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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 11 DE ABRIL DE 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

José de Menezes Toste

Chamada — Presentes 60 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Affonso Botelho, Garcia de Lima, Annibal, Abilio, Soares de Moraes, Ayres de Gouveia, Gouveia Osorio, Seixas, A. Pinto de Magalhães, Mazzioti, Mello Breyner, Antonio Pequito, Pinheiro Osorio, Pinto de Albuquerque, A. V. Peixoto, Zeferino Rodrigues, Barão do Vallado, Barão do Rio Zezere, Freitas Soares, Albuquerque e Amaral, Abranches, Almeida e Azevedo, Bispo Eleito de Macau, Cesario, Domingos de Barros, Barroso, Borges Fernandes, F. L. Gomes, F. M. da Costa, Sant'Anna e Vasconcellos, Gomes de Castro, Mendes de Carvalho, João Chrysostomo, J. J. de, Azevedo, Nepomuceno de Macedo, Aragão Mascarenhas, Sepulveda Teixeira, Matos Corrêa, Neutel, J. Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Infante Pessanha, Alves Chaves, Fernandes Vaz, Figueiredo Faria, J. M. de Abreu, Frasão, Rojão, Menezes Toste, José de Moraes, Camara Falcão, Camara Leme, Alves do Rio, Rocha Peixoto, Sousa Junior, Murta, Pereira Dias, Pinto do Araujo, Miguel Osorio, Ricardo Guimarães e Thomás Ribeiro.

Entraram durante a sessão — Os srs. Adriano Pequito, Braamcamp, Vidal, Sá Nogueira, Carlos da Maia, Brandão, Gonçalves de Freitas, Arrobas, A. de Serpa, Palmeirim, Barão das Lages, Barão, de Santos, Barão, da Torre, Garcez, Beirão, Carlos, Bento, Ferreri, Cyrillo Machado, Pinto Coelho, Almeida Pessanha, Fernando de Magalhães,

Fortunato de Mello, Bivar, Coelho do Amaral, Fernandes, Costa, Ignacio Lopes, Izidoro Vianna, Gavicho, Bicudo. Correia, Cadabal, Gaspar Pereira, Gaspar Teixeira, Pereira de Carvalho e Abreu, Guilhermino de Barros, Henrique de Castro, Medeiros, Blanc, J. A. de Sousa, Mártens Ferrão, Fonseca Coutinho, Albuquerque Caldeira, Joaquim Cabral, Torres e Almeida, J. Coelho de Carvalho, Simas, Mello e Mendonça, Lobo d'Avila, Ferreira da Veiga, José da Gama, Sette, Luciano de Castro, Casal Ribeiro, Costa e Silva, Alvares da Guerra, Sieuve de Menezes, Silveira e Menezes, Gonçalves Correia, Oliveira Baptista, Mendes Leal, Julio do Carvalhal, Levy M. Jordão, Freitas. Branco, Vaz Preto, Monteiro Castello Branco, Charters, Moraes Soares, Fernandes Thomás, Teixeira Pinto e Visconde de Pindella.

Não compareceram — Os srs. A. B. Ferreira, Correia Caldeira, Quaresma, Antonio Eleutherio, Ferreira Pontes, Fontes, Lemos e Napoles, Pereira da Cunha, Lopes Branco, David, Oliveira e Castro, Claudio José Nunes, Conde da Azambuja, Conde da Torre, Cypriano da Costa, Poças Falcão, Drago, Abranches Homem, Diogo de Sá, F. M. da Cunha, Pulido, Chamiço, Silveira da Mota, Cota Xavier, Calça e Pina, Ferreira de Mello, Galvão, José Guedes, D. José de Alarcão, Latino Coelho, Batalho, Affonseca, Moura, Alves Guerra, Manuel Firmino, Mendes Leite, Marianno de Sousa, Modesto, Placido de Abreu, Simão de Almeida e Vicente de Seiça.

Abertura — Ao meio dia e tres quartos.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.º Uma declaração do sr. Gomes de Castro, de que o sr. Placido de Abreu tem faltado e continuará a faltar a algumas sessões por motivo justificado. — Inteirada.

2.° Um officio do ministerio do reino, devolvendo, informada, a representação em que a misericordia de Torres Novas pede um edificio nacional, para n'elle estabelecer o seu hospital. — Á commissão de fazenda.

3.º Do mesmo ministerio, dando os esclarecimentos pedidos pelo sr. A. Pinto de Magalhães sobre os serviços prestados pela dissolvida camara municipal de Alijó, por occasião da epidemia que grassou em Villar de Maçada. — Para a secretaria.

4.º Do ministerio da guerra, acompanhando a conta corrente d'este ministerio, com o fundo proveniente da remissão do serviço militar de mancebos recrutados, cumprindo assim o disposto no artigo 8.° § unico da lei de 4 de junho de 1859. — Á commissão de guerra.

5.º Uma representação da camara municipal do concelho da Villa do Bispo, pedindo a continuação do caminho de ferro de Beja para o Algarve. — Á commissão de obras publicas.

6.º De alguns fabricantes de cortumes, reclamando contra a repartição do tributo industrial que lhes é lançado, nos termos da tabella A annexa á carta de lei de 30 de julho de 1860. — Á commissão de fazenda.

7.º Da mesa da misericordia de Evora, pedindo que a lei da desamortisação de 4 de abril do 1861 seja applicada aos bens das misericordias e hospitaes. — Á commissão de administração publica.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

REQUERIMENTOS

1.º Requeiro que, pela secretaria dos negocios da marinha e ultramar, seja remettida a esta camara a copia da portaria, pela qual se ordenou pelo mesmo ministerio á junta de fazenda de Goa que abonasse ao governador geral da India 15:000 xerafins, como indemnisação de despezas feitas em visitar as possessões inglezas e na hospedagem de funccionarios inglezes, e de outra pela qual foram abonados ao mesmo governador mais 6:250 xerafins.

Camara dos deputados, 9 do abril de 1864. = Francisco Luiz Gomes, deputado por Salsete.

2.º Requeiro que o governo, pelo ministerio dos negocios da justiça, haja de enviar a esta camara a lista nominal de todos os juizes de direito de 1.ª instancia, segundo as classes a que elles pertencerem, e collocação que tiverem nas mesmas classes na data em que for confeccionada aquella lista. = B. F. de Abranches, deputado peja ilha de S. Thomé.

3.º Requeiro, com urgencia, que o governo, pelo ministerio dos negocios da justiça, haja de enviar a esta camara um mappa demonstrativo de todos os processos civeis, crimes e orphanologicos que n'estes tres ultimos annos judiciaes têem sido distribuidos em cada um dos dois julgados da comarca da Chamusca. = B. F. de Abranches, deputado pela ilha de S. Thomé.

4.º Não tendo sido satisfeito, pelo ministerio dos negocios da justiça, o requerimento que fiz na sessão de 5 de março da 1863, relativo á remessa dos mappas estatisticos dos differentes processos, que nestes tres ultimos annos foram distribuidos no supremo tribuna! de justiça, nas relações e nos differentes julgados das comarcas do continente do reino e ilhas adjacentes, requeiro que novamente se officie ao governo, instando-se pela remessa d'aquelles documentos. = B. F. de Abranches, deputado pela ilha de S. Thomé.

Foram remettidos ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS

PROJECTO DE LEI

Senhores. — O § 30.° do artigo 145.° da carta constitucional garante a instrucção primaria e gratuita a todos os cidadãos.

Na Villa de Redondo, cabeça de comarca e sede de um dos circulos eleitoraes do reino, não ha aula regia de instrucção primaria, mas ha um collegio de recolhidas de Nossa Senhora da Saude, aonde por philanthropia e caridade se ensinam de setenta a noventa meninas pobres. O augmento do trabalho e do pessoal, e a carestia de todos os generos

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de consumo, impossibilitam estas servas de Deus a continuar a prestar seus serviços tão valiosos á sociedade. E para que ellas possam continuar em obra tão meritoria, e para se economisarem quanto possivel as rendas do municipio e da junta de parochia, é de justiça e de utilidade que se conceda a este collegio o mesmo subsidio que foi dado ao collegio de Nossa Senhora do Carmo de Villa Viçosa e a outros.

Por todas estas rasões, pois, tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E o governo auctorisado a conceder o subsidio annual de 20$000 réis ao collegio das recolhidas de Nossa Senhora da Saude da Villa de Redondo, para continuarem a dar aula gratuita de instrucção primaria ás meninas pobres.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

O deputado por Redondo, J. M. Rojão = João da Fonseca Coutinho.

Foi admittido e enviado á commissão de fazenda, ouvida a de instrucção publica.

O sr. Ministro das Obras Publicas (João Chrysostomo): — Pedi a palavra para mandar para a mesa duas propostas de lei que vou ler.

São as seguintes:

PROPOSTA DE LEI N.º 55-D

Na carta de lei de 15 de julho de 1862 se estabeleceram os principios e se fixaram os meios que pareceram mais acertados e efficazes para construir e classificar as estradas geraes e as estradas districtaes e municipaes do reino.

Não é menos urgente porém attender por via de providencias adequadas á policia e conservação d'estas vias de communicação.

Do orçamento da despeza do ministerio das obras publicas, commercio e industria para o exercicio de 1864-1865 que vos foi presente, podeis observar que a quantia que o governo julga necessaria no futuro anno economico para a conservação e policia das estradas ordinarias de primeira ordem é de 120:000$000 réis, quantia na verdade diminuta para os trabalhos de uma conservação normal em proximo de 2:000 kilometros de extensão, se se attender alem d'isso a que d'aquella quantia terão de saír as sommas que forem indispensaveis para se acudir a algumas reparações que não entram propriamente na conservação ordinaria.

Aquella despeza deve pois rapidamente augmentar, não só pela referida causa, mas sobretudo pelo desenvolvimento da nossa rede de viação ordinaria, a qual devendo attingir no fim de alguns annos a extensão de mais de 5:000 kilometros, quando estejam construidas todas as estradas de primeira ordem designadas na citada lei, exigirá uma despeza annual de conservação de cerca de 500:000$000 réis.

Estas considerações são de sobra para mostrar a necessidade do governo, desde já procurar introduzir n'este novo e importante ramo de serviço publico, que exige uma despeza permanente tão consideravel, todos os melhoramentos de que é susceptivel, preparando os elementos de uma boa administração por via dos regulamentos adequados e das praticas e methodos mais apropriados e economicos de policia e conservação das estradas em uso nas nações mais cultas.

Mas estes regulamentos não podem deixar de encerrar algumas disposições policiaes que dependem de sancção legislativa.

Não são estas vias de communicação sómente que reclamam a attenção do governo n'esta parte.

Os nossos rios, canaes, valias e portos carecera igualmente de uma policia adequada que obste ás usurpações frequentes n'esta parte do dominio publico, reprimindo efficazmente os abusos da lei e as transgressões aos regulamentos policiaes e administrativos.

Pelo que toca ás vias ferreas a carta de lei de 4 de agosto de 1856 auctorisou o governo a decretar as disposições que dependessem de medida legislativa ácerca do serviço da exploração e policia dos caminhos de ferro de Portugal, e em virtude d'esta auctorisação foi, por decreto de 23 de outubro do mesmo anno, mandado observar o regulamento provisorio que faz parte do mesmo decreto.

Entretanto o desenvolvimento da viação accelerada entre nós e principalmente nas nações que nos precederam n'esta ordem de melhoramentos tem mostrado a necessidade de se adoptarem algumas outras disposições, convindo portanto rever e completar o referido regulamento provisorio.

Assim, de tudo quanto fica ponderado, torna se patente a necessidade de decretar os regulamentos policiaes e de conservação de todas as nossas vias de communicação de qualquer especie, adoptando providencias analogas ás que a respeito de similhante objecto se acham em vigor nas nações mais bem administradas da Europa, harmonisando estes regulamentos entre si e com as instituições e principios de administração que nos regem.

É fundado n'estas rasões que tenho a honra de propor á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a decretar as disposições que dependerem de medida legislativa ácerca do serviço de policia, exploração e conservação dos caminhos de ferro, telegraphos, estradas, rios, canaes, valias e portos de mar.

Art. 2.° O governo fará os regulamentos necessarios, dando conta ás côrtes do uso que tiver feito d'esta auctorisação.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, 11 de abril de 1864. = João Chrysostomo de Abreu e Sousa.

Foi enviada á commissão de obras publicas.

PROPOSTA DE LEI N.° 55-E

Senhores. — No orçamento das despezas extraordinarias do ministerio das obras publicas, commercio e industria para o anno economico de 1864-1865, modificado de accordo com o governo pela vossa commissão de fazenda, como se vê do parecer da mesma n.° 34, estão consignadas as differentes sommas com que se deve attender no referido anno ás necessidades da viação. Ali se descrevera as seguintes verbas com referencia a estradas no continente do reino.

1.º Para reparação........................ 40:000$000

2.º Para estudos.......................... 30:000$000

3.º Para construcção de estradas de 1.ª ordem, em conformidade com a lei de 15 de julho de 1862... 1.000:000$000

4.º Para a estrada de Valença a Caminha.... 40:000$000

5.º Para estradas districtaes e municipaes. 250:000$000

Somma..... 1.360:000$000

Com estas quantias se poderão levar a effeito n'aquelle anno economico cerca de 300 kilometros de estradas.

Se não é este ainda o desenvolvimento que annualmente convem dar á nossa viação ordinaria, é elle comtudo superior aquelle que tem tido similhantes obras nos annos anteriores, e pelo menos sufficiente para que, segundo o que prescreve a lei de 15 de julho de 1862, se concluam no praso marcado no artigo 32.° as estradas a que se refere a tabella n.° 3 da citada lei. Quando ella se discutiu manifestaram-se então alguns receios de que se não podesse construir annualmente uma tal extensão de estradas; mas têem decorrido apenas dois annos e os factos vem demonstrar o contrario, e não só os factos como tambem as aspirações do paiz convergem para se dar um maior desenvolvimento á viação ordinaria. O decretamento da construcção de 1:500 a 1:600 kilometros de estradas em cinco annos que então parecia muito, agora parece pouco e de todos os lados se mostra a impaciencia de gosar mais promptamente dos resultados que se entreviam ha alguns annos e que hoje começámos a sentir. Feliz indicio este da rapida evolução que se tem operado nos espiritos e do progresso real que nas idéas e nos factos temos alcançado.

Em junho de 1861 tinhamos apenas 1:400 kilometros de estradas, e no fim do actual anno economico teremos perto de 2:000. Assim pois o termo medio annual d'estes tres ultimos annos foi de proximo de 200 kilometros, quando anteriormente pouco mais excedia de 120.

Actualmente temos mais de 400 kilometros de secções ou lanços de estradas postas em arrematação ou mandadas construir por administração, e no fim do proximo anno economico devemos ter mais de 2:300 kilometros concluidos.

E pouco realmente para as necessidades do paiz, mas é muito se considerarmos que ha poucos annos nada tinha mos, e que n'estes ultimos tempos se construiram ao mesmo tempo proximo de 700 kilometros de caminhos de ferro. Ainda que não convenha parar na construcção das nossas vias ferreas, é certo comtudo que ellas poderão proseguir sem um tão rapido desenvolvimento como tiveram nos tres annos findos e sem tão pesados sacrificios para o thesouro.

O mais custoso tanto em viação ordinaria como em viação accelerada está vencido, porque os começos são sempre difficeis e laboriosos, e entre os estorvos de differentes ordens não era o menor a falta de um pessoal em numero sufficiente e com as habilitações necessarias.

O governo bem desejara já na premente sessão apresentar-vos algumas medidas mais largas para o desenvolvimento da viação ordinaria; não o comportam porém as circumstancias presentes e a estreiteza do tempo de que podemos dispor; espera comtudo que na proxima legislatura possam apresentar-se ás côrtes propostas que dêem ainda um mais forte impulso á construcção das estradas tanto de 1.ª ordem como districtaes e municipaes.

No entanto estão lançadas as bases para estes melhoramentos na carta de lei de 15 de julho de 1862 e na proposta para a construcção dos caminhos municipaes que pende da vossa esclarecida deliberação, e que muito urge converter em lei antes do encerramento da actual sessão; e o progressivo e auspicioso augmento das nossas receitas nos habilitarão ao emprehendimento não só d'estes, mas de muitos outros melhoramentos, mananciaes perennes da riqueza publica.

Emquanto porém isto se não der e aquellas duas providencias legislativas não estiverem era completa execução, os districtos e os municipios carecem de receita propria para fazerem face ás necessidades da viação local.

Forçoso é pois que, n'este estado de transição, o governo vá em seu auxilio temporariamente com mais amplos subsidios do que aquelles que permitte a carta de lei de 15 de julho de 1862.

Por outro lado é tão urgente construir quanto antes todas as estradas que mais directa e immediatamente communicam os caminhos de ferro com as povoações proximas, a fim de que d'elles se tire promptamente o maximo proveito, que se torna necessario ficar o governo auctorisado a construir essas estradas ou inteiramente á custa do estado, ou subsidiando mais largamente as localidades que as pretenderem levar a effeito.

Em vista pois do que fica exposto tenho a honra de vos apresentar a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Fica o governo auctorisado a construir no proximo anno economico de 1864-1865 á custa do estado as estradas districtaes e municipaes que directamente communicarem as estações dos caminhos de ferro com as estradas de 1.ª ordem ou com ás povoações importantes, tendo a preferencia na ordem da construcção aquellas das ditas estradas, para as quaes os respectivos districtos ou municipios contribuírem com algum subsidio não inferior a um quarto da despeza total.

Art. 2.° Fica igualmente auctorisado o governo a construir desde já as estradas das tabellas n.ºs 1 e 2 da lei de 15 de julho de 1862, que se acharem nas circumstancias do artigo 1.°

Art. 3.° As despezas com a construcção das estradas de que trata o artigo 1.° sairão da verba descripta no orçamento da despeza extraordinaria para o exercicio de 1864 a 1865 do ministerio das obras publicas, com applicação para subsidios das estradas districtaes e municipaes.

Art. 4.° As despezas com a construcção das estradas de que trata o artigo 2.° sairão da verba inscripta no mencionado orçamento com applicação á construcção das estradas de que trata a carta de lei de 15 de julho de 1862.

Art. 5.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 11 de abril de 1864. = João Chrysostomo de Abreu e Sousa.

Foi enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Devo declarar a v. ex.ª que, tendo-me sido annunciadas varias interpellações sobre objectos do ministerio a meu cargo, acho-me habilitado para responder aos srs. deputados que desejarem ouvir explicações.

O sr. Presidente: — Tenha v. ex.ª a bondade de declarar qual é a interpellação a que deseja agora responder.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Estou prompto para responder a todas.

O sr. Presidente: — N'esse caso dou a palavra aos srs. deputados pela ordem da antiguidade com que foram annunciadas as interpellações. A primeira é do sr. Almeida Azevedo.

O sr. Almeida Azevedo: — Depois que mandei para a mesa a presente nota de interpellação relativa á estrada de Vizeu á Lamego por S. Pedro do Sul, já o nobre ministro das obras publicas, tanto n'esta camara, como a mim em conversas particulares, teve a bondade de manifestar positiva e terminantemente a grande consideração que lhe merecia esta estrada importante a todos os respeitos, e que ía providenciar, como effectivamente providenciou, para que os trabalhos d'ella continuassem com aquella rapidez que reclama a mais instante necessidade da sua construcção.

Entretanto, como v. ex.ª me concede agora a palavra sobre este objecto, uso d'ella para pedir ao illustre ministro que me consinta que eu, mais uma vez, chame a sua attenção sobre este transcendente assumpto, e que se digne declarar se com effeito já mandou os competentes engenheiros para continuarem nos estudos d'ella, e se ainda persiste no animo e tenção de dar-lhe o maior desenvolvimento possivel, como eu firmemente creio, attendendo á nobreza e honradez do seu caracter e ao grande desejo que sempre actua em seu illustrado espirito, para levar a cabo tudo quanto seja de conveniencia publica e interesse dos povos.

Eu provoco esta declaração do nobre ministro, tanto para minha satisfação, como das muitas e importantes povoações a quem esta estrada vae immediatamente utilisar, abrindo-lhes uma nova era de prosperidade, e que tão esquecidas têem sido até agora, apesar de se lhes terem dito muito boas palavras n'este sentido, como geralmente se costuma, mas sem realidade alguma.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Já mandei expedir uma portaria com a maior recommendação para se fazerem os estudos necessarios da estrada a que se referiu o sr. deputado, e que quanto antes me fossem presentes esses estudos.

Sei que têem havido difficuldades por falta de pessoal, mas já mandei apresentar ao engenheiro director dois empregados technicos, e espero em breve mandar apresentar mais um outro para satisfazer ás reclamações que se me têem feito n'este sentido.

Espero portanto que os estudos possam vir com a brevidade possivel, e logo que cheguem não tenho duvida alguma em mandar principiar os trabalhos d'esta estrada.

O sr. Almeida Azevedo: — Agradeço ao illustre ministro as explicações que acaba de dar com relação á estrada de que se está fallando, e nem outra cousa esperava eu ouvir da auctorisada bôca de s. ex.ª porque tendo já s. ex.ª percorrido estes sitias, como supponho, ninguem melhor do que s. ex.ª conhece as immensas vantagens economicas d'esta via de communicação importantissima, não só pelos pontos extremos que liga, mas tambem pelos seus pontos intermedios, cujo commercio e industria vae fomentar e desenvolver como, por exemplo, S. Pedro do Sul, Castro Daire e outras muitas e importantes povoações, a quem se deve de justiça o seu quinhão n'este sol da civilisação moderna. Espero portanto que s. ex.ª não affrouxará n'este seu designio, porque o affrouxar não é para os espiritos rectos, illustrados e justiceiros, como é o de s. ex.ª de que tem dado tão exuberantes provas.

O sr. José de Moraes: — Eu não estou preparado para verificar agora a interpellação que annunciei ao Sr. ministro, porque não tenho aqui os documentos que preciso para a verificar; entretanto sempre direi alguma cousa.

A lavra da mina de carvão de Buarcos foi dada ha muitos annos em contrato ao sr. conde de Farrobo, com o fim de a explorar, e ao mesmo tempo de semear de pinheiros uma grande quantidade de terreno.

Posso dizer a v. ex.ª e á camara que, se acaso se tivesse cumprido esta expressa e clara condição do contrato, imposta pelo governo ao explorador da mina, de certo hoje estaria n'aquella povoação um pinhal no valor de réis 200:000$000.

Infelizmente pouco ou nada se tem semeado n'aquelle terreno, e se alguma sementeira se tem feito é desde que eu annunciei a interpellação ao sr. ministro; porque estando eu no anno passado na villa da Figueira, e tomando informações com pessoas respeitaveis d'aquella villa, disseram-me que = depois que eu annunciei a interpellação é que o emprezario da mina tinha mandado semear uma porção de terreno para pinhal.

Chamo pois a attenção do sr. ministro das obras publi-

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cas sobre este objecto, a fim de que faça cumprir todas as condições d'aquelle contrato, porque não ha nada mais injusto e iniquo do que o governo cumprir as condições a que fica obrigado, e o contratador pela sua parte nada cumprir. Isto é uma perfeita burla que não póde nem deve continuar. S. ex.ª tem no chefe da repartição das minas um empregado muito zeloso e cuidadoso, o sr. Carlos Ribeiro, e mesmo o seu subordinado n'aquella repartição, que tem a seu cargo vigiar as minas do norte, e eu não posso deixar de dizer a s. ex.ª, que aquelle empregado immediato ao sr. Carlos Ribeiro tem applicado todos os seus esforços para que se cumpram as condições do contrato, mas não se têem cumprido.

Alem d'isto devo dizer a s. ex.ª, que aquella mina de carvão devia estar em exploração, não o está ha muito tempo, não se cumprindo tambem esta condição do contrato, porque só emprega meia duzia de homens que dizem que exploram aquella mina, emquanto que é conhecido que uma mina d'aquellas não se póde explorar com tão poucos operarios.

Entendo que o governo deve fazer cumprir todas as condições do contrato, e se acaso o emprezario não as quizer cumprir, o governo deve pôr em praça novamente a lavra da mina, porque ha quem a queira.

É preciso de uma vez para sempre que todos que contratam com o governo cumpram as condições a que se obrigam, assim como exigem que o governo cumpra as que lhe dizem respeito; e que não continue a burla que ha constantemente nos contratos do governo com os particulares.

Se acaso previsse que havia de verificar hoje esta interpellação, poderia trazer os documentos e provas evidentes d'este facto; mas não são precisos, e basta recorrer á letra expressa das condições 4.ª e 5.ª do contrato, e se o governo fizer cumprir estas condições, dará um exemplo de moralidade.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — A interpellação do illustre deputado foi annunciada ha bastante tempo, e não me posso agora recordar de todas as circumstancias deste negocio sem recorrer aos esclarecimentos que mandei reunir ácerca d'este assumpto, e que teria presente se soubesse que o illustre deputado pretendia hoje occupar-se d'elle. Entretanto posso desde já dizer, que dei as ordens necessarias no sentido da interpellação que o illustre deputado dirigiu ao ministerio a meu cargo. Têem havido difficuldades na execução d'aquella parte do contrato, porque isso prende com outras relativas aquella mina, que não estão completamente resolvidas. Mas se o illustre deputado desejar mais amplas explicações posso em alguma das sessões proximas vir munido com esclarecimentos que mandei colher a este respeito, e que me habilitarão a responder mais cabalmente sobre este objecto.

O sr. José de Moraes: — Como o nobre ministro não se declara habilitado para responder á minha interpellação, e como s. ex.ª disse que lhe parecia haver difficuldades sobre o cumprimento do contrato, difficuldades que, á vista do contrato, declaro que não podem existir senão por os contratadores não o quererem cumprir; fica esta questão adiada, e espero que s. ex.ª quando quizer e poder se declare habilitado para entrar nesta questão, e n'essa occasião virei tambem munido de alguns documentos ou talvez mesmo só com o contrato, e mostrarei que a rasão e a justiça está do meu lado.

O sr. Presidente: — Agora vae passar-se á interpellação annunciada ao sr. ministro das obras publicas em 4 de fevereiro pelos srs. deputados José Maria de Abreu e Simão Maria de Almeida, sobre a directriz da estrada da Beira pela margem do Mondego desde Coimbra até ao logar de Portella.

O sr. J. M de Abreu: — Eu sei em geral o objecto da interpellação que tinha annunciado ao sr. ministro das obras publicas, mas é cousa notavel que, depois de decorrerem mezes sem o governo se dar por habilitado para responder ás diversas interpellações que lhe têem sido dirigidas, appareça aqui o nobre ministro para de improviso tratar d'estes objectos sem previamente se ter feito o costumado aviso, porque ainda que o orador se queira referir a qualquer apontamento ou nota que tenha tirado, ou apresentar qualquer documento, não o póde fazer não o tendo aqui, porque não estava prevenido. Isto é tornar as interpellações uma pura formalidade, tirando lhe todo o valor e importancia; por isso poucas palavras direi para satisfazer a esta formalidade, já que assim se considera uma das mais importantes prerogativas do deputado (apoiados).

Eu creio, e digo creio porque não tenho presente nem a propria nota dessa interpellação, mas creio que tinha annunciado uma interpellação ao sr. ministro das obras publicas que versava sobre dois pontos, sendo um d'elles o traçado da directriz da estrada da Beira pela margem direita do Mondego desde Coimbra até ao logar da Portella.

Esta questão tem sido largamente ventilada n'esta camara e na imprensa, e tem excitado com justa rasão a attenção dos poderes publicos e dos povos das localidades a quem essa directriz sobremodo interessa.

No intervallo decorrido, desde que annunciei esta interpellação e a realisação hoje d'ella, succedeu que a commissão popular que se constituíra em Coimbra no anno proximo passado para promover a resolução d'este negocio no sentido que á maioria dos povos parecia mais conveniente, isto é, da directriz pela margem direita do Mondego, levantando-se uma ponte sobre o Mondego no sitio da Portella, para seguir depois a estrada por Ceira para a Beira; succedeu, digo, que aquella commissão se dirigiu aos deputados do districto de Coimbra, encarregando-os de elevar á presença de Sua Magestade uma representação em que, em nome dos povos que representavam, pediam a prompta resolução d'este

negocio, que desde largo tempo estava demorado. A commissão, tendo-me feito a honra de eleger-me para seu presidente, combinei com os meus collegas deputados pelo districto, sobre o melhor modo de nos desempenharmos do honroso encargo que nos fôra commettido, e em resultado assentámos de nos dirigir primeiro ao sr. ministro das obras publicas, apresentar-lhe os votos da commissão e significar-lhe que esses votos eram tambem os nossos, isto é, que era necessario levar a effeito com a maior urgencia aquella obra, porque d'ella dependia todo o ulterior andamento da obra geral da estrada que deve ligar as duas Beiras, abrir uma larga via de communicação ao commercio d'aquellas ricas provincias, e particularmente sendo Coimbra o centro do reino e devendo achar-se ligada esta cidade com as duas principaes cidades e portos maritimos do reino pela via ferrea, que já felizmente está em exploração desde Coimbra ao Porto e que brevemente o estará tambem desde Coimbra a Lisboa, e até á fronteira do reino vizinho. A commissão dirigiu-se effectivamente ao sr. ministro das obras publicas e foi acolhida por s. ex.ª com a maior deferencia (O sr. José de Moraes: — Apoiado.); a commissão recebeu do illustre ministro todas as seguranças, de que a obra se levaria a effeito, que os votos d'aquellas populações seriam attendidos, e que dentro em pouco se realisaria o traçado da estrada e obras subsequentes pela margem direita do Mondego, e construindo se a ponte sobre o Mondego no sitio da Portella.

A commissão deu-se por satisfeita com as declarações do sr. ministro, tão positivas e tão categoricas, como eram de esperar da sua illustração e do seu zêlo pelo serviço publico. Isto mesmo tive a honra de participar á commissão popular, entendendo que as formaes declarações do governo pelo órgão official do sr. ministro da repartição competente eram suficientes para tranquillisar a justa anciedade publica dos povos que representamos, e que nos habilitavam para exigir do ministro a devida responsabilidade. Pareceu-nos que depositando nas mãos do sr. ministro um acto official e com estas seguranças a representação, que pela commissão era dirigida a Sua Magestade, haviamos cumprindo o nosso dever.

Subsequentemente publicou-se a portaria de 18 de março ultimo, em que o sr. ministro das obras publicas mostrava o empenho de realisar os votos da commissão popular, votos que são os dos povos de toda a Beira, e que eram tambem os nossos.

Portanto por este lado eu devo dar-me por satisfeito, porque os actos do sr. ministro estão de accordo com as suas palavras e declarações; não posso comtudo, proporcionando-se-me esta occasião, de novamente chamar a sua attenção sobre esta importante questão, deixar de lhe pedir e instar, que empregue todos os seus esforços para que esta obra se realise quanto antes (apoiados).

Esta obra é sem duvida um pouco despendiosa e avultada, sobretudo pela construcção da ponte no sitio da Portella, e era para evitar esta despeza que alguem pretendia que a estrada seguisse a directriz pela margem esquerda, mas se por um lado a construcção da estrada por esta margem dispensava o levantar-se uma nova ponte, não era menos despendiosa por outro lado, senão mais, pelas muitas obras de arte que exigia desde S. Jorge até entroncar na ponte de Santa Clara, e pelo avultado custo das expropriações, o que não acontece pela margem direita; alem de todas as vantagens que para a mais facil viação offerece incontestavelmente esta directriz, e que ha de compensar largamente a despeza que se fizer (apoiados).

Eu creio que o sr. ministro está habilitado com meios ordinarios para levar a effeito esta obra, e se o não está, tive já occasião de dizer a s. ex.ª que é indispensavel que se habilite com elles, pedindo ás côrtes a auctorisação competente para levantar os fundos necessarios, de modo que se vote n'esta sessão ainda essa auctorisação. A estrada da quinta do Cachapuz para cima está já bastante adiantada, mas chegando em frente da Portella fica interrompida completamente por causa do rio.

A antiga estrada pela margem esquerda está tão deteriorada, e é tão perigosa sobretudo no inverno, muito difficil o transito, principalmente para os carros carregados de cereaes e outros generos que constituem uma parte mui importante do movimento de toda a provincia da Beira, generos que vão depois saír pela barra da Figueira, e a que o caminho de ferro offerece agora outro meio importante para alargar a área das transacções commerciaes; e já por isto se vê quanto urgente, é não só mandar fazer aquella importante obra da estrada pela margem direita do Mondego e da ponte no sitio da Portella, mas tambem estar o governo habilitado com os meios necessarios para lhe dar um grande impulso.

Eu estimei ver que a resolução que o sr. ministro das obras publicas tomou foi conforme com os votos d'aquelles povos, e que fez desapparecer as apprehensões que a este respeito havia pelas anteriores opiniões do illustre ministro, que muito folgo não fizesse prevalecer a sua opinião de homem technico sobre as conveniencias publicas como ministro. Mas mandar fazer uma obra não é realisa-la, quando para isso não ha meios, e portanto é preciso que o sr. ministro declare a esta camara se está auctorisado para as despezas necessarias para aquella obra; e não o estando, desejava que s. ex.ª dissesse se está resolvido a pedir, ainda nesta sessão, a necessaria auctorisação para levar a effeito aquella obra.

Segundo deprehendi da portaria de 18 de março ultimo, pareceu-me que predominava a idéa de seguir a directriz d'aquella estrada pela ladeira do seminario ao jardim botanico, em logar de seguir sempre pela margem do rio, pelo porto dos Bentos e Alegria. Se eu consultasse só a minha particular conveniencia e o que mais me interessa, folgaria muito com esta resolução; mas entendo que acima dos interesses particulares e pessoaes estão os interesses publicos, e para estes julgo mais conveniente que a estrada corra parallela á margem direita até ao caes novo proximo á portagem.

Todos sabem que o grande movimento commercial de Coimbra é, na sua maxima parte, na cidade baixa, e que ha de ser ali cada vez maior, pela proximidade da estação do caminho de ferro; alem da navegação pelo rio, e da estrada real de Lisboa ao Porto; portanto, parecia me da maior conveniencia que a estrada da Beira seguisse da Portella directamente para a cidade baixa, parallelamente á margem do rio, em vez de subir ao bairro alto para descer depois para o bairro baixo, aonde existe o principal commercio da cidade. Chamo por isto a attenção do nobre ministro sobre este ponto, porque me parece que a directriz da estrada devia acompanhar sempre a margem direita do rio. Ao menos assim o aconselham todas as conveniencias do commercio, e tambem a melhor construcção d'aquella estrada.

Um outro objecto da minha interpellação, era convidar o sr. ministro das obras publicas a attender á instante necessidade da construcção de uma pequena ponte sobre o rio Ceira na parte em que dá serventia ás diversas povoações, que ficam na margem esquerda d'este rio. É obra que interessa muito aquelles povoe, porque a navegação torna-se muito difficil n'uma parte do anno, sobretudo a baldeação dos carros para os barcos prejudica gravemente os interesses commerciaes dos povos de Ceira e freguezias proximas, que tem um importante commercio para Miranda do Corvo, onde ha todos os mezes um grande mercado, para a Louzã e outras povoações d'aquella parte do districto de Coimbra.

Espero que o sr. ministro me dará explicações satisfactorias sobre os assumptos para que chamei a sua attenção e a sua solicitude, e que são da mais reconhecida utilidade publica (apoiados).

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Antes de responder á interpellação que acabou de me dirigir o illustre deputado, o sr. José Maria de Abreu, seja-me permittido dizer que eu não posso ser increpado de que o nobre deputado se julgasse na necessidade de tomar hoje a palavra, e não em qualquer outro dia. Quando eu declarei que estava habilitado para responder ás interpellações que me tinham sido annunciadas, não sabia a ordem da inscripção em que s. ex.ª se achava collocado, e esta minha declaração só teve em vista convidar os illustres deputados que quizessem fazer uso da palavra, e de modo nenhum violentar s. ex.ª a tomar a palavra n'esta occasião.

Referindo-me agora ao objecto da interpellação, cumpre-me dizer primeiramente que o illustre deputado reconheceu que os desejos dos povos tinham sido cumpridos em grande parte, e acrescentarei que o foram até onde o governo podia satisfaze-los ao presente. No ministerio das obras publicas foi apresentado o ante-projecto da estrada do Ceira a Coimbra, que abrangia o traçado de uma certa extensão d'aquella estrada, sobre o qual não havia divergencia de opiniões; portanto o governo approvou essa parte do projecto, mas não o approvou na restante extensão, porque havia ainda divergencia de opiniões, e era preciso estuda-lo de novo. Apresentaram-se duas ou tres variantes; eram precisos portanto mais esclarecimentos, que o governo procura obter, e por consequencia o governo por emquanto limitou-se a approvar a extensão sobre que eram accordes o director das obras publicas do districto de Coimbra e o conselho de obras publicas.

É evidente pois que o governo resolveu a questão do modo por que a podia resolver, e na parte aonde não se offereciam duvidas; e emquanto ao modo de dar entrada a esta estrada na cidade de Coimbra, o governo ha de pedir todos os precisos esclarecimentos, e resolverá o que for conveniente, tendo sempre em vista os interesses das povoações, mas não podendo deixar de se firmar nas opiniões dos homens competentes que devem ser ouvidos a este respeito.

Agora pelo que respeita á parte a que se referiu o illustre deputado sobre o Ceira, não posso desde já dizer o que se poderá ordenar ácerca da sua construcção, porque depende isso dos necessarios exames, alem de que de todos os lados se dirigem ao ministerio das obras publicas representações, a fim de se obterem subsidios do governo para obras d'estas. É claro que a obra a que se referiu o illustre deputado é uma obra municipal, portanto ha de entrar em concurso com as outras pretensões de igual natureza.

Pelo que respeita aos meios para a construcção da estrada de Coimbra, esses meios estão na lei, e não julgo portanto necessario fazer-se uma lei especial para levar a effeito esta construcção.

Esta estrada está na tabella n.° 3, e na lei existe a auctorisação necessaria para a sua construcção.

O sr. J. M. de Abreu: — Começo por declarar ao illustre ministro que entendi dever verificar esta interpellação, apesar de não ter sido prevenido para ella, porque, como as interpellações não são frequentes pela ausencia dos srs. ministros, não quiz perder a occasião de a fazer, sem com isto pretender censurar o illustre ministro pelo modo como se verificam as interpellações, sem previo aviso, nem tambem censuro a mesa por esta irregularidade, porque não creio que seja culpa sua, mas das circumstancias.

Ouvi com toda a attenção o illustre ministro; mas não posso deixar de dizer que, se s. ex.ª se julga habilitado com os meios necessarios para a obra da ponte sobre o Mondego no sitio da Portella, é indispensavel que esta obra se leve a effeito sem mais delongas, porque, quanto á designação do ponto em que ella deve construir-se, não ha duvida nenhuma, e parecia-me por isso que era urgente que o no-

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bre ministro mandasse proceder, se não o ha já, ao orçamento d'esta obra com urgencia o a pozesse em praça se tem que ser feita por arrematação, ou mandasse proceder a ella por conta do governo, se assim for mais conveniente, porque uma obra d'aquella importancia exige tempo, porque é necessario reunir materiaes e aproveitar a epocha do anno em que o rio permitte que se façam as obras no seu alveo.

Emquanto ao traçado da estrada desde a Portella até ao sitio de Calhabé, é claro que não prejudica a directriz que se queira seguir para a cidade, porque chegando ao Calhabé tanto póde seguir na direcção da ladeira do seminario, como pela margem do rio. Devo notar comtudo que o traçado que está approvado é a parte mais facil, emquanto ás obras de arte, e menos despendiosa, pelas expropriações que são ali de pouco valor; emquanto pelo que respeita á parte mais difficil, mais despendiosa d'esta estrada, porque alem da obra da ponte tam as outras que são igualmente difficeis e custosas ou por um ou por outro lado, não vejo que se trate de proceder a ella com a urgencia que é por todos reclamada, estando ainda pendente de estudos a sua definitiva resolução. E é este o ponto para que mais especialmente chamo a attenção do sr. ministro, e particularmente quanto á construcção da ponte. A urgencia d'esta obra não carece de demonstrar-se (apoiados); e é tanto mais necessario cuidar d'ella, quanto se não póde fazer com tanta facilidade como qualquer outra, porque dependo de circumstancias especiaes, e uma parte d'esses trabalhos não podem ser feitos senão no verão; portanto é necessario que com antecipação o governo obtenha os meios e cuide dos trabalhos preparatorios para se levar a effeito esta obra, porque ha epochas no anno em que, ainda que s. ex.ª tivesse meios, não podia fazer a obra, quando o rio vae caudaloso, sendo por isso forçoso fazer se essa obra na estação competente. Emquanto outra parte que diz respeito ao traçado da estrada do Calhabé até á cidade, essa é urgentissima. O traçado que já se auctorisou pela portaria de 18 de março comprehende o lanço mais facil, e por conseguinte de mais prompta execução; mas o que é urgente é resolver a questão em relação ao traçado que se deve seguir desde o sitio do Calhabé até a cidade, ahi é que está a difficuldade tanto pelas obras de arte como pela despeza que se ha de fazer nas expropriações; é necessario dar impulso a estas obras; e debaixo d'este ponto de vista as necessidades imperiosas d'aquelles povos não se podem julgar suficientemente satisfeitas emquanto não forem resolvidos estes dois pontos, porque d'elles depende o complemento d'este negocio a que estão ligados não só os interesses de um districto, mas os de toda a Beira, e poderei mesmo dizer de uma grande parte do paiz.

Esta obra é de primeira necessidade, e sem ella grande parte dos melhoramentos economicos, que as vias ferreas devem trazer ao centro do paiz, não podem realisar se, porque hoje o grande commercio que devia fazer-se por aquella estrada está paralysado; os generos que vem aos mercados custam alto preço, e os productos agricolas não têem a extracção nem o consumo que podiam e deviam pela impossibilidade de serem transportados por esta estrada aos grandes centros da industria e do commercio.

Depois de tantos annos em que esta estrada foi decretada, e que se anda tratando de a construir; depois de tantas e tão justos reclamações dos povos, eu lamento que esteja sómente approvado o traçado da parte mais facil e menos despendiosa! Sinto que não se trate de dar começo ao menos á parte principal, que é a ponte! Este estado não póde continuar assim; não póde admittir-se por mais tempo que uma estrada em que se tem gasto muito dinheiro fique inutilisada por ter em frente um rio que córta toda a communicação facil e prompta com o ponto mais importante a que essa estrada deve dirigir-se, para que seja verdadeiramente util, e compense os sacrificios pecuniarios que tem custado e ha de ainda custar ao thesouro publico.

N'esta questão não ha divergencias politicas nem interesses partidarios, não ha senão o interesse do paiz em que nos devemos empenhar todos com a melhor vontade,

O sr. ministro das obras publicas tem de certo as mais rectas intenções a este respeito; e ai suas especiaes habilitações permittem-lhe, que possa apreciar melhor as questões technicas, e por isso espero que pela sua parte empregará toda a actividade e zêlo para que se resolva esta questão de uma maneira completa e definitiva quanto antes, e que não passe este anno sem ser approvado o traçado d'aquella obra em todas as suas partes, e sem se ter começado a ponte sobre o Mondego no sitio da Portella.

Quanto á ponte, que deve communicar a povoação de Ceira com a estrada que segue para Louzã, Miranda e outros pontos, espero que o sr. ministro das obras publicas tomará as providencias convenientes para que se realise uma obra de tanta necessidade e de tão reconhecida conveniencia para aquelles povos.

Espero que o sr. ministro tomará estas reflexões em consideração, não pela minha pessoa, porque não tenho auctoridade para isso, mas pelo interesse da causa publica e do districto a que me honro de pertencer, e cujos interesses me incumbe zelar e promover quanto em mim couber.

O sr. Ministro da. Obras Publicas: — Eu sinto não me ter feito comprehender bem, porque te isso tivesse acontecido, parece-me que as observações do illustre deputado eram desnecessarias.

Eu disse que tinha sido approvado o ante-projecto entre o Ceira e Calhabé, e que entre Calhabé e Coimbra ainda não havia estudos suficientes para o governo poder approvar o traçado. Ora, em vista d'isto, se o illustre deputado tivesse presente a portaria que foi expedida a este respeito, reconheceria que, na parte approvada do ante-projecto, se inclue a ponte sobre o Mondego, e que eu mandei proceder ao projecto definitivo d'ella e ao seu orçamento; e portanto as observações que o illustre deputado fez não têem fundamento, porque, repito, no anteprojecto da estrada se inclue o ante-projecto da ponte, e o orçamento exigido da estrada comprehende o orçamento da ponte. Por consequencia o governo deu as providencias que devia dar.

Quando vier o projecto definitivo da estrada, vem tambem o projecto definitivo da ponte, e depois de vir o projecto definitivo é que o governo póde mandar proceder á sua execução. Não só emquanto á continuação da estrada de Calhabé até Coimbra, como á parte restante entre Calhabé e a Beira, o governo deu as providencias que devia dar, mandando proceder aos estudos restantes com a maior urgencia.

Com estas explicações, parece-me que as apprehensões do illustre deputado devem estar desvanecidas, e não só com estas como tambem com as que já em outra occasião tive a honra de dar, quando s. ex.ª, em concurso com outros srs. deputados, me fez presente uma representação de alguns habitantes da cidade de Coimbra, e assim como então assegurei aos illustres deputados, agora novamente asseguro que, tão depressa esteja o projecto definitivo approvado, se dará começo ás obras da mesma estrada.

O sr. Faria Guimarães: — O sr. deputado Ayres de Gouveia e eu fizemos uma interpellação ao sr. ministro das obras publicas sobre um objecto que me parece que é urgente. Não devo preterir a ordem em que estão as interpellações, mas parece-me que, quando se trata de um objecto como aquelle sobre que nós annunciámos a interpellação, a preferencia é justificada. Trata-se de cereaes, trata-se da alimentação publica, e por isso eu pedia a v. ex.ª que consultasse a camara sobre se me concedia a palavra.

O sr. Presidente: — Eu dou-lhe a palavra.

O Orador: — Desde o principio d'este anno que a camara municipal do Porto tem representado ao governo primeira e segunda vez, e acaba de representar pela terceira vez ha poucos dias, pedindo ao governo a admissão de cereaes pela barra do Porto, e dando as rasões pelas quaes julga que essa admissão é indispensavel.

O governo, tomando este negocio em consideração, pediu informações, como é do seu dever, ás differentes auctoridades, e os governadores civis, ouvindo os respectivos conselhos de districto, deram as suas informações. Em virtude d'estas foi ouvido o concelho de commercio, e parece-me que a opinião do conselho foi que por ora não estava reconhecida a urgente necessidade da admissão de cereaes.

Em consequencia d'isso espalhou-se a noticia de que essa admissão não era concedida; mas parece-me que em fevereiro d'este anno, antes da consulta do conselho de commercio, uma communicação, que se póde reputar official, foi transmittida para o Porto pelo telegrapho ao governador civil interino daquelle districto, o qual a fez publicar nos jornaes da cidade, dizendo que o governo ía occupar-se com a maior brevidade da admissão de cereaes.

Em consequencia d'isto varios negociantes fizeram encommendas para os reinos estrangeiros de trigo e milho, e creio que oito embarcações carregadas d'estes generos deram entrada na barra do Porto.

(Interrupção que não se ouviu:)

O Orador: — Perdão. Eu mostrarei que não venho advogar os interesses dos negociantes. (Apoiados. — Vozes: Muito bem.)

Em consequencia da resolução tomada pelo governo de não admittir cereaes, essas oito embarcações que tinham entrado no porto saíram; mas outras embarcações estão em caminho, e o governo provavelmente não os admitte no Porto, mas persiste na sua opinião de que é preciso estabelecer uma lei permanente de admissão de cereaes (apoiados). Creio que o sr. ministro se occupa d'este objecto, para trazer o projecto á camara, mas esta medida não sei se poderá votar-se e converter-se em lei esta sessão.

Não sei quaes são os termos d'esta proposta, mas creio que é com direitos protectores. Eu não quero de modo nenhum que o governo deixe de proteger todas as industrias, mas a protecção da industria agricola póde conseguir-se pela admissão temporaria com os direitos que se julgam necessarios para a admissão permanente.

Eu estou persuadido que, posto que a admissão de cereaes não é n'este momento de grande urgencia (apoiados), é provavel que o venha a ser, e o governo carece de ficar auctorisado para a decretar no caso de se convencer da sua necessidade. Eu sou testemunha dos acontecimentos que tiveram logar em 1855. A camara municipal do Porto por vezes representou a necessidade da admissão de cereaes; tambem então se disse, que não havia necessidade de admitti-las, mas a final vieram os factos demonstrar que a camara do Porto tinha rasão. Chegaram as cousas a ponto de não apparecer um alqueire de milho na cidade do Porto. O que valeu n'essa occasião foi, que havendo ali um deposito de cereaes hespanhoes que, em conformidade do tratado feito com a Hespanha, tinham entrado pelo rio Douro e estavam armazenados para serem reexportados, apenas foi concedida a admissão, a camara municipal do Porto comprou todo o trigo que existia depositado, que era uma grande porção do 1:000 alqueires, e mandou vende-los na feira pelo mesmo preço por que estava o milho; e os povos d'aquella provincia que não estão acostumados a cozer pão de trigo, porque se alimentam principalmente de milho, deram se por contentes achando na feira trigo em logar de milho. O milho chegou n'aquella occasião a quartinho, e não o havia na feira!

Não sei se se dará outro caso igual; mas o que digo é que é necessario que o governo seja auctorisado antes de se fecharem as côrtes, para no caso de vir a reconhecer a necessidade da admissão, poder decreta-la sem ser necessario faze-lo dictatorialmente.

Desgraçadamente ha entre nós uma legislação a respeito de cereaes, que não sei que tenha justificação de qualidade alguma (apoiados).

Ha um porto franco para tudo menos para o pão. O milho, o trigo e outros cereaes não são admittidos a deposito, e o navio que por força de circumstancias dá entrada nos nossos portos carregado de cereaes, é obrigado dentro de dez ou não sei quantos dias a saír barra fóra, sem que possa descarregar os generos para deposito. Não sei que perigo podesse vir de conceder deposito aos cereaes.

E n'esta occasião parecia-me que o governo obraria com prudencia pedindo ás côrtes auctorisação (se é necessario, mas creio que não, e já tem isso sido concedido por meio de portarias, ainda que ás vezes tem vindo a politica metter-se de permeio para se censurar o governo) para ser permittido o deposito de cereaes, embora com a condição de reexportarem depois de um certo numero de mezes, verificando se que não são necessarias.

Estes meios são paliativos, mas emquanto não se discute-o approva uma lei permanente de cereaes, parecia-me conveniente, e para isto chamava a attenção do governo, admittir os cereaes por deposito, debaixo da fiscalisação da alfandega, para que não possa haver fraude, e elles apresentarem se no mercado sem que a lei permitta a sua admissão. D'este modo conciliavam se tambem os interesses d'aquelles que, fiados na communicação official, tinham mandado vir cereaes estrangeiros, comquanto não estivesse ainda decretada a sua admissão.

E se o governo está convencido de que deve fazer se uma lei que permitta a entrada dos cereaes mediante um certo direito, talvez que principalmente com relação á cidade do Porto poderem ser admitidos os cereaes com esse direito, que não digo que seja, mas pequeno ou grande, conforme se julgar conveniente. Eu tambem estou convencido de que por ora não ha necessidade da admissão livre de cereaes, mas aquelle direito que se entender que devem pagar os cereaes quando a lei permittir a sua admissão permanente, podia ser applicado áquelles que fossem admittidos agora em virtude da permissão temporaria.

Parece-me que o illustre ministro deve ter das auctoridades do reino informações que o levem a resolver esta questão do modo mais conveniente, e é necessario que quanto antes se trate de tomar uma resolução definitiva a este respeito, porque a expectativa em que se está de haver ou não haver admissão é prejudicial para o publico (apoiados).

Esta é a minha opinião.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Já em outra occasião dei explicações á camara sobre este assumpto, e agora procurarei responder ás observações que o illustre deputado acaba de fazer sobre o mesmo objecto.

O governo tem recebido representações da cidade do Porto e dos outros pontos da provincia do Minho, pedindo a admissão de cereaes estrangeiros. O governo, desejando habilitar-se para resolver o negocio convenientemente, dirigiu-se aos governadores civis, e pelas informações que d'elles obteve, alem de outras que teve proscritas, convenceu-se de que o receio da falta de cereaes no paiz não era tão fundado como se apresentava (apoiados). Entretanto o governo mandou consultar o conselho do commercio e agricultura a este respeito, e o conselho d> commercio e agricultura foi de opinião que o que havia a fazer era decretar a lei permanente dos cereaes (apoiados). O governo está n'esta convicção (apoiados). E necessario sairmos d'este estado (apoiados), e o que se está passando prova mais do que nunca a necessidade de termos uma lei permanente de cereaes (apoiados), porque não ha nada mais desvantajoso que é as subsistencias de uma nação serem objecto annualmente do jogo e dos azares de uma especulação aleatória (apoiados). Não é possivel uma exploração agricola regular e vantajosa em taes condições, nem o conveniente equilibrio entre a producção e o consumo no paiz, e isto é desfavoravel para o lavrador, alem de ser de um grande prejuizo para o consumidor (apoiados), que soffre d'esta incerteza e d'esta oscillação constante no preço das subsistencias mais essenciaes á vida (apoiados).

Portanto posso declarar á camara, desde já, que o governo ha de apressar-se em trazer ao parlamento uma proposta de lei permanente de cereaes (apoiados). O conselho de commercio foi novamente mandado ouvir a este respeito, e espero que dentro em poucos dias poderá apresentar o competente parecer. Este trabalho está encarregado a um homem de muito saber e illustração, e competentissimo n'este assumpto... (O sr. Casal Ribeiro: — Apoiado.) e que o tem estudado cabalmente; estou certo que apresentará breve o seu relatorio ao conselho de commercio, e este habilitará o governo a vir quanto antes apresentar ao parlamento uma medida a este respeito, tão alta e urgentemente reclamada pelos interesses nacionaes (apoiados. — Vozes: — Muito bem).

O sr. Ayres de Gouveia: — Eu não careço de acrescentar nada ás reflexões que fez o meu nobre amigo, o sr. deputado Faria Guimarães, e dou-me por satisfeito com a resposta do sr. ministro, de que = trará immediatamente uma lei permanente de cereaes =.

O sr. José de Moraes: — Eu tinha pedido a palavra para combater algumas cousas dar, que disse o sr. Faria Guimarães; mas, vista a resposta do sr. ministro das obras publicas, cedo da palavra. Direi apenas que em algumas das representações que ha a respeito da admissão dos cereaes se diz que = não devia permittir-se a introducção dos cereaes porque não havia pedras para os moer =(riso).

Como o sr. ministro ha de apresentar uma proposta de lei permanente sobre a admissão de cereaes, tratarei n'essa occasião de defender os interesses da agricultura que represento aqui; e se essa lei for boa approvo-a, porque desejo proteger a agricultora e acabar com o estado de cousas que as circumstancias tem trazido, e não pelo que se

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expõe em meia duzia de artigos de jornaes, escriptos por quem, sem fazer offensa a ninguem, não tem talvez sete palmos de terra para ser enterrado (riso).

E não venham aqui dizer que = em alguns districtos ha fome e falta de meios para comprar os cereaes que estão muito caros =. Eu declaro que no meu districto o milho está a 400 réis o alqueire; quer dizer, o preço do alqueire de milho não é igual ao preço que paga o lavrador para cultivar a terra (apoiados).

E posso fallar d'esta maneira, porque não tenho um grão de trigo nem de milho para vender; pois conhecendo que na abertura do parlamento haviam de apparecer estas petições fui-me preparando e vendendo o genero que tinha para vender, ainda que por um preço baixo, posto que não tão baixo como posteriormente o tem vendido aquelles que têem muito milho armazenado.

Emfim quando vier a lei permanente á discussão tratarei mais largamente d'este assumpto; respeitarei, como sempre, as opiniões de todos, e espero que respeitem tambem a minha (apoiados).

O sr. Levy: — Mando para a mesa um parecer da commissão do ultramar.

O sr. F. M. da Costa: — Em vista da direcção que a questão tem tomado, e da resposta que acabou de dar o sr. ministro das obres publicas, dou-me por satisfeito por emquanto, reservando-me para quando vier a lei permanente dizer ácerca d'este objecto a minha opinião que de ha muito tenho formado e sobretudo em defeza dos interesses da agricultura.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Este argumento apresentado pelo meu illustre amigo, o sr. José de Moraes, de que são aquelles que não têem sete palmos de terra para se enterrarem que pedem o pão barato, é um argumento contraproducente no sentido das idéas que o illustre deputado advoga. É exactamente aquelles que não têem sete palmos de terra para se enterrarem que se deve proporcionar o pão barato, porque o pão, todos nós sabemos, nem eu quero fazer prelecções de economia politica; mas o pão é a materia prima de todas as industrias (apoiados). Isto é uma questão largamente debatida e hoje julgada em toda a parte onde se tem pensado seriamente n'estes assumptos.

Não tenho a menor idéa nem intenção de atacar uma industria tão respeitavel como é a industria agricola (apoiados); porém eu não encaro esta questão só debaixo do ponto de vista do productor, mas tambem do consumidor (apoiados).

Eu entendo que toda a legislação que prohiba a qualquer cidadão d'este paiz o comprar quaesquer generos, e principalmente os generos de primeira necessidade no mercado mais barato, é uma legislação absurda, economicamente fallando (apoiados).

Eu associo-me ás idéas do nobre ministro das obras publicas, desejo tambem uma lei permanente, e desejo a até no interesse dos productores e dos industriaes agricolas (apoiados); n'esse sentido lembrarei um facto que me parece caracteristico. Quando os agricultores fazem a sua sementeira, fazem-a pelo preço da prohibição, e quando vendem o seu producto, vendem-o pelo preço da liberdade (apoiados); este é o facto, comparem-se as epochas e achar-se-ha este resultado (apoiados). Ora, sr. presidente, se este argumento não é bastante para convencer os agricultores intelligentes de que não são feridos em seus interesses com a admissão de cereaes, não sei então que dialectica os possa convencer.

Eu não quero fazer prelecções a este respeito á camara, os illustres deputados têem ácerca d'este assumpto e de todos os outros mais habilitações do que eu; mas quando se tratar de questões como esta, que affecta directamente interesses tão santos, tão justos e tão importantes, v. ex.ª e a camara me permittirão que eu peça a palavra e que, com toda a modestia com que o devo fazer, declare a minha opinião á camara e ao paiz.

O sr. Visconde de Pindella: — Eu não tenho, como o meu nobre amigo, o sr. José de Moraes, disse que tinha, que combater o meu illustre amigo, o sr. Faria Guimarães; pelo contrario, s. ex.ª não deu materia para combater (apoiados). Desde que s. ex.ª disse que = presentemente não havia necessidade de admissão de cereaes =, estava perfeitamente ao meu lado e eu ao lado de s. ex.ª (apoiados).

O que admira, o que me espanta, é que venha agora esta questão na occasião em que o preço dos cereaes tem abatido geralmente, e principalmente em alguns districtos: é uma cousa sabida de todos (apoiados). Na minha localidade os preços estavam á 700 réis, pouco mais ou menos, e hoje estão a 600 réis e menos. Portanto se já dantes não havia necessidade da admissão, muito menos agora o ha n'esta occasião. Actualmente não a póde haver.

De accordo, completamente de accordo com o sr. ministro quando disse que = o governo tinha recebido representações da cidade do Porto e algumas outras localidades do reino pedindo a admissão de cereaes =. É verdade, e bastava s. ex.ª dize-lo; mas eu, pela minha especialidade, porque tenho a honra de ser o secretario da commissão de agricultura, aonde essas representações têem ido, e por conseguinte tenho-as em meu poder, devo declarar, e posso assegurar á camara, que assim como têem vindo essas, têem vindo muitas outras em que pedem o contrario (apoiados).

Já se vê que só pelas representações não podemos fazer obra; porque se algumas pedem a admissão de cereaes, e talvez, e de certo mesmo, a pedissem então com justiça, ha outras que pelo contrario mostram a necessidade que ha de não haver essa admissão.

Isto é uma questão grave (apoiados), gravissima, todos nós o sabemos. E por ser grave é que não desejava que não fosse tratada assim aos bocados. Do improviso não se tratam questões d'estas (muitos apoiados).

E folgo que venha essa lei permanente, porque o peior de tudo é o estado provisorio em que a agricultura se acha (apoiados), e votar-se muitas vezes uma lei influenciada por qualquer circumstancia de momento (apoiados).

Não quero fazer censura a ninguem, que lucre ou deixe de lucrar, mas mesmo com as melhores intenções é o peior de todos os males, é o peior de tudo (apoiados), esta duvida sempre.

Era conveniente que se fizesse uma lei, mas que fosse muito meditada e pausadamente tratada.

Note-se que tambem não venho advogar os interesses do productor contra o consumidor. Bem ao contrario d'isto, acreditem (apoiados).

Mas se o productor não vender o seu milho, e fallo de muitos districtos, ou antes de uma provincia inteira, aonde não ha senão esta agricultura, em que a propriedade sustenta e soccorre todas as artes e industrias; se não vender o seu milho, repito, por um preço rasoavel, não só os industriaes e artistas podem deixar de encontrar trabalho, porque não tem quem lh'o dê (apoiados), mas tambem quem os soccorra, porque quem não tem não dá.

Advogar a barateza extrema do pão, pela livre entrada dos cereaes é, seria, permitta-se-me a phrase, uma cousa muito bonita, e muito lisongeira por certo para uma grande classe, seria um lindo idilio; mas tambem é uma phantasia, um sonho que podia embriagar; mas ao acordar, ao despertar do qual estava a fome! (Apoiados.) Porque o proprietario não teria para soccorrer essa classe (apoiados).

Quando a caridade publica entre nós póde-se dizer que não só sustenta o pobre, mas sustenta igualmente esses estabelecimentos de caridade, porque a acção dos governos não é tamanha que possa ir ahi inteiramente, entendo que é preciso não tirar os meios, os rasoaveis recursos a quem os tem, para que os outros os possam ter (apoiados).

Mas eu não continuarei. Não quero o preço excessivo para o pão, mas quero o rasoavel para se poder cultivar; e para o cultivo é necessario que o proprietario possa empregar braços; e é preciso abrir obras que sustentam operarios, o que não farão, porque não podem, se não tiverem recursos para isso (apoiados).

Quem falla a esta classe de outro modo, ao povo, não lhe falla a linguagem da verdade, lisongeia, mas não é amigo (apoiados).

E n'este momento principalmente entendo que não temos a grande necessidade d'esta franquia, mesmo pelo bom aspecto da futura novidade. Agora a necessidade de tratar d'ella por uma vez, pausada e distinctamente, tinhamo-la hontem, temo-la hoje e muito mais ámanhã (apoiados). Assim venha, e voto-a (apoiados).

Venha essa lei, venha, porque estou certo de que ha de respeitar todos os interesses, não esquecendo os da agricultura. Tambem já ouvi dizer que estava uma pessoa muito habil e muito competente encarregada d'este importante assumpto (apoiados). Folgo com isso, porque tenho medo, permitta-se-me esta expressão, d'estas surprezas, d'estas questões de momento em que entrâmos todos de boa fé, creio, mas que são de momento, e podem ser apreciadas de uma maneira differente d'aquella que apreciariamos á vista de documentos e informações

Nada mais tenho a acrescentar; honro-me em ser representante do povo, cumpro como posso esta missão, mas com boa vontade e com franqueza (apoiados).

Creio que o meu illustre amigo, o sr. Sant'Anna, já se referiu a uma expressão do meu amigo, o sr. José de Moraes, dita sempre com a boa fé com que s. ex.ª diz tudo (apoiados), sem censura aos redactores ou correspondentes de jornaes, classe que nós devemos respeitar, considerar, e que eu principalmente considero (apoiados). E se um ou outro entende esta questão, ou outra qualquer, differentemente estou persuadido de que a entendem por convicção (apoiados). Não sei mesmo se têem fortuna ou deixam de a ter, o que sei é que muitos têem muita intelligencia, e devo suppor em todos, como supponho, a melhor vontade de tratar as questões como a sua consciencia lhes dieta (apoiados).

Não tenho mais nada a dizer, porque á vista do que disse o illustre auctor da interpellação, e da resposta do nobre ministro, nada ha mais a dizer (apoiados).

O sr. Bivar: — Tambem uno a minha voz á d'aquelles que instam com o governo para que quanto antes se apresente n'esta camara uma proposta de lei permanente do cereaes (apoiados). Esta questão é uma das mais graves que ha para resolver, e cumpre que não nos demoremos em decidi-la. O estado actual para aquelles que desejam proteger a agricultura, na minha opinião não póde continuar, porque o lavrador nunca está certo das circumstancias em que poderá vender o seu genero. Ordinariamente compra com a protecção e vende com a liberdade; isto é, compra e semeia nas peiores circumstancias e vende nas peiores condições; quer dizer que elle perde com este estado. Felizmente esta opinião que se levantou, me parece, em 1855, e que então mereceu uma grande opposição, já tem calado nos animos do paiz, e hoje todos estão decididos a pedir que este estado provisorio em que a agricultura se acha acabe por uma vez (apoiados).

Já que sobre este assumpto se fallou da admissão ou não de cereaes, desde já entendo que o governo deve procurar todos os esclarecimentos para saber o estado em que se acha o paiz a respeito de cereaes — se na proximidade de uma colheita nós os devemos admittir ou não —; e sem estes esclarecimentos todos, o governo não deve decidir-se a tomar uma providencia de prompto.

O que entendo por melhor é que se não fechasse a actual sessão sem votarmos uma lei permanente de cereaes (apoiados). Nós temos ainda um mes de sessão, e sei que um cavalheiro distincto a todos os respeitos está encarregado da confecção d'esta lei. O seu nome e os seus trabalhos são uma grande recommendação já para ella, e dão-nos a segurança de que havemos de ter um trabalho muito bom. Os esclarecimentos, os estudos do sr. ministro das obras publicas e das diversas corporações que têem de entender sobre esse negocio, não poderão deixar de nos ser apresentados. Isto, após a opinião geral que já tem calado no paiz, estou persuadido de que nos ha de levar a fazer uma boa lei. Emquanto a mim seria melhor que antes de se fecharem as côrtes fizessemos a lei permanente de cereaes, do que qualquer medida de expediente, que não resolve nada.

Agora ainda lembro ao sr. ministro das obras publicas que em agosto de 1862 o governo viu-se na precisão de tomar uma deliberação sobre cereaes. Quando mal se pensava, appareceu o governo publicando um decreto admittindo a livre entrada de cereaes. Reuniram-se as côrtes e estamos no fim da actual legislatura sem o governo até hoje ter feito legalisar essa medida.

S. ex.ª o actual sr. ministro das obras publicas ainda não fazia parte do ministerio quando isto aconteceu.

Ha um projecto sobre este assumpto na camara em que me parece que a maior parte dos membros da commissão de agricultura vem assignados com declaração, o que é uma cousa grave. Entendo que o governo não está bem collocado emquanto não fizer legalisar a sua medida, assim como me parece que a camara não faz bem em ter adiado por mais tempo a discussão d'este projecto, em que parece que o governo assumiu attribuições que não tinha.

Talvez que o nobre ministro não tenha conhecimento d'isto, e por isso tomo a liberdade de lh'o lembrar, por me parecer que s. ex.ª será o primeiro interessado em requerer ao parlamento para que quanto antes se de esta questão para ordem do dia, porque só assim o governo póde ficar collocado no estado regular, em que não está a respeito do decreto de agosto; e á camara cumpre tambem tomar uma providencia para relevar o governo, e não parecer que ella vê com indifferença haver o governo praticado um facto que não estava nas suas attribuições, mas que por necessidade foi levado a isso.

Quiz emittir a minha opinião a respeito da lei permanente de cereaes; não só por ser muito conveniente em geral, mas porque na actualidade entendo que é o melhor meio a seguir: se havemos tratar de expedientes, discutamos a lei geral.

O sr. ministro já nos disse que commetteu este trabalho a um cavalheiro de elevada intelligencia. S. ex.ª é tambem um cavalheiro de vastos conhecimentos e de certo habilitadissimo para tratar este negocio, e fará um relevante serviço ao paiz e sobretudo á agricultura, uma das principaes fontes da nossa riqueza, apresentando esta lei, assim como a camara fará tambem um grande beneficio ao paiz se ainda na actual sessão discutir e votar essa lei, acabando por uma vez com este estado, que longe de ser favoravel á agricultura lhe é prejudicial.

O sr. Pinto de Araujo: — Depois das explicações do sr. ministro das obras publicas, entendo que é inutil continuar nesta discussão (apoiados). Como s. ex.ª prometteu trazer á camara a lei permanente de cereaes com a maior brevidade, espero que s. ex.ª cumprirá a sua promessa, trazendo o projecto a tempo de se poder discutir o votar ainda n'esta sessão. (Apoiados.)

O sr. Gavicho: — Como o nobre ministro das obras publicas prometteu trazer á camara com brevidade a lei permanente de cereaes, não tenho nada a dizer, senão que espero que o nobre ministro cumpra quanto antes a sua promessa, porque assim satisfaz a uma das maiores necessidades do paiz.

O sr. Joaquim Caldeira: — Depois da declaração que acabou de fazer o sr. ministro das obras publicas, podia desistir da palavra. Entretanto sempre direi que a agricultura é um objecto tão importante que sem ella tão nada todas as outras industrias, e por isso deve ser considerada e não desconsiderada. Não entro por agora na questão que tem sido muito bem desenvolvida pelos oradores que me precederam; mas se nós consultarmos as representações que têem vindo ao parlamento e ao governo, havemos de concluir que não ha necessidade alguma da entrada de cereaes actualmente. Pelo menos no meu districto ha uma abundancia enorme de cereaes, e tanto que têem descido de preços; e o motivo por que têem descido é porque a colheita do anno passado foi abundante, e porque a futura colheita promette igualmente ser abundante. Isto em relação ao meu districto. Não sou competente para avaliar o estado das provincias do norte, mas pelas declarações dos illustres deputados, entendo que tambem lá não ha necessidade de cereaes.

Folgo com a promessa do sr. ministro sobre a apresentação da proposta de lei permanente do cereaes, que regule a sua entrada quando for necessario, e de modo que este estado de incerteza e receios tanto para o vendedor como para o productor acabe por uma vez. Espero que o nobre ministro na apresentação d'esta proposta terá na devida consideração a respeitavel classe da agricultura, sem duvida a principal industria d'este paiz.

O sr. Almeida Azevedo: — Sr. presidente, eu tinha podido a palavra para fazer algumas observações com relação á inconveniencia que podia dar-se, admittindo-se, nas circumstancias presentes, a introducção dos cereaes estrangeiros, porque vejo dos papeis publicos, que os preços d'elles, em vez de augmentar, têem diminuido, e continuam a diminuir na maxima parte do paiz; e não é n'esta conjunctura que convem conceder-se a liberdade da sua introducção sem grave comprometimento da nossa industria agricola, a primeira e a principal industria da nação, como é geralmente reconhecido.

Porém como o nobre ministro das obras publicas nos acaba de dizer que em breve trará á camara uma proposta

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de lei que nos tire d'esta incerteza, harmonisando, quanto possivel, os interesses do productor com os do consumidor, que é o que nós todos ambicionâmos, abstenho-me de fazer essas considerações, reservando-me para quando vier essa proposta, que é então a occasião opportuna para cada um emittir o seu parecer sobre este importante assumpto, a fim de que, do encontro das differentes opiniões, possa resultar o melhor no interesse das duas classes —productora e consumidora.

Já que estou com a palavra aproveito esta occasião para mandar para a mesa, a fim de que lhe faça dar o destino conveniente, uma representação dos escrivães d'ante os juizes de paz dos diversos circulos da comarca de Vouzella, em que estes empregados publicos, lamentando a sua sorte, pedem aos poderes publicos d'esta terra providencias tendentes a melhorar a sua situação.

Na verdade, sr. presidente, sendo a instituição dos juizes de paz uma das mais bellas e proveitosas da restauração liberal para a paz e boa harmonia das familias, pelos muitos pleitos e demandas que mata logo ao seu nascer, é certo que os respectivos escrivães estão tão mal retribuidos quanto a interesses, pelo exercicio de suas funcções, que não sei como ainda haja quem queira occupar similhantes empregos!!

É portanto de toda a justiça e urgencia que se olhe com a merecida attenção para este assumpto, adoptando, ou as providencias que elles lembram, ou outras quaesquer que venham fazer desapparecer esta grande lacuna, e fazer cessar este deploravel esquecimento.

E se hoje se está attendendo com tanto desvelo para a sorte dos funccionarios publicos, é justo, é justissimo, que estes de que fallo não fiquem esquecidos, porque é grande a justiça com que levantam a sua voz, e porque é verdadeiro o principio de que para haver bons e zelosos empregados é necessario que tenham uma condigna remuneração.

O sr. Fernandes Vaz: — Ha quasi dois mezes que tenho a honra de ter assento n'esta casa, e pó hoje consigo a de erguer no meio d'ella a minha humilde voz, não porque não haja por mais de uma vez feito esforços para isso, mas porque a tyrannia da inscripção ou a força das circumstancias têem obstado a que se me concedesse fallar. Não tem certamente perdido com isso nem as discussões que eu não elucidava nem a defeza de algumas idéas que eu pretendia advogar, e a que não tem faltado melhores e mais auctorisados propugnadores.

Folgo porém muito com que me caiba n'este incidente a palavra que pedi, ao ouvir que se chamava a attenção dos poderes publicos para objectos tão importantes como são a subsistencia das classes menos abastadas do povo e a consideração da sorte dos productores agricolas e proprietarios de bens de raiz. E folgo, não porque cuide que prestarei algum auxilio á causa que se debate, mas porque desejo consignar bem aqui a minha alta consideração pela justiça e legitimas exigencias das duas classes, cujos interesses parecem apresentar se em diametral opposição.

Eu, sr. presidente, não o entendo assim. Creio que a classe dos consumidores pobres e a dos proprietarios e agricultores podem e devem ser justamente attendidas, sem que seja necessario dar um golpe profundo e extremo com que uma seja sacrificada á outra. É preciso attender a ambas, protege las quanto possivel for, mas nunca proceder por fórma que se ataque ou mortifique a agricultura, para conceder aos consumidores menos racional protecção.

N'este incidente, que a interpellação do nobre deputado, o sr. Faria Guimarães, levantou hoje n'esta casa ha duas partes — uma que se refere á hypothese e outra que trata de uma questão em these.

A hypothese é a seguinte: E ou não necessario que o governo dê providencias para que sejam admittidos cereaes estrangeiros?

A questão geral é: será ou não conveniente que o governo proponha desde já, e os poderes publicos sanccionem, uma lei permanente sobre a admissão de cereaes fóra do paiz?

Pelo que respeita á primeira parte, não posso deixar de concordar com a auctorisada opinião do nobre ministro das obras publicas que, melhor informado do que eu, mais competente e melhor conhecedor do assumpto, já declarou que não acha conveniente por agora a introducção de cereaes estrangeiros. E nem outra cousa era de esperar da intelligencia e tino governativo do illustrado ministro.

Temos muitos cereaes no nosso paiz, para que careçamos de ir precipitadamente abrir os portos aos estrangeiros e alterar artificialmente as condições e esperanças com que se realisou entre nós a producção agricola. Se a minha voz pouco auctorisada, e as poucas informações que tenho, podessem trazer alguma força ás ponderosas observações que todos os meus illustres collegas têem feito, eu diria e provaria facilmente que os cereaes estão n'este anno mais baratos do que ha muito tempo em grande parte do paiz.

Pertenço á provincia da Beira, onde se cultivam era grande escala o milho, o trigo e o centeio. E quer a camara saber qual é o preço por que ali se acham os cereaes? É um preço tão inferior como ha muitos annos não têem tido, n'esta epocha em que costumam altear os preços. Vende-se o centeio a 450 réis cada alqueire da medida do Porto (porque ha lá por cima alqueires de differentes grandezas) e o trigo a 600 réis approximadamente, quando ha muitos annos que n'esta epocha se não vendia o centeio senão por mais de 500 réis e o trigo de 600 réis para cima.

Graças á colheita abundante do anno passado, acham-se ali as tulhas repletas de cereaes, e o mercado não os procura porque não escasseiam para o consumo; e são tão lisongeiras as esperanças sobre a futura colheita que, apesar da baixa dos preços, não os procura a especulação para os guardar e vender mais tarde, como alguns annos acontece.

O resultado é que os lavradores não vendem, porque o preço lhes não cobre as despezas da producção, e os proprietarios não vendem, porque as rendas vendidas por tal preço quasi não chegam a dar juro algum liquido do capital. A sorte do proprietario e do lavrador não é portanto n'estes sitios mais favoravel do que nos figuram que é n'outras partes a sorte do industrial fabril.

O lavrador e o rendeiro tambem muitas vezes são pouco abastados, e o seu trabalho bem modicamente retribuido, e tambem morrerão de fome se, tendo pago caros os salarios e despezas da producção, lhes estabelecerem, quando querem vender, uma concorrencia com que não contavam e com que não podem competir.

Se vamos a proteger só os interesses dos consumidores desprezando a agricultura, vamos prejudicar-nos a todos abatendo esta e fazendo-a definhar, porque ninguem quererá sem lucro possuir terras e entregar-se á sua cultura.

Nas duas Beiras, que é a parte do paiz do que tenho mais conhecimento, não se compra hoje o rendimento de um alqueire de centeio por menos de 9$600 réis. Vendendo-se pois o alqueire por 480 réis, o rendimento que se adquire é apenas de 5 por cento, é o juro legal. Mas d'estes 5 por cento hão de tirar-se as contribuições geraes directas e indirectas, as contribuições municipaes, as congruas, os oitavos e todos esses enormes encargos que pesam sobre a nossa agricultura (apoiados). E deverá aggravar-se este mau estado, chamando á concorrencia os cereaes estrangeiros? Não.

O que cumpre primeiro que tudo á fazer desapparecer essas barreiras naturaes que temos no centro do paiz, para que a abundancia de umas provincias possa com vantagem ir abastecer a falta que n'outras ha (apoiados), é abrir as montanhas, tornar os caminhos transitaveis (apoiados), fazer estradas que nos liguem com as vias ferreas e com os rios navegaveis, abrir communicações que ponham em contacto os grandes centros consumidores com os grandes, tractos da producção agricola.

É esta a primeira e principal protecção de que a agricultura não póde prescindir, o melhor meio de evitar crises como essa que ahi começa a temer-se, sendo tambem as circumstancias que hoje se dão um poderoso argumento em pró do caminho de ferro da Beira, cuja existencia teria levado ao Porto por preços commodos o pão de que carece.

Eu creio que não se deve hoje fazer com que os cereaes estrangeiros venham concorrer com os nossos. Isso seria aggravar um mal, já de si grave, porque o proprietario de bens de raiz tem uma propriedade que lhe não rende mais de 3 por cento na maior parte das provincias (apoiados). E quem senão elle paga avultadamente as contribuições? E quem como elle contribue para os grandes melhoramentos, para o desenvolvimento da viação e das grandes emprezas industriaes que fazem com que os operarios recebam salarios tão elevados como nunca receberam?

Porventura porque um alqueire de pão subiu mais alguns vintens, será caso para que nós vamos logo introduzir cereaes estrangeiros, quando o operario tambem recebeu e recebe tres, quatro, seis vintens e mais de augmento no seu salario?

N'esta epocha é certamente mais desfavoravel a sorte do proprietario e do lavrador do que a do operario fabril ou do simples trabalhador, porque os salarios têem crescido n'uma relação que não é proporcionada a esse imaginario augmento de preço dos cereaes (apoiados). Mas se nalguma parte é, por excepção, mais desfavoravel a sorte do consumidor industrial, se a fome lhe bate á porta, a humanidade pede que se escute, e deve ser-lhe prestado todo o favor que não offenda o que outros merecem.

Neste caso o que o governo poderá fazer é dar segurança ao commercio para que possa ir procurar cereaes baratos dentro do nosso paiz que os tem com auxilio de momento, a facilitar os meios de os transportar das provincias em que estão mais baratos para aquella aonde estão mais caros.

Eis-aqui o que eu desejava dizer quanto á hypothese que nos occupa.

Agora pelo que respeita á conveniencia da lei permanente sobre cereaes, folguei ouvir dizer ao nobre ministro, das obras publicas que havia de apresentar uma lei a este respeito a qual julgo necessario que um dia se estabeleça para evitar estas perniciosas incertezas e vacillações na producção e no commercio; mas permitta-me s. ex.ª que lhe diga, que tenho opinião um pouco differente ácerca da immediata urgencia e opportunidade actual de similhante lei.

Como este assumpto não está em discussão, não posso estender as minhas observações sobre elle. Nem eu estava preparado para uma questão tão grave. E se ainda depois de estudar esta questão eu não estaria habilitado para a tratar devidamente, como poderei estar agora que me acho inesperadamente n'ella, e inteiramente desprevenido? Enunciarei apenas a minha opinião.

Creio que um assumpto tal precisa muito pensado, e que não é esta a occasião propria para fazermos uma lei sobre cereaes que possa ter fóros e probabilidades de permanente (apoiados).

Não sabemos bem, nem podemos saber hoje, o que é, o que merece e o que vale a nossa agricultura, nem avaliar devidamente o desenvolvimento proximo que ella ha de ter. O nosso estado de viação está ainda muito atrazado; estamos no começo de uma grande revolução economica operada pela desvinculação, cujos beneficos effeitos sobre a propriedade e cultura não podemos ainda definir; a agricultura tem esmorecido nas garras da usura, e estamos na vespera de a ver florecer livre d'este flagello á sombra do credito predial e dos bancos ruraes que a hão de proteger. Mas por emquanto a agricultura não está entre nós no seu estado normal, e as suas condições definitivas não podem

hoje calcular-se. E será em taes circumstancias que havemos de saber o desenvolvimento e melhoras que ella ha de ter, e qual a protecção que precisa e que a lei permanente lhe deve assegurar nos direitos das alfandegas? Por certo que não.

D'aqui a tres ou quatro annos, quando a viação estiver mais adiantada, quando tiverem acabado as barreiras de provincia para provincia, e em todo o paiz estiver estabelecido um preço normal, quando se houverem estabelecido os bancos ruraes e prediaes que forneçam á agricultura as sommas de que precisa para a exploração da terra por um preço mais modico, é então que havemos de ver bem o que a agricultura é entre nós, qual o desenvolvimento que tem e é capaz de ter, se é ou não protegivel, até que ponto, e de que modo mais convenientemente o poderá ser.

Então, depois d'estes dados, favorecida com taes subsidios a agricultura, manifestar-se-ha como ella é, e só então poderemos modelar a lei que poderá significar ou ampla liberdade e portos francos para o estrangeiro, se acaso vigorar a ponto de não receiar concorrencias, como virá a acontecer, ou ainda se entibiar e se tornar indigna de protecção por não se desenvolver as condições normaes, pois não se deve n'este caso privar o consumidor de buscar pão mais barato d'onde melhor se produza. Por emquanto toda a lei será arbitraria e temeraria, e poderá gravar demasiadamente ou o agricultor ou o consumidor.

Por emquanto deve continuar-lhe a protecção que lhe é alma emquanto não melhorarem um pouco os seus processos e a sua producção com as melhores condições de que as leis ultimas a tem cercado, porque é uma industria que se desenvolve lentamente, e para a qual a natureza principalmente nos dotou.

Mas este assumpto não está em discussão, e por isso reservo-me para quando chegarmos a ella, e n'esse momento não deixarei de pedir a palavra, se ainda aqui tiver assento, e de expor a minha opinião. É um assumpto que reputo altamente importante, e não deixarei de prestar n'essa discussão o meu humilde contingente. Por hoje termino, porque não quero cansar a attenção da camara sobre um incidente que me parece está discutido, e no qual eu não pretendi trazer luz e claridade á camara, que já em si a tinha de sobejo. Agradeço á camara a benevolencia com que me ouviu.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Luciano de Castro: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal da villa da Feira, pedindo a construcção de uma estrada que, principiando no logar do Cabaço, da Villa da Feira, no sitio onde passa a estrada já feita de Ovar ao Porto, vá terminar no caes do Carvoeiro, no rio Douro.

Peço á respectiva commissão, a que for dirigida esta representação, que a attenda devidamente, porque a estrada que se pede n'esta representação é de grande conveniencia commercial para aquella localidade.

Tambem mando para a mesa uma representação de alguns officiaes dos extinctos batalhões nacionaes fixos e moveis, organisados no Porto em 1832, pedindo serem reformados nas suas patentes.

A justiça d'esta pretensão está justificada pelos serviços prestados pelos supplicantes; e por isso espero que a commissão de guerra a attenderá favoravelmente.

O sr. Freitas Soares: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo.

O Sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Mando para a mesa um projecto de lei, e peço que seja remettido á commissão competente.

O sr. Thomás Ribeiro: — Mando para a mesa um projecto de lei para o governo ser auctorisado a contratar a construcção do caminho de ferro das Beiras; e mando tambem para a mesa uma representação da camara municipal de Agueda, pedindo a construcção da estrada de Agueda a Vouzella e de Agueda a Tondella.

Espero que a commissão e o sr. ministro tomem em consideração tanto o projecto como a representação.

O sr. Presidente: — Passa-se á

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO ORÇAMENTO DO MINISTERIO DA MARINHA

Subsidio para auxilio das despezas da provincia de Angola

O sr. Sá Nogueira: — (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Ministro da Marinha (Mendes Leal): — O illustre deputado que me precedeu chamou a attenção do governo, e desejou ouvir explicações sobre tantos objectos, tão variados e complexos, que desde já peço desculpa á camara, se me demorar algum tempo nas explicações pedidas, pois que é a bem dizer um exame das necessidades das differentes provincias ultramarinas e sobretudo das provincias africanas.

Em primeiro logar desejou s. ex.ª saber qual é a opinião do governo a respeito da colonisação da Africa.

Todas as questões relativas a colonisação são muito graves. E esta, póde-se dizer, a disposição fundamental de toda a prosperidade futura (apoiados). A colonisação comprehende especies differentes, cada uma de indole diversa. Ha a colonisação europea; ha a colonisação indigena, quer dizer, transplantação de indigenas de um para outro ponto, onde, sem risco de se arredarem dos respectivos trabalhos, possam preparar-se para a civilisação; ha ainda a colonisação penitenciaria, assumpto que exige especial solicitude, principalmente se tivermos em vista a monstruosidade do systema actualmente seguido com relação aos degradados.

Para tratar cabalmente de cada uma d'estas questões, ou

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antes para resolver cada um d'estes problemas, não me parece esta a occasião mais propicia. Aqui apenas se trata dos subsidios de algumas provincias: essas materias pertencem designadamente á discussão dos orçamentos d'ellas. Direi todavia que não será tempo perdido anteciparmos um pouco. Pois que e. ex.ª suscita nesta base o debate, ainda que me surprehende por inesperado, não o declinarei, cuidando unicamente em resumir-me para o não fazer saír dos seus limites e dos da ordem. O governo deve ter idéas assentadas a este respeito, e sobre os mais pontos graves de administração; e em qualquer opportunidade, quando não haja inconveniente de natureza superior, deve estar prompto a explicar-se (Vozes: — Muito bem.)

Como os illustres ministros da marinha, meus predecessores, entendo que todos os expedientes, ardis e estratagemas, com que se pretenda illudir a legislação actual, para continuar, sob qualquer nome, o trafico de escravos nas provincias de Africa, são altamente condemnaveis perante a rasão, perante a philosophia, perante a humanidade (apoiados), e até perante a historia (apoiados). Até perante a historia, digo, porque a historia nos demonstra como os costumes da escravatura tem exercido ruim e permanente influencia, impedindo a civilisação e a cultura (apoiados). O que deseja o governo, e para isso trabalha, e para isso nomeou já uma commissão de homens competentes, e para isso está tratando de organisar os respectivos projectos, o que deseja o governo, repito, o que efficazmente procura, é regularisar o trabalho nas provincias ultramarinas. Se o proprietario tem o direito de pedir braços para utilisar os terrenos sem isso inuteis, o estado tem o direito de impor a esse proprietario, em troca dos braços que lhe proporciona, obrigações que assegurem a conservação, a melhoria, o adiantamento, a genuina condição dos trabalhadores.

Alludiu s. ex.ª ao systema de culturas seguido pela Hollanda nas suas possessões de Java. Permitta me o illustre deputado fazer-lhe observar que, se ha muito para admirar na boa ordem administrativa e na prosperidade dos estabelecimentos coloniaes daquella ilha, ha todavia ali duras praxes, cuja applicação, contraria á nossa legislação e espirito liberal, não póde ser aceita; e algumas dessas praxes são de tal modo oppressivas que Deus nos defenda de as aceitar. Caminharemos mais lentamente, é verdade, mas de certo caminharemos mais humanamente e mais seguramente. Não improvisaremos grandes rendimentos; mas ampliaremos com a fraternidade a área da nação (apoiados). O regimen da tarifa na distribuição das terras, generos de cultura, e preço d'esses generos, dá lucros immediatos e immensos. Mas serão permanentes? Mas não produzirão o espirito de resistencia e de revolta? Mas deverá implanta-lo quem olhar a fundar provincias mais do que a explorar as raças? (Apoiados — Vozes: — Muito bem).

Quanto á communicação entre Calumbo e Loanda, direi a s. ex.ª - que está já estudado um caminho de ferro americano de um a outro ponto, está totalmente estudado. Esses estudos foram-me apresentados, e enviei-os ao ministerio das obras publicas para serem presentes ao conselho respectivo, visto não ter corporação technica a quem os submetter. A consulta daquelle conselho foi já formulada; é extremamente favoravel; approva os trabalhos feitos, e indica os meios mais convenientes para se effectuar. Espero que não faltem os recursos para a execução, porque o imposto de 3 por cento, applicado ás obras publicas na provincia de Angola, offerece margem para realisar proximamente a somma precisa. E esse caminho de ferro não é sómente uma facilidade de communicação rapida e segura n'um trajecto de 8 leguas, de que resulta, como indicarei, um aproveitamento de 40, é tambem um modo de abastecimento de aguas, isto é um progresso importantissimo para a civilisação e para a hygiene. Em vez das aguas nocivas do Bengo, a capital da provincia poderá largamente usar das aguas mais puras do Quanza. O caminho de ferro americano de Calumbo liga-se necessariamente com a navegação d'este rio, cuja sondagem se fez, e que devo crer navegavel a vapor em barcos apropriados por espaço de 32 leguas, desde o ponto em que termina o caminho até ás cataractas de Cambambe. 40 leguas por consequencia ficam accessiveis, para vencer as quaes bastarão poucas horas, abreviando proporcionalmente as communicações para a fronteira e na importante direcção de leste, onde a feira de Cassange, e os vastos sertões que ella serve, estão atrahindo o commercio, que está consumindo cento e vinte dias em percorrer a correspondente distancia. Por esta summaria exposição se vê qual a incalculavel vantagem do caminho, e qual o actual estado dos trabalhos respectivos. Acrescentarei só que por sua parte o governo está firmemente resolvido a proseguir n'este negocio com a actividade necessaria para a sua realisação.

Alem d'esta communicação principal ao centro, outra deve estar em via de execução, promovida pelo activissimo e intelligentissimo governador de Mossamedes: fallo da estrada destinada a communicar esta villa com a nascente povoação de Capangombe, povoação fundada e muito bem assente ha pouco mais de dois annos pelo governador geral o sr. Calheiros, a qual já conta mais de 200 europeos. A população da provincia augmenta diariamente, já com os colonos idos do Rio de Janeiro nas nossas embarcações de guerra, já com os que partem do reino segundo se póde verificar especificadamente nos relatorios que tenho apresentado. Já vê s. ex.ª que tenho promovido por todas as formas a colonisação europea na Africa. Esta colonisação porém deve ser. prudente e circumspecta, isto é, subordinada ás possibilidades e recursos, para ser aproveitada; e mais se poderá favorecer com o proposto subsidio de réis 30:000$000, determinadamente applicaveis aquelle districto, a fim de utilisar de um modo certo e permanente a sua maior salubridade comparativa, que offerece vantajosa escala de acclimação, e os seus muitos recursos agricolas e mineralogicos, porque tambem para a exploração das minas a salubridade do paiz é grave condição.

Quanto aos fortes na linha do Cunene, não se abandonou, nem se perde de vista aquella linha. O importante porém é explorar o rio Cunene, mal conhecido; mas isso não se faz sem grandes despezas. Constou-me que um negociante abastado quer explora-lo por sua conta. É portuguez o negociante. Vou mandar ordens ao governador do districto para o auxiliar por todos os modos n'esse empenho. (Vozes: — Muito bem.)

Estimo a occasião de expor estes diversos factos, que são essenciaes na administração do ultramar, e que são geralmente ou desconhecidos ou mal avaliados. A respeito das provincias do ultramar todos fallam, todos propõem alvitres salvadores, mas raros as conhecem, raros entendem o seu mechanismo, rarissimos comprehendem os seus interesses e necessidades (apoiados). Este inconveniente da obscuridade só se remedeia discutindo, analysando, noticiando, chamando a luz, a publicidade e a attenção sobre aquelles territorios (apoiados), quer para multiplicar os esclarecimentos, quer para evitar os equivocos, quer para atalhar quaesquer especulações sobre a ignorancia e o erro (apoiados).

Na colonisação europea ha sempre numerosos descontentes, bem o sei. Uns não acham o que tinham por falsas informações ou supposições phantasiado; a outros falta a energia necessaria para emprehender a exploração de um sólo virgem, e affrontar as inclemencias de uma vida que se distanceia muito da vida das cidades; outros finalmente, por não terem as aptidões uteis e procuradas na colonia, não incontram emprego facil, e padecem graves privações e incommodos. Mas isso mesmo acontece em toda a colonisação para qualquer região, ainda as mais ricas e adiantadas. Desgosto a principio, difficuldades, queixumes: é natural. A mudança de aspectos e costumes não se faz sem risco, sem custo e esforço (apoiados). Os que persistem e são aptos obtêem a recompensa dos dissabores e fadigas (apoiados). E a historia de todas as colonizações. E a historia do novo mundo; foi já historia do mundo antigo. Não ha motivo para desanimar, nem desistir. O que importa é estabelecer e consolidar as bases d'esta colonisação. A primeira, para mim, é que seja livre (apoiados). Da colonisação livre tudo se póde esperar. Deve-se esperar o que produz a colonisação ingleza, que em toda a parte prospera, e em toda reproduz a imagem da mãe patria. Da colonisação recrutada e subsidiada directamente pelo estado, já varios ensaios tem sido feitos, e são conhecidos os resultados. As nações que a têem praticado têem ficado muito áquem da Inglaterra. O subsidio directo do estado ao colono provoca-o á inactividade e ao abandono, favorece-lhe o esmorecimento. Para que ha de trabalhar e investir com as difficuldades e as fadigas, se tem o alimento do ocio, e o remedio a que a sua precaria situação na patria o fez recorrer? (Apoiados.)

Para attenuar, quanto possivel, os descontentamentos dos colonos o governo trata de averiguar primeiro as suas aptidões, e só dá passagem aos que têem nas respectivas profissões probabilidades de bom exito. Os desalentos ante os obstaculos inevitaveis ou as illusões desenganadas, esses não está na sua mão evita-los.

Não conto os turbulentos e naturalmente inquietos, que por varias rasões mudam frequentemente de terra, e em nenhuma se dão bem. D'essa espuma das sociedades, que fluctua sem rumo, ha em toda a parte.

«Mas os colonos não devem ser desamparados pelo governo». Certamente não. Devem-se-lhes dar soccorros por todo o tempo dos seus trabalhos preparatorios, e isso está estatuido: alem d'este tempo não.

O meio mais efficaz de protecção á colonisação europea, como já tive a honra de expor no meu ultimo relatorio, é rodea-la de instituições efficazmente protectoras, dar-lhe communicações, proporcionar-lhe capital, facilitar-lhe braços, isto é, subsidiar uma colonisação com outra, a colonisação da intelligencia com a do trabalho (apoiados). Para isso são os regulamentos, para isso servem, para isso são os projectos que estão sendo elaborados, e que não poderiam improvisar-se sem perigo, porque as soluções praticas d'estes diversos problemas necessitam previo exame e estudo (apoiados).

Na África oriental a colonisação europea é mais difficil, porque em diversos pontos o clima é mais rigoroso. A escolha das localidades deve ser o primeiro cuidado. Algumas ha n'aquella vasta provincia onde tal colonisação póde achar excellentes condições; onde porém essa colonisação não poder permanecer, suppre-a a dos portuguezes indiaticos, que facilmente vivem ali, e já lá têem numerosos estabelecimentos.

As riquezas mineralogicas da Africa oriental são preciosissimas, são immensas, e já começam a attrahir a attenção. Tenho na secretaria requerimentos para concessões de exploração n'aquella provincia, e espero que aproveitem. Para desenvolver ali esta e outras industrias, o indispensavel é estabelecer communicações regulares e rapidas. Com a abertura de isthmo de Suez, que se não deve crer remota, a vida commercial e as condições economicas da provincia hão de mudar essencialmente (apoiados). Esperemo-lo, e saudemos com os nossos votos essa era auspiciosa (apoiados).

Quanto á colonisação penitenciaria, de natureza muito especial, precisa tambem de especialissima organisação, e necessariamente deve ser comprehendida nos regulamentos presidiarios.

É esta, penso, a questão principal a que se referiu o illustre deputado.

Relativamente á republica sertaneja dos boers, povoação interessante, que no interior da Africa oriental tem conservado e propagado a raça branca, contrariando algumas acreditadas doutrinas e conjecturas relativas ás raças, o necessario é concluir o tratado de commercio e limites. Este tratado foi já intentado ha annos, e por diversas rasões não proseguiu. A similhante respeito estão já passadas as convenientes ordens e instrucções, e designado o pessoal encarregado de atar novamente as negociações.

A povoação dos boers, energica e industriosa, deseja e precisa abrir communicações com a costa que está em nosso poder. A historia da fundação d'essa pequena republica, de procedencia hollandeza, no principio d'este seculo, é conhecida. Demorando a oeste de Inhambané, como disse o illustre deputado, as suas aspirações a achar facil extracção aos seus productos, voltam-se naturalmente para o posto de Lourenço Marques. É claro que não devemos perder as vantagens de tal situação, nem esperdiçar a tendencia de um povo laborioso, em que já ha até allianças de familia contrahidas com os nossos povoadores. A conclusão do tratado é pois uma alta necessidade, e como tal o promovo e apresso. (Vozes: — Muito bem.)

A maior prosperidade de Bourbon e das Mauricias comparada á nossa Africa oriental provém de diversas causas. A primeira e principal é a superioridade de clima d'aquellas colonias, quer a franceza, que passa por ser um dos mais salubres paizes do mundo apesar dos cyclones devastadores, quer a ingleza que se não compara com Rios de Sena, Sofala ou Quilimane. Em melhores condições hygienicas, a actividade europea desenvolveu-se mais rapidamente. A circumscripção insular ajudou esta prosperidade limitando-lhe a área. Depois, muitas outras circumstancias especiaes. Todavia a producção nos vastos territorios da provincia de Moçambique, estará ainda na infancia, mas não tem diminuido, e tende visivelmente a desenvolver-se. O que muitas vezes produz ali faltas e carestias é a indole bellicosa dos cafres bravios, as suas continuas lutas e correrias que levam comsigo a assolação. Ultimamente porém estas incursões têem sido severamente reprimidas, e continuam as operações para as refrear de todo, como devidamente relatei.

Ácerca do pequeno vapor Zambeze, não foi a falta de um fogueiro que impediu utilisar logo os seus serviços. Para fazer o serviço de fogueiro serviria qualquer indígena que para isso se adestrasse, o que é não difficil estando na provincia dois vapores de guerra. A verdadeira rasão foi ter-se oxidado o fundo, em rasão da rapida influencia de um clima ardente em paragens humidas. Neste estado o achei. Ordenei immediatamente os concertos necessarios, e espero que em breve navegará no rio do seu nome

Referiu se tambem o illustre deputado a uma projectada expedição para a qual o governo inglez concorre com alguns milhares de libras. O governo portuguez não tem a menor communicação de tal expedição, e muitas expedições scientificas partem de Inglaterra para todos os pontos que antes devem ser auxiliadas do que impedidas. Se um inglez do Cabo publicou n'um jornal «que a bandeira ingleza deve fluctuar nas nossas possessões», n'um regimen de liberdade como o da Inglaterra, e como o nosso, é essa apenas uma opinião individual, de que só é responsavel o individuo que se lembrou de apresenta-la. É dever do governo portuguez vigiar attentamente, e isso faço e para isso tenho mandado instrucções terminantes. Não acompanho porém os receios do illustre deputado relativamente a occupações violentas dos inglezes no interior da Africa oriental. Primeiro ha o direito das gentes, que a Inglaterra não quererá certamente violar, por isso mesmo que é uma grande e poderosa nação. Depois ha o rigor do clima, maior ainda para os homens do norte. Dos companheiros do dr. Liwingstone quantos existem? Quantos tem devorado o paiz? Póde pois o illustre deputado estar tranquillo. O governador actual, a quem se confiou a difficil successão do zeloso funccionario que foi render, será solicito em vigiar e prevenir como lhe foi recommendado.

Creio não ter esquecido nenhuma das respostas que o illustre deputado desejava. Se mais alguma julgar conveniente, rogo queira advertir-m'o. (Vozes: — Muito bem.)

O sr. Blanc: — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

O sr. Matos Correia: — Pedi a palavra sobre a ordem para retirar a proposta de adiamento que apresentei no fim da sessão passada. Peço para a retirar, não porque as minhas idéas variassem sobre a necessidade do adiamento, mas porque vejo a camara disposta a occupar-se desde já d'este assumpto. Mantenho todavia a firme persuasão de que os subsidios para as provincias ultramarinas só podem ser votados com perfeito conhecimento de causa, depois de discutidos e approvados os orçamentos correspondentes.

O governo pede 232:000$000 réis para cobrir um deficit que monta a 346:877$016 réis; e na quantia pedida incluem-se 50:000$000 réis, que são apenas adiantamentos que se hão de encontrar.

Eu voto os subsidios, mas voto-os com a apprehensão de que não são sufficientes, o que a camara facilmente conhecerá quando se discutir o orçamento do ultramar.

Mas ha mais. Ha provincias para as quaes se não pede subsidio algum; e todavia ou o deficit que apresentam nos seus orçamentes não é real, ou ellas precisam ser igualmente auxiliadas com subsidios da metropole.

Na provincia de Angola e em Moçambique os pagamentos não só não são feitos com regularidade, mas estão mesmo em muito atrazo; e não comprehendo como seja possivel exigir que o serviço seja feito com regularidade nas colonias, quando na pontualidade dos pagamentos ella não existir.

Eu não teria feito a proposta de adiamento se os subsidios fossem destinados para despezas extraordinarias; para intentar algum dos melhoramentos de que quasi todas as provincias grandemente carecem, porque estes com-

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mettimentos e as sommas correspondentes não prendem directamente com as receitas e despezas ordinarias. Os subsidios em questão são porém apenas para attenuar os deficits, porque nem mesmo chegam para os extinguir.

Para as provincias de Cabo Verde e de S. Thomé não ha subsidio algum. Para Angola pedem-se 60:000$000 réis; para o estabelecimento de Mossamedes 30:000$000 réis; para Moçambique 52:000$000 réis; para Timor e melhoramento da barra de Goa 40:000$000 réis. E só para Timor e Goa que se pede subsidio sufficiente para cobrir o deficit. Em todas as outras provincias as despezas ficam muito superiores ás receitas.

Tendo dito o que me pareceu sufficiente para provar que não era este o momento de nos occuparmos dos subsidios applicaveis ás despezas ordinarias das provincias ultramarinas, e manifestado o receio de que não sejam sufficientes, peço comtudo á camara que me permitta retirar a proposta de adiamento pelos motivos que no principio apresentei.

Consultada a camara, permittiu que se retirasse a proposta.

O Sr. Ministro da Marinha: — Concordo com o illustre deputado em que seria muito conveniente discutir os subsidios para as provincias ultramarinas conjunctamente com o orçamento do ultramar. S. ex.ª porém reconhece a impossibilidade de tal fazer em presença das circumstancias. Não se pôde conseguir ainda, nem será possivel tão depressa, o que já indiquei no relatorio que precede o orçamento do ultramar, isto é, que este orçamento seja comprehendido no orçamento do reino. Pertencendo pois as verbas dos subsidios das provincias ultramarinas ao orçamento do continente, claro é que não podem deslocar-se d'aqui, e passar para aquelle. As reflexões justas do illustre deputado provam sómente a conveniencia, repito, já por mim tambem indicada, de incluir o orçamento do ultramar no do reino como parte que é do mesmo todo; mas essa conveniencia, para ser convertida em realidade, precisa vencer graves difficuldades, das quaes a primeira é não haver ainda communicações regulares em todas e com todas aquellas provincias. Sem a possibilidade deter colligidos a tempo os dados necessarios não é dado a ninguem effectuar essa desejavel operação. Esta a condição indispensavel para passar da doutrina á pratica.

Aproveito a occasião para dissipar uma duvida, na anterior sessão apresentada pelo illustre deputado, o sr. Matos Correia, ácerca do orçamento extraordinario da marinha para o futuro anno economico. Pareceu a s. ex.ª acanhada a verba de 200:000$000 réis em presença dos navios que ha para apparelhar, apromptar e completar. Penso que a s. ex.ª não occorreu que para esse fim, e para não pararem os trabalhos, apresentei já a proposta de um credito extraordinario de 180:000$000 réis nos limites do actual anno economico.

Tornando ao orçamento do ultramar, direi que tenho feito o possivel para cumprir strictamente a lei. Apresentei esse orçamento em ambos os annos da minha gerencia, apresentei o logo que pude (apoiados). Se não está confeccionado com perfeita actualidade, como seria para desejar, provém, como todos sabem, das difficuldades insuperaveis que já mencionei, e que impedem o colligir com a precisa antecipação os respectivos documentos. O que faço é tomar todas as providencias a fim de que o orçamento do ultramar se vá successivamente approximando ao que deve ser. Não dissimulo os seus defeitos, mas creio que ainda assim é serviço importante (apoiados), o vale mais do que sua obstinada ausencia (muitos apoiados).

Devo tambem notar ao illustre deputado que o deficit em relação a cada uma das provincias ultramarinas é mais nominal do que real. As verbas de despeza, como s. ex.ª sabe, referem-se aos quadros completos, e desgraçadamente esses quadros nunca estão completos, já por falta de pessoal habilitado, já pelos obitos occorridos. No relatorio respectivo se pondera esta grave circumstancia, e se declara como tal deficit é singularmente attenuado pelo incompleto dos quadros.

Ao deficit notado na provincia de Cabo Verde, nas circumstancias actuaes forçosamente se ha de prover com os soccorros extraordinarios, que tem de se dar aquella provincia (apoiados). Está a insta-lo a humanidade! (Muitos apoiados.)

Emquanto á provincia de S. Thomé, o deficit resulta apenas do atrazado e incompleto das informações a que foi necessario recorrer, porque a sua receita vae augmentando, e cada vez ha de augmentar mais, porque esta provincia, em caminho de larga prosperidade, não precisa senão de braços para produzir copioso rendimento.

Quanto ao atrazo dos pagamentos, que se nota em algumas provincias, lembrarei aos illustres deputados, que o lembraram, que achei esse atrazo em grande escala. Tenho empregado todos os meios para o fazer desapparecer, sem contar o melhoramento de posição de varias classes de empregados. Estes longos e anteriores males não se curam de repente. No ultramar não é possivel saldar contas fazendo ponto, nem eu o proporia. Para remover é necessario pagar mezes dobrados. É preciso fazer o que se fez, no districto de Mossamedes por exemplo, onde se deviam 14 mezes, e onde em 5 mezes se pagaram 9.

De muitas cousas precisa o ultramar, mas de duas sobretudo. Moralidade e capital. Moralidade primeiro, capital depois. Para obter isto é indispensavel pagar bem e castigar melhor (muitos apoiados). Para moralisar emprego tambem os meios legaes, empregarei os mais energicos; espero com elles conter os funccionarios de todas as ordens nos limites dos seus deveres; não me accusa a consciencia, para isso tenho feito quanto posso (apoiados): Se os meios que me dá a actual legislação forem insufficientes, desassombradamente declaro á camara que estou resolvido a pedir-lhe as reformas necessarias, a fim de acabar promptamente os abusos terriveis, que são a verdadeira origem de todas as calamidades. Não hesitarei na severidade, e conto com o auxilio do parlamento (muitos apoiados). D'esses abusos inveterados (apoiados), tem nascido o descredito para a administração, e males incalculaveis para aquellas provincias (apoiados). É preciso acabarem, e hão de acabar (muitos apoiados).

De outra cousa precisam tambem, como disse, as provincias ultramarinas, é de capitães, mas de capitães que se traduzam em movimento, em actividade, em industria. O capital dos subsidios, attesta-o a experiencia, é um incitamento á indolencia. Essas provincias tomam assim o logar de pensionistas do estado, logar humilhante para a sua categoria, para a sua importancia, para o seu futuro. O capital que se troca em valor de trabalho é o unico que lhes convem, porque é o unico fecundo. (Vozes: — Muito bem). Para alcançar este apresentei a devida proposta tão bem auspiciada já. É o melhor e o maior subsidio! (Apoiados — Vozes: — Muito bem.)

O sr. F. L. Comes (sobre a ordem): — Em observancia do regimento vou ler a proposta que mando para a mesa (leu). Ha sete annos que por esta camara foi votada uma verba para o supprimento das despezas publicas de Solor e Timor e melhoramentos da barra de Goa.

Devo dizer á camara, que até hoje a fazenda de Goa não recebeu um real, e por isso os melhoramentos da barra não se têem feito.

Este anno tenho maiores esperanças, pelas palavras animadoras da commissão de fazenda, e por algumas providencias que o illustre ministro tem adoptado em relação aquella provincia. Refiro-me á draga que s. ex.ª tinha mandado comprar.

O meu fim, fazendo esta proposta limita-se a separar a verba do subsidio para a barra de Goa, da verba destinada a supprimir o deficit na provincia de Timor.

Nada mais digo sobre este assumpto, porque me parece que a minha proposta é simples e não faz senão tornar a promessa mais solemne e segura a garantia. Quero ter direito para a reclamação.

Quanto á discussão do orçamento do ultramar, estou de accordo com o sr. ministro da marinha, em que elle deveria ser discutido juntamente com o orçamento do ministerio do reino. Mas isto é difficil conseguir-se, e já muito tem feito o nobre ministro em apresentar em dois annos consecutivos regularmente o orçamento das provincias ultramarinas.

Tenho a pedir a s. ex.ª uma cousa, que é igualmente necessaria e muito importante para a apreciação clara da despeza das mesmas provincias. E vem a ser — a publicação das contas da gerencia e exercicios das juntas de fazenda no ultramar, depois de serem julgadas pelo conselho ultramarino.

Está estabelecido em lei que estas contas devem ser julgadas pelo conselho ultramarino, mas tão excellente disposição não se tem tornado uma realidade. Eu insisto n'este ponto, porque tenho apprehensões sobre o modo como se fazem as despezas no ultramar.

Não digo mais nada para não tomar mais tempo á camara.

A proposta é a seguinte:

PROPOSTA

Proponho que dos 40:000$000 réis, propostos para supprimento das despezas publicas de Timor, e melhoramentos da barra de Goa, sejam destinados 5:000$000 réis para esta ultima obra. = Francisco Luiz Gomes.

Foi admittida.

O sr. Ministro da Marinha: — Unicamente para declarar que aceito completamente a proposta do illustre deputado.

O sr. A. J. de Seixas: — Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte proposta (leu).

O motivo por que pedi a palavra sobre este assumpto foi por ver que no orçamento da provincia de Angola apparece um deficit de 155:000$000 réis, e este deficit provém das crises por que aquella provincia tem passado desde 1859, em que tem estado constantemente em guerra.

Felizmente esta guerra acabou, e n'este logar devo render homenagem ao illustre governador (apoiados) que se acha á testa daquella provincia e que empregou todos os meios de prudencia e ao mesmo tempo de dignidade; para que ella tivesse um termo. E não posso, na qualidade de deputado pela provincia de Angola, deixar tambem de darem nome dos meus constituintes os meus agradecimentos ao sr. ministro da marinha pelas instrucções que deu para que a guerra, que felizmente acabou sem o estrondo das armas, mas em harmonia com os interesses economicos mui importantes, em harmonia com as forças de que dispomos, e que só com grandes sacrificios acabaria de outro modo, acabasse com dignidade para o estado; por tudo isto; sr. presidente, pronuncio n'esta camara honrosamente o nome do sr. José Baptista de Andrade; actual governador de Angola, que levou aquella colonia ao ponto em que estava em 1859, senão á completa prosperidade; a um estado de paz (apoiados).

Sr. presidente, os 120:000$000 réis que peço para a provincia que tenho a honra do representar, só deixarei de instar por elles, se acaso são de todo verdadeiras, como supponho, as informações que o sr. ministro acaba de dar ao nobre deputado, meu amigo, o sr. Matos Correia; ficando-me comtudo a impressão de que o subsidio de 90:000$000 réis, pedido pelo nobre ministro da marinha, é insuficiente para Angola no anno de 1864 a 1865.

Disse o sr. ministro que espera que com a continuação da paz o deficit desappareça. Não duvido que assim aconteça, mas tenho sempre a dizer a s. ex.ª que ha em Angola dividas provenientes do estado de guerra em que O paiz se tem achado. Ha fornecedores que não têem recebidos os creditos que o estado lhes deve. Ha mesmo dividas, segundo me consta, ao cofre dos orphãos, as quaes o estado não tem pago por falta de recursos, e ha igualmente muitos empregados do estado a quem se estão em divida dos seus vencimentos.

S. ex.ª mesmo acabou de dizer que no districto de Mossamedes ha cinco mezes de atrazo.

O sr. Ministro da Marinha: — O districto de Mossamedes tinha quatorze mezes de atrazo e em cinco mezes têem-se pago nove.

O Orador: — Em Loanda consta-me que ha quatro mezes de atrazo. Emquanto a Mossamedes aceito a rectificação do nobre ministro da marinha.

Ora sendo o deficit de 155:000$000 réis (e eu não quero tomar este ponto de partida), entendo que os 120:000$000 réis, apesar de serem attenuados por falta de preenchimento dos quadros, não são de mais; mas se o illustre ministro julgar que não precisa d'elles para acudir ás necessidades financeiras d'aquella provincia, eu retirarei a minha proposta, e a retirarei porque não sendo ella apoiada por s. ex.ª a camara não a votará, e a responsabilidade não me ficará pelo futuro.

Sr. presidente, devo dizer em relação á provincia de Angola que, é verdade que os subsidios para as provincias ultramarinas fazem má impressão n'esta camara, porque se pensa geralmente que uma colonia, que tem de ser subsidiada pelo estado e que não póde viver dos seus rendimentos proprios, merece pouca consideração; mas devo dizer que estes subsidios têem sido dados em tempos anormaes, em estado completamente anormal, porque até 1859 não precisou a provincia, que tenho a honra de representar, de subsidio algum para poder fazer face ás suas despezas.

Esta necessidade veiu com as occupações militares do Ambriz, do Bembe e do Congo (e com guerras sobrevindas á provincia por causa d'estas occupações, e pelas sublevações do Cassange e outros pontos, promovidas em parte pelos maus governos do interior), porque até ahi ella não se tinha feito sentir, e isto é rasão de sobejo para diminuir a má impressão que geralmente faz na camara quando se pedem subsidios para as provincias de alem mar, em que Angola figura com uma maior cifra.

Devo tambem declarar que até 1837 a provincia de Angola forneceu mais de 1.500:0001000 réis á metropole, e em 1837 ainda vieram 137:000$000 réis, governando aquella provincia o sr. M. B. Vidal, como governador geral de Angola.

Portanto isto é um adiantamento que a provincia ha de satisfazer um dia largamente, ou é uma quantia que se desconta em um valor que ella já deu em outras epochas mais felizes para os seus interesses, eu entendo que não é uma esmola que se lhe faz. Direi mais em relação á provincia de Angola que, tendo-se achado desde 1859 affectada por uma crise commercial, proveniente de desastrosas guerras com os indigenas que embaraçavam o desenvolvimento das suas relações commerciaes, e não a deixava prosperar, ha alguns mezes a esta parte, desde outubro para cá, tem remettido para o porto de Lisboa treze carregamentos, no valor de mais de 800:000$000 réis. Tem-se isto effectuado depois da paz que o actual governador, o benemerito sr. Andrade, conseguiu, cumprindo as instrucções acertadas que o sr. ministro da marinha lhe deu, na execução auxiliada pelo patriotismo de muitos particulares. De modo que aquella provincia está hoje num estado, senão de prosperidade, pelo menos lisongeiro.

O illustre deputado e meu amigo, o sr. Sá Nogueira, que pertence a uma familia que tem prestado serviços ao ultra mar, e tem concorrido para que se tenha feito ali alguma cousa na ordem de todos os interesses, fallou aqui em colonisação. Sinto não poder alongar me sobre este assumpto por ir adiantada a hora.

A hora, repito, vae adiantada, e eu poucas observações poderei fazer até que a sessão se levante. E, ainda que assim não acontecesse, não seria eu quem tratasse este assumpto de uma maneira satisfactoria, porque não sou orador, e me acho incommodado.

Mas, sobre colonisação, eu direi unicamente á camara e ao illustre ministro que a verdadeira colonisação é a que for livremente promovida pelo governo. Emquanto se não tratar de civilisar os pretos, emquanto não se mandarem para Angola o para as nossas provincias do ultramar boas auctoridades, ellas não podem prosperar (apoiados).

E direi mais, não como advertencia a s. ex.ª (longe de mim similhante pensamento, porque sei o zêlo que emprega nos negocios da repartição a seu cargo), que um dos maiores males que soffre Angola provém da má administração, não da primeira auctoridade da provincia e de muitos outros funccionarios que são honrados e cuidadosos, mas da má administração militar e judicial no interior da provincia, as quaes produzem as guerras que collocam geralmente a metropole na necessidade de remetter para ali soccorros pecuniarios e de gente (apoiados).

Eu, como deputado d'aquella provincia, preciso fazer esta declaração franca e lealmente; quaesquer que sejam as inimisades que me acarrete.

Acham-se em Loanda, capital da provincia, nove officiaes mettidos em processo por corrupções; mas é preciso que o nobre ministro da marinha e a camara saibam que a lei que actualmente existe é impotente para punir taes corrupções (apoiados), porque os officiaes têem o fôro de ser julgados pelos seus camaradas.

Não quero, sr. presidente, lançar insinuações sobre nomes e sobre quem está ausente. O que quero é fazer ver a maneira por que os processos correm em Angola perante os conselhos de guerra e a maneira como as sentenças são pronunciadas concedendo quasi sempre a absolvição aos que commettem estes crimes de corrupção e ve-

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nalidade. Conheço a Africa ha vinte e seis annos, e não sei que, repetindo-se estes crimes com muita frequencia, tenham havido punições em harmonia com os crimes! As consequencias de similhante systema são assustadoras; e sem providencias energicas, o mal conduzirá a provincia a um abysmo! (Apoiados.)

Eu conheço as intenções do nobre ministro da marinha e ultramar, e não trato de lhe tecer elogios porque não precisa d'elles. S. ex.ª tem feito quanto é possivel fazer-se dentro da orbita das leis vigentes; tem tomado as providencias as mais acertadas. Mas emquanto o systema de administração continuar como está, e emquanto a lei não for alterada n'esta parte, podemos perder as idéas de progresso para aquellas paragens do dominio portuguez.

Não se póde admittir que um militar no interior da provincia seja administrador do concelho, governador militar e juiz! Accumulando todas estas funcções! Isto dá-se na provincia de Angola com um pessoal sem illustração e probidade, comquanto haja excepções honrosas para muitos militares portuguezes. Devo esta declaração tambem á justiça e á verdade.

(Interrupção que não se percebeu.)

O Orador: — Não digo que seja padre, mas ás vezes entra em questões de casamento, etc.

E como é que um militar, exercendo todas estas funcções, delinquindo como juiz, póde estar sujeito ao fôro militar?

Não comprehendo este systema!

E preciso providenciar a este respeito; tanto mais que os males d'aquella provincia na maior parte provém da corrupção dos officiaes que governam os povos do interior da provincia, que originam as revoltas.

Não quero dizer que todos os officiaes são corruptos. Eu já fiz excepções; ha alguns ali muito e muito dignos; mas infelizmente estes não estão em maioria na parte dos que geralmente têem obtido governos administrativos!

O sr. Arrobas: — Peço a palavra para um requerimento, para antes de se fechar a sessão; e declaro desde já que é para que ella se prorogue até se votar a materia de que se trata.

O Orador: — Eu tinha que fazer algumas outras considerações, mas a hora acaba de dar, os trabalhos vão Analisar por hoje, e o nobre ministro já deu diversos informações ao meu nobre amigo, o sr. Matos Correia, que me satisfizeram.

(Deu a hora.)

Em relação ao subsidio das provincias ultramarinas, ao de Angola sobretudo, mando esta proposta para a mesa.

Estou certo de que s. ex.ª me dirá, como demonstra pelas respostas aos outros oradores, que está habilitado para governar a provincia de Angola com o subsidio de réis 90:000$000. Em m'o declarando, retiro a proposta, vá a responsabilidade a quem for. Ahi vae a minha proposta. Cumpro assim o meu dever para com os meus constituintes (apoiados).

Leu-se na mesa a seguinte

PROPOSTA

Proponho que o subsidio para a provincia de Angola, no anno economico de 1864-1865, seja de 120:000$000 réis, e que d'esta quantia se destinem 30:000$000 réis para obras publicas do districto de Mossamedes. = O deputado por Angola, A. J. de Seixas = A. J. de O. Pinto de Magalhães.

Foi admittida.

O sr. Presidente: — Tem a palavra para um requerimento O Sr. Arrobas.

Vozes: — Deu a hora.

O sr. Arrobas: — Tinha pedido a palavra com antecipação para antes de se fechar a sessão.

Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que a sessão se prorogue até se votar esta materia.

Resolveu se que se prorogasse a sessão.

O sr. Arrobas (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga ou não a materia sufficientemente discutida.

Julgou-se discutida.

O sr. Ministro da Marinha: — Peço a palavra para uma explicação depois da votação.

Postas a votos as verbas de subsidio para auxilio das despezas da provincia de Angola e estabelecimento de Mossamedes, foram approvadas.

O sr. Presidente: — Tem a palavra para uma explicação O sr. ministro da marinha. (

O sr. Ministro da Marinha: — Quero apenas dar breves explicações ao illustre deputado, o sr. Seixas.

Não duvidaria aceitar; a proposta apresentada por s. ex.ª se não fosse a grave consideração, que peço a s. ex.ª tenha em vista. O subsidio para Angola está hoje reduzido a 90:000$000 réis. Foram pedidos primitivamente réis 120:000$000; concederam-se 150:000$000 réis, em consequencia das circumstancias extraordinarias em que a prolongada guerra tinha collocado aquella provincia. Logo que cessaram essas circumstancias, causa efficiente do auxilio votado, deixou de ter motivo essa verba. Conservei uma parte d'ella justamente em virtude do estado de abalo em que, a provincia ficou, o até que se restaurem as suas antigas condições commerciaes e economicas, como tudo faz esperar.

Para fazer face ás dividas resultantes da guerra ha as indemnisações pactuadas. Só quando estas se não realisem, terá logar propor medidas extraordinarias para satisfazer os creditos de que se trata, que todavia devem ser sagrados.

Estou resumindo mais do que desejava; mas sou forçados a isso pelo adiantamento da hora.

Os 30:000$000 réis, que ha de differença entre a somma proposta pelo governo e a somma que s. ex.ª propõe, foram pedidos para auxilio de uma medida fecunda applicada á

Africa, á qual já tive a honra de me referir; e está n'isso estabelecida, penso, a mais larga compensação!

O subsidio por consequencia vem a ficar proximamente o mesmo. A distribuição das verbas é que é differente, e parece-me a mais efficaz (apoiados).

O sr. A. J. de Seixas: — Declarando o nobre ministro que póde attender ás necessidades da provincia, que tenho a honra de representar, com o subsidio de 90:000$000 réis, peço para retirar a minha proposta. S. ex.ª, com as rasões que apresentou, inhabilita a camara de admitti-la e vota-la. S. ex.ª, que tem a responsabilidade, diz que = é sufficiente o subsidio que pediu =. Isto basta para eu a retirar (apoiados). Fico portanto aqui, e com a consciencia de ter cumprido o meu dever, diligenciando mais avultado subsidio para Angola. Não o obtive, mas isto não dependia de mim.

Foi retirada.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a mesma que vinha para hoje, e mais os projectos n.ºs 51, 41 e 43 d'esta sessão.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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