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Discurso que devia lêr-se a pag. 33, col. 1.ª, lin. 8, da sessão n.º 3 d'este vol.

O sr. Thomás de Carvalho: — Sr. presidente, começo por agradecer á camara o favor que me concedeu de principiar hoje as reflexões que desejo submetter-lhe. Acostumado á sua indulgencia, consinta igualmente que desde já conte com ella.

A questão do credito mobiliario não é nova, nem para a camara, nem para o paiz. Não é a primeira vez que se trata n'esta casa, porque foi discutida por occasião da resposta ao discurso da corôa, e foi-o largamente pelo orador que a encetou. E já se havia discutido na imprensa, outra tribuna tão alta, tão magestosa e tão augusta como esta.

Assim, sr. presidente, póde dizer-se que ella esta perfeitamente illucidada; e pouco poderia eu acrescentar, principalmente na questão de infracções, a que a camara pareceu querer cingir-se unicamente. Entretanto, lendo-se tambem proposto a questão das garantias, não podia deixar de aceitar-se o debate n'esle campo apesar de estar inteiramente fóra do parecer da commissão. Eu por mim aceito-a, e em Ioda a generalidade em que ella foi proposta pelos oradores da minoria.

Toda a camara sabe como nasceu esta questão = Prost. = Pouco depois da viagem do sr. Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, então ministro da fazenda, á casa do velho Thornton, velho rabujento e impertinente, e que por mais de uma vez nos tem dado que fazer, appareceu em Lisboa o sr. Prost que se propunha fazer um grande emprestimo ao governo, tomar a rêde dos caminhos de ferro em Portugal, pedindo em compensação o privilegio do estabelecimento de um credito mobiliario, cuja concessão lhe não foi feita por motivos que eu escuso de expender n'este momento. Vendo este cavalheiro que não podia por aquella fórma alcançar o que desejava, como provàvelmente lhe fazia conta ter aqui um estabelecimento de credito á maneira dos que dirige em França, ou daquelle que alcançou em Hespanha, procurou diversos caminhos indirectos, que todavia o não levaram a nenhum resultado favoravel.

Examinando depois os estatutos da companhia união commercial e bonança, achou que n'elles estavam comprehendidas as operações de que se occupam os creditos mobiliarios, e tratou de adquirir para si aquella companhia. Conseguiu a transformação, fez o contraio de trespasse, de cessão, de compra ou venda, como melhor seja em direito. O mesmo sr. ajudante do procurador geral da corôa não está muito seguro na designação que devia dar-se a similhante contrato. Fez os novos estatutos, apresentou-os ao governo e foram approvados.

Depois d'esta approvação, sr. presidente, o ex-ministro da fazenda Fontes Pereira de Mello accusou o ministerio de ter infringido a lei de 16 de abril de 1850 naquella concessão que fez.

Qual é pois a questão n'esle momento? É saber se o governo infringiu a lei de 16 de abril; é saber se o credito movel é um banco de circulação, porque só aos bancos de circulação se refere o artigo 8.º daquella lei.

E preciso estabelecer bem estas bases. Todas as sociedades de credito, todas as companhias que fazem operações de credito podem ser chamadas bancos.

Os bancos podem reduzir-se a tres especies principaes: bancos de deposito, bancos de desconto e bancos de circulação. As caixas economicas, por exemplo, são simplesmente bancos de deposito. Em França ha muitas d'estas caixas economicas, como em varias outras terras, e mesmo em Portugal onde não sei se porventura funccionam regularmente. Tambem em França ha varias caixas de desconto, como as caixas Prost, como o celebre estabelecimento fundado em París em 1848, com o fim de auxiliar as operações do pequeno commercio. Emfim, o banco de Portugal, o de Inglaterra, o de França, etc, são bancos de circulação. Todos estes ultimos bancos cumulam ao mesmo tempo as operações dos estabelecimentos especiaes de deposito e desconto.

Qual é pois a feição particular que distingue estas instituições! uma sómente; e é que só ellas podem emittir ordens á vista e ao portador. Juntamente com este privilegio, aos bancos de circulação compele uma funcção mais alta e importante, que consiste em dirigir e regular o credito.

Esta é a principal, a mais solemne, a mais grave de todas as funcções; e fallo assim, porque logo mostrarei á camara como succede muitas vezes que as operações commerciaes dos bancos, estão em antagonismo com aquellas funcções da regularisação do credito.

Assim como ha tres especies de bancos, a tres se podem reduzir as especies de papeis circuláveis no commercio. Espero que, fazendo esta approximação numerica, ninguem me attribuira a absurda idéa de referir cada um d'esses papeis a cada uma das especies de banco de que fallei. Na primeira estão comprehendidas Iodas as ordens a praso, nominativas e com endôsso; na segunda as ordens a praso e ao portador; na terceira as ordens ao portador e á vista.

Por esta simples divisão se vê já claramente que a circulação de cada um d'esses papeis deve ser muito diversa. Facil para as notas de um estabelecimento acreditado, difficil sempre para as ordens nominativas em consequencia do praso e do endôsso a que estão sujeitas. Entretanto, de umas e outras o commercio necessita para as suas variadas operações, e d'ellas faz o uso conveniente. Só os bancos de circulação emittem ordens á vista e ao portador em Portugal, podendo qualquer estabelecimento não auctorisado para aquelle effeito, emittir toda outra qualquer especie de papeis de credito sob a sua responsabilidade, o dentro dos limites dos seus respectivos estatutos.

Agora convém saber se o credito mobiliario portuguez é um banco de circulação, e se as suas obrigações são ao portador e á vista; porque não o sendo, a lei de 16 de abril de 1850 não procede para elle. Ponho a questão assim, porque tenho visto constantemente confundir as obrigações a praso com as obrigações ao portador e á vista; e d'esta confusão, involuntaria certamente, se tem partido para uma conclusão que me parece destituida de todo o fundamento.

Antes, porém, de entrar no coração do debate, permitta a camara que eu levante uma accusação dirigida á maioria e ao governo pelo illustre orador o sr. Casal Ribeiro, que com tanta proficiencia costuma esclarecer Iodas as questões de economia, que se discutem n'esta casa.

Disse s. ex.ª, que não era culpa sua nem da opposição se o debate estava actualmente posto no terreno da politica.

Que pretenção é esta, sr. presidente, de accusar constantemente a maioria e o governo pelo que faz, pelo que pratica a cada instante a opposição? Não seremos nós os que fugimos sempre d'esse campo, e não será a opposição quem nos provoca, quem nos chama, quem nos arrasta para elle? Se evitámos a discussão somos timidos e covardes; se a aceitâmos como nos cumpre, somos intolerantes. Pergunto á opposição, se porventura não foi o orador que primeiro fallou n'esle objecto, quem accusou violentamente o governo de haver infringido a lei? E depois de pronunciadas estas tremendas palavras seria licito, seria decente, seria parlamentar deixar correr a moção á revelia, e dar o governo por absolvido do crime de que era accusado?

Nem nós entendemos os principios assim, nem o governo aceitaria tão humilde situação. A camara, enviando o negocio á commissão de infracções, quiz esclarecer a sua consciencia sobre a accusação que se fazia ao govêrno; o governo pedindo o julgamento, mostrou que não declinava a sua responsabilidade. E por esta occasião devemos agradecer ao mesmo illustre

Vol. IV —Abril —1857.

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