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SESSÃO DE 22 DE JULHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalhho

Secretarios os exmos. Srs.

Francisco José de Medeiros
Francisco José Machado

SUMMARIO

Dá-se conhecimento de tres officios, sendo um do ministerio da fazenda, outro do da guerra e outro da mesa da misericordia do Porto. - O sr. presidente communica ter recebido tres representações, sendo uma da mesa da misericordia do Porto, outra dos manipuladores e outra dos revendedores de tabaco em Lisboa. - Os srs. Valle, D. José de Saldanha e Antonio Maria de Carvalho apresentam representações, o primeiro dos escrivães dos juizos ordinarios de Lisboa, o segundo de algumas companhias mineiras e o terceiro da camara municipal da Batalha. - Requerimento de interesse particular apresentado pelo sr. presidente. - Justificações de faltas dos srs. Avellar Machado, Oliveira Valle e Consiglieri Pedroso. - O sr. Antonio Villaça manda para a mesa um parecer da commissão de fazenda. - Procedo-se á eleição de dois vogaes para a juntado credito publico. - A requerimento do Br. Pinheiro Chagas resolve-se que sejam publicados no Diario do governo uns documentos mandados para a mesa pelo mesmo sr. deputado. - Manda para a mesa um projecto de lei o sr. Guimarães Pedrosa, e uma proposta para renovação de iniciativa o sr. Antonio Maria de Carvalho.»

Na ordem do dia, primeira parte, entra em discussão o projecto de lei n.° 179, que estabelece novas tarifas de soldos para os officiaes do exercito. - Apresenta um dditamento o sr. Serpa Pinto. Responde-lhe o sr. Abreu e Sousa, relator. - Lida na mesa uma participação do fallecimento do sr. Thomás Bastos, o sr. presidente propõe, e a camara approva, que se lance na acta um voto de sentimento. - Os srs. Alves Matheus, ministro da justiça, ministro da guerra, Avellar Machado e Francisco Machado, fazem q elogio, do deputado fallecido e manifestam o seu sentimento por tão dolorosa perda. - O sr. presidente nomeia a deputação que ha de assistir ao funeral. - O sr. José Castello Branco apresenta uma proposta de additamento ao projecto de lei que se discute. - O sr. relator Abreu e Sousa declara que a commissão e o governo não podem acceital-a. - O sr. ministro da guerra confirma esta declaração e justifica-a. - O sr. Ruivo Godinho apreseuta tres additamentos e uma substituição, acompanhando-a de algumas considerações. - Toma parte no debate o sr. Avellar Machado, a quem responde o sr. ministro da guerra. - O sr. João Pinto explica o motivo por que assignou a proposta do substituição apresentada pelo sr. Ruivo Godinho. - Declaração do sr. Sousa Machado, em nome dos srs. deputados do ultramar. Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - Approva-se a generalidade do projecto de lei n.° 179, tendo sido rejeitado um requerimento do sr. Pereira Carrilho para que a votação fosse nominal. - A requerimento do sr. relator Abreu e Sousa resolve-se que na especialidade se discutam conjunctamente todos os artigos do projecto. - Usa da palavra o sr. Dantas Baracho para declarar que se associa ás considerações feitas por alguns srs. deputados com respeito á situação precaria dos alferes graduados e dos cirurgiões militares: - É approvado o projecto na especialidade, tendo sido rejeitados os additamentos propostos e ficando prejudicada-a substituição proposta pelo sr. Ruivo Godinho. - Manda para a mesa uma declaração de voto o sr. Pereira Carrilho.
Na segunda parte da ordem do dia continua no uso da palavra, que lhe ficara reservada da sessão anterior, o sr. Augusto Fuschini, fazendo largas considerações sobre o projecto da reforma da pauta e tratando em especial da questão das padarias. Conclue, mandando para a mesa uma proposta de additamento: - Apresenta um parecer da commissão de administração publica o sr. Barbosa de Magalhães. - É approvada a ultima redacção dos projectos do lei n.º 158 e 177. -

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada 66 srs. deputados. São os seguintes: - Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Oliveira Pacheco, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Augusto Fuschini, Augusto Ribeiro, Bernardo Machado, Emygdio Julio Navarro, Feliciano Teixeira, Matoso Santos, Francisco Beirão, Francisco de Barros, Francisco Matoso, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Guilherme de Abreu, Sá Nogueira, Cândido da Silva, Pires Villar, João Pina, Scarnichia, Franco de Castello Branco, João Arroyo, Menezes Parreira, Teixeira do Vasconcellos, Sousa Machado, Correia Leal, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Oliveira Valle, Oliveira Martins, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, Alves de Moura, Avellar Machado, Ferreira Galvão, José Castello Branco, Pereira e Matos, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Laranjo, Vasconcellos Gusmão, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Santos Reis, Abreu e Sousa, Julio Graça, Lopo Vaz, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel José Vieira, Marianno Presado, Matheus de Azevedo, Vicente Monteiro, Estrella Braga, Viscondede Silves e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Mendes da Silva; Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Antonio Candi-, do, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Mazziotti, Jalles, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Santos Crespo,, Miranda Montenegro, Victor dos Santos, Lobo d'Avila; Eduardo José Coelho, Elizeu Serpa, Goes Pinto, Madeira Pinto, Fernando Coutinho (D.), Almeida e Brito, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Gabriel Ramires, Casal Ribeiro, Cardoso Valente, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Joaquim da Veiga, Joaquim Maria Leite, Simões Ferreira, Jorge O'Neill, Barbosa Collen, Dias Ferreira, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Barbosa de Magalhães, Simões Dias, Julio Pires, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno de Carvalho, Miguel da Silveira, Miguel, Dantas, Pedro Monteiro, Sebastião Nobrega, Dantas Baracho e Tito de Carvalho.

Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Campos Valdez, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Moraes Sarmento, Fontes Ganhado, Urbano de Castro, Augusto Pimentel, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Elvino de Brito, Estevão do Oliveira, Freitas Branco, Firmino Lopes, Castro Monteiro, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Baima de Bastos, Alfredo Ribeiro, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Guilherme Pacheco, José de Napoles, Alpoim, Oliveira Matos, José Maria dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Julio de Vilhena, Mancellos Ferraz, Luiz José Dias, Manuel d'Assumpção, Manuel José Correia, Pedro Victor, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima. I

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da fazenda, acompanhando o recenseamento dos eleitores e elegiveis para os cargos da junta do credito publico; a fim de que possa realisar-se a eleição da pessoa que, por parte da camara, dos senhores deputados, ha de exercer o cargo de membro effectivo da dita junta na actual legislatura.
Á secretaria.

Do ministerio da guerra, devolvendo, informados, os re-
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querimentos dos primeiros sargentos de infanteria, Augusto Cesar Ferreira, Domingos Vaz, Francisco José Gomes, Joaquim Manuel de Almeida, José Maria Rodrigues, Julio Augusto Ferreira Pinto e Manuel dos Santos Silvestre de Castro. Á secretaria.

Da mesa da santa casa da misericordia do Porto, acompanhando uma representação contra o projecto de lei apresentado pelo sr. Alfredo Pereira, que tem por fim applicar para a misericordia de Penafiel os legados pios não cumpridos, e que o deviam ser na totalidade.
Á secretaria.

Do sr. Francisco Alves, participando o fallecimento de seu cunhado, o sr. deputado Thomás Frederico Pereira Bastos.
A commissão ficou inteirada.

REPRESENTAÇÕES

Da mesa da santa casa da misericordia do Porto, pedindo que não seja approvado o projecto de lei que concede á santa casa da misericordia de Penafiel o producto dos legados pios não cumpridos, para augmentar as suas receitas.
Apresentada pelo sr. presidente, da camara e enviada á commissão de legislação, civil, ouvida a dos negocios ecclesiasticos.

De manipuladores de tabaco em Lisboa, pedindo varias alterações na proposta de fazenda, relativa áquella industria.
Apresentada pelo sr. presidente da camara e enviada á commissão de fazenda.

De revendedores do tabaco, no sentido da antecedente.
Apresentada pelo sr. presidente da camara e enviada á commissão de fazenda.

Dos escrivães dos juizes ordinarios dos julgados de Lisboa, pedindo serem preferidos para os officios de escrivães que forem creados perante os juizes instructores em Lisboa e Porto, sem dependencia de concurso, por serem funcções analogas ás que os supplicantcs têem exercido até agora.
Apresentada pelo sr. deputado Oliveira Valle e enviada á commissão de legislação civil.

Das companhias, mineira e metallurgica do Braçal e das minas de Montalto e das parcerias, pesquizadora e industrial mineira portuense e das minas de Vallongo, fazendo reclamações sobre a proposta de lei que reforma as pautas das alfandegas.
Apresentada pelo sr. deputado D. José de Saldanha, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal do concelho da Batalha, pedindo que lhe seja relevado ter distrahido do fundo de viação a quantia de 536$461 réis, de 1878 a 1881, applicando-a a despezas com o municipio e instrucção primaria.
Apresentada pela sr. deputado Antonio Maria de Carvalho, enviada á commissão de administração publica e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De João Vieira Monteiro, primeiro cabo n.° 98 da 4.ª companhia do batalhão de caçadores n.° 1, da Africa occidental, contra a interpretação dada a amnistia geral para todos os crimes, por occasião do consorcio de Sua Alteza Real e Principe D. Carlos.
Apresentado paio sr. presidente da camara e enviado á commissão de legislação criminal.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Declaro que faltei a algumas sessões por motivo justificado. = Avellar Machado.

Declaro que, por motivo justificado, faltei ás sessões diurnas de 8 e 9, e nocturnas de 5, 8, 20 e 21 do corrente mez. = Oliveira Valle.

Declaro que tenho faltado ás sessões nocturnas por motivo justificado de incommodo de saude. = O deputado, Consiglieri Pedroso. I
Para a secretaria.

O sr. Eduardo Villaça: - Mando para a mesa, por parte da commissão de fazenda, o parecer ácerca do projecto de lei n.º 163, sobre melhoria de reforma do tenente coronel Francisco José de Brito.
A imprimir.
O sr. Presidente: - Communico á camara que recebi duas representações, uma dos vendedores, outra dos manipuladores de tabaco, em Lisboa, contra a proposta n.º 213, apresentada pelo sr. ministro da fazenda.
Estas representações vão ser enviadas á commissão respectiva.
Recebi tambem um requerimento de João Vieira Monteiro, cabo de caçadores n.º 1, da Africa occidental, representando contra a interpretação dada á amnistia geral, por occasião do consorcio de Sua Alteza Real o sr. D. Carlos.
Recebi mais, uma representação da mesa da santa casa da misericordia do Porto, contra o projecto apresentado pelo illustre deputado o sr. Alfredo Pereira, para serem concedidos á santa casa da misericordia de Penafiel os legados pios não cumpridos, em relação áquelle concelho.
O requerimento vae ser enviado á commissão de legislação criminal, e a representação á commissão de legislação civil, ouvida a dos ecclesiasticos.
Deu-se conta da ultima redacção do projecto de lei n.° 157.
O sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição de dois vogaes para a junta do credito publico. Convido os srs. deputados a formularem as suas listas.
Nomeio escrutinadores os srs. Vieira Lisboa e Espregueira.
Feita a chamada e corrido o escrutinio, verificou se terem entrado na urna 59 listas, saindo eleitos os srs.

José Joaquim Alves Chaves, effectivo .... 59 votos,
Conde de Paraty, substituto .... 59 votos

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal do concelho da Batalha, pedindo que seja renovada a iniciativa do projecto de lei apresentado em 1876, pelo sr. Lopes Vieira, relevando-a da responsabilidade em que incorrêra, por ter desviado dos fundos de viação a quantia do 336$461 réis.
Peço a publicação d'esta representação no Diario do governo.
Mando tambem para a mesa a renovação de iniciativa do projecto de lei a que se refere a representação.
Ficou para segunda leitura.
Foi auctorisaâa a publicação da representação.
O sr. Presidente: - O sr. Pinheiro Chagas mandou hontem para a mesa uns documentos que lhe foram enviados pelo ministerio dos negocios estrangeiros, e pediu para serem publicados no Diario do governo: Consulto a camara.
Foi auctorisada a publicação.

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SESSÃO DE 22 DE JULHO DE 1887 1983

O sr. Guimarães Pedrosa: - mando para a mesa um projecto de lei, approvando os contratos celebrados em 18 de dezembro de 1886 com o additamento de 2 de julho de 1887, entre a camara municipal da Figueira da Foz e Thomás Mesham Kircham e Thomás Carlos Hersey para a illuminação d'aquella cidade por meio de gaz.
Mando igualmente copias d'aquelles contratos.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Leu-se na mesa o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.º 179

Senhores. - Ás vossas commissões reunidas de guerra e de fazenda foi presente a proposta de lei n.º 104-G, destinada a melhorar as condições economicas dos officiaes do exercito e da armada pela revisão das tarifas de soldos das actividade e da reforma e pelo estabelecimento de pequenas gratificações, exclusivamente remuneradoras do serviço nas fileiras, para algumas armas e classes que hoje as não desfructam.
Desnecessario é, senhores, encarecer-vos a elevada importancia moral e material do pensamento do governo, traduzido na proposta submettida ao vosso exame.
Da sua approvação depende, não só a elevação do nivel social da classe dos officiaes, mas ainda a regularidade do accesso aos differentes postos, pelo afastamento das fileiras d'aquelles que, achando-se em condições menos acommodadas ao arduo trabalho militar, possam ir á sombra das beneficas disposições da lei gosar o premio concedido aos seus longos serviços.
As vossas commissões, approvando na generalidade a proposta do governo, julgaram, porém, de accordo com o mesmo governo, dever introduzir-lhe algumas alterações, que sem destruirem o pensamento fundamental, contribuição para melhor assegurar os justos interesses dos officiaes e as conveniencias do serviço publico.
A mais importante consiste na reducção do tempo de serviço necessario para alcançar a melhor reforma. Obedecendo ao principio de não alterar sem rasão justificada o pensamento do alvará de 16 de dezembro de 1790, pareceu ás commissões que devia ser respeitado o preceito da reforma com o soldo por inteiro aos trinta annos de serviço, melhorando-a em periodos subsequentes conforme as circumstancias peculiares de cada posto. Com effeito, a applicação da primeira parte d'esta regra, harmonica com a legislação que regula as aposentações dos empregados civis do estado, permittirá remoçar os quadros do exercito, principalmente nas armas de cavallaria e infanteria, condição muito para attender emquanto a nossa legislação militar não tiver estabelecido os limites de idade e a unidade de origem dos officiaes d'estas armas.
Tambem pareceu ás vossas commissões que haveria vantagem em alterar a percentagem adoptada em o n.°. 4.° do artigo 10.°, elevando-a a 0,60. A disposição da carta de lei de 23 de junho de 1880, que concede aos sargentos ajudantes e primeiros-sargentos com vinte e quatro annos ou mais de serviço effectivo, a reforma no posto de alferes como vencimento de 15$000 réis mensaes, levou as commissões a alterar aquella percentagem; porquanto da sua applicação resultaria o poderem ser reformados os alferes em condições menos vantajosas que os primeiros sargentos.
É certo que a reforma d'estas praças, em virtude do disposto na referida carta de lei, é como que um premio concedido a vinte annos de serviço não interrupto nas fileiras; comtudo as commissões, considerando que assim melhor ficariam resalvados os direitos da hierarquia militar, elevaram a 0,60 a percentagem do n.º 4.º e alteraram proporcionalmente as dos outros numeros do mesmo artigo.
As modificações que ficam apontadas em cousa alguma aggravam o regimen economico da proposta do governo; basta reflectir que a quasi totalidade dos generaes e coroneis poderiam desde já reformar-se ao abrigo do beneficio concedido pela excepção do § 1.º do artigo 10.º da proposta, e que a verba proveniente da dedução imposta nos soldos dos officiaes cobre o encargo correspondente.
Para fazer face, durante os primeiros cinco annos, ao onus que possa resultar do melhoramento das reformas, pareceu ás vossas commissões que seria cauteloso elevar de 0,5 por cento a deduçção estabelecida pela proposta do governo nos soldos excedentes a 30$000 réis: por este modo, e a troco de um insignificante encargo individual poderemos melhor compensar o pequeno augmento de receita que no decurso dos primeiros annos produzirá a taxa militar.
Com a suppressão dos §§ 2.º e 3.° d'este mesmo artigo, julgaram as commissões ter ainda melhorado as condições de reforma dos officiaes e do serviço. Com effeito, a clausula imposta pelo § 2.° poderia obrigar os officiaes a permanecerem nas fileiras do exercito, por algum tempo, quando absolutamente incapazes, o que, alem de violento, seria nocivo á disciplina.
A eliminação do § 3.° é um acto da mais perfeita equidade, se attendermos a que os cirurgiões da armada são reformados com a graduação do posto immediato, em virtude do preceituado na carta de lei de 23 de julho de 1885.
Em si mesmo tem cabal explicação o § 2.° addicionado ao artigo 13.º da proposta. Sendo as reformas dos officiaes empregados em ministerios estranhos ao da guerra, reguladas pelas disposições da lei militar, necessario é fixar a deduçção, a que devem ficar sujeitos os seus vencimentos, emquanto estiverem n'aquellas situações.
A inserção do artigo 15.° tem por fim salvaguardar os direitos já adquiridos por alguns officiaes, em virtude de leis especiaes não derogadas pelo presente projecto.
Por estas rasões, as vossas commissões reunidas têem a honra de submetter ao vosso illustrado exame, esperando que vos dignareis approval-o, o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º Os soldos dos officiaes combatentes, não combatentes, e empregados civis com graduação de official, serão regulados na actividade do serviço, na disponibilidade, e na inactividade temporaria por motivo de doença, pela tarifa estabelecida na tabella n.° 1, que faz parte da presente lei.
§ 1.° Os soldos d'esta tarifa serão reduzidos:
a) A 0,50, quando os que os perceberem estiverem presos era cumprimento de sentença ou com licença registada;
b) A 0,60, quando os que os perceberem estiverem soffrendo as penas disciplinares de inactividade e prisão correccional.
c) A 0,80, quando os que os perceberem estiverem na inactividade temporaria por motivo de doença, que exceda a seis mezes.
§ 2.° Perde-se o direito á totalidade, do soldo:
a) Em todo o tempo, que a licença registada exceder a seis mezes dentro, de um periodo de doze mezes consecutivos;
b) Na situação de inactividade quando esta houver sido solicitada pelo interessado.
Art. 2.° Aos officiaes combatentes das armas de cavallaria e infanteria, aos não combatentes e empregados civis com graduação de official em serviço effectivo nos corpos serão abonadas as gratificações mensaes constantes da tabella n.° 2, que faz parte da presente lei.
§. 1.° Aos tenentes coroneis, majores e officiaes de graduação inferior a este posto, pertencentes ás referidas armas no exercicio de commando de regimento ou batalhão isolado, continuarão a ser abonadas unicamente as gratificações estabelecidas na legislação actualmente em vigor.
§. 2.° Aos officiaes subalternos no commando de compa-

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nhia ou exercendo as funcções de ajudante, será abonada o a gratificação actualmente estabelecida, alem da indicada na referida, tabella.
Art. 3.° Os officiaes generaes, qualquer que seja a commissão de serviço que desempenhem; não receberão gratificação inferior á da sua patente. 1 Art. 4.° Para o effeito do abono das gratificações aos officiaes de engenheria, artilheria e do corpo do estado maior cessa a distincção entre gratificações activas e de residencia, sendo todas igualadas ás primeiras.
§ unico. As gratificações dos officiaes das referidas armas e corpo no desempenho de quaesquer serviços ou commissõcs comprehendidas nos respectivos quadros, serão reguladas pela tabella n.° 3.
Art. 5.° Continuam em vigor as gratificações arbitradas aos commandantes dos regimentos, batalhões e companhias, bem como os augmentos de vencimento actualmente fixados por diuturnidade de serviço e todas as outras gratificações auctorisadas pela legislação vigente, e não especialmente alteradas pela presente lei.
Art. 6.° As reformas dos officiaes combatentes e não combatentes do exercito, e dos empregados civis com graduação de official, serão de duas especies: ordinarias e extraordinarias.
Art.º 7.° Para qualquer dos individuos designados no artigo antecedente ter direito á reforma ordinaria, são condições indispensaveis:
1.ª Ter quinze ou mais annos de serviço effectivo;
2.ª Incapacidade physica ou moral de continuar no desempenho activo das funcções do seu posto ou graduação, comprovada pela inspecção de uma junta militar de saude.
Art. 8.º Têem direito á reforma extraordinaria os officiaes e empregados civis com graduação de official, com qualquer tempo de serviço, quando se prove que a incapacidadede continuar no serviço activo proveiu deferimento ou desastre grave occorrido em combate, na manutenção da ordem publica ou no desempenho de outros deveres militares.
§ unico. A incapacidade, que dá direito á reforma extraordinaria, será tambem comprovada pela junta militar de saude.
Art. 9.º Os officiaes a quem for concedida a reforma, tanto ordinaria como extraordinaria, serão classiticados pela junta de saude em duas categorias: a 1.ª comprehenderá os incapazes de todo o serviço; a 2.ª, os incapazes do serviço
activo.
§ 1.° Os officiaes da 2.ª categoria poderão ser empregados como adjuntos na secretaria da guerra, nos commandos das praças de 2.ª classe, nos commandos dos districtos das reservas e em outras commissões sedentarias do serviço militar, em harmonia com as suas aptidões.
§ 2.º Os officiaes da 2.ª categoria poderão passar á 1.ª quando o requeiram e sejam julgados incapazes de todo o serviço pela junta militar de saude.
Art. 10.° As reformas ordinarias serão reguladas pela seguinte fórma:
1.° Os officiaes combatentes e não combatentes e os empregados civis com graduação de official, que tiverem quinze a vinte annos de serviço effectivo, serão reformados no mesmo posto, com 0,50 do soldo da sua patente;
2.° Com vinte a vinte e cinco annos, no mesmo posto e 0,60 do soldo;
3.° Com vinte e cinco a trinta annos, no mesmo posto e 0,80 do soldo;
4.° Com trinta a trinta e cinco annos, no mesmo posto e soldo da sua patente.
§ 1.° Os generaes de divisão com quarenta e cinco annos de serviço effectivo, serão reformados com o augmento de 0,20 do soldo da sua patente.
§ 2.° Os generaes de brigada com quarenta annos do serviço effectivo serão reformados com o augmento de 0,30 do soldo da sua patente e graduação do posto immediato, e aos trinta e cinco annos de serviço com mais 0,20 do soldo do seu posto e graduação do immediato.
§ 3.° Os coroneis e capitães com trinta e cinco annos de serviço effectivo, serão reformados com o augmento de 0,20 do soldo da sua patente e graduação do posto immediato.
§ 4.° Os tenentes coroneis, majores, tenentes e alferes, com trinta e cinco annos de serviço effectivo, serão reformados com o augmento de 0,10 do soldo da sua patente e graduação do posto immediato.
Art. 11.° Os vencimentos correspondentes á reforma extraordinaria serão iguaes ao soldo da effectividade do posto que o official tiver no acto da reforma.
Art. 12.° O tempo de serviço de campanha será contado pelo dobro para o effeito da reforma, continuando em vigor o que se acha determinado na legislação actual, com respeito ao serviço feito nas provincias ultramarinas pelos officiaes do exercito da metropole;
Art. 13.° Para occorrer ao augmento de despeza proveniente do systema de reformas estabelecido na presente lei, serão deduzidos 2 por cento nos soldos que excederem 30$000 réis mensaes, percebidos pelos officiaes e mais individuos com graduação de official em todas as situações, com excepção da de reforma.
§ 1.° Durante os primeiros cinco annos economicos as deducção a que se refere este artigo será de 2,5 por cento.
§ 2.° Para os officiaes que exercerem commissões não dependentes do ministerio da guerra, a deducção será feita na parte dos vencimentos correspondente ao soldo da sua patente.
Art. 14.° São igualmente extensivas as disposições d'esta lei, na parte applicavel, aos officiaes combatentes e não combatentes da armada.
Art. 15.° São garantidas aos actuaes officiaes combatentes e não combatentes do exercito e da armada as reformas, aposentações e jubilações a que possam ter direito em virtude de leis especiaes.
Art. 16.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 14 de julho de 1887. = José Dias Ferreira (vencido) = José Frederico Laranjo = Eliseu Xavier de Sousa e Serpa = Ernesto Julio Goes Pinto = Marianno Presado = José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas = Luiz de Mello Bandeira Coelho = Joaquim Heliodoro da Veiga = Francisco José Machado = Manuel Maria de Brito Fernandes = Gabriel José Ramires = Antonio Eduardo. Villaça = Francisco de Lucena e Faro = Antonio Candido = Carlos Lobo d'Avila = A. Baptista de Sousa = Oliveira Martins = Julio Carlos de Abreu e Sousa, relator.

Tabella n.° 1

Tarifa dos soldos dos officiaes combatentes, não combatentes e empregados civis com graduaçã de official

[Ver Tabela na Imagem]

General de divisão....
General de brigada ....
Coronel ....
Tenente coronel ....
Major ....
Capitão .....
Tenente ou primeiro tenente ....
Alferes ou segundo tenente .....

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 14 de julho de 1887. = Jósé Dias ferreira (vencido) = José Frederico Laranjo = Elizeu Xavier de Sousa e Serpa = Ernesto Julio Goes Pinto = Marianno Presado = Carlos Lobo d'Avila = Luiz de Mello Bandeira Coelho = Joaquim Heliodoro da Veiga = Francisco José Machado = Manuel Maria de Brito Fernandes = José Gregorio de Figueiredo Mascarcnhas = Antonio Eduardo Villaça = Gabriel José Ramires = Antonio José Pereira Borges = Francisco de Lucena e Faro = A. Baptista de Sousa = Oliveira Martins = Antonio Candido = Julio Carlos de Abreu e Sousa.

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Tabella n.º 2

Gratificações mensaes dos officiaes combatentes, não combatentes e empregados civis com graduação de official, em serviço effectivo nos corpos

[Ver Tabela na Imagem]

Tenente coronel ou major de cavallaria e infanteria....
Tenente de cavallaria e infanteria....
Alferes effectivo e graduado de cavallaria e infanteria....
Veterinario de 1.ª classe....
Veterinario de 2.ª e 3.ª classes....
Capellão de qualquer classe....
Picador de qualquer classe....
Quarteis mestres e aspirantes da administração militar....
Almoxarifes....

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 14 de julho de 1887. = José Dias Ferreira (vencido) = José Frederico Laranio = Eliseu Xavier de Sousa e Serpa = Ernesto Julio Goes Pinto = Marianno Presado = A. Baptista de Sousa = Carlos Lobo d'Avila = Antonio Candido = Luiz de Mello Bandeira Coelho = Oliveira Martins = Joaquim Heliodoro da Veiga = Gabriel José Ramires = Francisco José Machado = Manuel Maria de Brito Fernandes = José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas = Franciseo de Lucena e Faro = Antonio Eduardo Villaça = Antonio José Pereira Borges = Julio Carlos de Abreu e Sousa.

Tabella n.° 3

Gratificações mensaes dos officiaes das armas de engenheria,artilheria e do corpo do estado maior

[Ver Tabela na Imagem]

Postos

Alferes ou segundo tenente....
Tenente ou primeiro tenente....
Capitão....
Major....
Tenete coronel....
Coronel....

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 14 de julho do 1887. =Jose Dias Ferreira (vencido) = José Frederico Laranjo = Eliseu Xavier de Sousa e Serpa = Ernesto Julio Goes Pinto = Marianno Presado = Carlos Lobo d'Avila = Luiz de Mello Bandeira Coelho = Oliveira Martins = Joaquim Heliodoro da Veiga = A. Baptista de Sousa = Francisco José Machado = Manuel Maria de Brito Fernandes = Gabriel José Ramires = José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas = Francisco de Lucena e Faro = Antonio Eduardo Villaça = Antonio José Pereira Borges = Antonio Candido = Julio Carlos de Abreu e Sousa.

A commissão de marinha reenvia á illustre commissão de guerra, com a sua plena approvação, o parecer sobre a proposta n.° 104-G- dos exmos. ministros da guerra e da marinha, reorganisando as tabellas das tarifas dos soldos dos officiaes do exercito e da armada.
Sala da commissão de marinha, em 14 de julho de 1887. = A. Baptista de Sousa = João Eduardo Scarnichia = Francisco José Machado = Antonio Maria Jalles = Joaquim Heliodoro da Veiga = A. L. Guimarães Pedrosa = José Simões Dias = João Cardoso Valente.

N.º 104-G

Senhores. - Na organisação dos exercitos modernos é á corporação dos officiaes que pertence a nobre missão de perpetuar as tradições gloriosas da força armada, e o não menos elevado encargo de educar militarmente o povo representado pelos successivos contingentes annualmente chamados ás fileiras. Para o exercicio de tão augustos misteres carecem os officiaes de uma posição considerada e de uma remuneração condigna que os habilite a conservarem perante a sociedade civil, a honra e o prestigio da sua classe.
Nas sociedades modernas, tão avidas de bem estar, uma situação precaria constitue uma como servidão que amortece, os brios militares e exerce nos animos acção depressora.
É por isso que todas as nações têem procurado melhorar a situação pecuniaria dos officiaes, quer em serviço activo quer na situaçção de reformados, a qual nada mais é do que uma consequencia da primeira. É certo, porém que nenhum paiz, por mais desembaraçada que seja a sua situação financeira, póde garantir aos funcionarios militares vencimentos que lhes permittam a accumulação de bens de fortuna, como succede aos proprietarios e industriaes.
Mas, entre a quasi penuria e a opulencia, ha um meio termo que se impõe á consideração dos poderes publicos.
Entende, portanto, o governo que é chegada a occasião de rever as tarifas de vencimentos dos officiaes do exercito na effectividade do serviço, tomando tambem para base das pensões de reforma estas tarifas depois de modificadas.
Dois alvitres se apresentaram á consideração do governo: augmentar a tarifa de soldos approximando-os dos de outras nações, não estabelecendo novas gratificações; ou alterar ligeiramente as actuaes tarifas estabelecendo pequenas gratificações para os officiaes a quem a legislação actual os não arbitra. Foi adoptado o segundo alvitre, como mais vantajoso para a fazenda e para o serviço; porquanto existem fóra da effectividade varias situações em que o official tem direito a soldo por inteiro, e porque a creação de pequenas gratificações para alguns officiaes não contemplados nas leis vigentes, tornará mais grato ao official o serviço de fileira para o qual ellas são exclusivamente arbitradas. É n'esta ultima rasão que se funda o artigo 2.° d'esta proposta; devendo notar-se que taes gratificações não constituem novidade em a nossa legislação.
A ordem do exercito n.° 58 de 1842 mandava abonar, a titulo de subsidio para alojamento, gratificações annuaes aos officiaes quando fóra dos seus quarteis permanentes. Tambem a carta de lei de 1 de julho de 1862, a titule de supprimento alimenticio, mandava abonar mensalmente aos officiaes de infanteria e cavallaria emquanto fizessem serviço, gratificações especiaes alem dos seus outros vencimentos.
Tendo variado extraordinariamente nos ultimos vinte e cinco annos as condições economicas do paiz, devem necessariamente as gratificações ser hoje mais avultadas do que aquellas que acima citâmos.
Na presente proposta reduzimos as gratificações activas e de residencia, concedidas aos officiaes das armas especiaes a uma só especie, a activa; ha para isso motivos altamente importantes. De facto dava-se com estas gratificações o injustificavel preceito de ser considerada de residencia, a situação dos officiaes fazendo serviço activo nos corpos, ao passo que eram denominadas activas funcções puramente sedentarias: assim os afficiaes de artilheria servindo nos corpos a pé e na escola pratica da sua arma, venciam gratificações de residencia, emquanto que os empregados nas repartições do cominando geral e nas officinas dos estabelecimentos fabris, venciam gratificação activa; outro tanto succedia ainda aos officiaes de engenheria em serviço no regimento.
Nos §§ 1.° e 2.° do artigo 1.° d'esta proposta estão consignados os vencimentos respectivos ás variadas situações dos officiaes quando fóra do serviço, activo. Para melhor esclarecimento da economia da presente proposta, apresentaremos o orçamento do excesso da despeza proveniente do augmento do soldo e estabelecimento, de gratificações aos officiaes e mais individuos em serviço activo dos corpos.

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1986 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Soldos

[Ver Tabela na Imagem]

Importancia, do augmento proposto:
Generaes de divisão, 9 a 6$000 réis mensaes....
Generaes de brigada, 24 a 20$000 réis mensaes....
Coroneis, 96 á 10$000 réis mensaes....
Tenentes coroneis, 110 a 7$000 réis mensaes....
Majores, 158 a 6$000 réis mensaes....
Capitães, 678 a 10$000 réis mensaes....
Tenentes, 660 a 2$000 réis mensaes....
Somma réis....

Gratificações

[Ver Tabela na Imagem]

Tenentes coroneis, 46 a 15$000 réis mensaes....
Majores de infanteria e cavallaria, 82 a réis 15$000 mensaes....
Tenentes de cavallaria, 60 a 5$000 réis mensaes....
Tenentes de infanteria, 288 a 5$000 réis mensaes....
Alferes effectivos de cavallaria, 60 a 5$000 réis mensaes....
Alferes graduados de cavallaria, 64 a 5$000 réis mensaes....
Alferes effectivos de infanteria, 288 a réis 5$000 mensaes....
Alferes, graduados de infanteria, 29 a 5$000 réis mensaes....
Veterinarios de 1.ª classe, 5 a 10$000 réis mensaes....
Veterinarios de 2.ª e 3.ª classe, 14 a 5$000 réis mensaes....
Picadores, 14 a 5$000 réis mensaes....
Aspirantes da administração militar, 53 a réis 5$000 mensaes....
Ajudantes, 46 a 5$000 réis mensaes....
Capellães, 52 a 5$000 réis mensaes....
Somma réis....
Somma total....

A deduzir:

[Ver Tabela na Imagem]

Importancia de 15$000 réis mensaes a 31 commandantes de districto de reserva....
Importancia das gratificações pela direcção das officinas siderotechnicas....
Importancia das gratificações abonadas aos thesoureiros dos conselhos administrativos dos corpos....
Somma da despeza total - réis....

Esta verba é notavelmente diminuta se a compararmos com as vantagens que d'ella resulta para o serviço, e com a numerosa classe a que é applicada. A approvação da presente proposta póde reputar-se uma necessidade impreterivel perante o custo actual dos productos mais necessarios á vida, e tendo em attenção os minguados haveres dos officiacs do exercito.
Pelo que respeita ás pensões de reforma muitas e variadas considerações poderiamos submetter á vossa illustrada apreciação para justificar á necessidade de fazer profundas alterações em a nossa legislação vigente, se a isso não obstassem os estreitos limites de um relatorio. Ainda assim em materia de tanta ponderação seria estranhevel o silencio na exposição dos factos, é na referencia ás leis que regulam, entre nós, as reformas dos officiaes.
Data de 1790 a primeira lei que classifica por fórma mais clara os direitos dos officiaes portuguezes ás pensões de reforma.
Da mesma data é tambem á primeira lei que estabeleceu em França o direito ao reconhecimento da nação, e a recompensa conforme, a natureza e a duração dos serviços prestados pelos militares. Mas ao passo que este ultimo paiz tem melhorado consideravelmente, em leis successivas até á de 22 de junho de 1878, as condições das reformas dos seus officiaes, os do exercito portuguez ainda hoje são, no que respeita ao numero de annos de serviço, reformados em harmonia com as disposições de uma lei que tem perto de um seculo de existencia (alvará de 16 de dezembro de 1790), e no que respeita a vencimentos applica-se ás disposições d'este alvará uma tarifa que data de 1814.
Eis em breve resumo os parcos vencimentos a que os officiaes do exercito portuguez têem direito em virtude da legislação, quer na situação de effectividade de serviço, quer na de reformados. Tomâmos para termo de comparacão os vencimentos da infanteria por ser esta a arma mais numerosa, devendo porém advertir-se que, uma vez passados á situação de reformados, os soldos se igualam para todas as armas.

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Esta reforma só é concedida quando o official ficar impossibilitado de servir em resultado de desastre ou de molestia adquirida em serviço.
Taes são as tristes condições em que se acham os officiaes reformados do nosso paiz; tal é a lamentosa consequencia de ainda hoje ter applicação em Portugal uma tarifa com tres quartos de seculo de existencia. Desde então as condições economicas têem variado de tal modo, o valor dos metaes preciosos tem decrescido tanto, as necessidades da vida, consequencia immediata da civilisação têem tido tão vasto desenvolvimento, que na maioria dos casos é impossivel ao official reformado prover ao indispensavel para sustentar o decoro da sua posição.

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SESSÃO DE 22 DE JULHO DE 1887 1987

Aquelle quadro manifesta ainda o quanto é enganosa a chamada vantagem da reforma no posto immediato e com vencimentos correspondentes (vantagem que ainda assim só é cocedida ao official findos trinta e cinco annos de serviço).
Do quadro acima se conclue, que reformado n'estas condições:
O coronel vence 21 por cento menos que na effectividade do seu posto;
O tenente coronel 7 por cento monos que na effectividade;
O major por cento menos que na effectividade;
O capitão vence o mesmo que na effectividade;
O tenente vence 27 por cento menos que na effectividade;
O alferes 40 por cento monos, que na effectividade.
São, estes os beneficios concedidos aos officiaes que se reformam, no posto immediato depois de trinta e cinco annos de serviço.
Muito para notar é ainda que o general de brigada reformando-se antes de findos os trinta e cinco annos de serviço, perde, 53 por cento do seu vencimento de effectividade; reformando-se com mais do trinta e cinco annos de serviço fica, ainda perdendo 20 por cento do vencimento da effectividade, comquanto em ambos os casos se reforme no posto immediato. E, como contraste, deve notar-se que os empregados civis, mesmo exercendo cargos no ministerio da guerra, obtêem as suas aposentações aos trinta annos de serviço e com o vencimento da effectividade quando não têem graduacões militares.
Os algarismos que mencionamos têem a eloquencia da miseria e dispensam quaesquer commentarios ácerca das lastimosas circumstancias em que necessariamente se acham os officiaes reformados no nosso paiz.
Felizmente as recentes leis sobre aposentações de differentes classes civis, mostram que Portugal, reconhecendo quanto a vida é actualmente cara, não esquece os seus servidores; e proseguindo na benefica senda que começou a trilhar, não esquecerá tão pouco a classe militar, que sacrifica á patria as commodidades da vida civil, que lhe consagra as mil contrariedades provenientes de um viver errante, que lhe vota as agruras da rigorosa disciplina a que está sujeita (bem differente da disciplina social), e que nas situações perigosas e difficeis nunca desmereceu os creditos de corporação briosa e patriotica.
Justificada, no que fica expendido, a necessidade das modificações propostas com relação aos vencimentos de reformados, á mudança da tarifa de soldos e ao estabelecimento de varias gratificações, vejamos a rasão de algumas das outras disposições contidas, na presente proposta.
Obedecendo ao principio de alterar. o menos possivel a actual legislação, conservou-se o limite maximo dos trinta e cinco annos de serviço, concedendo n'estas unicas condições a reforma com graduação no posto immediato para respeitar uma pratica muito remota e que está como que arreigada em os nossos costumes militares.
O alvará de 16 de dezembro de 1790, póde dizer-se que não concedia direito á reforma ao official que tivesse menos de vinte annos de serviço, pois só em circumstancias muito extraordinarias lhe permittia reformar-se com a Terça parte de serviço minimo exigido para a reforma ordinaria a quinze annos, de modo a considerar ainda o caso menos provavel de uma impossibilidade adquirida por effeito de causas ordinarias.
O principio da reforma extraordinaria, tal como se acha estabelecida no artigo 8.º da presente proposta, tem em si mesmo a propria justificação; não faz mais do que tornar extensivas aos officiaes as beneficas disposições que a carta de lei do 23 do junho de 1880 estatue para os officiaes inferiores.
Pareceu tambem conveniente fixar em um anno o praso áquem do qual o official não poderá obter a sua reforma ordinaria depois de promovido, o que seria equivalente á reforma no posto immediato, principio não admittido em regra na actual proposta de lei.
A reforma, sendo uma remuneração indispensavel para quem pelo seu estado de saude se vê na impossibilidade de continuara servir, não deve, para que seja justa, proteger os que ao abrigo dos annos vão ainda, relativamente vigorosos, enervar-se em um repouso esteril com prejuizo seu e do paiz.
Por dois modos se procurou evitar este inconveniente: não garantindo em geral a reforma senão, no caso de impossibilidade physica ou moral devidamente comprovada pela junta de saude; e estabelecendo duas categorias de reformados, uma das quaes, composta de officiaes não completamente incapazes de todo o serviço; póde ser aproveitada no desempenho de muitas commissões sedentarias, permittindo por este modo não desviar do serviço dos regimentos, e de outros igualmente activos, um grande numero de officiaes ainda no vigor da idade e nas circumstancias de poderem pelo seu trabalho e estudo preparar-se para as altas funcções do generalato.
Para fazer face ao acrescimo da despeza resultante das gratificações e augmentos de soldo propostos, conta o governo com a receita proveniente da taxa militar definitivamente implantada em varios paizes da Europa, e mui recentemente proposta ao parlamento da republica franceza pelo general Boulanger, quando ministro da guerra. Com effeito nada ha mais justo, mais digno e mais democratico do que contribuirem todos os cidadãos conforme as suas, forças, quer corporaes e intellectuaes, quer pecuniarias, para a defeza do bem commum - a patria.
A proposição relativa a este imposto, que poderá calcular-se em relação á taxa, de 2$500 réis annuaes em 500:000$000 réis no fim de doze annos, será submettida á vossa approvação na proposta de lei do recrutamento do exercito e da armada.
O excesso de despeza proveniente da adopção das novas, tarifas para o effeito da reforma póde calcular-se em 12:000$000 réis annuaes, devendo esta importancia ser supprida com o producto do desconto de 2 por cento nos soldos dos officiaes, conforme preceitua o artigo 13.º
Sujeitando ao vosso esclarecido exame a presente proposta de lei, temos a convicção de prestar um importante serviço ao exercito e, ao paiz; sendo aqui para recordar as seguintes palavras de um illustre escriptor militar contemporaneo:
«Quando a patria concede ao corpo de officiaes uma posição considerada, e uma remuneração pecuniaria suficciente; pratica o que lhe aconselham a prudencia e o sentimento da propria conservação.»

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° Os soldos dos officiaes, combatentes, não combatentes, e empregados civis com graduação de official, serão regulados tanto na effectividade do serviço como nas situações de disponibilidade, inactividade e reforma, pela tarifa estabelecida na tabella n.° 1, que faz parte da presente lei.
§ 1.° Os soldos d'esta tarifa serão reduzidos:
a) A 0,5, quando os que percebem estiverem presos em cumprimento de sentença ou com licença registada;
b) B) A 0,8, quando os que os perceberem estiverem sofrendo as penas disciplinares de inactividade e prisão correccional.
§ 2.º Perde-se o direito á totalidade do soldo:
a) Em todo o tempo que a licença registada exceder a seis mezes dentro de um periodo de doze mezes consecutivos;
b) Na situação de inactividade quando esta houver sido solicitada pelo interessado.

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1988 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Art. 2.° Aos officiaes combatentes das armas de cavallaria e infanteria, aos não combatentes e empregados civis com graduação de official, em serviço effectivo nos corpos, serão abonadas as gratificações mensaes constantes da tabella n.° 2, que faz parte da presente lei.
§ 1.° Aos tenentes coroneis, majores e officiaes de graduação inferior a este posto, pertencentes ás referidas armas no exercicio de commando do regimento ou batalhão isolado, continuarão a ser abonadas unicamente as gratificações estabelecidas na legislação actualmente em vigor.
§ 2.º Aos officiaes subalternos no commando de companhia ou no exercicio das funcções de ajudante, será abonada a gratificação actualmente estabelecida alem da indicada na referida tabella.
Art. 3.º Ao officiaes generaes, qualquer que seja a commissão de serviço que desempenhem não receberão gratificação inferior á da sua patente.
Art. 4.º Para o effeito do abono das gratificações concedidas pelas leis vigentes aos officiaes de engenheria, artilheria e do corpo do estado maior, cessa a classificação de commissões activas e de residencia, sendo todas igualadas ás primeiras, e nunca inferiores ás que corresponderem á arma e patente do official, qualquer que seja a commissão de serviço que elle desempenhe.
Art. 5.º Continuam em vigor as gratificações arbitradas aos commandantes dos regimentos e companhias, bem como os augmentos de vencimento por diuturnidade de serviço e todas as outras gratificações auctorisadas pela legislação vigente e não alteradas pela presente lei.
Art. 6.º As reformas aos officiaes combatentes e não combatentes do exercito, e dos empregados civis com gratificação de official, serão de duas especies: ordinarias e extraordinarias.
Art. 7.º Para qualquer dos individuos designados no artigo antecedente ter direito á reforma ordinaria, são condições indispensaveis:
1.ª Ter quinze ou mais annos de serviço effectivo;
2.ª Incapacidade physica ou moral de continuar no desempenho activo das funcções do seu posto ou graduação, comprivada pela inspecção de uma junta militar de saude.
§ unico. Os officiaes combatentes que tiverem mais de sessenta annos de idade e de quarenta de serviço, poderão obter a sua reforma sem dependencia da inspecção da junta de saude.
Art. 8.º Têem direito á reforma extraordinaria os officiaes e empregados civis com graduação de official, com qualquer tempo de serviço, quando se prove que a incapacidade de continuar no serviço activo proveiu de ferimento ou desastre grave occorrido em combtae, na manutenção da ordem publica ou no desempenho de outros deveres militares.
§ unico. A incapacidade, que dá direito á reforma extraordinaria, será tambem comprovada pela junta militar de saude.
Art. 9.º os officiaes a quem for concedida a reforma, tanto ordinaria como extraordinaria, serão classificados pela junta de saude em duas categorias: a 1.ª comprehenderá os incapazes de todo o serviço; a 2.ª, os incapazes do serviço activo.
§ 1.º Os officiaes da 2.ª categoria poderão ser empregados no serviço da secretaria da guerra, nos commandos das praças de 2.ª classe, nos commandos dos districtos das reservas e em outras commissões sedentarias do serviço militar em harmonia com as suas aptidões.
§ 2.º Os officiaes da 2.ª categoria poderão passar á 1.ª quando o requeiram e sejam julgados incapazes de todo o serviço pela junta militar de saude.
Art. 10.º As reformas ordinarias serão reguladas pela seguinte fórma:
1.º Ao officiaes combatentes e não combatentes, e os empregados civis com graduação de official, que tiverem trinta e cinco ou mais annos de serviço effectivo, poderão ser reformados com o soldo da effectividade do seu posto e graduação do posto immediato;
2.º Com trinta e cinco annos, no mesmo posto com 0,8 do soldo da effectividade;
3.º Com vinte e cinco a trinta annos, no mesmo posto e 0,75 do soldo;
4.º Com vinte a vinte e cinco annos, no mesmo posto e 0,4 do soldo;
5.º Com quinze a vinte annos, no mesmo posto e 0,3 do soldo.
§ 1.º Os vencimentos de reforma para os generaes de divisão com cincoenta ou mais annos de serviço effectivo serão de 180$000 réis; para o general de brigada com quarenta e cinco annos ou mais annos de serviço, 130$000 réis; e para o coronel com quarenta ou mais annos de serviço, 90$000 réis.
§ 2.º A reforma ordinaria dos officiaes ou empregados civis com graduação de official, que tiverem menos de um anno do posto que exercerem, será no mesmo posto sendo os vencimentos calculados pelos do posto anterior, segundo as percentagens estabelecidas no artigo 10.º, em harmonia com os annos de serviço que tiverem.
§ 3.º Para os cirurgiões e empregados civis com graduação de official subsiste o disposto no artigo 179.º do decreto com força de lei de 30 de outubro de 1884.
Art. 11.º Os vencimentos correspondentes á reforma extraordinaria serão iguaes ao soldo da effectividade do posto que o official tiver no acto da reforma.
Art. 12.º O tempo do serviço de campanha será contado pelo dobro para o effeito da reforma, continuando em vigor o que se acha determinado na legislação actual, com respeito ao serviço feito nas provincias ultramarinas pelos officiaes do exercito da metropole.
Art. 13.º Para occorrer ao augmento de despeza proveniente do systema de reformas estabelecido na presente lei, serão deduzidos 2 por cento nos soldos que excederem 30$000 réis mensaes, percebidos pelos officiaes e mais individuos de que trata o artigo 1.º, em todas as situações ali indicadas, com excepção da de reforma.
Art.14.º São igualmente extensivas as disposições d'esta lei, na parte applicavel, aos officiaes combatentes e não combatentes da armada.
Art. 15.º Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 31 de maio de 1887. = Henrique de Barros Gomes = Visconde de S. Januario.

Tabella n.º 1

Tarifa dos soldos dos officiaes combatentes, não combatentes e empregados civis com graduação de official

[Ver Tabela na Imagem]

General de divisão....
General de brigada....
Coronel....
Tenente coronel....
Major....
Capitão....
Tenente ou primeiro tenente....
Alferes ou segundo tenente....

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 31 de maio de 1887. = Henrique de Barros Gomes = Visconde de S. Januario.

Tabella n.º 2

Gratificação dos officiaes combatentes, não combatentes e empregados civis com graduação de official, em serviço effectivo nos corpos

[Ver Tabela na Imagem]

Tenente coronel ou major de cavallaria e infanteria....
Tenente de cavallaria e infanteria....
Alferes effectivo e graduado de cavallaria e infanteria....
Veterinario de 1.ª classe....
Veterinario de 2.ª e 3.ª classe....
Capellão de qualquer classe....
Picador de qualquer classe....
Quarteis mestres e aspirantes da administração militar....

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SESSÃO DE 22 DE JULHO DE 1887 1989

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 31 de maio de 1887. = Henrique de Barros Gomes = Visconde de S. Januario.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.
O sr. Serpa Pinto: - Sr. presidente, escuso de dizer a v. exa. que approvo completamente o projecto que está em discussão mas não posso deixar de notar que, apesar de estar muito bem elaborado e de ter já sido estudado pelo sr. ministro da guerra e pela commissão, ha n'elle uma falta, que me parece grave e importante. É esta unicamente a rasão que me levou a pedir a palavra porque desejo propor um additamento ao projecto, additamento que acompanharei de poucas palavras. A minha proposta é a seguinte:
« Art. A reforma é obrigatoria para todo o militar que tiver setenta annos completos de idade.
§. unico. Exceptuam-se os militares que, á data da promulgação da presenta lei, estiverem nas condições do artigo antecedente, e que tiverem feito as campanhas da liberdade.»
Não me parece que precise de justificação o artigo que proponho.
O militar que chega á idade, de setenta annos, deve ter servido a sua patria, pelo menos cincoenta annos; meio seculo porque raras vezes se entra para a vida militar com menos de vinte annos.
E se um homem com setenta annos póde conservar em optimo estado todas as suas faculdades, as suas forças physicas é que não poderão supportar o trabalho militar inherente á posição que occupa.
Um homem com cincoenta annos de serviço deve ir descansar, dando-se-lhe como compensação todas as vantagens possiveis, como lhe dá effectivamente o projecto que se discute, na reforma dos postos que deve ter n'essa idade.
Creio, pois, não haver a menor duvida em se acceitar este artigo que considero justissimo e que não offende absolutamente nada os homens que estiverem na posição, mais elevada do exercito.
Acrescentei um paragrapho ao artigo e vou justifical-o.
Em todos os exercitos ha verdadeiras reliquias que é preciso respeitar, e no nosso ha alguns homens que, ha quarenta para cincoenta annos, não só expozeram a sua vida, como era sua obrigação, mas arriscaram o seu futuro, a sua carreira, n'uma guerra civil em que sempre perdem os que não ficam vencedores.
Os poucos homens que existem d'aquelle tempo e estão nas mais eminentes posições do exercito, parecia-me que deviam ser exceptuados da disposição do artigo, como em França o marechal Mac-Mahon e outros homens eminentes têem sido exceptuados do preceito de um artigo, similhante, que ha na lei franceza, embora menos lato, porque n'esta o maximo da idade para o generalato é de sessenta e oito annos e na allemã de sessenta e sete.
Repito; a minha proposta creio que não vae offender nem os interesses, nem os melindres de qualquer official superior do exercito. Confio, por isso que tanto s. exa. o sr. ministro como a commissão respectiva, não terão duvida em acceital-a.
Nada mais direi. O tempo escasseia e eu não quero ir mais longe.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
Leu-se na mesa o seguinte:

Additamento

A reforma é obrigatoria para todo o militar que tiver setenta annos completos de idade.
§ unico. Exceptuam-se os militares que, á data da promulgação da presente lei, estiverem nas condições do artigo antecedente, e que tiverem feito as campanhas da liberdade. = Serpa Pinto.
Foi admittida.

O sr. Abreu e Sousa: - Sr. presidente, no desemponho da ardua missão com que me honrou a commissão de guerra de relatar o projecto, que se acha em discussão, occuparei por alguns momentos a attenção da camara procurando ser quanto possivel breve, para evitar o natural enfado, consequencia necessaria dos apoucados dotes oratorios que possuo, e sobretudo procurarei ser claro para poder explicar de modo cabal as disposições d'este projecto que porventura possam ter sido menos bem comprehendias pelos meus collegas.
Sr. presidente, antes de proseguir, julgo do meu dever fazer uma declaração que é inteiramente pessoal. Entre nós por via de regra é costume attribuir o maior ou menor calor de uma discussão, a maior ou menor vehemencia com que defendemos uma certa questão ou interesse individual que d'ella resulta.
Eu devo dizer a v. exa. desde já, que os interesses immediatos que posso auferir da approvação d'este projecto, são de tal ordem insignificantes, que não valeria a pena produzir argumentos a favor d'elle, alem de que o meu nome, que é o mais importante bem que possuo n'este mundo, tem-me ensinado sempre a não antepor os meus interesses, aos da minha classe e aos do paiz.
O projecto que se discute não significa uma liberalidade, do governo para com o exercito; é a satisfação de uma necessidade de ha muito reconhecida.
Ao partido progressista cabe a gloria de ter tratado e resolvido em 1880 e em 1887 duas das questões mais palpitantes e mais importantes das modernas organisações militares, refiro-me ás medidas conducentes a melhorar as condições dos quadros do exercito.
Em 1880, o governo que então se sentava n'aquellas cadeiras procurou attender aos interesses dos officiaes inferiores do exercito, classe importantissima e sem a qual não ha instituições militares que prestem, e me 1887 o mesmo partido progressista sustenta iguaes principios, vindo pedir a approvação d'este projecto de lei que tende a levantar de modo mais conveniente o nivel moral da corporação dos officiaes.
É certo, que este projecto de lei traz encargos para o thesouro, mas o governo, tem no seu pensamento reduzir esses encargos por um projecto de lei que ha de trazer á discussão d'esta camara. Por esse projecto, procura-se fazer face a essas despezas, com a creação de novas receitas, que talvez até as excedam.
O que é certo porém, é que ha certas despezas que são inadiaveis, e n'esse caso estão as chamadas despezas da civilisação. Ainda não ha muitos dias, o nosso collega e distincto deputado o sr. Dias Ferreira fez o maior elogio a este governo, dizendo que o partido progressista tinha desenrolado a bandeira das despezas da civilisação. O que é preciso, é não confundir as despezas da civilisação, com as prodigalidades da civilisação, e com os esbanjamentos commettidos em seu nome. Dispender com a civilisação, não é mais que honrar a patria e abrir novos horisontes ao progresso. Esbanjar em nome da civilisação, não é avançar, não é progredir, é cavar a ruina do paiz.
Sr. presidente, as instituições, não podem afferir-se pelo que custam, nem podem traduzir-se em cifras; as instituições valem pelo que podem produzir, e o nosso exercito ainda está longe de corresponder ao nobre fim da sua missão.
Diz-se que o exercito é uma instituição cara ao paiz, e é effectivamente; mas não póde ser barata, pela sua propria natureza; para qualquer pequeno augmento que o governo queira dar ao exercito, os multiplicadores são por tal fórma importantes e grandes, que traduzem um pequeno beneficio n'uma despeza consideravel.

Página 1990

1990 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Vou provar a v. exa. que o exercito portuguez não é dos mais caros, e para isso servir-me-hei da comparação das despezas que as outras nações fazem com a sua força armada. Para essa comparação, porém, não irei buscar as grandes nações militares, as nações de primeira ordem, mas as de segunda e mesmo de terceira que estejam pouco mais ou menos nas condições da nossa.
Por exemplo, a Allemanha, uma das grandes potencias militares, destina 55 a 60 por cento das suas despezas para fazer face aos encargos da força armada na Belgica, são destinados para esses encargos 14 por cento; na Dinamarca, 21 por cento; na Suissa, 39 por cento; na Servia, 35 por cento; na Grecia, 22 por cento, e já agora apresentarei o exemplo do Japão, em que se gastam 16 por cento. Pois em Portugal gastam-se apenas 13 por cento da despeza publica com o custeamento do exercito, incluindo a verba dos reformados que na maior parte das nações hão figura nos orçamentos da guerra.
É uma percentagem muito modesta. É certo, dil-o a historia, que a maior parte das nações acceitam com uma certa reluctancia os encargos militares e que é precisa a eloquencia dos grandes desastres para as convencer e obrigar a inscreverem nos seus orçamentos as verbas necessarias ao melhoramento das instituições militares e á supportarem os encargos que d'ellas derivam.
Entre nós succede a mesma cousa. Á sombra de uma longa paz tem-se desenvolvido entre nós uma lenda nacional sobre a qual eu quero chamar a attenção de v. exa. e da camara. Essa lenda póde denominar-se a da fraqueza nacional, e é profundamente vergonhosa para um povo que quer ser, independente e livre.
Vem a proposito citar um dito do grande marquez do Pombal; dizia elle que um homem em sua casa tem tanta força que mesmo depois de morto são precisos quatro homens para o tirar d'ella.
Esta lenda da fraqueza nacional não é racional nem digna de um povo como o portuguez, successor de heroes.
Nós não teremos que fazer a guerra offensiva; pela nossa posição geographica estamos até certo ponto ao abrigo das complicações e das agitações da politica européa, teremos, porém, de sustentar a nossa defensiva historica e para isso
precisamos ser prudentes e não esquecer, que esse periodo de paz que nós chamamos longo, é um minuta na vida das nações, e que amanhã póde talvez succeder que tenhamos de sustentar a nossa independencia, a nossa integridade nacional, a nossa honra sobretudo, com as armas na mão, e para isso torna-se necessario que estejamos preparados e precavidos. (Apoiados.)
Esta lenda da fraqueza nacional, é ainda alimentada por uma outra causa; é alimentada pelo egoismo de uma burguezia endinheirada que sofre de mau grado os encargos e incommodos da vida militar.
Sr. presidente, o projecto que se discute, como disse ha pouco e como é evidente, tem por fim, occorrer a uma das necessidades mais importantes do exercito, isto é, levantar o nivel moral e material da corporação dos officiaes.
É sabido e conhecido, o aphorismo militar, de que «taes officiaes, tal exercito», e se este principio tem sido seguido de longa data, hoje ainda se torna mais verdadeiro, em presença das modernas transformações por que tem passado a arte da guerra e a organisação militar nos differentes paizes.
Os exercitos modernos são compostos de individuos, que não fazem mais do que passar momentaneamente pelas fileiras, ao passo que os officiaes de patente e os officiaes inferiores, são por assim dizer, os educadores permanentes do povo, representado por esses contingentes que passam pelas fileiras; e é claro que para que uma escola seja proveitosa e util, é preciso que os educadores sejam de primeira qualidade, e por isso, tudo que seja tendente a levantar o nivel moral d'essas classes, é altamente proveitoso para os interesses do paiz. Considere-se pois este assumpto, debaixo do seu verdadeiro ponto de vista. E note a camara, que este projecto não póde ser encarado debaixo do ponto de vista exclusivamente material em relação aos officiaes do exercito, por isso que não ha dinheiro que pague os sacrificios inherentes á vida militar, com risco da saude e até da propria vida no desempenho dos deveres mais honrosos, quaes são o sustentar a disciplina e defender a patria. A suprema aspiração dos militares é a consideração publica, que elles devem saber conquistar pela sua dignidade e pelo seu trabalho, e que vale muito mais, do que essa mesquinha retribuição material que ha de ser sempre mesquinha, porque não póde ser de outra maneira, que recebem para a sua indispensavel e decorosa sustentação.
O projecto que estamos discutindo tem tres partes principaes, que se podem distinguir umas das outras.
A primeira parte, é a que diz respeito, aos soldos. Ninguem contesta a necessidade de elevar os soldos ou vencimentos dos officiaes do exercito na actividade, de serviço; ainda assim o augmento que só trata é muito insignificante.
Em attenção ás circumstancias especiaes da fazenda publica, o governo e a commissão não elevaram mais os soldos aos officiaes como seria para desejar a fim de os equiparar quanto possivel aos dos exercitos das outras nações.
Eu não quero fatigar a camara com a leitura de documentos, que é sempre fastidiosa, mas o que posso assegurar desde já a v. exa. e á camara é que mesmo com o beneficio que se concede n'este projecto os soldos dos officiaes do exercito portuguez ficam muito abaixo dos que se, acham estabelecidos na grande maioria das nações, já não digo das de primeira ordem, mas de segunda ordem, como a Belgica, a Hespanha, a Italia, a Servia, etc.
A segunda parte do projecto refere-se a uma pequena gratificação que o governo entendeu, conceder aos officiaes de infanteria e cavallaria em effectivo serviço nos differentes corpos do exercito.
Esta disposição tem uma grande importancia no sentido de fortalecer a disciplina. Como o serviço arregimentado é dos mais árduos e os individuos que o desempenham estão sujeitos a incommodos muito maiores do que em outras commissões, nota-se principalmente ha uns annos a esta parte uma certa reluctancia da parte dos officiaes em desempenharem o serviço que lhes compete na fileira. Por mais esforços que os ministros da guerra façam para metter as cousas a direito n'este campo, difficilmente o conseguem. E isto em grande parte é devido á tal brandura dos nossos costumes em que por tantas vezes se tem fatiado n'esta camara, e que faz com que se attendam as circumstancias especiaes de um ou outro official que prefere uma vida mais commoda na capital ao serviço arduo da fileira nos corpos das provincias.
Esta gratificação, portanto, tem principalmente por fim tornar mais grato o serviço na fileira aos officiaes, porque o regimento é que é a verdadeira escola militar para os officiaes das armas geraes, comquanto haja fora da fileira ontras commissões importantes, mas que em todo o caso são mais commodas do que o serviço da fileira.
A ultima parte do projecto é a que trata da reforma dos officiaes.
As considerações expendidas nos relatorios que precedem a proposta do governo é o projecto da commissão justificam de sobejo a necessidade de alterar a legislação vigente sobre este assumpto: a crueza dos factos ali apontados dispensa-me de justificar, n'esta parte, as disposições do projecto de lei que está submettido á nossa approvação.
Aproveitarei esta occasião para responder ao meu illustre camarada o sr. Serpa Pinto.
S. exa. quer que a reforma seja obrigatoria para todos os militares que tenham setenta annos de idade. Esta disposição liga-se mais directamente com uma lei de promo-

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ções, onde venha consignado o principio do limite de edade para os differentes postos.
A questão do limite de idade é uma questão muito debatida, e por assim dizer, ainda não completamente resolvida nos primeiros exercitos da Europa.
A Allemanha, que é a primeira nação militar do mundo, tem reagido contra o limite de idade para a promoção dos officiaes, ao passo que outras nações como a França, Hespanha, etc., têem acceitado este principio.
A proposta do meu illustre amigo, o sr, Serpa Pinto, significa a mesma cousa, porque obriga a reformar umofficial que tenha attingido uma certa idade. Este principio deve ser introduzido em uma lei de promoções, e não no projecto que estamos discutindo.
Não querendo fatigar a attenção da camara, nem demorar mais tempo a votação d'este projecto, que reputo da maior importancia, termino por aqui as minhas considerações, declarando que não tenho duvida em prestar todo e qualquer esclarecimento que os srs. deputados desejarem ácerca do assumpto em questão.
Vozes: - Muito bem.
O sr. presidente: - Vou dar conta á camara de uma carta que acabo de receber, notificando o fallecimento do sr. deputado Thomás Bastos.
(Leu.)
É a seguinte:

Illmo. e exmo. sr. - Incumbe-me minha irmã D. Ignez Elisa Alves Bastos, do doloroso dever de participar a v. exa. o fallecimento de seu marido e tenente coronel de artilheria e deputado da nação Thomás Frederico Pereira Bastos; o qual se ha de sepultar no cemiterio oriental no dia 23 do corrente, saindo o prestito funebre da egreja de nossa senhora da Pena, pelas doze horas do dia.
Deus guarde a v. exa. - Boa Viagem, 21 de julho de 1887.
Illmo. e exmo sr. presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza. = Francisco Alves.

O sr. Presidente (continuando): - A camara quererá de certo que se declare na acta que recebeu com o mais profundo pesar a noticia do fallecimento do sr. deputado Thomás Frederico Pereira Bastos. (Apoiados.)
A perda de tão prestante cidadão é sinceramente sentida por todos que o conheciam e apreciaram as suas brilhantes qualidades de militar brioso, de professor erudito, de jornalista esclarecido e conscencioso, e de parlamentar distincto, (Apoiados.) qualidades a que davam ainda maior lustre as excellencias e os primores de um coração aberto a todos os sentimentos generosos, e de um caracter serio, leal e honrado. (Apoiados.)
Em vista das manifestações da camara, será lançada na acta esta declaração, como tributo de respeito e saudade, dado pelo parlamento á memoria d'aquelle illustre deputado. (Apoiados geraes.)
O sr. Alves Matheus: - Creio, que interpreto fielmente os sentimentos da camara, declarando, que ella recebeu com a mais profunda mágua a infausta noticia, que v. exa. acaba de dar-lhe, e que foi tão eloquentemente traduzida nas elevadas e sentidas palavras proferidas pelo seu dignissimo presidente. (Apoiados.)
O sr. Thomás Frederico Bastos, era um ornamento d'esta casa pelo seu elevado talento, e pela sua grande illustração. (Apoiados.) era, é verdade, sobrio no uso da palavra, porque o seu grande merecimento era esmaltado por uma excessiva modestia. (Apoiados.) os seus discursos tinham como predicados mais relevantes um criterio elevado, uma exposição lucida, uma fórma primorosa, e sobretudo um grande bom senso na apreciação dos assumptos, que se discutiam n'esta casa. (Muitos apoiados.)
Como professor honrou por largos annos o magisterio superior na escola do exercito, onde prestou altos e relevantissimos serviços ao seu paiz. (Apoiados.)
Como jornalista, occupára um logar distinctissimo na imprensa, e todos apreciavam não só a elevação das suas idéas, senão tambem a sua phrase correcta, limpida, desartificiosa e facil, a que dava sympathico relevo aquella graça attica, e ao mesmo tempo conceituosa, com que sabia dizer as cousas sem molestar as pessoas. (Apoiados.)
O sr. Thomás Frederico Bastos entrou commigo pela primeira vez n'esta casa em 1869, e desde então até hoje, tive muitas occasiões de apreciar as altas qualidades da sua intelligencia, e do seu caracter honrado, honesto e limpissimo. (Apoiados.) Era modelo de virtudes civicas.
Era um partidario dignissimo, leal aos seus amigos, fidelissimo ao seu partido e sinceramente dedicado aos interesses e aos progressos do seu paiz. (Apoiados.) conquistou pelos seus meritos e pelos seus serviços uma pagina de honra na historia do partido progressita, e ha de tel-a. (Apoiados.)
Eu, sr. presidente, honrava-me de ser seu admirador e seu amigo; deixa-me uma saudade grande, enorme, entranhada, que bem se patenteia na minha voz, e essa perduravel saudade exprimo n'este singelo, mas sincero testemunho de consideração é sua memoria, aos seus merecimentos e ás suas extremadas virtudes. (Muitos apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - Pedi a palavra para, em nome do governo, me associar, não só á proposta que v. exa. acaba de fazer, mas tambem ás palavras eloquentes que acaba de proferir o illustre deputado o sr. Alves Matheus.
De Thomás Bastos disse o illustre orador, na sua palavra tão levantada como vernacula, o que o seu grande coração lhe inspirou. Tudo era de justiça. Thomás Bastos foi partidario leal, parlamentar muito distincto; e se como correligionario deixa nas fileiras do partido progressista um vacuo que ha de ser difficil de preencher, como parlamentar, perdeu-se n'elle um d'esses discursadores serenos e profundos, que esclarecem as discussões com a luz da sciencia. Mas o governo tem ainda mais a lamentar a falta de Thomás Bastos, como a de um brioso militar que honrava a farda que vestia, e de um professor tão illustrado quão honesto, cujas lições eram de profundo ensinamento para os disciplos, e cujo proceder era para elles espelho de honra e de dignidade. E acrescentarei, mais do que o partido, mais do que o parlamento e mais do que o governo, soffreu com a morte de Thomás Bastos o paiz, visto como o paiz perdeu com elle um cidadão emerito, que, alem dos serviços que lhe estava prestando era de certo ainda a risonha esperança de um brilhante futuro.
Associo-me, pois, repito, em nome do governo a todas as expressões de mágua e condolencia que o passamento de Thomás Bastos despertou n'esta assembléa.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - Não só em nome do governo, mas em nome do exercito, associo-me á manifestação da camara com relação á memoria do illustre parlamentar e distincto official do exercito Thomás Bastos.
O exercito soffreu sem duvida uma grande perda com a morte de um official que, durante muitos annos, como professor da escola do exercito, ensinou proficiente e amigavelmente uma grande parte dos officiaes que são hoje ornamento da corporação militar.
E não só n'aquella commissão como professor erudito, mas ainda no desempenho de outras commissões tantos serviços elle prestou, que o exercito não póde esquecer a sua memoria, lamentando profundamente a perda de um cidadão prestante e de um militar brioso.
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu.)
o sr. Avellar Machado: - Sr. presidente, não posso deixar, por parte da opposição regeneradora, como militar e como deputado, de me associar ás palavras levanta-

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das que v. exa. acabou de pronunciar, em honra de Thomás Bastos, homenagem que tambem lhe foi prestada pelo governo representado pelos srs. ministros, da justiça e da guerra.
Thomás Bastos foi um brioso e honrado militar e um portentoso engenho. (Muitos apoiados.)
Convivi com elle durante muitos annos, conheci-o desde os bancos da escola do exercito, e pude avaliar-lhe os relevantes meritos e as altas qualidades que exornavam aquelle digno cidadão. (Muitos apoiados.)
Aprendi no convivio d'aquelle grande espirito que tive a dita de encontrar ao encetar a espinhosa carreira das armas, como se podem cumprir com a lealdade mais cavalheirosa, os deveres para com a patria e para com a familia. (Muitos apoiados.)
Vi-o ainda bem novo ensinando já com grande proficiencia, com a auctoridade de um velho professor, os mais importantes principios da arte da guerra.
Foi sempre o idolo dos seus discipulos que tinham por elle uma dedicada amisade, um verdadeiro culto. (Muitos apoiados.)
As provas d'esta leal amisade hão de em breve produzir-se; de poucas horas o paiz ha de conhecer quanto Thomás Bastos era querido na escola do exercito, theatro da sua gloria, quanta dedicação se encerra nos corações gratos dos seus discipulos, de quem era pae carinhoso e guia benevolo (Apoiados.)
Não posso portanto deixar, de como official do exercito, como amigo do fallecido, e como representante, no momento actual, da opposição regeneradora d'esta casa, de me associar com todos as veras do meu coração, aos elevados testemunhos de saudade prestados ao funccionario honrado, ao camarada illustre, ao chefe de familia exemplar, ao notavel parlamentar para quem se fecha hoje a sepultura e se abre o livro da historia. (Muitos apoiados.)
Tenho dito.
O sr. Francisco Machado: - Como official de artilheria, arma a que Thomás Bastos pertenceu, e tendo a honra de occupar um logar n'esta casa, associo-me ás palavras sentidas que acabam de proferir os illustres oradores que me precederam.
Conheci Thomás Bastos desde os bancos das escolas, honrando-me sempre com a sua amisade; por vezes recebi d'elle os mais sãos conselhos, e as mais proveitosas lições, e tive assim occasião de apreciar, como todos que o tratavam de perto, os finos dotes do seu espirito e a sua elevada intelligencia.
Póde bem dizer-se que toda a geração moderna do exercito portuguez recebeu lições e ouviu salutares conselhos d'aquelle militar illustre; e é por isso que hoje toda ella lamenta sinceramente a sua morte prematura.
Já v. exa. vê, sr. presidente, que eu não podia ficar silencioso n'este momento, deixando de manifestar, por mim e em nome dos meus collegas da arma de artilheria, de que elle era um dos mais distinctos ornamentos, o meu profundo pezar pela perda do cidadão, do militar e do deputado.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - A deputação da camara dos senhores deputados, que ha de assistir ao funeral de Thomás Bastos, no cemiterio oriental, compõe-se dos srs: Heliodoro da Veiga.
Vicente Monteiro.
Alfredo Ribeiro.
Francisco de Campos.
Goes Pinto.
Simões Ferreira.
Bandeira Coelho.
Figueiredo Mascarenhas.
Francisco José Machado.
Os srs. deputados que quizerem associar-se a esta deputação podem fazel-o.
Continua a discussão do projecto relativo ás tarifas dos soldos.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta de additamento

§ 3.° Aos cirurgiões móres que tenham quinze annos de serviço no mesmo posto é concedido o augmento de mais 5$000 réis de gratificação por diuturnidade do serviço, sem prejuizo da gratificação a que tenham direito pelas leis anteriores. = O deputado, J. de Azevedo Castello, Branco.
Foi admittida.

O sr. Abreu e Sousa: - Ouvi ler com a maior attenção a proposta apresentada pelo meu illustre amigo e collega o sr. Azevedo Castello Branco, e sinto ter de dizer a s. exa. que a commissão de guerra não póde concordar com ella pelas rasões que vou expor.
Em primeiro logar estou auctorisado por s. exa. o sr. ministro da guerra a declarar a v. exa., á camara e ao illustre deputado que o sr. ministro tem na maior consideração as observações que o sr. Azevedo Castello Branco acaba de fazer, e que n'uma proposta de lei especial attenderá ás circumstancias em que se encontra a distinctissima classe a que s. exa. pertence.
É certo, porém, que a acceitação da sua proposta ia alterar bastante a economia do projecto, e que direito, senão igual, pelo menos similhante, poderia ser reclamado por parte de outras classes que tambem têem vencimentos por diuturnidade de serviço.
A consideração feita por s. exa. de não ser excessivamente vantajosa a reforma para a classe a que pertence, pela circumstancia de n'esta situação ter vencimento inferior ao da actividade não colhe n'este caso especial, porque se dá o mesmo para os officiaes de todas as armas chamadas especiaes que perdem extraordinariamente na reforma, por isso que recebem gratificações na effectividade do serviço.
Por estas rasões declaro em nome da commissão, que, com grande sentimento seu, não póde acceitar a proposta do illustre deputado.
Alem d'isso ha ainda uma outra rasão. O pedido de s. exa. seria demasiadamente mesquinho para satisfazer a um estado tão grave como aquelle em que s. exa., apresentou a sua classe. O governo deseja fazer muito mais em favor d'essa classe do que dar-lhe um insignificante augmento de vencimento. (Apoiados.)
O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - Nada tenho a acrescentar ás palavras proferidas pelo illustre relator do projecto, o sr. Abreu e Sousa; só tenho que confirmal-as.
Referindo-me, porém, á declaração feita por s. exa., com auctorisação minha, direi simplesmente que eu reconheço quanto está desfavorecida a meritoria classe dos facultativos do exercito, que bem merece ser attendida com uma melhor organisação, tanto pelo que respeita a grandeza do quadro, como em relação aos seus vencimentos.
No entanto, é este um assumpto que não era possivel tratar-se conjunctamente com o projecto em discussão.
É de per si bastante importante o assumpto, e muito discutido e tratado tem elle sido ha muitos anãos em diversas tentativas e varios projectos de lei, para merecer uma proposta de lei especial.
Tenciono por isso apresentar na futura sessão uma proposta ao lei, na qual eu procurarei satisfazer as justas aspirações da classe medica militar, tanto pelo que respeita á melhor organisação do seu quadro, como ás suas remunerações.
É isto unicamente o que eu desejava dizer.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

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O sr. Ruivo Godinho: - Sr. presidente, julgava que, eram precarias as circumstancias do thesouro e contava muito com o patriotismo, que tinha por certo do exercito portuguez, e especialmente da parte dos briosos officiaes, por isso não esperava que um projecto d'estes viesse á discussão.
O exercito e especialmente os officiaes com patriotismo sufficiente para servirem o seu paiz por pouco dinheiro, como têem feito até aqui, as circumstancias do thesouro pouco desafogadas e a não permittirem a dar a cada um o que lhe é devido, tudo isto, sr. presidente, me fazia suppôr que se não proporia qualquer medida como esta que creasse novas despezas, ou augmentasse as existentes; mas não aconteceu assim, e vem á discussão um projecto, que augmenta muito a despeza do estado, e como eu não posso duvidar do patriotismo do exercito e nem me consta por gloria sua, que pedisse augmento de soldo, hei de concluir que o estado da fazenda publica não é tão angustioso como eu julgava.
E com effeito, o sr. relator do parecer disse que tinhamos meios de sobra para fazer face ás despezas creadas ou augmentadas pelo projecto, e que o augmento do soldo proposto significa apenas um acto de justiça, e não envolve uma generosidade feita á briosa classe da oficialidade do exercito portuguez.
Folgo com estas declarações do sr. relator da commissão, e já que estamos em condições desafogadas de fazer justiça, façamol-a a todos e comecemos por aquelles que mais precisam d'ella.
Sr. presidente, se a classe dos officiaes superiores está mal remuneradas, peor está a dos subalternos, e muito peor ainda está a dos officiaes inferiores e praças de pret.
Hontem disse aqui o sr. Fuschini, que quando se trata de fazer justiça, se deve começar pelas classes mais necessitadas; eu concordo plenamente com este principio, que julgo absolutamente verdadeiro, por isso começo por propor um pequeno augmento no vencimento das praças de pret e dos officiaes inferiores, e tão justa é esta proposta e tão pequeno é o augmento que eu proponho, que julgo que não haverá ninguem que o rejeite.
Sr. presidente, eu julgo, que este pequeno augmento está primeiro que todos os outros e é tão justo e tão urgente, que se devia votar, ainda que as circumstancias do thesouro não fossem tão favoraveis, como nol-as pintou, o sr. relator da commissão.
É sabida a repugnancia com que o nosso povo se presta ao serviço militar, esta repugnancia é aggravada com a circumstancia do diminutissimo salario que se dá ao soldado; eu quereria que o salario do soldado no serviço das armas, porque é mais captivo e mais violento, fosse ainda maior do que o do trabalho livre, mas já que não póde ser assim, demos-lhe, ao menos uma prova de que quando nos lembrâmos dos grandes não nos esquecemos d'elle.
Sob este ponto de vista podia eu fazer muitas considerações á camara, e de certo as faria se não visse a pressa com que se está de se acabar tudo em pouco tempo, mas se não continuo n'essa serie de considerações, que sob este ponto de vista podia fazer, não deixarei de ponderar, que o argumento muitas vezes apresentado, de que as condições de vida, se têem tornado mais difficeis, procede tambem em relação ás praças de pret e ainda mais em relação aos officiaes inferiores; para estes servidores do estado tambem as condições de vida estão mais difficeis, e se todos os salarios têem subido, não ha rasão para que não subam os das praças de pret e o dos officiaes inferiores.
Sr. presidente, pela rasão já dita, da pressa com que a camara está, não faço mais considerações a respeito da boa justiça e direito que assiste ás praças de pret e officiaes inferiores para serem contemplados no projecto de que se trata, e farei tambem leves considerações a respeito dos officiaes reformados e alferes graduados, por parto de alguns dos quaes tenho apresentado aqui já requerimentos
a reclamar o seu direito, e faço-o, sr. presidente, não só por estar convencido da justiça que lhes assiste, mas tambem por me julgar constituido na obrigação de o fazer, desde que aqui apresentei as suas reclamações.
E na verdade, sr. presidente, as rasões que militam para os officiaes que vão ser reformados militam a favor dos que já o estão actualmente e desde que o sr. ministro da guerra diz no seu relatorio que estes officiaes estão a morrer de fome, a consequencia necessaria para quem quizer ser justo é matar-lhes a fome; se não se fizer isto cáe-se na grandissima, desigualdade de ter em precarias, circumstancias officiaes que se sacrificaram pela patria ao mesmo tempo que, outros da mesma graduação ou de graduação inferior estão em melhores condições e talvez sem se terem sacrificado tanto por terem vivido em tempos menos calamitosos.
Isto é duro, isto é injusto e não deve ser, por isso eu proponho que o beneficio da lei que se discute, se estenda aos officiaes actualmente, reformados, que merecem tanto senão mais do que os que vão agora reformar-se.
A outra classe a que me quero referir, e em nome de quem apresentei tambem aqui a sua reclamação, são os alferes graduados.
Em um requerimento que apresentei á camara, e que, como pedi, deve ter sido presente á commissão vem muito bem deduzidas as rasões que procedem a seu favor: a commissão não as quiz attender completamente e nem ao menos no relatorio deu um motivo qualquer do seu procedimento, por isso escusado será reproduzil-as agora aqui, mas não posso deixar de dizer que não comprehendo, que tendo os alferes graduados as mesmas habilitações que têem os effectivos, desempenhando os mesmos serviços que elles desempenham, occupando na sociedade a mesma posição que os effectivos occupam, não hão de ter os mesmos vencimentos que têem os effectivos, que não têem mais necessidades, que não fazem mais serviços, nem têem mais habilitações do que os graduados.
O sr. João Pinto: - Apoiado.
O Orador: - E porque não vejo nenhuma rasão para a differença, proponho que a ultima verba da tabella n.° 1 seja substituida nos seguintes termos:
Alferes effectivos e graduados ou segundos tenentes, réis 30$000.
Esta substituição é tambem assignada pelo meu distincto collega e particular amigo o sr. João Pinto, que acha justas as pretensões dos alferes graduados, e que me acompanha nas considerações que eu acabo de fazer, e o que eu admiro e lamento, sr. presidente, é que não seja senão o meu amigo que me acompanhe n'esta especie de cruzada a bem de uma causa tão justa.
Eu queria ver a camara em peso a attender de preferencia aos mais pequenos e mais necessitados, mas vejo o contrario, e lamento-o!
Não digo mais, sr. presidente, porque não quero melindrar a susceptibilidade da camara, nem contrarial-a na pressa com que está de votar o projecto.
Mando para a mesa as propostas e substituição a que me referi.
Tenho dito.
Leram-se na mesa as seguintes.

Propostas

Additamentos:
Proponho que se eleve o pret das praças com 20 réis diarios sobre o que actualmente recebem, e o dos officiaes inferiores com mais 100 réis. = Ruivo Godinho.
Proponho que a tarifa a que se refere este projecto, tabella n.° 2, seja extensiva aos officiaes actualmente reformados. = Ruivo Godinho.

Substituição:
Proponho que a ultima verba da tabella n.° 1 seja sub-

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1994 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

stituida nos seguintes termos: - Alferes effectivos e graduados ou segundos tenentes, 30$000 réis. = Ruivo Godinho = João Pinto.
Foram admittidas.

O sr. Avellar Machado: - Registo com prazer a declaração do nobre ministro da guerra de que na proxima sessão legislativa apresentará ap parlamento uma proposta que attenda aos justificados queixumes da classe medico castrense, que tão menospresada tem sido sempre.
Peço a s. exa. que não deixe de attender tambem ás precarias circunstancias em que vivem os veterinarios militares; porque se continuarmos a offerecer-lhes tão mesquinhas vantagens, como as que hoje lhes damos, inutil será abrir concurso para o preenchimento de qualquer vacatura porque elles procurarão sempre muitas outras colocações mais rendosas e menos trabalhosas e encontral-as-hão, principalmente no ministerio das obras publicas, que os remunera muito bem.
v. exa. sabe perfeitamente que nos dois ultimos concursos que se abriram no ministerio da guerra para preenchimento das vacaturas de veterinarios, não houve um só concorrente.
É ainda indispensavel que v. exa. attenda aos alferes graduados, que constituem uma verdadeira classe de proletarios militares.
Estes desgraçados officiaes não recebem a remuneração sufficiente para satisfazer ás mais somenos exigencias da sua posição, e em harmonia com os deveres que têem a cumprir.
Eu pouco peço. A classe dos alferes graduados é uma classe legalmente extincta. Existem já mui poucos na arma de infanteria e dentro em poucos mezes desapparecerão de todo. Por este lado não seria indispensavel tomar qualquer providencia para lhes minorar a sorte. Mas na arma de cavallaria são elles bastante numerosos (creio que excedem a noventa) e deverão conservar-se n'esta situação durante seis, sete e oito annos.
Portanto é absolutamente indispensavel que se melhorem os vencimentos d'esta classe de officiaes; motivos de disciplina; de ordem publica e de humanidade imperam para que os poderes publicos não despresem esta questão.
Eu proponho que se lhes dê o soldo de 24$000 réis mensaes, e ninguem dirá que esta quantia seja mais que a strictamente necessaria para se viver com toda a economia. (Apoiados.)
O soldo de 24$000 réis com a gratificação de exercicio de 5$000 réis, permittir-lhes-ha que vivam com a decencia exigida a quem põe o galão de ouro do official. (Apoiados.)
Rogo tambem ao sr. ministro da guerra que olhe para a situação dos tenentes coroneis de engenheria. Alguns d'estes officiaes têem quarenta e cinco annos de bom e effectivo serviço e ainda não vêem surgir no horisonte a esperança de serem promovidos ao posto immediato! Esta situação é illegal e intoleravel. (Apoiados.)
No decreto de 28 de outubro de 1886, que reformou o serviço technico do mkinisterio das obras publicas, estatuiu-se que os officiaes, que ficassem pertencendo aos quadros d'este ministerio, na promoção a coronel saíriam dos quadros de guerra. É bem clara e terminante a lei, e não póde dar origem á menor duvida. Apesar d'isso, esta disposição não tem infelizmente cumprido, e portanto é indispensavel tomar uma medida qualquer que ponha cobro a este estado anormal de cousas, que tão prejudicial tem sido para a arma de engenheria.
Ouso ainda lembrar ao sr. ministro da guerra que deve ir pensando na maneira de no futuro fazer o recrutamento para as armas especiaes, e corpo do estado maior.
Para o estado maior, engenheria e artilheria exigem-se habilitações de primeira ordem, e é necessario que se dêem vantagens correspondentes aos individuos que se destinam a essas carreiras, vantagens que compensem os labores e a prolongada applicação que para estas armas se exige.
Isto é importante, e o illustre ministro que se tem dedicado com zêlo ao estudo dos assumptos que dizem respeito ao exercito, e seguido as tradições brilhantes que lhe legou o seu antecessor, não poderá deixar de tomar na devida conta estas minhas observações.
Espero que s. exa. não descurará este assumpto.
Termino, agradecendo ás commissões de guerra e de fazenda o interesse que mostraram no exame imparcial d'este projecto, e declaro que lhe dou o meu voto tanto na generalidade, como na especialidade, confiando que o sr. ministro da guerra, em propostas especiaes, attenderá ás minhas considerações, isto é, á sorte dos medicos castrenses, dos veterinarios militares, dos alferes graduados e dos tenentes coroneis de engenheria, estudando ao mesmo tempo qual a situação creada para as armas especiaes, em virtude d'esta lei.
Tenho dito.
O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - Pedi a palavra unicamente para declarar que tomo na devida consideração as judiciosas observações que acaba de fazer o sr. deputado Avellar Machado, pelo que respeita á deficiencia em que se encontram diversos serviços do exercito, alguns dos quaes já tenho estudado, podendo assegurar a s. exa. e á camara que opportunamente procurarei fazer, quanto esteja ao meu alcance, para que sejam melhorados.
(S. exa. não reviu.)
o sr. João Pinto: - Eu vou resumir quanto possivel as minhas considerações, porque sei a urgencia que ha em se fazer approvar este e outros projectos.
O meu illustre collega e amigo o sr. Ruivo Godinho apresentou uma proposta para que os alferes graduados fossem equiparados aos effectivos emquanto a vencimentos.
A lei de 1884 extinguiu a classe dos alferes graduados. Apesar d'isso, ainda existem alguns em infanteria e ha muitos em cavallaria, creio que uns sessenta e quatro. Estes sessenta e quatro, pelo modo por que se faz a promoção, podem estar n'esta classe nove a dez annos e o soldo é meramente de 600 réis.
Ora, fazendo estes officiaes o mesmo serviço que os effectivos, não comprehendo por que não hão de ter as mesmas vantagens.
Alem d'isso, não sei como se viver com o insignificante ordenado que têem estes militares.
Não quero tomar mais tempo á assembléa e limito-me a pedir ao governo que tenha por esta classe toda a consideração.
Se queremos que o exercito seja considerado e respeitado, é preciso que aquelles que o compõem tenham o subsidio indispensavel para viver em harmonia com a sua posição social.
Repito, não comprehendo que os alferes graduados possam viver com 600 réis diarios, tendo ainda de tirar d'ahi o dinheiro necessario para as despezas de fardamento.
Espero que o sr. ministro da guerra, que tanto tem em vista o exercito, fará tudo quanto possa em favor d'esta classe, que é designa da attenção dos poderes publicos.
O sr. Sousa Machado: - Os meus illustres collegas, dignos representantes das provincias ultramarinas; fizeram-me a honra de me encarregar de declarar á camara que, para não prejudicar a discussão do projecto relativo ás tarifas militares, não apresentam uma proposta para que as suas disposições se tornem extensivas aos officiaes do ultramar, mas que esperam que o governo, tomando em consideração os relevantes serviços prestados em climas inhospitos por aquelles officiaes, tratará de attender aos seus justos interesses ou em projecto de lei especial, ou na futura reorganisação do exercito do ultramar, para evi-

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tar desigualdades, que são sempre odiosas, e que podem prejudicar a boa ordem do serviço e da disciplina militar.
O sr. Ministro, da Fazenda (Marianno de Carvalho.): - Como não está presente o sr. ministro da marinha, eu tomo a palavra para dizer ao illustre deputado que já tive a honra de fallar sobre o assumpto com aquelle meu collega, e devo dizer a s. exa que o governo tem na maior consideração o exercito do ultramar; mas para melhorar a sua situação é necessario reorganisal-o, como tambem é necessario reorganisar em grande parte, a administração ultramarina que é pouca satisfactoria.
Bastará dizer que ali, com poucas excepções, nem se quer ha contabilidade. (Apoiados.) Em todo, o caso, creia o illustre deputado que o governo empenha-se em melhorar a sorte do exercito do ultramar, e que n'esse intuito apresentará em tempo oportuno as medidas convenientes;
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: - Está, esgotada a inscripção sobre o projecto. Vae ler-se para se votar a generalidade.
O sr. Carrilho (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer votação nominal sobre este projecto.
Resolveu-se negativamente.
Lido na mesa o projecto, foi approvado na generalidade.
O sr. Abreu e Sousa (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que todos os artigos do projecto entrem conjuntamente em discussão.
Assim se resolveu.
O sr. Dantas Baracho: - Serei muito breve. Associo-me aos meus illustres collegas que pozeram em relevo a precaria situação em que se encontram os alferes graduados.
Na sua resposta assegurou o sr. ministro da guerra procuraria tornal-a mais suave, melhorando as tristes circumstancias d'essa classe de officiaes do nosso exercito.
Em presença das declarações do illustre ministro eu confio em que s. exa. dará remedio e prompto aos males que lhe foram indicados, confiando igualmente na promessa feita por s. exa. com relação aos medicos militares, cujo estado, pelo que respeita á promoção, é dos mais tristes.
Já na sessão de 1884, quando se discutiu a reforma da lei eleitoral, eu tive occasião de fallar a respeito dessa classe, mostrando quanto estava mal remunerada.
Uno, portanto, agora, os meus votos aos do meu illustre collega o sr. José de Azevedo Castello Branco para que se attenda á situação dos medicos militares, como tambem se deve attender á dos alferes graduados que são em numero de 64 na urna de infanteria e de 25 na de cavalleria, e que só á custa de muitissimos sacrificios podem manter a dignidade da sua posição. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Ninguem mais está inscripto. Vão ler-se os artigos do projecto para serem votados.
Leu-se o artigo 1.º
É o seguinte:

Artigo 1.° Os soldos dos officiaes combatentes, não combatentes, e empregados civis com graduação de official, serão regulados na actividade do serviço, na disponibilidade e na inactividade, temporaria por motivo de doença, pela tarifa estabelecida na tabella n.° 1, que faz parte da presente lei.
§ 1.° Os soldos desta tarifa serão reduzidos:
a) A 0,50, quando os que os perceberem estiverem presos em cumprimento de sentença ou com licença registada;
b) A 0,60, quando os que os perceberem, estiverem soffrendo as penas disciplinares de inactividade e prisão correccional;
c) A 0,80, quando os que os perceberem estiverem na inactividade temporaria por motivo de doença, que exceda a seis mezes.
§ 2.º Perde-se o direito á totalidade do soldo:
a) Em todo o tempo que a licença registada exceder a seis mezes dentro de um periodo de doze mezes consecutivos;
b) Na situação de inactividade quando esta houver sido solicitada pelo interessado.

Tabella n.° 1 a que se refere este artigo

Tarifa dos soldos dos officiaes combatentes, não combatentes e empregados civis com graduação de official

[Ver Tabela na Imagem]

General de divisão....
General de brigada....
Coronel....
Tenente coronel....
Major....
Capitão....
Tenente ou primeiro tenente....
Alferes ou segundo tenente....

Foi approvado o artigo com a respectiva tabella.
O sr. Presidente: - ha um additamento a este artigo, apresentado pelo sr. José de Azevedo Castello Branco.
Vae ler-se.
Leu-se a seguinte:

Proposta

§ 3.° Aos cirurgiães mores que tenham quinze annos de serviço no mesmo posto é concedido o augmento de mais 5$000 réis de gratificação por diuturmidade de serviço, sem prejuizo da gratificação a que tenham direito pelas leis anteriores. = O deputado, J. de Azevedo Castello Branco.
Foi rejeitada.

O sr. Presidente: - Vae ler-se outro additamento que foi proposto pelo sr. Ruivo Godinho.
Leu-se a seguinte:

Proposta

Proponho que se eleve o pret das praças com 20 réis diarios sobre o que actualmente recebem e o dos officiaes inferiores com mais 100 réis. = Ruivo Godinho.
Foi rejeitada.

O sr. Presidente: - Ha ainda uma proposta assignada pelos srs. Ruivo Godinho e João Pinto.
Leu-se. - É a seguinte:

Proposta

Proponho que a ultima verba da tabella n.º 1 seja substituida nos seguintes termos: - Alferes effectivos e graduados ou segundos tenentes, 30$000 réis. = Ruivo Godinho = João Pinto.

O sr. Presidente: - Esta substituição ficou prejudicada pela approvação do artigo 1.º e respectiva tabella.
Leu-se o artigo 2.º do projecto.
É o seguinte:
Artigo 2.º Aos officiaes combatentes das armas de cavallaria e infanteria, aos não combatentes e empregados civis com graduação de official em serviço effectivo nos corpos, serão abonadas as gratificações mensaes, contantes da tabella n.º 2, que faz parte da presente lei.
§ 1.º Aos tenentes coroneis, majores e officiaes de graduação inferior a este posto, pertencentes ás referidas armas no exercicio de commando de regimento ou batalhão isolado, continuarão a ser abonadas unicamente as gratificações estabelecidas na legislação actualmente em vigor.
§ 2.º Aos officiaes subalternos no commando de companhia ou exercendo as funcções de ajudante, será abonada

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1996 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

a gratificação actualmente estabelecida, alem da indicada na referida tabella.

Tabella n.° 2 a que se refere este artigo

Gratificações mensaes dos officiaes, combatentes, não combatentes e empregados civis com graduação de official, em serviço effectivo nos corpos

[Ver Tabella na Imagem]

Tenente coronel ou major de cavallaria e infanteria....
Tenente de cavallaria e infanteria....
Alferes effectivo e graduado de cavallaria e infanteria....
Veterinario de 1.ª classe....
Veterinario de 2.ª e 3.ª classes....
Capellão de qualquer classe....
Picador de qualquer classe....
Quarteis mestres e aspirantes da administração....
Almoxarifes....

Approvado o artigo com a respectiva tabella.
O sr. Presidente: - Vae ler-se um additamento do sr. Ruivo Godinho.
Leu-se a seguinte:

Proposta

Proponho que a tarifa a que se refere este projecto, tabella n.° 2, seja extensiva aos officiaes actualmente reformados. = Ruivo Godinho.
Posta á votação foi rejeitada.
Leu-se o artigo 3.° É o seguinte:

Artigo 3.° Os officiaes generaes, qualquer que seja a commissão de serviço que desempenhem, não receberão gratificação inferior á sua patente.
Foi approvado.
Leu-se o artigo 4.° É o seguinte:

Artigo 4.° Para o effeito do- abono das gratificações aos officiaes de engenheria, artilheria e do corpo do estado maior cessa a distincção entre gratificações activas e de residencia, sendo todas igualadas ás primeiras.
§ unico. Ás gratificações dos officiaes das referidas armas e corpo no desempenho de quaesquer serviços ou commissões comprehendidas nos respectivos quadros, serão reguladas pela tabella n.º 3.

Tabella n.° 3, a que se refere este artigo

Gratificações mensaes dos officiaes das armas de engenheria, artilheria e do corpo do estado maior

[Ver Tabela na Imagem]

Postos

Alferes ou segundo tenente....
Tenente ou primeiro tenente....
Capitão....
Major....
Tenente coronel....
Coronel....

Foi approvado o artigo com a tabella.
Leu-se o artigo 5,° É o seguinte:

Artigo 5.° Continuam em vigor as gratificações arbitradas aos commandantes dos regimentos, batalhões e companhias, bem como os augmentos de vencimento actualmente fixados por diuturnidade de serviço e todas as outras gratificações auctorisadas pela legislação vigente, e não especialmente alteradas pela presente lei.
Foi approvado.
Leu-se o artigo 6.° É o seguinte:

Artigo 6.° As reformas dos officiaes combatentes e não combatentes do exercito, o dos empregados civis com graduação de official, serão de duas especies ordinarias e extraordinarias.
Foi approvado.

O sr. Presidente: - Com respeito a este assumpto das reformas, apresentou o sr. Serpa Pinto uma proposta de additamento que póde ser posta agora á votação.
(Leu-se.)
É a seguinte:

Additamento

Artigo... A reforma é obrigatoria para todo o militar que tiver setenta annos completos de idade.
§ unico. Exceptuam-se os militares que, á data da promulgação da presente lei, estiverem nas condições do artigo antecedente e que tiverem feito as campanhas da liberdade. = Serpa Pinto.
Foi rejeitado.
Leu-se o artigo 7.° É o seguinte:

Artigo 7.° Para qualquer dos individuos designados no artigo, antecedente ter direito á reforma ordinaria, são condições indispensaveis:
1.ª Ter quinze ou mais annos de serviço effectivo;
2.ª Incapacidade, physica ou moral de continuar no desempenho activo das funcções do seu posto ou graduação, comprovada pela inspecção de uma junta militar de saude.
Foi approvado.
Leu-se o artigo 8.° É o seguinte:

Artigo 8.° Têem direito á reforma extraordinaria os officiaes e empregados civis com graduação de official, com qualquer tempo de serviço, quando se prove que a incapacidade de continuar no serviço activo proveiu de ferimento ou desastre grave occorrido em combate, na manutenção da ordem publica ou no desempenho de outros deveres militares.
§ unico. A incapacidade, que dá direito á reforma extaordinaria, será tambem comprovada pela junta militar de saude.
Foi approvado.
Leu-se o artigo 9.° É o seguinte:

Artigo 9.° Os officiaes a quem for concedida a reforma, tanto ordinaria como extraordinaria, serão classificados pela junta de saude em duas categorias: a 1.ª comprehenderá os incapazes de todo o serviço; a 2.ª, os incapazes do serviço activo.
§ 1.° Os officiaes da 2.ª categoria poderão ser emprehados como adjuntos na secretaria da guerra, nos commandos das praças de 2.ª classe, nos commandos dos districtos das reservas e em outras commissões sedentarias do serviço militar, em harmonia com as suas aptidões.
§ 2.° Os officiaes da 2.ª categoria poderão passar á 1.ª quando o requeiram e sejam julgados incapazes de todo o serviço pela junta militar de saude.
Foi approvado.
Leu-se o artigo 10.° É o seguinte:

Artigo 10.° As reformas ordinarias serão reguladas pela seguinte fórma:
1.° Os officiaes combatentes e não combatentes e os empregados civis com graduação de official, que tiverem quinze a vinte annos de serviço effectivo, serão reformados no mesmo posto, com 0,50 do soldo da sua patente;
2.° Com vinte a vinte e cinco annos, no mesmo posto e 0,60 do soldo;
3.° Com vinte e cinco a trinta annos, no mesmo posto e 0,80 do soldo;
4.° Com trinta a trinta e cinco annos, no mesmo posto e soldo da sua patente.
§ 1.° Os generaes de divisão com quarenta e cinco an-

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nos de serviço effectivo, serão reformados com o augmento de 0,20 do soldo da sua patente.
§ 2.° Os generaes de brigada com quarenta annos de serviço effectivo serão reformados com o augmento de 0,30 do soldo da sua patente e graduação do posto immediato, e aos trinta e cinco annos, de serviço com mais 0,20 do soldo do seu posto e graduação do immediato.
§ 3.° Os coroneis e capitães com, trinta e cinco annos de serviço effectivo, serão reformados com o augmento de 0,20 do soldo da sua patente e graduação do posto immediato.
§ 4.° Os tenentes coroneis, majores, tenentes e alferes, com trinta e cinco annos de serviço effectivo, serão reformados com o augmento de 0,10 do soldo da sua patente e graduação do posto immediato.
Foi approvado.

Leu-se o artigo 11.° É o seguinte:

Artigo 11.° Os vencimentos correspondentes á reforma extraordinaria serão iguaes ao soldo da effectividade do posto que o official tiver no acto da reforma.
Foi approvado.

Leu-se o artigo 12.° É o seguinte:

Artigo 12.° O tempo de serviço de campanha será contado pelo dobro para o effeito da reforma, continuando em vigor o que se acha determinado na legislação actual, com respeito ao serviço feito nas provindas ultramarinas pelos officiaes do exercito da metropole.
Foi approvado.

Leu-se o artigo 13.° É o seguinte:

Artigo 13.° Para occorrer ao augmento de despeza proveniente do systema de reformas estabelecido na presente lei, serão deduzidos 2 por cento nos soldos que excederem 30$000 réis mensaes, percebidos pelos officiaes e mais individuos com graduação de official, em todas as situações, com excepção da de reforma.
§ 1.° Durante os primeiros cinco annos economicos a deducção a que se refere este artigo será de 2,5 por cento.
§ 2.° Para os officiaes que exercerem commissões não dependentes do ministerio da guerra, a deducção será feita na parte dos vencimentos correspondente ao soldo da sua patente.
Foi approvado.

Leu-se o artigo 14° É o seguinte:

Artigo 14.° São igualmente extensivas as disposições d'esta lei, na parte applicavel, aos officiaes combatentes e não combatentes da armada.
Foi approvado.

Leu-se o artigo 15.° É o seguinte:

Artigo 15.° São garantidas aos actuaes officiaes combatentes e não combatentes do exercito e da armada as reformas, aposentações e jubilações a que possam ter direito em virtude de leis especiaes.
Foi approvado.

Leu-se o ultimo artigo. É o seguinte:

Artigo 16.° Fica revogada a legislação em contrario.
Foi approvado.

O sr. Carrilho: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que rejeitei o projecto de lei n.° 179, sobre tarifas militares. = A. Carrilho.
Para a acta.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 186, reforma da pauta aduaneira

O sr. Fuschini: - Na sessão nocturna de hontem não consegui terminar a minha exposição. Seguindo, todavia, o systema que para mim tem sido invariavel, não farei o resumo ou a synthese do que expuz hontem.
Uma das conclusões, do meu discurso, foi que os ganhos da moagem eram importantissimos. Esta conclusão, que me parece irrefutavel, tem tanto mais valor quanto, como é sabido, o projecto da commissão eleva o direito protector sobro as farinhas.
Passarei agora a outra face da questão sujeita a discussão, de cujo conhecimento completo e perfeito depende, a meu ver, uma resolução justa e equitativa.
Vou referir-me á padaria, isto é, á transformação da farinha em pão.
Sr. presidente, não vou explicar á camara, que é muito illustrada, o que é a panificação; todos sabem que ella tem por fim dar ás substancias principaes da farinha, o gluten e o amido, um estado, tal que as torne soluveis nos liquidos do estomago, isto é, assimilaveis. Todos conhecem tambem as operações successivas pelas quaes se consegue a panificação, cuja perfeição o propriedades alimenticias dependem principalmente da qualidade do gluten, que encerra a farinha.
Sr. presidente, não me parece, que no nosso paiz se tenham feito experiencias para determinar qual a quantidade de pão produzido por um certo volume de farinha soccorrer-me-hei agora, como hontem me soccorri, de experiencias feitas em outros paizes sobre trigo de igual densidade e similhante qualidade, aos dos nossos trigos molles nacionaes e importados.
Está admittido que a farinha, transformada em pão, produz um peso de 130 por cento, isto é, que 100 kilogrammas de farinha panificada produzem 130 kilogrammas de pão.

Ora, sr. presidente, admittida esta relação é facilimo de calcular, tambem approximadamente, qual é a somma que tira a padaria para beneficio e despeza de fabrico. Admittindo-se, como hontem expuz á camara, que a primeira classe das farinhas tem o preço medio de 83,25 réis, 100 kilogrammas custarão 8$325 réis; ora 130 kilogrammas de pão vendidos ao preço de 80 réis, que é o preço corrente do nosso mercado, dão 10$400 réis, o que immediatamente determina a quantia de 2$075 réis, para beneficio do padeiro e despeza de fabrico, ou seja, em cada meio kilogramma de pão cerca de 8 réis.
Repito n'este ponto o mesmo que disse em relação ás moagens; não sei se esta somma é importante ou não, mas vou comparal-a com a determinada pela commissão de subsistencia de Paris, e mostrarei á camara que é muito superior ao maximo arbitrado por esta commissão.
Quando o conselho municipal de Paris tinha o regimen de taxa obrigatoria, isto é, fixava o maximo do preço por que o pão podia ser vendido, concedia ao padeiro a somma de 11 francos, isto é, 1$980 réis por sacco de farinha de 157 kilogrammas, para beneficio e despezas de fabrico.
A quantia de 2$075, réis que acabo do calcular para 100 kilogrammas, feita a proporção para 157 kilogrammas de farinha, eleva-se a 3$257,75 réis, que attinge quasi o dobro do que era arbitrado em Paris.
Enorme ganho, certamente, obtem a padaria, mas dividido por um grande numero de productores, o que o dynamisa e transforma, apenas, na legitima remuneração do trabalho de innumeros individuos, que se dedicam ao fabrico do pão. Aqui não é de esperar que se possam fazer reducções consideraveis.
Diz muito bem o illustre relator, que o effeito pernicioso da concorrencia de pequenas industrias co-existentes, com insignificante differença de producção, é o de encarecerem
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1998 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

o producto, porque se o ganho é enorme na sua totalidade, divide se por muitos; alem na moagem dá-se exactamente o inverso, o ganho é enorme e divide-se por poucos. Por isso na moagem enriquece-se fabulosamente em pouco tempo, emquanto ha padaria ampara-se a vida e consegue-se sustentar-se, a familia; as circumstaucias são diversissimas. É preciso, pois, não querer tirar aos ganhos da padaria uma compensação do augmento do direito, quando isto fosse possivel. Seria justo fazel-o ao farinador, não ao padeiro.
Que a camara me releve este desenvolvimento; apesar de ter abusado da sua paciencia na sessão passada durante duas horas e um quarto, tratei a questão superficialmente, tocando apenas a sua flor. É provavel que muitos me accusem de ter descido a minucias; mais tarde se me fará a justiça, quando alguem se der ao trabalho de ler o que exponho á camara. Ver-se-ha então, que se concatenam todos os elementos do meu estudo, e que sem o seu conhecimento será perfeitamente impossivel tomar uma justa deliberação.
Digo e affirmo á camara, que grave erro se commette levantando conjunctamente os direitos sobre o trigo em grão e sobre a farinha; erro que provém do desconhecimento de elementos que parecem secundarios, mas que em questões d'esta ordem são indispensaveis, e constituem, muitas vezes, a chave dos problemas e das resoluções.
Chegando a este ponto pergunto á camara, se será possivel fornecer pão em Lisboa, e, portanto, no paiz, por preço inferior a 80 réis por kilogramma?
Affirmo que é possivel, com o direito, actual, e vou demonstrar que o kilogramma de pão, que custa 80 réis, póde descer a 70 réis, produzindo uma economia annual de mais de 1.000:000$000 réis para os consumidores.
Todos sabem que o capital nacional se forma lenta e progressivamente pela accumulação diaria e annual das economias individuaes e particulares, tanto menos o fisco arranca ao contribuinte, tanto mais cresce o capital nacional e se multiplica a riqueza publica.
Pedir 1.000:000$000 réis ao contribuinte, quando é indispensavel, quando uma urgencia nacional imperterivel assim o determina, é uma triste necessidade, mas é sacrificio dos cidadãos tem uma rasão de ser; quando, porém, ao não dá esse caso, quando é possivel, e realmente facil, economisar sommas importantes, é gravissimo erro, cabe gravissima responsibilidade em administrações publicas e aos governantes, não empregarem todos os esforços para deixar reproduzir pela industria e pelo trabalho do contribuinte esse capital, que aliás póde ir, como no caso presente, engrossar ainda grandes fortunas.
Um paiz não é rico, porque contem em si um pequeno numero de grandes fortunas, sel-o-ha realmente quando a sua riqueza se subdividir em pequenas fortunas dissiminadas por muitos. Rico é o paiz, que tenha poucos pobres; póde ser pobre, aquelle que tenha alguns millionarios.
O conselho municipal de Paris, que apesar de tudo, é considerado hoje em França uma administração modelo, e não admira nada que assim seja, porque realmente n'elle predomina o elemento socialista, e está provado e demonstrado hoje, pela theoria e pela experiencia, que o socialismo é um excellente administrador, essa communa de Paris, que passa por ser hoje um modelo de administração local, cuida cautelosamente da questão das substancias.
O seu regimen actual, não é já o regimen dos maximos; existe a liberdade commercial, mas o conselho municipal continua periodicamente a fixar a taxa para a venda do pão, que se denomina taxa officiosa.
Ora, ar. presidente, quer no tempo em que vigorava a taxa obrigatoria, quer agora que vigora a taxa oficiosa, rarissimas vezes o pão subiu acima do preço de 40 centimos, isto é, 72 réis por kilogramma; devendo v. exa. observar que o pão em Paris é de boa qualidade, e que se as industrias são caras pelo grande preço dos salarios, não é certamente n'uma capital como Paris que o salario é inferior ao de Lisboa.
Mas não é só isso. A formula de que se servia o conselho municipal de Paris para fixar o preço do pão era a seguinte:

[Ver Formula na Imagem]

Sendo:
F o preço de 157 kilogrammas de farinha;
P a somma concedida ao padeiro para beneficio e despeza do fabrico (11 francos ou 1$980 réis) de 157 kilogrammas de farinha em pão;
p o preço do kilogramma de pão.
Para que o preço do pão seja de 70 réis o kilogramma é necessario que seja:
F igual a 11$891 réis, isto é, que ,o kilogramma de farinha seja obtido por 75,73 reis;
P igual a 2$400 réis, isto é, mais 20 por cento sobre o preço arbitrado em Paris.
Ora, eu affirmo que a farinha se póde obter por este preço, não só porque jamais o attingiu em Paris, não podendo ninguem dizer que n'esta cidade as condições do fabrico e de producção sejam mais economicas do que em Lisboa, mas ainda por um calculo directo muito simples.
Um kilogramma de trigo custa no maximo 56,5 réis, que corresponde a 600 réis o alqueire de3,8 litros, preço por que jamais o compram as fabricas de moagem, o produz pelo menos 750 grammas de farinha e 212 grammas de semea, teremos, pois:

[Ver Tabela na Imagem

Farinha 0,750 + 75,73 réis....
Semea 0,212 + 23 réis....
Producto da venda....
Custo do trigo....
Para beneficio e fabrico....

Isto é, 520 réis por 100 kilogrammas de trigo transformado em farinha, isto é, mais 44,4 por cento sobre a cifra de 360 réis calculada, como maximo, pela commissão de subsistencia em Paris.
Na padaria póde admittir-se a seguinte regra: a farinha em pães de 2 kilogrammas dá um peso de pão igual ao do trigo empregado; o preço do pão é, pois, igual ao do trigo, menos o valor da semea 1/15 a 1/18 do preço do grão) mais a despeza da moagem e da padaria.
Fundando-nos n'esta regra, teremos tambem:

[Ver Tabela na Imagem]

Trigo 2 kilogrammas a 56,5 réis....
Semeas (1/18 de 113) a deduzir....
Moagem ( 360 + 20 por cento, por 100 kilog.)....
Padaria (1$980 + 20 por cento por 157 kilog.)....
Preço do pão de 2 kilogrammas....

Isto é, no caso de concedermos aos farinadores e aos padeiros mais 20 por cento das quantias que, em Paris lhe foram arbitradas pela commissão de subsistencias, ainda em Lisboa se poderá obter pão pelo preço de 70 réis o kilogramma.
Se se empregar ainda uma formula identica, que adopta o actual conselho municipal de Paris para fixar a taxa officiosa, tambem se chega á perfeita convicção de que em Lisboa se póde vender o pão por 70 réis o kilogramma com grau de beneficio para os intermediarios.
Por esta fórma firmei eu as minhas convicções a este respeito.

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SESSÃO DE 22 DE JULHO DE 1887 1999

Sr. presidente, é um grave problema economico, que se discute; n'este momento permitta-me v. exa. que lhe observe que, passado tres annos, tenho a este respeito a mesma opinião que em tempo expuz a camara, felizmente para mim; comquanto o sr. Emygdio Navarro entenda que deve tecer louvores, a quem muda de opinião som apresentar os argumentos e as rasões da mudança.
Não mudei de opinião acerca da acção, que deve ter o estado em questões sociaes d'esta ordem. Eis o que disse n'esta camara, na sessão de 1884, e o que constitue ainda para mim indiscutivel verdade: «Para mim o estado, na accepção moderna da palavra, é um compensador, não só no sentido de regular o movimento do mechanismo social, conservando-o na evolução natural e harmonica, mas ainda no sentido de não permittir que os elementos sociaes se atropellem, se esmaguem, ou sejam reciprocamente nocivos.
«Manter absolutamente, quanto o permittem as forças limitadas do homem, a justiça social, isto é, a liberdade e a igualdade das condições humanas em todas as suas manifestações; é, a meu ver, o seu fim exclusivo.
«N'este sentido eu diria, se me fosse permittida uma figura, que o estado é como aquelle operario vigilante e impassivel, que diante, do tear segue o trabalho da machina; para elle todos os fios têem igual valor e o seu proposito é que todos concorram para o resultado final; por isso approxima os que se afastam, ata os que se quebram e conserva entre todos as relações harmonicas e iguaes, sem as quaes o tecido sairia imperfeito.
«Se por um momento admittirmos que o tecido representa o progresso geral de um paiz, e os fios as differentes forças vivas, classes e individuos, que lhe constituem o trama, o operario dar-nos-ha a idéa de estado, como o comprehendo, como o define a moderna democracia.»
O governo, as camaras municipaes, as juntas de parochia, todas estas collectividades que constituem a unidade chamada estado, têem, entre as suas funcções mais elevadas, a de supprir a iniciativa particular e de impedir os conluios dos productores, introduzindo na producção monopolisada o elemento da livre concorrencia.
Sc entre os farinadores ha conluio para vender caras as suas farinhas, se a liberdade commercial não é compensada pela livre concorrencia e se constituiu o peior de todos os monopolios, então a acção do estado deve ser evitar a exploração de muitos por poucos, impedir por todas as fórmas que, irregular é injustamente, poucos enriqueçam á custa dos sacrificios de muitos.
Se os padeiros não sabem, ou não podem, aperfeiçoar a sua industria e embaratecel-a, então, a acção do estado é por um lado desfazer os conluios e por outro desenvolver os meios de producção, libertando as classes pobres de sacrificios, que são vexatorios.
Por isso lamento que, havendo na commissão de fazenda cavalheiros tão illustrados, alguns dos quaes partilham das idéas socialistas, não se levantasse ali um brado a favor de principios, que são lemmas do socialismo. Realmente, não basta que alguem se defina a si proprio; é indispensavel, pelo menos, que os actos corroborem as affirmações.
Vejam v. exa. e a camara a conclusão tristissima, a que nos somos levados. O pão em Lisboa devia ser mais barato 10 réis em kilogramma; o pão, provavelmente por effeito do augmento protector, vae ser mais caro 10 réis em kilogramma: differença, 20 réis, que o consumidor pagará e não devia pagar.
Vamos assim, arrancar aos cidadãos de Lisboa réis 900:000$000, e pergunto: em nome de que principio se faz isto? Em nome de que conveniencia publica se procede d'esta fórma?
Uma voz: - Mas está em erro.
O Orador: - Peço perdão a v. exa.; para dizer que se estou em erro convem demonstral-o, e não simplesmente affirmal-o, apesar da auctoridade de v. exa., porque tambem v. exa. pode estar em erro, quando suppõe a minha doutrina falsa.
S. exa. faz parte da maioria, e com as maiorias se tem admittido, por convenção, que está sempre a verdade. Se assim é, folgarei muito com que s. exa. me prove que estou em erro.
Estimarei muito que s. exa. me demonstre que o pão, que actualmente se paga por 80 réis o kilogramma, não pode ser pago por 70 réis.
Estimarei muito que s. exa. me demonstre que o augmento do direito sobre o trigo não trará comsigo a elevação do preço do pão.
Estimarei muito que a experiencia, depois de 31 de janeiro proximo, venha demonstrar que não são verdadeiras as minhas affirmações.
Tanto melhor, se tudo isso acontecer e se me enganar nas minhas tristes previsões.
Mas, sr. presidente, emquanto se não demonstrar o contrario, insisto na verdade das minhas affirmações. O consumidor será sobrecarregado pelo augmento do preço do pão. Lisboa, que devia economizar annualmente 450:000$000 réis, passará a pagar quantia igual, isto é, diminuir-lhe-ha a sua economia annual em 900:000$000 réis.
O grande illudido, ou talvez melhor, o grande desilludido será o agricultor, que, esperando da medida governativa algum beneficio, não auferira d'ella senão mais um desengano.
E chegados estamos ao ponto, em que vou desenvolver a doutrina das minhas propostas, fundando-me sobre os elementos de estudo, que acabo de expor á camara. Um facto me parece ter demonstrado cabalmente: o consumo geral prefere as farinhas dos trigos molles ás dos trigos duros nacionaes.
Será porque, como já disse, o gluten dos trigos duros é inferior em qualidade ao gluten dos trigos moles?
Será porque o systema de moagem empregado entre nós não produz com os trigos duros boa farinha para a panificação?
Não sei decidir-me; mas qualquer que seja a causa, convem estudal-a, porque as consequencias são as mesmas. Se esta causa está, como quasi todos, parecem suppor, na imperfeição das moagens, o remedio não é elevar o direito protector, é mais simples e está indicado pela natureza da questão. Consiste na adopção de um systema conveniente para ás moagens dos trigos nacionaes.
E realmente occorre logo a parceria, para não dizer syndicato, palavra que, segundo parece, anda actualmente mal vista, formada pelos ricos agricultores para o fim de organisarem os moagens dos seus trigos duros.
Pois se elles são directamente interessados, se por dois lados podem auferir lucros já pela venda dos seus trigos, já pelo fabrico da farinha, porque não fazem isto? Por varias rasões.
Em primeiro logar, nada mais simples, e que mais agrade a inercia nacional, do que pedir ao estado que nos enriqueça, substituindo os elementos de iniciativa individual, o amor do trabalho, a energia, a persistencia e a sagacidade, sem as quaes não ha riqueza, mas que exigem esforços e sacrificios e mesmo offerecem perigos, pela acção de outros e principalmente do estado. Nada mais simples e mais commodo.
Em segundo logar, é conhecida a timidez, que nos sempre manifestamos em atacar o que tem força, embora reconheçamos a injustiça d'essa força, e os inconvenientes
que d'ella resultam para a collectividade. Os farinadores são poderosos e ricos...
Sr. presidente, ainda me lembro de ter lido o meu Stuart Mill, e recordo-me de que este bom philosopho e economista inglez, constituindo o termo medio entre o socialismo e as doutrinas orthodoxas da escola harmonica de Bastiat, aconselha, quando a iniciativa particular não se manifesta, ou

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quando a sua acção é incompleta e imperfeita, a intervenção do estado.
Appliquemos este sabio preceito; já que a iniciativa particular não quer, ou não póde resolver esta difficuldade instante, resolva-a o estudo.
O governo, usando das suas extensas faculdades e dos seus largos meios de acção, pondo em jogo a sua poderosa iniciativa, monte as moagens dos trigos nacionaes; trate de os transformar em boa farinha, procure desenvolver por todas as formas o seu consumo. (Apoiados.)
Tratando d'esta materia respondeu-me hontem o sr. Marianno de Carvalho, que organisaria uma fabrica de moagens, para o fornecimento de 40:000 bôcas, pelo modico preço, de 90:000$000 réis!
É esta tentativa, que se devo fazer em larga escala. Ainda que com ella se dispendam 180:000$000 ou réis 270:000$000, não me intimidarei; principalmente quando sei, que o augmento dos direitos ha de provavelmente trazer para o paiz, um encargo annual, constante de 1.000:000$000 réis, pelo menos.
Á vista d'isto, realmente dou de barato com a maior vontade um capital de 270:000$000, 360:000$000 ou 450:000$000 réis gastos por uma só vez, e liberto o paiz do encargo annual, enorme, constante e violento, de milhares de contos de réis. E tanto mais gostosamente faço isto, quanto realmente, na minha posição e pela natural tendencia e amor que o homem dedica ao torrão aportado onde nasceu, sei que Lisboa pagará 50 por cento, pelo menos, dos sacrificios geraes, produzidos pulo augmento dos direitos de importação.
Dados estes raciocinios e estes elementos, estudada a questão, por esta fórma, appello para v. exa. e para a camara, não está indicada a minha primeira proposta?
Se um bom systema de moagem ha de melhorar a natureza das farinhas dos trigos rijos nacionaes, tornando-as acceitaveis para o consumo. Se os farinadores organisaram um conluio, cujos resultados são os de um verdadeiro monopolio, isto é, a rotina na industria e a fixação do um preço elevado para o producto. Se a alimentação publica ha de melhorar pelo emprego de farinhas mais ricas em gluten, como dizem ser as nacionaes. Só os ricos agricultores não podem ou não querem (o resultado é o mesmo) organisar-se em parceria de moagens em beneficio proprio e da agricultura portugueza:
Se tudo isto está demonstrado, a resolução de tão complexo problema está indicada na minha proposta: em primeiro logar auctorisar o governo a organisar fabricas para exclusiva moagem dos trigos rijos nacionaes; em segundo logar desenvolver o emprego d'estas farinhas, onde directamente póde; no exercito e na marinha aonde indirectamente actua, no consumo do capital por meio das padarias inunicipaes.
É mau o systema das moagens e por isso as farinhas nacionaes produzem pão, que o consumidor repelle? Adopte systemas modernos e aperfeiçoados.
Existe comluio entre os fornecedores ? Desfaço-o, introduzindo no monopólio o elemento de livre concorrência.
É caro e pouco nutritivo o pão, de que se alimentam as classes pobres? Faça-o fornecer barato e bom por meio das padarias municipaes.
Seriam estas as respostas logicas ás perguntas feitas e ás duvidas manifestadas. Pois exactamente por ser logico e seguro este procedimento, o governo retrahe se e lança-se nas aventuras, um tanto perigosas, do augmento do direito protector.
E como só attende ao perigo, procura apenas garantir-se d'elle, não pensa em mais nada; contenta-se, pois, em pedir a commissão que, se houver augmento de preço do pão, e tempestade provavel nas massas populares, o auctorise a descer o direito sobre o trigo em grão e na farinha!
Não me venham por fórma nenhuma dizer a mim, que o governo tem auctorisação para baixar os direitos até ao dia 31 de janeiro, e portanto evitará o augmento do preço do pão. Chegou o momento de reflectirmos um pouco sobre este systema.
Propõe a commissão de fazenda augmento no direito de importação dos trigos e das farinhas, e platonicamente contenta-se em auctorisar o governo até 31 de janeiro futuro a baixar estes direitos, se houver elevação no preço do pão. Isto é, na essencia, a celebre escala movel, com todos os seus defeitos conhecidos e mais um especial e novo: passado um certo periodo desapparecerá a escala movel e o imposto tornar-se-ha definitivo.
Não quero por fórma nenhuma cansar a camara dizendo-lhe o que era escala movel. Parece-me mesmo que a camara está tanto ao facto d'estas questões, que não lhes presta em geral muita attenção. E não me espanta nada isto. Nós acabâmos de votar, em magotes e a conversar, um projecto, que traz um augmento de despeza de 300:000$000 réis. Talvez o paiz lá fóra se admire um pouco com isto, a mim não me admira nada, porque tenho largo conhecimento do mechanismo interior do nosso parlamento.
Supponhainos que no dia seguinte áquelle em que foi convertido em lei este projecto o preço do pão augmenta, e admitiamos que o governo tem força para diminuir os direitos. É certo que, pelo menos, durante certo tempo, subsistiu o augmento sobre esta substancia de primeira necessidade; é certo que, mesmo n'este caso, a medida não é completa, porque durante um periodo mais ou mais consideravel o consumidor paga o pão por maior preço.
De resto é facil durante tão curto espaço, como áquelle que decorre até 31 de janeiro de 1888, não elevar o preço do pão, e tanto mais facil e economico é quanto os depositos estão replectos. Passado esse dia veremos.
Mas então está a camara dos deputados reunida, ella que resolva, dizem.
Para se responder isto é necessario não conhecer por fórma alguma a influencia da chamada politica entre nós, influencia que póde não conhecer o publico, mas que nós conhecemos de sobejo.
N'este momento mesmo tem v. exa. uma prova do que eu affirmo.
N'esta camara discute-se uma questão de somenos importancia, dá-se-lhe o caracter politico, empregam-se formulas e phrases, que se têem empregado invariavelmente; varia-se ás vezes, de fórma, mas não de essencia, porque esta em geral é nulla, estamos todos nós nos nossos logares e as galerias estão replectas: (Apoiados.)
Discute-se uma questão fundamental, assumpto que interessa vitalmente o paiz, problema economico de grande alcance social, os dignos pares do reino, como agora succede, vem conversar para esta camara, podendo conversar lá fora; os srs. ministros fazem o mesmo, conversam tambem, podendo estar nos seus logares ou em qualquer outra parte; os srs. deputados conversam entre si e com os srs. pares do reino, quando podiam fazer o. mesmo commodamente nas ante-camaras d'esta sala, e finalmente as galerias estão desertas, porque o publico não presentiu rethorica ou escandalo.
Lamentemos isto. (Apoiados.)
Ora com esta excellente educação politica e parlamentar ha muito a esperar!
Quem conhece, o que é a influencia politica no nosso paiz, quem sabe como os governos, entre nós, estão minados pela força mysteriosa das influencias e assedeados pelos empenhos, não acredita que haja governo algum com força e energia para arcar com as classes ricas, e decretar a redacção do direito; ha de haver sempre uma rasão para o não fazer.
Depois, como já disse, é fácil esperar até o dia 31 de janeiro futuro, com os armazens replectos de trigo. Até lá garanto a v. exa. que não haverá elevação de imposto.
Quando, porém, chegar o dia 31 de janeiro, e o im-

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posto cair no grande abysmo dos factos consummados, então no dia seguinte os farinadores hão de lembrar-se de que podem levantar o preço das farinhas e hão de fazel-o, porque, se não o fizerem, seriam, ingenuos e não corresponderiam ás facilidades, que generosamente lhes deu á commissão de fazenda; emfim reconhecerão que o seu direito protector se elevou de 20 a 22 réis, e é melhor vender farinha por 85 réis do que por 83 réis.
Quem não conhece a theoria dos factos consummados, que não é peculiar a Portugal infelizmente, doutrina pela qual se têm defendido as maiores injustiças e feito as maiores prepotencias?
Quererá então a camara, resolver; mas o agricultor, embora não tirasse o menor beneficio com esta elevação do direito, ha de continuar a lamentar-se, e .pedirá de elevação em elevação até ao direito prohibitivo, porque n'esse caso, apenas, os trigos nacionaes hão de ser consumidos todos ... pelos ricos; porque os pobres morrerão de fome, ou os proprios agricultores terão de vir em soccorro d'aquelles que queriam conservar o direito actual, ou propozeram a elevação do direito sobre o trigo, mas ao mesmo tempo a diminuição do direito sobre a farinha.
Em 31 de janeiro de 1888 os direitos actualmente propostos serão factos consumados.
Quando mais tarde o governo houver perdido a innocente arma que lhe deixamos, quando a camara, onde aliás parecem predominar agora elementos agricolas, quizer tocar n'esses direitos, ha de encontrar uma reacção violenta da parte do agricultor, porque seguindo este caminho só lhe resolveria o problema o direito prohibitivo.
Ora aqui tem v. exa. porque torno a dizer á camara que me considero socialista, como quando tinha vinte e cinco annos e estava já legalmente em uso de rasão. Preoccupo-me muito pouco que chamem socialista á minha proposta; applico o remedio conforme a doença.
Imagine sr. presidente, que as padarias municipaes de Lisboa, o exercito e a marinha, absorvem 45:000 kilogrammas de pão por dia, isto é, a terça parte do consumo actual de Lisboa, representaria isto um emprego certo annual de 16.500:000 kilogrammas ou cerca de 214.000:000 litros, isto é, uma parte já attendivel da producção geral do paiz.
Identicas accusações se fizeram contra os talhos municipaes, cujas funcções são, parecidas com aquellas que me proponho alcançar com as moagens, por conta do governo e com as padarias municipaes.
A camara municipal de Lisboa estabeleceu os talhos municipaes, porque entre os fornecedores d'este alimento se havia estabelecido conluio, como se constituiu entre os farinadores; o preço da carne ia subindo successivamente e em breve ameaçava attingir limites, que a tornariam inaccessivel ás classes pobres.
A camara municipal, da qual aliás não fazia eu parte, fez bom socialismo, talvez como aquelle sr. Jourdain que, toda a vida havia feito prosa sem o saber, introduziu a concorrencia, creando os seus talhos. E fez um grande serviço a Lisboa. Dizem que esta instituição arruina o municipio, é falso; vou apresentar a receita e despeza respectiva, com referencia, ao exercicio de 1886, para que a camara possa julgar e ver, praticamente, que estas instituições, como as proponho, não têem nada de absurdo, ou de desusado, e que pelo contrario ha exemplos entre nós cujos resultados são clara e evidentemente convenientes. (Apoiados.)
No exercicio, de 1886 os talhos municipaes renderam 407:947$346 réis e exigiu a sua despeza 418:504$839 réis; houve, portanto um deficit de 10:557$493 réis.
Esta differença, aliás insignificante, que representa apenas 2 1/2 por cento da receita, póde e deve desapparecer e mesmo transformar-se em saldo; mas quer a camara saber as compensações d'ella? Em primeiro logar a fixação do preço da carne, evitando-se a crescente subida d'este alimento, o que constitue uma economia importante para a cidade; depois a commodidade do publico, que em economia se traduz tambem.
A camara municipal (sempre é bom dizer isto) tem talhos fixos, talhos ambulantes e a distribuição da carne pelos domicilios.
Sabem o que representa isto? Uma grande economia para as classes pobres. (Apoiados.) a distribuição domiciliaria é o ideal, a que póde mirar a classe pobre. Não perde tempo em ir buscar os alimentos, não despende com o intermediario inutil. Não é isto um serviço relevante? Certamente que é.
Não quero por fórma alguma dizer com isto, que a administração, superior d'este ramo municipal seja excellente. Affirmo, porém, que a combinação dos talhos municipaes com as padarias municipaes poderia, dar grande economia.
Bem sei que ha quem não tenha esta opinião, mesmo dentro da propria, camara municipal.
O sr. Fernando Matoso: - Apoiado.
O Orador: - Tenho-a eu. É filha de profunda convicção; e como tenho por systema luctar persistentemente pela realisação das idéas de que estou convicto, os outros seguem o seu caminho e eu seguirei o meu. (Apoiados.)
Parece-me por esta fórma ter defendido a minha primeira proposta. Contentar-me-ia com a sua realisação, estou mesmo convencido de que n'ella está, senão a resolução do problema em geral, pelo menos, uma protecção real e effectiva para a agricultura, sem sacrificio, e antes pelo contrario com beneficio, para as classes pobres consumidoras. A corrente da opinião não é, porém, esta e por isso apresento tres hypotheses ácerca dos direitos protectores sobre o trigo e sobre a farinha.
Qual é o effeito immediato e esperado do augmento do direito aduaneiro sobre uma substancia prima qualquer? O augmento do preço do producto composto ou derivado d'ella. É uma lei economica.
O trigo póde considerar-se a materia prima da farinha, que a seu turno produz o pão, logo ser-lhe-ha applicavel este principio. Parece-me indiscutivel.
Para o pão não encarecer, encarecendo o trigo, que é necessario? Que os intermediarios, o farinador e o padeiro n'este caso, sacrifiquem parte dos seus legitimos ou illegitimos interesses, que se resignem a ganhar menos do que até ahi ganhavam, não ha outro caminho. (Apoiados.)
Ora aqui está a illusão do sr. relator e do sr. ministro. Este patriotismo dos farinadores, esta cedencia voluntaria de parte dos seus proventos são contra a natureza das cousas, contra a tendencia que tem manifestado esta classe exploradora por excellencia, contra o egoismo humano, em geral, que não sacrifica facilmente os lucros importantes que tem auferido até um certo momento.
Dol-o o sr. relator mesmo no seu relatorio, melhor do que eu o posso dizer: «não é necessario esforço algum para nos habituarmos a ganhar mais, é raro quem se resigne a ganhar menos.»
(Interrupção do sr. Matoso Santos.)
Obrigação? Qual é a fórma de obrigar?
O sr. Matoso Santos: - A que está no projecto.
O Orador: - Não sei aonde. Ahi é que nós divergimos. Se o farinador está protegido por um direito aduaneiro que é prohibitivo, porque fica muito acima do preço maximo por que vende actualmente a sua farinha, como é que v. exa. diz que, augmentando este direito, isto é, tornando-o mais prohibitivo ainda, se é possivel, podemos corrigir os effeitos que acabo de apontar? Como é que s. exa. explica este phenomeno?
Tudo é possivel.
Mas vou continuando as minhas reflexões, e deixarei escripto o que digo, porque só os srs. ministros, ou não fallam, ou, se fallam, não publicam os seus discursos.
Voluntariamente, pois, não é de esperar que os intermediarios, os farinadores principalmente, façam o sacrificio

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dos seus ganhos para evitar a subida do preço do pão. Este sacrificio é necessario impol-o. por qualquer fórma.
Ora, o meio está indicado. Consiste em fixar o direito aduaneiro por fórma, que a menor subida no preço da farinha nacional permitia a entrada do competidor estrangeiro.
Por hypothese o preço maximo da farinha é de 86 réis por kilo; fixado o direito por fórma, que a farinha estrangeira não podesse entrar amenos de 87 réis, é claro que a menor elevação da farinha nacional permittiria a entrada da estrangeira; portanto o farinador, com vontade ou sem ella, compraria o trigo mais caro, mas não venderia mais cara a farinha, porque o não poderia fazer. Exactamente o contrario do que fez a commissão, que eleva os direitos da farinha ao mesmo tempo que os do trigo.
Pela minha parte não confiando absolutamente nada no patriotismo do farinador, estabeleço as minhas duas hypotheses sobre aquelle principio. Os meus calculos podem estar errados, mas este raciocinio é mathematicamente exacto e indiscutivel.
O direito actual sobre as farinhas é de 20 réis por kilogramma; o preço minimo das farinhas importadas póde pois, assim avaliar-se:

[Ver Tabela na Imagem]

Valor manifestado (antes do despacho)....
Direitos....
Beneficio (10 por cento)....
Total....

comparando este total com o preço medio de 83,25 réis, pelo qual apparentemente as fabricas vendem as farinhas de primeira classe, conclue-se que o direito é mais do que protector, é prohibitivo.
E a estatistica vem corroborar esta conclusão:

Importação de farinha de trigo

[Ver Tabela na Imagem]

Estes dados, extrahidos fielmente da estatistica de Portugal para o anno de 1885, mostram que, emquanto a importação do trigo cresceu enormemente em dezeseis annos, a da farinha conserva-se estacionaria e é relativamente
insignificante.
É porque o direito sobre as farinhas é mais do que portector, attinge o grau da prohibição, tão elevado é; aliás as excellentes farinhas estrangeiras luctariam com as nossas.
D'aqui se deve concluir, que seria possivel ainda com o actual direito elevarem os farinadores o preço da farinha portugueza sem grave perigo da concorrencia estranha, o que faz a commissão de fazenda? Eleva-lhe esse direito, naturalmente para convidar o patriotismo dos farinadores a não alterar o preço do seu producto. Ora valha-nos Deus!
Eu procedo exactamente por modo contrario, diminuo o direito de importação, restringindo a margem que permitte elevação, maior ou menor, no preço das farinhas, por. que neste caso será facil, dada qualquer elevação do preço, attingir o limite, que consente a entrada das farinhas estrangeiras. N'este caso tenho a plena certeza de que o preço do pão não subirá, porque não poderá tambem subir o das farinhas. Pouco importa que suba o preço do trigo...
Uma voz: - Ah!
O Orador: - Ah?! Está claro. Eleva-se o direito sobre o trigo e o que acontece? O palhinha augmenta de valor, e n'este caso, de duas uma: ou o farinador compra o palhinha mais caro para o transformar em farinha, mas resigna-se a ganhar menos, porque não pude elevar o preço da farinha; ou, transformando o systema de moagem, procura os trigos nacionaes, que lhe dão maior margem de ganho. Em todo o caso tenho a certeza de que n'uma ou n'outra hypothese o preço do pão não poderá ser elevado, isto é: protegeremos os agricultores sem o menor risco de encargo para as classes pobres consumidoras.
Em principio estas asserções não soffrem contestação, a difficuldade está na proporção dos direitos, por assim dizer correlativos, sobre o trigo em grão e na farinha. Os meus calculos dão-me os resultados que vou apresentar á camara, se estão errados emendem-os; mas acceitem o methodo, que não póde ser outro.
Admitiamos que um kilogramma de trigo produz: 680 grammas de farinha de 1.ª classe e 750 grammas de farinha de todas as classes.
No primeiro caso teremos, que 1k,482 de trigo, que paga pelo direito actual 14,62 réis, produz 1 kilogramma de farinha de 1.ª classe. O direito para a farinha será, suppondo o valor do kilogramma de farinha 60 réis:

[Ver Tabela na Imagem]

Direito do trigo....
Imposto para portos (2 por cento sobre 60 réis)....
Taxa complementar (2 por cento sobre 60 réis)....
6 por cento addicionaes....
Emolumentos (3 por cento sobre 14,62)....

O direito especifico por kilogramma de farinha seria n'este caso de 18,5.
No segundo caso 1k,333 de trigo, que paga 13,333 réis de direitos, produz 1 kilogramma de farinha de todas as qualidades. O direito seria n'este segundo caso:

[Ver Tabela na Imagem]

Direito do trigo....
Imposto para portos (2 por cento sobre 60 réis)....
Taxa complementar (2 por cento sobre 60 réis)....
6 por cento addicionaes....
Emolumentos (3 por cento sobre 13,333)....

Direito especifico por kilogramma de farinha, 17,5 réis.

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Sobre estes elementos estabeleço as duas hypotheses ultimas:

2.ª hypothese

Trigo, direito especifico, kilo.... 13,5 réis
Farinha, direito especifico, kilo.... 18,5 réis

3.ª hypothese

Trigo, direito especifico, kilo.... 15,0 réis
Farinha, direito especifico, kilo.... 17,5 réis

Por este systema não temo a protecção concedida á agricultura; portanto, reservando a segunda hypothese para os timoratos; prefiro a ultima.
Com este direito ainda o preço minimo da entrada das farinhas será de 85 réis, bem superior á media do preço apparente de venda das farinhas nacionaes. É util dizer quaes serão estes preços minimos para os differentes casos considerados, porque constituem elles o limite, passado o qual póde a farinha estrangeira luctar com a portugueza:

[Ver Tabela na Imagem]

Proposta da commissão....
Proposta do governo....
Proposta minha, 1.ª....
Proposta minha, 2.ª....

Daqui se prova a grande margem, que dá aos farinadores a proposta da commissão, de accordo com o governo.
Será exagerada a diminuição que proponho? Não o julgo; mas corrijam-a, se assim for.
Se querem effectivamente conceder, protecção á agricultura augmentem o direito do trigo, mas diminuam o da farinha, por modo que, apertado entre estreitos limites, o farinador ou sacrifique os seus interesses, ou vá procurar o trigo nacional mais barato, em regra do que o palhinha; de outra fórma não conseguem nada.
Francamente, digo. a v. exa. que, segundo penso, o remedio principal para a agricultura não está aqui; está porventura mais na minha primeira proposta, nas moagens por conta do estado; o que anda na mente de todos, e até esteve nas intenções do sr. ministro da fazenda. (Apoiados.)
Então porque recuam?
Porque não tentam esse expediente, que é facil, que é sympathico, que não, levanta por fórma alguma a opinião, e não deixa duvida em espirito algum? Porque não tentam esse caminho em vez do direito protector, ou pelo menos ao mesmo tempo?
Para que semeiam a duvida no espirito publico, de que não são capazes de arcar com o poderio dos farinadores, e mesmo de que os calam com o augmento do respectivo direito?
Sr. presidente, ainda ha mais alguns remedios, e mais efficazes, para a agricultura; do que ella carece, em regra, é de capital mais barato, que tenha á sua disposição com facilidade e por curto espaço de tempo.
A organisação d'este credito agricola, rapido, economico e a curto praso, seria sem duvida excellente protecção para a agricultura. O banco hypothecario não preenche, nem póde preencher, esta funcção, e portanto o agricultor ou não tem credito ou tem o carissimo, para não dizer agiota.
A facilidade de obter instrumentos aperfeiçoados, por simples aluguer, das camaras municipaes, ou de postos especiaes do governo, a que devem pertencer, é outro beneficio para a nossa agricultura.
Para alguma cousa ha de a gente ter talento, sr. ministro da fazenda, para alguma cousa ha de um homem ser collocado ao lado dos grandes financeiros de linha e de pôlpa, dos Magliani, dos Camacho e d'altri.
Tenha v. exa. paciencia, sr. ministro da fazenda; se lhe exigem muito, é porque muito vale v. exa. Para fazer cousas vulgares, bastam as mediocridades enfatuadas, que para ahi se têem sentado por acaso. -
V. exa. tem feito cousas boas e outras más, e está para fazer algumas melhores e outras pessimas. (Riso) Mas sáia da rotina e lance-se na exploração, de novos campos de actividade; de novas idéas; tente, experimente e caminhe; e sobretudo, não, se intibie quando lhe fallarem em judeus. Querem elles estabelecer, as moagens? Ha um judeu que as queira estabelecer por bom preço? Seja bem vindo esse semita.
Se não tem receio de tanta cousa, se atacou valentemente a questão dos tabacos, porque abandonou a das farinhas onde não encontraria resistencia de qualidade alguma? (Apoiados)
(Interrupção.)
Os farinadores são poucos; têem muito dinheiro e haviam de luctar, certamente, mas seriam vencidos, porque o paiz sente-se por elles explorado. Isto de dar dividendos de 20 e 30 por cento é excellente, mas traz comsigo a animosidade das victimas.
Com a opinião publica ao seu lado, o governo facilmente luctaria, os farinadores submetter-se-íam...
(Interrupção.)
Aliás morreriam. Estariam no caso da companhia lisbonense de illuminação a gaz, que explorava Lisboa ha cincoenta annos. Esta velha matrona preferiu delogar-se antes do que reduzir os seus 23 por cento de dividendo a uns modestos 10 por cento.
O governo, no caso da camara municipal, entregava-se ao patriotismo d'esta companhia; como patriota o farinador deve ser de força igual.
Ácerca da pauta póde dizer-se e hei de dizer mais alguma cousa, embora não houvesse tempo para a estudar devidamente. V. exa. comprehende bem que em geral não se estudam as propostas ministeriaes, senão quando as commissões apresentam os seus trabalhos. E é regular que assim se faça. Não foram inventadas as commissões senão para desbravar o caminho e facilitar o estudo; verdadeiros pionneers nas matas virgens dos projectos ministeriaes, traçam a senda e desbravam o mato para ser mais facil o nosso trabalho; por outro lado modificam, ou devem modificar, as más disposições e eliminar as imperfeições dos projectos governamentaes, se para isso houver logar.
O deputado que deseja estudar, deve aguardar o trabalho da commissão para diminuir o seu, visto que as competencias, naturalmente reunidas nas diversas commissões, lhes proporcionam esclarecimentos, que elle só poderia obter por largo estudo e inutil trabalho; depois deve esperar ainda os pareceras das commissões, porque não sabe, nem póde advinhar, quaes as alterações feitas nos projectos ministeriaes. Nunca se deve começar o estudo profundo de um asssumpto parlamentar senão depois da commissão dar o seu parecer. E assim respondo ás observações que me foram feitas pelo sr. Emygdio Navarro.
É certo que na nossa boa terra as commissões não fazem isto, porque os srs. ministros declaram questão ministerial todos os projectos. Já fui tambem membro de varias commissões...
Ora, o estudo de uma pauta aduaneira é sempre delicado e longo, prova-a o seguinte: o sr. ministro apresentou esta proposta de lei no mesmo dia em que foi constituida a camara, e todos sabem quão cedo a camara se constituiu este anno; a commissão de fazenda, onde ha homens da competencia do sr. Matoso dos Santos, do sr. deputado socialista o sr. Oliveira Martins e outros, e onde o sr. ministro se não é ouvido como oraculo, pelo menos é attendido como informador de um grande valor, pela sua larga experiencia e pela sua sciencia, essa commissão, gastou com esta proposta do lei tres mezes em estudos e discussões, em resultado dos quaes nos apresentou um relatorio que se não lê em seis horas, que não se medita e discute n'uma semana; todavia a maioria, naturalmente de accordo com o governo, obriga-nos no fim de quarenta e oito horas apenas, depois de apresentado este

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2004 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

documento, a discutir um tal projecto em sessões diurnas e em sessões nocturnas.
E com tudo, o sr. ministro da fazenda havia-me promettido que tal não succederia; no que s. exa. faltou ao seu papel, porque s. exa. effectivamente é oraculo para muita gente, rasão, aqui muito á puridade, por que começo a desconfiar de s. exa. Não gosto de oraculos. (Riso.)
Devo ainda apresentar algumas observações á camara sobre, outros artigos; principalmente hei de occupar-me da exportação do vinho e da cortiça, propondo que sejam abolidos os direitos de exportação, o que é perfeitamente regular, visto que o fisco vae lucrar 300:000$000 réis com este augmento de direitos nos trigos; dê-se, ao menos, a compensação d'este augmento, eliminando os direitos de exportação n'estas duas mercadorias, que certamente se não elevam a 300:000$000 réis.
Como ha mais deputados inscriptos, não desejo impedir-lhe por mais tempo o uso da palavra; não affirmando por fórma alguma, pois, que não volte á discussão da questão dos cereaes, termino por agora as minhas considerações e peço a v. exa., desde já, queime inscreva sobre a ordem para tratar de outros assumptos, na altura em que me competir a palavra.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta de additamento

Art. 2.° É o governo auctorisado a montar uma fabrica para moagem exclusiva dos trigos rijos nacionaes, cujas farinhas serão empregadas, nos fornecimentos para o exercito e para a marinha.
§ unico. O governo auxiliará a camara municipal de Lisboa na organisação das padarias municipaes para abastecimento economico do pão na capital.
1.ª hypothese.
Conservação do direito e nos addicionaes da pauta em vigor, 12,4 réis por kilogramma de trigo em grão importado.
Idem do 20 réis por kilogramma de farinha importada.
2.ª hypothese:
Elevação do direito total sobre o trigo em grão a 13,5 réis por kilogramma importado. Diminuição do direito total sobre a farinha a 18,5 réis por kilogramma importado.
3.ª hypothese:
Elevação do direito total sobre o trigo em grão a 15 réis por kilogramma importado. Diminuição do direito total sobre a farinha 17,5 réis por kilogramma importado.
Lisboa, 21 de julho de 1887. = Augusto Fuschini.
Foi admittida ficando em discussão.

Deu-se conta da ultima redacção dos projectos de lei n.ºs 158 e 177.
Foram expedidas para a outra casa do parlamento.
O sr. Barbosa de Magalhães: - Mando para a mesa o parecer da commissão de administração publica sobre o projecto apresentado pelos srs. Guilherme de Abreu, Antonio Maria de Carvalho e Teixeira de Vasconcellos, applicando ás camaras municipaes as disposições da carta de lei de 11 de abril de 1874, pelas suas gerencias anteriores a 1 de julho de 1887.
Mandou-se imprimir.
O sr. Presidente: - Hoje ha sessão nocturna, sendo a ordem da noite a continuação da que está dada.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.

Redactor = S. Rego.

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