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SESSÃO DE 8 DE JULHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
Francisco José Machado

SUMMARIO

Dá-se conhecimento de quatro officios, recebidos, um do presidente da camara dos deputados da republica franceza, outro do ministerio do reino, outro do ministerio da guerra e o quarto do ministerio dos negocios estrangeiros. - Têem segunda leitura e são admittidos dois projectos de lei apresentados, um pelo sr. Lobo d'Avila e outro pelo sr. Francisco Ravasco. - Mandam para a mesa representações os srs. ministro, da fazenda, José Maria de Andrade, Elias Garcia, Abreu e Sousa, Santiago Gouveia e presidente da camara, o sr. Rodrigues de Carvalho. - Requerimento de interesse publico apresentado pelo sr. Pereira Carrilho, e outros de interesse particular enviados para a mesa pelos srs. Francisco Machado, Abreu e Sousa e Frederico Arouca. - justificações de faltas dos srs. José Castello Branco, Silva Cordeiro, Urbano de Castro e Baptista de Sousa. - Apresenta um projecto de lei o sr. Alfredo Pereira. - Renova a iniciativa de outro projecto o sr. Sousa e Silva, que ao mesmo tempo insta pela remessa de um documento que requereu pelo ministerio da fazenda. Pede tambem que se marque dia para a interpellaçào que annunciou ao sr. ministro da marinha. -Apresenta uma proposta de lei o sr. ministro da fazenda. - O sr. Baptista de Sousa, em nome do sr. Albano de Mello, manda para a mesa um projecto de lei. - O sr. Antonio Castello Branco faz algumas considerações em referencia ao julgamento do alferes Marinho da Cruz. Declaração do sr. ministro da fazenda.
Na ordem do dia usa em primeiro logar da palavra o sr. Dias Ferreira, que apresenta uma proposta de adiamento do projecto de lei n.° 134, relativo á construcção e exploração de um entreposto commercial livre no porto de Lisboa. - A requerimento do sr. Alves de Moura julga-se discutida a generalidade do projecto. - Requer o sr. Ribeiro Ferreira que antes de se votar o projecto se dó conhecimento á camara de uma representação da associação commercial, que foi apresentada á mesa. - A requerimento do sr. Franco Castello Branco vota-se nominalmente, sendo unanimemente approvado o requerimento do sr. Ribeiro Ferreira. - Lê-se na mesa a representação e é enviada á commissão de fazenda. - Lêem-se, e são successivamente rejeitadas, as propostas relativas ao projecto que haviam sido apresentadas pelos srs. deputados João Arroyo, Moraes Carvalho, Branco Castello Branco e Dias Ferreira. - Approva-se em seguida o projecto na generalidade. - Entra em discussão o artigo 1.°,-e Q sr. relator, Matoso Santos, mandou para a mesa um additamento. - Segue-se o sr. Pinheiro Chagas, que apresenta uma moção de ordem e faz largas considerações contra o projecto.

Abertura da sessão - Ás duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada 59 srs. deputados. São os seguintes: - Alfredo Brandão, Afredo Pereira, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Oliveira Pacheco, Jalles, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Bernardo Machado, Eduardo José Coelho, Francisco de Barros, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Soares de Moura, Cândido da Silva, Baima de Bastos, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, Dias Gallas, João Arroyo, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Correia Leal, Joaquim Maria Leite, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, José Castello Branco, Pereira e Matos, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Abreu Castello Branco, Vasconcellos Gusmão, Ferreira Freire, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Abreu e Sousa, Júlio de Vilhena, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Brito Fernandes, Marianno de Carvalho, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Pedro Victor, Estrella Braga, Visconde de Silves e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Mendes da Silva, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Urbano de Castro, Victor dos Santos, Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Feliciano Teixeira, Matoso Santos Fernando Coutinho (D.), Firmino Lopes, Almeida e Brito, Castro Monteiro, Francisco Matoso, Lucena é Faro, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Sá Nogueira, Casal Ribeiro, Scarnichia, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Santiago Gouveia, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Oliveira Martins, Alves de Moura, Avellar, Machado, Ferreira Galvão, Dias Ferreira, Laranjo, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Simões Dias, Santos Reis, Julio Graça, Julio Pires, Lopo Vaz, Luiz José Dias, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Manuel José Vieira, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno Prezado, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Sebastião Nobrega, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Vicente Monteiro, Visconde de Monsaraz e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Serpa Pinto, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Campos Valdez, Antonio Centeno, Guimarães. Pedrosa Moraes Sarmento, Fontes Ganhado, Simpes dos Reis, Hintze Ribeiro, Augusto Fuschini, Conde de Castello de Paiva, Elvino de Brito, Goes Pinto, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Freitas Branco, Francisco Beirão, Francisco Ravasco, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcelos, Cardoso Valente, Sousa Machado, Oliveira Valle, Jorge O'Neill, Barbosa Collen, Ferreira de Almeida, Guilherme Pacheco, José de Napoles, Alpoim, José Maria dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Mancellos Ferraz, Pedro Diniz e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Chambre des députés. - Secrétariat général de la présidence. - Paris, le 5 de juillet 1887. - Monsieur le président: vous avez bieu voulu m'adresser pour la bibliothéque de la chambre des députés de la république française, les documents parlementaires de la chambre des députés du royaume de Portugal.
J'ai l'honneur de vous accuser réception de cet envoi et de vous en remercier. - Agréez, monsieur le president les assurances de ma haute considération. - Le président de la chambre des députés, C. Floquet.
Monsieur le president de la chambre des députés du royaume de Portugal.
Á secretaria.

Do ministerio do reino, remettendo informado, o projecto de lei, cuja iniciativa renovou o sr. deputado Oliveira Valle, elevando de 240$000 a 300$000 réis, o ordenado do preparador do gabinete de physica da universidade.
Á secretaria.

Do ministerio da guerra, remettendo, informado, o re-

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querimento do general de brigada reformado, Bento José da Cunha Vianna.
A secretaria.

Do ministerio dos negócios estrangeiros, acompanhando a copia da nota dirigida ao ministro de Portugal em Londres por lord Salisbury em resposta á que lhe foi enviada, communicando haver a camara dos senhores deputados da nação portugueza resolvido congratular Sua Magestade a Rainha Victoria, por occasião do seu jubileu.
A secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Pela lei de 30 de julho de 1880, foi concedido á misericórdia da Guarda o edifício do extincto convento de Santa Clara, para n'elle se construir um hospital, com a clausula do mesmo edifício reverter para o estado, caso fosse aproveitado para fim differente do que se lhe destinava.
Excepcionalmente, porém, a citada lei não marcava praso dentro do qual se devia dar começo às obras necessarias.
Daqui resultou que a santa casa até agora, quasi dois annos, depois da concessão nada tem feito, em ordem a realisar o projecto do hospital, sem que nem ao menos consignasse nos seus orçamentos verba alguma para esse fim.
Com effeito, a misericórdia não tem fundos disponiveis para uma tal despeza, a não ser que, diminuindo o seu capital, distrate o que for preciso para obra de tamanha monta com manifesto prejuízo do seu rendimento, que pelos orçamentos se vae chegar apenas para satisfazer os seus encargos.
Ha um hospital na santa casa que tem bastado para as necessidades do publico, e se é verdade que elle se acha nas mais miserandas condições hvgienicas, não é isso devido nem ao local nem á mingua da sua capacidade senão á falta de reparos e obras indispensáveis consoante os preceitos que regulam a construcção d'estes edifícios. Tendo, pois, a misericórdia um edifício com capacidade mais que sufficiente para hospital e em sitio apropriado, necessitando apenas de reparos que não importam uma despeza affrontosa para os seus rendimentos, não me parece que ella precise de um edifício de enormes proporções, onde nada póde aproveitar-se alem do material cujas obras irão assoberbar prejudicialmente os capitães deste instituto, inutilisando num trabalho mais de luxo do que de utilidade e de nenhuma necessidade, fundos cuja applicação devem ter um destino muito differente.
Alem d'isso, um tal edifício não deve ficar indefinidamente entregue a um instituto que o monopolisa sem utilidade para si e com prejuízo para o districto e para o estado, por se achar em completa ruína, não vindo muito longe o seu desabamento, quando, de mais a mais, póde e deve ser aproveitado para um fim útil.
Ora, nos termos do artigo 54.° n.° 4.° do novo codigo administrativo, resolveu a junta geral deste districto crear e fundar um asylo para os abandonados de sete a dezoito annos.
Occorreu a todos a idéa de ser aproveitada aquella casa para este fim, não só porque era a única com capacidade para poder recolher os menores abandonados de todo o districto, mas porque pela sua situação e condições se afigurou ser a mais própria para o fim que se tinha em vista, concorrendo muito para este utilíssimo emprehendimento se fizesse o mais económicamente e sem aggravar demasiado o cofre districtal.
Ora, sendo esta empreza de manisfesta necessidade publica, pareceu á junta geral que uma tal consideração devia sobrepujar a utilidade que podia advir á santa casa, se acaso tal utilidade existe, na continuação do estado actual de cousas quanto ao mencionado edificio.

Artigo 1.° Fica o governo auctorisado a declarar sem effeito a concessão feita á santa casa da misericórdia da Guarda pela lei de 30 de julho de 1885, do edifício do extincto convento de Santa Clara.
Art. 2.° É o governo auctorisado a conceder o mesmo edifício á junta geral do districto da Guarda, para fundação de um asylo para expostos abandonados, nos termos do artigo 54.° n.° 4.° do codigo administrativo.
§ único. Esta concessão fica nulla ipso facto, quando as obras para o mesmo edifício não estejam começadas dentro de seis mezes, a contar da presente lei, voltando desde logo com todas as bemfeitorias e no estado em que estiver para a posse da fazenda.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 6 de julho de 1887. = Carlos Lobo d'Avila.
Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de fazenda, ouvida a de administração publica.

Projecto de lei

Artigo 1.° A assembléa eleitoral do circulo n.° 89, cuja sede é na igreja do Salvador da villa de Serpa, passa a ter a sua sede em Brinches, compondo-se das freguezias de Sant'Anna e de Nossa Senhora das Neves, de Brinches.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 6 de julho de 1887. = Francisco Limpo de Lacerda Ravasco.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

REPRESENTAÇÕES

Da associação commercial de Lisboa, concordando com o systema da unidade das taxas, seguido no projecto de reforma da pauta aduaneira de 9 de abril de 1887, mas pedindo que seja abolida a tabella B da lei de 17 de setembro de 1885, que estipula os direitos a pagar pelos envolucros das mercadorias.
Apresentada pelo sr. ministro da fazenda, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Da associação commercial de Lisboa, pedindo que não seja approvada tal qual está a parte primeira da proposta de 18 de junho de 1887, e sim apenas auctorisado o governo, para simplificação do expediente, a crear uma secção especial nos próprios entrepostos das docas, na qual sejam recebidas as mercadorias mais seguramente destinadas á reexportação e baldeação, as que desembarquem de navios arribados, e em franquia á especulação do commercio, etc; contratando o governo a construcção de armazéns annexos aos das docas, quando se reconheça que os projectados não são sufficientes.
Apresentada pelo sr. ministro da fazenda, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal do concelho de Odemira, pedindo augmento do direito aduaneiro com referencia tanto ao gado vaccum e suino, como aos cereaes importados de paiz estrangeiro.
Apresentada, pelo sr. deputado José Maria de Andrade, enviada á commissão de agricultura e mandada publicar no Diario do governo.

De operarios na industria de cortiça, em Silves, pedindo a approvação do projecto de lei do sr. Consiglieri Pedroso, elevando os direitos na exportação de cortiça, em prancha e busto a 180 réis por cada 15 kilogrammas.
Apresentada pelo sr. deputado Elias Garcia, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

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Da camara municipal de Villa Flor, districto de Bragança, pedindo que se lhe permitia desviar do fundo de viação a quantia de 10:600$000 réis para ser applicada á tracção das aguas para abastecimento d'aquella villa.
Apresentada pelo sr. deputado Abreu e Sousa e enviada á commissão de administração publica.

Da companhia união industrial lisbonense, pedindo que seja conservada a importação da cevada germinada nas condições actuaes.
Apresentada pelo sr. deputado Santiago Gouveia e enviada á commissão de fazenda.
Da mesma companhia, pedindo um direito sobre o gelo importado do estrangeiro.
Apresentada pelo mesmo sr. deputado e enviada á commissão de fazenda.
Da associação commercial de Lisboa, insistindo no assumpto de que trata a sua representação de 30 de junho do corrente anno, e que é a segunda desta relação.
Apresentada pelo sr. presidente da câmara e enviada á commissão de fazenda.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, em conformidade do regimento, seja ouvida a commissão de fazenda sobre o projecto n.° 146.= A. Carrilho.
Mandou-se enviar o projecto á commissão de fazenda.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

Dos capitães de infanteria João Antonio Xavier da Trindade e Pedro Augusto da França, pedindo serem collocados na escala do accesso, á direita de alguns officiaes, pelas rasões que apresentam no mesmo requerimento.
Apresentados pelo sr. deputado Francisco José Machado e enviados á commissão de guerra.

Do capitão de infanteria João Joaquim do Carmo Caldeira, no mesmo sentido.
Apresentado pelo sr. deputado Abreu e Sousa e enviado á commissão de guerra.

Dos officiaes almoxarifes Carlos Augusto, Gonçalo Francisco Durão, Jeremias Henriques dos Reis e José Joaquim Alves da Mota, pedindo que seja eliminado o artigo 8.° da proposta de lei que reorganisa o quadro das praças de guerra, continuando o accesso a ser regulado na conformidade do que dispõe a lei actualmente em vigor.
Apresentados pelo sr. deputado Frederico Arouca e enviados á commissão de guerra.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

Declaro que, por motivos justificados, tenho faltado a algumas sessões parlamentares. = José de Azevedo Castello Branco.

Declaro que, por motivo justificado, faltei às sessões de 5 a 6 do corrente. = O deputado, J. A. da Silva Cordeiro.

Participo a v. exa. que, por motivos justificados, deixei de comparecer às ultimas sessões. = Urbano de Castro.

Declaro que o sr. deputado Albano de Mello tem faltado a algumas sessões, e ainda faltará a outras, por motivo justificado. = O deputado por Villa Real. A. Baptista de Sousa.
Para a secretaria.
O sr. Presidente: - O sr. ministro da fazenda mandou para a mesa duas representações da associação commercial de Lisboa, e pediu que fossem publicadas no Diario do governo.
Consulto a camara se permitte a publicação.
Assim se resolveu.
O sr. Alfredo Pereira: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei a fim de habilitar com mais alguns recursos o hospital de Penafiel, pois são muito escassos os meios de que elle dispõe, sendo comtudo um dos mais importantes do districto do Porto, não contando com o d'esta cidade.
Os legados pios na o cumpridos neste concelho revertem todos a favor do hospital da cidade do Porto, com grave injustiça para o hospital da cidade de Penafiel, pois que elle recebe doentes não só do respectivo concelho, como tambem grande numero de doentes dos concelhos de Louzada, Amarante, Marco de Canavezes, Paredes e mesmo do concelho do Porto.
Eu desejaria que os legados pios não cumpridos no concelho de Penafiel revertessem a favor do seu hospital, porquanto elle acolhe a media diária de trinta doentes e, como já disse estes doentes não são só deste concelho mas tambem dos concelhos circumvizinhos.
No ultimo anuo económico receberam ali tratamento 146 varões e 136 fêmeas, sendo dos concelhos circumvizinhos 48 varões e 41 femeas.
Os recursos proprios do hospital de Penafiel não passam de 500$000 réis approximadamente, tendo a santa casa da misericórdia o de subsidiar com uma importância de cerca de 3:000$000 réis, verba muito avultada.
Outras obras piedosas se poderiam praticar, se os rendimentos do hospital fossem superiores e permittissem dispensar um auxilio tão valioso da parte da santa casa. O numero de esmolas dadas nos domicílios pela santa casa da misericórdia d'aquella cidade chegou no ultimo anno economico a quinhentas setenta e seis, tendo sido de quatrocentas e sete, no anno economico de 1881-1882 ; portanto as esmolas distribuídas pelos domicílios poderiam ser mais amplas se os rendimentos do hospital fossem mais avultados, e se a santa casa da misericórdia não tivesse que subsidial-o com a quantia de 3:000$000 réis.
É claro que procurar por todos os meios justos augmentar os redditos próprios do hospital, é obra meritória, e por isso julgo que este projecto merecerá a approvação da camara.
Mando-o para a mesa acompanhado de dois mappas, um indicativo do numero de doentes que no ultimo quinquennio têem sido tratados no hospital de Penafiel, e outro que montra o numero de esmolas distribuídas no domicilio durante o mesmo periodo pela santa casa da misericordia.
Peco a v. exa. que se digne remettel-os á commissão encarregada de estudar este projecto, a fim de ella poder apreciai-os no seu alto critério, avaliando os importantes serviços que ás classes desvalidas tern prestado o estabelecimento de que me tenho occupado, e cuja administração é digna dos maiores encómios pela forma esclarecida e pela dedicação com que o tem dirigido.
O projecto é o seguinte:
(Leu.)
Ficou para segunda leitura.
O sr. Baptista de Sousa: - Mando para a mesa um projecto de lei permittindo ao alumno 187 do real collegio militar, Teimo Ribeiro Pereira Bandeira, continuar no mesmo collegio por mais um anno, a fim de poder completar o respectivo curso.
Este projecto foi elaborado pelo nosso collega o sr. Albano de Mello, que por motivo justificado não póde hoje comparecer. . Ficou para segunda leitura.
O sr. Sousa e Silva: - Sr. presidente, o meu collega e amigo o sr. Hintze Ribeiro encarregou-me de participar

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a v. exa. e á camara que falta á sessão de hoje e faltará a mais algumas por motivo do fallecimento de uma pessoa de familia.
Approveito a occasião de estar com a palavra para renovar a iniciativa do projecto de lei apresentado na sessão de 15 de março de 1885, pelo sr. deputado Caetano de Andrade, e cujo fim é proteger a cultura do chá.
Sr. presidente, desejava que v. exa. me informasse se já vieram para a camara uns documentos que pedi em 10 de junho d'este anno n'um requerimento que tinha do ser satisfeito pelo ministerio da fazenda.
O sr. Presidente: - Esse requerimento foi expedido a 11 de junho.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Que requerimento é?
O Orador: - É um requerimento pedindo que me seja enviada a liquidação do imposto do tabaco feito no anno de 1885 com relação ao districto de Ponta Delgada, o despacho de v. exa. que recaiu sobre essa liquidação e ainda a liquidação feita pela direcção das contribuições directas ao mesmo districto.
Consta-me que a administração geral das alfândegas, na nota que mandou da liquidação, declarou que o districto de Ponta Delgada tinha pago a quantia necessária para satisfazer a parte que lhe competia no addicional para perfazer a quantia de 70:000$000 réis, que até então pagavam os districtos insulanos como compensação pela liberdade de cultura e fabrico de tabaco. O districto de Ponta Delgada tinha satisfeito por sua parte o sufficiente, portanto, nada lhe devia ser lançado coma addicional às contribuições directas, e assim o entendeu a administração geral das alfândegas, com cuja opinião, segundo me consta, s. exa. se conformou em despacho; mas subsequentemente a direcção geral das contribuições directas ordenou que ao districto de Ponta Delgada fosse lançado o addicional de 6:000$000 réis.
É por isso que requeri este documento para poder, em presença d'elle, pedir ao sr. ministro explicação destes factos.
Peço tambem a v. exa., sr. presidente, visto o sr. ministro da marinha não se ter dado ainda por habilitado a responder á interpellação que lho annunciei, lhe peça que quanto antes se dê por habilitado.
A interpellação é ácerca do regulamento de pilotagem de Ponta Delgada e da maneira por que elle está sendo executado.
O sr. Presidente: - V. exa. renovou a iniciativa de um projecto de lei?
O Orador: - Sim, senhor, indo a nota tambem assignada pelos srs. deputados Abreu Castello Branco e Jacinto Candido da Silva.
A renovação ficou para segunda leitura.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta de lei relativa á caixa geral de depósitos.
Direi agora ao illustre deputado o sr. Sousa e Silva, que me recordo de me haver fallado s. exa., numa conferencia que tive com os illustres deputados açorianos, ácerca do negocio a que acaba de se referir, e eu tratarei de me informar na secretaria, dando depois as ordens precisas para que lhe sejam enviados com a maior brevidade os esclarecimentos que pediu.
A proposta vae publicada no fim da sessão a pag. 1616.
O sr. José Maria de Andrade: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Odemira, que pede a esta camara o augmento do direito aduaneiro com referencia aos cereaes importados de paiz estrangeiro.
Parecem-me valiosas as rasões allegadas na representação, e espero que serão devidamente apreciadas pela illustre commissão.
Teve o destino indicado a pag. 1604.
O sr. Carrilho: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, concordando com o da commissão de instrucção primaria e secundaria, que tem por fim crear definitivamente no lyceu de Braga as duas cadeiras do língua grega e allema.
A imprimir.
O sr. Antonio de Azevedo Castello Branco: - Sr. presidente, pedi a palavra para tomar alguns instantes a attenção da camara sobre um assumpto que tem agitado vivamente a opinião publica da capital.
Refiro-me ao julgamento do alferes Marinho da Cruz.
Tem elle suggerido á imprensa apreciações muito severas, e ao mesmo tempo tem dado ensejo a que a opinião publica tambem se tenha calorosamente manifestado adversa á decisão do tribunal, que, baseado na opinião de distinctos alienistas, julgou o alferes Marinho da Cruz irresponsável pelo assassinato do cabo Pereira, acontecimento trágico e monstruoso, que tamanha surpreza e horror causara, quando o crime fora perpetrado. (Apoiados.)
Não me proponho nem defender nem atacar a resolução tomada pelo tribunal.
Não reputo isso conveniente, nem opportuno, quando o processo ainda não chegou aos seus termos finaes, e quando não tenho um conhecimento perfeito do mesmo processo, que mo habilite a fazer uma imparcial e exacta apreciação do julgamento.
Não quero pois de modo nenhum fazer a critica do julgamento, tomo-o apenas como thema, ou ponto de partida, para algumas considerações que o facto naturalmente mo suggere.
A meu ver, o julgamento do réu Marinho da Cruz significa o maior triumpho da medicina legal entre nós, e quando affirmo isto, entendo e estou persuadido de que a decisão assentou num profundo, reflectido e consciencioso estudo do processo e do organismo physiologico e psychico do delinquente.
Não quero de modo nenhum, como já disse e repito, (desejo que esta declaração fique bem consignada), tornar-me echo da acerba critica feita na imprensa á opinião dos alienistas que se pronunciaram pela irresponsabilidade moral do réu Marinho da Cruz; o meu propósito, o meu fim é chamar a attenção do governo e do parlamento para este facto, para que d'elle se tirem as consequências que devem deduzir-se, a fim de que se estude cuidadosamente este assumpto e se proponham as medidas complementares da nossa legislação penal e de processo, para que, de futuro, se não condemne iuiquamente algum réu em idênticas circumstancias de irresponsabilidade, ou para que se não absolva algum verdadeiro criminoso, abusando-se de um precedente que a sciencia agora justifica, mas que póde ser invocado sem rigorosa paridade, como expediente salvador de uma defeza temerária e sem escrúpulos. (Apoiados.)
O direito penal vae passando por uma evolução muito notável, que nestes últimos dez annos mais se tem accentuado, devida ao grande desenvolvimento da sciencia, o sobretudo ao estudo da anthropologia e sociologia criminal.
O apparecimento do livro immortal de Beccaria, no século passado, causara tão profunda impressão nos espíritos, que deu um impulso extraordinário ao estudo do deli-cto e das penas. Inspirado pelo sentimento mais do que por princípios scientificos, era uma reacção contra as violências e crueldades da penalidade da idade media e, por essa causa, foi determinante de um grande progresso, porque despertando a opinião publica e estimulando as cogitações dos pensadores, foi a origem de uma escola criminal, que ainda exerce largo predomínio o cujos princípios fundamentaes são, theoricamente, o estudo do crime, à priori como entidade jurídica abstracta, e praticamente a abolição da pena de morte e a diminuição na severidade

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dos castigos, que, por seculos, tinham sido de um empirimismo cruel e sangrento.
Á phylantropica reacção contra o systema do punir da idade media, gloriosamente iniciada por Beccaria, succedeu a escola correccionalista, valentemente sustentada pelo insigne criminalista Roeder.
Segundo esta escola, o fim da pena é puramente educativo; é a emenda moral e jurídica do delinquente, a aspiração suprema do castigo imposto ao infractor da lei e perturbador da ordem juridica, base fundamental da sociedade.
Os princípios apostolisados por aquelle criminalista adquiriram sectários fervorosos em muitos paizes, e ainda exercem prestigioso império entre os partidários do regimen de prisão cellular, quer de separação continua entre os condemnados, quer de separação nocturna e silencio obrigatório entre os presos; pois que a pena no systema penitenciario, se é intimidante e afflictiva, tem comtudo como principal objectivo a moralisação do delinquente, favoncada pelo benéfico influxo que o isolamento, o ensino religioso, escolar e o profissional devem exercer no animo do criminoso.
Não póde negar-se em absoluto o valor dos princípios da escola correccionalista, affirmando a sua improficuidade na applicação pratica do regimen educativo dos delinquentes; todavia é mister evitar a illusão da omnipotência educativa, pois que a educação, se tem uma verdadeira efficacia na conservação de certos caracteres originariamente bons, só póde concorrer para depurar e robustecer outros, que se mantém na zona media entre o bem e o mal, não possue todavia o maravilhoso poder de modificar os caracteres, a ponto do transformar um ente pshychicamente degenerado, um homem perverso por instincto ou por habito inveterado, num cidadão probo e honesto, em cuja consciência fulgure o amor pelo bem, o culto da justiça e a dedicação pelo dever. (Apoiados.)
O principio de que a pena deve emendar o delinquente é geralmente acceite e acolhido na jurisprudência criminal, nas escolas e na applicação dos systemas penitenciários; mas, sc0 valor da educação penitenciaria é importante e muito consideravel, não é todavia absoluto, pois que as estatísticas, as observações anthropologicas e pshycologicas provam que ha numerosos delinquentes, cuja correcção é impossivel, difficilima, ephemera ou instavel, e estes, já por defeito da sua constituição organica, já por habito contraindo, e, muitas vezes, pelo influxo pernicioso do ambiente social, são a demonstração da improficuidade da therapeutica moral da pena.
Até ha poucos annos, a sciencia do direito penal tem osculado entre a opinião dos que julgam ser indispensavel uma severa repressão do crime, e a dos que entendem que a suavidade da pena e a educação do criminoso são os meios mais adequados á defeza e restabelecimento da ordem social, quando offendida pela pratica do crime.
Ao estudo abstracto e metaphysico do delicio no domínio da philosophia espiritualista, ao exame do facto criminoso na sua relação com a liberdade morai do agente, succederam as ideias e o methodo da philosophia positiva, que estuda o delinquente e não o delicto, como ente abstracto, analysa os elementos anthropologicos e sociaes do delicto, pondera as circumstancias internas e externas que poderiam ter influencia na pratica do crime, e determina, emfim, a applicação da lei penal, procurando que seja justa, no ponto de vista do delinquente, e util, no ponto de vista dos interesses legítimos da sociedade.
Preponderam ainda nos codigos modernos os principios da escola penal, que se póde chamar classica, e as idéas metaphysicas, em face das quaes só ha sancção penal legitima quando o crime é o resultado da acção intelligente e livre de quem o praticou. O delicto é a violação do direito, tutelado pela lei penal, o livre arbítrio, a base fundamental do direito de punir.
Não cabe no ambito de um discurso parlamentar a serie de considerações que naturalmente podiam derivar deste assumpto; releve-me, porém, a camara que eu me haja alongado mais do que deveria, pois prometto que não transformarei esta casa em escola de direito penal ou em academia.
Ha poucos annos, surgiu uma brilhante pleiade de juristas, anthropologos e psychologos, que, estudando o crime e o delinquente, proclamam que o crime, na sua manifestação mais geral, deve considerar-se em regra como effeito da anormalidade individual do seu auctor, ou como symptoma de pathologia social, mas que o fim supremo da pena é a segregação dos elementos nocivos á sociedade, devendo conjuntamente prover-se ao saneamento do ambiente social pelos meios preventivo» mais consentâneos e práticos, a fim de que uma efficaz prophylaxia preserve os menos vigorosos e resistentes da influencia nociva de um péssimo regimen moral e economico, fautor incontestavel de um schema social propicio ao crime.
A escola positiva considera a sociedade como um verdadeiro organismo, que só póde desenvolver-se e manter-se por um processo de desassimilação dos seres que o affectam pathologicamente. Esta reacção da sociedade contra os delinquentes não vae até às consequencias extremas de reclamar o extermínio de todos os criminosos; não glorifica a pena de morte; não pretende a applicação de sevícias e tormentos cruéis e inúteis; mas unicamente proclama que se ponham em pratica os meios de eliminação perpetua ou temporária dos indivíduos que, dando-se á pratica do crime, são elementos perigosos ou anti-sociaes.
Não se retrocede aos rigores excessivos da penalidade, mas não se sacrifica na ara do sentimentalismo a necessidade impreterivel de assegurar a ordem da sociedade contra os ataques e perturbações consequentes do crime.
Se estes princípios não estão absolutamente formulados em disposições de lei penal, não se podem considerar alheios de todo á jurisprudência dos códigos, pois que a pena da privação da liberdade e a de degredo, nos seus immediatos effeitos, consiste na eliminação dos indivíduos anti-sociaes.
Estes principies impõem-se á consciência de todos sempre, que um grande crime abala a sociedade.
E por isso que no julgamento a que alludo o tribunal disse que era indispensável que o réu Marinho da Cruz fosse retirado do meio social, e desde o momento em que ha uma sentença que o diz, e é essa a opinião dos peritos que serviu de fundamento á decisão do tribunal, é mister que se cumpra. (Apoiados.)
N'estes ultimos annos o estudo da anthropologia criminal tem tido um grande desenvolvimento, e muitos escriptores são concordes em que não só é preciso estudar o crime fóra da metaphysica, mas que é indispensavel, sobretudo, estudar o criminoso, para se examinarem as rasões determinantes da infracção da lei. Este estudo levará logicamente á classificação dos criminosos, segundo a sua idiosyncrasia e habitos e o grau de temor que inspirem pela probabilidade da reincidencia, ou da incorrigibilidade, classificação precisa para convenientemente se afastarem os perigos que podem resultar do seu convivio.
Os criminosos não são entre si iguaes, e não só se differenciam pela organisação physiologica e psychica, como pela maior ou menor influencia que sobre elles exerce um mau ambiente social, a falta, ou vícios de educação, ou o temperamento desenvolvido pelas condições mesologicas.
Poderá pôr-se em duvida a existência de indivíduos que praticam crimes ferozes com a mais insensível indifferença, que ha muitos evidentemente incorrigíveis, que se mostram insensíveis às dores da penalidade, e finalmente que ha outros que delinquem sob o domínio da alienação mental? E a par d'estes, não ha outros que, por incidente imprevisto, occasional, ou pelo ímpeto de uma paixão subitanea, com-

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mettem crimes, sem que sejam perversos, corrompidos, ou degenerados?
O estudo, pois, do delinquente, e a sua classificação, é fundamental, para que a sociedade se premuna contra a repetição dos factos criminosos. Se o criminoso é um incorrigível, ou um indivíduo propenso ao delicto por hereditariedade, por vicio contrahido, ou perigoso peio seu estado pathologico, a pena a applicar, ou antes a preservação social, está na privação completa da liberdade do delinquente; mas se este infringiu a lei num momento de paixão, ou em circumstancias anormaes e infelizes, se este não constitue um perigo constante para a sociedade, a penalidade deverá ser diversa quanto â forma e quanto á duração.
Se persisto em fatigar a camara com estas reflexões, a que todavia não dou o desenvolvimento desejado, é porque o problema da criminalidade se está impondo hoje á consideração de quantos se dedicam aos estudos sociologicos.
A onda da criminalidade vem rolando e avolumando ameaçadora, impetuosa e terrível. (Apoiados.)
Nos congressos penitenciários, nos livros, nas revistas e nas estatísticas não se dissimula a desagradável impressão que a numerosos pensadores tem causado este facto.
Os phanaes da sciencia fulguram nas eminencias da civilisação deste século potentissinio, laborioso e audaz, e a cultura geral levanta do limbo da ignorância as classes populares; todavia a tão radioso desabrochar da consciencia humana não corresponde o desapparecimento da criminalidade, ou o seu decrescimento.
Grande illusão deveria sentir o maior poeta da França, que pedia a abertura de escolas para fechar os cárceres!
Attenda a camara a alguns dados estatísticos.
Em França, por exemplo, desde 182G a 1380 triplicaram os crimes, e esse augmento não se deu na proporção do augmento da população. Desde 1851 a 1880 as reincidencias cresceram progressivamente de 21 a 41 por cento nos crimes correccionaes e de 3ò a 50 nos crimes de maior gravidade.
Na Belgica desde 1800 até 1875 os processos dos condemnados pelos tribunaes, quer os accusados tivessem de responder pelos crimes a que entre nus corresponde o processo ordinario, quer pelos crimes a que corresponde o processo correccional, subiram de 20:428 a 25:072.
De 1868 a 1880 as reincidencias attingiram a 42 por cento.
O augmento dos crimes excedeu muito o crescimento proporcional da população.
Na Italia, este problema social tem preoccupado todos os criminalistas, porque a criminalidade tem ido n'aquelle paiz em um crescendo extraordinario, que não está em proporção com o augmento da criminalidade dos outros paizes da Europa.
De 1860 a 1870 houve um augmento de 22 por cento nos crimes a que é applicavel a pena capital, e de 64 por cento nos outros crimes; é sobre tudo ali que tem, por assim dizer, primazia a máxima criminalidade, sendo assombroso o numero de homicidios.
Este facto social preoccupa os mais distinctos criminalistas italianos, e é neste glorioso paiz, nesta pátria do direito, que o assumpto de que me occupo é hoje o thema de profundos e variados estudos.
Na Hespanha os processos criminaes subiram de 94:574 a 146:277.
De 1868 a 1874 houve 159 condemnações á morte e de 1875 a 1881 houve 213. No primeiro período as execuções foram 50, no segundo 125!
O quadro estatisco das reincidências é por toda a parte desconsolador e muito influe para que os systemas penitenciários, ainda os mais bem organisados e bem praticados, não gosem do prestigio que cercou esta instituição, quando na Europa lhe foi dada hospitalidade cariciosa, na perspectiva de que alfim se havia descoberto a panaceia salvadora contra a epidemia mortifera do delicto.
Sinto não me poder referir a recentes estatísticas de Portugal. As que existem são respectivas a um período tão curto que não offerecem elementos bastantes para se poder fazer um estudo comparativo com os outros paizes, e apreciar com exactidão possível o estado da criminalidade portugueza comparada com a de outras nações da Europa. (Apoiados.)
Ora, quando na Europa se dá este crescendo de criminalidade, e quando a sciencia está demonstrando que uma grande parte dos crimes anda completamente ligada a vícios organicos, a verdadeiros estados pathologicos, o assumpto impõe-se de per si, sem necessidade de encarecimentos rhetoricos, á consideração illustrada do parlamento. (Apoiados.)
É mister reformar o codigo do processo, refundir o código penal e completar a nossa legislação por modo que o crime não fique impune e que os delinquentes que a lei não repute responsaveis, não se constituam em perigo para a sociedade. (Apoiados.)
A nossa legislação actual não é inteirameente omissa, quando se trata de loucos criminosos; mas e incompleta. Carece-se de uma legislação de caracter preventivo, que sirva de égide protectora da sociedade contra aquelles que por vicio mental estão mais propensos ao crime, transformando-se de seres intelligentes e livres em feras, ou autómatos, a que é inútil, senão barbaridade, applicar penas, que nem curam, nem melhoram esses infelizes. (Apoiados.)
A questão da applicacão na lei penal está ligada com outras disposições das nossas leis. A organisação dos processos, pelo que respeita á parte medica, está entre nós completamente embrionária e é preciso que se regule devidamente. Ha porventura cousa mais importante do que e o estudo do indivíduo como agente de um crime? E todavia nós sabemos, que até na organisação dos processos dos corpos de delicto, a não ser em casos excepcionaes, ha completa ausência da applicação dos preceitos da medicina legal.
Agora declarou o tribunal irresponsável um delinquente por padecer de epilepsia larvada. Acceite-se a decisão em homenagem á sciencia. Nada tenho, nem a camara, com o veredictum do jury; mas o facto, pela sua estranheza e pelo abalo que produziu na opinião publica, trouxe á superfície da corrente um thema de estudo importantíssimo. (Apoiados.)
Não me assustam as conclusões da sciencia; o que eu temo é a applicação errada ou fraudulenta dos seus princípios, sempre que os expedientes da advocacia se soccorram do auxilio da sciencia para dar a verdadeiros criminosos um patrocínio funesto para a sociedade. (Apoiados)
Não ha duvida em que a epilepsia tem uma intima connexão com a loucura e com a criminalidade.
O sr. Jackson, medico do hospital de Londres e do hospital de epilepticos e paralyticos, escrevia, ha annos: «A loucura epileptica é de ordinario violenta, e a sua violencia póde tomar a forma de crime, como consequencia de circumstancias puramente fortuitas».
O sr. Knetch, em 1883, fazendo, na Allemanha, estudos de anthropologia criminal, em 1:214 criminosos, encontrou epilépticos 5 por cento. Este sábio é de opinião que o movei do crime se deve procurar mais nas causas sociaes do que na anthropologia individual; mas não hesita em declarar que uma constituição nevropathica torna o indivíduo mais propenso a infringir as leis que regem a sociedade, havendo por isso connexão intima entre o delicto e a nevropathia.
Segundo Falret na epilepsia larvada os paroxismos, as convulsões, são substituídos frequentemente por um accesso de loucura.
A descarga epiléptica produz-se nos centros nervosos

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mais elevados, nas camadas cerebraes que servem às manifestações da consciencia, obliterando-a, ou perturbando-a.
Eu estou divagando em seara alheia, mas a camara vê que vou na companhia de grandes auctoridades.
A epilepsia é um padecimento, mais vulgar do que talvez se pense. N'uma estatística recente vi eu que em França havia 33:200 epilepticos conhecidos como taes e destes, em 1881, só 5:200 estavam em asylos privados ou publicos.
Não ha entre nós estatística dos epilépticos; mas o que infelizmente ha é um grande numero de alienados vagabundos, que são uns seres dignos de muita piedade e protecção, e ao mesmo tempo constituem em perigo. (Apoiados.)
Serão todos epilépticos? Não sei.
Haverá muitos criminosos, cujos delictos tiveram por origem o automatismo mental produzido por aquella molestia? Não sei tambem. O que eu sei é que na penitenciaria, de que sou sub-director, ha um numero crescido de individuos que têem ataques de epilepsia bem caracterisada e definida pelos paroximos, convulsões e mais manifestações externas. O que eu sei tambem é que alguns ficam depois dos ataques com allucinações de ouvido e outros desarranjos mentaes. Seriam os crimes perpetrados no período em que a descarga epiléptica produz a alienação, seriam os crimes um resultado ineluctavel do accesso? É o que os processos não mostram de certo. Estão na penitenciaria, não como epilépticos num asylo, mas como responsaveis por crimes que perpetraram.
Mas se os crimes destes reclusos foram produzidos pela nevropathia, e não sendo um estabelecimento penal a casa propria para a cura destes enfermos, é claro que, cumprida a pena, estes epilépticos regressam á sociedade e ficam em estado de reincidir, quando se repita o accesso. Organisar-se-ha um novo processo, e attribuir-se-ha á perversão do criminoso e á inefficacia do regimen penitenciario a reincidencia, quando esta póde ter origem exclusiva na nevropathia do delinquente.
A que conclusão conduzem estas considerações? A necessidade de formular regras novas para a instauração dos processos criminaes e de promulgar a lei que complete a legislação penal, de modo que a tranquillidade publica se assegure e que o criminoso seja tratado como tal, e o doente conforme a sua enfermidade. (Apoiados.)
Desculpe-me a camara a demora das minhas reflexões; mas a importância e a complexidade do assumpto attenua a falta que commetto, abusando da paciencia dos meus collegas.
Entre nós a legislação criminal diz que o indivíduo considerado como irresponsável em resultado de uma sentença, deve ser recolhido num asylo ou entregue á família para o guardar; mas não diz se a segregação é perpetua ou temporaria, nem dispõe as regras, o processo por que elle póde amanhã sair do asylo. E isto é que é indispensavel que seja consignado na lei. (Apoiados.)
A Hespanha no seu codigo de 1870 dispõe que, quando o imbecil ou louco tenha praticado um facto que a lei qualifique de delicto grave, o tribunal decrete a sua reclusão num hospital destinado a enfermos d'aquella classe, de onde não poderá sair sem previa auctorisação do mesmo tribunal.
Se a lei qualificou o facto de delicto menos grave, o imbecil ou louco delinquente poderá ser recluso num hospital, ou entregue á sua família, se esta der caução suficiente de que o mantém em custodia.
E assim que em Hespanha se preserva a sociedade dos malefícios dos loucos, e o que tem de importante a disposição do codigo hespanhol é a de determinar que o louco irresponsável não saia da sua reclusão, sem que o tribunal julgador o auctorise.
Mas de que cautelas está rodeiada a disposição do artigo 47.° do nosso codigo?
Se o louco for perigoso será recolhido num hospital emquanto viva, ou poderá ser posto em liberdade, quando se repute dissipado o perigo? No segundo caso, quem julga a innocuidade da concessão da liberdade ? que processo ha para esta ser concedida?
Note a camara que eu poderia perguntar como é que se conhece um doente de epilepsia larvada estar curado; mas não faço tal pergunta, limito-me a inquirir onde estão as providencias preventivas contra os abusos a que póde dar origem a deficiência da nossa legislação (Apoiados.)
Um epileptico perpetra um crime horrendo, a sciencia demonstra depois de um estudo accurado e escrupuloso que o agente do crime obedeceu fatalmente a uma força irresistível, e que por isso não é condemnavel, porque não procedeu com a consciência de que praticava o mal, e ha de um ser infeliz, mas perigoso, restituir-se ao meio social, sem que por um processo regular se apure e demonstre que não ha a temer-se a repetição do crime?
Não tem a sociedade o direito de exigir que se lhe dê a certeza de que não ha perigo algum em se pôr em liberdade um homem que, num momento de alienação, se convertera em fera?
A ausencia de normas de processo não será favorável ao favoritismo, ou aos erros de apreciação do estado mental do delinquente?
As respostas são obvias. (Apoiados.)
Não me arreceio das theorias da sciencia, nem das conquistas que ella vae fazendo de dia para dia, nem da invasão da physiologia nos domínios do direito. Apenas me sobresalto com as erradas illações que poderão tirar-se dos bons princípios, e das exageradas ou funestas consequências que d'ahi podem emanar, porque hoje estamos num período de sentimentalidade, ou num período de laxidão, muito propício para acceitar tudo quanto seja favorável á situação dos réus.
A benevolencia extrema, á facilidade abusiva do jury ajunta-se a benevolencia dos juizes, que, já por índole piedosa o caroavel, já para evitarem a acrimonia da apreciação do publico, applicam em geral a lei com uma excessiva brandura. A largueza das circumstancias attenuantes dá amplitude á benevolência dos tribunaes, mas as consequências são fataes para a sociedade. Já um escriptor estrangeiro chamou ao codigo penal uma das illusões deste seculo, e eu receio muito que o dito se applique com triste exactidão ao nosso paiz. (Apoiados.)
Urge prover a que amanhã não se faça entre nós, para a defeza dos réus, o uso da epilepsia, que na Italia se tem feito da força irresistível consignada no seu codigo, recurso que os advogados têem adoptado com grande êxito no patrocínio de criminosos execrandos. O facto tem dado origem a esoriptos muito valiosos, e o abuso, ha pouco tempo ainda, foi condemnado no parlamento d'aquella nação.
Mas, se na defeza dos réus se abusar da allegacão da epilepsia, ou de outros vícios de organismo que produzam irresponsabilidade perante o codigo penal, defenda-se tambem a sociedade com a segregação desses entes perigosos. (Apoiados.)
Criem-se estabelecimentos próprios para a reclusão dos loucos delinquentes, pois que não é justo, não é seguro, nem conveniente, que taes indivíduos se encerrem em cadeias, ou em hospitaes communs.
E o que em França e na Italia se trata de fazer, havendo já n'aquelle paiz alguns estabelecimento annexos a penitenciarias, destinados á recepção exclusiva dos loucos criminosos.
Sinto não estar presente o sr. ministro da justiça, pois desejava chamar n. attenção do seu esclarecidissimo espirito para a conveniência de crear os asylos de loucos delinquentes, e uma legislação especial, como a do estado de New-York, do 24 de maio de 1874, do cantão de Neuchâtel, de 23 de maio de 1879, e do estado de Massachus-

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sets, de 12 de maio de 1881, ou modelada pela proposta que o sr. Dupretis apresentou em 1880 ao parlamento do seu paiz, ou pelo projecto que, supponho, se discute agora em França.
Na Inglaterra, Irlanda, Escossia, na Pensylvannia, em New-York, na Allemanha e Hollanda ha estabelecimentos proprios para a recepção dos loucos perigosos que se não collocam nos asylos ordinarios.
O projecto italiano, a que já me referi, trata do modo de recolher em asylos especiaes, em nome da segurança social, os condemnados que enlouqueceram durante o cumprimento da pena, os indiciados que enlouqueceram no decurso do processo, os indivíduos absolvidos por falta de imputação resultante da alienação mental e os indivíduos reconhecidos responsáveis só parcialmente por actos que tiveram por causa um vicio parcial da mente.
No projecto francez dispõe-se que se encerrem nos asylos especiaes os condemnados loucos que sejam reconhecidos como perigosos, os indiciados que forem reconhecidos como loucos na instrucção do processo ou durante a discussão da causa e os que tenham praticado algum attentado grave contra as pessoas durante a sua permanência nos asylos.
Como a camara vê, em ambos os projectos se adoptam prevenções contra os dammos irreparáveis que os loucos podem causar.
A verdadeira questão, diz o sr. Fouillée, é saber se o determinismo dos actos supprime o direito de defeza. Se o cerebro do delinquente é escravo de paixões irresistíveis, se o braço é impellido ao crime por uma reacção cerebral violenta, rasão de mais para que a sociedade se ponha em guarda. Se o delinquente é um escravo, não ha rasão para que se lhe dê a liberdade. (Apoiados.}
A iniciativa do sr. ministro da justiça tem um largo solo a explorar, se quizer glorificar o seu nome com o complemento da nossa legislação criminal.
O nosso systema penitenciário está incompleto e não é o que mais se approxima do ideal dos systemas. Ha muito que estudar ainda e muito que executar para que se aufiram vantagens que o systema promette.
Para demonstração da necessidade dos asylos para loucos delinquentes, basta-me apontar para alguns dos epilépticos que existem na penitenciaria e aos quaes já fiz referencia.
Lá estão alguns infelizes que têem aquelle padecimento horrível, e de que talvez nunca se curem, mas, como são criminosos, sob o ponto de vista da conservação da ordem publica e segurança dos cidadãos, a penitenciaria é para elles, por emquanto, a única pharmacia, o único hospital para taes doentes.
Conclui.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi cumprimentado.}
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Tinha tenção, logo que se entrasse na ordem do dia, de pedir a palavra para fazer uma declaração importante, e que me esqueceu na sessão de quarta feira. Vendo-me, porém, obrigado a retirar-me para a camara dos dignos pares, onde vão entrar em discussão projectos que reclamam a minha presença, vou dar rapidamente a explicação que desejo, ficando aqui substituído, para a continuação deste projecto, pelo sr. ministro das obras publicas.
A declaração é esta.
Pensa muita gente que, estabelecido o entreposto commercial livre alem da torre de Belém, será obrigatorio o deposito de quaesquer mercadorias que venham para importação, exportação, reexportação ou transito.
Não é assim; não se, impõe uma obrigação, concede-se apenas uma faculdade. E livre o depositar ali, ou na parte interior do porto. (Apoiados.)
Já na ultima sessão eu tinha manifestado este pensamento ao sr. Franco Castello Branco, embora reconheça que talvez não me tivesse expressado em termos bastante claros.
Alem d'isso, o estabelecimento chamado porto franco, ou em Caxias, ou noutro ponto, não prejudica de modo algum o pensamento de que nas docas do aterro haja armazens onde se depositem géneros livres de direito, mas sujeitos esses, e os navios que os transportam, á fiscalisação da alfândega; quer dizer, o deposito livre de direitos tanto é concedido no porto interior como na exterior. No porto exterior estão livres da fiscalisação da alfândega tanto os navios como os próprios géneros. No porto interior podem ser depositados, livres de direitos, como hoje succede, mas a differença é que ha a fiscalisação da alfândega sobre os armazens de qualquer especie, sobre os generos depositados e sobre os navios.
O porto franco concede maiores liberdades, mas não impõe restricção alguma á mercadoria. Desde que ella entra no porto franco, ou nos armazens, tem completa liberdade. Entrando no porto interior fica sujeita a embarcação, e do mesmo modo a mercadoria, á fiscalisação aduaneira.
Portanto, o porto franco não é obrigatorio para ninguem; o que dá é maior somma de liberdade. Mais nada.
Tinha a peito fazer esta declaração, e agora peço licença para me retirar para a camara dos dignos pares, reservando quaesquer outras explicações que forem necessarias, para logo, na sessão nocturna.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do projecto n.º 134 que cria um entreposto livre entre a torre de Belem e Cascaes

O sr. Dias Ferreira: - Apresentou a seguinte proposta:
«A camara resolve adiar a discussão do projecto para a creação do entreposto commercial nas proximidades de Lisboa, até que as cortes se pronunciem sobre a legalidade do alvará de 9 de abril d'este anno, que concedeu a uma companhia a construcção e exploração do caminho de ferro de Cascaes, e continua na ordem do dia. = Dias Ferreira.»
Tinha pedido a palavra unicamente para explicações, porque com declarações assignára o parecer.
A direcção, porém, que tinha tomado o debate, levava-o a fazer mais algumas considerações.
Acceitára dos melhoramentos do porto de Lisboa aquelles que eram indispensaveis para os navios e para o commercio; mas combatera, até onde lhe fora possível, aquelles cuja opportunidade era duvidosa, e que não estavam em harmonia com a situação do thesouro.
Ainda hoje absolveria o governo das suas culpas, se, tendo encontrado votada uma verba importantíssima para as obras do porto de Lisboa, apenas applicasse dessa somma a parte que fosse precisa para os trabalhos indispensáveis, destinando o resto para uma obra cuja não realisação podia ser fatal á cidade de Lisboa.
Referia-se ao saneamento da cidade.
Queria os melhoramentos do porto e da navegação, mas com a condição, que tem imposto sempre, salvo quando se trata da saúde publica. Essa condição era a de se declarar onde se havia de ir buscar o dinheiro para fazer face às despezas.
Acceitava o pensamento fundamental do projecto, mas precisava saber se havia os meios para fazer as obras.
Via que hoje se levantava a associação commercial de Lisboa contra o projecto que se discutia, e queria a camara saber a causa dessas reclamações?
Em primeiro logar devia dizer que, para os melhoramentos do porto de Lisboa, contribuíra muito a opinião do governo passado, que fora quem tomara a iniciativa desses

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melhoramentos, e esse governo, que era extremamente prudente nas emprezas arriscadas, não quiz ir só, mas sim acompanhado do voto das associações e estações competentes. Ouvira portanto a associação commercial, e mal se diria que essa associação viria agora dizer que, com o projecto que se discutia, os melhoramentos do porto de Lisboa ficariam sem utilidade alguma. Porque o não dissera n'aquella occasião?
O que era logico era tel-o dito antes. Julgava que os melhoramentos do porto, que custavam cerca de réis 11.000:000$000, fossem de tal ordem que nada os podesse prejudicar.
Agora, antes das obras começarem, já se julgava que os melhoramentos do porto com o entreposto de Cascaes podiam ficar prejudicados.
E as duvidas que se apresentavam davam força á sua opinião, de que, antes de tudo, o que convinha era estudar o assumpto.
Segundo a opinião do sr. ministro da fazenda, ficávamos com um porto interior desde o caes dos Soldados até Alcantara; com um ante-porto em Caxias para as mercadorias que vem do estrangeiro e vão para o estrangeiro, podendo-se mais tarde pensar num outro porto, em Cascaes, para desembarque de malas e passageiros dos paquetes transatlânticos. Parecia-lhe que não havia nada mais bonito; mas receiava que tivéssemos muitas hospedarias e que não tivéssemos hospedes.
E imaginava-se que viriam muitas mercadorias para o entreposto de Caxias ou Cascaes, a fim de mais tarde tornarem a embarcar para o seu destino?
E podia alguém calcular se essas mercadorias seriam tantas que justificassem uma obra de tal ordem, e mostrassem ser infundada a inquietação que hoje estava lavrando na classe commercial de Lisboa?
Pois não se poderiam fiscalisar essas mercadorias perto das docas?
Por isso o projecto precisava ser estudado e adiado. Precisava-se saber as receitas com que se póde contar para fazer o estabelecimento chamado entreposto, e não via rasão que obrigasse o parlamento a pôr em sobresalto o commercio da capital.
Queria tambem fallar da segunda parte da sua proposta, que era a da legalidade da concessão do caminho de ferro de Cascaes. Tencionava só fazer as suas declarações quanto ao projecto, mas, tendo se fallado d'aquelle caminho de ferro, queria dizer o que pensava sobre a legalidade de uma tal concessão.
O sr. ministro da fazenda fallára ante-hontem nos favores feitos a diversas companhias de caminhos de ferro por outros governos. Não trataria desta questão, e isto não queria dizer que noutra occasião não tratasse d'ella. O que agora convinha saber, era se o governo podia dar por sua auctoridade, e sem concurso, a concessão do caminho de ferro de Cascaes á companhia dos caminhos de ferro do norte e leste.
Não a podia dar a esta companhia, nem a nenhuma, porque o governo só podia dar sem concurso os ramaes de linhas já contratadas, comtanto que isso não trouxesse encargos para o thesouro.
E seria essa linha um ramal do caminho de ferro do norte e leste?
Não o era, e portanto o governo não podia fazer tal concessão.
Por consequencia, a primeira illegalidade estava em se conceder uma linha contra a disposição expressa da lei.
Não se tratava de saber se eram terrenos conquistados ao mar, tratava-se de saber se podia ou não dar esses terrenos.
O governo não podia fazer similhante concessão sem concurso, sem com isto querer dizer que, em igualdade de circumstancias, não devesse ser preferida a companhia dos caminhos de ferro do norte e leste.
Tambem se podia dizer que o caminho de ferro da Pampilhosa era um ramal da linha da Beira Alta, mas esse caminho de ferro foi sujeito á approvação do parlamento, porque então não estava ainda dispensado o principio da intervenção do parlamento.
Pedia á camara que concordasse no adiamento do projecto, para se proceder aos estudos convenientes e poder-se tomar uma resolução acertada.
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara resolve adiar a discussão do projecto para a creação do entreposto commercial nas proximidades de Lisboa, até que as cortes se pronunciem sobre a legalidade do alvará de 9 de abril deste anno, que concedeu a uma companhia a construcção e exploração do caminho de ferro de Cascaes, e continua na ordem do dia. - Dias Ferreira.
Foi admittida, ficando em discussão conjunctamente com o projecto.
O sr. Alves de Moura: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara se julga a matéria sufificientemente discutida.
Resolveu-se afirmativamente.
O sr. Ribeiro Ferreira: - Acabo de saber que foi entregue em mão ao sr. secretario da mesa uma representação da associação commercial de Lisboa. Eu requeria a v. exa. que consultasse a camara, sobre se permitte que se dê conta d'ella á camara, antes de se votar o projecto na generalidade.
O sr. Presidente: - Devo dizer ao illustre deputado que votada, a generalidade do projecto, não fica prejudicada a leitura da representação a que alludiu.
O sr. Franco Castello Branco: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer votação nominal com respeito ao requerimento do sr. Ribeiro Ferreira.
Consultada a camara decidiu afirmativamente.
O sr. Presidente: - Os srs. deputados que são de opinião que se dê conta á camara da representação da associação commercial, antes de se approvar a generalidade do projecto, dizem approvo, e dizem rejeito os que opinam de modo contrario.
Feita a chamada

Disseram approvo os srs. Moraes Carvalho, Alfredo Brandão, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Eduardo Villaça, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes-Gomes Neto, Pereira Borges, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho, Mazzioti, Pereira Carrilho, Augusto Pimentel, Miranda Montenegro. Victor dos Santos, Eduardo de Abreu, Eliseu Serpa, Ermygdio Navarro, Feliciano Teixeira, Fernando Matoso, Fernando Coutinho, Firmino João Lopes, Francisco Coelho de Campos, Castro Matoso, Fernando Vaz, Lucena e Faro, Correia Arouca, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu,, Casal Ribeiro, Jacinto Cândido, Pires Villar, João Augusto Pina, João Ferreira Franco Castello Branco, João Izidro dos Reis, João José d'Antas Souto Rodrigues, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Arroyo, Menezes Parreira, Vieira de Castro, João Pinto, Correia Leal, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Jorge de Mello, Amorim Novaes, Alves de Moura, Avellar Machado, Ferreira Galvão, José Castello Branco, Pereira e Matos, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Abreu Castello Branco, Frederico Laranjo, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Vasconcellos Gusmão, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, José de Saldanha, Simões Dias, Santos Moreira, Ventura Reis, Abreu e Sousa, Julio Graça, Julio José Pires, Lopo Vaz, Poças Falcão, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Espregueira, Manuel d'Assumpção, Manuel José Correia, Pinheiro Chagas, Marianno Presado, Matheus de Azevedo,

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1612 DIARIO DA CAMABA DOS SENHORES DEPUTADOS

Pedro Victor, Sebastião da Nobrega, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Vicente Monteiro, Estrella Braga, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre, Santoss Crespo, Francisco José Medeiros, Rodrigues de Carvalho.

O sr. Presidente: - Está, portanto, approvado por unanimidade o requerimento do sr. Ribeiro Ferreira. O sr. secretario Medeiros leu a seguinte:

Representação

E. N.º 245

Senhores deputados da nação portugueza. - A associação commercial de Lisboa, em virtude da proposta apresentada em direcção, resolvera confiar a uma commissão especial o estudo do assumpto, fundação de um porto franco em Lisboa.
Essa commissão deu o seu parecer, que approvado pela direcção, foi por ella resolvido se enviasse como representação ao ex.mo ministro da fazenda, o que se fez em 10 de junho de 1887 (documento junto).
Pouco depois era apresentada á camara dos senhores deputados da nação a proposta de 18 de junho deste mesmo anno, firmada pelos exmos. ministros da fazenda e das obras publicas.
Sendo essa proposta inteiramente contraria, na parte principal e essencial, ao que a associação havia exposto, approvou a associação uma nova representação para ser dirigida á camara dos senhores deputados, fundamentando do melhor modo que lhe foi possível a sua primeira idéa, mostrando o quanto ella estava em opposição á da proposta dos exmos. ministros, e os gravíssimos inconvenientes que adviriam da approvação da referida proposta tal qual fora apresentada. Esta segunda representação foi approvada em sessão da direcção de 30 de junho, ignorando a direcção, que sobre este assumpto houvesse áquelle tempo a commissão de fazenda dado o seu parecer, que depois viu firmado em data de 27 de junho. E esse parecer mais veiu preoccupar a associação, porque como esclarecimento á lei diz:
«Tal é o que em parte se realisará para Lisboa se concederdes ao governo a auctorisação que vos pede, para adjudicar por concurso a construcção e exploração de um entreposto em que, livre de direitos aduaneiros, possam embarcar, desembarcar, conservarem-se depositados, serem beneficiados e manipulados quaesquer generos ou mercadorias que se não destinem ao immediato consumo do paiz, isto é, para os quaes não seja pedido despacho immediato.» Por onde se vê que ha o propósito de reservar aos armazéns das docas o movimento único das mercadorias destinadas a despacho immediato, isto é, insignificantissimo movimento relativamente á grandeza com que estão projectados esses armazéns, e concedendo, portanto, ao entreposto entre Belém e Cascaes o monopólio de facto da arrecadação da maior parte das mercadorias. E como tambem já se fallou na camara, na fundação de porto franco em Lisboa em epocha mais remota, a associação toma a liberdade de transcrever as conceituosas phrases do considerado jornal portuense Commercio do Porto, n.° 107, porque se referem igualmente á questão da fiscalisação:
«O porto franco em Lisboa não é novidade. Já o tivemos no sitio da Junqueira, de 1797 até 1806. Foi creado por decreto de 13 de maio de 1796, para começar a funccionar em 1 de janeiro seguinte. Funccionou effectivamente; mas a administração reconheceu que o objectivo do porto franco se convertia particularmente em damno dos interesses da fazenda, sendo grandes o contrabando e o desvio de direitos que se faziam á sombra da mesma instituição. Um decreto de 6 de agosto de 1806 supprimiu ou extinguiu o dito portofranco, e os cargos a cuja creação elle déra origem.
«Parece-nos que as circumstancias são hoje differentes das que se davam no principio do século, e que devem ellas permittir o estabelecimento alludido sem os inconvenientes achados então, se, porventura, o porto-franco for acautelado physica e moralmente. E preciso notar que o exaggero da nossa pauta aduaneira, no Terreiro do Paço, e a liberdade de entrada e saída de productos estrangeiros, em Belem, formarão um grande contraste convidativo ao desvio de direitos.»
Ora, se isto se dava com o estabelecimento na Junqueira, o que succederia collocando o entreposto ainda em maior distancia? Menos exactamente se assegurou na camara que a associação, na sua representação ao governo, que se diz ter sido a causa da proposta de 18 de junho, não designava o local para o entreposto, quando nessa representação, de que annexâmos copia, a associação terminava do seguinte modo:
«Resumindo entendemos pois, que se deve representar ao governo, pedindo a creação de armazéns francos em secção especial dos armazéns das docas, ou em annexos expressamente construídos para esse fim, nunca porém, afastados do centro do commercio.»
A exemplo do que se tem praticado por outras vezes, e pela consideração e respeito que a associação sempre tributou aos exmos. ministros, com a satisfação que dá o cumprimento de um dever honroso, foi encarregada a mesa de procurar o exmo. ministro da fazenda e de entregar-lhe, não só a representação relativa ao entre-posto commercial, mas tambem uma outra, pedindo a abolição dos direitos sobre as taras, e rogar a s. exa. a fineza especial de as apresentará camara dos senhores deputados, á qual eram dirigidas.
Esta commissão procurou s. exa. no dia 1 de julho corrente, pela uma hora da tarde, e não tendo tido a honra de o encontrar, fez entrega das duas representações ao secretario do ministro, o exmo. sr. deputado Marianno Presado, que bondosa e amavelmente se promptificou a fazel-a chegar às mãos do exmo. ministro, nesse mesmo dia, nas camaras.
N'estas circumstancias, calculando a direcção que, quando não fossem entregues as representações na camara nesse mesmo dia, sel-o-íam todavia no seguinte (2 do corrente), auctorisou a publicação no dia 3 nos jornaes commerciaes, único meio facil de que dispõe para fazer conhecer aos associados, que cumpre, como deve, o mandato que lhe confiaram.
As representações não tinham, porém, dado entrada na camara dos senhores deputados até o dia 5 do corrente.
Em presença desse facto e porque neste dia se começara a discutir na camara o parecer das commissões reunidas, de fazenda e obras publicas, sem haver nenhum conhecimento official da representação da associação, é que se resolveu convocar sem demora a reunião da assembléa geral, a fim de que fosse por ella confirmada a exposição feita pela direcção contrariamente á proposta do exmo. ministro, e obtida essa confirmação, que representa do modo o mais indubitável que o commercio da capital não acceita positivamente os benefícios, que pensava crear-lhe a proposta de 18 de junho de 1887; porque está convencidíssima, que da sua approvação não resultarão senão gravíssimos transtornos para o commercio de Lisboa, e prejuízos da maior monta para o thesouro e para os interesses do paiz; e obtida essa confirmação, repetimos, como de facto acaba de o ser, é que a direcção da associação commercial de Lisboa, apoiada pelos seus consócios, tem a honra de vir insistir perante esta douta e respeitável camara na sua representação de 30 de junho de 1887, pedindo, a bem dos interesses communs do commercio e da nação que, ou seja acceita a alteração apresentada pela associação, ou rejeitada em absoluto a proposta de 18 de junho de 1887, dos exmos. ministros da fazenda e das obras publicas, commercio e industria.
Lisboa, 8 de julho de 1887. = O vice-presidente no impedimento do presidente, Theodoro Ferreira Pinto Basto =

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Os secretarios, José Adolpho de Mello e Sousa = Antonio Adriano da Costa.

Illmo. Exmo. sr. - Como complemento das obras do porto de Lisboa, occorreu a alguns dos membros da direcção desta associação commercial o pensamento de se estabelecer simultaneamente um porto franco, ou armazenslivres, nos quaes, sem outros encargos alem dos da armazenagem e trabalhos braçaes, possam ser recebidas em franquia as mercadorias destinadas às reexportações e á especulação do commercio.
Apresentada em sessão esta idéa, foi o seu estudo confiado a uma commissão especial, que d'elle se desempenhou formulando o parecer que por copia temos a honra de fazer subir á presença de v. exa., declarando que o adoptamos como representação da associação commercial de Lisboa, por assim se ter resolvido na sessão de direcção em que foi approvado; invocando, portanto, a illustrada attenção de v. exa. para o objecto de que n'elle se trata.
Deus guarde a v. exa.
Lisboa, sala da direcção da associação commercial, 10 de junho de 1887. - Illmo. Exmo. sr. conselheiro Marianno Cyrillo de Carvalho, ministro e secretario d'estado dos negocios da fazenda. = O presidente: Polycarpo José Lopes dos Anjos = Os secretarios, José Adolpho de Mello e Sousa = Antonio Adriano da Costa.

Parecer da commissão da associação commercial de Lisboa

Senhores. - A commissão por vós nomeada para estudar e dar o seu parecer sobre a proposta apresentada em sessão da direcção de 24 de maio deste anno pelo exmo. sr. Augusto Francisco Vieira, a fim de se representar ao governo ácerca da conveniência do estabelecer em Lisboa um porto franco, como complemento dos grandes melhoramentos do porto, cuja obra foi já adjudicada, e no pensamento de desenvolver o movimento marítimo e o commercio da capital, dando-lhe todas as facilidades nas suas ligações com as colonias e com as diversas nações do mundo tem a satisfação de declarar-vos que approva unanimemente a idéa expendida na proposta.
Por toda a parte o porto-franco, propriamente dito, tende a desapparecer e é substituido pelo entreposto, ou armazem; isto é, conserva-se o principio, que é excellente, e em logar de se applicar á área de uma cidade, o que traria inconvenientes, applica-se exclusivamente a armazens creados peio estado, ou com a sua auctorisação, e fiscalisados pela alfândega, e destinados a receber em franquia, por determinado praso, quaesquer mercadorias, que poderão ser reembarcadas para o estrangeiro, ou expedidas para algum outro armazém da mesma natureza, sem que por isso tenham de pagar direitos de importação, exportação ou quaesquer outros, e satisfazendo apenas uma rasoavel armazenagem o trafego, segundo tarifas estabelecidas.
Aos entrepostos poderemos, pois, por analogia, chamar armazensfrancos, e é a creação ou fundação de3tcs armazensque, em nossa opinião, a associação deve pedir com instancia ao governo.
Os referidos armazensdevem receber, não só as mercadorias estrangeiras que desembarquem no nosso porto em franquia e que apenas aqui são depositadas á especulação do commercio, mas tambem as cargas dos navios arribados, quando esses precisem alliviar, ou beneficiar o carregamento, ou, emfim, desembarcal-o por completo, porque estejam impossibilitados de retomal-os; e, emfim, serão tambem recebidos nos mesmos armazensos géneros das nossas colonias, que mais especialmente são destinados á reexportação.
Os armazens devera ter as condições e vastidão indispensáveis para que n'elles se possa fazer a beneficiação de qualquer carregamento, ou partida de géneros, beneficiação que deve ser sempre permittida, e poder mesmo ser feita por pessoal do dono da mercadoria, pois que muitos artigos ha, e entre os das nossas colonias citaremos o café e o cacau, que nos mercados estrangeiros para onde são exportados, obteriam por vezes melhores cotações se na nossa alfândega podessem ser beneficiados, lotados, ou melhor acondicionados do que estão quando chegam aqui, e se as taxas do trafego não fossem exorbitantes. E sobre esse ponto diremos que, para os armazensserem aproveitados e produzirem o effeito desejado, é necessario que as tarifas de armazenagem e trafego sejam tão resumidas quanto possível, porquanto com as taxas que actualmente se pagam na alfândega, seria nullo, ou quasi nullo, o resultado que se tiraria da fundação do estabelecimento a que nos referimos.
Para que a fiscalisação aduaneira se possa effectuar efficazmente, e sem embaraço para o commercio, é conveniente que estes armazens estejam, por assim dizer, constantemente sob as suas vistas, e por isso entendemos que, nos proprios armazens das docas do porto de Lisboa, se poderão sem inconveniente reservar alguns para o fim que temos em mira; mas, quando assim não fosso, o governo contrataria a construcção de armazensannexos aos das docas, armazens próprios e adequados ao que se pretende, mas sem luxo que tornasse cara a sua edificação, e por isso impossível a applicação de uma módica tarifa de armazenagem às mercadorias ali arrecadadas.
A collocação dos armazens francos em secção especial e reservada nos mesmos armazens das docas, ou em annexos, afigura-se-nos ter enormes vantagens, porquanto não só do mesmo navio podem sair logo directamente as mercadorias que se destinem ao armazém ordinário e ao armazém franco, mas este ultimo está assim sob a dupla e constante vigia do pessoal responsável das docas e do da fiscalisação propriamente aduaneira, e tambem só por este modo será possível obter-se uma taxa de trafego mais módico, desde que o serviço seja executado pelo pessoal permanentemente empregado no movimento geral, ao passo quê, se os armazens francos fossem completamente isolados e desviados, a despeza deveria ser muito maior, porque o serviço ali, não podendo ser permanente e continuado, custaria sempre mais caro, ou seria muito mal feito. E as despezas resultantes do afastamento dos armazens seriam tambem importantes.
As mercadorias arrecadadas nos armazens francos poderão entrar no consumo, pagando os respectivos direitos; quando sejam, porém, reexportadas, nada mais pagarão alem da armazenagem e trafego, devendo a verificação de entrada e saída ser o mais summaria possível, e todo o expediente para se poder realisar o desembarque e reembarque, o mais prompto e simples.
Muito silenciosamente insistimos sobre a modicidade das tarifas, porquanto o commercio não procura só os portos melhor apercebidos, mas sim especialmente aquelles em que as despezas são menores, já porque os ganhos hoje são limitadíssimos, já porque generos ha que pela barateza a que têem de ser vendidos, não podem supportar qualquer aggravamento de despeza, por pequeno que elle seja, e assim o commercio de alguns artigos pobres tem sido desviado de Londres, porto bem aprestado, mas onde tudo é caro, para portos allemães mais rasoaveis nas despezas.
Resumindo, entendemos, pois, que se deve representar ao governo, pedindo a creação de armazens francos era secção especial dos armazens das docas, ou em annexos expressamente construídos para esse fim, nunca, porém, afastados do centro do commercio.
As formalidades exigidas para a entrada e saída das mercadorias devem ser o mais simples possíveis, e os únicos encargos a satisfazer serão o trafego e armazenagem, estabelecidos em tarifas moderadas, sendo concedido ao dono das mercadorias o poder fazer-lhes por pessoal seu qualquer beneficiação, lotação, acondicionamento, e emfim

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toda a operação que exige gente especial; isto tudo sujeito sempre á respectiva fiscalisação aduaneira.
Lisboa, 2 de junho de 1887. = James Rawes = E. George = Theodoro Ferreira Pinto Basto = Augusto Francisco Vieira = José Adolpho de Mello e Sousa.

Representação da associação commercial de Lisboa á camara dos senhores deputados

Senhores deputados da nação portugueza.- A associação commercial de Lisboa, confessando o seu muito respeito pelos grandes e elevados talentos do exmo. ministro da fazenda e do das obras publicas, commercio e industria, e reconhecendo da maneira a mais grata o quanto o commercio da capital deve ao muito zelo, boa vontade e illustração de s. exas., vem, todavia, com a devida vénia e consideração, representar perante a camara dos senhores deputados contra a primeira parte da proposta dos referidos ministros, datada de 18 de junho de 1887, que se refere á consirucção e exploração de um entreposto commercial livre entre a torre de Belém e Cascaes, deixando para mais tarde quaesquer considerações que porventura tenha tambem de fazer sobre a segunda parte da mesma proposta, «tornar francos de direitos de alfândega, tanto na importação como na exportação, os portos e territorios das ilhas do Faial) Corvo e Flores», porquanto o estudo deste importante assumpto está commettido a uma commissão especial, cujos trabalhos definitivos a associação aguarda.
Parece á associação que a proposta para se estabelecer um entreposto commercial provém de simples confusão, que os proprios exmos. ministros e a exma. camara facilmente poderão reconhecer.
Abolidos os direitos de reexportação e baldeação, conforme a proposta do exmo. ministro da fazenda, datada de 9 de abril de 1887, sujeita é decisão da camara, que lhe não poderá ser desfavorável, porque a doutrina da proposta representa tudo o que ha de mais justo e indispensável para o desenvolvimento commercial de um porto, e e o resultado das constantes e insistentes reclamações do commercio em geral; abolidos esses direitos, repetimos, as mercadorias, quer das nossas colónias, quer estrangeiras, que desembarcarem para os armazens das docas do porto de Lisboa, poderão reembarcar, no todo ou em parte, para serem reexportadas, conservarem-se depositadas ou serem beneficiadas, sem que tenham de pagar direito algum, e apenas satisfarão a despeza do trafego e a armazenagem. Os navios que as conduzirem terão apenas a pagar os direitos de tonelagem e sanitários como já hoje succede.
Ora, se os armazens das docas satisfazem a todos estes requisitos, sobre os quaes se baseiam os exmo. ministros para proporem a creação de um entreposto commercial livre entre Belém e Cascaes, está claro que os armazens das docas são verdadeiros entrepostos, e na realidade é o que acontece em todos os portos estrangeiros, e nem se concebe a fundação de docas sem entreposto.
E se os armazens das docas são verdadeiros entrepostos, o que se nos afigura incontestável, só se poderia admittir a fundação de outros quando estes não bastassem para o movimento do porto.
E certo, porém, que os melhoramentos do porto de Lisboa vão ser feitos com toda a grandeza e vastidão, tendo por fim poderem satisfazerem às exigências de mais do que o triplo ou quádruplo do commercio actual da capital, e por isso custam uma cifra importantissima. Se os destinarem, pois, exclusivamente ao commercio interno, e não foi nesse intento que se delinearam com tal largueza, ninguém poderá dizer em boa rasão que não são excessivos e na sua maior parte completamente inuteis. E ficariam fatalmente sem applicação, no seu grande numero, desde que se creassem novos entrepostos destinados a receberem os géneros para reexportação ou baldeação; entrepostos que, concorrendo com os das docas, lhes tirariam pela letra da lei, e de direito, grande parte das mercadorias que estavam preparados para receber (as de reexportação e baldeação) e lhes tirariam ainda boa porção dos depósitos de generos para o commercio interno, desde que as tarifas fizessem sensível differença, porquanto não nos parece pratico nem possível extremar rigorosamente o que é destinado á reexportação do que o é ao consumo interno, pois que a fazenda hoje armazenada no entreposto das docas na intenção de entrar no consumo interno, póde amanhã, por um conjuncto de circumstancias, convir ao dono reexportal-a, e de igual modo póde ser vantajoso introduzir no consumo o que se havia armazenado no propósito de ser reexportado; e seria annullar um dos melhores principios do systema de entrepostos, o obrigar a que se reexportasse sempre o que se houvesse armazenado num, e se importasse o que se tinha depositado no outro, quando as circumstancias variam de hora para hora, de minuto para minuto, e em commercio póde ser prejudicialissima a execução de qualquer cousa que ha momentos ainda se projectava effectuar.
Exemplificando, pois, diremos que se o entreposto de Cascaes tiver uma tarifa de trafego, supponhamos de 100 réis por 100 kilogrammas, e houver uma empreza que desse entreposto traga as mercadorias a Lisboa por 40 réis por 100 kilogrammas, total, 140 réis por 100 kilogrammas; e ao mesmo tempo a tarifa do entreposto das docas for de 160 réis por 100 kilogrammas, os donos das mercadorias, mesmo para consumo interno, não hesitarão em deposital-as em Cascaes, perdendo o entreposto das docas e ganhando especialmente o conductor de Cascaes para Lisboa. E deve notar-se, que esta hypothese é tanto mais fácil de dar-se, quanto os entrepostos das docas, dos quaes, com a fundação do outro entreposto é retirado o movimento de um grande numero de mercadorias, a cujo recebimento elles tambem eram destinados, faltando-lhes este movimento, grande parte das construcções fica inutilisada, mas pesa sobre a despeza total, tornando portanto impossível a applicação de uma tarifa módica às mercadorias que d'elles se aproveitarem.
Os entrepostos das docas são em tudo similhantes aos entrepostos estrangeiros, e têem as mesmas condições de isolamento, sem comtudo estarem afastados a distancia grande, como o não estão em nenhum porto. Quer nos portos propriamente de mar, como Génova e Marselha (aonde o mesmo entreposto serve em secções separadas para a arrecadação de mercadorias sujeitas a direitos, e para as que são isentas d'elles), etc., quer nos portos chamados de rios, em condições iguaes á do nosso, como Londres, Bordéus, Antuérpia, etc., os entrepostos são sempre juntos ao centro do movimento commercial. Isolados, sim; isto é, sem outros edificios de natureza differentes a elles ligados, e com os sítios de communicação fáceis de vigiar, nunca porém fora do centro propriamente commercial.
É esta a theoria do entreposto, expressa na seguinte condição da lei franceza:
«Les villes maritimes auxquelles il est accordé un entrepôt réel pour les marchandises non prohibées, n'en jouissent qu'a la charge de fournir sur le port, des magasins convenables, súrs, et réunis en un seul corp de batiment, pour y établir cet entrepôt. (Ruben de Conder. - Dict de droit commercial).»
A creação de docas entrepostos teve primeiramente logar em Inglaterra e na Hollanda, e ainda hoje as docas de Londres primeiro fundadas, as London dock St. Catherine, e que são perfeitamente centraes, têem sobre todas as outras d'aquelle porto a preferencia dos negociantes.
O simples exame das plantas das cidades de Londres, Marselha, Genova, Antuerpia, Amsterdarn, Rotterdam, etc., mostrará á evidencia a verdade do que allegâmos. Os entrepostos são isolados, não porém afastados dos centros commerciaes d'aquellas cidades. Em todas as condições dos es-

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tabeleciraentos congeneres estrangeiros se encontrarão portanto os nossos entrepostos das docas do porto de Lisboa.
Resta-nos tratar da fiscalisação. Se é difficil evitar em absoluto que se commettam fraudes nos sitios em que a fiscalisação é feita com todo o rigor e sob as vistas immediatas do pessoal superior aduaneiro, o que não acontecerá num local afastado e ermo, como aquelle em que seria fundado o entreposto entre Belém e Cascaes?
Bem sabemos que ali se poderá tambem estabelecer uma fiscalisação rigorosa; será porém de muito mais trabalho e despendio, e tudo isto continuará representando um prejuízo em todos os sentidos, porquanto não só se gasta em fiscalisar o que era desnecessário, porque os entrepostos das docas serviam para aquelle fim, mas desviar-se-ha parte da vigilância que deveria ser exercida sobre estes últimos.
De nenhum modo será possivel sustentar que a fiscalisação se exercerá melhor num sitio ermo do que no centro do movimento commercial; e o emprego de tal argumento para separar dos entrepostos das docas, o entreposto das mercadorias destinadas á reexportação e baldeação cairia pela base, pois devemos lembrar-nos de que nos entrepostos das docas ficavam ainda os géneros para consumo interno, sujeitos a direitos, e por isso os abusos poderiam commetter-se de igual maneira.
Considerando, pois, que a approvação da primeira parte da proposta de 18 de junho de 1887 traria a creação do entreposto livre, quando entrepostos livres são os armazéns das docas do porto de Lisboa; deslocaria sem vantagem reconhecida parte do commercio da capital; inutilisaria boa parte dos melhoramentos adjudicados, melhoramentos traçados com grandeza e destinados a servir a todo o desenvolvimento commercial; tornaria difficil a fiscalisação aduaneira em ponto mais afastado e ermo; e tudo isto sem que esteja ao menos provada a insuficiência dos entrepostos das docas para as exigências do desenvolvimento esperado no movimento commercial do nosso porto; a associação commercial de Lisboa mui respeitosamente.
P. á camara dos senhores deputados que não seja approvada tal qual está a parte primeira da proposta de 18 de junho de 1887, e sim apenas auctorisado o governo, para simplificação do expediente, a crear uma secção especial nos próprios entrepostos das docas, na qual sejam recebidas as mercadorias mais seguramente destinadas á reexportação e baldeação; as que desembarquem de navios arribados, e em franquia á especulação do commercio, etc.; contratando o governo a construcção de armazéns annexos aos das docas, quando se reconheça que os projectados não são sufficientes. - E. R. M.cê
Lisboa, 30 de junho de 1887. = O presidente, Polycarpo José Lopes dos Anjos = 0s secretários, Antonio Adriano da Costa = José Adolpho de Mello e Sousa.
O sr. Presidente: - Antes de se votar a generalidade do projecto, têem de ser votadas diversas propostas e moções que estão sobre a mesa. Vão ler se.
Leu-se a seguinte:

Moção de ordem

A camara resolve adiar a discussão do projecto n.° 134 até que a associação commercial de Lisboa emitta completamente o seu parecer e continua na ordem do dia. = Arroyo.
Rejeitada.
Leu se a seguinte:

Proposta

Proponho que o projecto volte á commissão para o modificar no sentido de se auctorisar apenas o governo, para simplificação de expediente, a crear uma secção especial nos próprios entrepostos das docas, na qual sejam recebidas as mercadorias mais seguramente destinadas á reexportação e baldeação, as que desembarquem de navios arribados e com franquia á especulação do commercio, etc., contratando o governo a construcção de armazéns annexos aos das docas, quando se reconheça que os projectados não são suíficientes. = O deputado, Moraes Carvalho.
Foi rejeitada.
Leu-se mais a seguinte:

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que a providencia contida no projecto de lei n.° 134, alem de altamente prejudicial para os interesses do thesouro publico, não é reclamada pelas necessidades e urgências do commercio do paiz;, passa á ordem do dia. = Franco Castello Branco.
Rejeitada.
Leu-se por ultimo a seguinte:

Moção de ordem

A camara resolve adiar a discussão do projecto para a creação do entreposto commercial nas proximidades de Lisboa, até que as cortes se pronunciem sobre a legalidade do alvará de 9 de abril deste anno, que concedeu a uma companhia a construcção e exploração do caminho de ferro de Cascaes, e continua na ordem do dia. = Dias Ferreira.
Foi regeitada.

O sr. Presidente: - Vae ler se agora o projecto para se votar na generalidade. Leu-se o

Artigo 1.° E o governo auctorisado a adjudicar, por concurso, precedendo annuncios por sessenta dias, a construcção e exploração por sessenta annos de um entreposto commercial livre no porto de Lisboa, ou nas suas proximidades, e em sitio convenientemente escolhido entre a torre de Belém e Cascaes, no qual, livres de direitos, possam embarcar, desembarcar ou conservar-se depositados quaesquer generos ou mercadorias que não se destinem ao consumo do paiz.
§ único. A adjudicação de que trata este artigo será feita em harmonia com as seguintes bases:

a) Que o entreposto commercial constará de cães e pontes de embarque e desembarque, armazéns e as necessárias vedações para o serviço fiscal, sendo o projecto de todas as obras mandado formular pelo governo antes da abertura do concurso;
b) Que o estado não concede subvenção nem garantia de juro á empreza adjudicatária, mas simplesmente os terrenos pertencentes ao estado, que lhe sejam precisos, e o direito da exploração durante sessenta annos;
c) Que nenhuma passoa ou sociedade poderá ser admittida ao concurso sem previamente depositar na caixa geral de depósitos a quantia de 50:000$000 réis em dinheiro, ou em títulos de divida publica pelo seu valor no mercado;
d) Que a empreza adjudicatária elevará no praso de quinze dias, contados da data da adjudicação, o seu deposito a 100:000$000 réis, o qual receberá os juros sendo em títulos da divida publica, ou lhe será abonado o juro médio da divida fluctuante se for em dinheiro, não podendo o deposito ser levantado sem estarem concluídas todas as obras, e reconhecidas conformes com os projectos apresentados a concurso;
e} Que todas as obras e edifícios, depois do levantamento do deposito definitivo servirão de garantia ao estado para o exacto cumprimento, por parte da empreza, de todas as obrigações por ella contrahidas;
f) Que todas as obras estarão concluídas e em perfeito estado de exploração no praso maximo de três annos, contados da assignatura do contrato definitivo;
g) Que os navios e mercadorias que na totalidade se aproveitem do entreposto commercial, unicamente ficarão sujeitos a direitos de tonelagem e sanitários, não superiores aos actualmente estabelecidos;
h) Que os navios que simultaneamente transportem mercadorias do entreposto commercial, para importação ou ex-

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portação, gosarão dos mesmos beneficios, pelo que respeita a mercadorias, era relação às destinadas ao entreposto ou d'elle saídas, e pelo que respeita aos navios na proporção da tonelagem destinada às mesmas mercadorias;
i) Que a tarifa das despezas de carga, descarga, armazenagem, serão fixadas pelo governo no programma do concurso e as de beneficiação por accordo entre elle e a empreza, não podendo umas e outras ser alteradas sem o mesmo accordo;
j) Que a empreza conservará as pontes, cães, armazens e vedações e suas dependencias era perfeito estado, devendo nesse mesmo estado entregal-as gratuitamente ao governo findo o praso da concessão;
k) Que o material movel, tambem sempre mantido em perfeito estado de conservação, será na epocha de reversão para o estado pago á empreza pelo seu valor, conforme a avaliação feita por dois peritos nomeados pelo governo, dois pela empreza e um pelo supremo tribunal de justiça, servindo esse material, o seu valor e todo o mais activo da empreza de garantia para o caso de falta do exacto cumprimento da clausula anterior;
l) Que a empreza será isenta de todos os impostos directos que não sejam o predial e o industrial;
m) Que se a empreza se constituir em sociedade anonyma os seus estatutos serão sujeitos á approvação do governo sem embargo da lei das sociedades anonymas;
n) Que junto da empreza haverá um commissario regio, cujo vencimento, não superior a 1:800$000 réis por anno, será por ella pago;
o) Que os lucros liquidos da empreza, superiores a ... por cento de juro e á percentagem necessaria para a amortisação do capital fixo no praso de sessenta e tres annos, pertencerão por metade ao estado e pela outra metade á empreza;
p) Que a base da licitação será o juro de que trata a base antecedente.
Art. 2.° E igualmente auctorisado o governo a declarar francos de direitos de alfandega, tanto na exportação como na importação, os portos e territorios das ilhas do Faial, Corvo, Flores e Pico, bem como os da ilha de Porto Santo, cobrando-se unicamente nos portos destas ilhas os direitos de tonelagem e sanitários, e os de embarque, desembarque, armazenagem e beneficiação nos armazens que o estado estabeleça no porto artificial da Horta e nos que venham a estabelecer-se na ilha de Porto Santo.
§ 1.° Nas cinco mencionadas ilhas, logo que a franquia comece, será estabelecido o imposto do real de agua sobre os mesmos géneros e com as mesmas taxas em vigor no continente do reino.
§ 2.° Os géneros exportados das ilhas mencionadas para qualquer porto portuguez, ou para ellas exportados de qualquer porto tambem portuguez, serão para todos os effeitos considerados, aquelles nos portos de entrada, e estes nos de saída, como estrangeiros, logo que a franquia se ache decretada.
§ 3.° O pessoal do serviço interno da alfandega da Horta e o da delegação da ilha de Porto Santo ficará acldido às alfandegas do segundo grupo, sendo-lhes garantidos os seus actuaes vencimentos e entrando nos quadros das mesmas alfandegas, convenientemente reduzidos, na proporção de metade das vacaturas n'elles occorridas.
Art. 3.° O governo fará todos os regulamentos necessários para a execução da presente lei.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Foi approvado.

O sr. Presidente: - Passa-se á discussão da especialidade.
Leu-se e entrou em discussão o artigo 1°
O sr. Matoso dos Santos: - Por parte da commissão e de accordo com a declaração feita, ha pouco, pelo sr. ministro da fazenda, mando para a mesa um additamento ao projecto.
A commissão entendeu que o que estava na alínea i) estava sufficientemente claro; como, porém, se levantaram duvidas ácerca da interpretação d'este artigo, julga conveniente addital-o nos termos da seguinte proposta:
«i) Que o deposito das mercadorias no entreposto de que trata esta lei não é obrigatório para nenhum genero de commercio, nem prejudica o estabelecimento de armazens a montante de Alcantara, nos quaes os generos possam ser depositados livres de direitos, ficando, porém, sujeitos á fiscalisação do estado, tanto esses géneros como os navios que os transportem. = F. Matoso Santos, relator.»
A idéa é esta, salva a redação. Está claro que a montante de Alcantara podem estabelecer-se armazens alfandegados, e que os navios e mercadorias ficam ali sujeitos a todas as fiscalisações.
A proposta, depois de lida na mesa, foi admittida, ficando conjunctamente em discussão.
O sr. Pinheiro Chagas: - (O discurso será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Hoje ha sessão nocturna e a ordem da noite é a continuação da que está dada.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas e dez minutos da tarde.

Proposta de lei apresentada nesta sessão pelo sr. ministro da fazenda

N.° 156-P

Senhores. - O capital da caixa geral de depósitos tem augmentado consideravelmente. De 2.100:000$000 réis, que era em 30 de junho de 1878, eleva-se actualmente a somma superior a 5.000:000$000 réis. As operações facultadas á caixa geral de depósitos para emprego do seu capital não previram tão considerável augmento d'este, e são. presentemente insuficientes.
É por isso medida de boa administração ampliar essas operações de forma que todo o capital possa ser empregado em operações seguras e lucrativas de maneira a garantirem largos lucros que se traduzem em uma ampla amortisação da divida publica.
Assim tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° Os empréstimos sobre penhor de títulos de divida publica fundada, interna ou externa, e obrigações da companhia geral do credito predial portuguez, feitas pela caixa geral de depósitos e que em virtude do disposto no artigo 62.° do decreto regulamentar de 17 de agosto de 1881 não podem ser por quantia superior a 80 por cento do valor effectivo que os títulos tiverem no mercado, poderão elevar-se a 90 por cento do valor dos mesmos títulos!
Art. 2.° A caixa geral de depósitos poderá fazer empréstimos sobre penhor de metaes preciosos, que representem para cada penhor valor superior a 50$000 réis.
Art. 3.° A caixa geral de depósitos poderá descontar as letras recebidas pelo thesouro em pagamento de bens nacionaes e direitos dos cereaes e ainda outras de proveniencias análogas, e as sacadas pelas juntas de fazenda das províncias ultramarinas sobre o ministerio da marinha e ultramar depois de verificadas e acceitas pela repartição de contabilidade do mesmo ministerio.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio dos negocios da fazenda, 8 de julho de 1887. = Marianno Cyrillo de Carvalho.
Á commissão de fazenda.

Redactor = S. Rego.

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SESSÃO NOCTURNA DE 8 DE JULHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
Francisco José Machado

SUMMARIO

Lê-se na mesa e é admittida a moção de ordem apresentada, na sessão diurna, pelo sr. Pinheiro Chagas.
Entra-se na ordem da noite, continuando em discussão o artigo 1.º do projecto de lei n.° 134, relativo á construcção e exploração de um entreposto commercial livre no porto de Lisboa ou suas proximidades. - Responde ao sr. Pinheiro Chagas o sr. relator Matoso Santos. - Entra no debate o sr. Franco Castello Branco, que combate o projecto, concluindo por mandar para a mesa uma proposta com algumas substituições e emendas.

Abertura da sessão - Ás nove horas e um quarto da noite.

Presentes á chamada 68 srs. deputados. São os seguintes: - Moraes Carvalho, Alfredo Brandão, Mendes da Silva, Alfredo - Pereira, Alves da Fonseca, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Pereira Carrilho, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Lobo d'Avila, Elizeu Serpa, Feliciano Teixeira, Matoso Santos, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco de Barros, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Sá Nogueira, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, Santiago Gouveia, João Arroyo, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Correia Leal, Oliveira Martins, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, Barbosa Collen, Pereira e Matos, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Pereira dos Santos, Vasconcellos Gusmão, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Rodrigues de Carvalho, Santos Moreira, Santos Reis, Júlio Graça, Júlio Pires. Júlio de Vilhena, Poças Falcão, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Marianno de Carvalho, Matheus de Azevedo, Miguel Gantas, Sebastião Nobrega, Estrella Braga e Visconde de Silves.

Entraram durante a sessão os srs.: - Sousa e Silva, Antonio Cândido, Antonio Ennes, Pereira Borges, Jalles, Urbano de Castro, Victor dos Santos, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Matoso, Lucena e Faro, Soares de Moura, Guilherme de Abreu, Cândido da Silva, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Joaquim da Veiga, Joaquim Maria Leite, Alves de Moura, Avellar Machado, José Castello Branco, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Figueiredo Mascarenhas, José de Saldanha (D.), Vieira Lisboa, Manuel d'Assumpeão, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno Prezado, Pedro Monteiro, Pedro Victor, Dantas Baracho, Tito de Carvalho e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Serpa Pinto, Anselmo de Andrade, Campos Valdez, Antonio Centeno, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Fontes Ganhado, Barros e Sá, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Augusto Fuschini, Bernardo Machado, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Júlio Navarro, Góes Pinto, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Fernandes Vaz, Francisco Ravasco, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, Cardoso Valente, Scarnichia, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Sousa Machado, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Oliveira Valle, Amorim Novaes, Ferreira Galvào, Ferreira de Almeida, Guilherme Pacheco, José de Nápoles, Ferreira Freire, Alpoim, Oliveira Matos, José Maria dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Abreu e Sousa, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Manuel José Vieira, Miguel da Silveira, Pedro Diniz, Vicente Monteiro, Visconde de Monsaraz, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

Não houve expediente.

ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão, na especialidade, do projecto de lei n.° 134, relativo á construcção e exploração de um entreposto commercial livre no porto de Lisboa.

Leu-se na mesa a seguinte:

Moção de ordem

A camara, lamentando que as despendiosas obras do porto de Lisboa sejam inuteis, pelas disposições deste projecto, para o movimento internacional, passa á ordem do dia. = Pinheiro Chagas.
Foi admittida, ficando em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Matoso Santos (relator): - Responde detidamente ao sr. Pinheiro Chagas.
(O discurso será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Franco Castello Branco (sobre a ordem): - Fez largas considerações, especialmente em resposta ao que o sr. ministro da fazenda dissera na sessão de quarta feira e sustentou a seguinte:

Proposta

Proponho as seguintes substituições e emendas ao projecto de lei n.º 134:
Artigo 1.° E o governo auctorisado a adjudicar, por concurso, precedendo annuncios por noventa dias, a construcção e exploração por sessenta annos de um entreposto commercial livre no porto de Lisboa, em sitio convenientemente escolhido entre o cães dos Soldados e a ribeira de Alcantara, no qual, livre de direitos, possam embarcar, desembarcar, conservar-se depositados e serem beneficiados quaesquer generos ou mercadorias que não se destinem ao immediato consumo do paiz, com excepção de tabacos e tecidos.
§ 1.° O governo usará d'esta auctorisação, logo que o adiantamento dos trabalhos da primeira secção dos melhoramentos do porto de Lisboa assim o permitia.
§ 2.° A adjudicação de que trata este artigo será feita em harmonia com as bases indicadas no projecto do governo, na parte applicavel, e sem subvenção, garantia de juro ou qualquer concessão gratuita de terrenos.
Não sendo admittida esta substituição, proponho as seguintes emendas:
Que ao artigo 1.° se acrescentem as palavras - com excepção de tabacos e tecidos.
Que ao artigo 1.° se acrescente um paragrapho declarando que do entreposto não poderão sair mercadorias em

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1618 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

transito, nem para o consumo do paiz, sem decorrer pelo menos o praso de dois mezes depois da sua estrada no entreposto.
Que na alinea b) se supprimam as palavras - mas simplesmente os terrenos pertencentes ao estado que lhe sejam precisos.
Que na alínea n) e em seguida á palavra - vencimento - se acrescente - marcado pelo governo. = Franco Castello Branco.

Foi admittida, ficando em discussão com o artigo 1.º projecto.
(O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Era meia noite.

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