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A commissão de fazenda reune-se frequentes vezes por semana, e tem tratado constantemente dos negocios que têem sido submettidos ao seu exame.

O projecto de que fallou o illustre deputado, o sr. José de Moraes, foi já distribuido a um dos membros da commissão que tem por certo mais rasão para se interessar por elle; por consequencia tem o sr. deputado n'isto uma garantia de que o projecto a que se refere será brevemente apresentado á camara.

O sr. Visconde dos Olivaes: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal e administrador do concelho de Terras de Bouro, em que, congratulando-se com o illustrado relatorio que o ex.mo ministro das obras publicas apresentára a esta camara sobre a construcção do caminho de ferro do Porto a Braga, pedem aos illustres deputados se dignem approvar este projecto com a maior brevidade pelos incalculaveis beneficios que da lei podem resultar aquella provincia.

O sr. Faria Guimarães: — Mando para a mesa dois requerimentos (leu).

O sr. M. Paulo de Sousa: — Mando para a mesa um requerimento (leu).

O sr. Presidente: — Como está presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, vae verificar-se a interpellação do sr. Albino Garcia de Lima.

O sr. Garcia de Lima: — Agradeço ao nobre ministro dos negocios estrangeiros a promptidão com que se offereceu a vir responder á minha interpellação; é isto mais uma prova da sua reconhecida e extrema delicadesa, e da maneira porque sabe cumprir os deveres de ministro constitucional.

A interpellação que eu annunciei ao nobre ministro versa sobre o tratado de limites entre Portugal e Hespanha, accordado em 29 de setembro de 1464, e approvado em uma das sessões do anno passado. Impropriamente annunciei eu uma interpellação, porque o meu fim é antes esclarecer duvidas, sobre alguns artigos do tratado e seus annexos, duvidas que terão ou não rasão de ser, mas que me occorreram na rapida leitura que d'elle fiz, e que talvez eu não teria se porventura tivesse assistido á sua discussão.

Sr. presidente, o tratado de limites a que me refiro era reclamado ha muito tempo pela conveniencia, e até necessidade de difinir claramente a raia divisoria das duas nações. Os interesses dos povos limitrophes de um e outro paiz ha muito faziam ver aquella conveniencia e necessidade, convidando a um accordo os dois governos sobre este importante objecto; o accordo verificou-se, e o tratado teve publicidade. A este tratado estão juntos dois annexos, que são por assim dizer o seu complemento, ou antes o seu regulamento firmado por dous distinctos plenipotenciarios.

O fim do tratado e seus annexos foi resolver as questões que havia sobre a demarcação, e evitar que de futuro possam repetir-se aquellas ennumeras contendas que infelizmente se tem dado na raia seca, e dos quaes se seguiam gravissimas desordens, ferimentos, e até a morte de cidadãos portuguezes e hespanhoes. Elle serve além d'isso a segurar e garantir interesses de ambas as nações, e a regular direitos dos povos limitrophes de uma e outra parte da raia. A magnitude e importancia do referido tratado é por consequencia vizivel, e tudo quanto seja tendente a dissipar duvidas e esclarecer as suas disposições, não é uma superfluidade. A minha primeira pergunta a fazer ao nobre ministro é se esse tratado está ou não já em sua plena execução, e faço esta pergunta, porque estipulando-se nos annexos, como não podia deixar de se estipular, que a nova demarcação seria conhecida por marcos, não me consta ainda que se tenha mandado proceder á sua collocação, e essa falta parece deixar ver que por qualquer motivo está ainda suspensa a execução do tratado; mas se assim não é, eu julgo da mais estricta necessidade que quanto antes se mande effectuar essa collocação dos marcos, porque são elles o signal que os povos terão para conhecerem qual é a nova linha divisoria, e poderem saber por ella qual é o terreno que fica fazendo parte do seu termo, e por isso do seu uso, e qual o que devem abandonar ao uso dos povos fronteiros. Esta falta, estando já o tratado em vigor, sem a collocação dos marcos, póde dar logar a novas rixas, que é sempre conveniente evitar.

Sr. presidente, o tratado curou dos povos promiscuos, e dos chamados de couto mixto, e ácerca dos moradores de uns e outros faculta-lhes o tratado ou conservarem-se nas suas antigas nacionalidades, ou adoptarem aquella a que aquellas povoações ficam pertencendo; os promiscuos a Portugal, e os do couto mixto a Hespanha.

Eu não trato agora de indagar se o tratado nesta parte nos foi vantajoso ou prejudicial, ou de uma completa reciprocidade de indemnisações, porque é isso negocio que já passou em julgado, restando agora sómente o mais religioso e fiel cumprimento do que se acha estipulado de parte a parte. O tratado é hoje lei do estado para nós e para a nação vizinha, e que ambos os governos saberão guardar e cumprir com a lealdade que os caracterisa. Seria por isso impertinente entrar hoje naquella avaliação, o que pretendo sómente é chamar a attenção do nobre ministro sobre algumas disposições do tratado, e entre ellas sobre o modo de tomar as declarações dos moradores dos povos indicados, ácerca da nacionalidade que preferem. Como disse, o tratado em um de seus artigos estabelece que tanto os povos promiscuos que ficam pertencendo a Portugal como os povos de couto mixto que ficam pertencendo á Hespanha, possam conservar a sua antiga nacionalidade ou adquirir nacionalidade nova, segundo lhes convenha e elles reclamem. Não consigna porém o tratado nem os annexos regulam qual o modo como se ha de tomar esta declaração, e é por isso a minha segunda pergunta ao nobre ministro se essa declaração ha de ser collectiva ou individual, e sendo individual que, segundo me parece, não póde deixar de ser, como se ha de ella tomar aos menores, aos orphãos e aos interdictos? A regular este negocio de tão alta importancia pelas leis geraes, a declaração d'estes individuos que por si não podem representar em actos valiosos, deverá ser feita por quem legalmente os represente, deixando-lhes o direito de quando chegarem á maior idade, ou quando tenha acabado a interdicção, poderem ratificar ou não essa declaração, concedendo-se-lhes para este effeito clara, positiva e terminantemente a restituição in integrum, consignada na nossa legislação para certos e determinados effeitos, e que não podem nem devem perder os inhabeis em um objecto que affecta os mais valiosos direitos politicos e civis. São estas os principios que no meu modo de ver deverão regular a resolução da minha duvida, mas que não estando expressamente estabelecido assim no tratado, receio que no futuro a actual geração d'aquelles povos e os que lhe sobreviverem possam ser prejudicados.

Ainda outra pergunta — por quem hão de ser tomadas essas declarações? Hão de ser pelas auctoridades inferiores da localidade, ou hão de ir fazer-se nas municipalidades respectivas? Tambem não vi esta duvida resolvida no tratado e annexos, e parece-me que a fim de que taes declarações tenham toda a authenticidade, e de que não haja a mais minima suspeita da livre e inteira espontaneidade dos declarantes, se deveria estabelecer que a reclamação seja recebida e tomada na presença de auctoridades ou commissionados de ambas as nações. D'esta fórma a sua inteira verasidade e liberdade ficaria mais bem garantida. O tratado permitte essa declaração tanto aos povos promiscuos, cuja nacionalidade na parte além da antiga raia era conhecida, como aos povos de couto mixto que uma tal permissão veiu a reconhecer serem de nacionalidade antiga portugueza, o que até ao tratado se tinha contestado por muito tempo.

Não tratando tambem agora de saber qual a importancia dos povos que recebemos e dos que desistimos, o que resta é regular o modo por que devem ser feitas aquellas declarações, por quem devem ser tomadas e aonde devem ser archivadas, para que a todo o tempo possam aproveitar aos actuaes moradores d'aquelles povos e áquelles que lhes succederem. Parece-me que a guarda dos autos de taes declarações deverá ser entregue ao archivo da Torre do Tombo ou da secretaria d'estado dos negocios do reino.

Uma outra duvida tenho eu em relação ao terreno que fica de usufructo mixto e commum, tal é todo o terreno da ilha Canosa no rio Minho. Eu julgo que essa ilha fica no meio daquelle rio, e como a divisão dos dois territorios é pelo meio do seu leito temos parte da ilha no territorio portuguez, e parte no territorio hespanhol, e sendo assim, o que não dou por certo, não sei como se hão de resolver as questões que ahi possam occorrer. Supponhamos que naquella ilha, que fica de uso commum para alguns povos portuguezes e hespanhoes, se commette um facto criminoso, qual é a auctoridade competente para tomar conhecimento d'elle? É a auctoridade portugueza ou a hespanhola? Quem ha de regular e fiscalisar esse direito de compascuo? Não sei.

Se a propriedade e usufructo é de uns e outros povos, o direito a conhecer, a regular e a fiscalisar pertence ás auctoridades de um e outro paiz, mas isto traz inconvenientes e conflictos faceis de prever, e cujos perigos é forçoso evitar.

Sr. presidente, os annexos ao tratado em uma das suas disposições tratam de regular a fórma, o modo e o processo para se constituirem obras novas nas margens do rio Minho ou no proprio rio, e determina que quando qualquer individuo de nacionalidade portugueza ou de nacionalidade hespanhola queira construir reprezas, pesqueiras, azenhas, palissados, ou outra qualquer obra, dirigir-se-ha, requerendo, ao governador civil do seu territorio, e este procederá a uma vestoria, tomará conhecimento da obra e dará a sua opinião sobre a sua necessidade, conveniencia e utilidade, e bem assim sobre se ella causa ou não prejuizo ao publico, conformando-se ou não com a pretensão; no caso affirmativo mandará o processo ao governador civil da circumscripção respectiva do reino vizinho, e este procederá á mesma vestoria e conhecimento, e se a sua opinião é desfavoravel ao requerente o processo e a pretensão morre sem mais appellação nem recurso.

Parece-me que isto é estatuir o principio de que o ultimo que falla é o que tem rasão, e esta jurisprudencia não se póde sustentar, e entendia eu que a justiça pedia que quando não houvesse uniformidade nos pareceres e opiniões das duas auctoridades se estabelecesse uma terceira entidade, um terceiro poder que decidisse e desempatasse n'essa opposição de pareceres e opiniões.

Em um artigo transitorio dos annexos vem uma disposição que reclamava uma medida analoga á que indico com relação ao ponto de que fallei. Ordena-se n'aquelle artigo que um engenheiro portuguez e um engenheiro hespanhol acompanhados de um terceiro que entre ambos accordem, percorram o rio Minho em toda a sua extensão raiana, e informem sobre as obras antigas que seja conveniente mandar destruir, servindo esse terceiro para dirimir as differenças que possa haver entre os dois, servindo por consequencia o seu voto e opinião de desempate. Mas agora pergunto eu, e se os dois engenheiros não accordarem na escolha d'esse terceiro, quem ha de nomea-lo? Os annexos ou regulamentos não resolvem essa duvida que póde dar-se, e não vejo outro modo de a resolver senão á sorte, o que comtudo não está estabelecido, e nem ella será talvez o meio mais racional de resolver questões d'esta ordem.

Reata-me fallar da parte do tratado que regula as apprehensões de gado estrangeiro; ha ahi, talvez só no meu miope modo de ver, uma lacuna, e é não se definir quando a apprehensão de gado se deve fazer unicamente pelo facto de pastagem indevida, ou quando pelo facto de subtracção aos direitos fiscaes. São duas cousas diversas na penalidade, e diverso deve ser por isso o modo de regular uma ou. outra apprehensão, parecendo-me por isso que se devêra marcar n'esse regulamento uma certa area para que, quando a apprehensão se verifique dentro d'ella, haja a presumpção de que o gado está só pastoreando, e quando fóra, se dê então a da pretendida introducção com subtracção de direitos fiscaes, salva sempre em um e outro caso prova em contrario.

O que o regulamento estatue póde dar logar ou a que se illudam as nossas leis fiscaes, introduzindo se no paiz muito gado sem o pagamento dos respectivos direitos, ou muitos abusos da parte dos guardas, apprehendendo indevidamente gado que os donos não tenham intenção de introduzir; e d'ahi rixas, contendas, vexames e desordens, de que não poucas vezes tem resultado consequencias lamentaveis (apoiados).

Eu julgo conveniente que novas instrucções esclareçam este ponto, para que os guardas ruraes e os guardas fiscaes saibam quando devam effectuar as apprehensões por um ou por outro motivo, para um, ou para outro effeito (apoiados).

São estas as duvidas que me occorre offerecer sobre o objecto da minha interpellação, e que eu de certo, como já disse, não teria hoje de apresentar, se tivesse sido presente á discussão do tratado. E não estranhe a camara que eu pretendesse esclarecer as duvidas que apresentei, não só porque o objecto é transcendente e importantissimo, mas porque entendo que as explicações do nobre ministro muito poderão aproveitar a todos os povos raianos, a quem mais especialmente diz respeito o tratado, e eu que tenho a honra de representar aqui um circulo que comprehende muitos d'esses povos, não me devia esquivar a provocar essas explicações. Tenho concluido.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Casal Ribeiro): — Vou responder ás perguntas que o illustre deputado me dirigiu, mas antes d'isso tenho a agradecer-lhe a nimia benevolencia com que me tratou. Responder á sua interpellação não faço mais que cumprir um dever.

Perguntou o illustre deputado em primeiro logar se está em execução o tratado de limites entre Portugal e Hespanha, assignado em 1864, approvado por uma lei que passou em côrtes na sessão ultima, e ratificado em maio de 1866.

A esta pergunta responderei que o tratado está em vigor, salvo nos pontos que dependem de actos que necessariamente levam tempo a praticar. Quero dizer, legalmente e de direito, o tratado está em vigor, e como lei internacional obriga a ambos os paizes. Entretanto ha operações, como a da demarcação, que se não podem fazer senão successivamente e com tempo.

Estas operações, como o illustre deputado sabe perfeitamente, em todos os paizes são morosas. O mesmo aconteceu á demarcação da fronteira, em virtude do tratado assignado entre a França e a Hespanha.

Segundo as informações que tenho, a demarcação a que tem de se proceder em virtude do tratado, por mais zêlo que haja da parte dos commissarios de um e outro paiz, não estará concluida completamente em toda a raia em menos de dois ou tres annos.

Entretanto tem-se tratado de concordar entre os dois governos para que esta operação tenha começo o mais breve possivel. Pela nossa parte estão nomeados os commissarios que devem proceder á demarcação, e logo que o governo hespanhol dê ordem aos seus commissarios para marcharem para a raia, o que espero será dentro em breve, dar-se-ha começo aos trabalhos da demarcação.

Isto quanto ao primeiro ponto. No que respeita á nacionalidade dos individuos residentes no, antigamente chamado, couto mixto e nas povoações denominadas promíscuas, proximas do concelho de Chaves, o illustre deputado sabe que pelo tratado foi estipulado que as povoações situadas no couto mixto ficassem pertencendo á Hespanha; e por outro lado, em outros artigos do tratado, se determinou que os povos chamados promiscuos, isto é, os povos de Soutelinho, Cambedo e Lama de Arcos, situados perto de Chaves, ficassem pertencendo inteiramente a Portugal.

Não era completamente identica a situação de uns e outros povos. Os do couto mixto não obedeciam á auctoridade, nem de um paiz, nem de outro; viviam n'uma especie de independencia tradicional.

Antigamente prestavam, debaixo de certo ponto de vista, obediencia á auctoridade portugueza, mas obediencia mais nominal do que outra cousa. Os corregedores da casa de Bragança exerciam sobre aquelles povos uma especie de jurisdicção, pois que o juiz ou magistrado eleito pelo povo prestava perante elles juramento.

Por outro lado os povos do couto mixto dependiam da Hespanha, na parte ecclesiastica.

Esta situação pareceu inconveniente, e pelo tratado foi resolvido que estes povos ficassem pertencendo á Hespanha. Nada perdemos, porque não exercíamos ali soberania.

Quanto aos povos promiscuos, a raia partia pelo meio das povoações, dividia as ruas, ficando um dos lados para Hespanha outro para Portugal, e até acontecia que, de uma mesma casa, parte estava situada em Hespanha e outra parte em Portugal. Tambem era impossivel a continuação d'este estado de cousas, e resolveu se pelo tratado, que os povos, com o seu termo municipal, e demarcando-se um termo municipal ao de Soutelinho ficassem pertencendo a Portugal.

O tratado definiu completamente a nacionalidade territorial dos povos do couto mixto e promiscuos. Restava outra