecido no artigo 1.°, e que evita inconvenientes que necessariamente se hão de dar, se adoptarmos o principio diverso.

Mas se esta idéa não passar, e passar o systema proposto pela illustre commissão, não posso deixar de insistir pelas propostas que mandei para a mesa; pela eliminação das palavras—os que se acharem debaixo da tutela e curatela,= pela eliminação do § unico, e ainda pela intervenção do ministerio publico. Por esse ministerio publico que tem sido tão combatido, que tem sido pintado com tão negras cores, e apresentado como um tyranno das familias, e como um pesadelo permanente que se pretende estabelecer contra a sua tranquillidade. Eu estou certo que a minha proposta relativa ao ministerio publico não passa; porque vejo que tem sido impugnada por quasi todos os nobres deputados que se tem occupado d'este assumpto. Entretanto não estou arrependido de ter apresentado a proposta, e não me parece tão feia como a figuram. Um nobre deputado e distincto magistrado, que pertence á commissão de legislação, de cuja opinião n'este ponto eu sinto muito ter de discordar, porque o nobre deputado sabe quanto o respeito, e quanto venero a authoridade que lhe dá a sua intelligencia, o seu saber e o seu caracter, disse, que se se admittisse o ministerio publico a requerer a abolição, receiava que d'aqui viessem grandes desgostos e graves desinquietações ás familias, porque o ministerio publico não podia vir senão como uma especie de denunciante official. Mas, sr. presidente, eu vejo que no projecto se estabelece uma regra, que no meu entender póde dar esses mesmos inconvenientes, e em muito maior escala, do que a intervenção do ministerio publico. Eu vejo que se chama, nem se póde deixar de chamar, se admittirmos o systema que a illustre commissão adoptou, para se cumprir a disposição do artigo se chama a requerer a desvinculação depois do administrador o immediato successor, e depois d'elle, os herdeiros necessarios e presumptivos; segue-se d'aqui a necessidade de recompensar com interesses aquelles que requererem a desvinculação. É sobre este systema, sobre este jogo de interesses, que versa o projecto todo. Eu vejo no § unico do artigo 6.° o seguinte. (Leu.)

Que principio é este que se estabelece? Não é mais que um premio da denuncia no seio das familias. O que será mais prejudicial á familia, será, porventura, a intervenção do ministerio publico, que representa um interesse alheio e social, ou será o favor que a lei vae conceder áquelles membros da familia, que por seus proprios interesses, para obter o premio que a lei concede, irão requerer a desvinculação contra a vontade do chefe de familia? Supponhamos um pae que lenha dois, tres, ou mais filhos; o pae não requer a desvinculação por qualquer motivo, pela sua vaidade aristocratica, pelo seu orgulho ou por outra rasão; o filho mais velho não a requer tambem por iguaes motivos; que succede? O filho segundo vae requerer a abolição do vinculo, por consequencia vai intentar para annullar a vontade do pae, e a lei premeia-o por esse facto, dando-lhe um quinhão na herança superior ao que ha de pertencer a seus irmãos! '

Não será isto mais contrario ao sentimento de familia do que a intervenção do ministerio publico? O ministerio publico representa sempre o interesse social, e eu não vejo realmente que o ministerio publico seja, como já se disse, uma especie de poder dictatorial. Pois que? o ministerio não tem interesse algum a representar n'este caso? Foi tam?

Página 214

-214-

bem um dos argumentos com que se impugnou a minha proposta; porque não tinha interesse de familia. Em virtude de que interesse estamos nós votando n'este projecto? Não é porventura em nome do interesse publico? Não é por ventura a desvinculação um grande interesse publico? É indifferente para a sociedade, para o desenvolvimento da riqueza social? Póde ser indifferente que os bens continuem ou não vinculados? No meu entender o ministerio publico • tem de representar um grande interesse n'este processo; exactamente aquelle interesse em que se funda este projecto, que é o interesse de todos, o interesse social.

Direi pouco, quanto á questão = se deve ou não requerer a desvinculação o administrador que se acha debaixo da tutela ou curatela. — Ainda aqui sinto não poder concordar com as idéas emittidas pelo illustre deputado o sr. Cunha Pessoa. Direi em primeiro logar: desde que o 1.° artigo se entende, como creio que não póde deixar de ser entendido, esta questão cáe completamente; e as reflexões que o illustre deputado fez, para sustentar esta proposição, parece-me que cáem desde o momento que se considera a disposição do artigo 1.°, como não póde deixar de ser considerada, como obrigatoria. Não ha então logar a e eixar pensar ao administrador, se convém ou não a desvinculação, porque não ha nunca logar a deixar pensar se se deve ou não cumprir a lei.

Tambem allegou o nobre deputado, para sustentar este principio. que as leis facultam acquisição aos menores, mas difficultam a alienação. Porventura trata-se aqui de alienação? Trata-se antes de acquisição. Que succede ao administrador do vinculo que requerer a abolição? Fica com o usofructo, e com o dominio pleno ao menos de uma parte. Não se trata de alienação, porque se o administrador quizer alienar depois de obter a desvinculação, para as alienações lá fica o direito commum. Se se eliminarem estas palavras, não se segue d'aqui que o administrador menor póde desvincular, e feita a desvinculação alienar, vender e hypothecar os seus bens a seu bello talante; lá fica para isso o direito commum, e ha de ser segundo as fórmas estabelecidas, e com as garantias estabelecidas nas leis, que essas alienações se poderão fazer. Mas requerer a desvinculação, não é alienar, é adquirir.

Quanto á disposição do § unico, tem sido muitas e muito diversas as opiniões dos illustres deputados que se têem empenhado n'este debate; têem mandado para a mesa propostas, em que se ampliam as disposições d'este paragrapho. E eu entendo, que se se admittir o principio d'onde elle parte, as propostas dos nobres deputados são logicas, são consequentes; mas e principio d'onde elle parte é o que eu nego, e não posso admittir; porque este paragrapho está no meu entender prejudicado decididamente pela votação do artigo 1.° Sustenta-se o § unico em nome dos direitos adquiridos. Os direitos adquiridos, é preciso que se entenda, são muitas vc7.es uma expressão vaga, que serve para justificar todos os abusos, e para encobrir todos os absurdos de instituições viciosas. Se em nome dos direitos adquiridos se pretender sustentar uma instituição qualquer, se em nome dos direitos adquiridos nenhuma das antigas instituições se tivesse acabado, estejam os nobres deputados certos, que não teria havido a lei dos foraes, a dos dizimos, que não teriam sido abolidas as commendas, que os frades desfructavam ainda pacificamente nos conventos os proventos do seu ocio. Pelos direitos adquiridos, e em virtude d'elles, não poderia a sociedade alcançar a transformação que. tem tido ha um seculo. Em nome dos direitos adquiridos sustentam-se todas as instituições; não ha systema, nem ha reforma alguma que não vá ferir, mais ou menos, os direitos adquiridos. O que é preciso é ver a compensação que se póde ou deve dar a esses direitos; mas que se sustente uma instituição absurda em nome d'esses direitos, opponho-me completamente. A nobre commissão, em nome dos direitos adquiridos, o que propoz? A sustentação da instituição vincular por mais uma geração, e é contra isto que eu voto. Eu não me opponho a que se compensem os direitos adquiridos por outra fórma; a que me opponho é a que se parta do principio dos direitos adquiridos para se sustentar esta instituição por mais uma geração, em certos casos. E quando a camara votou, que ficavam abolidos todos as vinculos, que não tivessem um certo rendimento, se quizesse fazer uma excepção, era esse o logar competente. Votando o artigo 1.° a camara disse: «São abolidos todos os vinculos que não tiverem certo rendimento;» agora, o § unico equivale a dizer: =mas não serão abolidos desde já aquelles, cujo administrador tiver um successor immediato, casado, ou com descendencia. =

Esta disposição não estava no projecto original, e agora equivale a uma limitação ao que tinha sido já votado, equivale á derogação, em parte, d'esse mesmo principio. É contra isto que eu não posso deixar de votar; e não me opporia, repito, a que se compensem os direitos adquiridos, mas por outra fórma, dando-se ao immédiate successor uma parte mais larga na herança; n'isso estou perfeitamente de accôrdo; mas não posso votar que, em nome dos direitos adquiridos, do immediato successor, se sustente esta instituição por mais uma geração; e se admittissemos esse principio, tinhamos que acceitar as propostas dos illustres deputados, que vão mais longe, porque é innegavel, como já aqui se disse, que o direito do immediato successor parte do nascimento, e não do casamento.

Voto contra a disposição do § unico, como contraria ao que a camara já votou, e não posso deixar de appellar n'este ponto para a coherencia da camara, que, não querendo ampliar este projecto, não deve querer restringi-lo. (Apoiados.) Se não quiz ir mais longe e votar uma reforma radical, não consentirá que vamos agora recuar um grande passo para traz do que já se votou.

Não me opponho, pois; pelo contrario, voto que sejam compensados os direitos do immediato successor, dando-se-lhe uma parte mais larga da herança, mas nunca por meio da conservação de uma instituição condemnada pelo bom senso de todos os povos, e reprovada por todos os principios de justiça e de economia publica.

O sr. Bordallo: — Sr. presidente, a camara está fatigada com esta discussão, e eu de certo teria cedido da palavra se não tivesse assignado õ parecer, com declaração, a respeito do artigo 3.° que se discute. Este artigo tem sido combatido por varios fundamentos: dizem uns, que elle está mal collocado; outros acham-n'o em contradicção com o 1.° e 2.° artigos; outros queixam-se de que elle não respeita todos os direitos adquiridos; outros dizem que a commissão de legislação commetteu o grande peccado de deixar pendente uma questão de direito commum; outros dizem que, passando o artigo tal como está, seria uma origem inexgotavel de demandas, e um pomo de discordias que iria lançar-se sobre as familias; finalmente, sr. presidente, tudo quanto se disse na discussão sobre a generalidade do projecto, tem sido reproduzido na discussão especial do artigo 3.° Propuz-me demonstrar, sr. presidente, que o artigo 3.° não tem tantos defeitos como lhe notam, e que a commissão não commetteu tantas faltas como aquellas de que a accusam. Já em uma questão de ordem, hoje suscitada-por um illustre deputado que me escuta, eu respondi a alguns argumentos que se adduziram para provar que o artigo estava mal collocado; entretanto, não me dispensarei de dizer mais alguma cousa para mostrar que a commissão fez o seu dever, em tratar n'este artigo das pessoas que eram habeis para requerer a abolição, depois de se ter tratado no 1.° e 2.° artigos, de quaes eram os vinculos que ficavam abolidos. Nos primeiros dois artigos tratava-se do objecto da lei, e, se me permittem usar da phraseologia moderna, direi que se tratava da sua objectividade; e era natural, era logico passar-se a tratar das pessoas a quem se referia esse objecto, ou essa objectividade, isto é, da subjectividade. Foi isto que fez a commissão, e não podia deixar de o fazer, porque era a ordem natural das idéas. Portanto, já se vê, sr. presidente, que o artigo 3.° ficou onde devia ficar. Peço desculpa a camara por a occupar com uma ques-

Página 215

—215—

tão d'esta ordem, que era mais propria de uma academia, do que de um parlamento; entretanto, eu não podia deixar de entrar n'esta questão, em defeza da commissão a que tenho a honra de pertencer, depois d'ella ter sido arguida de commetter uma falta, pela qual, de maneira alguma, devia ser accusada.

O illustre deputado e mcii amigo, que vejo proximo de mim, notou tambem que o artigo 3.°, que está em discussão, era contrario ao 1.° artigo. Eu peço licença a s. ex.ª para lhe observar, que esta contradicção não se podia dar senão tratando-se no artigo 3.° de materia opposta ao artigo 1.°; entretanto, sr. presidente, não se dá essa opposição; ¦porque, qual é o objecto do 1.° artigo? É declarar quaes são os" vinculos que ficam abolidos, que são aquelles em que senão derem certas e determinadas condições; e qual é a materia do artigo 3.°? É definir quaes são as pessoas que teem direito á abolição. Ora, se no 1.° artigo se trata dos vinculos que ficam abolidos, não concorrendo n'elles certas circumstancias, e se no artigo 3.° se trata das pessoas a quem compete o direito de requerer a abolição, já se vê que não ha contradicção entre o 1.° e 3.° artigos. É verdade que o illustre deputado que me precedeu, comeu nobre amigo a quem já me referi, quizeram deduzir a contradicção de outro fundamento.

Dizem elles — que no artigo 1.° se estabelece que a abolição se opera por immediata disposição de lei, ipso jure; e no artigo 3.° suppõe-se que a abolição ha de ser levada a effeito por um processo, que ha de preceder sentença declaratoria. = Mas eu creio que se fosse esta a intenção com que a camara votou o artigo 1.°, ter-se-hia adoptado uma redacção similhante á do artigo 10.°, onde se diz o seguinte. (Leu.)

Note o illustre deputado, que n'este artigo 10.° se diz = que ficam abolidos todos os morgados e capellas por immediata disposição de lei, ainda que o seu rendimento exceda a taxa legal declarada no artigo 1.° e 2.°, cujos administradores fallecerem, não deixando successor legitimo dentro do gráu de representação. =E qual é a disposição do artigo l-.9? É a seguinte:« São abolidos todos os morgados e capellas que não tiverem de rendimento annual, liquido' de encargos e de todas as contribuições directas, 1:000$000 réis, tanto no continente do reino, como nas ilhas adjacentes, e provincias ultramarinas. » De maneira que a clausula = immediata disposição de lei, — apparece no artigo 10.°, mas não assim no artigo 1.°; logo é evidente que a camara, quando votou este artigo, omittindo n'elle a clausula = immediata disposição de lei, — quiz que a desvinculação por falta do rendimento marcado no 1.° artigo se operasse em virtude de uma sentença, e não ipso jure.

Mas pára que cansar-me a demonstrar que esta foi a intenção da camara, se o illustre deputado que lhe attribue outra, entende, comtudo, que deve ter logar a intervenção do ministerio publico, para requerer a abolição dos vinculos, que não têem o rendimento legal. E se lera de haver um processo, uma sentença, a abolição deixa de se operar por immediata disposição da lei. Á sentença n'este caso é declaratoria, diz o nobre deputado; mas chame-lhe como quizer, desde que abolição depender de um processo, "e de uma sentença, não é obra sómente da lei. E tanto e assim, que para a desvinculação dos vinculos, de que trata o artigo 10.°, e que se opera por immediata disposição de lei, não se estabeleceu processo algum.

Estas considerações firmam a minha convicção, de que 0 artigo 3.° não está em contradicção com o artigo 1.°

Sr. presidente, a commissão é, como já observei, arguida de commetter o grande peccado de deixar pendente uma questão de direito commum, como se ella fosse chamada a resolver todas as questões de direito civil; não direi que isto foi uma injuria assacada á commissão, mas esta foi arguida de uma falta, que não commetteu.

Eu peço ao illustre deputado, author d'esta censura, que não confunda o direito de requerer a abolição com o direito de succeder.

Não é possivel indicar uma só hypothese em que concorra sobrinho sómente sem lio a requerer a abolição, porque, ou o que administra o vinculo é um tio, ou não; se é um lio, concorrem com elle os sobrinhos, e não ha duvida de que n'este caso estão dentro do gráu de representação. Se o administrador do vinculo não é um tio, é um parente mais proximo, ou mais remoto na linha transversal; e o parente mais proximo não póde ser senão irmão, que fica dentro do gráu de representação; e se é parente mais remoto, fica fóra.

Assim, não podendo concorrer nunca os sobrinhos a requerer a abolição de um vinculo, sem terem tio vivo, entendeu a commissão que as palavras = dentro do gráu de representação = não podiam dar logar á questão juridica, que existe sobre a extensão do direito de representação quanto á successão.

Um illustre deputado estranhou que não se fizesse uma lei em esphera muito mais larga, um codigo completo sobre vinculos. Eu sou de opinião diversa do illustre deputado. Eu entendo que no parlamento não devem fazer-se codigos. Quando selem de adoptar qualquer medida sobre um objecto qualquer não deve desenvolver-se em muitos artigos, porque se se alarga muito a discussão, não podem seguir-se as idéas, tudo se confunde, e afinal não se faz cousa nenhuma.

Diz-se tambem, que no caso que passe o artigo em discussão, leremos immensas demandas com que se vae affligir o paiz. É verdade, sr. presidente, eu estremeci tambem diante das immensas demandas que se vão levar aos tribunaes; mas a responsabilidade d'essas demandas não recáe, nem deve recaír sobre a commissão, recáe sobre os que não votaram pela abolição completa dos vinculos. Desde que se votou o principio, de que a abolição dos vinculos não fosse completa, era necessario recorrer ao processo para verificar quaes os vinculos, que não têem o rendimento legal para serem conservados.

Este processo ha de ser relativo ou aos vinculos abolidos, ou aos que continuam a subsistir; e ainda que os ultimos sejam menos, pareceu á commissão que seria mais exequivel a lei impondo a obrigação de requerer o processo aos interessados na abolição, para não assustar os administradores dos grandes vinculos.

Em vista das considerações que acabo de submetter á sabedoria da camara, parece-me que o artigo deve ser approvado; ainda que não deixarei devotar pela eliminação das palavras do n.° 1.°—não estando debaixo de tutela ou curatela, = porque já na commissão eu fiz á declaração de que votava pela eliminação d'estas palavras, porque não me têem convencido, nem me convenceram na commissão, as rasões que se teem expedido contra a eliminação.

Um illustre deputado disse, que era necessario acautelar os perigos que corriam os administradores de vinculos, sendo menores, por isso que por via de regra os immediatos successores erão os tutores, e podiam prejudica-los requerendo a abolição.

Eu creio que o nobre deputado não tem muita rasão no que disse; porque tanto o administrador do vinculo, como o immediato successor, desejam conserva-lo; e portanto não estão em opposição os interesses de um com os interesses de outro, como disse o nobre deputado; mas raras vezes se verificará o caso de ser o immediato successor, tutor do menor administrador de vinculo, que em todo o caso não póde ser prejudicado com a desvinculação, porque, em quanto esta se não verifica, o usofructo dos bens vinculados, e depois, álem d'este, tem parte da propriedade maior ou menor, conforme se verificam ou não certas condições.

Disse mais um illustre deputado meu amigo, com a eloquencia de que é dotado: «As tradições da familia podem obrigar o menor a querer conservar o vinculo.» Sr. presidente, pois se os vinculos não tendo 1:000$000 réis de rendimento são abolidos; se tanto o administrador, como o immediato successor e herdeiros presumptivos, têem direito a requerer a abolição do vinculo, que importa que haja essas

Página 216

—216 —

tradições de familia, esse orgulho aristocratico, todas essas considerações que obriguem a sustentar o vinculo? Que importa tudo isto, se elle ha de ser abolido em não tendo 1:000$000 réis de rendimento, e em algum dos interessados querendo usar do direito que a lei lhe concede para requerer a abolição?

Portanto, acho que nenhuma rasão justifica a conservação das palavras=não estando debaixo de tutela ou curatela, = e não tenho duvida nenhuma em votar contra ellas, e pela eliminação tambem das mesmas palavras que se encontram na n.° 2.?, que são desnecessarias logo que se eliminem as do n.° 1.°

Sr. presidente, não entrarei agora na questão==se o immediato successor tem ou não direitos adquiridos ao vinculo, e £.c estes direitos' são adquiridos pelo nascimento ou pelo casamento; = entretanto, o que eu não posso deixar de dizer, para desviar da commissão uma censura, que sobre ella foi lançada, é que a commissão não offendeu nenhum direito adquirido; a commissão tornou certos alguns direitos eventuaes, mas direito adquirido não offendeu um só; porque, sr. presidente, se o immediato successor tem o direito eventual ao vinculo, a commissão quiz que o immediato successor tivesse um direito certo, maior ou menor, conforme se verificassem ou deixassem de verificar certas hypotheses; por consequencia, tornou certos e effectivos alguns direitos elo immediato successor, mas não offendeu nem um dos direitos que elles tivessem adquirido. Já se vê, portanto, que a commissão não merecia de modo nenhum as censuras que sobre ella foram lançadas.

Tenho dito quanto me parece bastante para sustentar o artigo, pelo qual eu hei de votar com as declarações que fiz na commissão, e que acabei de reproduzir n'esta casa. Mas, concluindo, não posso deixar ele pedir á camara que vote este artigo, como complemento d'aquilo que já votou, e com isto não só fará um grande bem a este paiz, mas de mais a mais renderá homenagem á opinião publica; cê por isso que eu não posso deixar de concluir; lendo uma representação que o acaso trouxe hoje ás minhas mios, da camara dos Olivaes, em que pede a esta* camara, que não deixe encerrar a sessão, sem fazer alguma cousa a este respeito.

Eis-aqui o que ella diz. (Leu.)

Portanto, sr. presidente, parece-me que, se rós nos não separarmos sem votar o parecer em discussão, mereceremos as bençãos dos nossos concidadãos.

O sr. Presidente: — O sr. ministro da justiça tinha a palavra, por parte do governo, mas a hora de se passar ás interpellações já deu.

O sr. A. R. Sampayo: — Por parte da commissão de administração publica, vou ler o seguinte parecer da commissão. (Leu.)

O sr. Presidente: — Por não se achar presente o sr. ministro da marinha, em consequencia ele estar na outra camara, não póde continuar a interpellação do sr. Canto a s. ex.ª por isso dou a palavra ao sr. Carlos Bento, para interpellar o sr. ministro da justiça, se acaso s. ex.ª está habilitado.

O sr. Ministro da Justiça: — Estou habilitado.

O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, eu não exigia resposta de s. ex.ª, se s. ex.ª entendesse que não estava habilitado para poder responder a algumas perguntas que pretendo fazer-lhe.

Sr. presidente, parecia-me que tudo quanto eu dissesse para demonstrar a necessidade de se adoptarem medidas que façam cessar o espectaculo vergonhoso, que, não desde hoje, mas desde ha bastante tempo, se apresenta no nosso paiz, e que me parece que deve reclamar toda a attenção da camara e do governo, seria uma ociosidade; no entretanto não posso deixar de dizer que parece que, tendo-se manifestado a solicitude, tanto do governo como da camara, a respeito de differentes objectos, este infelizmente não apresenta uma solução tão facil e tão prompta, como seria para desejar.

Sr. presidente, todos sabem que as côrtes approvaram as medidas de dictadura adoptadas cm 1851 e 1852, e que n'essas medidas de dictadura, comprehendendo-se um grande numero de leis relativas a differentes objectos de serviço, tinha-se deixado de fóra a reforma judicial, que havia sido publicada em 1852, e que, porto de quinze dias depois, foi suspensa por decisão dictatorial de governo. N'essa occasião, em 1852, nomeou-se uma commissão para apresentar a reforma necessaria aos projectos que se suspendiam, isto é, para que d'elles se aproveitasse aquillo que se entendesse conveniente para o mais prompto e efficaz andamento da justiça e repressão dos crimes; mas não sei porque motivo nada appareceu a similhante respeito. O caso é que perto de tres annos decorreram desde então, e essa commissão não apresentou trabalho algum, ou porque entendeu que não o podia fazer, ou per outras difficuldades, ou porque outra marcha seguida pelo governo fez com que por então se não apresentasse uma solução sobre o assumpto.

Subsequentemente o ministro encarregado interinamente da pasta da justiça apresentou n'esta camara um projecto de Assises. Este projecto tambem não teve andamento. Disse-se que era bastante dispendioso; e cora quanto eu entendesse que esta rasão não era victoriosa, para invalidar o projecto, se se demonstrasse que elle satisfazia a grandes necessidades; (Apoiados.) porque entendo que nós, que gastámos com outros ramos de serviço publico, de certo não temos tanto dever de gastar com algum outro como com este; effectivamente esse projecto sobre Assises tambem caducou.

O nobre ministro da justiça apresentou alguns projectos, tendentes ao mais prompto e facil andamento dos processos por causas crimes; mas o caso é que estes projectos, depois de terem passado n'esta camara com pouca discussão, tendo ido á outra, voltaram com emendas, e V. ex.ª sabe e a camara, o tempo que tem mediado desde que esses projectos voltaram da camara dos pares para esta camara! Realmente estamos reunidos ha tres mezes; temo-nos occupado de objectos de certo importantes; temos discutido largamente; mas creio que nenhum objecto reclamava mais a attenção da camara, e pedia mais uma prompta decisão, do que este. E, sr. presidente, a similhante respeito, sejam quaes forem os motivos, absolvendo-se, tanto quanto se quizer absolver, os individuos, as circumstancias serão as unicas culpadas; mas são muito culpadas, porque a demora tem sido muito consideravel.

Ora, sr. presidente, esta demora tem sido tanto mais circumstancia aggravante, quanto é certo que os crimes, pelo menos em alguns districtos, repetem-se com uma frequencia tão assustadora, commettem-se com uma impunidade tão escandalosa, que realmente, se houvesse assumpto que devesse chamar a attenção constante, assidua, diaria d'esta camara, era de certo esse da repressão dos crimes.

Dir-se-ha que o que tivermos de legislar a este respeito não póde obviar ao inconveniente de effectivamente os criminosos não serem apprehendidos, e que a acção da justiça não poderá ler logar, senão depois d'essa apprehensão effectuada. Se isso é uma verdade, não é senão variar a accusação que ha a dirigir, pela falta de medirias a similhante respeito, quer sejam legislativas, quer administrativas, quer sejam os meios de armar o governo (a administração publica em geral) para a prompta repressão dos crimes, quer seja a prevenção pelo meio da certeza de que os individuos criminosos hão de ser apprehendidos com facilidade.

Sr. presidente, que a acção judicia, está limitada, e não lemos tirado todas as vantagens que podiamos tirar de estar reunido o parlamento, e estar o ministerio no exercicio das suas funcções, isto é, de não haver crise ministerial. Pois, sr. presidente, o que vemos nó:? Que mesmo depois de apprehendidos os criminosos, não se acredita que ena alguns pontos do reino haja completa liberdade para os juizes que têem a sentenciar os crimes, tanto para os juizes de facto, como para os de direito.

Não ha muito tempo, n'um districto mais infamado do paiz por esta circumstancia da falta de respeito á lei, da consideração de se não estar no pleno exercicio da liberdade e

Página 217

—217—

das garantias politicas, não se viu a absolvição dada por um tribunal sobre um crime atroz, absolvição que foi conceituada como um escandalo judicial praticado por todos que n'elle tiveram parte? E não se diga foi isso devido aos jurados; porque todos sabem que estava nas attribuições do juiz de direito revogar tal sentença, e não o fez. E porque o não fez? É porque as circumstancias, em que elle se achava, eram especiaes; é porque a ameaça e o terror o inhibiam, e tiravam a liberdade de proceder como devia.

E será isto para admirar, quando ha a confissão de juizes, quando ha juizes que declararam a respeito de um crime commettido em um districto bem perto d'esta capital, que se não atreviam á dar uma sentença contra os implicados n'esse crime,. porque tinham diante de si as sombras dos juizes assassinados em Midões? Pois ha factos d'estes; ha juizes que declaram por escripto que não têem liberdade bastante para sentenciar, porque veem diante de si os manes d'esses juizes assassinados, e não se hade tomar providencias para obviar a este mal?!

Eu sei que a Relação de Lisboa tomou uma resolução, que lhe faz honra, e d'essa vez não ficaram os criminosos sem castigo. Mas com quanto a declaração d'esses juizes lhes não seja honrosa, com quanto o tribunal de segunda instancia punisse o crime invalidando a decisão e censurando o procedimento do magistrado, não é uma desgraça que o governo deixe continuaras cousas n'este estado, sem tomar providencia alguma a este respeito? Pois não haverá meio de evitar este mal? Eu creio que ha. Eu creio que não é possivel ter biographias escandalosas, e andar passeando impune pelos logares onde se commettem os crimes, sem que para isso haja da parte das authoridades, não digo desleixo, mas receio de ser victima, procedendo contra esses criminosos.

Commette-se um crime n'um ponto qualquer, e o individuo que o commetteu, passada a primeira impressão, apparece em publico; e diz-se = foi visto o individuo fulano, que tem commettido, tantas mortes, mas ninguem se atreve a captura-lo com receio de ser victima d'elle. =Foge-se das prisões, mas não se foge do paiz; e, não se fugindo do paiz, e porque o paiz dá guarida aos criminosos, que têem a fortuna de fugir das prisões. E qual é a rasão d'isto? É porque se não adoptam medidas convenientes para a perseguição e captura d'esses criminosos, -como se pratica com outros paizes civilisados. Na Inglaterra tenho eu visto offerecer premios para a captura de criminosos politicos. Eu não quero que entre nós se estabeleçam premios para a captura de individuos por crimes politicos; mas queria que se estabelecessem para a captura dos malfeitores, dos grandes criminosos; e até hoje não se tem dado um testimunho da parte do governo, de que elle emprega todos os meios que tem á sua disposição, para que não haja a impunidade d'estes crimes. Não duvido de que o governo empregue esses meios; mas nem todos acreditam n'isso, á vista do resultado; e a fallar a verdade, é preciso estar muito bem disposto para acreditar que não tenha havido desleixo n'este importante ramo de serviço.

Resumindo, pergunto ao sr. ministro da justiça, se s. ex.ª tem tenção de fazer passar n'esta sessão alguma providencia legislativa, que possa concorrer para que se não apresente por mais tempo um escandalo d'esta ordem. Em segundo logar, se s. ex.ª não acharia vantagem em aproveitar por analogia uma disposição da reforma judicial, relativa a um caso especial, mas que póde ter applicação para outro caso especial. A reforma estabelece que os crimes commettidos pela maioria dos individuos de uma comarca sejam julgados na comarca visinha; ora, eu desejava que o sr. ministro da justiça me. dissesse, no caso de não ter ainda apresentado projecto algum a este-respeito, se não entende que isto tem algum fundamento; se não lhe parece que seria conveniente que os criminosos tivessem certeza de que não haviam de ser julgados no logar onde vivem e onde commettem os crimes, mas sim em uma comarca que estivesse desaffrontada da sua influencia. Parece-me ser este um meio efficaz para evitar a impunidade d'estes altos criminosos.

Sem querer descer a mais considerações, que s. ex.ª poderá dizer não terem relação com o seu ministerio, limito-me ás poucas que fiz, desejando que s. ex.ª me diga, se tem tenção de tomar algumas providencias n'este sentido.

O sr. Ministro da Justiça (Frederico Guilherme): — Sr. presidente, o illustre deputado e meu amigo o sr. Carlos Bento deseja saber, se o governo tenciona pedir a V. ex.ª e á camara a discussão e approvação dos projectos que tem apresentado, e que são tendentes a descobrir e a punir os criminosos; e se tenciona apresentar mais alguns outros projectos tendentes ao mesmo fim. O illustre deputado ponderou, que foram sanccionados e approvados pela camara differentes projectos da dictadura, e entre elles um que tratava, não só sobre o processo orphanologico, mas tambem sobre o processo crime, e que logo depois fôra suspenso esse mesmo decreto. Disse mais o illustre deputado, que posteriormente o ministro da justiça apresentára differentes projectos de lei com o seu relatorio de 1852, os quaes se não discutiram, nem approvaram; mas que quando eu entrára no ministerio tinha trazido á camara alguns projectos, e entre elles, um sobre o processo crime, o qual sendo approvado n'esta camara, o fôra tambem com algumas modificações, na camara dos dignos pares do reino, e hoje parava na commissão de legislação, sem que esta tivesse ainda apresentado o seu parecer.

O illustre deputado parece-me que reconheceu bem que esse projecto de processo crime era importantissimo; que alli se extinguiam ou acabavam as attribuições dos juizes ordinarios, as quaes passavam, na parte crime, para os juizes de direito, e que, além d'esta, continha outras importantissimas providencias, como a que marcava os casos em que podia dar-se a nullidade do processo; porque sendo ellas hoje tantas, não só as que estão ao arbibrio dos juizes, mas mesmo as que vem designadas na reforma judicial, só servem para demorar o julgamento das causas, e isto não depende dos juizes; o defeito está na lei.

Sr. presidente, este projecto, como o illustre deputado sabe, foi approvado na camara dos dignos pares com duas. ou tres emendas, e acha-se na illustre commissão de legislação d'esta camara, á qual pareceram importantes estas alterações, e ella não se tem descuidado, de accôrdo com o governo, de apresentar com brevidade o seu parecer, approvando, ou não approvando as alterações feitas na camara dos dignos pares, tendo tido differentes conferencias, não só na sala onde se reune, mas mesmo em minha casa. Lamento que este projecto não fosse approvado, porque me parece que era o remedio mais conveniente, e o mais instante para a punição prompta dos crimes.

Os outros projectos não têem tanta relação com o crime, mas alguns d'elles têem relação com os juizes. Quando os apresentei, entendi que eram de grande conveniencia publica, e não tenho solicitado de V. ex.ª e da camara a sua discussão, porque tendo vindo outros objectos, e entre elles o dos morgados, a respeito de cujo projecto se dizia que o governo não tinha vontade que passasse, o que não era assim, porque o governo deseja que o projecto, como está concebido, possa passar n'esta sessão nas duas camaras, (Apoiados — Muito tem.) como eu terei occasião de dizer, quando me tocar a palavra, foi por esta consideração que eu não solicitei de V. ex.ª e da camara, que fossem dados para discussão os projectos que apresentei na sessão passada; mas estimo muito que o illustre deputado e meu amigo me coadjuve, a fim de que. se decida que esses projectos entrem quanto antes em discussão.

O nobre deputado lembrou, que em alguma comarca do reino tinha havido um julgamento debaixo de coacção e de terror, que os criminosos tinham infundido nos jurados e no juiz. Eu lamento muito que se podesse dar esse facto, de que só tinha conhecimento pelo que se dizia nas folhas periodicas. Esse juiz, como s. ex.ª sabe, é um dos ornamentos da magistratura. Ainda que despachado ha pouco

Página 218

-218-

tempo, é um juiz de grande intelligencia, de summa probidade, e parecia-me mesmo de um caracter firme e austero para cumprir bem o seu dever. Li nos periodicos que se tinha dado esse caso; officialmente nunca d'elle tive conhecimento, aliás não deixaria o governo de proceder do mesmo modo que procedeu contra outro juiz, que lhe declarou que não se atrevia a pronunciar certos réus, porque ainda se lembrava da sombra dos juizes mortos em Midões e Villa Pouca de Aguiar. Esse juiz que, n'um recurso para a relação, respondendo a um aggravo, disse, que se sentia falho do uso integral das suas faculdades intellectuaes, declarou a final que linha medo, e por isso não pronunciava os réus, foi severamente censurado no tribunal superior: (Apoiados.) e o governo, tomando conhecimento de um facto tão extraordinario, usou com esse juiz do rigor de que podia usar, propondo ao conselho de estado a sua immediata transferencia por conveniencia do serviço; transferiu-o conforme o voto unanime do conselho de estado, mandando os papeis ao procurador geral da corôa, para elle instaurar e processo. Já vê o nobre deputado, que pelo que depende de mim, com relação aos juizes, tenho cumprido com o dever que me impõe o meu logar.

O nobre deputado lembrou, se não conviria, que entre as medidas que o governo devia propor a esta camara, se comprehendesse a de serem julgados na comarca mais proxima os criminosos que tinham muitos parentes, amigos e grande influencia nas comarcas onde residiam, e onde tinham commettido os crimes. Os factos acontecidos em algumas das comarcas em que maiores crimes e attentados se têem commettido, têem levado a minha convicção a persuadir-me de que não é preciso esta medida excepcional, para se conseguir a punição dos criminosos. A comarca de Monsaraz foi uma d'aquellas em que se commetteram maiores crimes, não só em Portel, como em Barrancos e nas suas visinhanças. O governo, tendo a peito que fossem punidos os criminosos, nomeou authoridades administrativas que fossem estranhas áquellas terras; nomeou um juiz de summa probidade e de um caracter firme e decidido a cumprir o seu dever, e o mesmo fez em quanto ao ministerio publico. Essas authoridades, de accôrdo entre si, e coadjuvadas pela força militar, por destacamentos ambulantes, restituíram á comarca a força moral, a ponto de que os criminosos, que quatro ou seis mezes antes de certo seriam absolvidos pelo jury, pelo terror que lhe tinham infundido, foram julgados depois pelos proprios visinhos, pelos lavradores dos montes e das herdades, e foram condemnados ou absolvidos segundo as provas apresentadas, e o que se havia passado na audiencia. (Apoiados.) Depois d'isto acontecer na comarca, onde se tinham commettido os maiores crimes e attentados, porque toda a camara sabe e conhece os crimes de Portel, de Barrancos, e de Monsaraz, onde as familias quasi que tratavam de se exterminar umas ás outras, parece-me que o mesmo resultado se ha de conseguir na comarca de Midões, onde o governo se tem empenhado em pôr boas authoridades, e o mesmo se ha de conseguir na comarca da Figueira, em Lavos, onde desgraçadamente se commetteram tambem alguns crimes como a camara Sabe.

Pela parte que toca ao ministerio a meu cargo, direi a s. ex.ª, que as authoridades judiciaes de Midões e Arganil, pelo que pertence a juizes e ao ministerio publico, são authoridades de intelligencia, e que hão de cumprir bem o seu dever; e tendo o governo ultimamente nomeado administradores estranhos áquellas terras, e havendo alli uma força militar debaixo das ordens das authoridae.es, para a perseguição dos malfeitores, estou convencido de que, nos julgamentos que tiverem logar, o juiz e os jurados hão de decidir, segundo as provas que se apresentarem no tribunal, sem coacção nem terror. Não me parece por isso necessaria a medida extraordinaria, de que os criminosos, que têem influencia em certas localidades, sejam julgados na comarca mais visinha, porque á intelligencia do illustre deputado não escapará, que importa muito ás vezes para uma decisão conscienciosa, que os jurados tenham um perfeito conhecimento do facto sobre que teem de decidir; (Apoiados.) e não o podem ter, se elles forem de uma comarca differente, e o juiz julga não só pelas provas, mas pelo que sabe.

Assim, sr. presidente, concluirei dizendo ao nobre deputado, que eu insisto e solicito de V. ex.ª e da camara, que os projectos que apresente sejam discutidos, para ver se são approvados igualmente na outra camara e sanccionados, porque d'ahi resultará grande beneficio e interesse para a punição dos crimes; e tambem para repressão d'elles, por meio da punição. Direi mais ao illustre deputado, que em quanto á execução das sentenças, pelo ministerio a meu cargo, se têem empregado todos os meios para ser levada a effeito. Desde que estou no ministerio tem saído muito maior numero ele degradados do que anteriormente. Ultimamente foram duzentos, e já tinham ido cento e quarenta e tantos, e por outras vezes uns trinta e tantos, quando o regular era irem duzentos por anno.

Parece-me que com estas explicações o illustre deputado se dará por satisfeito; e eu empregarei os meios para se conseguir o fim que se pretende. (Apoiados.)

O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, eu começo por agradecer a s. ex.ª a urbanidade e delicadeza, com que se dignou responder á minha interpellação; e agradeço tambem uma declaração feita pelo illustre ministro, e que veiu destruir o conceito, que eu tinha, a respeito do objecto. O illustre ministro acaba de declarar í camara, que o remedio para a punição dos crimes que se commettem, não só no districto de Evora, como nos outros districtos, isto é, para que os individuos tenham o devido castigo, está na escolha de authoridades capazes de desempenharem o seu dever. Ainda bem, que é uni membro do ministerio que vem fazer á camara uma declaração tão positiva! (Apoiados.) Ainda bem! Porque realmente era vergonhoso, que, n'uma desgraçada sociedade, que tem a pretenção de querer ter caminhos de ferros, e telegraphos electricos, não attendesse, em primeiro legar a um objecto tão importante, como é a repressão dos crimes. (Apoiados.) Eu entendo, que a repressão dos crimes ha de apparecer todas as vezes que as authoridades estiverem em posição de poderem cumprir os seus deveres. Em um dos concelhos do districto de Evora, para onde foi mandado um administrador intelligente e energico, conseguiu-se a punição dos criminosos; e o mesmo ha de acontecer, como s. ex.ª disse, em todos os outros concelhos. Ora, veja a camara no que está a cousa! Está na nomeação de um administrador de concelho intelligente e energico. (Apoiados.) Note a camara que a punição do crime tem logar, quando a authoridade cumpre com o seu dever; já a camara sabe que a punição dos criminosos não é um segredo, está apenas, repito, na nomeação de um administrador de concelho energico e intelligente, e que só com isso foi possivel apparecer a acção da justiça em um districto, onde por tanto tempo appareciam só os effeitos do crime. (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, o que é verdade é, que alguns districtos estão ainda á espera d'essa acção benefica de se nomearem para elles bons empregados. (Apoiados.)

Sr. presidente, a verdade é, que quando se demora o castigo e a acção da justiça, transfor.na-se completamente a acção tutelar das leis, e esta, sendo de muita vantagem na sociedade, passa a não produzir effeito algum, quando o castigo não segue de perto o crime. E eu, sr. presidente, quando lembrei a adopção de uma medida mais a s. ex.ª, ainda que não sou competente na materia, mas ás vezes os menos competentes no assumpto podem lembrar um meio qualquer, que esqueceu aos mais competentes, fundei-me, que em disposições analogas se segue; este arbitrio em Inglaterra. Na Irlanda, onde o estado de segurança não é bom, segue-se o arbitrio de julgar os crimes, fóra do logar onde são commettidos, e parece-me que em França se tem dado o mesmo caso.

Eu bem sei; conheço completamente as vantagens que

Página 219

-219-

ha de se processarem os individuos que são criminosos, nos logares onde commettem os crimes, já pela facilidade dos depoimentos das testimunhas, já por mil outras circumstancias; mas eu peço que sejam julgados fóra das respectivas comarcas, só como excepção, e quando se dá o inconveniente de não poderem ser punidos dentro das mesmas comarcas individuos que têem commettido uma serie de attentados, pelo terror que infundem nas testimunhas, etc.

Eu, sr. presidente, quando fallei a respeito da adopção dos projectos que tendiam ao melhoramento dos processos crimes, não me fiz cargo de julgar a excellencia d'esses projectos: conheço bem os limites dentro dos quaes me devo manter, mas visto que o ministerio tem uma grande maioria, e um dos resultados mais beneficos da maioria é a prompta adopção de medidas para a repressão dos crimes; [Apoiados.) por isso tomo a liberdade de lembrar ao illustre ministro, que não póde deixar de ser responsavel pela adopção de medidas para esta repressão. Eu sei, que o que fórma a alma dos ministerios é de certo o seu pensamento politico; mas tambem sei, que, em quanto estão n'aquellas cadeiras, são responsaveis pela demora que existir na adopção de medidas importantes, como estas, de que se trata: (Apoiados.) porque eu, acreditando o que vejo, não sei que a maioria se apresente hostil ao ministerio; antes, pelo contrario, contando com a maioria em ambas as casas do parlamento, deve-se aproveitar d'essa maioria, para que effectivamente projectos de tanta importancia não deixem de ser adoptados com urgencia, para que de uma vez saiamos d'este estado.

Eu não torno responsavel o governo pelos resultados das medidas que adoptar; mas entendo que tenho direito de accusar o governo, quando se mostre que abandona os meios para conduzir aos resultados que todos desejámos. Se acaso eu podér em alguma occasião mostrar isso, tenho feito ver, que a accusação é merecida: não a dirijo por esta occasião, porque o mais que tenho a dizer, relativamente aos meios de reprimir os crimes, diz respeito ao ministro de outra repartição, e em outra occasião me dirigirei a s. ex.ª sobre este assumpto. Repito, pois, que a adopção da medida que indiquei é para casos excepcionaes, para o caso dos crimes serem commettidos em maior escala, e para o caso que excita o terror nos logares, onde se commetteram; porque a verdade é, que ha comarcas onde até se não atrevem os individuos a fallar n'estes criminosos; alli o crime é ser inimigo do criminoso. (Apoiados.)

Parece-me que e necessario acabar com esta falsa posição em que se acham collocadas as differentes classes da sociedade: quero que este horror passe para os criminosos, em logar de estarem possuidos d'elle os pacificos cidadãos d'este paiz, e o nobre ministro acaba de declarar, que, quando as authoridades são convenientemente escolhidas, conseguem o brilhante resultado de fazer apparecer os mais bellos instinctos do paiz.

O sr. Presidente: — Falta tão pouco para dar a hora, que com quanto esteja presente o sr. ministro da marinha, julgo inutil dar andamento á interpellação hontem começada.

O sr. Correa Caldeira: — V. ex.ª dá-me a palavra para um requerimento?

O sr. Presidente: — Mas se é relativamente a esta interpellação, então ha mais srs. deputados que tambem pediram a palavra, para fallar n'ella.

O sr. Correa Caldeira: — Pois o requerimento que eu quero fazer é um corollario da declaração que V. ex.ª acaba de fazer..

O sr. Presidente: — Como não sei para que é o requerimento, dou-lhe a palavra, mas se for relativo á interpellação, não sei que andamento possa ter.

O sr. Corrêa Caldeira: — Eu requeria a V. ex.ª que, attenta a importancia do objecto, e attendendo a que alguns srs. deputados têem pedido a palavra, para fallar n'esta interpellação, V. ex.ª consultasse a camara, a fim de que se désse para a sessão seguinte a continuação d'esta interpellação, sendo permittido a todos os deputados, que o quizerem fazer, poderem tomar parte n'ella. Parece-me que isto é o mais curial.

O sr. Presidente: — Não tenho duvida em consultar a camara—sobre se consente que os srs. deputados, que assim o pretenderem, possam tomar parte na interpellação; e quanto a dar para-a sessão seguinte a continuação d'esta interpellação, se o sr. ministro podér apresentar-se, ella ha de continuar na ultima hora. (Apoiados — e vozes: — Na hora competente.)

O sr. José Estevão: — Não é isto o que o illustre deputado pedia?

O sr. Corrêa Caldeira: — Eu pedia que se começasse por ella, e que continuasse até se concluir.

O sr. Presidente: — Ah!, isso é diverso: sobre isso tenho que consultar a camara.

O sr. José Estevão: — Eu desejo dizer poucas palavras á camara, e parece-me que o illustre deputado ha de concordar com as minhas idéas. Eu suppuz que o illustre deputado não tinha intenção de retalhar ainda mais a ordem do dia, que já está bastante retalhada. V. ex.ª, sr. presidente, é primeiro que ninguem habil para testimunhar que uma ordem do dia composta de tres assumptos, é um meio de se perder muito tempo sem se fazer nada. Que a interpellação continue na ultima hora, parece-me que não é pouco, e eu tenho tambem a palavra n'esta questão, e por isso não posso ser suspeito. Mas o que eu não quero, é que esta eterníssima questão sáia da ultima hora da ordem do dia, para nos vir tomar a hora inteira; nem sei como haja coragem, força e empenho em querer protrahir um debate, que é insípido, e que eu já não posso aturar. Portanto, dando-se unia hora no fim da sessão para a questão=Ximenes, =isto será bastante, e espero a acquiescencia do illustre deputado... (O sr. Corrêa Caldeira: — Pois faz mal, porque lh'a não dou.) Pois então digo que não esperava tanta dureza da parte do illustre deputado; e peço á camara que não consinta na proposta do illustre deputado, e não porque eu receie a questão, mas porque não desejo que se prejudique a questão dos morgados, na qual tenho a palavra, porque ha muito tempo que tenho uma verdade que dizer aos meus amigos, e é, que será altamente impolitico e improprio d'esta camara, que deixemos de fazer uma lei de morgados, seja ella qual for. (O sr. Corrêa Caldeira: — Ainda que seja má?) A camara não deve separar-se sem fazer este serviço ao seu paiz, (Apoiados.) sem fazer uma lei de morgados, qualquer que ella seja.

Portanto, com prejuizo da lei dos morgados, peço á camara que não consinta em ordem do dia alguma. Fóra d'isto, façam-se até sessões extraordinarias para esta interpellação, porque eu o primeiro ponto que tenho a propor, é se isto ha de ser uma questão eterna. Deus nosso Senhor tem marcado a vida ao cavalheiro de que trata, mas nós ainda havemos de tratar de quando se ha de acabar esta questão gigante, e ao sr. ministro pediria que visse se tinha lá pelo seu ministerio algum meio que produzisse a morte politica d'esta questão, e se acha meio de a fazer embarcar.

Por consequencia, sem prejuizo da lei dos morgados, voto por tudo quanto se quizer, mas com prejuizo d'esta lei, por modo nenhum.

O sr. Corrêa Caldeira: — Eu queria explicar o motivo por que ha pouco pedi que na sessão seguinte se começasse pela interpellação, e se continuasse n'ella até se concluir. É notavel como o illustre deputado, do principio que estabelece, tira consequencias inteiramente contradictorias.

O nobre deputado conhece que é inconveniente e muito prejudicial pára a boa ordem dos trabalhos da camara esta especie de podam da ordem do dia, esta ordem do dia retalhada e dividida em tres ou quatro cousas differentes, e conclue pelo contrario do que pediu...

O sr. José Estevão: — Dá licença?

O Orador: — Pois não!

O sr. José Estevão: — Eu contra que argumentei foi com! a ordem do dia retalhada era tres ou quatro assumptos, por

Página 220

— 220 —

que isto é novo; mas uma hora no fim de cada sessão para as interpellações isso entendo conveniente, e a reclamar contra isto, tinha que reclamar contra todos os precedentes d'esta camara.

O Orador: — O nobre deputado sente e lamenta que se eternise esta questão relativa ao sr. visconde do Pinheiro, em quanto que é o proprio que deseja e quer que ella seja eterna. Para a questão se acabar, era resolver a camara que na sessão seguinte se começasse por ella, e que se continuasse até se acabar, e d'este modo estava resolvido o que o illustre deputado deseja.

Ora, a respeito dos morgados permitta-me o illustre deputado que lhe diga uma cousa, e é, que se não faz nada com este projecto. Creio e acredito que seria muito util e muito vantajoso que se fizesse uma boa lei de morgados. mas não uma lei como esta que se propõe, que não ha de abolir vinculo algum, e que não ha de servir senão para um viveiro de demandas. Desejaria que a camara fizesse uma lei de morgados, mas uma lei logica, coherente e vantajosa; e como o projecto não tem nenhuma d'estas qualidades, não tenho entrado na sua discussão, nem o combato, nem o impugno; aproveitei esta occasião para deixar consignada esta minha opinião. Emquanto ao mais, peço a V. ex.ª que tenha a bondade de consultar a camara no sentido que disse=se quer que na sessão seguinte, logo depois da primeira parte da ordem do dia, se entre na discussão d'esta interpellação, até se terminar. =

O sr. José Estevão: — Qualquer que seja o empenho que tenham alguns dos meus collegas n'esta questão, não nos devemos deixar seduzir por este empenho. Não devemos consentir que se dê a esta discussão as honras que não merece. O illustre deputado propõe uma sessão continuada, e permanente... (O sr. Corrêa Caldeira: — Não a proponho permanente.) não disse expressamente, mas o resultado é termos uma sessão permanente; e I camara não havia de ser tão innocente que votasse essa proposta. Creio que não temos mais nada senão conservar os precedentes da camara, desde que ha parlamento.

Consultada a camara sobre a indicação do sr. Corrêa Caldeira, resolveu negativamente.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda feira é a continuação da de hoje, e para a primeira parte o artigo 3.° do projecto n.° 4, que ficou para se discutir em separado; isto se o sr. ministro da fazenda se achar presente. A interpellação do sr. Canto fica para a ultima hora d'aquellas sessões a que comparecer o sr. ministro da marinha. Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×