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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO DE 12 DE MAIO DE 1866

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

José Maria Sieuve de Menezes

Fernando Caldeira

Chamada: — Presentes 61 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs. Affonso de Castro, Alves Carneiro, Soares de Moraes, Ayres de Gouveia, Camillo, Quaresma, Gomes Brandão, Barros e Sá, A. J. de Seixas, A. Pequito, Magalhães Aguiar, Sampaio, Falcão da Fonseca, B. de Freitas Soares, Pereira Garcez, Carlos Bento, Carolino, Cesario, Delfim, D. de Barros, Fernando de Mello, Albuquerque Couto, Coelho do Amaral, F. I. Lopes, F. L. Gomes, Sousa Brandão, F. M. da Costa, F. M. da Rocha Peixoto, Gustavo de Almeida, Paulo Medeiros, Palma, Sant'Anna e Vasconcellos, Reis Moraes, Santos e Silva, J. A. de Sousa, Assis Pereira de Mello, J. J. Alcantara, João de Mello, J. Sepulveda Teixeira, Calça e Pina, Fradesso da Silveira, Ribeiro da Silva, J. M. Osorio, Noutel, Costa Lemos, Pinho, Figueiredo Queiroz, Carvalho Falcão, Alves Chaves, Oliveira Pinto, Luciano de Castro, J. M. da Costa, Costa e Silva, Lobo d'Avila, Rojão, Sieuve, José de Moraes, Tiberio, Julio do Carvalhal, L. Costa, Lourenço de Carvalho, L. F. Bivar, M. B. da Rocha Peixoto, Macedo Souto Maior, Sousa Junior, Pereira Dias, P. M. Gonçalves de Freitas, S. B. Lima, Teixeira Pinto e Visconde da Costa.

Entraram durante a sessão — os srs. Braamcamp, Teixeira de Vasconcellos, Sá Nogueira, Correia, Caldeira, A. Gonçalves de Freitas, A. Pinto de Magalhães, Crespo, Fontes, Faria Barbosa, Antonio de Serpa, Pinto Carneiro, Barjona, Barão de Mogadouro, Belchior Garcez, Claudio Nunes, E. Cabral, Faustino da Gama, Fernando Caldeira, F. J. Vieira, F. F. de Mello, Bivar, Namorado, Francisco Costa, Lampreia, Paulo e Figueiredo, Carvalho e Abreu, Silveira da Mota, Baima de Bastos, Andrade Corvo, J. A. Sepulveda, J. A. Vianna, Mártens Ferrão, Costa Xavier, Aragão Mascarenhas, Noronha e Menezes, Matos Correia, Faria Guimarães, Sette, Correia de Oliveira, Dias Ferreira, Faria e Carvalho, Sá Carneiro, Nogueira, Mendes Leal, Levy, Freitas Branco, Amaral e Carvalho, Coelho de Barbosa, Manuel Homem, Paulo de Sousa, Severo de Carvalho, Placido de Abreu, Thomás Ribeiro e Visconde da Praia Grande de Macau.

Não compareceram — os srs. Abilio, Fevereiro, Annibal, Fonseca Moniz, Diniz Vieira, Salgado, A. J. da Rocha, Cesar de Almeida, Barão de Almeirim, Barão de Santos, Barão do Vallado, Pinto Coelho, Achioli Coutinho, Fausto Guedes, Quental, F. A. Barroso, Gavicho, Bicudo Correia, Marques de Paiva, Cadabal, Gomes de Castro, Tavares de Almeida, Albuquerque Caldeira, Vieira Lisboa, Torres e Almeida, Coelho de Carvalho, Proença Vieira, J. Pinto de Magalhães, J. A. Gama, Infante Passanha, Guedes Garrido, Vieira da Fonseca, Ferraz de Albergaria, Toste, Barros e Lima, Batalhoz, Vaz de Carvalho, Alves do Rio, M. A. de Carvalho, Manuel Firmino, Tenreiro, M. J. J. Guerra, Leite Ribeiro, Lavado de Brito, Sousa Feio, Marquez de Monfalim, Monteiro Castello Branco, Ricardo Guimarães e Visconde dos Olivaes.

Abertura: — Á uma hora menos um quarto.

Acta: — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

OFFICIO

Da camara dos dignos pares, remettendo a mensagem acompanhando a proposição de lei de 23 de abril passado, sobre a extincção de varios impostos no estado da India, e sua substituição, com a alteração n'ella feita por aquella camara. — Á secretaria.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da camara municipal dó concelho de Belem, pedindo que seja approvado o projecto de lei apresentado pelo sr. Fradesso da Silveira, com o fim de estatuir e confirmar o, direito de propriedade que tem a camara municipal de Lisboa com todos os terrenos conquistados e a conquistar sobre a margem direita do Tejo, adjacente ao territorio do municipio de Lisboa.

2.ª Da commissão liquidataria da real companhia união mercantil, pedindo que seja attendida a supplica dirigida ao parlamento por varios cidadãos, que requerem a reparação dos males causados pelo decreto de 25 de maio de 1864.

3.ª Da camara municipal de Mafra, e varios cidadãos da Ericeira, pedindo que seja tomada uma providencia que obste ao emprego no uso da pesca de redes de malha miuda e de arrastar.

4.ª Da direcção do monte pio dos pescadores, pedindo a abolição do imposto do pescado, creado na lei do 10 de julho de 1843.

Foram enviadas ás respectivas commissões.

PARTICIPAÇÃO

Declaro que estive presente á sessão de 5 do corrente. = Augusto Falcão. — Inteirada.

REQUERIMENTO

Requeiro pela segunda vez que o governo, pelo ministerio do reino, remetta a esta camara a relação nominal dos individuos, que o conselho de saude publica do reino propoz para serem agraciados com mercês honorificas pelos serviços que prestaram nas epidemias da cholera morbus.

Outrosim peço a relação nominal dos individuos, que já foram agraciados por taes serviços, com designação das informações que os recommendaram, e copia d'esses decretos. = Sepulveda Teixeira.

Foi remettido ao governo.

O sr. Alves Chaves: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Lisboa, em que pede á camara dos srs. deputados o ser ouvida aquella municipalidade para intervir nas estipulações entre o governo e o concessionarios das docas, de modo que fique reconhecido o direito d'aquella camara aos terrenos da margem do Tejo.

Peço a v. ex.ª que seja remettida ás commissões de fazenda e obras publicas, a fim de a tomarem na devida consideração.

O sr. Santos e Silva: — Mando para a mesa um requerimento de Diogo Emigdio de Almeida, escrivão da camara municipal de Abrantes, pedindo que seja garantido e melhorado o futuro da classe a que pertence.

Peço a v. ex.ª que dê a esta representação o destino conveniente.

O sr. Julio do Carvalhal: — Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra sobre a pretensão de Antonio Posselius que foi boticario do exercito libertador.

O sr. Pereira Dias: — Mando para a mesa um parecer da commissão de administração publica, e um projecto de lei.

O sr. Almeida Pessanha: — Sr. presidente, não tendo podido obter a palavra, que pedi na sessão do dia 5, para responder logo ao discurso do sr. deputado Julio do Carvalhal, proferido n'aquella sessão, aguardei até agora a sua publicação no Diario. Não obstante não ter ella sido ainda feita, e principiar esta demora a preoccupar-me da genuinidade d'aquelle discurso, não posso forrar-me por mais tempo ao dever de lhe responder.

Uma grosseira allusão que contém um dos seus primeiros periodos, que primeiro que tudo resvalou para o seu auctor, caíndo-lhe sobre a cabeça, e que eu podia rebater triumphantemente, desvia-la-hei apenas com o pé.

A outras amabilidades com que o sr. deputado me saudou, respondo com igual sentimento, profundo e solemne, áquelle a que condemnou, como jogralidades e chocarrices, as minhas humildes e despretenciosas palavras da sessão do dia 2.

Urbanidade e elegancia de phrase, com vigor de conceitos, encontram-se nos discursos do sr. Julio do Carvalhal. São modelos para estudar-se, e que poderiam dispensar o

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nosso primoroso estylista, o sr. Latino Coelho, da traducção do discurso da corôa de Demosthenes (riso).

Ninguem nos descreveria de certo de um modo mais imaginoso, como subiu ao píncaro de uma montanha e desceu um outeiro, e como, tentando quasi subverter e terraplenar serranias para vencer obstaculos, esteve para dizer ao relevo dos terrenos = és variavel a meu talante = inspirado pelo patriotismo de fazer passar uma estrada á porta.

A questão das directrizes para a estrada de Murça a Mirandella dou-a por finda para mim, porque as rasões com que o sr. deputado por Valle Passos sustentou na sessão do dia 5 a idéa do traçado pelo norte foram dê tal ordem, que, na minha opinião, deixou em pé todos os argumentos anteriores, em sentido contrario, do sr. Paulo de Sousa, e mesmo os meus humildes argumentos, que uns e outros foram corroborados pelo sr. Paulo de Sousa em uma das ultimas sessões com outros novos e muito ponderosos (apoiados).

E parece-me, alem d'isso, que o sr. Julio do Carvalhal, conhecendo que é de difficilima defeza a sua causa, teve o proposito de condensar nuvens sobre a questão para a tornar incomprehensivel.

Por mim, dou-me por -satisfeito com o apoio da opinião publica da provincia de Traz os Montes, e dos seus representantes n'esta casa, que são verdadeiramente conhecedores da questão e d'aquella localidade.

Do illustre deputado, e meu amigo, o sr. Falcão da Fonseca, a quem renovo aqui com toda a sinceridade a satisfacção que já lhe dei, por uma sua respeitavel apprehensão, em uma interrupção que me permittiu no seu discurso da sessão do dia 9, conto já segura a neutralidade; e, depois de possuir as necessarias informações, que estou certo terá pedido aos seus constituintes, espero a sua valiosa adhesão para o triumpho da causa justa que esposei.

O sr. Falcão da Fonseca: — N'esse caso, folgarei muito em poder prestar-lh'a.

O Orador: — Agora uma outra resposta ao sr. Julio do Carvalhal.

Declarou aqui o sr. deputado na sessão do dia 5 os motivos por que em dezembro ultimo annunciou uma interpellação ao nobre ministro do reino pelos, acontecimentos nas eleições municipaes dos concelhos de Mirandella e Macedo dos Cavalleiros, e tambem aquelles por que deixou de renovar aquella interpellação.

Dando o sr. deputado, em rasão dos ultimos, como terminada aquella questão, eu que esperava a sua discussão, é que não posso permanecer por mais tempo, nem consentir que permaneçam amigos e parentes meus, sob a desagradavel impressão de sérias accusações e desairosas insinuações que nos fez n'esta casa. Procurarei pois desaggravar-me briosamente e a elles (apoiados).

Creio que com o procedimento de annunciar aquella interpellação, sendo meu adversario declarado...

O sr. Julio do Carvalhal: — Não o sou de ninguem.

O Orador: — A prova está nos factos. Pertencendo a outro districto, e não se lhe tendo associado nenhum deputado do districto de Bragança, nem se elevou o caracter do sr. deputado, nem a tribuna se ennobrece nunca quando se converte em pulpito de declamações, ou é posta ao serviço de odios pessoaes. E se eu ao menos estivesse na camara, não seria tão estranhavel e supponho a convenceria de que a baba da calumnia de que o sr. deputado interpellante foi echo n'esta casa, quero crer que convencido que o não era, poderia polluir os transmissores d'essa calumnia, mas não roçar sequer as vestes aos calumniados. (Vozes: — Muito bem.)

Podia adduzir provas authenticas que possuo, se isso me não fosse vedado pelo cavalheirismo, e apresentar argumentos da parcialidade do sr. deputado n'este negocio e da sua ingerencia nas cousas do meu circulo, e podia até mesmo invocar em meu auxilio o testemunho de alguns ex-ministros da corôa. E, ao mesmo tempo, podia solicitar uma declaração categorica de todos aquelles a quem tenho prestado o meu apoio, se já me ingeri na mais insignificante cousa do circulo do sr. deputado, ou se alguma vez pretendi indispo-lo com s. ex.ª, não obstante o meu ardente desejo de que se me proporcione ensejo de hostilisar-lhe a sua eleição (Áparte do sr. Julio do Carvalhal, que se não percebeu) se chegar a vê-lo sem o cortejo dos cabos de policia, o que agouro me será extremamente difficil (riso.)

Todos diriam de certo que nunca o fiz. Não poderá dizer Outro tanto o sr. deputado.

S. ex.ª sabe bem o quanto na ultima eleição de deputados, por desaffeição pessoal commigo, e para servir o governo de então, de que era dedicado partidario, e que foi o quinto dos seis ou sete que tem havido desde que vem ao parlamento, e a todos os quaes tem dado o seu apoio leal e rasgadamente progressista, porque todos têem sido de certo muito progressistas, e nem de outro modo se poderia explicar a successão de continuidade do apoio do sr. deputado (riso), sabe bem, repito, o quanto n'ella encorajou os meus adversarios, e isso não lhe estranho eu, dizendo-lhes que tinha sido uma ventura para o districto de Bragança, no que me deu uma importancia que eu não esperava, que o Zouavinho, que era assim que me chamava, tivesse votado contra o governo...

O sr. Julio do Carvalhal: — Isso é falso.

O Orador: — Falsa é a asserção do sr. deputado, que posso destruir com documento.

O sr. Julio do Carvalhal: — Não o possue.

O Orador: — Tenho-o commigo e podia apresenta-lo. E deve saber igualmente, bem como lhes dizia, que pelo rumo que haviam já levado as cousas de Macedo, e isto depois da transferencia de um delegado, em que logo fallarei (Áparte do sr. Julio do Carvalhal, que se não percebeu.), veriam que as não descuidava; e o modo como tentava desconceituar-me por ter abraçado a fusão, com a qual depois o sr. deputado parece se tem ido familiarisando (riso). Não admira que a coherencia politica parecesse uma cousa estranha a s. ex.ª

O sr. Presidente: — Devo dizer que a discussão pessoal é contra o regimento.

O Orador: — Mas v. ex.ª deixou fallar n'esse sentido o sr. Julio do Carvalhal, que me accusou, e eu mesmo, ao dirigir-lhe v. ex.ª igual advertencia, lhe pedi em um áparte toda a liberalidade da palavra para o sr. deputado, que v. ex.ª lhe concedeu; por isso devo esperar igual direito para me defender.

O sr. Presidente: — Não posso saber o fim para que os srs. deputados pedem a palavra.

O Orador: — Tenho tanto direito a zelar a minha honra como qualquer outro. Fizeram-se-me aqui graves accusações, e a amigos e parentes meus; e eu julgo-me por isso com direito a que v. ex.ª não seja severo para commigo cerceando-me a palavra, precisando, como preciso, de me desaffrontar, e aos meus amigos e parentes (apoiados).

O sr. Presidente: — Tenho a advertir, como é meu dever, e tenho-o feito a todos os srs. deputados quando fallam contra as disposições do regimento.

O Orador: — Mas v. ex.ª não deve querer que eu fique e deixe ficar pessoas minhas amigas, e que não têem assento n'esta casa, debaixo das graves increpações que aqui nos foram dirigidas.

Vozes: — Tem rasão, falle, falle.

O Orador: — Quando o sr. Julio do Carvalhal annunciou aquella interpellação, fallou muito em violencias nos concelhos de Mirandella e Macedo dos Cavalleiros, por parte da auctoridade e seus amigos, nas eleições municipaes, e da oppressão exercida por mim e a minha familia n'aquelles concelhos; e na sessão do dia 5 disse-nos que estava sempre prompto a estender a sua mão benefica e a prestar o auxilio da sua palavra, como interprete das suas queixas, a todos os cidadãos portuguezes que em qualquer ponto da monarchia se encontrem debaixo do dominio do cacete.

O sr. Julio do Carvalhal: — Apoiado, apoiado.

O Orador: — Eu sei avaliar os sentimentos compassivos e generosos do illustre deputado (riso).

É notavel a accusação das violencias, dirigida ao sr. deputado por quem tentou pratica-las, aggredindo e chegando a ferir com um compasso de carpinteiro o presidente da mesa da assembléa dos Cortiços, e contra quem está desde longo tempo habituado a vencer sem ellas, e a uma parcialidade que ainda na ultima eleição de deputados tinha feito triumphar a minha candidatura contra prepotencias inauditas da auctoridade, fazendo uma opposição energica sim, mas completamente legal. N'aquelle seu procedimento parece que tinha uma garantia de que não vilipendiaria a auctoridade estando-lhe depois confiada (apoiados).

Não devia o sr. deputado interpellante estar esquecido d'aquella epocha. Era quando s. ex.ª se tinha separado do partido historico e estava sendo docemente eleito pelos cabos de policia, emquanto aquelles que pretendeu comprometter para com o governo e a representação nacional estavam arrostando com o poder e seus desvarios. Eram estes que lutavam pela fusão emquanto o sr. Julio do Carvalhal a amortalhava em Valle Passos, dando curso para o meu circulo aos boatos aterradores de uma outra dissolução, sendo precisa, e de uma dictadura para, quando o ministerio d'aquelle tempo estava em agonia, lhe fazer a sua despedida, como a havia feito ao sr. Rodrigues Sampaio, e pouco anteriormente ao sr. duque de Loulé, de quem se dizia fanatico partidario emquanto foi depositario do poder..

Os cidadãos que dirigiram as suas phantasiadas queixas ao sr. deputado, promptos a acompanha-lo sempre nas suas evoluções governamentaes, e appetecendo o usufructo do poder como um privilegio, dizem-se sempre opprimidos quando governos que respeitam a lealdade partidaria, não sonegam a herança da auctoridade aos legitimos successores que adquiriram incontestavel direito a ella pela sua dedicação e lealdade em tempos de crise para o seu partido.

E s. ex.ª que tinha com elles hostilisado na urna a politica da fusão, veiu pedir a esta, depois do seu triumpho, os despojos opimos para si e os seus correligionarios, e o anathema para mim e os meus amigos e parentes, que tanto nos haviamos exposto por aquelle triumpho. (Vozes: — É verdade.) Foi nobre o procedimento do sr. deputado!

Contra o calumnioso brado de oppressão, auctorisada por mim ou por pessoas que me sejam conjunctas pelos laços do sangue, é que eu sobretudo me insurjo e protesto com toda a força da minha convicção ardente, e que tenho o orgulho de dizer pura. E nem podia deixar de faze-lo sem esquecer as tradições do meu nome, que é obscuro, mas honrado (apoiados).

E não posso deixar de reclamar aqui do sr. deputado que não faça exclusivo do seu amor á liberdade (apoiados), amor que eu tambem lhe reconheço quando nos contar, depois de quinquagesima edição, os serviços que lhe prestou e o sangue que derramou por ella (devendo comtudo felicitar-se por lhe não terem ficado cicatrizes defeituosas); nem se inculque como o que mais soffreu nas procellas que tentaram assoberba-la.

Não por mim, mas por direitos herdados, peço para mim e os meus, logar modesto nos festins áquella deidade (apoiados).

Era numerosa a minha familia; pelejou pela liberdade, e uns soffreram em carcere e outros no homizio.

O sr. Barros e Sá e outros senhores deputados: — É verdade, é verdade.

O Orador: — Á generosidade e tolerancia dos meus para com os seus proprios adversarios, que constituem a norma invariavel do nosso proceder, devemos nós, do que nem muitos poderão ufanar-se, o ter tido uma cadeira permanente n'esta casa, no meio de todas as vicissitudes politicas, em todas as eleições desde 1820 até hoje.

Não ha memoria de uma mais longa tyrannia n'este seculo; e é admiravel, porque a tyrannia não é compativel com a actual civilisação. (Vozes: — É verdade, muito bem.)

Relevem-me v. ex.ª e a camara esta digressão.

O que sobretudo me espantou da parte do sr. deputado, ao pronunciar o seu discurso na sessão do dia 5, foi ouvir-lhe attribuir a outros o dominio do cacete, que os seus correligionarios pretendem, e porventura de accordo com s. ex.ª, transferir para o districto de Bragança, do de Villa Real, aonde felizmente está substituido pelo da lei e da ordem (apoiados).

É na verdade cousa estranha fallar em tal o sr. deputado, que muitos de nós vimos subir áquella tribuna (apontando para a tribuna), como esforçado defensor dos elixires eleitoraes, tristemente celebres do sr. Barbosa e Lima.

O sr. Julio do Carvalhal: — Aos quaes o sr. deputado deu os seus applausos.

O Orador: — Não dei, não. Era ministerial n'aquelle tempo, mas varios collegas meus estarão certos de me ouvir censurar os abusos da auctoridade que se achava á frente do districto de Villa Real. E honro-me por assim ter pensado (apoiados).

Que para similhante defeza o vimos subir áquella tribuna, disse eu, e que d'ali, na mesma occasião, e achando-se então agitados os animos dos habitantes do districto de Villa Real, lhe ouvimos soltar em uma emphase de amor proprio, que por mais de uma vez tem inflammado a imaginação a s. ex.ª, uma phrase memoravel, mais propria do humor castelhano do que do portuguez, e que estaria em caracter a qualquer heroe da idade media. Tal foi pouco mais ou menos: «Eu, velho soldado da liberdade, um dos bravos do Mindello, declaro ao governo que póde retirar até ao ultimo soldado de Traz os Montes, que eu me responsabiliso pela tranquillidade d'aquella provincia».

Aquella phrase teve, é verdade, um prompto correctivo.

D'ali a tres dias, ou poucos mais, não chegou, se bem me recordo, a força da divisão de Traz os Montes para aquietar os espiritos no districto de Villa Real (riso). Foi preciso recorrerem ainda a um corpo de tropa que estava em Lamego. Estou porém persuadido que aquella expressão, embora hyperbolica, não foi a causa da perturbação, mas sim que o foi o descontentamento que havia n'aquelle districto pela sua má administração (apoiados).

O sr. deputado por Valle Passos, vendo por terra no districto de Villa Real a estatua de barro que ajudara a construir, e sem culto a discordia a que erigiu altares, pareceu, quando annunciou a sua interpellação em dezembro ultimo ao nobre ministro do reino, que teve em vista vingar-se do districto de Bragança pelos revezes que ali soffreu como governador civil, acirrando malquerenças, e attribuindo o emprego de violencias, a quem o repelle por indole, pela sua educação constitucional e pela recente lição no districto de Villa Real do quanto é ephemero o seu dominio, e que ellas são o purgatorio de quem as emprega (apoiados).

As rasões que o sr. deputado deu por não ter renovado aquella interpellação são inexactas, e não colhem por isso; a principal e a unica, creio eu, foi o conhecimento de ter vindo narrar aqui factos que se não deram, e receiar a contraprova.

Foram inexactas, e eu posso asseverar á camara que é completamente falso que esteja pronunciado, como o sr. Julio do Carvalhal disse que estava, o honrado delegado do administrador de Mirandella na assembléa de Guide. E se aquelle respeitavel e virtuoso ancião, o sr. Fins Pinto, de Guide (O sr. Filippe Vieira: — Apoiado.), aos esforços e prestigio do qual se deveu não haver grave desordem d'aquella assembléa, provocada pelos adversarios d'elle, tivesse sido pronunciado, que não foi, se-lo-ía pelo perjurio, mas não em rasão do espirito de parcialidade das auctoridades judiciarias da comarca de Mirandella, de cujo elevado caracter me comprazo em dar testemunho bem publico, e que são juiz e delegado, dois magistrados que honram a sua classe (apoiados).

É tambem falso que fosse, como disse o sr. deputado, pronunciado o delegado do administrador de Macedo na assembléa dos Cortiços, e é-o até mesmo que fosse ali delegado do administrador o individuo a quem s. ex.ª se referiu.

O sr. Julio do Carvalhal: — Eu nem disse sequer o seu nome.

O Orador: — Não obstante isso, deu bem a entender a quem se referia.

E, para prova da mais completa inexactidão d'aquellas rasões do sr. deputado, afianço á camara que os factos que deram logar a que o administrador de Macedo, meu parente, fosse querelado, e exigida uma multa á commissão recenseadora (que tambem lhe não foi imposta como s. ex.ª disse,) foram muito posteriores e completamente estranhos áquelles em que baseou a sua acintosa interpellação.

Á vista d'isto não deveria de certo ter deixado de renova-la.

O sr. Julio do Carvalhal: — Sr. presidente, peço a palavra para um requerimento.

O Orador: — Tanto a querela contra o ex-administrador, como a exigencia da multa á commissão, são dois grandes escandalos do delegado d'aquella comarca, pelas circumstancias que os revestem.

Aquelle delegado é o sr. Firmino João Lopes, a quem, não obstante não ter boas informações da universidade, segundo me consta, e ser delegado moderno e de comarca secundaria, o sr. Julio do Carvalhal deu em dezembro ul-

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timo o diploma do primeiro delegado do districto da relação do Porto, em menoscabo de outros muito distinctos pelas habilitações scientificas, e pelos seus serviços.

A quasi todas as pessoas que conhecem o sr. Firmino Lopes pareceu o elogio do sr. deputado uma irrisão á opinião publica, mas é de crer que fosse sincero. O sr. deputado tinha motivos para dever querer que as suas palavras lhe fossem agradaveis.

O sr. Firmino, como delegado, tem servido á farta as paixões do sr. Julio do Carvalhal nas comarcas de Villa Pouca d'Aguiar, aonde grangeou quasi geral indisposição, e de Macedo dos Cavalleiros. E, demais d'isto, o sr. Firmino tem sido panegyrista pela imprensa dos feitos de armas, e da iniciativa parlamentar do illustre deputado, e a s. ex.ª apraz-lhe ver a sua historia, e é-lhe predilecto o biographo.

A revoltante parcialidade d'aquelle delegado em um processo pelos acontecimentos eleitoraes na assembléa dos Cortiços está exuberantemente provada, segundo me informam, em uma copia d'esse processo, que me consta fôra enviada ao sr. ministro da justiça pelo presidente da mesa d'aquella assembléa, e acompanhada de uma representação do mesmo cidadão.

Ao sr. ministro peço eu que examine essa representação e a copia do processo, e uma outra representação da camara municipal, que ha muito tempo foi remettida para o ministerio a cargo de s. ex.ª com todos os documentos comprovativos de que aquelle funccionario teve por muitos annos em Macedo, e até que foi despachado delegado, o seu domicilio voluntario e politico, que casou n'aquella comarca, que tem ali a sua fortuna e pleitos judiciaes.

Agora exporei resumidamente á camara os motivos da querela contra o ex-administrador, e os termos em que o delegado requereu a imposição da multa á commissão; e confio que os meus collegas, por estes factos, e outros que referirei, se admirarão do procedimento d'aquelle funccionario.

O ex-administrador, calumniado na imprensa pelo seu antecessor, Martinho Miranda, cidadão que em 1851 fôra demittido pela regeneração de delegado da comarca do Mogadouro, por motivos que lhe eram deshonrosos, e que nunca mais pôde ser restituido áquelle cargo, pediu a sua demissão, declarando que ía chama-lo aos tribunaes. E recebendo pelo mesmo tempo, mas já depois de ter requerido a exoneração (o que todavia não era ainda do conhecimento do sr. ministro do reino), uma censura do sr. Joaquim Antonio de Aguiar, em uma portaria motivada por insidiosas informações do delegado, respondendo áquella portaria, cuja resposta foi publicada pela imprensa, e fazendo ver que fôra immerecida a censura, dirigiu gravissimas accusações ao mesmo delegado, compromettendo-se a prova-las.

O delegado cheio de rancor por aquellas accusações, a que não vi desmentido d'elle, e Martinho Miranda para demorar o seu chamamento aos tribunaes, mancommunaram-se para a vingança; e, achando uma aspadela de um nome em um recenseamento, requereu-se uma querela de falsificação do recenseamento contra o ex-administrador.

E, não podendo conseguirão, seu fim por um exame directo, requereu-o indirecto com testemunhas inimigas do ex-administrador, da privança d'elle delegado e Martinho Miranda, e susceptiveis, algumas, da conveniente instrucção para deporem de modo adequado a satisfazerem a premeditada vingança.

Toda a camara sabe que a querela é uma arma de pontaria certeira nas mãos de um delegado, desvairado pela paixão politica ou o rancor pessoal, e muito mais em comarcas aonde esteja ateada a luta das rivalidades (apoiadas). N'essas póde fazer sempre qualquer prova quem for pouco escrupuloso emquanto aos meios.

Aquelle delegado, por paixão propria e porque está á mercê de uma parcialidade sem força nem prestigio, ainda agora se convence que a querela, a perseguição e as multas, são meios de ganhar, influencia politica. Soccorre-se por isso a essas armas, cujo uso lhe será contraproducente. E a sua pretendida victima não se apavorará com aquelles tramas, porque tem a consciencia dos seus actos, e a affeição dos seus conterraneos, se houverem de julga-lo. E tal procedimento para com aquelle cidadão, augmentar-lhe-ha ainda esta, porque o espirito publico, pelo que n'elle está arraigado o amor á liberdade e ás garantias individuaes, reage felizmente a toda a perseguição calpulada e injusta (apoiados).

A verdade triumphará mais uma vez, como quasi sempre, da aleivosia.

Á commissão recenseadora, em cuja eleição aquelle delegado directamente interveiu, mas para a qual não pôde reunir senão cinco dos quarenta maiores contribuintes, pede individualmente a cada um dos seus membros, a modica quantia, segundo me informam, de 1:900$000 réis, que alguns d'elles talvez não tenham de patrimonio! E isto como fundamento de que não houve regularidade nos seus trabalhos.

Aquella commissão recenseadora foi muito calumniada, e até o sr. Joaquim Antonio de Aguiar, na qualidade de ministro do reino, a censurou por uma portaria, em rasão de falsas denuncias e sem a ouvir! Mas ella acaba de obter um triumpho que lhe reivindica completamente a sua reputação. Tendo-se interposto recurso contra os seus trabalhos, a relação do Porto e o supremo tribunal de justiça disseram que ella procedeu legalmente, confirmando-os todos. Alegra-me aquelle triumpho, porque prezo todos os seus membros, e desejo que se reconheça que os meus amigos, em Macedo, não ignoram a lei e a cumprem.

Estes factos revelam bem a imparcialidade do delegado d'aquella comarca (apoiados).

Deixando de enumerar muitos outros do seu pouco regular procedimento, apontarei comtudo os seguintes, que estou prompto a provar, e a respeito dos quaes reclamo do illustre ministro da justiça uma syndicancia feita por um magistrado recto e imparcial. Acham-se já estampados n'este numero da Revolução de Setembro, que tenho á mão.

Tendo a sua transferencia para Macedo, alem de contraria á carta de lei de 16 de junho de 1865, artigo 39.º, por isso que era a comarca do seu domicilio, sido um acto premeditado, com intuitos politicos, para dar força ao partido contrario ao da fusão, como inimigo capital que é da minha familia, e ser eu o candidato fusionista, correspondeu ás esperanças dos seus patronos, apresentando-se a disputar a eleição da mesa em Macedo, e declarando á assembléa que n'aquella comarca intervirá sempre em eleições, e que por isso se propunha para escrutinador! Edificante exemplo de um agente do ministerio publico.

Depois tem perseguido os seus adversarios.

Tinha de combinação com Martinho Miranda, então administrador do concelho, preparado uma emboscada á commissão de recenseamento, e seria toda arrastada ao banco dos réus se não apparecesse um indulto regio.

Chamo a especial attenção da camara para o seguinte facto.

Tendo Joaquim Loureiro disparado um tiro sobre o filho do Costa, do Valle de Prados, retardou-se o seguimento do respectivo processo, até passar o dia das eleições, por ser o criminoso juiz eleito e agente eleitoral da sua facção. Passada essa epocha (9 de julho), foi julgado correccionalmente e absolvido!

Esta escandalosa parcialidade, este patronato inaudito indignou toda aquella comarca. O criminoso premedita o crime, depara com a victima, aponta-lhe a arma, descarrega o tiro, e todavia é julgado em processo correccional e absolvido!

Póde avaliar-se por este facto como em Macedo está salvaguardada a segurança publica e individual com o delegado o sr. Firmino Lopes (apoiados).

No dia 26 de novembro, destinado para as eleições camararias, houve na assembléa dos Cortiços um tumulto promovido pelo abbade de Valle Bemfeito e sequazes, preparado e concertado de antemão, chegando-se a ferir o presidente da mesa com um compasso e a afugentar alguns eleitores timidos por esta causa. O administrador levantou auto de investigação, e testemunhas presenciaes provaram o crime a o ultraje á liberdade eleitoral. Depois remetteu-o ao delegado em 2 de dezembro e o processo archivou-se! Um crime publico d'aquella ordem ficará impune, porque aquella comarca não tem orgão official que a represente, quando os criminosos são de certa parcialidade.

Em compensação o presidente d'aquella assembléa, para aquietar os animos e serenar a desordem, deu a voz de preso a um desordeiro. Crime inaudito! Pende contra elle um processo instaurado por abuso do poder! Em relação a estes ultimos factos póde o sr. ministro da justiça informar-se na copia do processo que dirigiu a s. ex.ª o presidente da mesa da assembléa dos Cortiços.

Á vista d'esta exposição parece obvio que os actos do delegado na comarca de Macedo não podem ter auctoridade moral, nem o cunho da rectidão e imparcialidade que deve sempre manter um agente do ministerio publico, e que, mesmo os que praticar em boa intenção, serão attribuidos a vingança ou a nepotismo (apoiados).

Não terá o illustre ministro da justiça um delegado que lhe inspire inteira confiança para collocar n'aquella comarca, e que ali se conserve estranho e superior a quaesquer divergencias partidarias? (Apoiados.). A transferencia para Macedo do seu actual delegado foi muito censurada a situação passada pela imprensa da fusão, como uma vingança politica e illegal; e a sua conservação ali parece não só contraria á carta de lei de 6 de junho de 1865, se não está derogada, mas tambem á moralidade publica, e póde ser um perigo para a tranquillidade n'aquella comarca, porque elle tem cheia a trasbordar a taça dos seus odios.

Mostra-se cada dia mais tenaz no desempenho da missão que ali o levou a hostilisar os partidarios da fusão; e diz-se seguro da protecção do sr. ministro da justiça para a sua conservação ali, arrojando-se a commettimentos que parece só essa esperança deveria inspirar-lhe. Não o acredito eu porém, fazendo justiça ao caracter do illustre ministro, suppondo não quererá que qualquer empregado d'aquella natureza faça politica de oppressão, contra qualquer parcialidade que seja, de correligionarios ou adversarios politicos de s. ex.ª

Penso apenas que s. ex.ª não pôde ainda olhar attentamente para este grave negocio. Em podendo faze-lo, deve esperar-se a mais acertada resolução da elevação da sua intelligencia e rectidão do seu espirito.

Congratulo-me por ter podido restabelecer a verdade dos factos em relação ás cousas de Macedo, cuja historia tem sido muito deturpada. Disse.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Julio do Carvalhal (para um requerimento): — Requeiro que seja convidado o sr. presidente do conselho para vir, em occasião opportuna, e quando s. ex.ª se julgar habilitado, contar á camara a maneira como procedeu a respeito dos acontecimentos eleitoraes de Macedo de Cavalleiros e Mirandella, e qual foi o resultado d'esses acontecimentos.

O sr. Presidente: — Queira mandar o seu requerimento por escripto.

O sr. Luciano de Castro: — Visto que me chega a palavra aproveito-a para mandar para a mesa uma representação dos alumnos do lyceu de Vianna do Castello, que reclamam para esse lyceu a classificação de 1.ª ordem. Peço a v. ex.ª que lhe dê o destino competente. Agora vou usar da palavra para o fim que me obrigou a pedi-la.

A crise parece ter terminado. Dou por isso os parabens ao governo, ao paiz e a todos nós. A situação em que nos achavamos não devia durar muito; era necessario que se lhe pozesse termo para beneficio publico.

Ha poucos dias, por occasião da discussão do capitulo do orçamento, relativo á instrucção publica, tinha eu declarado á camara a minha opinião sobre este objecto, e deixado entrever a necessidade de uma recomposição ministerial. Estas palavras pareceram então talvez um pouco inconvenientes, e foram mal interpretadas; mas os factos vieram demonstrar a rasão com que eu as pronunciára.

O ministerio comprehendeu a necessidade de completar-se, e satisfez ás justas exigencias da opinião publica.

Como quer que seja, o ministerio recomposto, ou apenas completado, apresentou hontem o seu programma pela bôca do sr. presidente do conselho; e os novos ministros, o sr. ministro do reino e o sr. ministro das obras publicas, vieram confirmar as declarações do sr. presidente do conselho; o programma da situação é o mesmo; os ministros que ali estão continuam a ter as mesmas crenças politicas, e propõem-se a realisar com igual energia o programma politico e administrativo que iniciou á situação que começou em setembro do anno passado.

Feita esta declaração explicita e categorica da parte do sr. presidente do conselho, não póde restar duvida aos que até aqui acompanharam o governo em prestar a este gabinete o seu apoio franco, sincero e leal.

Eu não discuto se a fusão está rota ou não. A essa pergunta já hontem respondeu, e muito bem, o governo. A fusão não está rota. Esse grande pacto de familia subsiste da mesma maneira que até hoje, e deve continuar a subsistir para responder ás esperanças que o paiz depositou em nós quando sanccionou com a sua opinião esta grande convenção feita pelos dois grandes ramos da familia liberal.

Depois das declarações do sr. presidente do conselho, depois do governo ter dito á camara que o programma da situação era o mesmo, romper aquelle solemne pacto, que confundiu n'uma só as duas parcialidades em que se dividiu o antigo partido progressista, desenrolar novamente o estandarte das velhas dissenções partidarias, extremar campos, delimitar arraiaes, arregimentar partido contra partido, oppor bandeira a bandeira, a proposito da recomposição do ministerio, fôra amesquinhar a questão politica, que deve ser grave, séria, e levantada á região serena dos principios, onde não deve ouvir-se o rumor das pequenas paixões, nem o echo das prevenções e odios pessoaes.

Respeitemos o passado dos srs. ministros; não lhe perguntemos d'onde vêm, mas sim, e unicamente, para onde vão. A fusão não exclue ninguem; a fusão foi um grande partido que teve por fim, por bem da causa publica, acabar todas as antigas dissenções, todas as pequenas pugnas em que de longos annos andava dividida a familia liberal. Depois d'isto, não é licito levantar acima das questões de interesse publico as questões pessoaes, pelo só facto de terem entrado para o ministerio os srs. Casal Ribeiro e Mártens Ferrão, dois caracteres elevados, e justamente respeitados por todo o paiz (apoiados). Depois d'isto vir levantar conflictos porque tal parcialidade não tenha sido largamente contemplada no poder, seria um mau serviço feito ao paiz, á liberdade, e ao progresso dos melhoramentos publicos em que todos estâmos empenhados. Não póde ser.

Não ha portanto aqui desdouro nem para os srs. ministros nem para quem os apoia; não ha ahi cousa que possa envergonhar os ministros que aceitam sincera e lealmente o apoio da camara, nem opprobrio ou desluzimento para a maioria que os apoia. O ministerio honra-se com o apoio da camara; a camara deve honrar-se apoiando o governo. Este pacto é leal. E devemos todos empenharmo-nos para mostrar áquelles que a principio duvidavam da convicção e da sinceridade dos nossos esforços...

O sr. Santos e Silva: — Da sinceridade?

O Orador: — Da sinceridade sim, e digo ao illustre deputado que s. ex.ª era o menos competente para me interromper n'esta occasião.

O sr. Santos e Silva: — Eu lhe mostrarei a sinceridade.

O Orador: — Estimarei muito, e provoco-o para que a mostre. Pois aquelles que em uma reunião memoravel no ministerio da guerra nos foram propor a fusão; aquelles que n'aquella occasião se esqueceram dos que tinham defendido as irmãs da caridade e a reacção, aquelles que então nos propunham a união com o partido regenerador, e conseguintemente com os srs. Casal Ribeiro e Mártens Ferrão, podem accusar-nos de pouco sinceros, quando nós seguimos os seus conselhos, quando não fizemos mais do que deixar-nos convencer da excellencia das doutrinas, que nos vinham persuadir e evangelisar?! Nós que a principio duvidavamos do acerto e opportunidade da fusão; nós, os antigos historicos, que constituiamos a maioria da camara dissolvida, que não acreditavamos desde logo na efficacia da nova idéa, e que apenas a seguimos quando a vimos seguida e abraçada por pessoas de tão grande peso e nomeada, devemos estar isentos de toda e qualquer imputação, e podemos levantar a cabeça bem alto diante d'aquelles que nos convidaram a fazer o que agora condemnam. Pelo menos podemos dizer que não são elles competentes para nos arguir agora de pouca sinceridade.

Como dizia, a fusão não exclue ninguem; aceita todos os esforços leaes e todas as adhesões sinceras, e aproveita o concurso de todas as intelligencias que quizerem collaborar com ella no serviço do paiz.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Peço a palavra.

O Orador: — Eu não digo que o ministerio actual satisfizesse completamente todas as indicações; não digo que a

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nova organisação respondesse inteiramente aos desejos do paiz; eu sei que no ministerio ha dois cavalleiros que não tinham desde o principio acompanhado a fusão; mas apesar d'isso sei tambem que a seguiram e acompanharam lealmente no poder ajudando-a com os seus esforços e com a sua illustrada intelligencia em todos os seus actos de maior gravidade, em todas as questões de interesse publico (apoiados).

Eu sei que se póde dizer que eram menos competentes para realisar o pensamento politico da fusão aquelles que em horas de infortunio, quando nós nos viamos empenhados em uma luta tenacissima contra o poder, quando por uma medida violenta, porque são sempre violentas as dissoluções, fomos chamados a disputar junto da urna a victoria da nossa causa, quando careciamos de esquecer offensas e de perdoar ressentimentos para nos associarmos contra o perigo commum; poderá dizer-se que esses não eram os mais competentes para defender a idéa que os havia afastado do nosso gremio, e para sustentar o pensamento politico, que não quizeram confessar comnosco em momentos menos repousados e felizes.

Sei que tambem se póde e ha de dizer que o ministerio, como está, importa a restauração de uma certa escola politica. Não acredito em ressurreições politicas. Os ressuscitados em politica não são como o Christo que quebrou os grilhões da morte para reviver nos esplendores da gloria eterna; são antes como o Lazaro que se levantou e desceu á sepultura no espaço de alguns momentos.

E emquanto aos novos ministros, que são respeitaveis pelos seus nomes e auctoridade, e abonados pelo seu merecimento e elevada intelligencia, desde que elles aceitam o programma da fusão, parece-me que só temos a esperar os seus actos, e a confronta-los com as suas palavras para ver se faltara ás suas promessas ou desmentem os seus compromissos.

No mais não vejo senão uma questão de decoro e probidade pessoal. Essa é só com a consciencia dos novos ministros. E ainda n'esse ponto eu creio que ss. ex.ªs poderão erguer desassombradamente a cabeça diante do seu paiz, porque tenho por sem duvida que antes de entrarem no ministerio mediram bem a responsabilidade que assumiam, e o alcance do passo que iam dar. De certo não têem ss. ex.ªs de que se envergonhar.

Agora ditas estas poucas palavras, só me resta fazer uma observação. Ouvi hontem o programma dos novos ministros. Aceito-o completamente, e peço a ss. ex.ªs que se empenhem fervorosamente em o realisar, porque é tempo de cuidarmos mais do paiz do que das lutas partidarias. E tempo de nos empenharmos seriamente na realisação das reformas de que tanto carece a nossa administração interna, e levantar-nos aos olhos da Europa pela grandeza dos nossos intuitos e pela prudencia e acerto do nosso procedimento ao logar a que podemos e devemos elevar-nos.

Somos, é verdade, uma nação pequena; mas se não podemos avultar ao lado das grandes nações pelo poder dos nossos exercitos, pela força das nossas armas, pelo esplendor das nossas victorias, podemos ao menos occupar o logar a que nos dá direito a cordura, a sisudeza, e a austera fidelidade com que respeitâmos as nossas tradições, correspondendo ao nosso passado de feitos grandiosos com grandes melhoramentos e acertadas reformas na economia e na administração do paiz.

Levantemos pois o pensamento acima das questões pessoaes. Olhemos menos para nós e para a inutil contenda das pequenas individualidades, e cuidemos mais dos grandes melhoramentos, que o paiz todos os dias nos pede. Se os srs. ministros se compenetrarem d'esta missão e souberem responder ás nossas esperanças, nós não temos senão a felicitar-nos pelo apoio que lhe dermos — apoio que é leal, que é franco, que é sincero e sem reserva.

Uma questão ha sobre a qual não posso deixar de chamar a attenção do governo, e é a unica limitação que faço ao apoio que lhe prometto; a unica limitação, não digo bem, a unica declaração, que acrescento ás palavras que ha pouco proferi.

Fallo da questão religiosa, ou antes da questão da reacção religiosa, que hoje se suppõe morta e se julga completamente acabada, mas que póde ressuscitar a um futuro mais ou menos remoto, mais temerosa e ameaçadora para as liberdades publicas. Não nos illudamos. A reacção religiosa debaixo da fórma das irmãs de caridade é uma questão morta; mas a reacção religiosa não se manifesta debaixo de uma só fórma; a reacção religiosa trabalha sempre, trabalha constantemente, trabalha todos os dias, é necessario que os poderes publicos a sigam continuamente, e que não a deixem progredir e dilatar-se.

Ouvi hontem dizer ao sr. ministro do reino, que a reacção está morta. Declaro a s. ex.ª que não estou de accordo com a sua opinião n'este ponto.

Estou convencido de que a reacção religiosa não está morta, nem se póde considerar inteiramente extincta. Estou persuadido de que não é necessario ser muito perspicaz para ver o que todos veem, para ouvir o que todos estão ouvindo, para perceber o que as intelligencias mais rudes devem perceber facilmente. O sr. Mártens Ferrão, muito illustrado, muito leal e de elevado merecimento, como é, não póde preterir uma parte tão importante do programma do partido liberal que aceitou; estou certo de que s. ex.ª ha de empregar todos os esforços e todos os meios que dependam da sua repartição, para que a reacção não continue a lavrar, para que as leis do paiz sejam fielmente mantidas, para que a prerogativa real não seja sophismada (apoiados).

Sobre este ponto não posso deixar de dizer que hoje como hontem, que hoje como sempre hei de pedir ao governo toda a attenção, todo o cuidado, porque, repito, não sou d'aquelles que acreditam que a reacção está morta. A reacção como não póde levantar a cabeça alta e desassombrada, finge que dorme, mas não descansa, e é necessario que os poderes publicos não descancem tambem em vigia-la de perto (apoiados).

Houve tempo em que isto podia interpretar-se como ardil politico. Hoje não. São as minhas convicções sinceras que me obrigam a declarar, expressamente na entrada do novo governo, que eu tenho apprehensões sobre a existencia da reacção no paiz, e que é preciso que o governo cumpra a sua missão e não descure esta parte importantissima do seu programma.

Com esta declaração que julguei indispensavel, creio que podemos apoiar o governo sincera e lealmente; confio que elle ha de cumprir o seu dever. Mas não hypotheco o meu voto, nem comprometto a minha consciencia. Reservo a minha liberdade de opinião, e o direito de apreciar os actos do governo. Hei de só approvar o que me parecer justo e conveniente ao paiz (apoiados).

Resta-me declarar que nas poucas palavras que proferi não tive intenção de alludir a nenhum cavalheiro d'esta camara, nem pessoal nem politicamente; se alguem entendeu o contrario, está completamente illudido, porque eu respeito a todos pessoalmente e não podia, levantando-me n'uma occasião tão solemne, aproveita-la para offender quaesquer susceptibilidades, ou terir alguem pelas costas. Não quiz alludir a ninguem. As minhas palavras não envolvem nenhuma allusão pessoal (apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

O sr. Carlos Bento: — Pedi a palavra para tomar parte n'este debate, no qual já fallaram differentes cavalheiros, que têem explicado as suas opiniões relativamente á reconstrucção, reorganisação ou complemento ministerial.

Declaro a v. ex.ª que me inscrevi para fallar, porque reputava mesmo offensivo para os cavalheiros que entraram nos conselhos da corôa, o aceitar este facto com a profunda mudez, que poderia parecer symptoma de indifferença. Os dois cavalheiros que entraram ultimamente para a administração, não são individualidades tão obscuras, que podessem ser recebidos no meio do silencio da camara, porque o silencio e a indifferença são muitas vezes synonymos. Ambos aquelles cavalheiros que occupam estes logares com tanta honra sua e espero que proveito do paiz, são muito conhecidos n'esta terra; e ninguem dirá, sr. presidente, que os logares dos ministros d'estado, por elevados que sejam, não são ainda realçados quando as illustrações, quando os serviços, quando o relevo pessoal sobresae no provimento de similhantes cargos (muitos apoiados).

O poder, sr. presidente, é a posição official e a auctoridade; mas o poder sem o prestigio das pessoas é tão incompleto como a auctoridade sem a força (apoiados).

O sr. José de Moraes: — Apoiadissimo.

O Orador: — E a força moral é a primeira das forças. Por conseguinte sem que ligue o voto de deputado á approvação dos actos do governo, creio que não haverá nenhum homem d'este paiz que se não satisfaça ao ver a illustração representada no poder (apoiados). E é de nós todos, é do paiz, é d'esta epocha, ter um momento de satisfação quando a elevação do talento, quando a distincção dos serviços são o titulo para se estar sentado n'aquellas cadeiras (apontando para as cadeiras do governo).

A parte a avaliação politica, repito, á parte a consideração dos actos, á parte a independencia; porque se a illustração é a recommendação para se estar sentado n'aquellas cadeiras, na independencia, na imparcialidade, no cumprimento dos nossos deveres e no exercicio da nossa liberdade está o segredo da nossa importancia.

De que serviria ter um parlamento prompto para repellir os ministros logo que apparecessem, ou para apoiar com enthusiasmo apenas fossem avistados? Que garantia dava um parlamento, sr. presidente, que podesse ter summa confiança ou summa desconfiança em se explicar logo á entrada dos ministros? Eu sei que ha descontentes, que outros os acham maus, e no fim os que ficaram descontentes talvez tenham direito para assim estar; outros, têem uma tal necessidade de enthusiasmo, uma confiança tão elevada que estão promptos a confiar em qualquer medida que se lhes apresente em certo e determinado tempo, n'um sentido ou no sentido opposto.

Esta confiança, sr. presidente, é mais uma variedade da manifestação da nossa indolencia, porque é muito mais facil confiar do que estudar, e muitos effectivamente confiam para não terem trabalho (riso).

Ora, sr. presidente, nas circumstancias do nosso paiz, nas condições da nossa situação financeira, nas condições temerosas em que se encontra a Europa, eu entendo que por muito brilhantes, e por muito grandes que sejam os predicados que se dão nos cavalheiros que se sentam nos conselhos da corôa, esses predicados e essa competencia empallidecem um pouco diante da importancia dos interesses que são hoje communs á Europa inteira. E já o orador que me precedeu, e hontem o illustre ministro das obras publicas e estrangeiros, alludiram de passagem a esse grave facto, que não póde deixar de nos preoccupar e dominar em momento tão solemne como o actual.

Permitta-me a camara que eu não insista muito em explicar qual foi o intuito de um facto politico que teve logar n'este paiz, e mesmo eu seria o menos proprio para o explicar. Mas seja-me licito dar testemunho de que me não parece que tenham fundamento as apprehensões d'aquelles cavalheiros que praticaram um acto em virtude do qual se determinou uma crise ministerial, da qual fui victima resignada, e que deu logar a um pacto de familia que hoje suppõem quebrado pelo facto da entrada para o ministerio de alguns cavalheiros que não tinham assignado esse pacto, que não tinham apoiado a fusão.

Se n'uma circumstancia dada sairam alguns cavalheiros dos bancos do poder e lá voltaram depois, este facto basta para tranquillisar mesmo qualquer individuo que estivesse compromettido. Quando se tem saido d'aquelles logares não se volta lá pelo desejo de voltar, porque eu creio que posso assegurar á camara, em nome dos collegas com quem convivi, que quando se sáe d'aquellas cadeiras a nossa resignação é completa, a nossa saudade é de uma natureza muito limitada, e a nossa consternação não é grande (riso).

Quando tive a honra de me sentar n'aquellas cadeiras prestei ao paiz os serviços que pude, comtudo não me parece, vistos á luz de uma justa modestia, que elles fossem de tal importancia que se tornem necessarios outra vez; e pela minha parte tambem os attractivos do poder não me despertam os appetites da ambição.

Se, por exemplo, a celebração da fusão foi opportunidade para muitos aceitarem O sr. Fontes como ministro quando era d'antes condemnado a um ostracismo politico absoluto, não os posso condemnar, eu, que mesmo na occasião em que era ministro, não precisei d'aquelle facto para avaliar as qualidades do cavalheiro a quem me refiro, e procurava conseguir que essas qualidades fossem aproveitadas no serviço publico. Parece-me que é contrariar o pensamento da fusão querer-se que todos os homens, que n'uma dada epocha a não apoiaram, fiquem inhabilitados de alguma vez serem fusionistas, e de sacrificar uma certa e determinada fracção que não chegou a tempo (riso). Isto não é por mim, é pelos outros, porque não se póde nas circumstancias em que nos encontrâmos afastar ninguem que se preste a resolver as difficuldades com que lutâmos. Se nós quizermos ser poucos a salvar, tambem salvâmos muito pouco. Eu estou disposto a resignar-me; não quero ser dos que salvam, quero ser dos que são salvados (riso). Mas quero tambem persuadir-me de que chegou a circumstancia em que os tripulantes d'este barco de salva-vidas politico devem ser mais numerosos.

O sr. Casal Ribeiro apresentou algumas idéas que realmente me agradaram. Disse mesmo que = a opposição devia ser attendida =. E eu digo que a opinião publica é que deve ser attendida, porque nós representâmos o paiz incontestavelmente, e estamos moralmente sujeitos ao exame e apreciação do poder chamado — opinião publica. A publicidade a respeito das intenções do governo é indispensavel.

Eu entendo que as conversações era particular não podem prejudicar nunca o direito que o paiz tem, no systema representativo, de conhecer perfeitamente quaes são as idéas dos ministros, principalmente dos ministros novos, sobre objectos importantes de administração. N'este ponto, eu conhecia já o caracter dos novos ministros, e isso dispensava me de lhe pedir o seu programma, mesmo porque os programmas são inuteis, não por que não se pareçam uns com os outros, mas por isso mesmo que se parecem demasiado. Ainda não houve mau governo nem bom programma.

Os programmas em geral são tão similhantes, que não vale a pena fazer uma mudança de ministerio, só para ouvir novo programma. Os programmas são todos os mesmos; o que póde ser diversa é a applicação das doutrinas do programma. O que é sobretudo indispensavel, quando entram novos ministros, e saber o modo como elles tencionam resolver as questões que exigem uma prompta solução.

Eu sou partidista do progresso, moral, material e intellectual, e como partidista d'estas tres fórmas de progresso não posso deixar de dizer que a união de todas ellas é uma condição indispensavel para a marcha da civilisação.

Tambem não ha duvida nenhuma que para nos approximarmos mais do desenvolvimento dos melhoramentos materiaes do paiz, as circumstancias da fazenda publica não são as mais satisfactorias possiveis; nem isto é de admirar, e Deus queira que ellas se não aggravem mais, o que é muito possivel em vista da crise que a Europa está talvez proxima a atravessar, isto é, uma guerra, que Deus afaste de nós e dos outros.

E a proposito de economias devo dizer que não é uma cousa inutil, o fallar sempre em economias, mesmo quando ellas se não possam realisar; porque se dissermos que as economias são uma cousa mesquinha, que com isso nada aproveitâmos, perdemos então o habito de fallar em fazer economias, e não só nos falta a pratica mas até nos falta a theoria. Digo pois que, se o sr. ministro está de accordo n'isto, faz um grande serviço.

Eu não acredito tanto na realisação das economias quanto ao que está feito, como acredito na efficacia de invocar este principio economico, para não ir de novo sobrecarregar o futuro com creações que serão, a julgar pelo passado, tão despendiosas como inuteis; senão repetir isto, é necessario fallar em economias: não precisâmos de tantas instituições e tão caras; quero a salvação publica por preços mais commodos (riso), e creio que isto é o fim de toda a boa administração.

O sr. ministro da fazenda no seu relatorio diz qual é a situação da fazenda, diz que é necessario tomar medidas, e indica algumas. A respeito da indicação de uma d'ellas chamo a attenção de s. ex.ª, a fim de que faça uma declaração de que entendo o paiz precisa, e de que a camara não póde prescindir de ouvir.

Esta declaração diz respeito a um contrato que foi celebrado e que offerecia um subsidio pecuniario, que na opinião do governo o ajudava a occorrer ás despezas publicas, Houve grande discussão sobre este contrato, discussão que eu não quero renovar, e a respeito do qual não faço senão uma referencia a um ponto que prende necessariamente com as declarações que ss. ex.ªs terão a bondade de fazer para illustração da camara e do paiz.

O contrato de 14 de outubro foi sustentado muito habilmente e um dos argumentos que se empregava, era a con-

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veniencia de receber um subsidio pecuniario que habilitava o governo a adiar para o anno a solução da questão de fazenda. Este argumento empregava-se exclusivamente por alguns oradores e com menção muito honrosa por outros, e n'este momento, nas circumstancias actuaes, constitue um facto serio para a nossa organisação das finanças.

Se é facto o que se affirma, as primeiras letras, que os individuos que celebraram o contrato de 14 de outubro deviam pagar, não foram pagas: isto é um facto do dominio publico, e induz a crer que não serão pagas as restantes, e por consequencia a importancia das sommas sobre as quaes se tinham passado essas letras, no valor de cerca de réis 3.000:000$000.

É facto que esta primeira letra foi protestada e d'esta protestação parece que se segue que o contrato deve ser rescindido.

Segundo as informações que tenho, tentou-se junto ao governo obter algumas declarações ou promessa de modificações em relação a este contrato, mas tambem, se me não falham as minhas informações, o governo recusou-se a modificar as disposições do mesmo contrato, ou a fazer quaesquer promessas que podessem dar idéa de que elle viria a ser modificado. Pretenderam-se obter declarações da parte do governo ao contrato, e o governo disse que não se tendo satisfeito por parte dos individuos assignados no contrato de 14 de outubro uma das condições mais importantes, o governo â vista da impossibilidade da satisfação d'este ponto, estava no direito de rescindir aquelle contrato.

Supponho tambem, e aguardo a resposta do governo, que esta decisão não se fará esperar muito, porque me parece que haveria inconveniente grave se por acaso se mantivesse com qualquer demora um estado de cousas, que se convertia todo em utilidade dos individuos, que contrataram com o governo, sem que o governo tirasse aquellas vantagens que tinha direito a receber em compensação dos encargos, que tinha tomado sobre si.

Por consequencia eu entendo que cumpre tomar uma decisão a este respeito, e confio que o governo não deixará passar esta occasião sem tomar uma tal resolução.

Sem que eu queira avaliar completamente as consequencias d'este facto, e de que a suspensão do pagamento justifica o direito que assiste ao governo para rescindir o contrato, não posso deixar de dizer que; segundo a letra d'esse contrato, me parece que o governo, rescindido elle, póde julgar indicado levar á praça as obras emprehendidas pela companhia, e a sujeitar-se a uma nova arrematação. Mas póde ser que a simples leitura do contrato faça com que esta supposição não seja verdadeira.

Se o governo pois não vir inconveniente em declarar qual é a consequencia que deve trazer o facto da rescisão do contrato, eu pedia-lhe que o declarasse como informação á camara.

Eu não insisto n'este ultimo ponto, porque sou o primeiro a avaliar que nas circumstancias em que o governo se acha a reserva póde ser uma necessidade, e por consequencia o silencio o cumprimento de um dever.

Para mim basta-me, que o governo indique que, alem do facto da rescisão, nada póde dizer por emquanto, para eu avaliar as rasões que o obrigam a isso.

Eu entendo que esta questão de um contrato tão importante não é uma questão indifferente, que não prenda com a nossa situação financeira, a respeito da qual eu não devesse chamar a attenção do governo e do paiz.

Sei que o governo já a este respeito deu em particular explicações, mas parece-me que não excedo as attribuições que o logar de deputado me confere, pedindo ao governo que em publico faça uma declaração n'este sentido.

Declaradas as circumstancias em que nos achâmos relativamente a esse contrato, não posso abster-me de declarar que a nossa situação financeira exige que o governo fique habilitado para preencher a falta que necessariamente ha de provir para o thesouro da não apresentação das sommas com que elle contava.

Esse facto impõe deveres ao governo e ao parlamento. Qualquer que seja a isenção com que devamos avaliar os actos do governo, eu não estou disposto a negar-lhe os meios necessarios para a regular administração do paiz; e por consequencia digo que, se o governo me declarar que aquelle contrato vae ser rescindido em vista da falta do cumprimento das condições a que se tinham ligado os concessionarios, eu pela minha parte entendo que elle póde ser obrigado a vir pedir á camara meios para fazer face á despeza ordinaria, e declaro que estou disposto a conceder-lhe esses meios, porque entendo que o parlamento que tem a faculdade de avaliar os actos do governo, não deve pôr embaraços á marcha da governação.

Podia fazer considerações politicas muito extensas com que cansasse a attenção da camara, mas não quero empregar similhantes meios.

Declaro que espero os actos dos srs. ministros, confiando muito nas suas forças, mas reservo-me o direito de apreciar esses actos, e depois de os examinar convenientemente, darei então um voto, porque entendo que sempre, e muito mais agora, o parlamento não póde prescindir do mais serio exame para decidir as importantes questões que lhe são sujeitas, e que o paiz não ficará satisfeito se resolvermos unicamente com as nossas sympathias politicas as questões, para a resolução das quaes é pouco mesmo o emprego de toda a nossa intelligencia.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador não reviu o seu discurso, nem pôde ser bem ouvido em alguns pontos d'elle.)

O sr. Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Não pedi a palavra para responder á parte politica do discurso do esclarecido e espirituoso orador e meu amigo que acabou de fallar, mas para dar uma explicação por parte do governo á pergunta que s. ex.ª dirigiu relativamente a um negocio importante, que com rasão o preoccupa e que póde e deve preoccupar a opinião publica.

Todos sabem que o governo apresentou a esta camara e foi convertido em lei do estado o contrato celebrado com a companhia do caminho de ferro da sueste, para transformar o systema do contrato antigo por uma novação especial, substituindo a garantia do producto bruto kilometrico á subvenção que até ali estava estipulada com, a mesma companhia.

Em consequencia d'este contrato o governo tinha que receber não só o preço da linha, que tinha entregado á companhia, mas a somma correspondente á subvenção, que já tinha despendido.

Estas duas sommas reunidas montaram a 2.948:000$000 réis, que com juros accumulados sobem pouco mais ou menos a 3.000:000000 réis.

Em consequencia d'isto o governo, fundado n'este recurso, apoiado sobre elle, tinha indicado ao parlamento a conveniencia de se adoptar este expediente e viver á custa d'este meio, e de outros que indicou por essa occasião, até á proxima reunião das côrtes, sem recorrer ao credito para gerir os negocios da fazenda publica.

A primeira letra, porque é em tres series que a companhia deve pagar, vencia-se no dia 10 do corrente, ou antes no dia 9, pela circumstancia de ser santificado aquelle dia. Esta letra não foi paga, e o governo, na conformidade da lei commercial, mandou protesta-la contra a companhia, que deixou de satisfazer ao seu pagamento.

Em Londres, como todos sabem, ha, segundo o estylo da pratica, uma demora de tres dias sobre os prasos fixados nas letras, e por consequencia só ámanhã 13 é que ali se deve vencer a parte correspondente á primeira prestação; porque estas letras são pagas metade em Lisboa e a outra metade em Londres. A letra que se deve vencer em Londres ámanhã tem o seu vencimento hoje, pela mesma rasão de ser dia santificado o dia 13. Ainda não sei se foi paga; mas, repito, a de Lisboa não o foi, e em vista d'isso o governo providenciou, mandando averbar a letra com o seu competente protesto, e está resolvido a empregar todos os meios ao seu alcance para cumprir rigorosamente o contrato e observar as estipulações ali consignadas (apoiados).

É certo que ao governo se tinha feito proposta de modificação, ou alteração de certos artigos do contrato; o governo porém entendeu que depois de se terem consignado aquellas obrigações e encargos reciprocos em documento d'aquella ordem, approvado por uma lei do estado, não devia por fórma alguma acceder a qualquer alteração (apoiados).

Esta foi a resolução que tomou; é este o caminho inalteravel que ha de seguir n'este negocio (apoiados).

Em consequencia d'isto o governo tem necessidade de solicitar dos poderes publicos auctorisações que o habilitem a gerir a fazenda durante o anno economico em que vamos.

Tendo falhado um elemento indispensavel e valioso com que contava occorrer aos encargos publicos, o governo, visto o adiantado da sessão, não póde recorrer a outro expediente senão a pedir auctorisação para usar de creditos, a fim de preencher o deficit real e legal do orçamento do estado.

N'estes termos já se vê que, por occasião da discussão do orçamento, eu tenho de apresentar a proposta competente; proposta muito simples, mas extremamente importante, que a camara apreciará na sua sabedoria, esperando o governo que ella, como muito bem acaba de dizer o illustre orador que me precedeu, não tenha intenção alguma de privar a administração dos meios necessarios para prover aos encargos geraes.

Emquanto á rescisão do contrato, posso assegurar ao illustre deputado que o governo ha de cumprir rigorosamente a lei. Creio que o caminho não póde ser senão a rescisão do contrato, na conformidade das estipulações d'esse mesmo contrato, mas para isso espero receber de Londres documentos de que as letras não foram pagas na epocha do seu vencimento, alem dos documentos que já tenho em relação ao vencimento da letra em Lisboa.

Quando esses documentos chegarem, immediatamente se procederá na conformidade da lei e nos termos que ordinariamente se seguem em negocios d'estes.

Emquanto ao modo por que de futuro o governo ha de prover em relação ás estipulações combinadas n'aquelle contrato e emquanto ao caminho a seguir, permitta-me o illustre deputado que eu, no interesse da causa publica, me reserve para explicar a minha opinião, depois de ter ouvido os advogados, da corôa e depois de ter o governo occasião de se entender entre si sobre o meio mais conveniente para resolver esta questão (apoiados).

(S. ex.ª não reviu o seu discurso.)

O sr. Mendes Leal (sobre a ordem): — Em cumprimento das prescripções regimentaes passo a ler a minha proposta: «A camara, depois de ouvir as declarações do governo, e confiando que os principios proclamados pela fusão serão fielmente observados, passa á ordem do dia.»

Esta moção de ordem refere-se ás declarações politicas, feitas anteriormente pelo gabinete, e de nenhum modo ás administrativas e financeiras, que ha pouco ouvimos ao sr. ministro da fazenda.

Vozes: — Muito bem.

Orador: — Acrescentarei mais que não é meu intento fazer acto de opposição. Se pois alguma phrase ou palavra for interpretada como tal, desde já aceito quaesquer alterações ou modificações, com tanto que subsista o sentido genuino e o pensamento fundamental da proposta.

Vozes: — Muito bem.

O Orador: — Não se ignora a parte que tive na organisação da fusão. Espero que esta circumstancia especial me seja desculpa por levantar tambem n'esta conjunctura a voz,

rompendo assim a voluntaria abstenção, em que me tenho rigorosamente mantido, e desejo conservar

Serei sóbrio de palavras. Serei avaro de elogios. Parece-me a occasião mais para austeras verdades do que para antecipados cumprimentos.

Eu sou como o povo: comprehendo mal as generalidades phraseologicas; aprecio unicamente pelos factos. Onde ha factos para instruir juizos, aquelles devem prevalecer sobre as phrases, por mais sonoras e concertadas que estas sejam. Sem me demorar n'este ponto, vou succintamente formular algumas rapidas considerações em justificação da minha proposta.

No meu conceito os partidos que mais se enobrecem são os que não curam de homens, e põem sómente a mira em principios fecundos ou nas suas consequencias praticas. Aos olhos da historia imparcial, que ainda não se escreveu, e se escreverá algum dia, ha de levantar-se mais alto o que, nas occasiões opportunas, houver dado mais d'essas provas de abnegação e patriotismo.

Não o dissimulemos: estamos em circumstancias graves, muito graves, quer interna, quer externamente. Perante essas circumstancias, a fusão, que era hontem uma necessidade, fez-se hoje um dever. Nas crises difficeis o verdadeiro amor patrio está na união de todos. Se não poder ser de todos, seja ao menos do maior numero.

Não averiguemos como se formou, nem de quem se formou o ministerio. Está formado. É composto de homens esclarecidos e honrados. Para mim isso basta.

Por bem do paiz auxiliemo-lo em tudo quanto for a bem do paiz. A senda está traçada. Se o não estivesse no programma ministerial, já o estaria no programma fusionista, que o precedeu, e lhe sobreleva!

A fusão não foi um expediente; foi um pacto solemne, solemnemente jurado. A fusão assentou em principios claros e definidos, e esses grandes principios não podem perecer antes de dar fructo (apoiados).

Se a renovação é lei da natureza, não o é a esterilidade. A fusão póde considerar-se ainda na infancia, e está sem baptismo. Falta-lhe o baptismo dos grandes commettimentos que o paiz espera. Aos que morrem sem baptismo em tal idade só cabe o limbo. Os srs. ministros, que tomaram nos braços a fusão, não podem querer-lhe tão triste sorte (apoiados).

Não prometto nem recuso apoios ao gabinete: o meu voto depende dos seus actos. Se esses actos forem conformes ao pacto de concordia e ás publicas necessidades (e espero que o sejam porque reconheço a probidade e illustração dos srs. ministros, espero-o porque é esse o interesse do paiz e ainda mais o de ss. ex.ªs); se taes actos em tudo se ajustarem aos superiores principios que dominam, e devem dominar, a situação, não indagarei mais, não investigarei o passado, a minha adhesão pertence ao governo, ou antes pertence áquelles principios e correspondentes medidas.

Muitas considerações politicas viriam aqui a proposito. Expressamente as calo, e creio que é esta a obrigação imposta pela conjunctura e pelo patriotismo, A urna exclusivamente me limito. A fusão continua; mas só póde continuar com a condição de ser productiva. D'isto me preoccupo, e não de homens. Homens da fusão são todos os que esposarem as suas idéas (seja qual for a data), e as souberem fazer executar.

Não receio a formação de um partido official. A historia, que tem paginas recentes, não lhes é favoravel.

Os partidos officiaes são inuteis violencias e arteficios ephemeros; não têem base nem meios de vida. Acima d'elles estão os partidos nacionaes, que podem transformar-se, mas não morrem, e a quem pertence definitivamente o triumpho. É o que nos diz em toda a parte a experiencia. (Vozes: — Muito bem.)

Prometti ser breve. Por minha parte cumpro fielmente a promessa concluindo, e mandando para a mesa a minha moção.

Leu-se na mesa e foi admittida a moção de ordem.

O sr. Vieira de Castro: — Principio por mandar para a mesa a seguinte proposta:

«A camara, ouvidas as explicações do governo, e satisfeita com ellas, passa á ordem do dia.»

Sr. presidente, desde já, prometto a v. ex.ª e á camara ser tão conciso como o têem sido todos os meus collegas que me precederam na tribuna, e como a mim me parece que a todos cumpre se-lo n'estes dias de festa e de primeira visita.

Venho fazer a minha apresentação ao novo gabinete, e porto-me diante d'elle como diante de uma dama (riso); demoro-me pouco tempo, como manda o bom tom da fidalga sociedade; e aproveito esse todo para lhe fazer uma declaração amorosa (riso).

Todavia, sr. presidente, eu, que não suffoco nunca nenhuma das minhas inspirações, acrescento tambem desde já, e o mais desassombradamente, que em face do governo, como está, sinto as mesmas impressões que senti diante do ministerio passado, quando elle tomou posse d'aquellas cadeiras (as do governo). Sinto um grande prazer e um grande jubilo, mas sinto ao mesmo tempo uma grande dor e uma saudade profunda! Sinto um grande prazer e um grande jubilo porque vejo a final o poder levantado em palavras eloquentes, em verbos inspirados, n'uma vasta largueza de idéas, e sobretudo, e principalmente, no apostolado dos primeiros e mais sagrados principios dos programmas mais eminentemente liberaes! Contenta-se, regosija-se, e expande-se a alma diante d'isto!

Sr. presidente, em poucas e modestas palavras se póde resumir este difficil officio de governar. Em poucas e modestas palavras se podem compendiar todos os atributos necessarios a qualquer homem publico posto á frente de qualquer governo do mundo: ter grandes qualidades de

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coração, e ter grandes qualidades de espirito. Isto basta, e isto sobeja!

Grandes qualidades de coração, para saber sentir, e saber inspirar, as grandes virtudes do estado: o amor da patria, o amor da liberdade, o amor da gloria, e o amor da honra! É este o primeiro passo nos paizes abatidos de scepticismo politico.

Grandes qualidades de espirito, e de talento, para saber sentir, e saber inspirar, os grandes deveres da governação opinião publica patriotica; antes de tudo, opinião publica, que deve ser nos paizes avançados em civilisação a força de luz substituindo a força de ferro; educação politica, larga, rasgada, e ampla; e sobretudo orgulho e vaidade nacional, orgulho nobre que vem da consciencia dos direitos; vaidade salvadora que se inspira no conhecimento e na apreciação do valor d'elles! Este o segundo passo, e o grande ponto de partida para todas as conquistas do progresso!

Creio nos dotes de coração, e nas luzes de espirito dos homens que se sentam n'aquelles logares (apontando para as cadeiras do governo). Eis ahi porque os applaudo, e me regosijo diante d'elles.

(Pausa).

Mas, d'onde vem, e para d'onde vão?

Eu fui quem primeiro aqui fiz esta maldita pergunta, e Deus sabe o que ella me ha custado! Mas eu que o perguntei, certo é que o ignorava então.

D'onde vem, e para onde vão os ministros actuaes? A resposta é facil, e ainda bem! Vêm do seu passado, e vão para o seu futuro. Vêm do seu passado, que é grande, e vão para o futuro certo a todos os homens, cujo passado é igual ao d'elles (apoiados).

Permitta-me v. ex.ª, sr. presidente, que eu leia á camara um curto periodo do meu humilde discurso, proferido n'esta casa quando aqui entrou pela primeira vez o ministerio, sobre cuja base se remodelou a actual situação. Passeara eu a vista rapidamente pelo passado politico dos cavalheiros que então vinham formar o governo, e a mim mesmo me interrompi para fazer a seguinte pergunta: «Porque o não, direi, sr. presidente? Porque não direi eu que tenho agora mesmo dois nomes a saltar-me no coração, e quasi a escapar-se-me dos labios; dois nomes que todos os corações adivinham, e todos os labios sentiriam com os meus não ver ali? Que eu de mim não desespero ainda. A magna reconciliação está feita. E depois na politica ha uma só vontade, é caminhar; ha uma só inspiração, é o bem do povo. Quando se quer satisfazer a primeira e escutar a segunda, as incompatibilidades morreram».

Todos adivinharam então que esses nomes eram os dos srs. Casal Ribeiro e Mártens Ferrão; todos sentiram a saudade que eu senti; e permitta Deus que todos se regosijem tambem porque a final vieram a morrer as incompatibilidades todas!

Pois que! E é verdade, havia de ser em nome da fusão que nós fechassemos as portas a quem vinha procurar-nos em nome d'ella? Foi a fusão o repto dos affectos contra os odios, em que os affectos olharam para os vencidos. Pois havia de ser agora em nome dos odios resuscitados que devia erguer-se a voz da vencedora? A esse pacto de familia julgava eu que tinham assistido todos os cidadãos portuguezes desde o primeiro até o ultimo. Não podem estar os odios em parte alguma. Eu se os visse, ao olhar para baixo, denuncia-los-ía como mina surda contra as prosperidades da patria; se desse com elles, ao olhar para cima, lamenta-lo-ía do intimo da alma, porque os odios e as más paixões quanto mais alto estão, tanto mais negra nodoa serão sempre para a historia, tanto mais perigoso exemplo para o futuro!

(Pausa.)

Uma grande dôr e uma saudade profunda! Sim, sr. presidente; ao lado d'essas expansivas alegrias eu tenho logar no coração para uma grande magoa, e a mesma firmeza de voz e independencia de caracter para a dizer tambem ao lado d'ellas!

É que ha ali uma enorme lacuna! É que eu quero curvar-me, cheio de respeito, diante de um vulto que ali falta, com profundo sentimento meu, e profundo sentimento da patria, que ha tanto tempo, e por tantas vezes, e por tantos modos, ha pedido e solicitado que lh'o ponham lá! Uma enorme lacuna, sr. presidente! Uma enorme lacuna!

Uma enorme lacuna; e não é porque aos explendidos clarões da luz d'aquella intelligencia superior se hajam allumiado ha mais de vinte annos todas as mais altas questões de governação publica; não é ainda porque aliado com esse genio apparecesse sempre um coração puro e singelo, docil e meigo, como o de uma creança; não é ainda porque o seu peito bravo de homem aparasse sempre, invencivelmente encouraçado, os hervados aríetes de todas as calumnias e de todas as injurias!

Por nada d'isso é, e todavia já tudo isso era muitissimo!

É enorme essa lacuna, mas por motivo especial n esta hora. É que, ao celebrarem-se estas pazes entre as familias separadas da nação portugueza, se houve alma que intimamente sorrisse para ellas, coração ardente e apaixonado que as agazalhasse, verbo vigoroso e illuminado que as apostolasse, braço longo e hercúleo que no seu amplexo as segurasse contra as insidias de uns, contra os receios de outros, e contra a tibieza e hesitação, de muitos; essa alma, esse coração, esse verbo e esse braço... eram d'elle! — E faz pena, e dóe profundamente, e sinceramente contrista e magoa, ver hoje, no segundo dia de festas publicas para a eleição dos pilotos d'este grande partido, essa alma esquecida, esse coração magoado, esse verbo desamparado á margem, e esse braço, cortado cerce pelo tronco, tombado no mesmo chão d'onde elle havia colhido as suas palmas, e aonde agora caia, como palma tambem, mas do seu proprio martyrio! (O sr. Thomás Ribeiro: — Apoiado. Muito bem.)

(Pausa.)

Sr. presidente, a minha dor não quer dizer lamentação. Quando nós sentimos no governo a falta das duas grandes capacidades que hoje lá estão, esperámos tranquillos a sua hora, e a sua hora veiu. Eu quero illudir o coração, se é preciso illudi-lo, acreditando, para bem do meu paiz, que chegará tambem a hora do vulto a quem me estou referindo. (Com vehemencia) E se não chegasse, sr. presidente, e se não chegar, tambem então o não lamentarei. Eu não creio que hajam exilados politicos dentro da minha patria, não creio que os haja dentro do parlamento. Mas se os houvesse, mas se um d'esses exilados fôra elle, não o lamentarei, não, de certo. E que os exilados sublimes são como os filhos sublimes da adversidade! E os filhos sublimes da adversidade são como as arvores nascidas sobre as cristas das grandes montanhas. Quando mais as vergam e sacodem as tempestades e as ventaneiras, as tempestades e ventaneiras que descem de cima, é tambem quando mais carinhosa e estremecida a terra, que é verdadeira patria, e verdadeira mãe, lhes atira com o coração para as raizes, e lhes diz: «Segurae-vos bem!»

As arvores atiram com as suas sombras pelo monte abaixo, e têem muitas vezes o capricho de dizer ao sol, que tambem nasce de cima: «Afasta-te, que estas plantas estão por minha conta, e este logar é meu!» E o sol afasta-se, e as sombras vingam!

São assim os exilados sublimes; são assim os heroes da humanidade! Projectam tambem as suas sombras por todos os periodos da historia adiante, igualmente afastam, para o lado os soes ficticios, que por acaso tiveram nascimento, e por lei fatal hão de ter occaso eterno, e galgando sempre até ás portas da sua epocha, gritam de lá para o futuro: «Contempla-nos!» (Os srs. Teixeira de Vasconcellos e Thomás Ribeiro: — Muito bem, muito bem.) Oh! não; não precisam estes exilados que os lamentem!

(Pausa).

Sinto-me commovido, e com necessidade de concluir. Mas antes d'isso quero tambem fazer o meu pedido ao ministerio. Eu creio profundamente, sr. presidente, que a principal alavanca dos systemas representativos constitucionaes é a exacta e constante observancia do grande principio que manda respeitar e preferir a tudo o talento e a virtude. Os governos representativos são talhados no granito enorme da vontade nacional, mas para dizerem sempre ao talento: caminha, e serás tu o laureado dos teus contemporaneos; mas para animar a virtude, concitando-a com esta promessa: segue, e serás tu a milionaria das ovações da tua patria!

Fallemos com franqueza. A verdadeira causa do abatimento publico d'este paiz está na ascenção rapida e constante das mais ordinarias mediocridades para muitos dos mais altos cargos do estado. É urgentissima a reforma completa do funccionalismo, e a necessidade de exigir de todo elle grande honradez, e a intelligencia e a illustração precisas para os cargos correspondentes.

Pois que! Estamos aqui a fallar todos os dias em alargar a area da vida local, em descentralisação administrativa, na emancipação completa dos municipios; e o sr. Casal Ribeiro ainda hontem nos fallava tambem da necessidade de reformar a nossa politica commercial. Como ha de o governo fazer tudo isso, ou qualquer cousa d'isso, sem que o coadjuvem, dentro e fóra do paiz, á frente de todos os districtos e em todas as embaixadas fóra do reino; e tambem fallo d'estas, porque o nobre ministro dos negocios estrangeiros não póde reformar a politica commercial sem primeiro reformar a nossa diplomacia politica, porque nós não podemos conseguir por exemplo as vantagens commerciaes que outras nações, por meio de tratados, hão conseguido para a exportação de productos similares aos nossos, sem que em todas as nações nos representem homens reconhecidamente competentes; — como ha de o governo consegui-lo, digo, se d'ora ávante se não cumprir rigorosamente o preceito que o mesmo decoro constitucional aconselha, de não confiar nunca a direcção de cousas publicas senão a homens de provada intelligencia e inconcussa probidade de caracter? O governo, que é a consagração mais explendida d'este grande principio, dará enormes felicidades ao seu paiz se o não esquecer nunca nos actos da sua gerencia futura.

Estão apresentados os meus regosijos e as minhas esperanças, as minhas saudades e as minhas dores diante do novo gabinete. Creio tanto na grandeza de animo dos nobres ministros, que sei que ficam mais meus amigos por lhes não ter calado as segundas ao lado das primeiras.

Dito isto, resta-me fazer um voto, e é que o Rei reine e os ministros governem (apoiados. — Vozes: — Muito bem, muito bem.)

Leu-se na mesa a seguinte moção:

A camara, ouvidas as explicações do governo e satisfeita com ellas, passa á ordem do dia. = Vieira de Castro.

Foi admittida.

O sr. Thomás Ribeiro: — Satisfazendo á prescripção do regimento, vou ler e mandar para a mesa a minha moção de ordem (leu).

Venho tarde ao debate, venho quando as attenções da camara estão já demasiadamente cansadas, venho especialmente depois do discurso que acaba de proferir o meu illustre amigo o sr. Vieira de Castro, sempre subido no conceito, sempre elegantissimo na phrase.

Não me acobarda n'este momento nenhuma das difficuldades que tenho ante mim, porque ao entrar n'esta casa entendi que o meu primeiro dever era desempenhar o mandato que se me confiára, como o dictasse a minha consciencia na presença de amigos e de adversarios; sem cuidar nem de adoçar as amarguras de uns, nem de lisonjear as vaidades dos outros.

O meu illustre amigo, o sr. Vieira de Castro, começou o seu brilhante discurso dizendo, que se apresentava hoje pela primeira vez diante do ministerio, como se apresentaria diante de uma dama. Eu, respeitando muito a auctoridade do meu illustre amigo, declaro a v. ex.ª e á camara que não me apresento diante do ministerio'cómo diante de uma dama, antes sim, imaginando que tenho na minha frente homens em tudo viris que vão ouvir a minha palavra tambem viril, e que hão de desculpar porventura a aspereza da minha phrase; a camaradagem politica que desde 1861 tenho mantido inabalavel ao lado d'aquelles cavalheiros (os srs. ministros), dá-me direito a crer que ss. ex.ªs hão de ouvir com summa bondade e benevolencia as pouquissimas palavras que vou dirigir-lhes n'esta occasião solemne da reconstrucção ministerial. E visto que fallo de homem para homens, consinta-me v. ex.ª que faça uma pergunta á qual provavelmente tenho que responder.

Diz-se que nos palacios dos réis entra a custo a verdade, e é mal recebida quasi sempre no logar que era seu, e que a lisonja cortezã lhe tem usurpado; estou pouquissimo acostumado a entrar lá, mas consta sem contradicção, e não é preciso um grande esforço para se poder acreditar.

A ser isto, é possivel que aos ministros d'estado por viverem em contacto intimo com aquelles altos personagens seja grata a lisonja e desagradavel a rude verdade portugueza, e dita n'um tom portuguez?

Faço justiça ao actual gabinete, não lhe attribuindo estas pequenas vaidades; por isso declarei que ía dirigir-mo a homens de espirito completamente viril, e ante elles estou.

Desde 1861, epocha da minha entrada no parlamento, agrupei-me com o partido regenerador, e por isso ao lado dos nobres ministros os srs. Aguiar, Fontes, Casal Ribeiro e Mártens Ferrão, aos quaes votei sincera amisade e a estima que se deve aos homens da alta esphera de ss. ex.ªs; estima e amisade que eu já lhes consagrava de muito tempo, porque os seus nomes e a sua historia tinham tambem penetrado nos recantos da minha provincia e tinham chegado até mim.

Apesar porém d'esta amisade, cumpre-me confessar á camara que ainda não fui dar os parabens ao gabinete pela sua reconstrucção. Se os nobres ministros do reino e dos estrangeiros entrassem para o governo n'outras condições, n'aquellas que se me afiguram mais constitucionaes, daria parabens, não a ss. ex.ªs que tinham aceitado um pesado encargo, mas á nação portugueza que os tinha por ministros, e que tinha no seu governo duas tão robustas intelligencias, e forças tão utilmente provadas (apoiados).

Respondida assim a minha propria pergunta, ouça-me o governo. É costume em qualquer modificação ministerial irem os amigos mais proximos dos ministros dizer a ss. ex.ªs o modo como a opinião publica recebeu a nova organisação; e de ordinario não são os srs. ministros os que sabem fiel e cabalmente qual a apreciação que faz a opinião publica da constitucionalidade do gabinete ou da maneira por que se constituiu. Eu, que me propuz não adular o ministerio, mas dizer-lhe a verdade em tudo, como eu sei e como a sinto, vou dizer aos nobres ministros, mas aqui no parlamento, á luz do dia, alto e bom som, a maneira como eu supponho que a opinião publica recebeu a noticia da formação do gabinete.

Desde que se disse em Lisboa, e n'este momento em Portugal, que os srs. Mártens Ferrão e Casal Ribeiro tinham subido ás cadeiras de ministros, não houve, creio eu, um só portuguez que não visse a nação esteiada e segura sobre seus hombros robustos, — mas para quem não fosse tambem uma completa surpreza, como o foi para mim e para a maior parte dos meus collegas (apoiados) a ascensão de ss. ex.ªs ao poder (apoiados).

Bem sabe v. ex.ª e o governo que ordinariamente na solução de uma crise politica como esta, todos os portuguezes que se interessam no bem do seu paiz, estão com os olhos attentos, voltados para a porta constitucional que se ha de abrir para por ella entrarem os novos ministros da corôa, pois d'esta vez conservou-se dias e dias obstinadamente fechada ás vistas dos interessados, e se a porta constitucional chegou a ser aberta, foi a horas mortas da noite; de sorte que os interessados vendo-a ainda fechada de manhã, só tarde vieram a saber da surpreza nocturna que se lhes tinha preparado.

Eu conheço um pouco o organismo constitucional, comprehendo o processo de fazer ministerios no systema representativo; sei que nas organisações ministeriaes a vontade da corôa é soberana. Respeito o poder moderador com todas as suas immunidades, como respeito o poder executivo com todas as suas attribuições, e respeito-os tanto, quanto desejo que estes dois poderes respeitem como devem o poder legislativo (apoiados). A divisão dos poderes do estado não quer nem póde dizer outra cousa. Entendo pois que é necessario para o bom andamento dos negocios publicos que dêem reciprocamente as mãos todos os poderes do estado, para que da parte de um se não preparem surprezas, que nos primeiros momentos possam parecer aggressões, ou pelo menos desconsideração a algum dos outros poderes.

No concurso de todos está o governo; a emancipação de qualquer d'elles é um desequilibrio.

Não quizera eu, note v. ex.ª, que o importante poder do estado que organisa os ministerios, reunisse as camaras dos pares e dos deputados e lhes dissesse = dae-me vós os ministros =. Não quero isso, sei perfeitamente até onde chegam as attribuições, conveniencias e deveres dos differentes poderes do estado. Mas é certo que em todos os paizes constitucionaes as camaras, representadas pelos seus presidentes, ao menos, quando não são os amigos mais particulares do gabinete, ou os homens eminentes da politica, são ouvidos (apoiados). E digo francamente a v. ex.ª e ao gabinete, que me magoa muito este continuado indicio de desprezo pelos

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mais triviaes principios; desprezo que tenho visto, ha annos a esta parte, presidir aos passos mais significativos da vida constitucional dos partidos, e com que por vezes se affronta a dignidade do parlamento (apoiados).

Peço aos meus amigos que me deixem queixar. Nunca lhes dirigi palavras desagradaveis, não lh'as dirigirei hoje. Não digo isto como condemnação, digo-o como queixume; e peço aos nobres ministros que olhem bem para mim, que me considero humilissimo diante da minha consciencia de homem, mas que me considero digno de attenção e de respeito, no seio da camara dos deputados onde tenho um logar (apoiados).

Ainda não ha muito tempo que n'esta terra houve um acontecimento politico do maior alcance para o paiz. V. ex.ª sabe qual foi, porque v. ex.ª presidiu tambem a elle. Tratava-se da juncção dos dois partidos liberaes... dos dois, não digo bem, de dois, porque de um terceiro, ha ainda n'esta casa reliquias venerandas. Entendeu-se que para o bem commum era preciso acabar com certas rivalidades frivolas e preconceitos pessoaes, que se deviam approximar, fundir, e formar um só partido para dar a esta terra um governo que todos confessaram, não podia saír exclusivamente de um só d'esses dois partidos.

O pacto fusionista consumou-se; mas sabe v. ex.ª o que a mim individualmente aconteceu? Aconteceu que cheguei duas vezes á porta da casa do digno par do reino, o sr. Miguel do Canto, onde os dois grupos estavam reunidos, e duas vezes quiz voltar para minha casa, envergonhado do desprezo com que eu e o meu partido tinhamos sido tratados pelos nossos chefes (apoiados).

O Sr. Coelho do Amaral: — Apoiado.

O Orador: — O illustre deputado e meu amigo diz apoiado? Que faria se tivesse a rasão que eu tenho de me queixar! Vae ouvir.

Emfim eu entrei, resolvi-me a entrar na casa do sr. Miguel do Canto, porque acima dos meus despeitos, estava a minha consciencia a dizer-me, como ainda hoje me diz, que eu ía fazer bem para a minha patria (muitos apoiados).

N'essa occasião tinha o partido progressista, que entrou na fusão, feito as suas reuniões, tinha deliberado com os seus chefes, tinha sido levado pelas suas convicções e com o accordo de todos a assignar o pacto fusionista. N'essa occasião o partido regenerador, a que eu tinha e tenho ainda a honra de pertencer, tenho, não, porque hoje sou fusinonista (apoiados) entrou para ali disseminado e arrastado pela força das suas convicções individuaes. Nem um só dos seus chefes lhe disse = esta é a minha opinião a respeito d'este pacto = (muitos apoiados). Eu provoco os antigos chefes do partido regenerador que estão sentados nas cadeiras do ministerio, a desmentirem-me se isto não é exacto. E eu podia perguntar — se se dispõe de um partido, nobre, leal, convicto como foi sempre o da regeneração, d'este modo, a bel prazer e a capricho de uma vontade, por mais esclarecida que seja? Pois eu calei-me até hoje e calei-me, porque fui sempre obediente e humilde como ainda sou, e respeitador e amigo dos cavalheiros que estão no poder.

Não podia agora ficar socegado com a minha consciencia sem dizer isto francamente no parlamento; porque, note-se, não é já só o facto que deixo apontado, vejo hoje apparecer uma combinação ministerial com surpreza para quasi todos os meus collegas e para v. ex.ª creio que tambem; por isso peço ao governo que não seja tão avaro dos seus segredos, nem tão acautelado para amigos que lhe têem dado mostras ha longos annos da sua fidelidade partidaria; peço-lhe que para outra vez me não sujeite, nem á opinião publica, a receber tão de surpreza aquelles dois cavalheiros que são dignos de serem recebidos debaixo de um pallio e entre festas e alegrias, como no melhor dia de gala (riso). Soubemos hontem que houve graves difficuldades na organisação ou complemento do gabinete.

Declaro a v. ex.ª que quando olho para os differentes lados da camara, não sei a quem mais tenha de inculpar; se áquelles que fizeram a organisação ministerial, se aos que pela sua incuria ou desleixo ou desprendimento não tiveram n'ella interferencia. Tambem não posso louvar a sua abstenção voluntaria, se a houve, que é criminosa em casos d'estes, em prestarem auxilio áquelles a quem tinham dever de o prestar para a organisação de um gabinete á vontade de todos os membros da fusão.

Não sei, na verdade, não sei de quem mais me deva queixar; assim como não sei se aquelles que hoje mais se queixam, não aqui, mas lá fóra, são os que têem mais direito de o fazerem. A cada um a sua parte da responsabilidade; e visto que d'este desprendimento ou incuria nos veiu o ministerio que vemos aqui, congratulemo-nos com a nossa ventura e vamos dar graças aos deuses (riso), pois que todos se declaram contentes.

Na occasião em que pedi a v. ex.ª que me inscrevesse para tomar parte n'este certamen politico, estava bem diversamente impressionado do que fiquei depois que ouvi as explicações dos nobres ministros.

Desde o momento em que ss. ex.ªs declaram que aceitaram ampla e lealmente a situação que era representada pelos meus nobres amigos, o sr. presidente do conselho, o sr. Fontes, o sr. visconde da Praia Grande, e o sr. Barjona, não tenho duvida alguma em os apoiar. Se os factos depois me vierem provar que me illudi, ou que ss. ex.ªs se enganaram n'este momento, consinta-se-me que eu deixe salvaguardado o meu futuro procedimento; mas emquanto a situação actual for a mesma, e emquanto a fusão subsistir, não tenho duvida alguma em a apoiar (apoiados).

Não posso comtudo deixar de dizer a v. ex.ª, que quando olho para um meu honrado collega, que todos nós conhecemos muito, e que ali vejo presente (designando o sr. Sampaio) e corro depois com os olhos as cadeiras do ministerio, recordo-me sempre d'aquelle conhecidissimo verso de Virgilio que diz assim:

Hos ego versículos feci, tulit alter honores.

(Apoiados).

Isto não quer dizer que não estejamos perfeitamente representados no actual gabinete; mas é sempre triste e sempre mau exemplo de moralidade politica, ver que o homem que tanta vez nos ensinou a combater, indo na nossa frente, que nunca deixou de ser o primeiro nas pugnas, o primeiro nos perigos, o primeiro nos odios dos adversarios, quando, poupado pelos tiros inimigos, não sae ferido na frente, seja fuzilado pela retaguarda... não digo bem! seja desamparado no campo pelos seus amigos e camaradas! N'isto não ha allusão a ninguem; peço que me acreditem.

Como estou hoje resolvido a dizer verdades a todos, permittam-me ainda mais uma reflexão. Estou em dia de confissão geral, e por isso pretendo ficar muitissimo bem com a minha consciencia.

O meu nobre amigo o sr. Carlos Bento horrorisou-se diante do fanatismo dos antigos partidos, e eu horroriso-me tambem, mas cuidado, porque ao lado de Scylla encontra-se sempre Carybides: e é preciso que ao anathematisar-mos o exagero das antigas paixões partidarias, que eu tambem detesto, não vamos caír no miserando indifferentismo politico, que vae sendo uma das grandes desgraças da nossa terra (muitos apoiados).

Desde o momento em que um homem diz que apoia uma situação, e, descendo a mim, desde o momento em que eu soltei estas palavras, os srs. ministros podem ter a certeza de que hei de apoiar a situação com o meu voto, que pouco mais posso, e se mais posso, com todas as minhas faculdades (apoiados).

Dito isto, cumpre-me fazer bem patente, mesmo para absolvição dos novos ministros (que embora eu não seja padre, nem vv. ex.ªs me confessem os seus peccados, sempre me apraz ir-lhes dando esta absolvição (riso), é preciso deixar bem patente que ao passo que muitos dos signatarios do pacto da fusão desampararam o governo nas questões mais melindrosas, receiando porventura arrostar as antipathias da opinião e associando-se-lhe apenas em questões sympathicas, os srs. Casal Ribeiro e Mártens Ferrão, achavam-se n'essas occasiões de mais perigo, ao lado da situação, defendendo-a com a sua voz auctorisada (muitos apoiados).

É preciso que a cada um fique o logar que lhe compete, porque n'estas cousas da politica, vale mais o testemunho dos factos do que o testemunho das palavras (apoiados).

Vou terminar, e tenho mesmo pena de ter sido tão longo. Peço muitas cousas agora ao gabinete; peço-lhe que acredite na sinceridade das minhas palavras, quando lhe digo que estou a seu lado; peço aos srs. ministros que, pessoalmente, não tomem a mal estas queixas que lhes dirigi, porque, se disse o que a camara acaba de ouvir, foi cheio de muita rasão, e porque reputo os illustres ministros, pessoas a quem estas cousas se podem e devem dizer frente a frente, e não atrás dos bastidores; peço-lhes que trabalhem e governem; peço-lhes emfim que ouçam e creiam esta minha ultima declaração. Emquanto houver fusão n'esta terra eu sou fusionista; tomem ss. ex.ªs sentido nas minhas palavras; quando deixar de haver fusão hei de ver de quem é a culpa, e hei de pedir estrictas contas aos que provocarem o rompimento; e quando já não haja mais ninguem, eu, que ando ha muito tempo com vontade de me fazer excentrico, talvez por amor da arte fique eu só fusionista n'este paiz.

Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

Foi lida na mesa a seguinte:

PROPOSTA

A camara, ouvidas as explicações do governo, e confiando que a nova modificação ministerial não altera a situação politica, passa á ordem do dia. — Thomás Ribeiro.

Foi admittida.

O sr. Ministro da Justiça (Barjona de Freitas): — Em má occasião pedia eu a palavra, se porventura tratasse das minhas vaidades particulares, porque, com effeito, depois dos brilhantes discursos que acabâmos de ouvir, a minha voz é pouco auctorisada para prender a attenção da assembléa. Mas eu pedi a palavra n'este logar, e muito de proposito tardiamente, porque na minha posição especial desejava que previamente se dessem amplas explicações, para que todos podessem comprehender bem qual era a significação politica do gabinete que hontem se apresentou ao parlamento.

V. ex.ª e a camara ouviram que o sr. presidente do conselho declarou que a situação politica era a mesma, e que os novos ministros que se sentavam n'estas cadeiras, se associavam completamente ao pensamento politico dos antigos ministros. Dito isto era inutil qualquer outra explicação; comprehende-se facilmente que não houve ruptura de pacto algum, que a fusão continua a viver e a subsistir, como viveu e subsistiu até aqui.

Não entrarei na historia intima da constituição do gabinete; ponho-a completamente de parte, porque nós escusâmos de apreciar actos que de algum modo não se passaram diante de nós, tendo de apreciar o governo pelos seus intuitos e pelo caminho que se propõe a seguir.

Perguntou-se aos novos ministros de onde elles vinham; vem acompanhados do seu nobre passado e de um brilhante futuro, que todos lhe auspiciámos; mas sem fallar no passado nem no futuro d'estes elevados caracteres, permitta-me v. ex.ª, que eu observe aos illustres deputados, que fizeram essa pergunta, que os novos ministros veem das maiorias das duas casas do parlamento.

Mas diz-se: «Esses illustres cavalheiros não assignaram comnosco o pacto da fusão; esses nobres caracteres divergiram na apreciação de um grande acontecimento politico, que teve logar ha pouco mais de um anno!» E assim foi.

Mas não podiam esses caracteres associarem-se comnosco nesse pacto e estarmos ligados desde o principio da sua realisação? Levantava-se alguma barreira ou incompatibilidade contra elles? De certo não. Pois se então esses nobres cavalheiros se nos poderiam unir, que novo obstaculo ou incompatibilidade surgiu de então para cá que os inhibisse de poderem sem quebra da sua dignidade aceitar os factos consumados e associar-se ao pensamento do governo? (Apoiados.)

Era notavel, sr. presidente, se os illustres cavalheiros, porque então fizeram uma apreciação diversa da que nós faziamos relativamente ao acontecimento politico chamado fusão, estivessem constantemente inhibidos de porem a sua intelligencia ao serviço do paiz nos bancos do poder!

Esses cavalheiros podiam estar apoiando o governo lado a lado com elle em todas as questões; podiam constituir maioria, estar ligados pela solidariedade que prende as maiorias ao governo e o governo ás maiorias; e todavia levantava-se contra elles um impedimento dirimente que lhes tolhia consorcio no poder! Esta theoria, sr. presidente, não a comprehendo, não tem rasão de ser na historia politica dos partidos da Europa!! E depois, sr. presidente, para se sustentar esta opinião era preciso sustentar igualmente que os governos se deviam levantar com a idéa da exclusão) quando aliás ha muitos annos n'esta terra é bandeira de todos a tolerancia para todas as opiniões e a conciliação dos homens publicos (apoiados).

Este facto, sr. presidente, longe de trazer macula ou deslustre para o partido da fusão, é, no meu modo de ver, uma grande prova, um documento da sua importancia. Quando assim se aceitam os factos consummados, quer dizer que esses factos têem rasão de ser na historia politica, que esses factos têem força propria na vida dos partidos, que a fusão se alarga e radica a sua influencia, aproveitando o concurso de talentos brilhantes.

Sr. presidente, permitta-me v. ex.ª e a camara que declare que a minha permanencia n'este logar significa para mim que a fusão continua. Conhecem todos a fraqueza da minha intelligencia e a humildade dos meus recursos; mas espero que se fará tambem justiça á força da minha vontade, aos impulsos do meu coração, que não tem outra ambição senão a de bem servir o paiz. Não esqueço a minha procedencia politica e honro-me d'ella; e se porventura a falta de lealdade de alguem fizesse com que o facto se annullasse, nenhuma hesitação me prenderia aqui, e iria immediatamente associar-me aos meus antigos e leaes camaradas (apoiados. — Vozes: — Muito bem).

Conservo-me no meu posto, sr. presidente, porque tenho a certeza da lealdade de todos, e tenho de mais a convicção de que a resurreição de qualquer partido n'este momento seria uma grave calamidade para o paiz. (O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.)

Ditas estas poucas palavras que julgo tinha necessidade de dizer na minha posição particular, aproveito uma idéa que aqui se apresentou a respeito da reacção para assegurar a v. ex.ª e á camara, que o pensamento dos homens que se sentam n'estas cadeiras não póde ser outro senão o pensamento liberal. O pensamento do governo é manter rigorosamente a lei, sustentar as prerogativas da corôa sem hostilisar, sem perseguir nenhum grande elemento social, e muito menos o elemento religioso, indispensavel a todas as sociedades. O governo não consente a invasão do poder temporal, parta d'onde partir (apoiados).

Eu não sei, sr. presidente, para que o meu illustre amigo, o sr. Santos e Silva, havia de fallar a proposito da reacção no casamento civil!... Talvez s. ex.ª quizesse dizer que — as doutrinas do governo sobre este ponto fossem reaccionarias ou antes influenciadas pelo espirito de reacção!!

Eu sei que será talvez inopportuno discutir agora este assumpto; mas permitta-me v. ex.ª que, na minha posição de ministro, e provocado por esta fórma, diga ao illustre deputado que, no pensamento do governo a este respeito, nas bases por elle apresentadas á commissão de legislação, não ha offensa nenhuma ás liberdades publicas; e que eu peça licença ao illustre deputado para o emprazar para quando essa questão vier á téla parlamentar me demonstrar, com a sua alta intelligencia e com a sua imaginação audaciosa, aonde é que existe a quebra de algum dos grandes principios que constituem o credo do partido liberal. Espero que s. ex.ª ha de aceitar este convite.

Ditas estas palavras peço á camara que me desculpe que, no adiantado da hora, eu lhe roubasse o tempo. Mas julguei necessario dar estas explicações.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Claudio José Nunes (para um requerimento): — Requeiro que se prorogue a sessão até terminar este incidente.

Foi approvado.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos (sobre a ordem): — Como me inscrevi sobre a ordem, mando para a mesa a seguinte moção (leu).

Não sei, sr. presidente, quaes foram os intuitos politicos do discurso, que inspirou o lyrismo da minha moção, mas é certo que ha individuos, ou, para melhor dizer, temperamentos, que não podem usar da palavra, sem que o fel lhe sáia a jorros dos labios.

Eu tinha muito singelamente, omito francamente, muito sinceramente dito á camara, em breves palavras, os motivos que tinham actuado na minha consciencia de homem

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publico, determinando-me a aceitar e a apoiar um ministerio, constituido por tal fórma, que eu via nas cadeiras do poder, como vejo ainda, a possibilidade de poderem traduzir-se em factos as idéas que constituem o credo do partido progressista.

Tinha-me reservado este direito, porque entendo que, na vida politica quando ha a sinceridade das convicções, quando ha a firmeza das crenças, quando ha a nobreza dos intuitos, é dado a todo o homem publico, sem licença, sem permissão de ninguem, expor francamente a sua opinião e escolher o rumo que deve seguir.

O sr. Luciano de Castro: — Nem v. ex.ª me passou pelo pensamento na occasião em que fallei.

O Orador: — Eu estou fallando para a mesa. Por exemplo: eu entendo que posso apoiar o sr. Fontes, porque na celebre reunião da secretaria da guerra, em que fui partidario de uma fusão do partido historico com o sr. Fontes e com os seus amigos, não levantei a minha voz para dizer que mediava entre mim e s. ex.ª uma muralha da China, e que não podia apoiar a fusão, porque estava ha muito habituado a chamar reaccionarios a s. ex.ª e aos seus correligionarios politicos.

O sr. Luciano de Castro: — Peço a palavra para explicações.

O Orador: — Eu tambem a tenho depois.

Posso apoiar o sr. Fontes, porque, tendo-o guerreado durante uns poucos de annos (eu já sou velho no parlamento), nunca da minha bôca saíram palavras, que estabelecessem um obstaculo para a honra, para a honra, sr. presidente, que me prézo de ter acima de tudo; posso apoiar o sr. Fontes, porque nunca disse a s. ex.ª, em um accesso de energumeno, que um de nós havia de saír d'esta casa deshonrado; posso apoiar s. ex.ª, porque tendo combatido em diversas occasiões as suas medidas e o seu modo de viver politico, nunca estabeleci uma barreira entre a minha, honra e a sua, nunca proferi uma d'estas injurias sanguinolentas que no campo do pundonor só com o sangue se lavam.

Se eu tivesse de pedir licença a alguem para apoiar o gabinete, havia de recorrer a outras auctoridades. Creei-me, nasci, eduquei-me na convivencia de homens cuja probidade, cuja vida de martyrios, de privações, de acquiescencias serias e de serviços relevantes á liberdade constituem não só o seu elogio, mas a honra e a gloria da patria.

Se eu tivesse de pedir licença a alguem para apoiar o gabinete, havia de ir pedi-la ás cinzas dos Passos Manueis e dos Josés Estevãos, ás cinzas d'esses varões, que glorificaram o grande e nobre partido progressista.

O sr. deputado no meio do seu discurso appellou para a tolerancia.

É facil prégar certas doutrinas, mas é melhor evangelisa-las com o exemplo (apoiados), é melhor evangelisa-las com o exemplo, repito.

Antigos historicos! diz o illustre deputado. N'essa escola me filiei como homem publico, ahi vivi sempre, e quando lá estava, e quando esse partido vivia, havia muita gente que estava em outro campo. Ha muito quem possa dizer: eu sou antigo historico, eu sou antigo regenerador, eu sou antigo tudo; para mim reservo-me o direito de dizer, eu sou antigo liberal, e hei de morrer liberal.

Tenho dito.

O sr. Pequito: — Cumprindo o que dispõe o regimento, vou ler e mandar para a mesa a minha moção de ordem, a fim de que a camara lhe dê opportunamente a consideração que lhe merecer.

Diz assim (leu). Sr. presidente, a camara e v. ex.ª admiram-se por certo de que eu, um dos membros mais obscuros d'esta respeitavel assembléa, use da palavra em uma occasião tão solemne como esta, quando os espiritos se acham sobresaltados e inquietos pela consideração do que hontem se passou, e do que póde sobrevir ámanhã.

Mas a situação, em que viemos caír pela rapida successão dos ultimos acontecimentos, tanto internos como externos, parece-me tão grave, que eu proprio, homem sem importancia nem significação politica, julgo dever tambem levantar a minha desauctorisada voz n'este recinto. Tenho sido, sou, e espero continuar a ser partidario da fusão. E fui-o, quando ella ainda não existia, como v. ex.ª muito bem sabe. Quando em abril do anno passado o nobre marquez de Sá, caracter illustre a quem tenho respeitado sempre, convidou, a instancias do sr. conde de Avila, os deputados que então estavam em Lisboa, para uma reunião no ministerio da guerra, e ali o mesmo sr. conde, indicando a fusão como o meio mais efficaz, segundo o seu modo de ver, de conjurar as difficuldades que achou gravissimas, e com as quaes estavamos a braços, pediu aos deputados presentes o seu parecer ácerca d'aquelle alvitre, pronunciei-me eu de modo decisivo a favor d'elle, fazendo o mesmo alguns dos meus collegas, e opinando outros em sentido contrario. E já que o illustre deputado o sr. Carlos Bento, no espirituoso discurso que acabou de pronunciar, disse que esta idéa de fusão é antiga, e que já outros a têem tido, permitta-me s. ex.ª que eu lhe lembre, sem o minimo proposito de censura, que se tal idéa se manifestou n'aquella occasião, logo pouco depois se organisou um ministerio, que não foi senão a negação d'essa idéa, e que na sua curta e angustiada existencia, lhe fez sempre toda a guerra que pôde.

Realisada essa idéa, saudei-a com prazer, e um dos maiores desgostos da minha vida politica foi o ver que dois dos mais nobres caracteres, e das mais elevadas intelligencias de um dos partidos fundidos se, pronunciavam contra a fusão e se afastavam d'ella; e senti-o tanto mais quanto é sincera a amisade e profunda a estima e consideração que tenho por tão distinctos cavalheiros.

N'estas circumstancias, sr. presidente, confesso com sinceridade que a ascensão de ss. ex.ªs ao poder, ascensão que n'outra conjunctura seria um facto extremamente natural, não pôde deixar de me fazer uma certa estranheza, e direi ainda mais, de produzir em mim umas certas apprehensões com respeito á resurreição no poder de um partido que fez muitas cousas boas e grandes, mas com a restauração do qual, se ella é possivel, me não parece vir, no estado actual, bem algum para a nação.

E esta estranheza e apprehensões foram tanto maiores quanto que, entre os antigos fusionistas (e por todas as rasões julgo desnecessario declarar que me não incluo n'esse numero para o caso presente) alguns ha que, pela sua elevada capacidade e intelligencia, pelos serviços feitos á fusão, pelo que por ella padeceram, pareciam mais naturalmente indicados para entrarem na recomposição de um ministerio em que os principios que a ella presidiram, continuassem a servir de norma e regra politica. E não me parece, salvo o devido respeito, que tenham rasão os illustres ministros quando dizem que não devemos fazer caso do passado, que a fusão não é um circulo de ferro, que fechado uma vez se não possa mais abrir nem alargar-se, que o povo só precisa e quer todos os melhoramentos necessarios nos differentes ramos da administração publica.

Sr. presidente, por mais que se diga, quando se tratar de conhecer os homens publicos, ha de recorrer-se á sua historia, ha de examinar-se o seu passado, porque e esse o meio mais seguro de conjecturar o que hão de ser no porvir. E não é só para isto que serve o passado; serve tambem e muito contra o que me pareceu ouvir dizer para edificar sobre elle, porque é nas suas gloriosas memorias e tradições que as constituições humanas lançam mais profundas raizes, prosperam melhor e produzem mais uteis e abundantes fructos.

A fusão não é, e Deus nos livre que fosse, um circulo de ferro, como muito bem disse o meu illustre amigo o sr. ministro do reino; mas a fusão tem os seus principios, tem os seus dogmas e não póde abrir o circulo que a encerra senão para entrarem aquelles que os professarem, sem que por isso deixe de ser, como deve, benevola e tolerante para com todos. A santa e divina religião que professâmos, e que nos manda ter caridade e tolerancia para com os nossos similhantes, tambem não é nenhum circulo de ferro, muito embora alguem lh'o tenha querido chamar injustamente; é todavia não admitte em seu seio senão os que fazem primeiramente profissão dos seus dogmas e doutrinas.

Foram pois estas considerações que naturalmente produziram no meu espirito, como supponho que aconteceu no de quasi todos os outros, aquella estranheza e apprehensões de que fallei. E não se diga que, no estado em que geralmente, na epocha actual, se consideram os partidos, não é necessario para a boa governação do estado, que se attenda á politica na organisação dos gabinetes, porque se não se attender ás inclinações d'ella, o resultado será, como por mais de uma vez a experiencia tem mostrado, levantarem-se no parlamento lutas estereis, em que os ministros terão de ver consumir-se inutilmente todos os esforços da sua intelligencia e energia, por maiores que sejam, e que hão de trazer em certo espaço de tempo serias complicações, para resolver as quaes será mister ou a quéda dos gabinetes ou a dissolução das camaras, acontecimentos sempre graves, que é muito prudente evitar quanto seja possivel.

É por isso que o dito tão sabido: «Dae-me boa politica, dar-vos-hei boas finanças», é de uma grande exactidão, parecendo-me poder affirmar-se sem perigo de errar, que a boa politica é não só um meio muito efficaz para ter boas finanças, mas até para se conseguirem, sem grandes abalos e perdas de forças, as reformas mais importantes e vantajosas em todos os ramos da administração. E eu tenho esperanças de que as havemos de alcançar depois das declarações positivas e francas feitas pelos srs. ministros recentemente elevados ao poder, de que a sua politica, a politica do gabinete, ha de ser a da fusão, porque sendo assim, como não posso deixar de acreditar que ha de ser, pois tenho plena confiança na probidade e lealdade de ss. ex.ªs, a missão ardua e espinhosa que têem a desempenhar, ser-lhe-ha menos difficil e não se tornará superior aos seus elevados talentos, que, com a maior satisfação, eu sou o primeiro a reconhecer.

N'este presupposto, tenho a firme esperança de que poderei dar o meu humilde, mas sincero e cordial apoio aos srs. ministros, reservando-me sempre, o que até era inutil declarar, o direito de apreciar certas questões por modo diverso d'aquelle por que ss. ex.ªs as apreciam, e de me decidir, quanto a ellas, em harmonia com as minhas apreciações.

Peço no entretanto licença para lembrar-lhes, posto que me persuada que ss. ex.ªs estão igualmente possuidos d'esta idéa, que a sua conservação no poder está necessariamente ligada aos melhoramentos e reformas, de que tanto carecemos, e que, para facilitar a sua realisação, não precisam despertar a opinião publica, porque bem aberta está ella, e os ajudará com a melhor vontade em todos os commettimentos grandes e uteis, que demandem a nossa situação difficil e perigosa.

Terminando aqui as minhas singelas observações, cumpre-me, com relação á proposta que apresentei, observar, sómente para a justificar, que, depois das francas e categoricas explicações dadas pelos srs. ministros, parece-me inutil gastar mais tempo com este incidente; e por isso, julgando interpretar bem a vontade do governo, redigi, com o fim de por termo ao mesmo incidente, a mencionada proposta, que ella considerará do modo como tiver por mais conveniente.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte:

PROPOSTA

A camara, julgando dever pôr termo a este incidente, passa á ordem do dia. = Antonio Pequito.

Foi admittida.

O sr. Presidente: — Ha sobre a mesa duas propostas, que ainda não foram admittidas; uma é do sr. Sant'Anna e Vasconcellos, e a outra é do sr. Thomás Ribeiro.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se consente que eu retire a minha proposta,

O sr. Presidente: — Póde retira-la, porque ainda não foi admittida.

O sr. Pereira de Carvalho e Abreu: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga esta materia sufficientemente discutida, ficando salva a palavra para explicações aos srs. deputados que a tiverem pedido.

O sr. Silveira da Mota: — Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de ler os nomes dos deputados inscriptos sobre a ordem, e que ainda não fallaram.

O sr. Presidente: — Tinham ainda a palavra sobre a ordem os srs. Silveira da Mota, José de Moraes, Santos o Silva e Fernando de Mello.

Julgou-se a materia discutida.

A proposta do sr. Mendes Leal foi approvada por 57 votos contra 19, ficando todas as outras prejudicadas.

O sr. Presidente: — Ha alguns srs. deputados inscriptos para explicações; estas devem ter logar em prorogação de sessão; esta sessão está prorogada; portanto tem a palavra para explicações o sr. Santos e Silva.

O sr. Santos e Silva: — Eu pedi a palavra para explicações a proposito de algumas phrases soltas pelo illustre deputado, o sr. José Luciano de Castro, no discurso brilhante, logico e coherente, que acabâmos de lhe ouvir. Estou intimamente convencido de que algumas palavras que s. ex.ª pronunciou depois de eu ter pedido a palavra para discorrer sobre a sinceridade da fusão, não tiveram o intuito, de me offender (repetidos apoiados do sr. Luciano de Castro e outros srs. deputados). Se me tivesse offendido, havia de me desaggravar (apoiados). Estando pois n'aquella convicção, não posso nem devo pronunciar uma phrase que seja considerada como violenta, menos regular ou desagradavel, não só para o illustre deputado, mas tambem para a camara, a quem tenho obrigação de respeitar.

Quando eu interrompi o sr. deputado a respeito da sinceridade da fusão, não me propuz entrar na consciencia de ninguem, nem censurar as resoluções ultimas d'aquelles que até aqui se pronunciaram sempre contra a fusão. Avaliava unicamente os factos pelo que se tem dado e pelo que todos temos, ha dois dias, presenciado n'esta casa. Desde que hontem eu ouvi a voz auctorisada e convicta do sr. Coelho do Amaral suspeitar da existencia da fusão, ou pelo menos dos intuitos do governo a respeito do programma, manifesto ou tendencias d'aquelle partido, suppuz que poderia, sem licença de ninguem, dar-me por competente, como homem publico e deputado que sou, para emittir uma tal ou qual opinião e avaliar os factos exteriores, publicos e politicos que se dão no meu paiz. Póde o meu modo de ver não ser o melhor, mas não dou o direito a ninguem de me chamar incompetente (apoiados).

Portanto, n'esta parte, creio que o illustre deputado, quando me achou incompetente, foi por certo isso por descuidos de expressão, d'estes que são communs no calor das discussões, e sem a reserva mental de pretender roubar-me os fóros de homem publico, para poder avaliar os actos externos que passam entre nós (apoiados do sr. Luciano de Castro). Estas demonstrações do illustre deputado e da camara inhibem-me de passar, n'este ponto, mais adiante. Confesso que, quando hoje me propuz a fallar, estava debaixo de uma má impressão. Mas é do meu dever não acrescentar sobre isto nem mais uma palavra (muitos apoiados).

Emquanto ao que succedeu ha um anno, na secretaria da guerra, se fosse preciso, eu não teria duvida de dar o meu testemunho para confirmar o que affirmou o meu amigo, o sr. Sant'Anna e Vasconcellos. E a este respeito seja-me licito dizer que, se entre mim e o sr. Sant'Anna póde haver divergencias no modo de apreciar certos homens e certos pontos de politica no nosso paiz, estou intimamente convencido que nos encontraremos ambos no mesmo campo, quando se tratar de principios fundamentaes da escola verdadeira e eminentemente liberal (apoiados do sr. Santa Anna e Vasconcellos).

Não posso acompanhar s. ex.ª na confiança que (deposita no actual ministerio. Não posso dar por ora a este governo apoio algum politico. Oppõem-se a isso os meus precedentes, as minhas antigas crenças, e até os precedentes dos srs. ministros.

Continuando com o que se passou, na secretaria da guerra, direi, que eu não fui ali fusionista, nem pedi, nem preconisei a fusão (apoiados). Appello para o testemunho de todos os meus collegas, que lá estiveram (apoiados). Sempre fui, e ainda sou adversario de fusões (apoiados). O que eu lá disse, e aqui confirmo, é que o partido progressista não devia fechar as suas portas a quem quizesse entrar no seu seio. Admitto paz e concordia com todos, mas quero e hei de sempre pugnar por isto, que o honrado e velho partido progressista, cujas bandeiras defendo, ha mais de vinte annos, fique sempre, em todas as transacções desassombrado, e no exercicio pleno da sua autonomia. Quero adhesões, não quero fusões (apoiados). Quem quizer vir para o partido progressista, póde vir sem licença, sem exames, sem vexames e sem fiscalisação. Foi esta a doutrina que sustentei na secretaria da guerra. Ainda hoje sou da mesma opinião. Alguns dos meus collegas e amigos foram mais latitudinarios do que eu; outros foram talvez mais restrictos. Eu é que fui aquillo que ainda hoje sou (apoiados).

Não acredito em fusões, não quero fusões. Emquanto entender que os partidos podem existir sobre si, desadoro similhantes transacções (apoiados). Quero a resurreição, a

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reorganisação, a reconstrucção dos partidos, accommodados á nossa epocha, á nossa actual civilisação, á nossa tolerancia politica, á indole e doçura dos nossos costumes, e aos adiantamentos, que temos conquistado, no caminho da civilisação. Quero a honradez e a moralidade do velho partido historico (apoiados), com as idéas e principios de 1866 (apoiados),

E a proposito disto, peço ao illustre ministro da fazenda, que sinto não ver agora presente, tenha a bondade de não alterar o sentido das minhas palavras. Eu não pedi aqui o tambor do arsenal, nem as lutas anarchicas e sanguinolentas de 1838. Quero partidos constitucionaes, legal e parlamentarmente organisados. Quero partidos para hoje, e não partidos com as paixões e violencias de hontem. Estas são as minhas idéas; e repito os meus pedidos ao nobre ministro da fazenda, para que, se tiver a bondade de me responder segunda vez, não desfigure as minhas palavras, suppondo-me, ou querendo fazer-me passar por advogado de um liberalismo absurdo e impossivel, e fanatico pela resurreição dos partidos politicos com todos os seus odios, antipathias e incompatibilidades pessoaes.

A familia constitucional é grande; já esteve dividida em dois partidos, um mais liberal, outro menos; um conservador, querendo a carta, nada menos e nada mais; o outro pelejando no campo, e derramando o sangue por mais largos principios e mais democraticas instituições.

Ahi está o acto addicional, que não é senão uma satisfação incompleta dada a esse grande partido, que ha muito tempo trabalhava, sem cessar, pela maior amplitude das liberdades publicas (apoiados). Ainda ha hoje muita cousa a conquistar (apoiados).

Um dos illustres oradores que acaba de me preceder na tribuna olhou para o ministerio como quem olha, e lhe dá as honras de uma dama. Um outro distincto orador descobriu-lhe a constituição viril. Já conhecemos pois o sexo e a constituição do governo. Falta saber qual é o seu estado: o ministerio será casado? (Rumor.)

Eu sei guardar as conveniencias, e fallo só no sentido politico.

Não é indifferente para o paiz que o ministerio seja ou não casado.

O bem casado estima sempre os seus filhos; respeita sua mulher; trata das cousas domesticas como tem obrigação de tratar; e olha para todos os negocios com aquella prudencia com que olha o homem que tem sobre os hombros grandes e pesadas responsabilidades.

Já vê pois v. ex.ª a rasão por que tive agora o devaneio de conhecer o estado do ministerio, depois de me terem descoberto o seu sexo e constituição.

Sinto não ver agora presente, nos seus logares, nenhum dos srs. ministros, porque, como naturalmente este incidente termina hoje, eu ficarei ignorando eternamente esta circumstancia que julgo de maximo alcance para as cousas publicas.

Quanto a certas allusões que fizeram dois dos meus nobres collegas, nada direi. Ignoro os factos. Não sei como se passaram. Muitos d'elles dizem antes respeito a bulhas de familia: accommodem-se lá como podérem. Ha porém uma allusão, d'onde transparece um acontecimento, que, a dar-se, não póde deixar de me impressionar. Aconteça o que acontecer, figurem nas questões as pessoas que figurarem, eu estarei sempre pelo lado dos que zelam os principios do systema representativo, e as prerogativas parlamentares, que ha muitos annos têem sido completamente desconhecidas (apoiados).

Tenho dito.

O sr. Braamcamp: — Sinto ter de occupar, por alguns momentos, a attenção da camara, estando ella já cansada de uma longa discussão, mas todos os meus illustres collegas conhecem de certo que na minha posição especial não posso deixar de dar algumas explicações, e muito mais depois das palavras proferidas pelo nosso sympathico collega o sr. Thomás Ribeiro.

Não venho aqui discutir primazias a respeito do pensamento da fusão. Não quero prolongar o debate, mas pela minha parte folgo de ter contribuido para a sua realisação. Quando se approximaram as duas grandes fracções do antigo partido progressista, pondo de parte as antigas e talvez mal cabidas differenças, procurando reunir-se e formar uma organisação forte que podesse dar ao paiz os melhoramentos e o progresso de que elle tanto carece, uni-me a esse grande pensamento, aceitei-o com fervor e tenho-o seguido com a maior dedicação (muitos apoiados).

Entendi que era um beneficio para o paiz. Não foram odios, não foram despeitos, não foi nenhuma idéa de ambição que me levou a proceder assim (muitos apoiados), mas sim a convicção intima, que ainda hoje tenho, que só da união das parcialidades progressistas é que podem saír os grandes commettimentos, as largas reformas que devem engrandecer e prosperar o paiz (apoiados).

Realisada a fusão tanto no parlamento como fóra d'elle, em todas as circumstancias, sem quebra dos meus principios, procurei prestar-lhe todo o auxilio que cabia nas minhas forças, empenhando-me em remover difficuldades e em realisar lealmente o programma com que se tinham ligado os partidos.

A minha linha de conducta estava pois determinada logo que me constou que o honrado e digno presidente do conselho de ministros queria demittir de si aquelle honroso encargo, e que se tratava de negociações com o sr. duque de Loulé, entendi que era do meu dever procurar algum dos meus amigos politicos, de um e outro lado da camara, e, depois de os ouvir, animado, instado por elles, fui ter com o sr. duque de Loulé, a fim de insistir com s. ex.ª em nome, não só d'aquelles que sempre o acompanharam, mas no de ambas as parcialidades do partido progressista, para que se não recusasse a entrar para o governo. Eu não tinha conhecimento algum, nem podia ter, das negociações pendentes; portanto não me cumpria insistir com s. ex.ª em nome dos seus amigos, e manifestar-lhe a adhesão sincera e dedicada com que seria recebida, por todos nós, a sua entrada na administração. S. ex.ª não pôde annuir aos nossos desejos, e estou intimamente convencido de que não podiam deixar de ser muito fortes, ponderosas e dignas, as rasões que actuaram no nobre animo do sr. duque.

Não se infira de maneira nenhuma do que eu digo, que quero nem levemente suspeitar de qualquer pessoa. Lamento o facto. Muitas vezes negociações taes, ainda que haja firme desejo de parto a parte, podem ficar mallogradas por circumstancias estranhas.

Passados poucos dias procurou-me o sr. duque de Loulé na minha casa, e quando eu esperava que s. ex.ª viesse prevenir-me de que estavam removidas todas as difficuldades á sua entrada na administração, fiquei tristemente surprehendido quando s. ex.ª sómente vinha por parte de alguns do ministerio apresentar-me uma outra combinação ministerial, e saber se eu aceitaria o logar que me fôra destinado d'aquella organisação.

Na convicção intima em que estava de que o nome do duque de Loulé pelos seus antecedentes, pela sua posição, pelos seus serviços á liberdade e tambem pela sua provada adhesão ao programma da fusão, era o nome que melhor poderia chamar em torno de si os homens mais importantes dos diversos grupos e formar uma nova organisação que fosse geralmente aceita, e que tivesse força para vencer as serias difficuldades que nos ameaçam, hesitei, e não podia deixar de hesitar, em aceitar qualquer outra combinação. Insisti novamente com o sr. duque; cumprindo-me tão sómente declarar se aceitava ou não o logar que me era proposto, julguei dever dizer que me parecia que tal combinação não satisfazia nem as exigencias difficeis da actualidade, nem mesmo ás aspirações de todo o partido progressista (apoiados).

N'esse ponto é evidente que não faço, nem posso fazer injuria aos illustrados cavalheiros que me aceitavam para collega; alguns d'elles estão no ministerio e folgarei de os poder apoiar, a outros já apoiei, e a todos tenho dado provas de que sei respeita-los, ainda quando pugnâmos em campos diversos. Portanto, se me recusei, não foi de certo por alguma rasão de principios e de conveniencia publica.

Estou intimamente convencido de que a combinação que me era proposta não podia satisfazer as necessidades da nossa situação actual, e tenho a satisfação de que os cavalheiros a quem participei a resolução que tinha tomado julgaram dever approva-la, assim como estou persuadido de que aquelles que me querem fazer cargo de não ter aceitado parte na organisação ministerial, talvez fossem os primeiros a accusar-me, se acaso eu annuisse á combinação que me era proposta.

Já tenho dado bastantes provas de que desejo mais que tudo servir o meu paiz.

Eu podia levar a abnegação a sacrificar a minha tranquillidade, a saude, as conveniencias pessoaes, mas o que não podia por fórma alguma era aceitar uma incumbencia que eu reputasse que não estava de accordo com os interesses do partido a que tenho a honra de pertencer.

Tambem devo acrescentar que logo que não fosse chamado o illustre cavalheiro que melhor consubstanciava as aspirações do nosso partido, e representava a antiga parcialidade historica, não faltavam desta altas capacidades, intelligencias mais robustas que a minha, e que haviam de occupar com mais proveito para o paiz, com maior brilho para o gabinete, o logar que me destinavam.

Julguei portanto que da minha recusa não podia resultar prejuizo algum, nem obstar a uma solução satisfactoria das difficuldades do momento.

Formou-se esta administração, e devo dizer francamente, foram graves as apprehensões com que foi recebida a noticia da sua formação; felizmente as palavras nobres e dignas do illustre presidente do conselho, as declarações explicitas dos novos ministros abrandaram em parte essas apprehensões, e tenho sincera confiança de que os factos as hão de desvanecer completamente. Altas intelligencias como são ss. ex.ªs, homens provados nas lides politicas, caracteres tão conhecidos, não podem deixar de acatar e de executar lealmente o programma que adoptaram, não podem deixar de comprehender e de realisar a missão de paz, de harmonia e de união entre as parcialidades progressistas, missão espinhosa e difficil, mas que não está acima das suas elevadas forças.

Para mim bastaria esta rasão, mas digo mais, a fusão não acaba, a fusão não póde acabar (muitos apoiados), ella é tão necessaria, tão util", e tão indispensavel para os cavalheiros que estão de novo sentados d'aquellas cadeiras (as do ministerio), como para os que temos militado desde o principio debaixo d'esta honrosa bandeira. Estes cavalheiros não vem só com o intuito de occuparem por algum tempo as cadeiras ministeriaes; ss. ex.ªs são para mais, e de certo que se elles ahi estão é com o desejo de realisarem os melhoramentos e o vasto plano de reformas que ainda hontem ouvimos desenvolver. Mas tal empreza não podem os illustres ministros por fórma alguma leva-la a effeito sem a união, sem o apoio sincero e desinteressado de todas as forças vivas do partido progressista; só assim é que é possivel realisar as reformas, exigir os sacrificios, e dar ao paiz o progresso de que elle tanto carece (apoiados).

Não quero tomar mais tempo á camara e resumindo direi, que a questão não é de pessoas, a questão não deve ser de mais alguma ou de menos alguma individualidade, de uma ou de outra parcialidade politica nas cadeiras ministeriaes, a verdadeira representação da fusão são os principios, são as tendencias do governo; logo que os actuaes

ministros respeitem esses principios, como creio que hão de respeitar, logo que as suas tendencias forem verdadeiramente liberaes, progressistas e em proveito do paiz, persuado-me que lhe devo dar a minha adhesão e apoio, e tendo confiança de que os actos de ss. ex.ªs hão de corresponder completamente ás palavras serias e graves que hontem ouvimos desta camara. Portanto espero poder sempre apoia-los, sabendo ss. ex.ªs, nem eu preciso dize-lo, que em questões de principios não posso deixar de conservar reservada, como sempre, inteira e completa liberdade da minha consciencia, que não sujeito a ninguem nem aos meus, nem a partido algum (apoiados. — Vozes: — Muito bem, muito bem.)

Tenho dito.

O sr. Ayres de Gouveia: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Luciano de Castro: — Não quero entrar em questões pessoaes. Essas não são para o parlamento. O sr. Sant'Anna e Vasconcellos é bastante brioso e cavalheiro para comprehender que não é este o logar proprio para o desaggravo de qualquer offensa ou injuria, se porventura a houvesse.

Pondo pois de parte quaesquer questões pessoaes, só me resta responder ás apreciações politicas que o illustre deputado fez de alguns actos da minha vida publica, que eu não pretendo furtar á discussão, antes folgo de que sejam amplamente discutidos.

Disse o illustre deputado que eu dirigíra ao sr. Fontes injurias sanguinolentas, d'estas que só se lavam com sangue.

Se d'estas palavras do illustre deputado ha offensa a alguem, é ao sr. Fontes, porque se eu lhe dirigi injurias taes e se elle se não desforçou, procurando lava-las com sangue, de certo que não sou eu o offendido pelo que disse o illustre deputado.

Mas não é assim. Os factos a que se alludiu passaram-se de modo que não envergonham ninguem. Quando se celebrou o pacto da fusão, eu e muitos outros membros das duas parcialidades historica e regeneradora, concorremos a uma reunião em casa do digno par do reino, o sr. Miguel do Canto, e n'essa occasião levantei-me eu, e disse que era o unico que estava d'aquella casa collocado duma falsa posição, por não poder entrar d'aquella grande convenção sem dar e ouvir explicações leaes. Provoquei e dei explicações categoricas ao sr. Fontes, que teve a delicadeza de me retribuir com o cavalheirismo que todos lhe reconhecem; e só depois das explicações é que nos approximámos politicamente, associando-nos ambos ao pensamento da fusão.

No que tinha dito não podia haver injuria alguma ao caracter do sr. Fontes, como nas palavras que ha pouco pronunciei não houve nem podia haver referencia ao sr. Sant'Anna. Nas phrases que pronunciei podia haver alguma exageração, mas o que posso asseverar á camara, a v. ex.ª e ao nobre deputado, debaixo da minha palavra de honra, é que não tive a menor idéa nem o mais remoto pensamento de alludir a qualquer pessoa. E peço ao illustre deputado que não tire das minhas palavras inferencias a que ellas não dão logar.

Ha outro facto que carece de explicação. Houve uma reunião na secretaria da guerra promovida pelos srs. marquez de Sá e conde d'Avila, em que fôra proposta a fusão com a opposição d'esse tempo. Ahi combati a fusão, porque entendi que ella não, podia ser realisada senão na opposição e não no poder. É verdade que eu disse ali que estava habituado a chamar reaccionaria á opposição, mas d'ahi tirava argumento, para mostrar que era necessario um facto que justificasse a transição, e que esse facto não podia ser senão a fusão celebrada fóra do poder e nas lides da opposição.

E tanto isto assim foi que, quando o sr. marquez de Sá, se apresentou aqui, eu fui o primeiro que levantei a questão politica, e declarei que se tinha combatido a fusão na reunião na secretaria da guerra, fôra porque entendia que as fusões só se deviam fazer na opposição e não no poder, e conclui dizendo que não havia entre mim e os srs. da opposição nenhuma incompatibilidade politica para se effectuar a fusão, que mais tarde se verificou. Por conseguinte não houve nenhuma contradicção entre as palavras, que então pronunciei, e o meu ulterior procedimento. Esta é a verdade, é parece-me que sem vaidade posso ainda chamar-me coherente.

Eu não quero offender ninguem; quero unicamente defender-me. Posso assegurar á camara que a minha intenção não foi de provocar nem aggredir nenhum membro d'esta camara; as minhas palavras pareceriam talvez exageradas. Eu não costumo estudar os meus discursos. Digo sem pretensões o que me occorre. Deixo-me por vezes entrar demasiadamente do assumpto. É possivel que a palavra traia algumas vezes o pensamento, mas o que posso afiançar a v. ex.ª e á camara, é que as intenções não são de modo algum hostis a ninguem.

De certo o illustre deputado estava prevenido contra mim. De outro modo não podia ver nas minhas palavras allusões pessoaes.

O sr. Santos e Silva tambem me achou um pouco incoherente; a isto já eu respondi. Já alludi ao facto passado na secretaria da guerra, e já o expliquei. Só direi, que é verdade que o sr. Santos e Silva d'aquella reunião se pronunciou em favor da fusão, com a bandeira do partido progressista por cima; mas votava pela fusão. Eu votei logo contra pela fórma por que então se propunha. Tenho concluido.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para a sessão de segunda feira é a mesma que já está dada.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

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