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SESSÃO DE 29 DE MAIO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.

Francisco Augusto Florida de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Dá-se conhecimento de dois officios recebidos, um do ministerio da guerra e outro do sr. deputado Luiz Jardim. - Teem segunda leitura e são admittidos tres projectos de lei, sendo um do sr. Torres Carneiro, outro do sr. Pequito, e o terceiro do sr. Pereira Borges. - Mandam para a mesa representações os srs. Luiz de Bivar e Avellar Machado. - Apresentam requerimentos de interesse particular os srs. Santos Viegas e Dias Ferreira. - Justificações de faltas dos srs. Agostinho Fevereiro, Pavão, Correia de Oliveira, Fortunato das Neves, conde da Praia da Victoria, Correia de Barros, Visconde de Balsemão, visconde do Rio Sado, Dantas Baracho, Gonçalves de Freitas, Luiz Ferreira, Pereira Corte Real, Ribeiro dos Santos, José Maria dos Santos, Luiz Osório e visconde de Reguengos.
- O sr. Avellar Machado pede e a camara approva a publicação, no Diario do governo, da representação que mandou para a mesa, e requer a discussão do projecto de lei n.° 83. - O sr. Searnichia pede a discussão do projecto de lei n.° 70. - 0 sr. Santos Viegas renova a iniciativa de um projecto, apresenta um requerimento de interesse particular e pede a discussão do projecto n.° 92. - Mandam para a mesa projectos de lei os srs. Franco Castello Branco e Pereira Carrilbo, e um parecer da commissão de guerra o sr. Alfredo Barjona. - O sr. Rocha Peixoto insiste na opinião de que na reforma dos estudos medicos se devem conservar as tres escolas existentes. - Manda para a mesa um projecto de lei o sr. Athayde Pavão. - É posto em discussão o projecto de lei n.° 84. - O sr. Albino Montenegro apresenta uma proposta de eliminação, que e combatida pelo sr. Avellar Machado, relator, e pelo sr. Guilhermino de Barros. - Fica a discussão pendente.
Na ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n.° 48, sobre o tratado de commercio entre Portugal e Hespanha. - É largamente combatido pelo sr. Laranjo, que apresenta e sustenta uma proposta, alterando o artigo 14.º do tratado. - Responde-lhe o sr. Pinto de Magalhães, relator. - O sr. Fuschini apresenta o parecer das commissões de administração publica e de fazenda ácerca da reforma administrativa do municipio de Lisboa. - Usa novamente da palavra o sr. Laranjo para responder ao sr. Pinto de Magalhães; e tendo dado a hora fica com a palavra reservada.

Abertura - As duas horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada - 39 srs. deputados.

São os seguintes: - Adriano Cavalheiro, Moraes Carvalho, Garcia de Lima, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Antonio Centeno, A. J. d'Avila, A. M. Pedroso, Santos Viegas; Pinto de Magalhães, A. Hintze Ribeiro, Ferreira de Mesquita, Sanches de Castro, Conde de Thomar, Elvino de Brito, Goes Pinto, Fernando Geraldes, Francisco de Campos, Guilhermino de Barros, Augusto Teixeira, Searnichia, J. J. Alves, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Avellar Machado, Ferreira de Almeida, Pereira dos Santos, Oliveira Peixoto, Bivar, Luiz Dias, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Pedro Franco, Sebastião Centeno, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Agostinho Lucio, Albino Montenegro, Anselmo Braamcamp, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Sousa e Silva, Antonio Candido, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Pereira Borges, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Jalles, Moraes Machado, Carrilho, Sousa Pavão, Almeida Pinheiro, Seguier, Augusto Barjona de Freitas, Fuschini, Barão de Ramalho, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Conde de Villa Real, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Sousa Pinto Basto, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Mouta e Vasconcellos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Wanzeller, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Sant'Anna e Vasconcellos, Baima de Bastos, J. C. Valente, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Joaquim de Sequeira, Coelho de Carvalho, Simões Ferreira, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, José Frederico, Lobo Lamare, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Ferreira Freire, Simões Dias, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Reis Torgal, Luiz Osorio, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, Marçal Pacheco, Miguel Tudella, Pedro de Carvalho, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro, Visconde de Reguengos e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, Pereira Côrte Real, Antonio Ennes, Urbano de Castro, Augusto Poppe, Pereira Leite, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Conde da Praia da Victoria, Cypriano Jardim, Emygdio Navarro, E. Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Correia Barata, Frederico Arouca, Matos de Mendia, Silveira da Motta, Costa Pinto, Franco Frazão, J. A. Pinto, Melicio, Ribeiro dos Santos, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, Ponces de Carvalho, José Borges, J. M. dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Julio de Vilhena, Luiz Ferreira, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Pedro Correia, Santos Diniz, Gonçalves de Freitas, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio da guerra, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Emygdio Navarro, quatro documentos que formam o processo relativo á reforma do general de brigada Placido Antonio da Cunha e Abreu.
Á secretaria.

2.° Do sr. deputado Luiz Jardim, participando que por motivo de doença grave de pessoa da sua familia tem de se ausentar de Lisboa para as Caldas da Rainha, e pedindo ao sr. presidente que assim o faça constar a camara.
A camara ficou inteirada.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - As freguezias de Bem da Fé, Furadouro, Villa Secca, Zambujal e Ega, pertencentes ao concelho de Condeixa, foram pela ultima organisagao judiciaria desmembradas do antigo grande julgado de Condeixa, todo pertencente á comarca de Coimbra, para ficarem fazendo parte as quatro primeiras da comarca de Penella, e a quinta da comarca de Soure, continuando as outras freguezias d'aquelle concelho a pertencerem á dita comarca

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de Coimbra, constituindo o novo pequeno julgado ordinario de Condeixa com o tabellionato do antigo. Ora aos povos daquellas cinco freguezias convem muitissimo que este tabellionato se estenda a ellas, como dantes, por distarem muito menos de Condeixa do que de Penella e Soure.
Por isso, no interesse dos ditos povos, tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° O tabellião do julgado ordinario de Condeixa, comarca de Coimbra, e competente para lavrar as notas e exercer os mais actos do sou officio nas freguezias de Bem da Fé, Furadouro, Villa Secca, Zambujal e Ega, as quatro primeiras pertencentes a comarca de Penella, e a quinta pertencente á comarca de Soure.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = O deputado, Antonio Alberto Torres Carneiro.
Foi admittido e enviado á commissão de legislação civil.

Projecto de lei

Artigo 1.° Os vencimentos dos professores de linguas dos institutos industriaes de Lisboa e Porto são equiparados aos vencimentos dos professores dos lyceus centraes.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 27 de maio de 1885. = Rodrigo Affonso Pequito.
Foi admittido e enviado as commissões de instrucção superior e de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - A reorganisação do exercito decretada em 30 de outubro de 1884, não tendo alterado fundamentalmente a constituição da nossa forca armada, foi comtudo elaborada por fórma a garantir com o augmento dos postos superiores um accesso regular aos officiaes combatentes, excluindo d'este beneficio a classe medico-militar, como se esta corporação scientifica, que faz parte integrante do exercito, não tivesse, pela natureza especial da sua missão, incontestavel direito a igual beneficio e remuneração dos seus serviços.
A situação dos medicos militares com respeito á promoção e, como todos sabem, ainda mesmo os menos versados em assumptos militares, verdadeiramente lastimosa, e porventura deprimente para o brio e dignidade da medicina castrense.
Para demonstrar esta asserção basta simplesmente compulsar a relação de antiguidades dos officiaes do exercito que ahi se vêem alguns cirurgiões-móres em effectivo serviço sob o commando de coroneis, que eram apenas sargentos quando estes facultativos tinham já a patente de cirurgião ajudante, e alguns a de cirurgião mór!
Esta desigualdade notavel no accesso e evidentemente contraria aos principios mais elementares da disciplina militar, enfraquece o estimulo do estudo e do trabalho, e esta afastando do exercito, o que e muito para ponderar, os filhos mais distinctos das escolas de medicina do continente.
Em todos os paizes civilisados têem os facultativos militares as honras e respectivas vantagens, que aos outros officiaes suo concedidas por lei tanto na effectividade do serviço como na reforma.
Pois entre nós é o posto de coronel o limite maximo, na escala hierarchica militar, aonde póde chegar o medico castrense, já carregado de annos e de serviços, com a consciencia tranquilla e plenamente satisfeita de ter bem cumprido os seus deveres profissionaes, mas desalentado e triste pela injusta desconsideração dos poderes publicos; que mal estimam os perigos da guerra, a que estão sujeitos estes funccionarios, como os arriscados labores de quem lucta com a morte no meio de mortiferas epidemias!
Senhores. - O limite e morosidade extraordinarios de accesso no quadro dos facultativos do exercito reclamam, de ha muito, modificações profundas e racionaes neste importante ramo de serviço publico, inspiradas nos dictames da justiça e da equidade, e harmonicas com as prescripções da moderna sciencia da guerra.
E é com este intuito, e confiado no vosso criterio e recto juizo, que submetto ao vosso esclarecido exame o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Os treze postos superiores do quadro dos facultativos do exercito ficarão de ora em diante classificados da fórma seguinte: ao cirurgião em chefe corrosponderá o posto de general de brigada; aos cirurgiões de divisão, o de coronel; aos cirurgiões de brigada, o de tenente coronel.
Art. 2.° Os doze cirurgiões móres mais antigos terão o posto de major, e a designação de cirurgiões mores de 1.ª classe.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara da deputados, em 27 de maio de 1885. = Antonio José Pereira Borges.
Foi admittido e enviado ás commissões de guerra e de fazenda.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da camara municipal do concelho de Lagos, adherindo á representação em que a direcção da sociedade agricola do districto de Santarem pede para ser modificado o tratado de commercio celebrado com a Hespanha.
Apresentada pelo sr. presidente da camara e enviada á commissão de negocios externos.

2.ª Das emprezas ceramicas de Lisboa, de Palencia de Baixo, de Fonte Santa, de Formosinhos e de Devezas, pedindo para ser approvado o projecto de lei n.° 67, que eleva o direito sobre as telhas e tijolos.
Apresentada pelo sr. deputado Avellar Machado e enviada á commissão de fazenda, sendo primeiro publicada no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

1.° De Francisco Epiphanio José Pimenta, pedindo em attenção aos seus serviços que lhe seja concedida a reforma no posto de capitão com o soldo correspondente.
Apresentado pelo sr. deputado Santos Viegas e enviado as commissões de guerra e de fazenda.

2.° De Francisco Maria Melquiades da Cruz Sobral, general de brigada reformado, pedindo que seja annullada a sua reforma.
Apresentado pelo sr. deputado Dias Ferreira e enviado as commissões de guerra e de fazenda.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Participo a v. exa. e á camara, que o sr. deputado Agostinho Fevereiro tem faltado as sessões desta camara, e faltará a mais algumas, por motivo justificado. = Barbosa Centeno.

2.ª Mando para a mesa a declaração de que faltei á sessão do dia 27 por incommodo de saude. = Antonio Pavão.

3.ª Tenho a honra de declarar a v. exa. e a camara que, por motivos justificados, faltei as duas sessões de 26 e 27 do corrente mez. = O deputado por Vizeu, M. Correia de Oliveira.

4.ª Declaro a camara que o sr. deputado Fortunato Vieira das Neves tem faltado e continuará, a faltar a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado, Santos Viegas.

5.ª Participo a v. exa. e a camara que o sr. deputado conde da Praia da Victoria não tem, por motivo de doença, comparecido a algumas sessões e pelo mesmo motivo

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não póde comparecer a de hoje. = O deputado, Alves Matheus.

6.ª Declare que por motivo justificado faltei a algumas sessões d'esta camara. = Correia de Barros.

7.ª Declare que faltaram as sessões por motivos justificados os meus collegas, visconde de Balsemão, Dantas Baracho, Gonçalves de Freitas e Luiz Ferreira. = O deputado, Silva Cardoso.

8.ª Declaro a v. exa. que o exmo. sr. deputado Antonio de Castro Pereira Côrte Real tem faltado e continuará ainda a faltar a algumas sessões por motivo justificado. = Ribeiro Cabral.

9.ª Declare que o deputado sr. João Ribeiro dos Santos não pôde assistir a algumas sessões desta camara por motive muito justificado. = Martinho Camões.

10.ª Participo a v. exa. e á camara, que os meus particulares amigos e distinctos collegas os srs. deputados, José Maria dos Santos e Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, têem faltado ás sessões por motive justificado. = O deputado, Pedro Roberto Dias da Silva.

11.ª Declaro a v. exa. e á camara, que não comparei ás ultimas sessões por incommodo de saude. = O deputado, Visconde de Reguengos.

12.ª Participo a v. exa. e a camara dos senhores deputados, que por motive justificado não pôde comparecer a algumas das sessões do corrente mez. = O deputado, Visconde do Rio Sado.
Para a acta.

O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa uma representação dos fabricantes de productos ceramicos de Lisboa e Porto, por parte de um grande numero de fabricas que sustentam já 470 operarios, a favor do projecto de lei n.º 67 que esta pendente de discussão n'esta camara. Esta representação vem perfeitamente fundamentada e tem por fim implorar a protecção dos poderes publicos e pedir ao parlamento que olhe com olhos de misericordia para aquella industria ainda nascente, mas que promette tomar grande desenvolvimento e que respeita a um artigo de reconhecida necessidade para as construcções.
Esta representação vem elaborada nos termos mais convenientes e por isso não duvido pedir a v. exa. que consulte a camara sobre se auctorisa que ella seja publicada no Diario do governo.
Pego mais a v. exa. se digne consultor a camara sobre se permitte que entre em discussão o projecto n.° 83, no momento em que v. exa. julgar mais opportuno.
A representação teve o destino indicado a pag. 1830 d'este Diario.
Consultada a camara resolveu-se que seja publicada no Diario do governo.
O sr. Searnichia: - Esta para discussão um projecto importante que interessa a todos nos que temos assento n'esta camara. É o projecto de lei n.° 70.
Este projecto concede o subsidio de 20:000$000 réis ao monte pio official.
Peço a v. exa. que tenha a bondade de consultar a camara sobre se permitte que entre desde já em discussão.
O sr. Santos Viegas: - Mando para a mesa por parte do sr. deputado Vieira das Neves uma declaração de faltas e a respectiva justificação. Igualmente envio para a mesa uma renovação de iniciativa do projecto n.° 261.
Peco a v. exa. se digne envial-o a respectiva commissão.
Mando tambem para a mesa um requerimento do sr. Francisco Epiphanio José Pimenta, em que pelas rasões, que expõe, e que julgo bem fundamentadas e justas, pede que seja reformado no posto de capitão com o respectivo soldo.
Peco a v. exa. se digne dar-lhe o destino conveniente.
Se não fosse receiar o abusar da paciencia da camara, recordaria um facto que me parece de bastante consideração para ser attendido. Esse facto e o que menciono no requerimento seguinte:
Peço que a camara seja consultada sobre se permitte, que pela terceira vez seja approvado, se o for, o projecto que tem o n.° 92.
A este respeito lembro a v. exa. e a camara que o meu pedido e uma questão de equidade e justiça, o projecto, como disse, já foi approvado duas vezes n'esta camara, mas não o foi a tempo de ser remettido e discutido na camara dos pares.
Peço a v. exa., para se não repetir o mesmo facto, que se digne consultar a camara sobre se permitte que este projecto entre desde já em discussão.
É uma questão de inteira justiça que a camara se dignará attender.
A justificação vae publicada no logar competente, a proposta de renovação fica para segunda leitura, e o requerimento teve o destino indicado a pag. 1830.
O sr. Franco Castello Branco: - Mando para a mesa um projecto do lei, concedendo definitivamente á associação dos asylos para educação de costureiras e creadas de servir, para os fins da mesma associação, a parte do convento das Francezinhas d'esta cidade, de que esta de posse, concedendo-se-lhe o resto do mesmo convento logo que falleça a ultima freira.
Ficou para segunda leitura.
O sr. Carrilho: - Mando para a mesa um projecto de lei, fixando o ordenado dos professores da escola de musica do conservatorio real de Lisboa, e o dos cinco ajudantes da mesma escola.
Ficou para segunda leitura.
O sr. Alfredo Barjona: - Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra sobre um projecto de lei do sr. Lobo Lamare, para serem observadas nos tribunaes militares as disposições do artigo 4.° e sen § unico da lei de 14 de junho de 1884, ficando o governo auctorisado a harmonisar o codigo penal com as determinações da mesma lei.
Á commissão de legislação criminal.
O sr. Alfredo Rocha Peixoto: - Produziu alguns argumentos para fundamentar a opinião que ha alguns dias apresentou, em resposta ao sr. Mendes Pedroso, de que na reforma dos estudos medicos se devem conservar as tres escolas existentes, dando a todas igual categoria, iguaes direitos, iguaes honras e iguaes proveitos.
Um dos principaes fundamentos que tinha para sustentar esta opinião era que, se houvesse uma só escola de medicina, os alumnos que se destinassem a carreira medica concorreriam todos a essa escola, e o ensino pelo grande numero de estudantes accumulados tornar-se-ia menos proficuo.
O sr. Athaide Pavão: - Mando para a mesa um projecto de lei, que esta tambem assignado pelos srs. Firmino João Lopes e Moraes Machado, classificando como real, e incluindo-a na tabella n.° 2 que faz parte da lei de 15 de jullio de 1862, uma estrada que partindo de Rebordello (estrada real n.° 37) siga pela Torre da Chama ate Carvalhaes (estrada real n.° 6), eliminando-se da tabella das estradas districtaes a estrada n.° 20 (de Vinhaes a Mirandella.)
Ficou para segunda leitura.
O sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o projecto de lei n.° 84; e se houver tempo discutir-se-hão alguns outros que já estão dados para antes da ordem do dia. E a respeito de outros, cuja discussão foi

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hoje pedida por alguns srs. deputados, tambem se houver tempo consultarei a camara.
Leu-se na mesa o seguinte

PROJECTO DE LEI N.º 84

Senhores. - A vossa commissão do obras publicas examinou com a costumada attenção uma representação da camara municipal da Covilhã e um projecto do lei do sr. deputado Guilhermino de Barros, para que fosse auctorisada a camara representante a desviar do fundo de viação, e por uma só vez, a quantia de 6:000$000 réis, destinada ao estabelecimento de um hospital provisorio para cholericos, e que, em geral, poderá ser aproveitado para receber doentes atacados de molestias contagiosas.
E attendendo a que montando a 53:790$167 réis a verba annual de viação no concelho da Covilhã, não póde o desfalque de 6:000$000 réis, em um só anno, prejudicar sensivelmente o desenvolvimento da construcção das estradas municipaes;
Attendendo mais a que a cidade da Covilhã, mau grade todos os esforços empregados, e as despezas realisadas, se acha em pouco regulares condições hygienicas, o que é confessado pela propria camara municipal;
Attendendo ainda ao fim altamente humanitario a que destinada a verba pedida:
É a vossa commissão de parecer, de accordo com o governo, que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º E auctorisada, a camara municipal da Covilhã a despender até a quantia de 6:000$000 réis do fundo especial de viação, com destino a fundação de um hospital para cholericos, e, em geral, para receber os doentes affectados de molestias contagiosas.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão, em 11 de maio de 1885. = Sanches de Castro = Alfredo Barjona = L. Malheiro = Fontes Ganhado = Augusto Poppe = José Azevedo Castello Branco = Pereira dos Santos = Avellar Machado, relator.

Senhores. - A vossa commissão de administração publica concorda com o parecer da commissão de obras publicas = Luiz de Lencastre = A. Fuschini = J. M. Arroyo = Fernando Affonso Geraldes = José Luiz Ferreira Freire = Visconde de Alentem = Adolpho Pimentel = José Novaes relator.

N.º 53 - G -

Senhores: - A camara municipal do concelho da Covilhã, pede, em representação de 15 de abril corrente, dirigida a camara dos senhores deputados, para lhe ser permittido applicar, da verba destinada á viação municipal (que no orçamento do corrente anno civil monta a reis 53:790$169), a quantia de 6:000$000 réis a fim de se achar habilitada a estabelecer um hospital provisorio para cholericos precaverido-se, de tal modo para o caso em que esta epidemia appareça no concelho que administra.
A louvavel diligencia da camara municipal da Covilhã não póde deixar de ser secundada pelos poderes publicos; e já o exmo. ministro do reino (que aliás entende ser de alta conveniencia publica não desviar, por via de regra, para applicações diversas das especiaes, as verbas destinadas á viação municipal), concordou em acceitar o pedido da camara, que muitas e diversas rasões alias justificam.
A Covilhã tem 12:000 habitantes em uma arca limitada, assenta em um declive de montanha escabrosa; onde os maiores cuidados municipaes não têem podido manter uma hygiene rigorosa e constante.
As numerosas fabricas, os materiaes que a sua labutação exige, a agglomeração dos operarios de todos os sexos e idades, a par das outras rasões já indicadas, e todas relativas áquelle grande centro industrial, tornam instante a resolução do pedido daquella municipalidade.
Por este motive, tenho a honra de apresentar a consideração da camara dos senhores deputados o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º E auctorisada a camara municipal da Covilhã a applicar á fundação de um hospital provisorio para cholericos a quantia de 10:000$000 réis deduzida da receita do municipio na verba destinada a viação municipal.

rt. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Lisboa, 25 de abril de 1885. = O deputado pelo circulo n.° 63, Guilhermino Augusto de Barros.

O sr. Presidente: - Esta em discussão.
O sr. Albino Montenegro: - Não me opponho a que a camara municipal da Covilhã destine a quantia de reis 6:000$000 dos fundos de viação para um hospital; mas julgo inconveniente que no artigo 1.º se diga o seguinte: «hospital para cholericos, e em geral, para receber os doentes affectados de molestias contagiosas.
Parece me que seria melhor que se eliminassem as palavras que se seguem a palavra hospital, porque se formos fazer um hospital para cholericos, e o cholera não vier cá, o hospital não servira para nada, tendo-se assim gasto inutilmente uma somma importante, com prejuizo da viação para que era destinada.
Mando, portanto, para a mesa a minha proposta.
Leu-se. É a seguinte

Proposta

Proponho que se eliminem as palavras que se seguem á palavra «hospital». = Albino Montenegro.
Foi admittida.

O sr. Avellar Machado: - O projecto não foi impugnado e por conseguinte não tenho que o defender.
A commissão redigiu o projecto como está, porque foi assim que o requereu a camara municipal da Covilhã. O artigo trata da fundação de um hospital para cholericos, em geral, para receber doentes affectados de molestias contagiosas. Se a Covilhã for visitada pelo cholera o hospital serve para receber os cholericos; se a Providencia afastar de nós a terrivel doença, o hospital serve para doentes affectados de quaesquer molestias contagiosas.
Não ficara, portanto, inutilisada a despeza se o cholera não vier áquella povoação.
Por este motivo a commissão não pode acceitar a proposta do illustre deputado.
O sr. Guilhermino de Barros: - Se s. exa. e a camara me permittem dar algumas explicações a respeito deste projecto que se refere ao circulo que tenho a honra de representar nesta casa, direi que a commissão fez muito bem em attender ao pedido da camara municipal da Covilhã, e que o sr. deputado não faria talvez a sua proposta se conhecesse bem a localidade a que o projecto se refere.
A Covilhã e uma povoação industrial das mais importantes do paiz, tem doze mil almas e de construcção antiga; n'estas condições as molestias epidemicas são ahi frequentes, e entre ellas o typho. Não ha anno algum em que esta mortifera enfermidade não faca muitas victimas.
O projecto, como esta redigido, tem por fim aliviar, na possibilidade da invasão do cholera, o estado de uma despeza que não pode fazer.
V. exa. sabe que se tal flagello apparecer em qualquer ponto do paiz o governo terá que fazer quantiosas despezas para alcançar os meios necessarios a minorar a calamidade. Assim póde succeder na Covilhã que, como já disse, tem doze mil habitantes que o typho dizima repetidas vezes.
O governo terá em tal caso de preparar um hospital, á

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custa de sacrificios importantes. A camara municipal da Covilhã vem, diante d'esta possibilidade, patrioticamente pedir para ser applicada da verba da viação que o concelho pagou uma quantia limitada, e que em pouco desfalca esta receita especial que monta a 54:000$000 réis.
Parece-me que os illustres deputados, zeladores dos interesses do thesouro publico, deveriam ser os primeiros a permittir esta applicação, applicação que já se tem feito em outras condições, para obras que têem nas leis administrativas os meios do occorrer-lhes.
Parece-me que no interesse do paiz e do thesouro publico, e nas circumstancias actuaes, os illustres deputados deviam ser os primeiros a votar uma voce o projecto.
Termino aqui as minhas observações.
O sr. Presidente: - Vae passar-se a ordem do dia; e fica pendente a discussão d'este projecto.

ORDEM no DIA

Discussão do projecto n.° 48 tratado de commercio com a Hespanha

Leu se na mesa o seguinte

PROJECTO DE LEI N.º 48

Senhores. - As vossas commissões de negocios externos, commercio e artes e agricultura reunidas, examinaram com a devida attenção o tratado do commercio e de navegação celebrado com a Hespanha aos 12 de dezembro de 1883, e bem assim a pauta A, annexa ao mesmo tratado, regulando os direitos excepcionaes, que na importação em Portugal, haverão de pagar as mercadorias de origem hespanhola, especificadas na dita pauta.
Desde 18 de outubro do anno de 1881, em que foi denunciado o tratado de commercio, que com a Hespanha tinhamos celebrado em 20 de dezembro de 1872, que as nossas exportações para aquelle paiz deixaram de gosar dos importantes beneficios concedidos na sua pauta convencional, produzindo este facto prejuizos ao nosso commercio e industrias.
Segundo a legislação estabelecida no paiz vizinho, não concede este as vantagens da sua pauta convencional, senão em troca de igual beneficio, acrescentado de novas compensações, rasão pela qual não se pode limitar a convenção celebrada as disposições que são de uso n'esta especie de documentos, quando só garantem o tratamento de nação mais favorecida; mas concede ainda reducção nos direitos de algumas mercadorias especificadas na referida pauta A.
A Hespanha da em troca os beneficios da sua pauta convencional, e a reducção nos direitos de importação do peixe salgado, fumado e de escabeche, com exclusão do bacalhau, de 11 pesetas por cada 100 kilogrammas a 5 pecetas, e nos mariscos de 3 pesetas a 1 peseta.
Entre dois paizes com producções e industrias identicas, conveniencias economicas da mesma natureza e separados por uma raia tão extensa e facilmente accessivel, conviria de certo a celebração de convenção especial, que garantisse os interesses dos dois paizes, desenvolvesse mais a sua industria agricola e fabril, e bem assim o seu commercio e navegação, e tendesse a diminuir o commercio illicito, que a ambos prejudica.
É certo, porém, que não tendo sido em tempo reservado o direito de estipulação e concessão de vantagens e privilegios especiaes, como conviria, actualmente era impossivel realisar uma convenção como seria para desejar, porque todas as vantagens reciprocamente concedidas se alargariam ás nações a quem Portugal e a Hespanha tem concedido o titulo de mais favorecidas, e isto prejudicaria os interesses economicos e industriaes dos dois paizes.
Pelo actual tratado se affirmam vantajosos principios de livre transito, e reservou-se para os respectivos subditos o direito da pesca nas aguas territoriaes dos dois paizes. Têem em importancia as disposições estabelecidas no artigo 14.º da convenção, que porão termo a abusos, com que era vexado o e prejudicado o nosso commercio de exportação.
Pelas rasões expostas e por outras que suprira a vossa esclarecida intelligencia, são as vossas commissões de parecer que a proposta do governo n.° 6-E deve merecer a vossa approvação, sendo convertido no seguinte projecto do lei:

Artigo 1.° É approvado, para ser ratificado pelo poder executivo, o tratado do commercio entre Portugal e Hespanha, concluido e assignado pelos respectivos plenipotenciarios em Lisboa aos 12 de dezembro de 1883.
Art. 2.° É revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, em 20 de abril de 1885. = Conde de Thomar = Joaquim José Coelho de Carvalho = J. G. Pereira dos Santos = José P. de Avellar Machado = Cypriano Jardim = Visconde das Laranjeiras, Manuel = Rodrigo Affonso Pequito = João Marcelino Arroyo = Jayme Arthur da Costa Pinto = Manual d'Assumpção = Estevão de Oliveira = Teixeira de Vasconcellos = Henrique da Cunha Mattos de Mendia = Pedro G. dos Santos Diniz = Carlos Roma du Bocage = F. A. F. de Mouta e Vasconcellos = Arthur Amorim Sieuve de Seguier = Luciano Cordeiro = Tito Augusto de Carvalho = Antonio M. P. Carrilho = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, relator.

N.° 6 - E

Senhores.- O nosso ultimo tratado de commercio com a Hespanha era, em relação ao commercio reciproco dos dois paizes, um simples tratado para o tratamento da nação mais favorccida, sem pauta convencional. Em 1882 a Hespanha, tendo feito reducções muito importantes em grande numero dos artigos das suas pautas, entendeu que não devia conceder gratuitamente a vantagem destas reduções as outras nações; com este intuito denunciou os tratados que a esse tempo eram vigentes, e entabolou negociações para outros, tendo feito estabelecer por lei que não concederia as vantagens da nova pauta senão a troco de compensações. Esta é a origem do novo tratado, que hoje tenho a honra de vos apresentar.
Algumas das reduções importantes da pauta hespanhola recaem em artigos industriaes que, não fazendo objecto do nosso commercio de exportação, não podem trazer-nos, pelo menos no actual estado das nossas industrias, vantagens apreciaveis. Ha outras reducções, porém, que nos são desde já vantajosas, ou que o podem ser dentro de pouco tempo, se desenvolvermos alguns dos ramos da nossa industria. Citaremos entre as primeiras a reducção importantissima nos direitos do sal, que torna possivel um ramo de commercio, que na actualidade o não era, com a nação vizinha, e que diz respeito a uma das nossas importantes producções. Não me refiro especialmente a outras reducções, no vinho, azeite, cereaes, farinhas e outros productos da industria agricola, porque sendo as duas nações productoras e igualmente exportadoras d'estes generos, o seu commercio reciproco sobre taes artigos nunca póde ter uma importancia de primeira ordem.
Assentaram os dois governos no tratado que submetto á vossa approvação igualar o direito sobre o pescado. Daqui resulta uma diminuição importante nos direitos de entrada em Hespanha da sardinha salgada e prensada (em hespanhol solpresada). do peixe prensado e salgado, fumado e de escabeche, e do marisco, que fazem objecto do nosso commercio de exportação para Hespanha, e que mais o farão ainda a medida que se for desenvolvendo e completando a rede das communicações faceis e baratas entre os dois paizes.
As compensações que damos em troca d'estas vantagens constam da tabella A que faz parte do tratado. D'estas a mais importante, como vereis, é a isenção de direitos na

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entrada em Portugal do gado vaccum, lanigero e caprino. Notarei, porem, que estes artigos, sobretudo o gado vaccum, são para nos como materia prima de uma industria lucrativa que bastante se tem desenvolvido nos ultimos tempos, a engorda do gado para a exportação. Tão vantajosa para nos, independente de qualquer compensação ou reciprocidade, se reputou esta medida, que já ella foi uma vez apresentada as camaras em proposta de lei do governo, a qual todavia não chegou a ser votada. Mencionarei ainda a reducção do direito do azeite de 700 a 500 réis por decalitro, que era o direito da nossa pauta anterior.
No tratado que vos apresento, vereis tambem de novo consignado o principio já estabelecido na convenção de 27 de abril de 1866 do transito livre das mercadorias estrangeiras atravez dos dois paizes, estabelecendo-se a fórma por que em certos casos esta estipulação poderá ser levada a pratica; o que poderá ser de uma grande vantagem tanto para o commercio portuguez como para o hespanhol.
Notareis, finalmente, que neste tratado se estabelece a reserva exclusiva de pesca nas costas de cada um dos paizes, para os naturaes respectivos. Esta questão estava anteriormente resolvida de commum accordo pelos dois governos. São amplissimas as costas tanto de Portugal como de Hespanha, e a promiscuidade e concorrencia dos naturaes de um e outro paiz no mesmo campo de exploração, davam logar a competencias e conflictos que convem evitar. O bem entendido interesse das duas nações peninsulares consiste na suppressão de todos os obstaculos que se oppõem a facilidade das suas communicações commerciaes, e de todas as causas que podem perturbar a harmonia de dois povos, cujas conveniencias economicas são da mesma natureza e estão a muitos respeitos intimamente ligadas.
Tenho pois a honra de submetter a vossa approvação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É approvado, para ser ratificado pelo poder executivo, o tratado de commercio entre Portugal e Hespanha, concluido e assignado pelos respectivos plenipotenciarios em Lisboa aos 12 de dezembro de 1883.
Art. 2.° É revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 26 de Janeiro de 1885. = José, Vicente Barbosa de Bocage.

Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves, e Sua Magestade o Rei de Hespanha, igualmente animados do desejo de estreitar os lagos de amisade que tinem as duas nações, e querendo melhorar e alargar as relações commerciaes entre os seus respectivos estados, resolveram concluir para esse fim um tratado especial, e nomearam por seus plenipotenciarios, a saber:
Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves, e Sua Antonio de Serpa Pimentel, conselheiro d'estado, par do reino, ministro d'estado honorario, grari-cruz de Carlos III de Hespanha, e de varias outras ordens, etc., etc., etc.
E Sua Magestade o Rei de Hespanha ao sr. D. Filippe Mendez de Vigo y Osorio, gran-cruz da ordem de Nossa Senhora da Conceição de Villa Viçosa e de outras varias ordens, gentil-homem de Sua Magestade e seu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto de Sua Magestade Fidelissima, etc., etc., etc.
Os quaes, depois de terem reciprocamente communicado os seus respectivos plenos poderes, que acharam em boa e devida forma, convieram nos artigos seguintes:

Artigo 1.°

Haverá inteira liberdade de commercio e de navegação entre os subditos das duas altas partes contratantes. Não serão sujeitos, em rasão do seu commercio ou industria, nos portos cidadãos, ou quaesquer logares dos respectivos estados, quer ahi se estabeleçam, quer ahi residam temporariamente, a outros ou maiores tributos, impostos ou contribuições de qualquer denominacao que sejam, do que aquelles que pagarem os nacionaes. Os privilegios, immunidades ou outros quaesquer favores de que gosarem em materia de commercio ou industria, os subsidies de uma das altas partes contratantes, serão communs aos da outra.

Artigo 2.°

As altas partes contratantes garantem-se reciprocamente o tratamento da nação mais favorecida em tudo o que respeita a importação, exportação e transito. Cada uma dellas se obriga a fazer aproveitar a outra de todos os favores, de todos os privilegios ou reducções dos direitos sobre a importação ou exportação que venha a conceder a uma terceira potencia. Fica todavia reservado em favor de Portugal o direito de conceder ao Brazil sómente vantagens particulares que não poderão ser reclamadas pela Hespanha como consequencia do seu direito ao tratamento da nação mais favorecida.
As altas partes contratantes obrigam-se, outrosim, a não estabelecer uma a respeito da outra direito algum ou prohibição da importação ou de exportação que não seja ao mesmo tempo applicavel ás outras nações.

Artigo 3.°

Cada uma das duas altas partes contratantes se obriga a tornar extensivos a outra, immediatamente, e sem compensação alguma, ao favor, privilegios ou reducções nas multas de direitos de importação e exportação sobre os artigos mencionados ou não no presente tratado, que qualquer dellas houver concedido ou conceder a uma terceira potencia.
Obrigam-se alem disso a não estabelecer uma com relação a outra nenhum direito ou prohibição de importação ou de exportação que ao mesmo tempo não sejam extensivos ás mais nações.
Garante-se reciprocamente o tratamento da nação mais favorecida para cada uma das altas partes contratantes em tudo o que diz respeito ao consume, deposito, reexportação, transito, trasbordo de mercadorias e ao commercio e a navegação em geral.

Artigo 4.°

Os objectos de origem ou fabricação hespanhola enumerados na pauta A, annexa ao presente tratado, e importados directamente por terra ou por mar, serão admittidos em Portugal com os direitos fixados na mencionada pauta.

Artigo 5.°

Os vinhos hespanhoes importados directamente em Portugal pagarão os direitos estabelecidos para os vinhos francezes, no tratado de commercio e navegação entre a Franga e Portugal de 19 de dezembro de 1881, ou os inferiores que de futuro possam a vir estabelecer-se para outra nação. Não pagarão maiores impostos ou direitos interiores de caracter geral que os actualmente estabelecidos.

Artigo 6.°

O principio estabelecido no artigo 3.° não se applicará:
1.° Á importação, a exportação, nem ao transito das mercadorias que são ou possam ser objecto dos monopolios do estado;
2.° Ás mercadorias, mencionadas ou nao no presente tratado para as quaes uma das altas partes contratantes julgar necessario estabelecer prohibições ou restricções temporarias de entrada e de transito por motives sanitarios, para evitar a propagação de epizootias, a destruição de colheitas, e tambem por causa e na previsão de acontecimentos de guerra.

Artigo 7.°

As mercadorias de qualquer natureza originarias de uma das duas altas partes contratantes, e importadas no territorio da outra parte não poderão ser sujeitas a direitos de

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accise de barreira ou de consumo, cobrados por conta do estado, das provincias ou dos municipios, superiores aquelles que pagam ou vierem a pagar as mercadorias similares de producção nacional. Todavia, os direitos de importação poderão ser augmentados com as sommas que representarem as despezas occasionadas aos productos nacionaes pelo systema de accise.

Artigo 8.°

Os naturaes ou nacionalisados de um dos dois paizes que quizerem assegurar no outro a propriedade de uma marca, de um modelo ou desenho deverão, cumprir as formalidades prescriptas para este fim na legislação respectiva dos dois estados.
As marcas de fabrica as quaes for applicavel este artigo serão as que em ambos os paizes estejam legitimamente adquiridas pelos industriaes ou negociantes que dellas usem, isto e, que o caracter ou typo de uma marca de fabrica portugueza para ser considerada como tal, devera apreciar-se com relação a lei portugueza, assim como o de uma marca hespanhola devera julgar-se com relação a lei hespanhola.

Artigo 9.°

Os objectos sujeitos a um direito de entrada que servirem de amostras e forem importados em Portugal por caixeiros viajantes hespanhoes ou em Hespanha por caixeiros viajantes portuguezes, gosarão de uma e de outra parte, mediante as formalidades da alfandega necessarias para assegurar a reexportação dos mesmos objectos ou a sua reintegração em deposito, do privilegio da restituição dos direitos que tinham sido depositados á entrada. Estas formalidades serão reguladas de commum accordo entre as altas partes contratantes.

Artigo 10.º

Os fabricantes e os negociantes portuguezes, assim como os seus caixeiros viajantes, devidamente habilitados como taes em Portugal, quando viajarem em Hespanha, poderão, sem ficarem sujeitos a qualquer imposto de patente, fazer ahi as compras necessarias a sua industria e receber encommendas, com amostras ou sem ellas; mas sem trazerem e venderem mercadorias pelas port-as.
Haverá reciprocidade em Portugal para os fabricantes ou negociantes de Hespanha e seus caixeiros viajantes. As formalidades exigidas para se obter isenção daquelle imposto serão reguladas de commum accordo.

Artigo 11.°

Cada uma das altas partes contratantes poderá exigir que o importador, para prova de que os productos são de origem ou de fabricação do paiz respectivo, apresente na alfandega do paiz em que for feita a importação uma declaração official que contenha aquellas circumstancias, feita perante as auctoridades locaes do ponto de producção ou de deposito pelo productor ou fabricante da mercadoria, ou por qualquer outra pessoa devidamente auctorisada por elle. Os consules ou agentes consulares respectivos legalisarão sem despeza de nenhuma especie as assignaturas das auctoridades locaes.
Pelo que respeita ao despacho nas alfandegas dos objectos taxados ad valorem, os importadores e os productos de um dos dois paizes serão tratados no outro, a todos os respeitos, como os importadores e os productos da nação mais favorecida.

Artigo 12.°

O convenio de transito de 27 de abril do 1866 e o regulamento para a sua execução de 7 de fevereiro de 1877 declaram-se confirmados e formando parte do presente tratado. Applicar-se-hão as suas disposições a todos os caminhos de ferro internacionaes dos dois paizes, obrigando-se os dois governos a modificar, no que for necessario, os regulamentos, e a tomar todas as medidas opportunas para facilitar o livre transito das mereadorias, permittin-do-se aos viajantes em transito o fazerem sellar os volumes das suas bagagem a entrada do paiz em que transitem e verificando-se a saida do mesmo paiz que os sellos se acham intactos.

Artigo 13.°

As mercadorias de toda a especie, que vierem de um dos dois estados, ou por elle se dirigirem, serão reciprocamente isentos no outro estado de todos os direitos de transito.
Todavia fica em vigor a legislação especial de cada um dos dois paizes no que respeita aos artigos cujo transito e ou possa vir a ser prohibido, e as duas altas partes contratantes reservam-se o direito de sujeitar a auctorisações especiaes o transito das armas e das munições de guerra.

Artigo 14.°

As mercadorias em transito não serão sujeitas em nenhum dos dois paizes a imposto algum quer geral, quer provincial ou municipal; e permittida a mudança de taras nos depositos respectivos, quer dos fructos quer das mercadorias, quando estas se destinem para qualquer outro paiz que não seja o da sua proveniencia, reservando-se o governo do paiz d'onde se faça a expedição o direito de marcar as novas taras quando se transformem os volumes.

Artigo 15.°

Os navios portuguezes e seus carregamentos serão tratados em Hespanha, e os navios hespanhoes e seus carregamentos serão tratados em Portugal a todos os respeitos, como os navios nacionaes e seus carregamentos, seja qual for o ponto de partida dos navios ou o sen destino, e a viagem do sen carregamento e sen destino.
Todos os privilegios e todas as isenções concedidas sobre este ponto a uma terceira potencia por uma das altas partes contratantes, serão sem condições immediatamente concedidos á outra.

Artigo 16.°

As duas altas partes contratantes reservam-se a faculdade de impor nos portos respectivos sobre os navios da outra potencia, assim como sobre as mercadorias que constituirem a carga d'esses navios, imposições especiaes, destinadas a occorrer ás necessidades de um serviço local.
Fica entendido que as imposições de que se trata, deverão em todos os casos ser applicadas igualmente aos navios das duas altas partes contratantes, e aos carregamentos dos mesmos navios.

Artigo 17.°

Em tudo o que respeita a collocação dos navios, na carga e descarga nos portos, enseadas, bahias ou ancoradouros, e geralmente a todas e quaesquer formalidades e disposições a que possam estar sujeitos os navios de commercio, suas tripulações e carregamentos, não será concedido aos navios nacionaes, nos respectivos estados, nenhum privilegio ou favor, que não seja igualmente concedido aos navios da outra potencia, sendo a vontade das altas partes contratantes que n'esta materia os navios portuguezes e os navios hespanhoes sejam tratados com perfeita igualdade.

Artigo 18.°

São respectivamente considerados navios portuguezes ou hespanhoes os que navegando com a bandeira de um dos dois estados, forem possuidos e estiverem registados conforme ás leis do respectivo paiz, e se acharem providos dos titulos e patentes expedidos em devida fórma pelas auctoridades competentes.
As altas partes contratantes convem em regular por mutuo accordo, as condições sob as quaes os certificados de arqueação respectivos serão admittidos reciprocamente em um e outro paiz.

Artigo 19.°

As mercadorias de toda a especie importadas directa-

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mente de Portugal em Hespanha, debaixo da bandeira portugueza, e reciprocamente as mercadorias de toda a especie importadas directamente de Hespanha em Portugal debaixo de bandeira hespanhola, gosarão das mesmas iseuções, restituições de direitos, premios ou quaesquer outros favores; não pagarao outros ou maiores direitos de alfandega, de navegação ou de portagem cobrados em beneficio do estado, das municipalidades, corporações locaes, dos particulares ou de qualquer estabelecimento, e não serão sujeitas a nenhuma outra formalidade mais do que se a importação fosse feita debaixo de bandeira nacional.

Artigo 20.°

As mercadorias de toda a especie que forem exportadas de Portugal por navios hespanhoes ou de Hespanha por navios portuguezes, para qualquer destino que seja, não serão sujeitas a direitos ou formalidades de exportação diversos dos que teriam logar se fossem exportadas por navios nacionaes, e gosarão debaixo de uma e de outra bandeira de todos os premios, restituições de direitos e outros favores que são ou forem concedidos em cada um dos dois paizes á navegação nacional.
Todavia exceptua-se das disposições precedentes o que respeita ás vantagens e favores especiaes de que os productos da pesca nacional suo ou possam ser objecto n'um ou n'outro paiz.

Artigo 21.°

Os navios portuguezes que entrarem em um porto de Hespanha, e reciprocamente os navios hespanhoes que entrarem em um porto de Portugal, e que n'elle não venham descarregar serão uma parte da carga, poderão, uma vez que se conformem com as leis e regulamentos dos estados respectivos, conservar a seu bordo a parte da carga que for destinada para outro porto, quer seja no mesmo paiz, quer em outro, e reexportal a sem que sejam obrigados a pagar por esta ultima parte de carga nenhum direito de alfandega, exceptuando os de fiscalisação, os quaes, comtudo, não poderão naturalmente ser cobrados senão pela tabella fixada para a navegação nacional.

Artigo 22.°

Os navios que façam o serviço de paquetes e pertençam a companhias subvencionadas por um dos dois estados, não poderão ser obrigados, nos portos do outro estado, a mudança alguma do seu destino e direcção, nem estar sujeitos a sequestro por sentença judicial, nem a embargo ou requisição por auctoridade local.
Não obstante, no que se refere a aplicação do presente artigo, as altas partes contratantes convém em tomar de commum accordo as disposições necessarias, a fim de conseguir para a administração a garantia das companhias subvencionadas com relação as responsabilidades em que incorram, tanto os capitaes dos seus navios como as proprias companhias.

Artigo 23.°

As disposições d'este tratado não são applicaveis a cabotagem nem ao exercicio de pesca. Cada uma das duas altas partes contratantes reserva para os seus subditos exclusivamente o exercicio da pesca nas suas aguas territoriaes.
Um convenio especial entre os dois governos regulará a execução d'esta disposição.

Artigo 24.°

As duas altas partes contratantes concordam em unificar nos dois paizes os direitos sobre a importação do peixe fresco, fumado, salgado ou de escabeche. Exceptua-se porem o bacalhau, cujos direitos poderão ser differentes nos dois paizes.
Estes direitos serão para a importação em Hespanha por cada 100 kilogrammas de 1,50 pesetas para o pescado fresco, ou com o sal indispensavel a sua conservação, de 2 pesetas para a sardinha salgada, de 5 pesetas para os outros pescados, salgados, fumados e de escabeche, e de 1 peseta para o marisco.

Artigo 25.°

As disposições do presente tratado são applicaveis sem excepção alguma as ilhas adjacentes de ambos os estados, a saber: por parte de Portugal as ilhas da Madeira e Porto Santo e ao archipelago dos Açores; e por parte de Hespanha as ilhas Balcares e Canarias e as possessões das costas de Marrocos.

Artigo 26.°

O presente tratado será posto em execução immediatamente depois da troca das ratificações, e ficará em vigor até 30 de junho de 1887.
Em fé do que os respectivos plenipotenciarios assignaram este tratado e lhe pozeram o sêllo das suas armas.
Feito em Lisboa, em duplicado, aos 12 de dezembro do 18S3.
(L. S.) = Antonio de Serpa Pimentel.
(L. $.) = Filippe Mendez de Vigo.
Está conforme. - Direcção dos consulados e dos negocios commerciaes, em 7 de Janeiro de 1884. = Eduardo Montufar Barreiros.

PAUTA - A -

Unidade
Direitos

Minerios e mineraes em bruto não classificados ....
Pescado fresco ou com sal indispensavel para a sua conservação ....
Sardinha salgada e prensada ....
Outros pescados salgados e prensados, fumados e de escabeche ....
Mariscos ....
Fructos frescos e seccos ....
Azeite de oliveira ....
Gado vaccum, lanigero e caprino ....
Gado suino ....
Cortiça em bruto e em pranchas ....
Cortiça em rolhas ....
Lã em rama, suja ou lavada ....

Conforme. = Barreiros.

Antonio de Serpa Pimentel.
Fllippe Mendez de Vigo.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e na especialidade.
O sr. Laranjo: - Desejava dizer alguma cousa ácerca do projecto que se discute.
O tratado de commercio feito entre Portugal e Hespanha daria lucros equivalentes para ambas as nações?
O primeiro artigo de exportação de Hespanha para Portugal era o gado vaccum para engorda, e o primeiro ar-

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tigo de exportação de Portugal para a Hespanha era o gado suino, mas a nossa exportação era num terço da de Hespanha.
N'este artigo não obtivemos as vantagens que seria para desejar.
O segundo artigo da exportação de Hespanha eram as lãs, que ficavam isentas de direito, e o segundo artigo quanto a Portugal era constituido pelas madeiras em bruto. E tinham as madeiras introduzidas em Hespanha ficado livres no tratado? Não, e portanto não se podia dizer que houvesse reciprocidade.
Passou em seguida a tratar da questão do azeite, fazendo a este respeito muitas considerações.
Disse que era necessario abolir os direitos de exportação do nosso azeite e já se apresentára um projecto para esse fim, esperando que o governo approvára esta medida, que é de grande urgencia.
N'este tratado não se tomaram as providencias necessarias para cohibir muitos abusos que se estão dando, como é, por exemplo, a permissão de mudança de taras. Para que era esta concessão? Era sabido que de Lisboa iam, não só vasilhas, mas tanoeiros para fazer pipas iguaes as portuguezas. Isto trazia prejuizo para o commercio portuguez, porque se ia lá fóra dar como azeite portuguez um producto que o não era.
Fazendo-se um tratado com a Hespanha devia procurar-se obstar a muitos abusos que hoje se dão. A licença para em Portugal se mudar o genero para outras vasilhas era prejudicial aos nossos productos. O azeite importado continha oleos e outras substancias e embarcado nos portos de Portugal ia lá fóra passar como azeite portuguez, fazendo com que este genero perdesse o seu credito e diminuisse de preço. Era d'ahi que vinha que o azeite portuguez tinha uma exportação inferior a que já tivera.
Tambem lhe parecia que a introducção do oleo de algodão no paiz devia ter um direito muito mais elevado.
Pelo tratado tambem as lãs vindas de Hespanha não eram taxadas em Portugal e isto era de grande vantagem para Hespanha, não se dando no tratado a competente compensação.
Fez ainda outras muitas considerações.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o artigo 14.° do tratado de commercio seja alterado do modo seguinte:
As mercadorias em transito não são sujeitas em nenhum dos dois paizes a imposto algum, quer geral, quer provincial ou municipal; sé é permittida a mudança de taras em caso de necessidade verificada, e fazendo-se sob a inspecção dos empregados fiscaes, reservando-se o governo do paiz d'onde se faça a expedição o direito de marcar todas as taras, tanto as novas como as que se não tenham mudado. - O deputado, José Frederico Laranjo.
Foi admittida.

Occupou a cadeira da presidencia o sr. Luiz de Lencastre.

O sr. Fuschini: - Mando para a mesa, por parte das commissões de administração publica e de fazenda, o parecer sobre a reforma administrativa do municipio de Lisboa.
O sr. Presidente: - Como já está impresso este parecer, vae ser distribuido pelos srs. deputados.
O sr. Pinto de Magalhães: - Ouvi com toda a attenção as observações do illustre deputado ácerca do tratado que se discute. Devo dizer a s. exa., não como questão de effeito oratorio, mas porque assim o entendo em consciencia, que os argumentos apresentados pelo illustre deputado podem todos servir para a defeza da convenção.
Tratou s. exa., alem das divagações a que eu não me farei cargo de responder, do gado, da lã, da madeira, das pescarias, do azeite, da mudança de taras e das tarifas de caminho de ferro. Invertendo a ordem seguida pelo illustre deputado, eu começarei pelas tarifas dos caminhos de ferro.
(Interrupção do sr. Laranjo.)
S. exa. pediu-me que o não interrompesse; eu, mais condescendente, peço-lhe que me interrompa quando lhe aprouver.
O tratado nada tem com as tarifas de caminhos de ferro.
O sr. Laranjo: - Eu disse, quando tratei das tarifas de caminhos de ferro, que ellas não tinham nada com o tratado, mas que tinham muito com o governo.
O Orador: - Acceitando a rectificação, vejo que concorda o illustre deputado commigo em que a questão das tarifas nada tem com o tratado: é uma questão deslocada.
A elevação de tarifas com relação aos productos hespanhoes que transitam por Portugal prejudicar-nos-ia muito.
O transito internacional a quem aproveita mais?
A liberdade de transito, se aproveita a Hespanha, muito mais favorece a Portugal, todas as facilidades são convenientes, para impedirmos que os portos de Vigo, de Cadiz e outros de Hespanha, conquistem a importancia, que tem o porto de Lisboa. (Apoiados.)
Seria acertado restringirmos ou difficultarmos o transito internacional, devendo ter a aspiração de que o porto de Lisboa seja o emporio mercantil não só de Portugal, mas do uma parte da Extremadura hespanhola? (Apoiados.)
Porventura o convenio de 1877, citado por s. exa. com certo desdem, foi ruinoso, ou lucrou com elle só a Hespanha?
Disse o illustre deputado que possuia uma relação de tarifas, em que se via que a Hespanha diminuia muito as applicadas as mercadorias que se dirigiam para os portos hespanhoes, e pelo contrario sobrecarregára as que se referiam aos caminhos de ferro que vem entroncar com os nossos.
Sendo assim, esse argumento e contrario aos principios que estabeleceu o illustre deputado e a meu favor.
É evidente que a Hespanha barateia o transporte das mercadorias destinadas a exportação pelos seus portos, e difficulta o das mercadorias que transitam pelas linhas que vem entroncar na fronteira portugueza.
Isto não e decerto para nos beneficiar. (Apoiados.)
E haviamos nós de difficultar o transito internacional?
Não por certo. (Apoiados.)
Acrescem a respeito das tarifas rasões de outra ordem, não admira que as tarifas para percursos muito extensos sejam relativamente modicas, comparadas com as nossas tarifas do interior, que são reguladas para um trajecto curto.
Veiu depois s. exa. com a já antiga questão da mudança de taxas.
A este respeito devo dizer de passagem, que quando o illustre deputado fez tenção de referir-se no seu discurso a este facto, para o criticar, devia ter primeiro consultado o illustre deputado que esta sentado a sua direita.
O sr. Laranjo: - Á direita!
O Orador: - Sim, senhor, o chefe do seu partido. Essa mudança de marcas foi permittida pelo sr. Braamcamp, por despacho transmittido em nota de 12 de março de 1881.
A proposito de mudança de taras ou de envolucros referiu-se o illustre deputado muito principalmente ás do azeite, e declarou terem-se dado fraudes, pretendendo, que por todos estes factos e responsavel o actual governo.
O convenio de 1877, na parte em que permitte a mudança de taras, não estabeleceu doutrina nova; applicou á Hespanha a mesma que nos preliminares da nossa pauta se applica a todas as nações.
Pretendia acaso o illustre deputado que nos celebrando um tratado de commercio com a Hespanha estabelecesse-

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mos em relação áquelle paiz preceitos mais restrictos dos que existem para as outras nações? Com certeza que a Hespanha não acceitaria offerecimento e favor tão especial, da nossa parte. (Riso. Apoiados.)
No artigo 45.° das instrucções preliminares da pauta, artigo que está na nossa legislação fiscal desde 1851, permitte livremente ao commercio, para a reexportação, a mudança de taras; nem podia deixar de ser assim. Pois no caso de que se trata, quando chega um volume com azeite em mau estado, não se havia de permittir o seu concerto ou substituição por outro novo?
Demais, com o azeite que vem de Hespanha, dá-se caso especialissimo, sendo tal producto proveniente de Saragoça, Cordova e outros pontos distantes, não só n'esses pontos ha certa difficuldade em se obterem taras de madeira, mas ha toda a conveniencia em se servirem de odres, que com facilidade obtêem, e que muito barateiam o transporte no caminho de ferro, pelo seu pouco peso, e facil accommodação.
Alem d'isso, os odres são faceis de transportar de umas para outras localidades, em que nem sempre existem meios faceis e commodos de transporte. (Apoiados.)
Estas são as condições especiaes que se dão n'este commercio e a que e necessario attender, e então percebe-se com facilidade por que o azeite de Hespanha vem assim para Portugal, e que, não podendo exportar-se em odres, o commercio pede para o envasilhar em pipas ou barris.
Mas, acrescenta-se, essas pipas teem o cunho e typo nacional, e assim vae nos mercados estrangeiros figurar como producto oriundo de Portugal o que realmente e hespanhol.
É certo que só com o preceituado no convenio de 1877, não tendo nos o direito de marcarmos as taras, por forma que se reconhecesse serem de transito, visto que, pelo contrario, n'essa convenção explicitamente se declarava que as mercadorias em transito, embora armazenadas em Portugal a espera de destino, para todos os effeitos gosavam de todas as immunidades de hespanholas, acontecendo que, quando quizemos marcar com marcas a fogo os volumes vindos de Hespanha, o ministro daquella nação reclamou, tendo nos de deferir á reclamação.
Trocaram-se notas diplomaticas, mas a final nada conseguimos.
Agora tudo foi acautelado e prevenido, apesar da incuria que o illustre deputado attribue ao negociador; fica explicitamente consignado o direito que temos de marcar os volumes que mudam de tara, e acautelada a fraude de passar como nacional o azeite hespanhol. Esta concessão obtida, e a disposição consignada, julgo eu uma das mais vantajosas d'este convenio. (Apoiados.)
Ouvi dizer ao illustre deputado, vem os productos, e ficam nos caminhos de ferro.
Parece que os volumes era transito ficam abandonados e sem fiscalisação, e que e facil a qualquer transformal-os, ou desvial os.
Não é assim.
Está preceituado tambem no artigo 88.° dos preliminares da pauta, que as gares dos caminhos de ferro do norte e leste em Lisboa e Porto são consideradas armazens das alfandegas para todos os effeitos. (Apoiados.)
O azeite, e todos os volumes em transito, vem em wagons fechados e sellados, são acompanhados de guias, que á chegada são conferidas pelas auctoridades fiscaes; fica guardado a vista, e, quando tem de ser mudado dos odres para as pipas, vae um empregado fiscal assistir a essa operação.
Mas ainda assim, diz-se, commettem-se fraudes.
Que se cumprem todas as formalidades legaes e que tudo esta prevenido e um facto; portanto, á asserção de que se commettem fraudes, pode responder-se, que taes fraudes não são commettidas.
Uma asseveração não provada não e um argumento, e só se lhe póde contrapor uma negativa, assim eu nego em absoluto que se commettam fraudes.
E, precisando, cite-me o illustre deputado uma só.
Acrescentou ainda o illustre deputado que pouco avisadamente tinha procedido o governo, não introduzindo o oleo de algodão n'este tratado, para o fim da verificação do direito com o de Hespanha.
Lastimo que a industria agricola portugueza precise e pega o direito de 700 réis para o oleo de algodão, direito de que resultou serem prejudicadas outras industrias, que não podem obter aquelle producto, sendo-lhe tão necessario.
Desde que em 1882 se decretou o direito de 700 reis, s. exa. não viu ainda figurar mais na nossa estatistica o oleo de semente de algodão.
A Hespanha e que não acceitava elevação nesse producto, leva-se por outro prurido e pensamento na confecção das suas leis fiscaes.
Porventura só com o oleo de semente de algodão e que se falsifica o azeite?
E o oleo de mendubi que importavamos das nossas possessões, e todos os oleos vegetaes que não prejudicam a saude, e outros mesmos que a podem prejudicar, não se podem misturar com o azeite?
Com que direito haviamos de impor á Hespanha ou a outro qualquer paiz, que acceitasse um principio que considero prejudicial e que não evita o mal que o dictou, e de que resulta a prohibição de uma materia prima necessaria a muitas industrias, como, por exemplo, a das saboarias, etc.?
Com que rasão se podia propor á Hespanha que elevasse o direito sobre o oleo de semente de algodão? Porque ahi se falsifica o azeite?
Sendo nós um paiz productor? Não me parece que tal estipulação devesse ter sido proposta, e duvido, quando assim se fizesse, que qualquer paiz a acceitasse.
S. exa., ao referir-se ao azeite, apresentou muitos dados estatisticos, e assim permittir-me-ha que eu tambem argumente com outros dados, todos officiaes.
Não me parece o melhor methodo para apreciar o valor de um genero, para o effeito da discussão, o valor, por exemplo, do azeite por decalitro em Abrantes, em Portalegre, em Santarem, etc.
Será mais pratico argumentar com o valor medio do genero, e o valor medio do azeite e o que consta da estatistica official.
Posto isto, sr. presidente, direi que a media da importação do azeite, nos cinco annos de 1877 a 1881, foi de 64:457 decalitros, no valor de 90:000$000 réis, numeros redondos, e a exportação foi de 102:380 decalitros no valor de 107:0000000 réis; differença 37:923 decalitros.
Quer dizer que faltou para o nosso modo de viver economico, a este respeito, 37:923 decalitros.
N'estas condições achava o illustre deputado a quem respondo, que seria util e vantajoso, difficultar ainda mais a importação do azeite?
Passando a referir-me ao direito proposto no tratado, que é o de 500 réis por decalitro, o que tem sido tão impugnado e causado tantos receios infundados, sou de opinião que este direito e ainda excessivo.
É preciso observar que o azeite importado não ficará pagando só o direito de 500 réis, mas em resultado da lei de 17 de maio de 1872, que determina que todos os generos comprehendidos na tabella do real d'agua paguem o imposto de importação augmentado com os impostos do consume e locaes, vejamos a quanto ascende o direito do azeite.
Suppondo que o tratado com a Hespanha e approvado, o azeite em Lisboa pagará 500 réis por decalitro, direito de importação, direito da alfandega de consume, 10 kilogrammas 480 réis ou cerca de 384 reis por decalitro, total 884 réis. Addicionaes cerca de 100 réis; total 984

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réis.; um decalitro de azeite 984 réis ou uma bagatella de mais 65 por cento, que paga o consumidor, e seja a pauta quem nos defenda, não da incuria do governo, mas da nossa! (Apoiados.)
Paguem todos só o bem estar de poucos! Este é que tem sido o principio geral adoptado em Portugal. E, a proposito da nossa agricultura, o illustre deputado até lastimou que exportassemos vinho para França, e pagasse-mos depois caro o mesmo vinho vindo de Bordéus. Lastimar a nossa exportação para França, sr. presidente?
Foi o phylloxera que nos abriu aquelle grande mercado, de que resultou em 1882 termos exportado vinho no valor de 10.000:000$000 réis, e este anno a continuar como principiou chegará a 15.000:000$000 réis, realisados a dinheiro! O vinho é que é a nossa primeira industria, a esta é que nos devemos applicar, e d'esta é que ninguem falla, nem ao menos para lhe propor a liberdade dos direitos de exportação excepcionaes que infelizmente paga!
O mal da agricultura não está na pauta, nem se cura com a elevação de direitos. (Apoiados.)
A industria do azeite ha de definhar, não e por causa do maior ou menor direito de importação. Definha não só aqui, mas em todos os paizes productores, e são poucos os que o produzem, porque o azeite actualmente quasi só é consumido para condimento.
Em machinas não se emprega o azeite; empregam-se outros productos, a oleina, e outras materias gordas que melhor preenchem o fim a que se destinam e menos custam; já ninguem faz com azeite o sabão; o azeite pouco serve para illuminação, o gaz e o petroleo substituiram-no; assim serve só para a alimentação e principalmente do pobre. Cessando a procura por estes motivos, diminuem os preços e querem, por isso, aggravar os consumidores elevando lhe direitos que não se julgam garantidos com 60 por cento! (Apoiados.)
O direito a que me referi é para o que vem para Lisboa, porque, se for para outras terras do reino, paga: direitos de importação 500 réis, imposto do real de agua 100 réis, addicionaes 58 réis, total 658 réis. É um direito excessivo, repito.
Sr. presidente, um genero n'estas condições perde naturalmente muito da sua importancia, o decrescimento que v. exa. viu na estatistica e o que prova.
A producção, acredite que tem diminuido, e chega em annos regulares para o nosso consumo.
Continuando a responder ao illustre deputado, vou tratar do gado, que occupou a attenção de s. exa., pretendendo provar que entre a liberdade concedida a Hespanha e os direitos de importação n'aquelle paiz havia desproporção tal, que muito damno resultaria d'esse facto.
Referiu-se s. exa. as notas dirigidas pelo sr. Casal Ribeiro em 1877, e ainda as que, em 1880 e 1881, dirigiu ao sr. Braamcamp, mostrando a grande conveniencia que havia, para nos, em decretarmos a liberdade em relação a entrada do gado.
Se não aproveitamos agora as boas disposições do governo hespanhol de então, como s. exa. desejava, e porque de então para ca a Hespanha decretou o seu tratado com a Franga, e todas as concessões de reciprocidade que a tal respeito nos fizesse iriam aproveitar a Franga, o que era importante para a Hespanha, visto que aquella nação tambem e para ella paiz raiano.
Se o sr. Anselmo Braamcamp, se o partido progressista, realisasse o tratado em 1880, podiamos ter obtido as vantagens da reciprocidade n'este assumpto, como desejava o illustre deputado; agora era inteiramente impossivel obtel-a porque a Hespanha, tendo feito o seu tratado de commercio com a França, qualquer concessão que nos fizesse tinha de a fazer igual a França.
A livre importação do gado foi um dos pontos atacados por s. exa., pois, consultando-se todos os documentos, todas as notas constantes do Livro branco, que se referem á importação do gado, não pode alguem citar um pelo qual se prove que essa importação deixe de ser vantajosa para nós. (Apoiados.)
Ao tratar d'este assumpto, referiu-se o illustre deputado ao direito que o gado suino paga em Hespanha de 1$521 réis por cabeça, e ao que paga o que entra em Portugal de 90 réis, e disse então s. exa. que isto significava a vontade de fazer concessões á Hespanha.
A media da nossa importação de gado suino de Hespanha foi nos ultimos cinco annos de 1877 a 1881 de 19:005 porcos, no valor de 80:000:3000 réis, o que corresponde ao valor de 4$200 réis por cada porco, e exportamos 9:815 porcos no valor de 146:000$000 réis, quer dizer que cada um valia cerca de 15$000 réis.
Examinando a proporção em que esta o valor de cada porco que importamos de Hespanha em relação ao direito que foi tratado, e a proporção em que está o valor do gado suino que exportamos em relação ao direito estatuido em Hespanha, conhece-se que os direitos eram harmonicos, é que importamos gado magro para engorda, e só exportamos gado gordo, tirando d'essa importação resultados vantajosos.
Com o gado vaccum da se o mesmo phenomeno, a importação media e de 49:269 cabeças no valor de réis 836:000$000, que equivale ao valor por cabeça, termo medio, 16$000 réis.
A exportação de gado vaccum para Hespanha media 601 cabeças no valor de 43$000 réis cada uma.
Ainda n'esta hypothese estão os algarismos a dizer a natureza do nosso commercio. Importamos muito gado para engordar, do que tiramos grande resultado, enviando algum depois para Inglaterra. (Apoiados.)
E diz s. exa. que Portugal e muito mais benevolo com os paizes estrangeiros, ácerca de direitos de gado, do que a Hespanha com os outros paizes!
Não admira que Portugal não receie da concorrencia no gado que lhe possa vir da Inglaterra, França ou outros paizes; eu não teria receio de que fosse decretada a liberdade para todo o gado.
Fez o illustre deputado considerações ácerca das pescarias, em que houve reciprocidade; de facto, tratou s. exa. este ponto como menos importante.
Nas comparações dos valores estatisticos, que s. exa. apresentou em relação á nossa importação de Hespanha e exportação para o mesmo paiz, não se referiu s. exa. parallelamente a generos identicos, isto e, não comparou o valor das pescarias importadas e exportadas; mas, quando se referiu ao valor das pescarias por nos exportadas, parallelamente tratou do valor das lãs por nós importadas; mas que terão que ver as lãs com as pescarias? (Riso.)
Mas, vamos ás lãs. Pois desejava s. exa. que as lãs importadas de Hespanha pagassem direitos, sem se lembrar que a nossa industria, talvez a mais importante, e a industria dos lanificios?! (Apoiados.)
Desejar direitos de importação na lã em rama, seria dar pessima idéa do nosso tino economico e commercial. (Apoiados.)
Parece-me que a argumentação do illustre deputado, em logar de dar força ás suas opiniões, prejudica-as, e facilita me a sustentação dos principios consignados no parecer da commissão.
A nossa exportação de pescarias para Hespanha e importante, e estou certo que crescera de futuro.
A media do valor da nossa exportação n'estes ultimos annos, segundo dados estatisticos officiaes, anda por cerca de 300:000$000 réis por anno.
Ainda o illustre deputado accrescentou que o valor da nossa importação de Hespanha e de 2:000$000 réis, e o valor do que exportamos e de 1:000$000 réis, e tirou a conclusão de que não deviamos tratar havendo tal desequilibrio.
Eu insisto, dando como certos os algarismos apresenta-

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dos pelo illustre deputado, que é uma rasão para devermos approvar este tratado, porque da diminuição dos direitos de entrada dos nossos productos em Hespanha resultará, decreto, maior facilidade, e por isso augmento da nossa exportação para aquelle paiz. (Apoiados.)
Foi decerto, em parte, com esse fim, que realisamos o tratado, para alargar como convem as relações commerciaes entre os dois paizes.
A Hespanha dá-nos o titulo de nação mais favorecida, dá-nos a segunda columna da pauta, parece-me que disse o illustre deputado, mas não é assim, deu-nos mais. Concede-nos o titulo de mais favorecida, o que comprehende a segunda columna, e mais as concessões feitas á França, e posteriormente a Austro-Hungria. Fez-nos ainda concessões valiosas pelo que diz respeito ao transito, conforme já referi e pelo que diz respeito as pescarias, regulando questão tão melindrosa.
Citou o illustre deputado, e leu ate alguns trechos de notas dirigidas pelo sr. Corvo ao governo hespanhol, e procurou tirar d'ahi illacções contra o nosso negociador. Pois o sr. Corvo ha via de sendo nosso representante, amesquinhar as concessões que faziamos a Hespanha, e dar como muito importantes as concessões obtidas? Parece-me que não haveria alguem que negociando, por parte de Portugal, tal fizesse, e muito menos o faria o sr. Corvo, a quem sobeja competencia para tratar d'estes assumptos. (Apoiados.)
Eu não ouvi ao illustre deputado produzir argumentos que podessem influir no espirito da camara para que ella podesse sequer hesitar na approvação d'este tratado, que é util e vantajoso para Portugal, consideradas as condições occasionaes em que foi realisado. (Apoiados.)
Se o illustre deputado tivesse lamentado que o tratado com a Hespanha não fosse de outra importancia, e como eu individualmente o desejava, eu acompanharia o illustre deputado.
É minha opinião individual, e tanto que não tive duvida de a consignar no relatorio da commissão, que Portugal devia ter reservado para convenção especial a Hespanha, em vez de o ter feito só em relação ao Brazil, como aconteceu no primeiro tratado commercial que realisámos com a França em 1867. (Apoiados.)
A reserva que fizemos do Brazil em cousa alguma nos tem aproveitado, esse paiz por rasões especiaes do seu estado economico tem-se pertinazmente recusado a realisar convenções commerciaes com Portugal.
A Hespanha pela sua posição especial confinante comnosco por extensa raia secca, com industria similhante, estava indicada para a realisação de uma especial e larga convenção commercial, que acabasse nos dois paizes a introducção clandestina que e muito importante, e que muito os prejudica. (Apoiados.)
Não desejo alargar-me n'esta ordem de considerações, para não cansar a camara e porque desejo ser breve.
Sr. presidente, era impossivel que entre dois paizes que produzem o mesmo, que têem as mesmas necessidades economicas, o que já estavam presos por convenções commerciaes com outras potencias, que se aproveitariam dos favores ao presente trocados, era impossivel, repito, tratar, em melhores condições. (Apoiados.)
Concluo, dizendo que me parece que o tratado, que discutimos, deva merecer a approvação da camara.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por alguns srs. deputados.)
O sr. Laranjo: - Fez algumas observações em resposta ao orador precedente, e como desse a hora pediu para ficar com a palavra reservada para a sessão de ámanhã.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
o sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada e mais os projectos n.°s 91, 92 e 73.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Discurso proferido pelo sr. deputado Luiz Osorio na sessão de 21 de abril, e que devia ler-se a pag. 1261, col. 1.ª

O sr. Luiz Osorio: - Eu não vou, sr. presidente, contradictar as asserções do orador que me precedeu, deputado illustre e distincto professor da universidade.
Não é esse o meu fim n'este momento.
Concordo com algumas das suas opiniões, discordo de muitas outras; mas emittirei singelamente as minhas, que só para isso pedi a palavra. Decidir-se-ha, quem as coteje, por aquellas que se lhe afigurem mais convincentes.
Desde muito me habituei a respeitar o talento de s. exa., e aproveito apenas esta occasião para lhe render publicamente as minhas homenagens.
Não obstante votar o projecto na generalidade, decidi-me a inscrever-me contra, vagamente receioso de que a camara se deliberasse a votar, dentro de breve, a materia discutida, e convicto, por outro lado, de que ella o não faria, attenta a magnitude do assumpto, emquanto houvesse alguem inscripto contra.
Devo declarar que não interpreto aqui as opiniões de partido algum: interpreto individualmente as minhas. Mas declaro não fazer da discussão d'este projecto uma discussão politica; quero dizer: occupem aquellas cadeiras membros do partido regenerador, progressista, constituinte ou republicano; uma vez trazido a camara este projecto, seja qual for a procedencia d'elle, eu direi na sua discussão precisamente o mesmo que vou dizer agora.
E não podendo abrigar me á sombra do nenhum dos partidos militantes n'esta casa, visto o achar-me só, lanço mão de um expediente, que espero me não sortirá muito peior effeito: vou abrigar-me a sombra da benevolencia de todos. (Vozes: - Muito bem.)
A minha moção e a seguinte:
«A camara, approvando a generalidade do projecto de lei que se discute, deixa salva a declaração de que mais funda reforma desejava, e continua na ordem do dia. = O deputado, Luiz Osorio.»
Sabe v. exa., sr. presidente, que tem para mim alguma cousa do tonel da fabula, que eternamente se enche e eternamente se esvasia, este fluxo e refluxo da minha vontade, que se enche e atropella de energia, para vir a esta casa emittir as minhas opiniões, sempre que della saio, e que de novo succumbe, exhausta, moribunda, quebrada de impotencia, quando volto a sentar-me n'aquella cadeira!
E comprehende-se e justifica-se a minha situação!
Começou o anno passado um seu discurso nesta casa um distinctissimo parlamentar, que por fortuna é nosso collega este anno (o sr. Silveira da Motta), citando esse facto conhecido do reinado de Henrique IV, o Rei soldado, que antes de entrar nos combates se sentia quasi sempre possuido de um verdadeiro e estranho terror; e terminava s. exa. dizendo que, por sua desgraça, a experiencia algumas vezes lhe havia indicado nem sempre deixarem de ter sen fundamento as apprehensões que nutria.
Dizia isto o illustre parlamentar a que me refiro!
Que direi eu, sr. presidente? Eu, sem o uso da palavra, e a quem ainda nem sequer uma vez se apropositou o ensejo de poder colher da experiencia um similhante ensinamento!
Mas, disse já um eminente orador, nosso collega:
«São immensas as galerias da historia... cabem lá todos á vontade!...»
Apropriando: São immensas as galerias d'esta camara...

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Uma vez que a palavra traduza uma opinião, uma vez que essa opinião traduza uma consciencia, são immensas as galerias d'esta camara... cabem cá todos á vontade. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
As fórmas e as roupagens, de que porventura se vista uma idéa, constituem hoje uma questão meramente secundaria.
Faço agora, em duas palavras, a minha profissão de fé, e entro no assumpto.
Em um notavel discurso proferido nas constituintes de 1869 da nossa vizinha Hespanha, encontrei eu uma phrase que me impressionou.
«... Sr. presidente, dizia o parlamentar hespanhol, eu não tenho obrigação de ser um orador; mas eu tenho obrigação de ser um homem de bom...»
Faço minhas de todo em todo e absolutamente as palavras do parlamentar hespanhol. Eu não tenho, sr. presidente, obrigação de ser um orador; tão pouco me impende a mim, e muito menos na idade em que me acho, a obrigação de ser um erudito; mas eu tenho obrigação de ser sincero, mas eu tenho obrigação de ser um homem de bem... pois em toda a minha carreira parlamentar, por curta ou longa que ella seja, (curtissima e muito de crer que o será) homem de bem e sincero eu hei de sel-o, por força! (Vozes: - Muito bem.)
Fica feita a minha profissão de fé.
A primeira pergunta que naturalmente apparece ao espirito de quem deseje submetter a um systema, e levar methodicamente o exame do projecto que se discute, é a seguinte: Eram ou não eram necessarias as reformas politicas? Respondo que sim.
Em 1870, um deputado illustre do então partido reformista traz ao parlamento um projecto para a reforma da carta. Desde então, quer no parlamento, quer na imprensa, determina-se uma corrente no sentido de reconhecer a necessidade da reforma. Essa corrente accentua-se. Qualquer desvio nesta engrenagem de poderes constitucionaes, qualquer erro, attribue-se, por systema, a redacção do pacto fundamental e as suas disposições.
Com rasão? Sem rasão? Em boa parte com justiça. Em grandissima parte sem justiça alguma. No emtanto, a corrente determina-se: accentua-se o mal estar que convem desvanecer.
Qual o caminho a seguir?
Apresentar um projecto de reforma.
Este projecto satisfaz?
A mim não me satisfaz.
Satisfará por inteiro aos interesses da opinião e as necessidades do paiz?
Não o discuto.
Voto-o, porque quebra anomalias existentes na lei, da livre ingresso a principios liberaes que perfilho, e implica, por final, garantias populares. (Apoiados.)
Não occulto, não escondo a impressão desagradavel que experimento, ao ver que um novo acto addicional se justapõe ao acto addicional primitivo.
Sabe v. exa., sabe a camara, o inconveniente que deriva e manifestamente resalta de se encontrar a lei organica de um paiz, cujas caracteristicas por excellencia devem ser a precisão mathematica, a nitidez e a concisão, por assim dizer fragmentada e diluida por tres leis differentes.
Soffrem conjunctamente estes tres predicados principalissimos, a precisão mathematica, a nitidez e a concisão.
Ora, e se eu não quero, sr. presidente, como o não quer o nobre ministro da marinha, ao que pude inferir de um magnofico, de um soberbissimo trecho de oratoria seu, ha tempos aqui citado, o que, de resto, era facil de inferir tambem, se eu não quero que a lei seja nem a Lucrecia, que se força, nem a Messalina, que se vende, eu quero sim, eu desejo sempre, que a lei seja a Phrynéa que no tribunal se desnuda, unicamente para exhibir, na belleza da sua nudez, o impeccavel das suas fórmas. (Vozes: - Muito bem.)
Mas por outro lado tambem comprehendo que o governo, reconhecendo a necessidade de uma reforma mais funda, mais radical, se porventura houvesse de operal-a no proprio corpo da carta, e convicto do que a occasiao era inopportuna, intempestiva, por qualquer motive que acato e não pretendo devassar, procurasse apenas por esta fórma satisfazer ás aspirações mais instantes dos insoffridos.
Fosse qual fosse o motivo que presidiu para o gabinete, respeito-o e acato-o, como disse.
Na questão complexa das reformas politicas, ha questões que pertenciam mais propriamente a legislatura passada, mas que já este anno aqui se debateram tambem.
Discutiu-se, por exemplo, entre outras, a questão em que se pretendia saber quaes eram dentre os artigos cuja reforma se indicava eram ou não constitucionaes, a fim de conhecer o caminho a seguir para lhes operar a reforma.
Esta questão caducou, no estado actual do debate. Achamo-nos em presença de uma camara constituinte; revisora, revisionista, ou o que queira chamar-se-lhe, constituinte e para mim em todo o caso, desde que reforme algum artigo constitucional da carta. (Apoiados.)
Não lhe admitto, é certo, a plenitude de poderes que devem ter umas constituintes como as de 1820, quando apparecem, consequencia de uma revolução triumphadora.
Uma outra questão se ventilou.
Consistia em saber só na reforma do pacto fundamental devia entrar unicamente a camara dos deputados, ou se devia, conjunctamente com ella, collaborar tambem a camara dos pares.
As opiniões dividiram-se.
Eu opto pela primeira. Prefiro aquella que foi aqui principalmente sustentada pelo illustre e douto parlamentar, o sr. Luciano de Castro.
Mas, se tenho como a melhor a opinião de s. exa., em presença do espirito que para mim deriva da actual redacção da lei organica do meu paiz, não a posso eu acceitar precisamente pelo motivo porque s. exa. a perfilha.
Da combinação cumulativa dos artigos 141.°, 142.°, 143.º e 144.° da carta, não infiro eu com a mesma clareza a opinião de s. exa.
Muito ao contrario, sr. presidente, se os tres primeiros artigos, cotejados entre si, alguma cousa me diriam n'esse sentido, combinando-os com o quarto a minha opinião modificava-se, a minha opinião era diversa.
Pena é que s. exa., que não tenho o gosto de ver presente, por deliberação solidaria do sou partido, não possa vir esclarecer a camara e ensinar-me a mim.
O motivo que me determina é outro.
Eu não comprehendo, sr. presidente, como é que, representando a camara dos deputados (não em these, mas em hypothese, não em principio, mas no campo dos factos), mais directamente a vontade popular, se vá exigir uma nova camara com o fim exclusivo de se lhe conferirem nos diplomas direitos peculiarissimos para reformar a carta, permanecendo conjunctamente na reforma a camara que não póde renovar-se, a camara que não póde ser substituida.
Uma de duas:
Ou se hão de admittir, como principio, direitos desiguaes que impendam, para uma e outra casa do parlamento, na confecção das leis, ou se ha de admittir que uma tem direitos superiores aos da outra para a reforma da carta, o que é falso, o que é absurdo, o que é uma mentira constitucional (porque a unica excepção que a lei estabeleço no artigo 35.° reverte em abono d'esta camara); ou, o que se me afigura peior, o espirito da carta constitucional consente que se vá averbar de suspeita uma camara cujo procedimento em nada auctorisa similhante ultrage. (Apoiados.)

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1842 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Nem outra cousa logicamente me parece haver-se feito a camara dos deputados transacta, quando se lhe disse: «tu, porque representas mais genuinamente a vontade nacional, não podes reformar a constituição; mas a camara dos pares, porque representa menos genuinamente essa vontade, póde e vae reformal-a.» (Apoiados.)
De qualquer das duas pontas do dilemma não sei eu furtar-me com facilidade; podel-o-ha fazer quem porventura se ache habituado a uma gymnastica intellectual mais intensa do que a minha; eu, não.
Mas quererei eu, na exposição das minhas idéas, ferir o gabinete e insinuar que elle faltasse ao exacto cumprimento da lei?
De certo não.
Ha ou não ha, na carta constitucional, algum artigo positivo, expresso, terminante, que legisle sobre o ponto?
Não ha.
Portanto, a minha divergencia do gabinete respeita ao espirito da lei.
O governo interpretou a seu modo; fica-me salvo o direito do pensar de outra forma e do emittir com lealdade as minhas opiniões.
Da rigorosa interpretação da carta, é esta a conclusão a que chego.
Sei que este caminho tem inconvenientes; sei que em abono da opinião contraria militam considerações ponderosas; mas o que cumpria era reformar o artigo 142.°
Emquanto elle se achar redigido por esta fórma, não me parece que possa, legalmente, seguir se outro caminho.
Comprehendo o alcance das considerações aqui adduzidas por alguns illustres deputados da legislatura passada; que estas côrtes não appareceram consequencia de uma revolução triumphante; que a nação (séde suprema da soberania) delegara os seus poderes nas tres entidades constitucionaes; camara dos deputados, camara dos pares e sancção regia, e que não cabe a poder algum constituido o eliminar qualquer d'ellas na collaboração da reforma.
Mas, em face da redacção da carta, nada modifica a minha opinião.
Tambem li Silvestre Pinheiro Ferreira, portuguez duas vozes vernaculo: por solido conhecedor da sua lingua, e pelo ramo de direito publico constitucional, a cujos estudos de preferencia se dedicou.
Quando o nobre presidente do conselho aqui citou o anno passado, em abono da sua opinião, o parecer deste publicista, que estranhava se fossem exigir diplomas especiaes para os deputados, quando na collaboração da reforma deviam entrar a camara dos pares e a sancção regia, qual era a conclusão que logicamente devia derivar-se?
Era a necessidade da reforma do artigo 142.°
Indicada ella, permaneciam, sim, todas as minhas duvidas, em presença das constituintes actuaes; mas, feita a reforma d'esse artigo, desappareciam para de futuro.
A coherencia pedia isto. E, quando falla em coherencia, sabe o nobre ministro do reino (actual representante do gabinete), o galucho que fez hontem, pela primeira vez, a sua entrada bisonha n'esta casa, não esquece que tem diante de si e se defronta com o general coberto de victorias, tantissimas vezes enaltecidas por todos os lados da camara. Sustenta apenas as suas opiniões.
Tambem aqui disse um illustre deputado da legislatura passada, que, da combinação dos artigos 140.° e 144.°; podiam resultar sete interpretações differentes.
É certo, é incontestavel que a sua letra é obscura, que estes artigos se acham confusamente redigidos.
A mim bastava-me que da sua combinação podessem resultar duas interpretações diversas.
Uma vez que sobre um assumpto desta importancia surgem duas opiniões, que extremam os campos, e levantam debate serio, a nossa obrigação era assentar n'um projecto de reforma para a redacção d'estes artigos, de maneira a não poder nunca derivar da sua letra mais do que uma unica interpretação.
Declaro, pois, que desejava ainda a reforma dos artigos 140.°, 141.°, 142.°, 143.° e 144.° da carta constitucional.
Queria tambem a reforma do artigo 144.° para que nelle abertamente se exarasse quaes os artigos da carta reputados constitucionaes, a fim de ver dirimida uma questão, que, de outro modo, se me afigura insoluvel.
Outros artigos desejava eu reformados. Apontarei principalmente o § 8.° do artigo 74.°, tendente a regular a amnistia nos crimes politicos. Queria que o paragrapho se redigisse por fórma a dar logar a prompta e effectiva punição das auctoridades que abusam durante o periodo eleitoral. Todos conhecem os deploraveis abusos da impunidade em similhantes assumptos. Desejando a camara dos pares electiva, baseando me no alargamento do suffragio, devo pugnar para que a lei se reforme, de maneira a que a representação nacional se approxime, quanto no possivel caiba, da sua verdadeira genuidade.
Parecia-me tambem de primeira necessidade, para quebrar vexames, que entre as franquias consignadas no artigo 145.°, se garantisse a todo o cidadão o não pagar imposto que não fosse expressamente votado em côrtes. Os excessos derivantes da omissão d'esta providencia legislativa, são taes e tantos, que de sobra me justificam.
São estes para mim os pontos onde mais instantemente urgia se fizesse tambem a reforma.
Passo agora a uma outra parte do meu discurso. Vou entrar na analyse prefunctoria de alguns dos artigos do projecto.
Mas, antes, sr. presidente, consinta-me v. exa. que eu me refira a outro assumpto. O fumo lembra o fogo. As reformas lembram o accordo. É tão intima a concatenação destas idéas! (Riso.)
Vamos portanto fallar do accordo, vamos referir-nos, muito pela rama, a esse facto, de maneira a não ferir, sequer de leve, os melindres de ninguem.
Eu devo primeiro declarar a v. exa. que divirjo, e muito, das opiniões apresentadas n'esta casa por alguns collegas meus de ambos os lados da camara.
Disseram, e repetiram s. exas. aqui, por muitas vezes, não terem nunca visto com bons olhos o accordo.
Eu direi que bem melhor fôra o expresso assentimento de todos os partidos, para que uma reforma relativa a um assumpto de tanta magnitude e seriedade melhor traduzisse tambem a unanime opinião do paiz.
Derivava de ahi um permanente e perpetuo ensarilhamento de armas? Não, de certo. Concluidas as reformas, voltava a normal engrenagem dos partidos a succeder-se nos debates e no poder.
Entendia eu isto assim. Mas o que aconteceu?
Imagine v. exa. um recinto amplo, vastissimo, como amplas, como vastissimas são as discussões n'esta casa.
Para esse recinto devia entrar um gigante enorme, membrudo, proporções avantajadas, (um dos taes Polyphemos de que nos velhos tempos só fallava, dos que tinham um pinheiro por bengala.) (Riso.)
Esse gigante era o accordo; gigante devia ser, porque gigantes eram o pae e a mãe; qual d'elles era o pae? Qual delles era a mãe? É questão que não vem para aqui o dirimir-se. (Riso.)
A entrada que dava para esse recinto era um portico estreito, acanhado, rachitico: a ma vontade manifesta de qualquer dos dois partidos contratantes. O gigante é necessario que entre.
Mas como, sr. presidente?
Cortando-lhe os pés?! Impossivel! Fazer da entrada do athleta que devia ser magestosa, triumphal, omnipotente, a entrada irrisoria de um coxo com moletas?! Immensamente desairoso para os progenitores! (Riso.)
Que pois fazer, sr. presidente?

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Aquillo que airosamente se fez; deceparam-lhe a cabeça; o gigante entrou morto. E naturalmente de ahi deriva o pesado lucto em que todos nos achâmos immersos. (Riso. - Muitos apoiados.)
Isto dito, eu creio interpretar as opiniões e os sentimentos dos meus collegas de todos os lados da camara, desejando ao morto illustre a paz, o esquecimento e o repouso que só em terra de cadaveres n'este mundo se pode alcançar.
Parce sepultis, dir-me-ha alguem; requiescat in pace, respondo eu (Apoiados.) e volto ao assumpto.
Vou examinar, muito perfunctoriamente, alguns artigos do projecto.
(Ápartes.)
Dizem-me que falta menos de um quarto para dar a hora, e, n'este curto praso, não posso concluir as minhas observanções. Se v. exa. e a camara m'o consentissem, ficava com a palavra reservada para ámanhã.
Vozes: - É melhor, é melhor. Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados de todos os lados da camara.)

Discurso proferido pelo sr. deputado Luiz Osorio, na sessão da 22 do abril, e que devia ler-se a pag. 1206, col. 2.ª

O sr. Luiz Osorio (na tribuna): - Não me obrigam a subir aqui, nem desvanecimento meu, nem convicção de que possa, dignamente, occupar este logar; tenho papeis de que necessito valer me, e por experiencia reconheci hontem não poder fazel-o tão bem de qualquer d'aquellas bancadas.
Toquei já os seguintes pontos:
Perguntei se as reformas eram necessarias.
Resolvi me pela affirmativa.
Referi-me depois aos inconvenientes que poderiam derivar-se de se encontrar a lei organica do paiz fragmentada por tres leis differentes: carta constitucional, primeiro acto addicional, segundo acto addicional.
Disse que convinha, a meu ver, se indicassem na carta os artigos constitucionaes, a fim de terminar questões estereis e, de outra maneira, insoluveis.
Discuti tambem, como pude, se n'esta reforma devia collaborar unicamente a camara dos deputados, ou se devia, conjunctamente com ella, collaborar a camara dos pares.
Decidi-me pela primeira, em face da restricção do artigo 142.°, e do espirito que da leitura da carta póde derivar, tal qual ella se acha redigida hoje, n'aquelle artigo.
Tambem fallei no accordo.
Segue-se agora, na ordem das minhas idéas, o examinar prefunctoriamente alguns artigos da carta, deixando para final o artigo 6.°, onde tenciono demorar-me mais, e a respeito do qual divirjo mais fundamente da proposta apresentada pelo governo.
Diz o artigo 1.°:
(Leu.)
Sobre este artigo direi apenas que, por muito que no moderno direito publico estes principios hajam attingido as proporções do axioma, nunca se me afigura demasiado o consagral-os no pacto fundamental de um paiz.
Do § unico digo o mesmo.
O artigo está redigido pelo teor de um correspondente na lei belga; creio até que as palavras são as mesmas.
Diz o artigo 2.°:
(Leu.)
O artigo que lhe corresponde na carta estatuia quatro annos para cada legislatura.
Este marca tres.
Aqui ha dois principios que se digladiam e é necessario conciliar.
Por um lado, convem sempre, e de grande vantagem, o evitar as eleições repetidas.
Conhecemos todos os incommodos e vexames que d'ellas derivam para os povos. Tão manifestos são elles que nem aqui os podemos occultar.
Por outro lado, é tambem necessaria a verdade possivel na representação nacional.
Sabe-se que do primeiro para o segundo anno, do segundo para o terceiro e do terceiro para o quarto vae successivamente decrescendo a genuidade d'aquella representação: deixam de ser eleitores individuos que o eram, por morte e por outros motivos; passam a ser eleitores outros que o não eram.
Ora, o praso de quatro annos pareceu demasiado longo. (Apoiados.)
Nada tenho a dizer.
Seguimos aqui o exemplo de outros paizes.
Diz mais o artigo, conservando o estatuido na carta, «cada sessão annual durará tres mezes».
Entendo que as sessões annuaes deviam durar quatro mezes, e digo o porquê.
Parecia-me conveniente evitar o abuso, ou antes o repetido uso de uma porta aberta da lei, que assim se conservou porque era necessario, mas cuja serventia convem se faça com a maior sobriedade e parcimonia.
Já estas successivas portas abertas levaram um illustre e bem intencionado membro da legislatura passada, o sr. D. José de Saldanha, a sustentar n'esta casa do parlamento não tanto precisar a carta de uma reforma, como ao contrario necessitar que fiel e pontualmente se fizessem cumprir todos os preceitos exarados n'ella.
Depois, ha bastantes annos a esta parte, não passa uma unica sessão annual que se não prorogue por um mez e por mais tempo.
E é bem certo, quando mesmo se queira trabalhar, haver sempre que fazer, e muito que fazer, durante quatro mezes de camaras abertas. (Apoiados.)
D'esta fórma harmonisavamos a lei um pouco mais com a opinião de publicistas que entendem deverem as camaras conservar se abertas todo o anno, como quaesquer tribunaes ordinarios.
A modificação era, como se vê, pequena.
O artigo 3.º° diz:
(Leu.)
Este artigo veiu quebrar uma anomalia da lei.
Antes do moderno codigo penal, vigorava ainda, como é sabido, a pena de morte.
Essa pena substituiu-se pela categoria das chamadas penas maiores.
Foi consequencia de uma forte corrente que por todo o mundo civilisado ha bastante tempo se determinára, em todos os ramos da actividade social, e até no campo da litteratura.
Defendeu-se uma idea largamente humanitaria: se rasoavel, se utopista, não o discuto agora.
É certo que recentemente appareceu uma corrente contraria, tambem seria e tambem com fores de scientifica, no sentido do precisar como necessaria, para casos excepcionaes, a pena de morte.
Na litteratura teve a primeira santa cruzada, a que me refiro, por campeão e porta bandeira, o rijo pulso de um athleta que tem para os seculos o nome de Victor Hugo. Enche o mundo. Ninguem o ignora e ninguem o contesta.
Mas deixemos este artigo e os dois seguintes.
Firmarei o meu juizo pelo que sobre elles se apurar na especialidade.
O sr. conselheiro Dias Ferreira assignou o projecto com declarações; aprenderei com o que s. exa. disser.
O artigo 6.°, como disse, discutil-o-hei por ultimo. Passemos ao artigo 7.°
Diz o artigo:
(Leu.)
Folgo, sr. presidente (é a primeira cousa que me lembra dizer, feita a leitura d'este artigo) de ver o principio

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da responsabilidade ministerial consignado no pacto fundamental do meu paiz.
Todo o empregado, desde o mais humilde até ao mais levantado na escala burocratica e, entre nós, e deve ser responsavel pelos seus actos.
Em bom principio de philosophia, deve tambem essa responsabilidade augmentar na medida e nas proporções da dignidade do cargo.
Era pois bem se consagrasse este principio na lei organica do paiz.
Mas (e lá vem o maldito reverso da medalha) os ministros são responsaveis?
Praticamente não são, porque não existe por cá uma lei regulamentadora.
Quando apparecerá?
Virá porventura, eu sei... quando Annibal transpozer o Rubicon?
Parece-me cedo.
Apparecerá quando echoarem, pela ultima vez, os primeiros clangores da portentosa trombeta final no valle de Josaphat?
Parece-me tarde. (Riso.)
Quando ella virá não sei. Parecia-me apenas que devia apparecer conjunctamente com este projecto, e a todos parece de necessidade urgentissima a prompta premulgação d'essa lei.
De contrario, o systema representativo permanece, como até aqui se tem conservado, um edificio que se architecta no vacuo.
Diz o § 2.°
(Leu.)
«Prorogando ou adiando...»
Já disse que admittia as prorogações, e apontei tambem a modificação que, para evitar o sen emprego amiudado, eu desejava se fizesse no artigo 2.°
Tambem entendo dever o adiamento admittir-se. O gabinete póde ás vezes ver-se a braços, de momento, com difficuldades gravissimas de governo; e é-lhe de alta conveniencia o concentrar então as attenções e energias que de outro modo, nos debates das camaras, distrahia e minorava.
Depois, dissipada a nuvem, restabelecido o céu azul, volta o funccionalismo normal de todas as entidades constitucionaes.
O final do § 2.° d'este artigo acceito-o por constituir uma garantia bem entendida para as novas camaras que se elegem, garantia que nem a propria constituição de 1838 consagrava, apesar de rasgadamente liberal.
O § 3.° diz.
(Leu.)
Este direito de graça desejo o empregado com muita reserva, por ser melindroso o seu exercicio; mas é para mim tres vezes sagrado. É sagrado porque o juiz póde condemnar um criminoso que reputou maior ao tempo em que proferiu o veridictum; e sagrado porque o juiz pode condemnar um homem depois reconhecido innocente; e, finalmente, sagrado porque o criminoso póde regenerar-se, e a regeneração é bom principio universalmente acceito no moderno direito criminal.
Em qualquer d'estas tres hypotheses a clemencia se justifica e reclama; e parece-me que em mãos algumas se deposita melhor este direito do que nas mãos do Rei, por se achar, n'este ponto, mais afastado de quaesquer influencias partidarias. (Apoiados.)
Passemos agora ao artigo 8.º
Diz o artigo.
(Leu.)
Relativamente a este artigo, vou expor a minha opinião, sem profundar, porque não é necessario fazel-o, e formulando-a unicamente sobre as opiniões dos meus illustres collegas que me precederam no debate.
O artigo e dos mais importantes do projecto; e desejo, por isso, a este respeito, deixar bem precisa a minha humilde opinião.
A questão está intrincada, porque de si é grave, e porque tem assumido cambiantes diversissimos e até oppostos ás opiniões aqui emittidas.
Entendeu a commissão, de accordo com o governo, que o artigo 8.° da proposta apresentada pelo gabinete devia por-se de parte; isto é, devia permanecer, tal qual se acha, o § 14.° do artigo 75.° da carta constitucional.
Eu vejo aqui duas questões distinctas.
Seguirei o methodo socratico, para expor com singeleza as minhas idéas, e para mais facilmente encontrar o lado vulneravel quem se determine a combatel-as.
Pergunto primeiro:
A camara tem obrigação de reformar todos os artigos a que respeita este projecto? Entendo que não.
Estou de accordo com o meu talentoso amigo o sr. João Arroyo, quando elle entende que a camara se acha no direito de deixar de reformar algum d'estes artigos.
Porque? Respondo o seguinte:
Ninguem póde obrigar uma camara a pensar pela cabeça da camara transacta. Estão aqui os mesmos deputados que se achavam na legislatura passada? Não estão.
Como póde, pois, obrigar-se uma camara differente d'aquella que entendeu ser necessaria a reforma, uma camara composta de membros differentes, a pensar do mesmo modo e a decidir-se fatalmente no mesmo sentido?
Se eu podesse inferir, do mandato que a esta camara me trouxe, a obrigação impreterivel de reformar qualquer dos artigos do projecto, eu não teria posto os pés aqui, porque para mim, com franqueza o confesso, está acima de tudo, dentro d'esta casa, a minha intelligencia e a minha rasão. Nenhum poder do mundo era capaz de obrigar-me a contribuir para a reforma de algum destes artigos, quando eu entendesse que elle não carecia d'ella.
Se eu me convencer que um artigo precisa de refundir-se, voto pela reforma; convencido do contrario, não posso nunca votar n'esse sentido.
Entendo, pois, que a camara, e portanto a sua commissão, podem, em principio, deixar de reconhecer a necessidade d'esta reforma.
Mas mudemos um pouco de rumo. Colloquemo-nos agora n'outro ponto de vista:
Podemos nós, em presença das circumstancias e actuaes necessidades do paiz, deixar de reformar este paragrapho?
Responde o meu illustre amigo o sr. João Arroyo «digo que sim», visto desejar que elle se conserve como esta. Aqui, divirjo eu e vejo-me obrigado a responder: entendo que não. Porque? Julgo ser de urgencia a reforma d'este paragrapho, de maneira a não poder levantar se a minima contestação sobre a necessidade do beneplacito expresso, para quaesquer papeis emanados da curia romana, e muito principalmente para as pastoraes dos bispos, em que a lei não falla, a respeito das quaes a lei é absolutamente omissa.
O sr. Arroyo apresentou ha dias á camara alguns documentos respeitantes as relações entre a curia e o governo portuguez, para provar que nunca o beneplacito fora posto em duvida ou sobre elle houvera contestação.
Mas o sr. Silveira da Motta, parlamentar versadissimo nestes assumptos, tambem nos citou boa copia de documentos em sentido contrario, alguns mais modernos ainda, e por isso mais referentes ao actual momento historico, por onde claramente se vê que a redacção do paragrapho tem sido discutida e a necessidade do beneplacito contraditada.
Quanto ás pastoraes dos bispos, não reconheceram, o beneplacito, nomeadamente, que me recorde, os dignos prelados arcebispo primaz das Hespanhas, arcebispo de Goa, bispo de Angra, e muito recentemente ainda o digno bispo da Guarda.

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Ora estes documentos e estes factos não foram, nem podem ser contrariados.
Já isto me basta para concluir a necessidade do beneplacito explicito para quaesquer constituições ecclesiasticas e principalmente para as pastoraes dos bispos de que a lei não falla.
Mas, disse-nos aqui o sr. Marçal Pacheco, augumentador distinctissimo, por signal: não ha hoje cousa alguma a receiar da igreja; a igreja não tem forças para invadir o poder temporal; tomára ella que a deixem, dizia o illustre deputado. Ora isto creio que não chegou a demonstrar-se; e portanto, por muita que seja a minha consideração para com os talentos do illustre deputado, fica-me sempre salvo o direito de duvidar. Creio mesmo ser o contrario de mais facil demonstração.
Diz mais o sr. Marçal Pacheco: os dynamitistas têem plena liberdade; os communistas têem, plena liberdade; os republicanos têem plena liberdade; porque a não ha deter a igreja?
Pergunto eu: os republicanos, no goso pleno d'essa liberdade, são empregados do paiz? Os communistas são empregados do paiz? Os dynamitistas são empregados do paiz? Não são.
Póde um governador civil dynamitista ordenar aos administradores do concelho, delegados seus tambem dynamitistas, que façam explosir bombas de dynamite por este paiz, e que semeiem, á sombra da auctoridade que os investiu de poderes, os principios revolucionarios que perfilham? Não, de certo.
Se o fizessem, e bem evidente que mereciam castigo. (Apoiados.)
Mas, disse-nos ainda o sr. Marçal Pacheco: são republicanos um illustre tenente coronel e um distincto professor do curso superior de letras, ambos subvencionados pelo estado.
Perguntarei ainda: póde o illustre tenente coronel, apoiando-se na auctoridade do seu posto, estender proclamações republicanas pelo exercito? Póde o illustre professor do curso superior de letras valer-se da posição official que occupa para do alto da sua cadeira defender as ideal republicanas? Não póde. (Apoiados.) É o illustre deputado professor, que vejo diante de mim, bem manifesto, pelo seu assentimento, perfilhar a mesma doutrina. Se porventura o fizesse, tirava eu por conclusão rigorosa, em presença das leis do paiz, que s. exa. devia ser castigado, castigo que eu para mim desejava se estivesse no logar honrosissimo que s. exa. occupa.
É portanto indispensavel que o paragrapho se remodele, de maneira a obviar os graves attritos que da sua permanencia podem derivar.
O meu amigo o sr. João Arroyo, pretendendo abonar a sua opinião, leu-nos um trecho destacado de um livro que tenho presente, devido a penna do distincto estadista brazileiro o sr. marquez de S. Vicente.
Diz assim:
«O silencio do poder executivo induz a crença de que o beneplacito ou não foi devidamente pedido, ou foi denegado; e mesmo do estylo reter o diploma na respectiva secretaria quando não se quer dar o beneplacito»
Ora esta passagem em cousa alguma desloca o pé da questão. Sem me demorar, direi apenas que o illustre deputado que leu com attenção este livro, como eu o li tambem, conhece de sobejo as ideas do estadista brazileiro, e bem sabe que uma vez apresentada a questão ao sr. marquez de S. Vicente como ella aqui se debate, s. exa. se decidia, fatalmente e a olhos fechados, no sentido da opinião que defendo.
Terminando, direi que desejo o mesmo que pretende o illustre professor da universidade, não ha muito meu professor tambem, o sr. dr. Chaves e Castro, ecclesiastico, e portanto insuspeito.
Como homem de sciencia, conclue da seguinte fórma:
«O que fica exposto mostra que o § 14.° do artigo 75.° da carta constitucional precisa de ser remodelado, a fim de que fique bem explicito:
«1.° Que sem o beneplacito regio são inexequiveis os canones dos concilios, as letras apostolicas, quaesquer papeis eminados da curia romana, e as pastoraes dos bispos;
«2.° Quaes são os diplomas em que deve intervir a approvação das côrtes;
«3.° Que não pode conceder-se o beneplacito a diplomas ecclesiasticos que se opponham a constituição, as leis e aos costumes louvaveis do paiz.
«Remodelado este paragrapho, deverá harmonisar se com elle a legislação penal, a fim de que fique bem definida a penalidade imposta aos transgressores da lei.»
O artigo 9.° diz o seguinte.
(Leu.)
Direi apenas que julgo haver comprehendido o motivo porque este artigo se reforma, concordo com a modificação feita e não apresento alteração alguma. Se me illudo não sei.
O artigo 10.° diz:
(Leu.)
Reputo este artigo coherente com as ideas do governo. O gabinete traz ao parlamento um projecto, que julga sufficiente, e espera por isso quatro annos para experimentar a reforma feita.
Diz o artigo 11.°:
(Leu.)
Passa o direito de reunião a ter um direito politico dos cidadãos expressamente consagrado no pacto fundamental do paiz; e ainda bem.
O direito de petição que a carta consentia, e este artigo ainda garante, devo declarar a v. exa. que o reputo de primeira importancia e um dos que mais contribuem para a generalidade da representação nacional; e considero-o como o entende um publicista hespanhol, não tanto direito que impenda a qualquer cidadão de intervir na marcha e na administração dos negocios publicos no sentido de promover o bem individual, como no sentido de promover o bem geral do paiz.
Sob este ponto de vista e que as consequencias são, a meu ver, mais beneficas e de maior alcance.
O que infelizmente nos falta e uma lei regulamentadora d'este direito.
Passemos, para completar o rapido exame das disposições do projecto, ao artigo 6.º, correspondente ao artigo 39,° da carta. Aqui divirjo mais radicalmente da reforma que o governo pretende.
Mas antes, sempre direi a v. exa. e á camara, o nobre relator do projecto, quando ha dias aqui fallou, na sua pitoresca, descripção, por tal fórma conseguiu pintar-nos a constituição de 1838, que ella se nos afigurou envolvida n'um extenso e illimitado mar de sangue; e tão extenso, e tão illimitado era esse mar, que a gente quasi a não alcançava com a vista. Pouco mais via do que sangue. Se de entre nós algum mais arrojado se aventurava num batel a transpor a distancia, as ondas, como s. exa. nol-as descreveu, eram revoltas, encapelladas; naturalmente salpicavam-nos; de maneira que, uma vez posto pé em terra, a impressão recebida da hospedagem extremamente desagradavel devia ser tambem. (Riso.)
Ora, parece-me não dever estudar-se e interpretar-se por essa fórma a constituição de 1838; julgo dever existir uma maneira melhor e mais scientifica de a critical, desculpe-me o illustre relator da commissão, que o diga.
Se s. exa. tivesse querido examinar as disposições d'essa constituição, esclarecia com a sua intelligencia o debate, e porventura modificaria as minhas opiniões tambem.
O artigo 39.° da carta diz assim:
(Leu.)
Este artigo, obedecendo as condições sociaes em que

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appareceu, é coherente, e homogenio, é harmonico. Trava-se, de longa data, a natureza intrinseca da historia do nosso paiz, e tambem de velha data (desde o berço da monarchia) aos tres elementos preponderantes no meio social em que vivemos: clero, nobreza e povo. Scindida a representação nacional, abertas as duas casas do parlamento sob o novo regimen representativo, e traduzindo uma d'ellas mais propriamente a vontade popular, devia a segunda traduzir os dois elementos excluidos. D'ahi, naturalmente, esta dupla feição: vitalicia, para o primeiro, hereditaria para o segundo, como hereditarias eram as prerogativas da classe.
Continua o artigo: «nomeados pelo Rei por ser então a presumida mais sua directa defensora; e sem numero fixo».
Assim devia ser, digo eu ainda. Sabe-se que n'esta engrenagem de poderes do systema representativo, como em outras fórmas de governo, podem levantar-se embaraços, que é conveniente debellar de prompto; de contrario, as consequencias são as vezes funestissimas.
Qual o caminho a seguir?
Para o ministerio temos a demissão. Para as camaras temos a dissolução.
Mas ha uma camara vitalicia... que pois fazer?
Do mal, o menos: salvemo-nos com aquillo a que no moderno parlamentarismo se houve por bem chamar - as fornadas.
E assim appareceu na lei, por necessidade, mais uma porta aberta, que reverteu depois em desprestigio para a outra casa do parlamento. Isto por culpa de todos os partidos.
Dizia portanto eu que o artigo 39.° da carta era coherente, homogeneo, harmonico. (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, o scenario hoje transmudou-se, por completo. O theatro onde têem de representar-se estas scenas do pacto fundamental, quer para os actores, quer para os espectadores (todos igualmente interessados) e outro, radicalmente diverso. Caem os vinculos, caem os prazos de vidas, vem as leis de desamortisação; todo este concurso de privilegios que cintavam uma classe, por fórma a intrincheiral-a n'um recinto vedado, n'uma atmosphera de isolamento, desappareceu, evaporou-se.
As classes fundiram-se. O alto clero encontra se hoje, é claro, precisamente na mesma situação.
A nobreza ainda existe, (se interpretarmos esta palavra sob uma feição diversa) e, debaixo do meu ponto de vista ha de existir sempre, modificando-se, como tudo no mundo se modifica, soffrendo a transformação evolutiva do meio social em que vive, como tudo no meio social se transforma. Mas, na funcção que lhe attribuo, ha de existir sempre.
O alto clero tambem existe. Ha, porém, uma unica differença; e aqui se radica, e aqui começa a pôr-se a claro e a manifesto a minha opinião: é que a nobreza é povo como o povo, o alto clero é povo como o povo. A differença para mim está simplesmente n'isto. N'elle reside a soberania. É principio axiomatico de direito publico, e o espirito, e a letra da carta constitucional quando no seu artigo 12.° diz: «os representantes da nação são o Rei e as côrtes»
Não ha hoje camara alguma no paiz que represente individualmente uma classe.
A nobreza, tal qual hoje existe, tem representantes distinctissimos n'esta casa do parlamento; a nobreza, tal qual hoje existe, tem representantes distinctissimos na outra casa do parlamento.
Não ha balizas, não ha barreiras; todas representam o paiz, repito ainda, e acaba de o confessar o proprio artigo 1.° do projecto.
Portanto (sejamos coherentes): representantes do povo, pelo povo devem ser eleitos; eleitos pelo povo, signifique a eleição popular alguma cousa. Haja um praso, curto ou longo, porque eu comprehendo os inconvenientes d'estas eleições, de seis annos, de nove annos, se quizerem, como se faz n'alguns paizes, lá fóra, denominadamente na Suecia; mas, terminado esse praso, consulte-se de novo a vontade do paiz.
E eu não me illudo com as eleições do meu paiz, como tão pouco me illudo com as eleições de paiz algum. Eu bem sei que tudo isto é uma ficção, um sonho, uma phantasmagoria. Mas, sr. presidente, sotoposto o principio, assentados os fundamentos, e deixar que a vontade se levante o edificio das legitimas conclusões! Á vontade! Ha erro? ha vicio? procuremol-o na base; arranquemos o principio dos alicerces.
Acceito o suffragio, o suffragio universal que todos queremos, o suffragio universal para que todos tendemos, o suffragio universal para que eu tambem tendo, bom grade, mau grado meu, não se queixem de mim; queixemo-nos uns dos outros: eu cruzo os braços e tiro as conclusões.
Tambem sei que e sempre vantajoso não quebrar de prompto o fio das tradições; muito ao contrario, convem que a pouco esse fio se vá enfraquecendo, por fórma que, quasi insensivelmente, elle se parta depois. (Apoiados.)
Mas, tinhamos para isso, alem dos pares actualmente existentes, cujos direitos eu não quizera não ver preteridos, qualquer disposição com caracter transitorio, que salvasse em todo o caso o principio.
E aqui tem v. exa., como profunctoriamente, bem ou mal, sem me valer de legislação estrangeira, e soccorrendo-me apenas das condições do meio social em que vivo, a minha opinião se determinou neste sentido. Assim vou justificando a moção de ordem que tive a honra de mandar para a mesa. Errarei? Não errarei? Valha-me ao menos de desculpa a minha boa vontade.
Se quizesse lançar mão da legislação vigente nos outros paizes cultos, eu não seria dos peior quinhoados; pondo de parte, entre outros paizes em circumstancias diversas do nosso, a Inglaterra, fortemente consolidada no systema representativo, que, não possuindo constituição, e o paiz que mais constitucionalmente se rege no mundo, que tem uma nobreza e obedece a uma larga legislação consuetudinaria, e a Russia, a respeito de cuja organisação social não emittirei com maior franqueza as minhas opiniões, em attenção ao melindroso do logar que occupo, mas cujas tremendas luctas intestinas alguma cousa traduzem e significam.
Falla-se nas imminentes hostilidades entre a Inglaterra e a Russia. Pois, sr. presidente, se poderoso e o inimigo externo da Russia, poderosissimo tambem, mil vezes mais poderoso e o seu inimigo interno que se arrasta como a vibora, por não poder caminhar de outra fórma, que lavra a occultas e na sombra, como a toupeira, por não poder luctar a luz do dia! Com rasão? Santissimo e o fim a que mira; desgraçados e deploraveis os meios de que se serve. (Apoiados.)
Alem de outros paizes, militam em favor da minha opinião todos estes modernamente constituidos: a Servia, a Roumania, a Bulgaria, a Grecia e até a propria Belgica, que tantas affinidades tem com o nosso.
Disse alguem, sr. presidente, criticando a litteratura ingleza, esse prodigio de litteratura, a respeito da qual já Taine affirmou outra não conhecer que mais fundamente revolvesse o coração e o espirito, disse alguem que o trabalho monumental de Byron tinha em si alguma cousa de forte como o veneno, e de original como o peccado.
Ora, quer-me parecer que, adoptando as medidas um tudo-nada mais radicaes por mim defendidas, nós não poderiamos facilmente incorrer na pecha de sermos tachados de veneno ou de peccado (Riso.) e isto pelo motivo simplicissimo de que nem eramos fortes nem eramos originaes.
A constituição de 1838 já consignava a mesma disposição em um dos seus artigos.
Tenho tocado de leve em muitos pontos para não roubar a camara o tempo que me não pertence, e mesmo porque

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desejo terminar depressa. Na questão da hereditariedade não toquei.
Reputo-a uma questão morta. (Apoiados.)
Eu não discuto se ha muitos representantes da velha nobreza; se não ha nenhum, se ha um, como me dizem que ha (por signal nosso distincto collega), nas condições de subir ao pariato em obediencia ao principio da hereditariedade.
Eu entendo, sr. presidente, de parte todos os mais elementares principios de direito publico, que fulminam este principio, eu entendo que uma constituição, acatando entre as suas disposições esse bello preceito da revolução franceza, exarado no § 13.° do artigo 145.°, e admittindo cumulativamente o disposto no artigo 39.°, se o não é na letra, é absolutamente contradictoria no espirito. (Apoiados.) E quando algum talento, por muito illustrado que elle seja, se vê obrigado a defender as opiniões exaradas no relatorio que precede a lei organica do pariato, de o de maio de 1878, a defeza tem de produzir-se acanhada, como acanhada e mesquinha é a causa que se defende. (Apoiados.)
Nem d'isso conseguiu expungir-se um parlamentar da estofa do sr. conde do Casal Ribeiro. (Apoiados.)
Também não discuti a necessidade ou desnecessidade de uma segunda camara.
Reputo-a necessaria e imprescindivel para a boa ordem e estabilidade das cousas publicas. Desejo-a precisamente pelo motivo porque muitos a desejam: como qualquer segunda instancia dos tribunaes ordinarios; reconsiderando sobre as deliberações d'esta camara, em melhores condi coes de madureza e de experiencia, porque eu admitto as categorias (visto existirem na sua feição rudimentar até para esta casa) e mesmo porque eu não queria, regra geral, ver ali introduzidos rapazes muito novos. Bem entendido, também não quero uma camara de homens caducos.
Em vez dos trinta e cinco annos que demanda a constituição hespanhola de 1876, eu preferia os quarenta que se exigem para o ingresso no senado francez.

'esta idade alliam-se melhor, a meu ver, os elementos de maturação physica e de maturação intellectual necessarios para o bom desempenho d'aquelle alto cargo publico. Era este o limite minimo que eu desejava se marcasse na lei portugueza.
Categorias desejo-as, mas sobre bases diversas das actuaes.
Quero, por final, uma segunda camara como uma espécie de antemural para a realeza, em presença dos excessos d'esta casa do parlamento, onde mais facilmente elles podem dar-se. Não que seja diversa a origem de ambas : mas por circumstancias peculiares que devem acompanhar e revestir a formação da segunda, e pelo fim também particular que ella e chamada a preencher no systema representativo.
Não indicarei, sr. presidente, mais reformas que porventura desejasse.
Mas, visto que ao artigo 39.°, de cuja remodelação nos vamos occupando, se segue muito naturalmente o artigo 40.°, era este, sempre o direi a v. exa., mais um artigo cujo disposto eu desejava que se eliminasse por completo da carta.
Diz o artigo 40.°:
(Leu.)
Adhiro completamente á opinião aqui emittida n'uma das legislaturas passadas pelo illustre jurisconsulto e parlamentar eminente, o sr. conselheiro Dias Ferreira. Entendo, com este distincto professor, que a coroa deve conservar-se n'uma esphera absolutamente alheia á política, illesa e limpa das minimas contestações partidárias. Obtem-se esse resultado admittindo qualquer dos membros da familia real na outra casa do parlamento? Entendo que não. Os filhos não podem despir-se das influencias paternas, os laços da familia imperam e o pricipio da responasabilidade compromette-se.
E tanto, note bem a camara, e tanto os próprios interessados têem reconhecido o melindre d'esta disposição que apenas um principe, desde que ella vigora, tomou
Assento na camara para não voltar. Isto que significa?
São os próprios interessados que lhe reconhecem a temeridade, e tacitamente nos fornecem um ensinamento proficuo.
Lamenta ainda o sr. Dias Ferreira, que se fizesse reviver a doutrina de um decreto de 1826, doutrina que, com bem m agua minha, vem hoje inserta no próprio projecto em discussão. Dar a uni prelado as funcções de legislador, em virtude de investidura concedida pela corte de Roma? Estou de accordo com s. exa.: é cousa que não deve realmente admittir-se. Suba ao pariato por escolha regia, segundo a doutrina do projecto. Suba ao pariato por eleição, segundo o meu modo de ver.
Mas, continua o sr. conselheiro Dias Ferreira, como pôde um bispo ser par por direito, se o não são os conselheiros d'estado e os juizes do supremo tribunal de justiça?
N'este ponto, permitta-me s. exa. que divirja da sua opinião. Que se achem nas mesmas condições os conselheiros d'estado, comprehende-se isso, emquanto aquella alta corporação continuar a ter a sua feição politica. Mas collocar no mesmo pé
De igualdade os juizes do supremo tribunal de justiça?
Perdoe-me o sr. Dias Ferreira, e com hesitação o confesso (porque s. exa. é para mim, dentro d'esta casa, o mestre que falia ao seu discipulo) mas é cousa que eu não posso por forma nenhuma admittir.
E porque, sr. presidente?
E porque eu queria que a magistratura portugueza, de que v. exa. é digno e distincto ornamento, uma das classes mais respeitáveis e respeitadas do paiz, se conservasse para sempre alheia a todas as paixões e a todas as vicissitudes politicas.
E porque, sr. presidente ?
É porque eu queria que a porta que se abrisse para o noviciado d'aquellas fileiras, para a legião serena dos com batentes do bem e da justiça (o que não quer dizer se não applaudam aqui os mesmos principios) trancasse e reprimisse immediatamente, de vez, todas as ardentes aspirações da politica, vedando para sempre a esses benemeritos, em proveito da própria instituição que significam, o ingresso em qualquer das duas casas do parlamento. (Apoiados.)
Que me perdoem os illustres representantes d'essa instituição, meus collegas
aqui, a opinião que com o maximo desassombro avento, porque é derivante apenas do peculiarissimo respeito que a essa classe tributo.
Augmentassemos embora as retribuições, mas tínhamos ao menos salva a quasi unica classe do paiz ainda não tocada do contagio.

e, pelos serviços e pelo elevado do cargo, a justiça da remuneração lhes assistia por igual, as consequencias eram, a meu ver, funestissimas.
Em conclusão: desejava reforma mais radical, mas acceito a que apparece, tal qual está. Por não conseguir o mais, rejeitar o menos, não se me afigura o melhor caminho a seguir para poder obter alguma cousa. E assim justifico a minha moção. (Apoiados )
Vem a pelo, e prende muito intimamente com o projecto, o referir-me a outro assumpto.
Foi ha dias apresentado á camara, por um illustre ornamento d'ella, um projecto de lei garantindo a liberdade de cultos.
Eu antes de tudo devo dizer a v. exa. que sou catholico e espero morrer catholico. A rasão principal que posso allegar em minha defeza (se defeza se faz mister n'este momento) não tem por si nenhum homem de sciencia que a patrocine; mas tem por si a memoria do tributo extraor-

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dinario que mais de uma vez arripiou, convulsionou de enthusiasmo quem teve a fortuna de o ouvir n'esta casa. Dizia o grande tribuno que era catholico porque bebêra essas idéas com o leite, porque seu pae e sua mãe o tinha sido tambem. (Apoiados.)
Por isso eu o sou, e desejando discutir tudo, e tudo amplamente, só não discuto o motivo porque professo esta religião.
Mas quer-me parecer que um parlamento moderno, um parlamento constituinte de hoje, não tem o direito de deixar morrer nas suas commissões um projecto d'esta importancia. Deve discutil-o, deve critical-o, póde combatel-o (nem eu disse ainda que o defendia) mas quer-me parecer que dá de si um conceito menos lisonjeiro deixando-o morrer no esquecimento e nos archivos.
Sr. presidente, no mundo physico sabemos nós que é bem verdade! pois parece que até no mundo moral tudo se gasta também com o uso, tudo se cança, tudo envelhece, tudo succumbe!... O santo principio do livre arbitrio, que na revolução accendeu tempestades, que tem servido de evangelho á geração d'este ultimo seculo, que ainda hoje encontra adeptos fervorosos em muitos homens de illustração e de talento (veja v. exa. como tudo se transforma!) ha tempos a esta parte que se debate nas convulsões da agonia, para dar logar ao novo credo determinista; que a seu tempo tem de cair também!
As opiniões radicaes acabaram; entrâmos n'um periodo de tolerancia; haja também n'este ponto tolerancia para a discussão.
Creio poder afoitamente dizer isto quem já agora solemnemente declara, com a força da consciencia que lhe retreme nas veias, e levanta como estandarte nas mãos, porque esta é a verdade que discutido o projecto, approvado, convertido esse projecto em lei, fia em Deus, nem uma só vez se aproveitará das franquias que elle lhe consente! (Vozes: - Muito bem.)
E agora perguntarei eu: a reconhecida necessidade de outras reformas implicará que estas não sejam necessarias e não devam levar-se a cabo também? Pretendo eu, discutindo este projecto, significar que não desejo reformas na publica administração, na administração colonial, que não desejo a reorganisação do ensino, este conjuncto, esta rede de medidas, em summa, que nos façam acompanhar a passos accelerados também, a evolução vertiginosa que se opera lá fora? Quero significar que não desejo a mais rigorosa attenção para as questões economicas do nosso paiz, para o melindroso das nossas finanças, o que se diz e eu creio ser a nossa questão capital? De certo não.
Eu também sou, devo dizel-o á camara, doidamente enthusiasta pelo derramamento da instrucção no meu paiz.
De muito cedo, de criança, comecei a educar-mo nos livros de um homem cujo nome a ninguém n'esta casa é permittido desconhecer; refiro-me ao sr. D. Antonio da Costa. (Apoiados.) Que de uncção na fé que se evangelisa! Que cegueira na tenacissima perseguição do seu proposito! E, sobretudo, que de proficuos resultados se não têem colhido já!
Este derramamento da iustrucção reputo o eu necessario para accompanharmos o alvoroço instante de todo o mundo civilisado, para attrahirmos o respeito e a consideração, unicos mantenedores da autonomia das nações pequenas, e ainda em parte para obedecermos ao que alguns publicistas chamam o espirito ao tempo, que arrasta, que domina, que se impõe, que satura o ambiente em que vivemos, que se bebe com o ar que respirâmos.
Até, sr. presidente, para que nos approximemos, quanto possível, da realidade d'essa ficção de governo a que se chama o systema representativo, ficção que prefiro, devo confessal-o, a qualquer outra ficção que appareça.
Não que eu queira, bem entendido, fazer da minha terra um paiz de cdoutores.(Risos.)
Alguma cousa sei das apprehensões que lá por fóra se nutrem, na Allemanha principalmente, das apprehensões que se traduzem em muitas paginas de muitos publicistas. Sei que na Allemanha, onde a burocracia tem uma alta cultura intellectual, onde toda u classe media possuo uma instrucção solida, se receia, ha tempos a esta parte, o chamado proletariado das letras.
Mas eu não quero essa educação, c reconheço-lhe todos os inconvenientes.
Não quero roubar á lavoura os braços que lhe pertencem, nem ás fabricas os operarios que as sustentam. Desejo apenas que o lavrador saiba ser lavrador, e o operario saiba ser operario. (Apoiados.)
Delenda Carthago! era o grito de guerra de um velho senador da Roma da republica, firme, solemne, systematico, permanente e inalteravel como a convicção que o dictava. Sem pretender stultamente realisar n'esta casa o typo da velha Roma, delenda Carthago, digo também, derramemos largamente a educação profissional em todo o reino; que não esqueça a educação moral (a educação moral principalmente) para que o povo comprehenda os direitos e os deveres que assistem a todo o cidadão de qualquer paiz, e com dignidade os zele, e com dignidade os cumpra. (Muitos apoiados.)
Vou terminar. E agora, e pois que nos achamos n'um congresso constituinte, consinta-me v. exa. e a camará algumas considerações genericas provocadas por uma acena profundamente desagradavel a que ha dias aqui assisti.
N'estas palavras espero que ninguem veja a politica que n'ellas não ha c, por minha felicidade, hoje não faço n'esta casa. Não, sr. presidente! Ha pouco ainda me resvalaram dos hombros a capa e a batina do estudante, a capa e a batina que me alimentavam illusões, que me sustentavam e mantinham nos principios da rasão e da justiça.
Eu detesto todas as tyrannias, venham ellas d'onde vierem.
A tyrannia de um homem só sobre muitos, hoje, é hedionda, é revoltante, e não se comprehende. A tyrannia de muitos sobre um ou sobre poucos comprehende-se, mas é mais hedionda, mas é mais revoltante ainda. (Apoiados.) Em materia de tyrannias, eu admitto e acceito apenas uma: é a tyrannia do trabalho, que se impõe a despeito de todos os despeites, é a tyrannia do trabalho que subjuga.

ssim como em matéria suicídios (n'este caso uma tyrania também) se por um desgraçado pendor do meu caracter, se, por uma talvez fraqueza do meu espirito, sou levado a desculpal-os a todos, eu justifico apenas um: é o do homem que abancado a uma mesa de trabalho deixa que a testa se lhe descampe, que os cabellos lhe embranqueçam, que se lhe cavem precocemente as rugas nas faces, em prol da humanidade que defende, em prol da verdade que demanda. (Vozes: - Muito bem.)
Este suicidio não o peço, mas se apparece, justifico-o; não o desejo, não o reclamo, não o imponho, mas uma vez diante de mim, sanctifico-o também.
Ha, porém, uma tyrannia que eu mais que todas aborreço. E a tyrannia do demagogo.
E não me digam que sou velho, que sou rhetorico, que faço phrases, que desenterro cadaveres!
Não, sr. presidente! Não ha assumpto que seja velho quando as circumstancias o reclamam; não ha considerações transitadas em julgado quando o império da necessidade as chama de novo ao debate.
Essa tyrannia é o lendário monstro da fabula que se multiplica nos meios da sua deshonesta propaganda.
Já que tantas vezes d'elle fallamos, por distração, consinta-me v. exa. que ao menos uma vez lhe faça a minha referencia para o tomar a serio. Começa por ser desleal, porque lucta com quem não póde defender-se, e acaba por possuir apenas a cultura necessaria para melhor saber ser cobarde.
Arremesse-lhe v. exa. ás fauces a ventura, o socego e a honestidade de milhares de familias, a honra dos filhos, a

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honra dos paes, os destroços fumegantes do sen desgraçado paiz feito pedaços... tem v. exa. serenado o monstro? Não, sr. presidente, o cobarde volveu n'um insensato; para melhor poder saciar-se, ha de ir elle mesmo cair e precipitar-se tambem no abysmo que se lhe cavou aos pés.
E a resaca tremenda.
Por isso eu detesto os demagogos; e se é verdadeiro o poeta francez quando declara:

«On pardonne a la heine et jamais au mépris»

que me perdoe essa raça de energumenos, porque eu odeio-os.
Eu não faço referencias a partido algum constituido. Deus me livre do similhante cousa. Refiro-me a qualquer homem de qualquer partido que especule com as massas em proveito proprio. (Apoiados.)
Mas, se me fosse licito, n'este momento, fazer tambem um appello aos dois respeitaveis paladinos do partido republicano, que têem assento n'esta casa, eu pedir-lhes-ia que advogassem as suas ideas, pois que traduzem as suas convicções e a convicção e respeitavel e veneranda, parta ella d'onde partir; mas que aos vendilhões, se tambem por lá os ha, pois que elles hoje brotam, rebentam, pullulam espontaneos de toda a parte, por dignidade da religião que professam, os enxotem e os expulsem do seu templo. (Vozes: - Muito bem.)
«Ó liberdade, que de crimes se não commettem em teu nome!»
Era assim que a primeira heroina da revolução franceza, cuja memoria se sanccificou depois pelo martyrio, exclamava nos degraus da guilhotina, de frente para a estatua da liberdade, que assistia n'esse momento impassivel (na sua impassibilidade apparente) mas angustiadissima pela idea que ali significava, as exequias, aos funeraes que em seu nome se faziam a republica d'aquelle grande povo!
E assim é, sr. presidente, quantos crimes se não commettem em nome d'ella!
E eu não me insurjo contra a propaganda; mas eu revolto-me, mas eu insurjo-mo contra esta derrocada systematica das idéas que se não conhecem. Sem saber como edificar, sem saber como erigir, fazer tábua raza de todos os principios... se porventura fecundou beneficos resultados nas especulações do philosopho, sabe Deus que de funestas, que de tristissimas consequencias nos desvairamentos do politico! (Apoiados.)
Termino, levantando de novo com firmeza a minha bandeira: Delenda Carthago! Eduquemos o povo; eis o Delenda dos parlamentos modernos.
Quo não esqueça a educação moral (a educação moral acima de tudo e sempre) para que o povo comprehenda os direitos e os deveres que assistem a todo o cidadão de qualquer paiz, e com dignidade os zele, e com dignidade os cumpra.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados de todos os lados da camara e por alguns pares do reino que se achavam na sala.)

Discurso proferido pelo sr. deputado Eduardo Coelho na sessão de 22 de maio, e que devia ler-se a pag. 1709, col. 1.ª

O sr. Eduardo Jose Coelho. - Ouvi com religiosa attenção as palavras do sr. ministro do reino, em resposta ao meu collega e amigo que me precedeu no debate.
Disse que ninguem mais do que s. exa. desejou empregar a sua alta auctoridade em favor dos opprimidos.
Vou ter ensejo de ver confirmadas com factos as palavras do nobre ministro, porque a minha voz, modesta e humilde, levanta-se hoje em defeza dos opprimidos pelos agentes do governo.
Não poderão accusar-me de impaciente, porque hoje interpello o governo sobre as graves occorrencias, objecto da minha interpellação.
Tambem não podia ser accusado de parcial. As occorrencias que dão motivo a esta interpellação tiveram logar em Janeiro, e as provas d'ellas estão nos documentos que requisitei do governo, e que os agentes d'elle enviaram. Não podia, pois, dar testemunho de mais paciente e de mais imparcial. (Apoiados.)
Primeiro que entre no assumpto, não devo occultar que não desejo melindrar pessoalmente o sr. ministro do reino, porque de todos os membros do governo e s. exa. a quem menos desejo arguir. Quaesquer que sejam as evoluções da politica, não posso, não quero, não devo emancipar-me de um profundo respeito para s. exa. Foi meu mestre, e isso e já titulo de benemerencia; mas seria ingratidão esquecer que mostre mais do que benevolente, porque foi mestre amigo.
Não quer isto significar que serei benevolente se o nobre ministro não der aquellas providencias que tenho direito de esperar do governo; quero unicamente exprimir que sentirei muito se, forçado pelo meu dever, ao qual não saberei faltar, tiver de dirigir ao illustre ministro palavras de censura.
Não trato propriamente da uma questão local, e não quero com isto dar a entender que amesquinho as discussões das questões chamadas locaes e de interesse secundario; pelo contrario estou convencido de que e da maxima importancia discutir aqui as questões locaes, defender os interesses mais immediatos dos povos que representamos, porque da somma d'esses interesses resulta o interesse geral e commum. (Apoiados.)
É certo, porem, que a minha interpellação não é propriamente do interesse local, porque onde houver garantias individuaes offendidas, o domicilio violado, e as liberdades publicas maltratadas, ahi estão questões verdadeiramente politicas, do verdadeiro interesse geral e constitucional. (Apoiados.)
Não dou novidade á camara, affirmando que a lucta eleitoral em Chaves, na ultima eleição, foi renhida e muito violenta, e que o governo por todos os modos procurou sair victorioso do combate empenhado. Deixo no escuro a serie de violencias, o uma como odyssea de intrigas, que os agentes do governo desenvolveram por aquella occasião.
Não era tambem duvidoso para pessoa alguma, que a eleição no circulo de Chaves teria de repetir-se, porque eu tive a honra de ser eleito tambem pelo circulo de Bragança, que a lei manda preferir. Daqui resultou, que os agentes do governo não afrouxaram no systema de perseguição e violencias contra o partido progressista em Chaves, e que, após a lucta eleitoral ultima, nem ao menos houve um curto armisticio entre os partidos bolligerantes. Para os que lidem em assumptos eleitoraes, não é duvidosa a importancia da eleição da commissão recenseadora, e por isso os agentes do governo tentaram leval-os de assalto, e para realisar tão damnados intentos não houve ardil e violencia que não empregassem.
Alguns dias antes da lucta eleitoral a que me refiro, tive a honra de procurar o sr. ministro do reino, dando-lhe parte das violencias praticadas pelos seus agentes, e tão extraordinarias as achou s. exa., que me recebeu com um sorriso proprio de quem é ministro, porque um ministro, em regra, não acredita nunca nas queixas dos seus adversarias, e ainda porque os factos que eu lhe narrava lhe pareciam do tal maneira inverosimeis, que não os podia acreditar.
Pois eu vou mostrar hoje que os factos que ao sr. ministro pareceram inverosimeis são inteiramente verdadeiros.
Devo, pois, acreditar que o procedimento do sr. ministro ha de ser em harmonia com a estranheza que s. exa. revelou por esses factos, caso demonstre que são verdadeiros.

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Já disse e repito, que a eleição da commissão recenseadora tem capital importancia em assumptos eleitoraes, e agora acrescento, que n'estes tempos de refalsadas hypocrisias, as opposições não podem luctar se não tiverem, pelo menos, a prudencia das assembléas eleitoraes a garantir-lhes a genuidade do voto. Proclamamos será pudor que não ha candidaturas officiaes, porventura porque os nomes dos candidates do governo se não publicam no Diario do governo, e não ha paiz em que a intervenção auctoritaria seja mais violenta e despotica. É por isso que o artigo 40.° da ultima lei eleitoral e mais uma burla odiosa, porque nada se lucrou em acrescentar novas penalidades as penalidades já existentes. (Apoiados.)
Não accusava o governo porque á frente do importante concelho de Chaves sustenta uma auctoridade interina; este facto anomalo leval-o-ia a perguntar, porque não0 existe ali administrador proprietario e administrador substituto. Não o fez, por emquanto, porque seria necessario um largo exame retrospectivo, umas certas escavações historical, a que deseja poupar-se.
Proseguindo no meu proposito, direi que a auctoridade administrativa, reputando a campanha perdida, quiz ainda tentar os ultimos esforços; e como os grandes genios revelam-se nas occasiões difficeis, concebeu-se um plano grandioso.
Já no periodo do desalento, ou mais propriamente do desespero, phantasiou o agente do governo, que a opposição havia raptado um dos maiores contribuintes, alistado nas regiões governamentaes, o sr. Chaves, da povoação de Casas.
Entreviu aqui a auctoridade a grande salvação, porque os espiritos obsecados e enfermos de paixões violentas, raro logram ver, que os perde exactamente o caminho, que elles escolhem para os levar a terra da promissão.
Restituir, pois, a liberdade o cidadão recluso em carcere privado era já um acto benemerito; capturar os auctores de tão nefando crime outro acto benemerito, e sendo os auctores d'este crime atroz dois dos maiores quarenta contribuintes, filiados no partido progressista, era isso o que se chama oiro sobre azul. (Riso).
E assim o agente do governo passava d posteridade, porque fazia respeitar as liberdades individuaes, mettia na cadeia os auctores do crime, e ganhava a eleição da commissão recenseadora. Sic itur ad astra. (Apoiados. - Riso.)
Conceber o plano grandioso e pol-o por obra foi a mesma cousa.
Dito e feito.
Vejâmos como essa campanha se delineou, e quaes foram os incidentes e peripecias, que n'ella se deram. Como v. exa. vae ver, eu não invento nem improviso provas, porque pedi ao governo essas provas.
O administrador do concelho de Chaves foi general, e é historiador de si mesmo; fica igual aos homens mais notaveis da antiguidade: general e historiador dos proprios feitos: Thucidides e Xenephonte. (Riso.)
Começo pela leitura do que chamarei o documento n.° 1, que é o officio, em que o administrador do concelho responde, por ordem superior, a quatro quesitos, que lhe foram formulados, quesitos que foram formulados em harmonia com as minhas requisições. Em resposta ao primeiro quesito, diz o agente do governo.
(Leu.)
Vê-se, pois, que em a noite de 4 de Janeiro ultimo o administrador do concelho saiu de Chaves, á frente de cavallaria e infanteria, para evitar que uns quarenta amotinados de Nantes maltratassem uns quarenta maiores contribuintes, que tinham de regressar de Mirandella para exercer os seus direitos politicos.
Nota-se aqui o nebuloso, o vago, o indefinido. Não se sabe quem foram esses quarenta tumultuarios, e ainda menos quem eram esses quarenta maiores contribuintes. O agente do governo tem horror aos nomes. Usa, pois, uma linguagem sybilina.
Vou ler a resposta ao segundo quesito, ou pergunta, e para esta leitura peço a particular attenção do governo e da camara.
(Leu.)
Começa o agente do governo por declarar que não remette a relação dos individuos, que foram presos, porque não houve individuo algum preso. A rasão parece categorica.
Vejâmos, porem, o que ella tem de sincera e concludente.
No periodo seguinte, diz o agente do governo, que um official de diligencias, seguindo por um atalho a frente de seis soldados, junto a povoação de Nantes detivera e revistára seis individuos.
Não desejo alongar-me em considerações, mas não posso deixar de dizer fugitivamente, que sou adversario convicto do systema preventivo em administração; a idéa de liberdade e prevenção repugnam; prefiro o rigor na repressão as branduras das gabadas prevenções. (Apoiados.) É certo que o regimen preventivo está nas nossas leis, principalmente nas leis administrativas, e tambem é certo que elle está nos nossos habitos de administração. Em todo o caso ninguem sustentou, ninguem sustenta, e ninguem sustentará, que o systema preventivo se pode exercer arbitraria e despoticamente (Apoiados.); ninguem sustentará, portanto, que seis individuos podem ser detidos e revistados quando a auctoridade apraz, e como lhe apraz (Apoiados.)
Escuso de demonstrar que deter um individuo e attentar contra a sua liberdade individual; revistal-o, metter-lhe as mãos nas algibeiras, e contra a sua integridade moral (Apoiados.)
A auctoridade, pois, commette abuso do poder quando detem e revista sem motivos plausiveis, e de modo que se possa justificar.
Esta doutrina é a verdadeira, aliás o cidadão honesto e pacifico precisa de se acautelar da auctoridade, e d'ella fugir, como teria de fugir dos salteadores nas estradas e nas encruzilhadas. (Apoiados.)
É portanto evidente que nenhum cidadão pode ser detido nem revistado arbitrariamente; e se o sr. ministro do reino sustentar uma opinião contraria a esta, declaro que descreio de tudo e de todos.
Sempre esperei que a auctoridade administrativa do concelho de Chaves desse alguma rasão plausivel, e que justificasse, ou pelo menos se desculpasse por ter detido e revistado seis cidadãos. Encontrei a rasão, mas lendo-a, confesso a v. exa. que suppuz que não lêra bem e que os meus olhos me tinham illudido. Depois de ter encontrado as rasões dadas pela auctoridade, e de ver que os meus olhos não me tinham enganado, voltei vertiginoso a pagina para examinar, se este documento estava assignado ou se seria apocripho e verifiquei a assignatura do sr. Julio de Vilhena, director geral. É pois um documento official e por consequencia forçoso se torna acreditar o que n'elle esta escripto.
Vou dizer a v. exa. a rasão por que estes seis cidadãos foram detidos e revistados.
Todos sabem que, para os effeitos e responsabilidade penal, a detenção e igual a prisão; mas emfim usa-se aqui d'este euphemismo, e direi mais tarde o que elle e em relação á verdade dos factos.
Peço a attenção do sr. ministro do reino para o que vou ler.
(Leu.)
Uma voz: - De quem é?
O Orador: - É do administrador do concelho de Chaves.
(Dirigindo-se ao sr. Carrilho.)
O meu collega está surprehendido como eu estou.
O sr. Carrilho: - Não estou.

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O Orador: - Pois eu torno a ler.
(Leu.)
A camara mostra alguma surpreza, e o caso e para isso. Dizer-se num documento official, que foram detidos e revistados seis individuos, que se tornaram suspeitos (são as palavras textuaes do officio) em consequencia de serem tidos e havidos como galopins do partido opposicionista, é cousa que nunca se viu, e o facto de se dizer officialmente espanta.
Chegámos, pois, a esta bemaventurança. Um individuo pertence a opposição? É por isso mesmo suspeito de mau homem; logo seja detido e revistado. (Apoiados.)
Pergunto ao sr. ministro do reino, se o concelho de Chaves está fóra da protecção da lei, se merece menos attenção do que qualquer sertão da Africa?
Não é só o facto, que denuncia uma selvageria, propria da Africa; horrorisa a audacia, ou a imbecilidade de se dizer similhante cousa num documento official (Apoiados.)
Sr. presidente, não quero explicar tambem ao sr. ministro do reino o que significam estas palavras «galopim opposicionista!» n'um documento official.
É uma cousa inaudita! Quando a auctoridade administrativa do concelho de Chaves não fosse responsavel por outros enormes attentados que praticou, creio que bastava este para dispensar outras arguições. (Apoiados.)
Sr. presidente, houve uma epocha na historia romana, em que os assassinatos, os roubos e as prescripções eram a ordem do dia e a ordem da noite; era o imperio do terror, precursor do futuro 93. Aconteceu então, que Quinto Aurelio, que era cidadão pacifico e honrado, atravessando o fôro, foi por curiosidade ler as novas listas de prescripção, e vendo lá o seu nome, exclamou n'um repente: «E a minha quinta d'Alba que me mata.» E não se enganou, porque a pouco trecho o sicario o degolou.
O que acontece agora em Portugal em 1885, n'este consolado de felicidades? Seis cidadãos pacificos e inermes vão pelas estradas publicas, e os agentes do governo prendem-nos, revistam-nos, opprimem-nos e avexam-nos, e perguntando-se-lhes a rasão de tudo isto, respondem: - que foram presos e revistados por pertencerem ao partido opposicionista!
Ámanhã espingardeal-os-hão e a salvo, bastando dizer, que resistiram. (Apoiados repetidos.) Isto não póde ser. (Apoiados.)
Eu não sei se o sr. ministro do reino viu isto; e por isso remetto novamente os documentos para s. exa. verificar bem.
Fique por conseguinte aqui bem consignado, que a auctoridade do concelho de Chaves, representante do governo, declara: que foram presos e revistados seis cidadãos unica e exclusivamente por serem progressistas!!
Os factos, porem, passaram se de differente maneira, o que aggrava a situação dos agentes do governo.
O administrador do concelho de Chaves, que se considerou heroe, meditou, como já disse, aquella grande campanha de ir libertar um cidadão que estava recluso: mas não se lembrou que Deus escreve direito por linhas tortas; e por mais que quizesse encubrir com artificio estas suas façanhas, não o póde conseguir.
Os seis individuos que foram presos vieram para a imprensa relatar os acontecimentos como elles se tinham passado, e com todos os seus promenores.
Aconteceu que a auctoridade administrativa suppondo que as caricias ou ameaças levariam esses cidadãos a retractarem-se e a fazerem declarações que podessem ser-lhe agradaveis, mandou-os intimar para que na sua presença fizessem as respectivas declarações.
Pergunto ao sr. ministro do reino qual a rasão por que a auctoridade administrativa não mandou a camara o auto em que essas declarações foram exaradas?
Desejando eu facilitar ao governo, todos os meios de apurar a verdade, em sessão de 28 de marco, insisti pela copia do auto administrativo que se devia ter feito na administração do concelho de Chaves, quando ali foram chamados os individuos que haviam sido presos na noite de 4 de Janeiro.
Tal auto não veiu; e se não veiu não posso imputar essa omissão senão ao interesse, que a auctoridade tinha em o occultar a esta camara.
Os interessados, sabendo que a auctoridade administrativa tinha procedido d'esta fórma, enviaram-me uma declaração assignada e reconhecida, que ponho nas mãos do sr. ministro do reino.
Vou ler á camara esta declaração, porque ella exprime a verdade, e nem o governo póde pol-a em duvida, pois que os individuos, que a firmam, já fizeram identicas declarações perante a auctoridade administrativa.
(Leu.)
A verdade e esta; e, repito, o sr. ministro do reino não póde impugnal-a, alias devia ter posto a minha disposição e da camara o auto administrativo, no qual os queixosos referiram todos os promenores da violencia, que soffreram em a referida noite de 4 de Janeiro. Foram, pois, presos a ordem da auctoridade administrativa, e por ella soltos, depois de muitas horas de verdadeiro tormento. Espero. que o sr. ministro do reino não levara a sua longanimidade a ponto de defender o administrador do concelho, dizendo que foi o official de diligencias que realisou a captura. Já demonstrei, que os seis cidadãos foram presos por ordem da auctoridade administrativa, e por ella soltos; e, admittindo por hypothese o contrario, o administrador do concelho assumiu a responsabilidade legal, desde o momento que nem respondeu nem enviou ao poder judicial auto de investigação pelo crime praticado pelo seu subalterno. Aquella prisão é um crime, previsto no artigo 291.°, n.° 1 e n.° 2 do codigo penal; e o administrador do concelho, se o não praticou directamente (já demonstrei que a prisão fôra por elle ordenada), tem agora a responsabilidade legal d'elle. Deriva elle em geral de ser encobridor de um crime, e em especial do artigo 292.° do codigo penal e do artigo 287.° da nova reforma penal. Não me parece esta doutrina seriamente contestavel. (Apoiados.)
Passo ao quesito 4.°, porque do 3.° me occuparei mais tarde.
(Leu.)
Aqui tem v. exa. a confissão de que a prisão de seis cidadãos é um acto innocente, e tão innocente, que a auctoridade administrativa entendeu que não devia dar conhecimento d'elle a auctoridade judicial.
Eu quero mostrar ao sr. ministro do reino que a auctoridade administrativa esta ainda incursa em outras responsabilidades, em virtude do que ella diz com respeito ao 4.° quesito, e isto porque no 1.° quesito declara o administrador do concelho que houve quarenta amotinados armados que, no intuito de maltratarem os quarenta maiores contribuintes, se dirigiram para as extremidades do concelho de Chaves, e que não conseguiram levar por diante esse mau proposito, por circumstancias estranhas a vontade d'elles.
É, pois, evidente que, segundo este officio e outro (documento n.° 21) dirigido ao sr. governador civil do districto, com data de 19 de Janeiro, houve na povoação de Nantes um ajuntamento de quarenta individuos, que se armaram para commetter violentamente um crime; e não é menos evidente que esse crime não foi commettido, segundo as mesmas participações officiaes, porque os criminosos foram avisados, no dizer da auctoridade administrativa.
Se estes factos são verdadeiros, causa lastima dizer a auctoridade administrativa que não mandou auto algum para o poder judicial, e que d'isso não tinha obrigação.
Se existiu o facto, como officialmente é narrado, não póde duvidar-se que elle constitue um crime publico, perfeitamente caracterisado no artigo 180.° da nova reforma penal, e neste caso a auctoridade administrativa cumpria-

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1852 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

lhe enviar auto, relativo ao mesmo, ao poder judicial, conforme o artigo 204.° n.° 22.° do codigo administrativo, e reiteradas recommendações do governo, bastando citar a portaria de 23 de outubro de 1882.
E sabe a camara qual a responsabilidade da auctoridade, preterindo este dever? É nada menos do que a que lhe impõe o artigo 287.° do codigo penal e nova reforma penal, porque sempre se entendeu que é maliciosa a omissão da auctoridade que, tendo conhecimento de um crime publico, não emprega a devida diligencia para que este seja punido. (Apoiados.)
Mas a auctoridade ignora que o facto narrado é crime publico? N'este caso direi que a ignorancia não é titulo que se recommende para exercer funcções publicas. (Apoiados.)
Póde dar-se outra hypothese (e as informações particulares dizem-me que é a verdadeira) e é que não houve o tal ajuntamento de quarenta individuos para commetter violentamente o crime, de que fallam as informações officiaes. Mas esta hypothese torna a situação da auctoridade ainda em peior situação, porque isso é nada mais e nada menos, do que dizer-se que a auctoridade informou dolosamente o seu superior hierarchico, crime punido pelo artigo 285.° da nova reforma penal.
De maneira que, ou o facto existiu, e a auctoridade tem a responsabilidade, que já notei, por não levantar auto de investigação, e podia ainda invocar, com verdadeira analogia, o artigo 103.° do decreto de 14 de dezembro de 1867; ou a auctoridade informou dolosamente a auctoridade superior, e, n'este caso, peiora a situação d'elles. (Apoiados.)
Vou expor a camara o conjuncto dos factos, que tornam incrivel a hypothese, de que o ajuntamento de quarenta individuos armados para commetter o crime contra o exercicio dos direitos politicos de alguns maiores contribuintes, foi pura invenção da auctoridade administrativa. Tenho de referir-me nas considerações que vou expor, ao administrador do concelho de Mirandella, porque quero ser justo e imparcial, direi, que aquella auctoridade, no modo por que desempenhou a diligencia deprecada, se houve com moderação e até muito correctamente. São as informações particulares, que me foram dadas, e eu não devo occultal-as. Mas isto em nada diminue, antes aggrava, a responsabilidade da auctoridade deprecante.
Uma voz: - Deu a hora.
O Orador: - Ouço dizer que deu a hora.
O sr. Presidente: - A hora está quasi a dar, e tenho ainda de conceder a palavra ao sr. ministro da marinha; no entretanto, se o sr. deputado quer continuar, creio que a camara não se opporá.
O Orador: - N'esse caso, se o sr. ministro do reino esta de accordo e v. exa. consente, continue ámanhã a interpellação e v. exa. reserva-me a palavra? (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Sim senhor. Fica v. exa. com a palavra reservada para continuar o seu discurso logo que se entre na ordem do dia.

Redactor = S. Rego.

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