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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO DE 22 DE MAIO DE 1886

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

José Maria Sieuve de Menezes

Fernando Caldeira

Chamada: — Presentes 60 srs. deputados.

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Presentes á abertura da sessão — os srs. Annibal, Alves Carneiro, Soares de Moraes, Sá Nogueira, Gomes Brandão, Barros e Sá, A, J. da Rocha, Seixas, Magalhães Aguiar, Falcão da Fonseca, Barão de Magalhães, Barão do Mogadouro, Belchior Garcez, Cesario, Claudio Nunes, Fernando Caldeira, F. F. de Mello, Albuquerque Couto, Coelho do Amaral, F. I. Lopes, Sousa Brandão, F. M. da Costa, Pereira de Carvalho de Abreu, Gustavo de Almeida, Santa Anna e Vasconcellos, Baima de Bastos, Reis Moraes, Santos e Silva, J. A. de Sepulveda, J. A. de Sousa, J. A. Vianna, Assis Pereira de Mello, Alcantara, Mello Soares, Aragão Mascarenhas, Sepulveda Teixeira, Calça e Pina, Fradesso da Silveira, J. M. Osorio, Noutel, Faria Pinho, Alves Chaves, J. M. da Costa, Ferraz de Albergaria, J. M. Lobo d'Avila, Rojão, Sieuve de Menezes, José de Moraes, Batalhoz, José Tiberio, Leandro da Costa, L. A. de Carvalho, M. B. da Rocha Peixoto, Macedo Sotto-Maior, Julio Guerra, Sousa Junior, M. Paulo de Sousa, P. M. Gonçalves de Freitas, Placido de Abreu, Vicente Carlos e Visconde da Praia Grande de Macau.

Entraram durante a sessão — os srs. Affonso de Castro, Braamcamp, Teixeira de Vasconcellos, Ayres de Gouveia, Camillo, A. Gonçalves de Freitas, Salgado, A. Pinto de Magalhães, Pequito, A. R. Sampaio, Antonio de Serpa, Cesar de Almeida, Barjona de Freitas, Pereira Garcez, Carlos Bento, Carolino Pessanha, Domingos de Barros, Eduardo Cabral, Faustino da Gama, Pimentel e Mello, F. J. Vieira, Barroso, Francisco Costa, F. M. da Rocha Peixoto, Paula e Figueiredo, Medeiros, Palma, Corvo, Gomes de Castro, Joaquim Cabral, Vieira Lisboa, Matos Correia, J. Pinto de Magalhães, Costa Lemos, Vieira de Castro, Sette, Dias Ferreira, Figueiredo e Queiroz, Faria e Carvalho, José Paulino, Nogueira, Mendes Leal, Vaz de Carvalho, Julio do Carvalhal, L. Bivar, Freitas Branco, Alves do Rio, Coelho de Barbosa, Manuel Firmino, Manuel Homem, Pereira Dias, Lavado de Brito, Monteiro Castello Branco, S. Bernardo Lima, Thomás Ribeiro, Visconde da Costa e Visconde dos Olivaes.

Não compareceram — os srs. Abilio da Cunha, Fevereiro, Fonseca Moniz, Correia Caldeira, Diniz Vieira, Quaresma, Crespo, Faria Barbosa, Pinto Carneiro, Barão de Almeirim, Barão de Santos, Barão do Vallado, Bento de Freitas, Pinto Coelho, Delfim Ferreira, Achioli Coutinho, Fausto Guedes, F, do Quental, F. Bivar, Namorado, Lampreia, Gavicho, F. L. Gomes, Bicudo Correia, Marques de Paiva, Cadabal, Silveira da Mota, Costa Xavier, Tavares de Almeida, Albuquerque Caldeira, Torres e Almeida, Coelho de Carvalho, Proença Vieira, Ribeiro da Silva, Faria Guimarães, J. A. da Gama, Infante Passanha, Correia de Oliveira, Freire Falcão, Garrido, Oliveira Pinto, Lopes Vieira, Luciano de Castro, J. M. da Costa e Silva, Toste, Barros e Lima, Levy, Xavier do Amaral, M. A. de Carvalho, Tenreiro, Leite Ribeiro, Mariano de Sousa, Marquez de Monfalim, Severo de Carvalho e Ricardo Guimarães.

Abertura: — Á uma hora e um quarto da tarde.

Acta: — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

OFFICIOS

1.º Do ministerio dos negocios estrangeiros, declarando que não existe esclarecimento algum n'aquelle ministerio relativamente ao caminho de ferro de Cintra e docas no Tejo, e que foram pedidos pelo sr. deputado Francisco Lopes de Gavicho Tavares. Á secretaria.

2.º Da camara dos dignos pares, remettendo a mensagem acompanhando a proposição de lei que auctorisou a camara municipal de Villa do Conde a levantar um emprestimo de 8:000$000 réis, e um exemplar do parecer da commissão de administração publica d'aquella camara sobre a referida proposição.

Á secretaria.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Dos alumnos do lyceu nacional de Villa Real, pedindo que se acabe a distincção do lyceu de 1.ª e 2.ª classe.

Á commissão de instrucção publica.

2.ª De varios cidadãos do concelho de Evora, pedindo que não seja convertido em lei o decreto de 11 de abril de 1865.

Á commissão de agricultura, ouvida a de fazenda.

PARTICIPAÇÃO

O sr. deputado Francisco Bivar falta a esta sessão por motivo justificado. = Luiz Bivar.

Inteirada.

REQUERIMENTOS

1.º Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, se remetta, com urgencia, a esta camara (visto o estado de adiantamento em que se acha a sessão):

I Uma nota das localidades para onde se abriu, em março ultimo, concurso para logares de carteiros, com declaração do numero que se creou em cada uma d'ellas, e de seus vencimentos;

II Uma nota de quantas d'estas creações foram pedidas pelas respectivas auctoridades locaes ou habitantes, declarando-se tambem quem as pediu, e em que localidades. = Albuquerque Couto.

2.º Requeiro, pela segunda vez, que se remetta a esta camara, com urgencia, o processo do concurso para a cadeira de ensino primario do sexo feminino da freguezia de S. Romão, districto da Guarda.

Sala das sessões, 22 de maio de 1866. = Albuquerque Couto.

Foram remettidos ao governo.

NOTA DE INTERPELLAÇÃO Requeiro se participe a s. ex.ª, o sr. ministro do reino, de que o pretendo interpellar sobre a doutrina da portaria de 15 de maio corrente, ácerca da cultura do arroz. = O deputado, Annibal Alvares da Silva. Mandou-se fazer a communicação.

O sr. Aragão Mascarenhas: — Pedi a palavra por estar presente o sr. ministro do reino, a fim de chamar a sua attenção.

Tendo eu annunciado uma interpellação na sessão de sabbado, ácerca de uma portaria relativa á cultura do arroz, publicada por s. ex.ª no Diario de sexta feira, desejava que tivesse a bondade de me dizer se está habilitado a responder a essa interpellação, ou se deseja que ella seja reservada. No caso de s. ex.ª dizer que está habilitado, verifica-la-hei.

O sr. Ministro do Reino (Mártens Ferrão): — Em regra, póde v. ex.ª dar-me por habilitado, sempre que estiver presente, para os negocios dependentes da minha repartição, principalmente sendo actos praticados pela minha gerencia; agora relativos a actos anteriores, peço ser avisado de vespera para me prevenir sendo preciso.

O Orador: — V. ex.ª dá-me então licença que verifique a minha interpellação, e pouco tempo tomarei á camara; mas era um dever meu, visto que sou n'esta casa representante de um circulo que vive quasi exclusivamente da cultura do arroz, circulo em que aquella cultura, desde longos annos, sem prejuizo da saude publica, tem enriquecido aquella localidade, assumindo as proporções da cultura quasi exclusiva, cultura que se não póde abandonar sem reduzir á miseria toda a população, sem causar a verdadeira ruina de todos aquelles concelhos; e por isso que se trata da subsistencia de muitas familias, da subsistencia de pobres e ricos; era dever meu, repito, pedir todo o cuidado no modo de tomar medidas a respeito da mesma cultura, porque, se não houver esse cuidado, de um dia para outro podem estes povos ficar reduzidos á miseria mais extrema.

Coméço por fazer plena justiça ás intenções do meu amigo o sr. ministro do reino.

Na publicação d'aquellas medidas teve s. ex.ª unicamente em vista o bem publico, cortando abusos que se lhe antolham como prejudiciaes á saude publica. A sua intenção não é senão digna de louvor; portanto tudo quanto podér dizer com relação áquella portaria, não se entenda nada com respeito á pureza das intenções e ao espirito de justiça com que são sempre dictadas as medidas tomadas por s. ex.ª

Não me occuparei hoje da questão principal dos arrozaes, que é para outro logar.

Está pendente na camara um projecto de lei do ministerio actual, projecto que é muito conciliador, pelo qual se pretende cortar abusos e deixar o legitimo uso nas localidades onde se conhece que a cultura é vantajosa.

Para essa occasião reservo eu tratar largamente, tanto quanto as minhas limitadas forças me permittirem, uma questão que conheço praticamente ha muitos annos; por agora limito-me a dizer qual é a minha opinião e a minha idéa n'esta materia, para que a camara não me julgue desarrasoado n'esta interpellação.

Digo por mais uma vez: reconheço que o arrozal, em dadas condições, póde ser uma cultura prejudicial; reconheço que o arrozal é uma cultura que não póde estar sem providencias da parte dos poderes publicos; que é uma cultura que carece de ser vigiada, para que em dadas circumstancias e localidades não degenere em prejuizo publico.

Mas não posso deixar de reconhecer que na questão dos arrozaes, como em todas as questões, principalmente agricolas, não ha absoluto. N'este mundo não ha absoluto, e muito menos nas questões agricolas.

O arrozal, dadas certas circumstancias, sendo applicado a terrenos sadios, onde não houve pantanos, e em que todas as terras eram applicadas a culturas enxutas, é prejudicial.

Mas o arrozal, sendo applicado a paizes de si já insalubres e pantanosos, onde as aguas estavam estagnadas todo o verão, sem que tenham saida, o arrozal aqui pelo menos não augmenta a insalubridade publica.

Ha casos, e a localidade que tenho a honra de representar aqui é um d'elles, em que o arrozal é um bem, porque vae substituir pantanos pestilenciaes, em que a agua se não encaminhava para parte alguma.

Se v. ex.ª tivesse, assim como eu tenho, conhecimento do estado de certos pantanos, antes de se lhes applicar a cultura do arroz, havia de convencer-se, e a rasão é simples.

N'um pantano de uma certa extensão, quando se lhe applica a cultura do arroz, começa-se por fazer convergir para o terreno cultivado todas as aguas que até ali se derramavam e infiltravam por uma area de terreno sempre comparativamente muito mais extensa do que a parte que se reduziu á cultura, ficando então estas aguas correndo constantemente.

O primeiro resultado é a diminuição da area pantanosa, e o segundo é obter-se uma corrente, em vez das aguas estarem estagnadas.

A minha opinião é que se deve regulamentar a cultura do arroz, porque ha localidades onde se têem feito poços, em sitios, enxutos, para tirar agua artificialmente, e fazer pantanos onde não os havia. Isto é um abuso, e eu como não quero isto, tambem não quero que se vá cortar um ramo tão importante de riqueza publica como é o arroz. O arroz é o unico genero que não tem augmentado de preço, e esta consideração não é tambem para desprezar em presença da carestia em que está tudo.

Vou referir-me á portaria do sr. ministro do reino.

Eu já disse que faço justiça ao sentimento recto que dictou a s. ex.ª aquella providencia; mas, comquanto fosse justo o sentimento que a dictou, eu não posso conformar-me com aquella providencia que tem muito de injusta, o que talvez se possa attribuir ao pouco tempo que s. ex.ª tem de ministerio, e por consequencia de não ter conhecimento completo do estado da questão.

A cultura do arroz não tendo sido regulamentada no nosso paiz, veiu uma portaria estabelecer para ella umas certas condições de existencia, sujeitando-a á acção da auctoridade, obrigando os cultivadores a tirar licenças, e regulando o processo d'essas licenças.

Não entro na questão se uma portaria podia fazer isso, e podia regulamentar uma cultura, que era tão livre como outra qualquer, emquanto uma lei especial a não sujeitasse á fiscalisação.

A minha opinião é que a portaria não o podia fazer, e era preciso uma lei; mas sem adoptar a idéa de que a portaria era legal, concedo que o fosse, e que se regulamentasse legalmente com ella a cultura dos cereaes. E faço esta concessão só por hypothese para a presente discussão. Suppondo pois que esse regulamento é o que está vigente, é nos termos d'elle que me vou restringir, e é debaixo d'esse ponto de vista que eu quero tratar a questão.

O regulamento sobre cereaes mandou que os cultivadores de arroz requeressem licença pela auctoridade administrativa, e que fossem vistorisados os terrenos em que os queriam cultivar, e que os governos civis concedessem ou negassem licença.

Quasi todos pediram a sua licença, quasi todos fizeram as suas despezas com vistorias e processos; os processos convenientemente instruidos subiram todos aos governos civis, e ali foram concedidas algumas pouquissimas licenças, e o resto dos processos jaz ha muitos annos nos governos civis sem se concederem ou negarem as licenças. Isto não póde ser, porque toda a gente que faz um requerimento tem direito a que elle seja deferido ou indeferido. Da parte d'aquelles cultivadores não ha culpa nenhuma se elles estão cultivando sem licença, o facto da cultura é muito anterior. Achavam-se ha vinte ou trinta annos cultivando as suas terras, vem o governo e diz — peçam licença para cultivarem, e até hoje nem lhe deram licença, nem lhe disseram se podiam cultivar ou não. De facto tem-se continuado a tolerar isso, e em que está a culpa da parte d'estes cultivadores? Intimaram-os a pedir licença, pediram; disseram-lhes que instaurassem os seus processos, instauraram-os; os processos estão affectos ás auctoridades competentes e ainda não foram resolvidos, portanto não ha culpa pela qual possam ser castigados.

Entretanto na portaria que eu estou analysando, manda-se que estes cultivadores, que não têem culpa nenhuma, porque a cultura era anterior á publicação do regulamento, sejam intimados para destruir as suas searas, e se não as destruirem, que sejam arrasadas. Isto é de tal maneira injusto, que eu entrego unicamente e em plena confiança á apreciação recta e imparcial do illustre ministro do reino. Louvo-me na decisão de s. ex.ª a este respeito, tal é a idéa que tenho do, seu espirito de justiça. Suppor que elle quizesse fazer responsaveis os cultivadores por um facto em que elles não tiveram parte seria injuria-lo.

Ha ainda a questão do tempo. Esta providencia, ainda mesmo suppondo que ha algum cultivador a quem se tenha negado licença ou esteja no caso de se não deixar continuar a cultura, devia ter sido adoptada alguns mezes atrás. É uma barbaridade deixar o lavrador, cavar a terra, semear e principiar a mondar, e quando já está na esperança da colheita, quando estão muitos centos de contos de réis empregados n'esta cultura, vir destruir uma fortuna particular e publica; é inconveniente; e o sr. ministro do reino talvez, por não ter conhecimento especial d'esta cultura, não reparasse para o que havia de inconveniente na occasião em que essa providencia era tomada.

Ha na portaria uma outra providencia que me parece dura, que é mandar examinar se os cultivadores que têem a licença cultivam nas condições da mesma licença, e se não cultivam mandar-lhes arrasar as cearas. Parece-me que era bastante que aos que têem licença e que cultivam um ponto ou outro com excesso das condições, mandar que entrassem na ordem e que restringissem a cultura ás condições com que foi dada a licença. É verdade que ha muitas vezes um ou outro desvio das condições, que não é filho do proposito nem da vontade do cultivador; mas arrasar uma ceara inteira só por uma falta, é uma cousa injusta e revoltante.

Ainda ha uma rasão para não se dever tomar providencias n'esta epocha do anno.

Quem tem conhecimento da cultura do arroz sabe que n'esta epocha estão os canteiros cheios de agua; e ir agora no verão destrui-los será deixar verdadeiros charcos o fazer com que a agua fique estagnada; a isto ha de prejudicar muito mais a saude publica n'essas localidades, do que se deixassem os canteiros feitos com a agua corrente. Não direi mais nada a este respeito, porque não trato hoje da questão dos arrozaes em geral, mas só da providencia especial de que nos occupâmos n'este momento.

O processo que se estabelece nas portarias, em todas as portarias do governo, a respeito do regulamento dos arrozaes, é uma cousa que me choca profundamente; e eu admiro como o meu illustrado amigo, o sr. Mártens Ferrão, se não chocou tambem vendo que a auctoridade administrativa é quem aprecia se uma cultura está ou não nos termos legaes, quem intima para que não se cultive, quem decide se ha desobediencia, quem arrasa a ceara e quem executa as suas proprias ordens; parece-me que é dar auctoridade de mais a um administrador de concelho; pois que o administrador de concelho converte-se aqui em poder judicial, aprecia a moralidade da intenção da parte do cultivador; aprecia as condições legaes da cultura; e se elle transgrediu ou não os preceitos policiaes, julga e executa immediatamente. Parece-me que aqui ha um certo abuso de attribuições, abuso que póde ser muito prejudicial.

Ora supponha v. ex.ª que o cultivador era intimado pe-

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lo administrador do concelho para arrasar as suas cearas, este cultivador não o fazia, e a auctoridade administrativa arrasava a sementeira. Havia de se levantar um auto de investigação pelo facto de desobediencia, e ser enviado ao poder judicial.

Supponha v. ex.ª que o poder judicial resolvia, dizia que não tinha havido desobediencia, que o homem estava no caso do regulamento, que não tinha transgredido e era absolvido.

Tinhamos nós o homem absolvido pelo poder judicial, e demonstrado por uma sentença que não praticou acto nenhum de desobediencia á auctoridade administrativa, mas a ceara estava arrasada e o mal era irremediavel. E como depois harmonisar isto entre a auctoridade administrativa e a judicial? E quem indemnisaria o lavrador do prejuizo que soffreu?

São estes os pontos em que mais me chocou aquella medida tomada pelo governo.

Não digo por ora mais nada; limito-me a chamar a attenção do sr. ministro do reino sobre esta materia, e estou certo que s. ex.ª, que foi injusto d'aquella medida, e não me refiro ás intenções de s. ex.ª, tomará as providencias que julgar convenientes para harmonisar o bem da saude publica com os legitimos interesses do cultivador e com as necessidades da riqueza e bem publico que estão tão intimamente ligados com este negocio. O governo tem um guia seguro para acertar no conhecimento das localidades onde o arroz é prejudicial e onde o não é — são as representações dos povos.

Attenda o governo a essas representações; seja severo nas localidades, cujos povos se queixam; mas seja coherente e igual.

Se as representações dos povos o convencem para reprimir a cultura; attenda tambem ás instantes, repetidas e unanimes representações em favor d'esta cultura, que as povoações do sul do Tejo, e especialmente as dos tres concelhos que tenho a honra de representar, lhe têem dirigido.

Naquelles concelhos todos, sem excepção de uma só pessoa, pedem a continuação d'esta cultura, todos a consideram como fonte de riqueza e como meio de salubridade. Não é crivel que todos se enganem ou todos peçam uma cousa prejudicial.

Attenda-os pois o governo como attende os das outras localidades, e terá assim feito justiça a todos.

O sr. Ministro do Reino: —... (S. ex.ª não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Casal Ribeiro): — Mando para a mesa duas propostas de lei. Supponho que a camara me dispensará a leitura dos relatorios, e limito-me apenas a ler os artigos (apoiadas).

As propostas são:

1.ª Para o governo ser auctorisado a contratar com a companhia de ferro e carvão de Portugal a venda de lenhas, matos e raizes do pinhal nacional de Leiria, na conformidade de determinadas bases.

2.ª Para o governo ser auctorisado a abrir creditos extraordinarios, que, juntos com a quantia que tambem o governo é auctorisado a transferir das sobras provenientes das verbas destinadas na despeza extraordinaria do presente anno economico para a construcção de estradas municipaes, portos e rios, são applicados ás despezas com a direcção geral dos telegraphos, ao pagamento de materiaes contratados em França para as obras da nova alfandega do Porto, á fiscalisação da construcção e exploração dos caminhos de ferro, e ás obras do abastecimento das aguas na capital.

O sr. Sá Nogueira: — Requeiro a impressão d'essas propostas no Diario de Lisboa.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — E eu peço que sejam remettidas com urgencia ás commissões competentes.

Foram enviadas ás commissões respectivas.

O sr. Presidente: — Ainda estão muitos senhores inscriptos antes da ordem do dia, e o sr. Annibal pediu a palavra para um requerimento, mas estando a hora muito adiantada, não lh'a posso conceder sem consultar a camara.

O sr. Annibal: — Como preciso fallar sobre esta questão dos arrozaes, sobre a qual havia annunciado uma interpellação ao sr. ministro do reino, e o nobre ministro acaba de me dizer particularmente que comparece ámanhã, cedo do meu requerimento, e reservo-me para então, a fim de não demorar agora a discussão do orçamento.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO ORÇAMENTO DO MINISTERIO DAS OBRAS PUBLICAS

Cap. 8.º — Estabelecimentos de instrucção — 130:157$500 réis.

O sr. Belchior Garcez: — Coméço por ler a minha moção (leu).

A proposta é extensa, e não a leio para não tomar tempo á camara.

Eu sei que esta proposta, depois de transitar pela chancellaria das commissões, será, como deve ser, rejeitada. Não me julgue v. ex.ª tão innocente que acredite a possibilidade de, no momento de se discutir o orçamento, eu conseguir uma reforma grande e importante no nosso ensino industrial, que mudaria completamente a indole d'este ensino, tornando-o mais pratico e menos theorico. O que eu levo unicamente em vista é fazer publicar a minha proposta; o meu fim é chamar a attenção dos srs. ministros sobre este momentosissimo assumpto; é convidar todos os homens pensadores do paiz, e principalmente os homens especiaes, a discutirem-no; para em tempo competente, amadurecida a opinião publica, se poder realisar a reforma que o nosso ensino industrial instantemente demanda. E certamente, se me fosse permittido pelo regimento, eu prescindiria da viagem que o projecto vae fazer ás illustres commissões, e pediria que elle seguisse derrota para a imprensa nacional. Entrego isso á consideração de v. ex.ª e da camara, pedindo apenas que p projecto seja publicado.

A camara está anciosa e desejosa de pôr termo á discussão do orçamento, e isso prova, seja dito de passagem, o que significam certas promessas de discussão larga do orçamento, quando no andamento dos debates, no começo e no meio das nossas sessões annuaes se suscita alguma questão que prende de qualquer fórma com elle. Effectivamente ha largueza para a discussão: sinto-me muito á larga. Mas vendo a impaciencia da camara, querendo-lhe poupar o desgosto de um longo discurso, e a materia prestava-se a isso, resumi as minhas idéas no projecto que peço seja impresso, como são impressos os discursos. E porque não tive tempo de o fazer preceder de um relatorio, como é da ordenança, em projectos de lei, eu vou dizer algumas palavras que ficarão servindo de relatorio.

Quando ha dias se discutiu o orçamento do ministerio do reino, e por essa occasião se levantou substanciosissimo debate sobre a instrucção publica, tive o prazer de ouvir notaveis discursos e judiciosas apreciações ácerca, dos differentes ramos do nosso ensino publico; e na verdade correu este anno a discussão desse ponto com uma certa largueza e vastidão de idéas que muito distinguem a sessão, que vae terminar, de algumas das sessões anteriores.

Ora é preciso advertir e notar que a instrucção publica tem taes ligações entre si, prendem-se de tal fórma os seus differentes ramos, que não é rasoavelmente possivel discutir um d'elles sem considerar todos os outros.

E com effeito na alludida discussão se considerou, e não podia deixar de se considerar, o estado dos nossos ensinos primario, secundario e superior, e bem assim a utilidade da instrucção profissional, e da instrucção especial ou industrial. Ao ouvir fallar em ensino profissional, confesso a v. ex.ª que estremeci quasi tanto como quando ouvi ao nobre ministro dos negocios estrangeiros dizer á camara que estava disposto a fazer algumas concessões commerciaes em troco de certas modificações que o governo inglez, por interesse da Inglaterra e em homenagem aos bons principios, segundo entendo, tem necessariamente de fazer no seu systema de tributar a importação dos vinhos; e estremeci quando ouvi dizer isto, porque não gósto de jogar as peras com quem as dá verdes e toma maduras; e se estremeci tambem quando ouvi fallar em ensino profissional foi porque não pude comprehender bem o que se entendia por similhante ensino, nem se com elle, considerado de certo modo, se iria complicar a nossa instrucção publica com a decantadissima questão do ensino profissional francez.

Se o ensino profissional é o ensino preparatorio de certas profissões que não demandam estudos superiores, eu aceito e comprehendo o ensino profissional; nem posso deixar de o admittir.

Se porém o ensino profissional é o ensino de que tão largamente têem tratado pela palavra e pela escripta em França os patriarchas d'elle, os directores das escolas Turgot, Chaptal e outras; se duma palavra é o ensino rival do ensino classico intercallado entre elle e o especial preparatorio admissivel na instrucção superior, e necessario na educação industrial, então a questão para mim muda completamente de figura; não vejo em Portugal circumstancias analogas ás que se dão em França, nem motivos bastantes para se predispor impensadamente uma peleja.

Ha em França, como é sabido, guerra declarada entre dois acampamentos, dum dos quaes figuram 89, lyceus e 283 collegios com algumas escolas superiores á frente, e doutro a escola Turgot, a escola Chaptal, e outras muitas, tendo por chefes os campeões do ensino profissional; vae entre nós o enthusiasmo pelas cousas da França até ao ponto de desejarmos imita-las tambem disto?

Em Portugal o corpo docente do ensino classico não tem os mesmos intuitos que esse corpo tem em França; é menos pretensioso, mais submisso; pede de tempos, a tempos o augmento dos seus ordenados; nada mais.

Em Portugal a questão universitaria não é o que é em França, é uma cousa inteiramente diversa; ainda que se pareçam pelas denominações, é necessario não as confundir.

Eu desconfio sempre que vejo levantar entre nós questões de certa ordem, trazidas muitas vezes á téla pela leitura dos livros francezes; e estou prevenido, porque assim como se têem copiado reacções religiosas, receio que se copiem e inventem lutas de ensino profissional.

Ha effectivamente reacção religiosa onde ha trabalho e acção contra a religião. Não comprehendo a reacção quando não ha acção.

Ora, dum paiz tão unanimemente catholico como felizmente é Portugal, não sei bem o que é isto de reacção religiosa.

Sei o que ella é em França e na Belgica, e até já tive occasião de a observar e conhecer de perto; é uma molestia que afflige, como outras muitas, a debil humanidade.

Ainda comprehendo a reacção na Hespanha e na Italia, onde a liberdade politica está passando por aquelle tirocinio por onde nós tão angustiosamente passámos desde 1820 até 1848. Mas a reacção religiosa no nosso paiz, Deus me perdôe, não a conheço; e tambem não conheço nem admitto a reacção no ensino profissional; porque realmente não ha motivo para travar entre nós aquella renhidissima luta.

Definamos o que é ensino profissional — «Ensino profissional é o ensino usual, o ensino moderno baseado na lingua do paiz, nas linguas vivas, na historia do paiz, na geographia pratica, nas sciencias applicadas e nas noções de commercio e das industrias». Mais palavra menos palavra esta é a definição que os apostolos do ensino profissional deram d'aquelle celebre inquerito mandado fazer pelo sr. Parieu em 1850.

O ensino profissional, duma palavra, é o ensino que abstrahe do estudo das linguas mortas; póde ser objecto de uma bifurcação nos lyceus; assim o entendeu o governo imperial. E entre nós póde ser objecto do ensino dos lyceus de segunda classe, sem prejuizo do ensino do latim reservado para os estudos ecclesiasticos. É isso que me parece mais rasoavel, porque não é bom multiplicar os apparelhos do doutoramento, visto que o paiz não precisa nem póde empregar tantos doutores.

N'este meu modo de ver, o ensino nos lyceus de 2.ª classe é rigorosamente secundario, mas com indole diversa d'aquella que deve ter nos quatro lyceus de 1.ª classe, onde se cursam os preparatorios para estudos superiores e que aliás se não prohibem a ninguem. Figura-se-me melhor este systema, para o qual tudo está preparado entre nós, e preferivel ao bifurcamento, que tem notorios inconvenientes.

Não é bom que na mesma escola haja duas categorias de alumnos: uns de jaqueta, outros de casaca; uns cursando certas aulas, e outros cursando as de uma classe inferior.

Já se vê pois que rejeito, com muito sentimento, a pretensão de muitos dos meus collegas empenhados em que os lyceus de 2.ª classe sejam elevados á categoria de lyceus de 1.ª classe.

O que despertou em mim, sr. presidente, este conjunto de idéas foi principalmente o ter ouvido questionar tanto sobre o ensino do latim. Appareceram cavalheiros affeiçoados ao latim e outros desaffeiçoados! Como se o estudo do latim fosse objecto de gosto ou de moda (apoiados).

O estudo do latim, como diz o general Morin, que é insuspeitissimo nas questões de ensino classico e de ensino profissional; o estudo do latim é a base unica e a mais solida de todas para os estudos preparatorios de ensino superior.

O latim, como lingua que fallou o povo que aspirou ao dominio universal, como a lingua predilecta da religião catholica que aspira tambem, com muito bons titulos e direitos na minha opinião, a esse mesmo dominio; o latim, como lingua privilegiada e mãe carinhosa d'essa nobre estirpe das linguas de tantos povos; o latim não póde deixar de ser a base insubstituivel de toda a instrucção superior, quer litteraria, quer scientifica. Portanto, não é permittido dizer = gósto ou desgósto do latim =. O latim é o que é e para o que é; lá está e lá tem o seu logar na educação moral e intellectual de todos os povos cultos. Mas o general Morin, e cito sempre esta grande auctoridade como insuspeita para os classicos e para os seus antagonistas, diz em seguida ao que já citei: «Erra grosseiramente quem confunde o ensino industrial com qualquer outro ensino».

O ensino industrial differe de todos os outros ensinos, por ter de ser dado em curto praso; porque o pobre não tem tempo a perder para ganhar a sua vida, e a sociedade tem empenho humanitario e interesse material em que o operario seja educado em termos de d'elle despertar o amor do trabalho, o sentimento do bello, e a sujeição rigorosa ás regras e preceitos da arte.

Fazer isto em pouco tempo e de um modo adaptado á cultura do operario é a questão; e essa questão, altamente social, tem sido debatida largamente em todas as nações civilisadas.

Em França data de seculos. Já em 1686 o abbade Fleury lamentava o tempo que a mocidade de certas classes sociaes perdia em estudar latim.

Nós observámos como em 1763 o sr. Chalotais considerava as cousas de ensino no seu Ensaio de educação nacional, que tem intima relação com a reforma operada na nossa instrucção publica pelo grande marquez de Pombal, e como desse escripto se condemnava a tendencia abusiva para os preparatorios de ensino superior, confundindo-os com os preparatorios especialmente destinados a certas profissões.

Nós vemos o resultado do inquerito aberto em 1768 sob a inspecção do sr. Rolland, e que Malebranche exclamára — pobres creanças! que vos fazem cidadãos de Roma em vez de vos prepararem para cidadãos da França =. E na ordem d'estas idéas foram caminhando as cousas em França, até que veiu a revolução gigante. E cortou ella o nó gordio? Não, como vamos ver. É verdade que não escapou, nem podia escapar, ao parlamento francez d'aquelle tempo uma questão de ordem elevada, qual a da instrucção publica. Lá a tratou no relatorio monumental de Talleirand, e desse relatorio se inspirou a lei de 1795, que assentou as novas bases da instrucção publica em França e foi uma especie de manifesto ou declaração de guerra entre o ensino classico e ensino profissional.

Napoleão, que se fez campeão universitario, o que prova affeição ao latim, desfez aquillo que tinha feito a lei de 1795 com a lei de 1802, e já desse tempo tinham tal vigor as idéas do ensino especial que foi elle, o mesmo Napoleão, que creou a escola industrial de Chalons, por onde se mostra que elle considerava este ensino independentemente do ensino chamado profissional.

Em 1825 appareceram as chamadas tablettes universelles. Em 1833 se levantou a questão, e mais temerosa do que nunca, e o sr. Guisot tenta resolve-la por meio das aulas primarias superiores. Em 1844 o sr. Villemain, em 1847 o sr. Salvandy, em 1848 o sr. Carnot, em 1850 o sr. Parieu, depois em 1852 o sr. Fortout, e em 1862 o sr. Rolland, todos ministros de instrucção publica; e ao lado d'elles o sr. Cousin e Girardin, e outros homens eminentes da França, empenham-se muito seriamente no assumpto.

Já a camara vê que a questão entre ensino classico, profissional e industrial não é tão pouco importante que não tenha em França sido tratada seguidamente, durante annos e durante seculos, pelos primeiros homens d'aquelle grande paiz. E não obstante, está ainda por dizer a ultima palavra. Não devemos trazer para este paiz similhante questão, de maneira alguma podemos confundir-nos com a França.

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Se o ensino profissional é em França tão disputado, cá em Portugal houve sempre o ensino profissional, e o ensino classico não se julgou com isso prejudicado, e funccionou sempre dentro da sua legitima orbita. Se alem d'estes dois ensinos deve haver um outro ensino industrial, o que para mim é incontestavel, isso é que, fóra dos arsenaes e officinas do estado, não houve cá senão depois de certa epocha; porém hoje existe legalmente, não de um modo conveniente, no meu entender, mas ainda é tempo de lhe imprimir caracter vigoroso de productividade. O ensino industrial é negocio muito grave em todos os paizes. A Inglaterra tem-no tratado nos actos do parlamento de 1802, 1819, 1820, 1825, 1830 e 1831. A Belgica tem-se occupado d'elle com o maior empenho, e apesar de ser um pequeno paiz tem sessenta e nove escolas de aprendizes! A Inglaterra, que é um paiz que dispõe da força industrial de onze milhões de cavallos mechanicos, o que representa uma força de setenta e sete milhões de homens; a Inglaterra, como é logico, tem o melhor ensino industrial que se conhece em toda a Europa, e tem-no ao pé das officinas, porque ahi é que se professa o verdadeiro ensino industrial, ahi é onde devemos ir copiar empenhando todos os nossos meios n'uma racional imitação.

(Interrupção de um sr. deputado, que não se ouviu.)

O ensino agricola sim, mas eu não trato n'esta sessão do ensino agricola; isso é ponto tambem largo, e reservo-o para o anno, se eu lá chegar com vida e saude parlamentar. Occupar-me-hei um dia do modo por que se julgou imitar os estabelecimentos francezes de Grignon, Roville, Grand-Jean e Gaussaire. Sei que outros collegas tem a palavra; não faltará quem trate as muitas e gravissimas questões que levanta o capitulo que discutimos. Restringi-me ao ensino industrial fabril no meu projecto, e fui naturalmente levado a tratar muito de corrida outras questões de instrucção publica que são conjugadas. Sr. presidente, eu entendo que o ensino industrial deve ser considerado no devido ponto, no devido interesse do paiz. Se não podemos ter boas escolas de ensino industrial, não vamos crear com esse titulo escolas de theoria, que são as peiores escolas industriaes que conheço. Se é forçoso accommodar alguns individuos que necessitem de ser empregados, accommodem-se nos lyceus, nas escolas de ensino classico ou profissional, e em quaesquer outros serviços, mas pelo amor de Deus não deturpem por esse motivo uma instituição excellente, e que póde dar grande resultado pela grande acção que exerce na moralidade, na riqueza e no credito do paiz. Sr. presidente, a França tem, alem do conservatorio de artes e officios, da escola central de artes e manufacturas, tres escolas industriaes, propriamente ditas, uma em Chalons, outra em Angers, e ainda uma terceira. Alem d'estas escolas tem escolas especiaes de tecidos de seda, de tecidos de algodão, de tecidos de lã, e outras, e o que é notavel é que algumas d'estas escolas são de iniciativa individual, como é por exemplo a Martinière, chamada assim, porque o seu fundador se chamava Martin.

As tres escolas industriaes foram no tempo da moderna republica muito aggredidas mesmo dentro do parlamento. Diziam alguns deputados que os discipulos das tres escolas industriaes do governo não prestavam, porque eram maus operarios, cheios de presumpção, sabendo muitas theorias e não sabendo manejar as ferramentas, tornando-se por isso objecto de mofa nas fabricas. A isto tiveram de responder os alumnos saídos das escolas, e constituidos em associação presidida por um d'elles, o sr. Cadiat. E sabe v. ex.ª como elles se defenderam? Dizendo (cousa muito notavel, summamente notavel!) «não increpem, senhores, a instituição, a instituição é boa, os mestres é que são maus, e não ha ensino bom sem mestres bons. Como quereis que as tres escolas industriaes da França dêem bons artistas e bons fabricantes, se essas escolas têem por mestres homens que só sabem theorias, que ensinam por livros e sebentas a seu talante, e se mostram por tal modo bisonhos nas officinas, que chegam mesmo a não saberem tocar em certos apparelhos, em certos instrumentos que estão n'essas escolas, e que são objecto da admiração dos que as visitam, mas que não servem de nada para o ensino?» Isto disseram aquelles alumnos, defendendo o ensino industrial das suas escolas; e eu achei isto d'elles tão natural e tão rasoavel, e sobretudo tão applicavel ás situações de outros paizes, que até desconfiei que os rapazes lhes jogavam o epigramma (riso).

Entretanto a questão do ensino industrial ficou de pé, e depois de muitos debates ainda não está resolvida; mas o que está resolvido e assentado, e o que é tão claro, que toda a gente percebe, é que não ha ensino industrial senão junto da officina, e que se os mestres, que ensinam as theorias indispensaveis ao artista, podessem ser aquelles mesmos que dirigem as officinas, esses seriam os melhores mestres (apoiados).

Sr. presidente, o pensamento capital da reforma ultimamente feita em 1864 é bom, o que resta é engajar e crear pessoal para lhe dar execução e vida.

O orçamento no capitulo 8.º não sei se está, como disse hontem o meu talentoso collega o sr. Fradesso da Silveira, pelo systema mixto, ou se está pelo systema novo; mas em todo o caso (e vou concluir) eu aconselharia ao sr. ministro que não usasse largamente das concessões e das faculdades que o orçamento lhe dá; se s. ex.ª se não compenetra da indole exclusivamente pratica que deve ter o ensino industrial, é melhor não prover cadeiras do que prove-las mal e de modo que, em logar de ensino industrial, tenhamos mau ensino theorico, mediocre ensino theorico (apoiados). Tal é o objecto que eu digo que é muito serio e muito grave, e assumpto da proposta que entrego á consideração da camara; conterá ella defeitos, e até muitos e grandes, mas que todos os seus artigos representam e exprimem as idéas que tenho sustentado e convergem a torna-las realisaveis é aquillo em que, me parece, todos convirão.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

PROPOSTA

Proponho que a verba destinada ás despezas do ensino industrial do reino seja elevada a 85:400$000 réis, e applicada nos termos do adjunto projecto de lei que submetto ao exame da camara. = O deputado, B. J. Garcez.

PROPOSTA DE PROJECTO DE LEI

TITULO I

Do ensino industrial

CAPITULO I

Disposições preliminares

1.º São conservados e reformados, nos termos da presente lei, os institutos industriaes de Lisboa e Porto, e n'esses mesmos termos creados institutos industriaes nas cidades de Portalegre, Guimarães, Leiria, Faro e na villa da Covilhã.

§ 1.º Opportunamente se proverá com institutos de igual natureza ao ensino industrial nas terras onde a industria fabril tenha notavel desenvolvimento, segundo as circumstancias e condições especiaes de cada localidade.

§ 2.º O ensino industrial é destinado á educação especial das classes operarias; será dividido em ensino profissional, e ensino de officina, e nos tres seguintes graus aos institutos industriaes de Lisboa e Porto, e nos dois primeiros d'esses graus em todos os mais institutos industriaes do reino.

I Official de artes mechanicas ou chimicas;

II Mestre, idem;

III Director industrial.

3.º O ensino profissional é theorico, e abrangerá as doutrinas estrictamente necessarias, e de essencial applicação aos trabalhos fabris do instituto, ou especiaes da localidade onde o instituto for situado. O ensino de officina é pratico, e terá por objecto formar operarios habeis, e divulgar os processos mais perfeitos e de mais reconhecido proveito industrial.

§ 1.º. Regulamentos especiaes prescreverão as regras de ensino em cada instituto do reino.

4.º Os productos fabris das officinas dos institutos de ensino industrial, que não forem destinados, ou applicaveis ao serviço do estado, serão exportados para mercados onde não concorra a industria fabril do paiz, ou por conta do governo, ou das pessoas a quem forem vendidos em hasta publica com aquella expressa clausula. E quando por qualquer circumstancia não tenham os ditos productos, logo depois do fabrico, destino legal, serão armazenados até que o tenham, ou sejam inutilisados, em termos que não façam, em caso algum, concorrencia com os productos da industria nacional.

5.º O governo proverá os institutos industriaes do reino, do pessoal necessario e devidamente habilitado para ambos os ensinos, nos termos dos artigos 2.º e 3.º, podendo escolher esse pessoal dentro ou fóra do paiz, sem que a nacionalidade seja condição forçada da escolha. Tambem o governo proverá os ditos institutos de machinas, apparelhos, ferramentas e materiaes, tanto de procedencia nacional como estrangeira, segundo for reclamado pelos ensinos theorico e pratico, e dentro da auctorisação orçamental.

6.º Os institutos industriaes do reino passarão cartas de habilitação dum ou mais graus do ensino respectivo, e bem assim folha corrida de conducta, aos alumnos approvados. Por cada grau de ensino pagará o alumno 2$400 réis de emolumentos. Poderão igualmente passar certidões de preferencia aos alumnos que a tiverem, e por qualquer motivo não tenham obtido approvação. Por cada certidão pagará o alumno de emolumento 600 réis. Os primeiros serão admittidos com preferencia na qualidade de operarios, e na respectiva classe em todas as officinas do governo, que reclamem taes operarios para o serviço publico.

TITULO II

CAPITULO II

Do ensino profissional

7.º O ensino do 1.º grau comprehende:

1.ª cadeira — Noções elementares de arithmetica, de algebra e de geometria;

2.ª cadeira, 1.ª parte — Noções elementares de mechanica;

3.ª cadeira — Desenho linear, e de ornatos industriaes.

§ 1.º Este curso durará dois annos, e terá duas aulas nas quaes o ensino durará uma e meia horas em cada uma, todos os dias não santificados, de manhã duma das aulas antes de começar o trabalho das officinas, de noite na outra aula depois de fechadas as officinas.

8.º O ensino do 2.º grau comprehende, alem das disciplinas que constituem o ensino do 1.º grau, nos termos do artigo antecedente:

2.ª cadeira, 2.ª parte — Principios de mechanica industrial;

4.ª cadeira, 1.ª parte — Elementos de geometria descriptiva applicada ás artes;

5.ª cadeira, 1.ª parte — Noções elementares de physica e chimica;

6.ª cadeira, 1.ª parte — Desenho de modelos e machinas.

§ 1.º Este curso durará dois annos, e será ministrado o ensino por modo analogo ao prescripto no artigo antecedente para o 1.º grau.

9.º Nos institutos industriaes de Portalegre, Guimarães, Leiria e Faro, e em todos os mais que posteriormente se estabelecerem fóra das cidades de Lisboa e Porto, serão supprimidas, em conformidade do disposto na ultima parte do artigo 2.º, a 4.ª e 6.ª cadeiras, e substituidas as disciplinas da 4.ª por maior desenvolvimento no ensino das da 2.ª cadeira, e as da 6.ª cadeira por maior desenvolvimento no ensino das da 3.ª do 1.º grau, que frequentarão os alumnos do 2.º grau. Esse desenvolvimento no ensino das disciplinas das 2.ª e 3.ª cadeiras terá em vista o maximo aproveitamento ás industriaes especiaes da localidade do instituto.

10.º O ensino do 3.º grau nos institutos industriaes de Lisboa e Porto, comprehende, alem das disciplinas que constituem o ensino do 2.º grau d'esses institutos, nos termos do artigo 8.º:

4.ª cadeira, 2.ª parte — Geometria descriptiva.

5.ª cadeira, 2.ª parte — Desenho de machinas, e pratica de instrumentos.

6.ª cadeira, 2.ª parte — Chimica applicada ás artes.

7.ª cadeira, 2.ª parte — Mechanica industrial, e serviço das machinas de vapor fixas, locomotivas e locomoveis.

§ 1.º Este curso durará dois annos, e será ministrado o ensino por modo analogo ao prescripto no artigo 7.º

11.º Os exames finaes nos cursos do 1.º, 2.º. e 3.º graus do ensino profissional serão no mez de setembro de cada anno; durara o exame de cada alumno admittido a elle hora e meia: metade d'este tempo destinado a provas por escripto, e a outra metade ao exame oral: as primeiras em ponta tirado á sorte, e o segundo, será vago.

§ 1.º Os regulamentos marcarão as regras de apuramento dos valores de cada exame, os exercicios de frequencia e as condições de admissibilidade.

CAPITULO III

Do ensino de officina

12.º O ensino de officina será nos institutos industriaes de Lisboa e Porto:

I De forja;

II De fundição e moldagem;

III De serrelharia e ajustamento;

IV De torno e modelagem;

V De caldeiraria e funilaria;

VI De marceneria e carpinteria;

VII De manipulações chimicas;

VIII De artes ceramicas. 1

Nos institutos de Portalegre e da Covilhã:

I De fiação e tecido de lã;

II De manipulações chimicas.

No instituto de Guimarães:

I De fiação e tecido de algodão, idem de linho, idem de seda;

II De serralheria e cutelaria;

III De manipulações chimicas. Nos institutos de Faro e Leiria:

I De forja e fundição de metaes;

II De artes cerâmicas;

III De manipulações chimicas.

§ 1.º Nos institutos industriaes que se crearem doutras terras do reino, o ensino pratico terá logar em officinas de trabalho adequado ás condições de localidade, e poder-se-hão para esse fim aproveitar os estabelecimentos de industria particular, mediante uma gratificação convencionada. Tambem nos institutos industriaes de Portalegre, Covilhã e Guimarães se poderá provisoriamente recorrer a esse systema de ensino pratico emquanto não forem convenientemente montadas as officinas especiaes.

13.º Os cursos praticos de officina durarão dois annos em cada um dos graus do ensino, e obrigam a sete horas de trabalho diario em todos os dias não santificados. Os exames serão feitos no mez de outubro de cada anno, constarão de provas praticas, sujeitas a perguntas que sobre ellas faça o jury de exame.

§ 1.º Os regulamentos de cada instituto marcarão as horas de entrada e saída para as officinas, as condições de admissibilidade a exame, e as regras a seguir para apurar os valores de approvação.

14.º Para cursar o ensino pratico do 3.º grau, é necessario approvação no 2.º dito, e para cursar o ensino pratico do 2.º grau, é necessario approvação no 1.º dito. As approvações no ensino pratico são independentes das do ensino profissional. Se o alumno por approvado no ensino pratico, e reprovado no ensino theorico, passar-se-lhe-ha certidão de approvação d'aquelle ensino sem se fazer menção da reprovação no ensino theorico. Estas certidões não são as cartas de que trata o artigo 6.º que só competem aos que completam os cursos theorico-praticos.

15.º Nenhuma retribuição é devida aos alumnos dos institutos industriaes do reino pelo trabalho da officina durante o ensino. Poder-se-lhe-ha, comtudo, no ensino do 2.º e 3.º grau abonar essa gratificação, segundo o merecimento do respectivo trabalho julgado pelo director do instituto.

16.º É inteiramente livre ao alumno a escolha do officio que se propõe aprender, e tambem o mudar de um para outro officio durante o 1.º anno do curso do 1.º grau de ensino industrial. Porém se não escolher um officio qualquer, esse lhe será marcado pelo director do respectivo instituto como condição forçada de frequencia, salvo quando o alumno for externo e authenticamente provar que trabalha em officina particular de qualquer especialidade de trabalho.

TITULO III

CAPITULO IV

Da admissão, direitos e deveres dos alumnos

17.º Os alumnos dos institutos industriaes do reino serão ordinarios, voluntarios, ou ouvintes registados. Os primeiros poderão nos institutos de Lisboa e Porto ser internos ou externos; os voluntarios e ouvintes registados serão sempre externos. Nos demais institutos do reino todos ou alumnos serão externos.

§ 1.º Alem dos alumnos ordinarios, voluntarios, ou ouvintes registados, as aulas dos cursos profissionaes poderão ser frequentadas por quaesquer individuos. Essas aulas são

1 Alem d'estas officinas haverá no instituto industrial do Lisboa uma officina de instrumentos de precisão, officina que pouco despende, e tem receita propria.

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publicas, as officinas não o serão, e só poderão ser visitadas quando os visitantes tenham passe ou licença do director do instituto.

18.º Os alumnos ordinarios seguirão os cursos dos differentes graus de ensino industrial, segundo a ordem estabelecida nos capitulos 2.º e 3.º; é-lhes comtudo permittido cursar qualquer dos graus de ensino, mediante approvação nos anteriores, ainda quando se tenha habilitado para essa approvação fóra dos institutos, ou n'um instituto diverso d'aquelle em que forem admittidos na classe de ordinarios.

19.º Os alumnos voluntarios terão a liberdade de se matricularem nas cadeiras do ensino profissional e nas officinas de ensino pratico que entendam lhes convem. Serão sujeitos a todas as prescripções regulamentares do ensino, como os alumnos ordinarios, menos á de fazer acto.

§ 1.º Quando pretendam fazer acto, só poderão ser a elle admittidos, tendo sido approvados nas disciplinas preparatorias, segundo a ordem regular dos estudos estabelecida no capitulo 2.º, e de pratica de officina estabelecida no capitulo 3.º

20.º Os alumnos ouvintes registados são inteiramente livres, e sómente sujeitos aos deveres de disciplina dentro dos institutos.

21.º São admissiveis a matricula, como ordinarios no 1.º grau de ensino industrial em todos os institutos do reino, os jovens nas seguintes condições:

1.ª Mais de doze annos e menos de vinte annos de idade;

2.ª Nenhuma molestia contagiosa;

3.ª Saber ler, escrever e contar correntemente;

4.ª Pagar 1$200 réis de emolumento.

A primeira das referidas condições será comprovada por documento, a 2.ª e 3.ª verificada em exame de admissão, e a 4.ª pelo correspondente pagamento.

22.º São admissiveis a matricula, como voluntarios no 1.º grau de ensino industrial em todos os institutos do reino, os jovens nas seguintes condições:

1.ª Mais de doze annos de idade;

2.ª Nenhuma molestia contagiosa;

3.ª Pagar 10200 réis de emolumento.

23.º São admissiveis como internos nos institutos industriaes de Lisboa e Porto, todos os jovens admissiveis a matricula na classe de ordinarios, que ás condições do artigo 21.º juntarem a de pagar a mensalidade de 40800 réis e a de terem o enxoval que marcarem os regulamentos.

24.º Serão admittidos como alumnos ordinarios internos nos institutos industriaes de Lisboa e Porto os jovens que annualmente o governo ali subsidiar, ou que sendo subsidiados pelas juntas de parochia, camaras municipaes ou juntas de districto, e provincias do ultramar, o governo mande admittir.

25.º São admissiveis na inscripção de ouvintes registados todos os individuos que não tiverem molestia contagiosa.

26.º São admissiveis a matricula no 2.º grau de ensino industrial em todos os institutos do reino, os individuos que n'algum dos referidos institutos houverem tido approvação no 1.º grau do mesmo ensino. Esta matricula no 2.º grau terá logar na mesma classe em que o alumno tiver cursado o 1.º grau. Não será permittido transitar da classe de voluntario para a de ordinario sem preenchimento das condições do artigo 21.º em relação ao 1.º grau de ensino. É, todavia, licito transitar da classe do ordinario no 1.º grau para a de voluntarios no 2.º dito.

27.º São admissiveis a matricula no 3.º grau de ensino industrial nos institutos de Lisboa e Porto:

I Todos os alumnos que na classe de ordinarios houverem sido approvados com distincção nas disciplinas do ensino do 1.º e 2.º graus n'algum dos institutos do reino.

II Todos os individuos que se sujeitarem aos exames e provas nas ditas disciplinas do 1.º e 2.º grau, e forem approvados, e reunirem as condições 2.ª e 4.ª do artigo 21.º

28.º Todos os alumnos de 3.º grau do ensino industrial nos institutos de Lisboa e Porto, serão externos, salvo disposição contraria do governo a favor de alumnos mui distinctos nos cursos de 1.º e 2.º grau.

29.º Os alumnos ordinarios concluirão o curso de 1.º grau de ensino industrial em tres annos impreteriveis; e o de 2.º grau industrial, em cinco annos impreteriveis. Os que assim o não fizerem só poderão cursar os institutos na classe de voluntarios, e em caso algum na de internos nos institutos de Lisboa e Porto.

30.º A irregularidade de conducta, quebra de disciplina, e falta de applicação serão punidos:

I Com admoestação reservada;

II Com admoestação publica;

III Com prisão nos dias santificados;

IV Com expulsão, alem das penas da lei nos casos de delicto ou crime.

31.º Nenhum mau tratamento corporal, insultuoso ou aviltante é permittido para com os alumnos dos institutos industriaes. A educação moral e industrial tenderá ali a fortalecer nos alumnos o sentimento da religião, a pratica das virtudes e o amor do trabalho e da gloria.

32.º Nos institutos industriaes de Lisboa e Porto terão os alumnos internos, alojamento commodo, vestuario limpo, e tres comidas diarias abundantes e sadias. Nas horas de descanço ser-lhe ha franca a entrada para estudo na bibliotheca e museus dos mesmos institutos.

§ 1.º Os regulamentos marcarão as horas a que os alumnos devem levantar-se, resar, lavar-se, estudar, trabalhar nas officinas, passear e descansar, e bem assim os exercicios religiosos e passeios e distracções dos dias santificados.

33.º Os paes ou tutores dos alumnos internos dos institutos industriaes de Lisboa e Porto, poderão a qualquer tempo pedir a saída dos referidos alumnos: se esta houver logar sem ser por motivo de molestia, não serão readmittidos.

34.º Perde o anno do curso o alumno voluntario ou ordinario que commetter faltas que excedam á terceira parte do tempo de ensino annual.

TITULO IV

Da administração

CAPITULO V

Do conselho director do ensino industrial

35.º Haverá em Lisboa um conselho superior de ensino industrial presidido pelo ministro das obras publicas, commercio e industria, e no seu impedimento pelo director geral do commercio e industria, e composto d'este director geral, do chefe da repartição das artes e manufacturas do director do instituto industrial de Lisboa, e de dois vogaes, e dois supplentes, eleitos pelo centro promotor da industria, e quando por qualquer motivo não sejam eleitos, nomeados pelo governo entre os fabricantes do reino. Competirá a este conselho a approvação dos methodos de ensino theorico e pratico, nos cursos profissionaes e de officinas dos differentes institutos industriaes do reino, e o exame de todos os progressos da industria, approvados pelo ensino industrial dentro ou fóra do paiz.

CAPITULO VI

Do pessoal docente e administrativo

36.º No instituto industrial de Lisboa e Porto:

I Um director do instituto;

II Um perfeito que substituirá o director, e será director do museu.

III Um secretario que será bibliothecario;

IV Um lente commissionado em cada cadeira;

V Um dito substituto idem para as cadeiras de sciencias exactas;

VI Um dito idem idem para as cadeiras de sciencias physicas;

VII Um dito idem idem para ditas de desenho;

VIII Um mestre director de cada officina;

IX Um contramestre para cada officina;

X Operarios, fieis e moços indispensaveis para o ensino, trabalho e policia.

O mesmo no instituto industrial do Porto.

Nos institutos industriaes de Portalegre, Covilhã, Guimarães, Faro e Leiria, haverá um pessoal similhante em cada um d'elles, segundo a sua organisação particular e especialidade dos trabalhos de officina.

37.º Todos os empregados, lentes e mestres servirão por commissão, e por nomeação do ministro das obras publicas, sendo para a nomeação de todos, menos o director, ouvido consultivamente o conselho do respectivo instituto.

38.º Os lentes que contarem dez annos de bom serviço no professorado, incluindo o serviço de substitutos, serão, quando exonerados do mesmo, abonados com metade do respectivo ordenado fixo. Se contarem vinte annos idem idem, serão abonados com o dito ordenado por inteiro. Se contarem trinta annos idem idem, serão abonados com o dito ordenado e mais um terço d'elle.

39.º Para o provimento das cadeiras de ensino profissional nos institutos industriaes do reino são habeis todos os individuos approvados com distinção nas disciplinas que constituem o dito ensino em qualquer escola nacional ou estrangeira; terão preferencia aquelles que tiverem obtido essa approvação na escola central de artes e manufacturas de París, ou nalguma das escolas de artes e officios da França, e tenham pratica do ensino industrial.

40.º Os vencimentos dos empregados, lentes e mestres dos institutos industriaes de Lisboa e Porto, serão os constantes da tabella infra. As tres quartas partes d'esses vencimentos serão os que competem aos empregados, lentes e mestres dos outros institutos industriaes do reino.

Director, gratificação — 600$000 réis.

Prefeito, ordenado — 480$000 réis.

Lente proprietario ou substituto, idem — 240$000 réis — gratificação — 1$200 réis por lição.

Mestre de officina, idem — 240$000 réis — idem proporcional ao trabalho semanal.

Contramestre, idem — 192$000 réis — idem — idem idem.

Secretario, idem — 300$000 réis.

Guardas, operarios, moços — o preço do jornal.

CAPITULO VII

41.º Haverá em cada um dos institutos industriaes do reino um conselho escolar presidido pelo director, e composto de todos os lentes e mestres de officina; ao qual conselho incumbe:

I Formular os programmas de ensino profissional, de accordo com as indicações do conselho superior;

II Discutir e adoptar todos 03 melhoramentos do ensino pratico, e alterar para esse fim os regulamentos e propor as reformas que dependerem de approvação superior;

III Examinar as contas da gerencia annual, e fazer subir quanto a ellas quaesquer observações ao conhecimento do governo;

IV Votar a expulsão da escola nas graves transgressões de disciplina por parte dos alumnos.

42.º Aos directores industriaes, compete:

I A direcção technica e industrial do ensino;

II A manutenção da ordem, disciplina e observancia das leis;

III O promover o progresso de ensino industrial, e o aperfeiçoamento moral dos alumnos do instituto;

IV O fazer cumprir a todos os empregados no ensino industrial os seus deveres, suspendendo os vencimentos a todos aquelles que os não cumprirem, e dando parte ao governo, para se prover promptamente de remedio, ás necessidades do ensino;

V Tornar rendoso e productivo o trabalho das officinas, sem prejuizo do melhor ensino industrial e que primeiro do que tudo cumpre attender;

VI Punir as transgressões até á pena de expulsão da escola, caso em que tem de consultar o conselho;

VII Consultar o governo sobre todos os pontos de melhoramento e progresso industrial;

VIII Dar todo o auxilio que lhe pedirem os directores dos outros institutos industriaes, quando esse auxilio esteja na sua alçada.

43.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da camara dos deputados, 19 de maio de 1866. = O deputado por Trancoso, Belchior José Garcez.

Foi enviada á commissão de fazenda.

O sr. Mello Soares (para um requerimento): — Requeiro que v. ex.ª consulte a camara, sobre se quer que se prorogue a sessão até se votarem os tres capitulos restantes do orçamento ordinario do ministerio das obras publicas.

Vozes: — Não póde ser.

Posto a votos este requerimento, foi approvado por 47 votos contra 44.

(Rumor.)

O sr. Falcão da Fonseca: — Peço a contra prova: ha duvidas sobre a votação.

O sr. Mello Soares: — Isso não póde ser.

Vozes: — Póde, póde.

O sr. Barros e Sá: — Não póde ser: é duvidar da mesa.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Fradesso sobre a materia (apoiados).

O sr. Falcão da Fonseca: — V. ex.ª não admittiu o meu requerimento?

O sr. Presidente: — Está prorogada a sessão, e tem a palavra o sr. Fradesso.

O sr. Fradesso da Silveira: — Quero acreditar que estavam 90 deputados na casa...

Uma voz: — Não estavam.

O Orador: — Quero acreditar que estavam. Devo acreditar que estavam. A mesa de certo contou bem (apoiados).

Portanto, a sessão proroga-se, os tres capitulos que faltam hão de ser discutidos, cada um dirá o que tem a dizer, e sairemos d'aqui talvez ámanhã (apoiados).

Tinha eu a intenção de ser breve, e durante a discussão d'este orçamento tenho dado provas d'isso, mandando para a mesa propostas e desistindo de as fundamentar. Tinha eu, ainda ha pouco, a intenção de mandar tambem estas propostas sem as fundamentar; comtudo, uma d'estas observações feitas pelo illustre deputado o sr. Garcez, e por outra parte esta recentissima resolução da camara, convidam-me a fazer algumas observações, e a dizer mais do que tencionava dizer.

A camara está resolvida a conservar-se reunida emquanto se não acabar a discussão d'este orçamento, e por isso teremos o tempo preciso para dizer tudo quanto for conveniente.

O ensino technologico applicado á agricultura ou ás artes, está comprehendido n'este capitulo. A historia d'este ensino em Portugal é uma historia que muito convem trazer á memoria da camara, e eu peço licença para recordar aos meus collegas os principaes factos de que ella se compõe.

O ensino industrial no nosso paiz teve principio, sem duvida, no tempo do marquez de Pombal.

O ministro d'El-Rei D. José, querendo organisar a industria, querendo estabelecer o ensino pratico industrial, mandou vir de fóra alguns mestres habilitados nas differentes artes, instituiu fabricas por conta do paiz em diversos pontos do reino, promoveu o seu desenvolvimento e publicou regulamentos especiaes. Era esta a melhor maneira de applicar a iniciativa do estado, preparando elementos, que a iniciativa particular devia tomar depois para fundamento de suas emprezas.

Não havia aulas theoricas, mas havia aulas praticas que eram dirigidas por homens competentes, devidamente habilitados com as noções theoricas e a pratica que a sua missão requeria.

Estes homens, cujos nomes respeitaveis nós todos conhecemos; estes estrangeiros, cujos descendentes são patricios nossos, collocados nas mais altas regiões sociaes, dirigiram habilmente as officinas de que tinham sido incumbidos, e o ensino industrial estabeleceu-se no reino na maxima perfeição compativel com o estado das sciencias e das artes n'essa epocha, e com o desenvolvimento da nossa civilisação.

Basta recordar este facto para que ninguem conteste que devemos tributo de profunda gratidão á memoria do marquez de Pombal. O ensino technologico, entre nós, racional e methodico, teve origem no fim do seculo passado, quando era ministro aquelle que ninguem depois imitou!

O illustre deputado, que me precedeu, fez varias observações sobre o ensino profissional em França. Eu limitarei, as reflexões á consideração do que é nosso.

Depois da epocha em que foram estabelecidas as escolas do marquez de Pombal, que eram officinas, que eram fabricas, em que o operario e o mestre se habilitavam praticamente, decorreu um periodo, e largo periodo, em que o ensino theorico desappareceu, e em que tambem desappareceu o ensino pratico.

Foi um periodo fatal para a industria. Um famoso tratado de commercio abriu os nossos mercados aos productos inglezes, e fechou as portas das fabricas, deixando o paiz em penuria.

Levantou-se a industria depois, mais tarde, muito tarde, a custo, com sacrificio, superando enormes difficuldades no tempo de Passos (Manuel). A este illustrado cidadão, ás

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providencias que ordenou como secretario d'estado, devemos a restauração de algumas antigas fabricas decaídas, e a creação de muitas fabricas novas.

Passos Manuel, cuja memoria todos respeitâmos, não foi comprehendido então inteiramente. A industria resurgiu protegida, mas a protecção pela pauta não devêra ser unica; e foi unica, porque o ensino industrial faltou.

O conservatorio de artes e officios, creado por aquelle illustrado ministro, era, ou devia ser, estabelecimento destinado ao ensino theorico e pratico de mestres, operarios e artistas; começou apenas a ser museu mal dirigido, e acabou por ser um instituto inutil, porque não comprehenderam para que servia, porque não souberam accommoda-lo ás necessidades e aos interesses da industria.

Os governos que succederam ao de Passos Manuel não entenderam bem qual tinha sido o seu pensamento. Mais de uma vez m'o confessou elle, e me disse magoado que = lamentava a sorte do conservatorio, que tinha creado, para ser cousa mui differente do que ficára sendo nas mãos de quem lhe não conhecia o valor =.

Quando eu, em 1844, tive de inspeccionar officialmente esse conservatorio, quando o governo pretendia annexa-lo a uma escola, verifiquei a exactidão do que me dissera aquelle que o tinha fundado. Sete annos depois descobriu-se que o pensamento iniciador ficára sem desenvolvimento, abandonado, perdido, com grave prejuizo para as artes, com grave descredito para o paiz!

Depois d'isso veiu em 1852 a reforma com a creação do instituto industrial; creou-se o ensino theorico ao lado da officina, como disse o illustre deputado que me precedeu; creou-se o ensino theorico ao lado do ensino pratico, mas deu se-lhe, a meu ver, uma direcção errada, porque nós, que dotámos sempre com admiravel mesquinhez os nossos estabelecimentos de certa ordem, tambem não dotámos este com os meios necessarios para o seu desenvolvimento.

O instituto industrial portanto, em penuria de meios para desenvolver o ensino theorico e pratico, viu se obrigado a fazer da industria uma especulação, com pouco resultado é verdade; e em vez de trabalhar, dando ao trabalho as tendencias necessarias para propagar as noções que era conveniente propagar entre os operarios, desceu ao trabalho das fabricas, e procurou vender os seus productos, concorrendo com ellas!

D'ahi resultou um clamor justificado contra o estabelecimento, e o governo entendeu que devia modificar a sua organisação evitando assim a continuação das queixas.

O ensino theorico ficou, mas as officinas separaram se. Foi exceptuada apenas a officina de instrumentos de precisão.

Depois o ensino industrial continuou até 1864, tendo simplesmente dois institutos, um em Lisboa e outro no Porto, com escassez de tendencias praticas, com organisação defeituosa para o ensino technologico, para o qual estão ambos em circumstancias desfavoraveis, não por falta de Capacidade e intelligencia de quem os rege; não por falta de habilitações dos corpos docentes, mas por falta de meios, e por falta de organisação adaptada ao ensino pratico.

Em 1864 intentou-se uma nova organisação. O ministro, que estava n'aquella cadeira, entendeu que devia reformar o ensino industrial, e reformou este serviço como reformou tudo.

Eu não faço a discussão da reforma, o que entendo é que as intenções do illustre deputado não foram realisadas por ella, que o fim que s. ex.ª indicou ha pouco não foi alcançado por essa reforma que ahi está em vigor.

O illustre deputado acabou o seu discurso, recommendando ao governo que não usasse das faculdades concedidas pela lei do orçamento creando escolas novas, sem direcção pratica, e convidou o sr. ministro a tomar as medidas que tivesse por acertadas para não dar uma direcção falsa ao ensino; e eu creio que a sua observação é applicavel especialmente ás sacolas que estão aqui na secção 2.ª d'este orçamento; que é a escola industrial de Guimarães, a da Covilhã, e a de Portalegre.

O sr. Belchior Garcez: — Ao menos essas.

O Orador: — Não está creada nenhumas d'estas escolas de que trata o orçamento, diz o illustre deputado. Não ha escola em Portalegre, não ha escola na Covilhã, não ha escola em Guimarães.

Está aqui a verba para as escolas, não ha as escolas para as quaes é a verba.

O sr. Belchior Garcez: — S. ex.ª lembre-se do meu pedido.

O Orador: — O pedido do illustre deputado parece-me que se póde apresentar como indicação ao governo, ácerca da necessidade de pensar primeiro na melhor organisação do ensino.

O illustre deputado quer que o governo, em vez de collocar individuos nos empregos, só para ter o gosto de lhes conceder ordenados, cuide com escrupulo, activamente, e com dedicação na melhor maneira de realisar o ensino theorico e o pratico.

Do ensino pratico não temos cuidado. Quando se olha para a Covilhã, uma das povoações d'este reino que eu mais aprecio e que merece a estima de todos; quando se vê que ali ha uma falta, entre todas, sensivel para a instrucção dos operarios; quando se nota que ha ali uma falta para o desenvolvimento das fabricas, que deve considerar-se como a primeira de todas as faltas; quando se observa que não ha conhecimentos de chimica applicada á tinturaria, primeira necessidade das fabricas d'essa localidade (apoiados), que esperança podemos nós ter na escola que se decreta, e que servirá talvez sómente para dar subsistencia a um infeliz desempregado?

Faltam lá conhecimentos theoricos de chimica applicada á tinturaria, e falta principalmente a pratica, o que se aprende nos laboratorios especiaes, o que nas aulas ninguem póde aprender e ninguem póde ensinar. Com o dinheiro destinado para a escola porque não dotaremos um laboratorio? Estabelecimento d'esta ordem, bem dirigido, daria muito mais resultados do que todas quantas escolas se mandassem para lá, ainda que ali fossem destinadas a ensinar chimica theorica e pratica. Uma aula de mechanica pratica, dirigida por um habil machinista, capaz de bem desempenhar a sua missão, seria tambem ali de grande utilidade, faria muito mais serviço do que a escola em que se fosse ensinar theoricamente, em que, por exemplo, se ensinasse a mechanica racional. Não sei o que pretendem fazer. O que faço, porque tenho conhecimento da localidade e de suas mais urgentes necessidades, é pedir aos poderes publicos que não desprezem aquella povoação importante, em que a nossa industria floresce, que mandem para lá homens praticos, muito intelligentes, e que não criem escólas sómente para dar emprego aos necessitados.

Em Guimarães a industria é outra, em Portalegre tambem a industria é outra, as necessidades são outras. A industria de Portalegre é igual á da Covilhã, mas os elementos são diversos; ahi não faltam, como alem, os conhecimentos theoricos e praticos da tinturaria; faltara outros, e a esses é mister attender. As escolas hão de adaptar-se ás necessidades de cada localidade e de cada industria, as escolas hão de seguir cada uma o seu typo; não é possivel apresentar um só typo para todas as escolas, e dizer que este typo serve para todo o paiz.

Em uma povoação, onde se fabricam vidros, estabelecer uma escola da mesma indole d'aquellas que é preciso estabelecer em um paiz onde se fabricam pannos, seria cousa desarrasoada. Quem olhar para o ensino industrial com o devido cuidado, ha de ver que é necessario attender ás circumstancias de cada localidade, e não estabelecer uma regra geral, que daria logar a grandes inconvenientes para o paiz e para os industriaes.

Temos para o ensino industrial estas verbas que estão aqui no orçamento. É preciso que ellas sejam applicadas pela maneira mais util. Sabemos que nos faltam conhecimentos especiaes technologicos; sabemos que para o progresso da nossa industria são essenciaes esses conhecimentos, tratemos pois de applicar o dinheiro do estado da melhor maneira possivel, para satisfação da primeira necessidade das fabricas.

Quando se quer que a industria caminhe e se lhe diz: «Vamos retirar esta protecção, porque já não é precisa», digo eu — retirae a protecção, mas antes d'isso dae-lhe a instrucção de que ella carece e os elementos de que precisa. Depois de lhe serem fornecidos esses elementos, retire-se-lhe a protecção, porque já não é necessaria. Emquanto se se derem sómente promessas; emquanto se annunciarem os capitaes no Diario de Lisboa; emquanto se annunciarem no papel as escolas que devem ser creadas, e que nunca se criam; emquanto no papel sómente lhe dermos estradas, é de certo inutil querer que a industria se desenvolva, porque não se póde desenvolver.

Estas considerações foram naturalmente suscitadas pelas observações que fez b meu amigo, o sr. Belchior José Garcez. Ha outras que são provocadas pelo proprio orçamento e que dão origem ás propostas que eu faço.

Na secção 5.ª do artigo 8.º está uma verba de 8:000$000 réis destinada para exposições geraes, provinciaes e especiaes. É esta verba destinada a subsidiar as exposições geraes do paiz, as exposições provinciaes e locaes.

A minha proposta é para que se declare que esta verba de 8:000$000 réis tambem póde ser applicada ás exposições internacionaes. Creio eu que ha conveniencia em se declarar n'esta secção que a verba póde ser para exposições internacionaes.

O caso vae dar-se.

Está annunciada uma exposição internacional para o anno proximo. A esta exposição necessariamente o governo terá que mandar alguma commissão, e o governo já fez uma proposta sobre que a camara ha de brevemente dar o seu voto. Ora parece-me que uma vez que ha no orçamento uma verba destinada para exposições, não deixaria de ser conveniente que uma parte d'ella fosse destinada para exposições internacionaes, e assim ficaria o governo habilitado a subsidiar sociedades agricolas.

Supponhamos que em 1867 não ha exposições geraes, nem districtaes, nem locaes no paiz, como é de uso quando ha uma exposição internacional. Não é costume haver outras exposições quando todos os povos são chamados a uma exposição internacional.

Não póde a verba ser n'este caso destinada para a exposição internacional servindo como subsidio ás sociedades agricolas? Parece-me que esta verba de 8:000$000 réis poderia utilmente servir no anno proximo, sendo como eu digo applicada em beneficio das sociedades agricolas.

Espero que a camara tomará em consideração esta minha proposta, que é para habilitar o governo a dar direcção conveniente a esta verba que indico, porque segundo a lei o governo não póde fazer a transferencia sem esta auctorisação, que de nós todos depende.

Não peço que seja exclusivamente destinada para as exposições internacionaes, mas peço que se considerem as internacionaes juntamente com as exposições geraes, provinciaes e locaes, porque na falta de umas applica-se para outras.

Tenho tambem a seguinte proposta ao artigo 18.º (leu.)

A outra indicação que tenho a fazer é que no artigo 18.º sejam estabelecidas as secções correspondentes á 5.ª, 6.ª, 7.ª e 8.ª do artigo 17.º, as quaes de certo por esquecimento deixaram de figurar no logar competente.

Eu me explico, e para isso vou dizer quaes são as secções 5.ª, 6.ª, 7.ª e 8.ª do artigo 17.º

A secção 5.ª trata de exposições, a 6.ª de concursos, a 7.ª de estudos em paizes estrangeiros, e a 8.ª de despezas diversas.

Parece que na organisação d'este orçamento houve quem Se lembrasse muito da agricultura, e que a industria não teve protector desvelado.

Para a agricultura, para os estudos que promovam os progressos agricolas do paiz, estudos que eu aliás considero importantissimos, para estudos de primeira ordem temos nós as verbas todas que estão indicadas nas diversas secções, de modo que para exposições são 8:000$000 réis, para recompensas e premios de honra em concursos 4:000$000 réis, para estudos em paizes estrangeiros, subsidio a dois individuos 1:500$000 réis, e para estudos no paiz, subsidio a publicações periodicas de sociedades agricolas, e compra de livros e instrumentos 4:500$000 réis.

De maneira que se attendeu a tudo. Attendeu-se não só ao ensino agricola, mas tambem ao que é essencial para completar esse ensino, porque depois do ensino agricola vem as exposições, os premios de honra em concurso, o estudo em paizes estrangeiros, e nas despezas diversas o auxilio ás publicações, que me parecem indispensaveis.

Applaudo estas quatro secções; applaudo estas quatro verbas que me parecem convenientissimas para o progresso agricola, e tanto assim é que, se ellas aqui não estivessem, propunha eu que se collocassem n'este logar; mas, depois de ter visto n'este artigo o que diz respeito ao ensino agricola, pergunto porque ficou desconsiderada a industria?

Pois a industria d'este paiz não merece que tambem se lhe abone uma verba para exposições? Pois as exposições que temos feito são todas agricolas? Pois pela maior parte não serão ellas exposições industriaes?

Quem fez o orçamento esqueceu-se de dar ao menos uma pequena verba para exposições industriaes, quando se sabe que o governo tem subsidiado exposições d'estas; quando se sabe que, se tem havido algumas melhores ou peiores, tem sido todas subsidiadas. Só por esquecimento é que deixou de apparecer uma secção symetrica com esta que vem no artigo 17.º, o qual diz respeito ao ensino agricola.

Depois de considerada esta secção, vamos á outra; vamos á que trata de recompensas e premios de honra em concurso.

Havemos de dar premios de honra ao agricultor, e havemos de deixar sem premios de honra aquelles que promoverem os progressos da industria?

Pois ha de a agricultura ter o exclusivo das recompensas? Ha de haver premios só para ella, e não os ha de haver para a industria?

Ha de a industria distinguir-se, empregando capitaes e esforços, e procurando por todos os meios fazer com que o paiz fique dotado de certas producções que não tinha, e ha de haver recompensas só para a agricultura?

Isto é uma grave injustiça.

Agora emquanto á outra parte — á dos estudos em paizes estrangeiros; ou estes estudos são necessarios ou não o são. Se elles são necessarios para o progresso da agricultura, e se o governo por isso vae subsidiar dois individuos que vão estudar a agricultura fóra do paiz, porque não ha de subsidiar individuos que vão estudar as industrias?

Eu não tenho em geral grande confiança n'estes estudos; mas se esta secção ficar para o ensino agricola, parece-me justo que tique tambem para o ensino industrial. Se convem mandar dois individuos fóra do paiz aprender o que for necessario para preparar o desenvolvimento da agricultura n'este paiz, bom é tambem que para a industria se pratique o mesmo. Eu disse que não me conformava muito com este systema, o desejava mais que se fizesse, como disse o sr. Garcez, á moda do marquez de Pombal; desejava que o governo mandasse vir de fóra, em certos casos, homens competentemente habilitados pára ensinar no nosso paiz certas praticas que elle não conhece; prefiro isto a mandar lá fóra fazer esses estudos, porque muitas vezes acontece gastar o paiz abonando subsidios a individuos que vão lá fóra estudar certas materias, e quando voltam para o paiz não restituem no serviço o que lhes foi adiantado em dinheiro. A camara ha de recordar-se perfeitamente do que succedeu quando foi um artista subsidiado com o fim de promover depois no paiz o progresso da sua arte. O paiz subsidiou o artista, e como elle depois, por circumstancias imprevistas, para elle proveitosas e não desairosas, abandonou a carreira das artes, perdeu-se o dinheiro e o tempo! Não teria sido melhor fazer contrato com quem de fóra viesse para ensinar aqui, não a um mas a muitos, ainda que mais caro custasse?

Nós temos adoptado este systema, em alguns casos correcto e augmentado. Portugal mandou a França um homem de grande merecimento estudar na escola de pontes e calçadas, ha muitos annos: este individuo habilitou-se completamente, frequentou as escolas, aprendeu theorica e praticamente, e ficou em circumstancias de poder dirigir um serviço d'aquelle genero. Quando chegou a Portugal, o governo deu-lhe o cargo de governador de uma das nossas possessões do ultramar! E note-se que isto não é offensa para esse cavalheiro; conheço-o perfeitamente, respeito muito o seu saber e até sou seu amigo; mas foi para aquella commissão, porque o governo não lhe deu outra, e elle não teve remedio senão aceitar. De maneira que vae um lente de uma escola habilitar-se lá fóra com certos conhecimentos praticos, e depois quando chega mandam-o para uma possessão do ultramar, onde nem ao menos elle possa exercer ou pôr em pratica o que aprendeu!

O governo devia tirar o maior proveito possivel d'esses individuos que vão ao estrangeiro para este fim. Se o governo empregou com elles uma certa somma do capital, é claro que deve procurar obter d'elles o juro do capital empregado.

Eu vou mandar para a mesa as minhas propostas, mas

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peço licença para dizer a v. ex.ª, visto que ainda agora não pude obter a palavra, que desejava fazer algumas observações sobre o capitulo 9.º, que trata de pinhaes e matas nacionaes. Depois da resolução que a camara tomou ha pouco, ainda me parece impossivel que este capitulo seja o das matas e pinhaes; é reputado este assumpto de tão pouca importancia por essa resolução, que me custa a crer que realmente se trate d'elle no capitulo a que me refiro.

O capitulo 8.º trata do ensino industrial e agricola, assumpto mesquinho e insignificante, que, se levassemos um dia a discutido, seria uma cousa escandalosa; a camara, que tem levado sessões e sessões a discutir ninharias, devia envergonhar-se se applicasse um dia para a discussão de um assumpto como este!

Depois d'este segue-se o capitulo que trata dos correios e postas do reino, objecto tambem insignificante para o paiz! Depois d'este segue-se o capitulo relativo a diversas despezas, entre os quaes figura a que diz respeito particularmente á engenheria civil, questão importantissima de que depende a sorte de todo o pessoal do ministerio das obras publicas. E está prorogada a sessão para que se complete hoje a discussão de todos estes capitulos!!!

Eu não faria todas estas observações se tivesse sido o culpado de se demorar a discussão de outros ministerios e de outros capitulos; mas não o fui, tratei sempre de abreviar o mais que pude e muitas vezes com sacrificio proprio, deixando de fallar nas questões em, que devia fallar.

Ora, notando que se fizeram discursos de tres dias sobre assumptos importantes, sem duvida, mas não tanto como estes, querer obrigar a camara a votar n'uma hora os tres capitulos mais importantes do ministerio das obras publicas é cousa que parece impossivel. Na discussão d'este mesmo ministerio já eu tive occasião de pedir a palavra, e limitar-me a mandar para a mesa as minhas propostas sem acrescentar considerações, não porque não tivesse que dizer sobre ellas, mas pelo desejo de não querer demorar a discussão.

Decidir que se votem os tres principaes capitulos d'este ministerio n'uma hora não se comprehende, e muito mais tratando-se de um orçamento que é vicioso e illegal. Não póde ser, a camara não póde querer tal, votou sem attender...

O sr. Presidente: — Eu peço ao sr. deputado que se restrinja á questão, não é permittido pelo regimento fallar contra as decisões da camara.

O Orador: — V. ex.ª tem deixado fallar os srs. deputados em tudo; v. ex.ª deixou fallar, a proposito do capitulo 1.º do ministerio dos negocios estrangeiros, em vinhos, nos tratados, e na escala alcoolica; v. ex.ª deixou, a proposito do capitulo 5.º do ministerio da marinha, discutir o bispo resignatario de Angola, e deixou discutir o mesmo bispo no capitulo seguinte; v. ex.ª consente sempre que todos fallem em tudo; só me não é dado a mim fallar no que tem mais directa relação com os assumptos em discussão.

O sr. Presidente: — Não nego ao sr. deputado o direito de fallar, o que lhe digo é que está fallando contra as deliberações da camara, e isso é que lhe não posso permittir.

O Orador: — Continuo a dizer o que tinha á dizer; decidiu-se que no resto da sessão se tratasse dos capitulos relativos a matas e pinhaes, correios e postas do reino, e por ultimo diversas despezas, isto é, o capitulo mais importante do orçamento do ministerio das obras publicas, o qual o governo não póde deixar passar sem provocar uma resolução especial da camara! Parece-me pois que a camara não terá duvida em reconsiderar a sua votação, estou até convencido de que ella não prestou attenção ao que votou, e que reflectindo melhor concederá ao menos mais um dia para esta discussão.

Mando para a mesa as minhas propostas.

Leram-se na mesa as seguintes:

PROPOSTA

Proponho que no artigo 18.º (ensino industrial) sejam restabelecidas as secções correspondentes á 5.ª, 6.ª, 7.ª e 8.ª do artigo 17.º, as quaes, de certo por esquecimento, deixaram de figurar no logar competente. = Fradesso da Silveira.

PROPOSTA

Proponho que na secção 5.ª do capitulo 8.º se declare que a somma de 8:000$000 réis tambem póde ser applica a em despezas com as exposições internacionaes. = Fradesso da Silveira.

Enviadas á commissão de fazenda.

O sr. Silvestre de Lima: — Mando para a mesa as seguintes propostas ao artigo 8.º Leram-se na mesa as seguintes:

PROPOSTA

Proponho que no capitulo 8.º, artigo 17.º, secção 2.ª, se inscreva a quantia de 466$666 réis, importancia do augmento de um terço do ordenado de dois lentes de 1.ª classe, concedido, na conformidade da lei, por decreto de 6 de setembro de 1865, = S. B. Lima.

PROPOSTA

Proponho que sejam igualados os vencimentos dos professores de desenho do instituto agricola e industrial. = S. B. Lima.

Enviadas á commissão de fazenda.

Não havendo mais ninguem inscripto, poz-se a votos o capitulo 8.º e foi approvado.

O sr. Affonso de Castro: — Mando para a mesa um parecer da commissão diplomatica.

Entrou em discussão o

Capitulo 9.º — Pinhaes e matas nacionaes — 73:515$090 réis.

O sr. Guilherme de Abreu: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar)

Leu-se na mesa a seguinte

PROPOSTA

Capitulo 9.º

Proponho que se recommende ao governo, que no plano geral de reformas, por elle annunciado á camara para a proxima sessão legislativa, se contemple o ramo de administração publica, descripto n'este capitulo, no intuito de augmentar a receita e diminuir a despeza das nossas matas e pinhaes. = Pereira de Carvalho e Abreu.

Foi enviada á commissão de fazenda.

O sr. Sá Nogueira: — Em má hora me chega a palavra. Trata-se de uma questão que deste momento se tornou importantissima, pelo facto do sr. ministro das obras publicas apresentar desta camara uma proposta para, segundo me parece, a alimentação, pelo menos em grande parte, das nossas matas ou do producto das nossas matas nacionaes.

É com profundo sentimento que entro n'esta questão; sentimento profundo, por ver que continua o systema dos contratos ruinosos para este paiz; sentimento profundo, por ter de combater o meu illustre amigo o sr. ministro das obras publicas, em quem reconheço talento, probidade, patriotismo e desejos de acertar (apoiados); sentimento profundo, porque vejo resuscitar uma questão que eu suppunha morta e que combati n'esta casa durante muitos annos, e que a final tinha conseguido pô-la fóra da téla da discussão.

Não pensei eu, e nunca me persuadi que esta questão voltasse a esta casa; mas a exploração d'aquella mina deve ser muito vantajosa, por isso que não se tem desistido d'ella por modo algum.

As matas nacionaes são as melhores propriedades, talvez, que o estado possue no continente do reino. Têem um valor muito grande; valor que o sr. deputado calculou em réis 8.000:000$000, mas que talvez seja muito inferior. Não posso dizer o valor exacto, porque não estou habilitado n'este momento, e apesar de ter os documentos que me habilitam para o poder estar de um momento para outro, não os tenho aqui para dizer o valor das madeiras d'aquellas matas; mas em valor é immenso e de muitos milhões! E para mostrar que não é mais do que um pretexto a necessidade que se diz ter a empreza das fundições de ferro, que foram estabelecidas no districto de Leiria, da linha das nossas matas, basta lembrar á camara que o districto de Leiria não longe dos pontos em que se podia estabelecer, e creio que está estabelecido um forno, existem matas particulares, que sommadas todas ellas têem mais extensão e tem mais numero de pinheiros e arvores do que tem as matas nacionaes. Logo não ha escassez de lenha d'aquelle districto. O que ha é querer-se explorar por força as matas nacionaes; querer-se tirar esta riqueza ao estado; não ha outra cousa. Não digo isto sem motivo, digo-o fundado nos documentos officiaes, documentos que foram presentes a esta camara e que talvez estejam na sua secretaria.

E isto que acabo de dizer é o resultado d'essa informação dada pelo administrador geral das matas nacionaes, o sr. José de Mello Gouveia, em consequencia das informações que lhe deram os empregados d'aquellas matas, muitos dos quaes tinham nascido ali e outros tinham ali persistido durante cincoenta annos, e d'estas informações chegou-se ao conhecimento de que as matas particulares que lá existem são em maior escala do que as matas nacionaes de Leiria.

Portanto não ha necessidade de fazer similhante contrato. Alem de que nas matas nacionaes vende-se a lenha a quem a quer comprar, e então para que é necessario fazer o contrato? O que querem é obrigar o estado a fornecer lenhas, quando não convem que o estado as forneça. Só se é para isto; mas se é para isto, é um contrato ruinoso para o estado.

Alem de que estas matas são um recurso de que em casos extremos o estado póde lançar mão, e então não sei para que havemos de ir prender a acção do governo e do parlamento sobre este ponto sem motivo que o justifique. E como é que se póde defender similhante contrato, dizendo que é para proteger uma industria? Combate-se o systema proteccionista, e vem argumentar-se-nos com elle. As idéas avançadas combatem a protecção dada ás fabricas, e agora quer dar-se está protecção, protecção que equivale a dar dinheiro e muito dinheiro.

Não é a protecção de que hoje fallou o sr. Fradesso da Silveira, porque essa é muito racional — a de habilitar os individuos para se poder tirar maior partido das industrias essa é justa e racional; mas esta equivale a dar dinheiro e muito dinheiro; equivale a dar á empreza uma somma muito importante.

Então como é que os illustres estadistas, que são rasgadamente progressistas, rasgadamente liberaes e defensores da liberdade das industrias, contrarios a todo o systema proteccionista, vem defender agora o principio que combatem?

Custa-me a acreditar que o sr. Casal Ribeiro aceitasse este contrato, não póde ser senão o te-lo s. ex.ª achado concluido.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Não é contrato.

O Orador: — Se é auctorisação tanto peior, porque então póde o governo saír ámanhã, vir outro ministro e fazer um contrato como elle entenda.

(Interrupção que não se percebeu.)

Diz-me o meu amigo que na auctorisação vem comprehendidas as bases, pelas quaes o governo póde usar da mesma auctorisação. Eu ouvi a leitura rapida que se fez, e por isso não pude ouvir tão bem como conviria que ouvisse; mas as bases referiam-se á limpeza dos pinhaes e madeiras que não eram uteis.

É justamente esta uma das objecções principaes que eu tenho sobre o projecto; primeiro vem a limpeza, e limpa-lo é talvez limpar o pinhal todo: depois vem a questão das madeiras que não são uteis.

V. ex.ª sabe muito bem que nos pinheiros costuma dar uma certa molestia pela parte superior, emquanto que o resto do pinheiro está em muito bom estado; mas assim que começar a doença, podem deita-lo abaixo, e perder-se um valor grande. Isto é uma limpeza completa! (Riso.)

Ou a proposta do nobre ministro seja para pedir uma auctorisação, ou seja um contrato feito com alguem para, o fornecimento de lenha d'aquellas matas, entendo que esta camara não póde conceder similhante contrato, pelas rasões que tenho exposto e muitas mais que ainda podia acrescentar, e que reservo-me para quando se tratar d'esta questão.

Entretanto direi ainda que uma das rasões por que eu me não conformo com este contrato ou com esta auctorisação é porque basta que o governo use da auctorisação que já tem. Se aquella industria precisa de lenha, que a vá comprar pelo preço por que ella se vende, porque é um preço muito modico, e não ha rasão nenhuma para se conceder a uma empreza aquillo que ella póde facilmente adquirir.

A administração das matas tem necessidade de vender, a empreza tem necessidade de comprar, e portanto não ha difficuldade nenhuma nem da parte da empreza nem da administração para realisar esta transacção.

N'uma outra sessão legislativa foram presentes a esta camara documentos importantissimos, relativos ás matas nacionaes de Leiria; estes documentos foram impressos conjunctamente com o projecto de parecer da commissão de obras publicas, que eu tive a honra de submetter á sua approvação; parecer que rejeitava o contrato feito entre o governo e o sr. Jorge Croft.

Alguem, que infelizmente já não existe, o sr. Thiago Horta, disse que = a commissão não devia tomar resolução sobre aquelle objecto, nem devia apresentar o seu parecer sem estar presente o sr. ministro das obras publicas, que era então o sr. Antonio de Serpa Pimentel. = (Eu peço a attenção de s. ex.ª para este ponto). A commissão concordou com esta idéa, e a final n'uma reunião, a que compareceu o sr. ministro das obras publicas, leu-se o parecer. S. ex.ª, segundo a minha lembrança, pareceu concordar com elle, mas ponderou que a sessão legislativa estava já muito adiantada, e que por isso não havia tempo de se imprimir e discutir aquelle projecto. Não sei se s. ex.ª se recorda de tudo isto. A sessão fechou-se dahi a poucos dias, e este parecer ficou em meu poder, juntamente com todos os documentos que diziam respeito a este negocio; aproveito a occasião para fazer esta declaração, porque alguem tem dito que eu occultei esses documentos (riso). Não occultei, conservei-os na minha mão, a verdade é esta, e eu digo-a toda inteira. Estavamos no fim da sessão, e os documentos ficaram em meu poder; eu esperava que idos pedissem, não idos pediram, e como não idos pediram, entendi que estavam melhor na minha mão do que em outra parte. E sabe v. ex.ª por que o entendi assim? Porque se tem feito... não quero usar de uma palavra ordinaria, e por isso não direi traficancias (riso), porque se tem feito muitas manobras deste paiz, e uma d'ellas é sumirem-se documentos (riso). Podiam sumir, aquelles papeis, que eram os que serviam de base ao parecer que eu tinha apresentado, rejeitando o tal contrato. Tive receio de que houvesse alguma alma caritativa que fizesse mão baixa d'esses documentos (riso). Mas logo que a questão voltou á camara, porque emfim tem-se-lhe dado umas poucas de avançadas, por isso que o negocio é bom (riso), e eu vi que a commissão da camara dos senhores deputados tinha dado um parecer, e não se tinha embaraçado muito em procurar os documentos que havia áquelle respeito, por isso que elles estavam em meu poder e ninguem idos tinha pedido, escrevi um officio ao sr. Rebello de Carvalho, que era então presidente da camara, dizendo-lhe que existiam aquelles papeis em meu poder, e que a commissão mal podia dar parecer com conhecimento de causa sem os ter presentes, e por isso os remettia para lhes dar o destino conveniente. O resultado foi que, tendo o meu amigo, o sr. José de Moraes, pedido que se imprimissem esses papeis, o negocio era de tal natureza e de tal ordem que, apesar da muita protecção que tinha desta casa, ninguem mais tornou a fallar d'elle. Ora, para que não succeda como succedeu d'aquella occasião, em que a commissão deu o seu parecer sem ter presentes esses documentos, vou mandar para a mesa uma proposta para que a commissão, a quem for mandada a proposta do sr. ministro, tenha presentes esses papeis quando a discutir, para que possa dar o seu parecer com conhecimento de causa.

Agora direi que não me posso conformar de modo algum com as idéas que apresentou ha pouco o meu collega, o sr. Pereira de Carvalho e Abreu. S. ex.ª pretendia que nós entregassemos as nossas matas á exploração dos particulares; pretendia tambem que aquelles terrenos se applicassem a outras culturas, o que, como elles são arenosos, era pretender uma cousa que se não podia fazer sem grandes despezas e trabalho.

Mal pensaria el-rei D. Diniz que havia de haver quem apresentasse similhante proposta duma assembléa popular!

O sr. Pereira de Carvalho: — Peço a palavra.

O Orador: — Sr. presidente, as melhores propriedades que temos, sem contradicção, são as matas nacionaes. Uma das principaes riquezas do rei dos francezes Luiz Filippe, homem riquissimo, consistia em matas; e se entre nós ellas não estão bem administradas, procuremos administra-las bem (apoiados).

Mas eu tremo, sr. presidente, quando vejo que, a titulo de não rendimento proveniente de má administração, se propõe a alienação de propriedade tão valiosa!...

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Sr. presidente, é preciso estarmos álerta, e a minha experiencia de muitos annos d'esta casa faz com que eu não deixe passar despercebidas certas idéas que se lançam ás Vezes assim como ao acaso, mas depois vê-se que não foi por acaso, que se trouxeram aqui, mas a fim de preparar terreno.

Não sei se o illustre deputado quer preparar...

O sr. Pereira de Carvalho: — Eu já pedi a v. ex.ª a palavra; mas no caso de me não chegar sobre a materia, peço a v. ex.ª m'a reserve para explicações.

(Interrupção que se não percebeu.)

O Orador: — Eu não faço insinuação alguma ao illustre deputado, mas o que digo é que se a houve, foi exactamente da parte de quem quiz preparar o terreno (riso).

Sr. presidente, eu receio muito, como disse, de certas idéas que se espalham, de certos ditos que se deixam caír como por acaso; e já estou muito álerta com certas observações, que se têem feito, da falta de rendimento das nossas colonias.

E este dito, de não renderem tambem nada as nossas matas, receio que seja para preparar terreno; mas não digo que o illustre deputado, a quem me refiro, tivesse essas vistas. O illustre deputado conversou com alguem n'esse sentido, convenceu-se, apresentou a sua convicção e fez muito bem, outrotanto faço eu, porque cada um diz o que entende, e é o que deve fazer.

Eu podia ainda apresentar largas considerações sobre este assumpto, porque se presta a isso; mas não as faço, porque não quero cansar a camara, e reservo-me para quando se discutir a proposta do sr. ministro; declarando desde já que se a commissão ou commissões, a que essa proposta for mandada, a rejeitarem, eu approvo o parecer da commissão; mas se a approvarem, hei de combate-la com todas as minhas fracas forças. E creio que com isso faço um dos maiores serviços ao paiz que um representante da nação póde fazer.

Leu-se na mesa a seguinte

PROPOSTA

Proponho que todos os papeis relativos ao contrato com o sr. Croft sobre fornecimento de lenhas das matas de Leiria sejam enviados ás commissões, a que for mandada a proposta de lei apresentada hoje pelo governo, com relação ás mesmas matas, para os ter presentes quando discutir esta proposta. = Sá Nogueira.

Foi admittida.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Os illustres deputados, que votaram a prorogação da sessão até se concluir a discussão do orçamento ordinario do ministerio das obras publicas, não praticaram um acto tão condemnavel como ao meu illustre amigo pareceu. Votando d'aquelle modo não quizeram ss. ex.ªs estreitar a discussão em limites impossiveis.

Tão pouco tinhamos que discutir, tão pouco graves eram os assumptos dos capitulos de que se tratava, tão largo era o tempo que tinhamos adiante de nós, que ainda houve sobra para entrarmos na apreciação de uma proposta de lei que acaba de ser apresentada, e que o illustre deputado e meu amigo não viu, como elle proprio declarou.

E tanto não viu, que suppoz que o projecto importava a approvação de um contrato que ainda não existe, contrato que se propõe no projecto com bases que a camara ha de apreciar, e á vista das quaes eu creio que ella se ha de convencer de que a minha proposta tende exactamente ao contrario do que o illustre deputado julgou; pois, em vez de ser. a alienar as matas, tende a conserva-las (apoiados).

Mas n'estas tendencias economicas que nós todos seriamente temos, no desejo do governo em fazer economias, desejo em que a camara o acompanha, não podemos dizer, isto sem o menor espirito de censura para ninguem, que entendemos á risca o proverbio inglez time is money. É a economia de tempo, tanto quanto podesse concentrar-se nos limites de uma rasoavel discussão, sobretudo de uma discussão methodica que versa sobre o objecto de que se trata, era tambem uma economia valiosa (apoiados); economia de dinheiro directamente, porque as sessões prolongando-se custam dinheiro ao estado; e vantagem de serviço, que tambem se traduz em economia de dinheiro, porque o serviço publico perde quando, o governo é obrigado a assistir dias e dias ás discussões, que, sendo mais methodicas, se poderiam contrahir um pouco, facultando ao governo os meios de attender, como desejaria, aos negocios e assumptos importantes que estão a seu cargo (apoiados).

A proposta não se discute agora, e portanto eu não devo entrar na larga defeza d'ella; mas, chamado a este terreno pelo illustre deputado, não posso deixar de dar uma ligeira explicação, para que não fiquem na camara quaesquer apprehensões de que outros motivos, que não fossem os do interesse publico, poderiam ter levado o governo a apresentar aqui aquelle documento.

É verdade que eu encontrei no ministerio este negocio adiantado, mas é tambem verdade que o examinei, tanto quanto as minhas faculdades o permittiam, e que consultei os meus collegas a seu respeito. Foi pois apresentado nos termos de não poder soffrer objecção. Póde ser que eu esteja em erro. Mas o projecto foi apresentado.com todas as precauções, e depois de meditado exame da sua conveniencia e importancia.

«Protecção á industria, dizem, e vós inauguraes os principios mais avançados da escola economica!»

Inaugurâmos, ainda bem, mas attendendo sempre aos factos existentes.

Quem não é, em theoria, proteccionista da industria é porque entende que a industria se desenvolve melhor á sombra da liberdade; e quem é proteccionista, em theoria, da industria, quem quer que um paiz viva debaixo do regimen protector, é porque não entende que se possa chegar logo aos extremos; mas trata, como disse, de estudar os factos existentes, mira e olha ao fim, e acredita que. a liberdade é para a industria um principio efficaz, como o é para o regimen politico das sociedades (apoiados).

Eu disse, applicando ao caso presente, que se tolhia a uma industria importante e nascente os meios d'ella poder avançar e progredir; porque ali não se trata de um contrato, trata-se de uma companhia existente com capitaes fortes, de uma companhia que tem feito obras importantes, que tem altos fornos, e de tuna industria altamente promettedora, quer seja em relação á exploração do ferro, ou á do carvão, ambas importantissimas para o paiz. Negam-se os meios a esta industria, se se lhe obstar a alcançar o combustivel que indispensavelmente necessita para a sua alimentação.

O illustre deputado, o sr. Sá Nogueira, não póde sustentar que em roda do grande pinhal de Leiria existem tantas matas particulares, que cobrem quasi uma area igual á do pinhal.

O sr. Sá Nogueira: — Posso, posso.

O Orador: — É uma questão de facto. E eu digo que existem effectivamente algumas matas particulares, mas a somma d'estas matas, toda ella tomada, não corresponde a uma minima fracção do pinhal de Leiria. Ha muito tempo que não tenho por ali passado, mas tambem já por lá passei, não andei percorrendo todo o pinhal, mas é esta a minha convicção, e vejo que os illustres deputados do districto, que conhecem a localidade, são da minha opinião (apoiados).

O sr. Gustavo de Almeida: — É verdade.

O Orador: — Não se trata de alienar as maltas nacionaes, trata-se por um lado de facilitar a uma empreza de grande utilidade a acquisição das lenhas que pretende, facilitando por outro lado tambem a melhor exploração da mata, porque se as lenhas não se tirarem, as sementeiras não se podem fazer, e que destino se ha de dar á lenha que não se vender? Ha de queimar-se? Essa lenha tem de vender-se, sem prejuizo dos direitos adquiridos por uma outra fabrica que tambem existe já, que é a de vidros estabelecida na Marinha Grande. Não ha n'isto a menor inconveniencia, nem financeiramente para o estado, nem em relação á exploração das fabricas.

Noto ainda ao illustre deputado que na proposta, que acaba de ser apresentada, a base é diversa da de outra proposta, que já foi aqui apresentada n'esta casa, e parece-me que traz garantias muito mais efficazes aos interesses do estado.

Não se trata aqui de vender uma certa e determinada quantidade de lenha, trata-se de vender a lenha que o pinhal podér dispensar.

Portanto não ha obrigação alguma senão em relação a essas lenhas. E por parte da administração do estado fizeram-se declarações muito expressas no contrato, para que não se possam, chamar lenhas a madeiras que podem ter outra applicação; ainda mesmo áquelles pinheiros a que se referiu o illustre deputado.

Em vista de tudo isto, e sem querer discutir o projecto, direi apenas que me parece que o illustre deputado ao principio tendia para a opinião do sr. Pereira de Carvalho e Abreu. Eu estava com receio de que o illustre deputado viesse em reforço á sua opinião, de certo muito conscienciosa, mas com a qual me não conformo, porque o illustre deputado disse que = a idéa do governo era emprehender n'este contrato a venda de lenhas, que póde impedir de se tirar outros recursos d'aquellas matas =.

O illustre deputado entendia que era um bom recurso financeiro vender as matas nacionaes. Comquanto respeite muito a opinião de s. ex.ª, não a posso adoptar, e creia a camara que o governo não ha de chegar a esse extremo (apoiados).

Com relação á proposta que hoje apresentei, bastam estas simples explicações. O governo fornecerá á camara todos os esclarecimentos que ella desejar, remette-los-ha ás commissões e ellas farão d'esses esclarecimentos o uso que entenderem, para esclarecimento da discussão (apoiados).

Emquanto ao capitulo em discussão devo apenas consignar esta idéa...

Eu não concordo de modo algum com a idéa de alienação dos, dominios florestaes. Comprehenderia que se alienassem algumas pequenas e insignificantes matas, com o fim de concentrar a administração, Não digo que a administração esteja perfeita; tem muito que melhorar, e o governo n'esse sentido fará tudo quanto estiver ao seu alcance.

Não se póde de modo nenhum abandonar a iniciativa da industria particular. As matas não valem só pelos seus productos directos, não só pelos seus rendimentos de exploração; mas como defeza dos terrenos valiosos, que serão invadidos pelas areias se não encontrarem aquelle obstaculo. N'este ponto ha tambem a considerar a questão de hygiene.

Estes graves interesses não póde nem deve o governo descura-los. Quando mesmo acontecesse que um resultado financeiro maior podesse vir das explorações das matas, eu não sacrificara aquelles interesses a consideração alguma.

Na parte financeira o meu illustre amigo não deu muito peso á observação apresentada por elle mesmo.

Em primeiro logar o rendimento das matas tem sido progressivo, a ponto de quási dobrar em poucos annos, ainda que n'um anno houve interrupção.

Portanto, se nós tomarmos um rendimento que em poucos annos dobrou e se dissermos — é muito melhor vender tudo isto, porque nos póde dar alguns contos, de réis, entendo que é sacrificar, talvez o futuro ao presente.

Eu creio que as matas podem ser uma grande origem de rendimento para o estado se forem bem exploradas; alem d'isso são um grande meio de defeza dos terrenos, de progresso da cultura e de prevenção hygienica, e por todas estas rasões eu declaro novamente que não está nas minhas intenções seguir a indicação do meu illustre amigo o sr. Guilherme de Abreu (apoiados).

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Rocha Peixoto: — O illustre ministro das obras publicas começou o seu discurso censurando o meu amigo e collega o sr. Sá Nogueira, por fazer a critica antecipada e discutir fóra de tempo um contrato ou antes um projecto sobre matas e pinhaes, que ha poucos momentos foi lido e mandado para a mesa para ter o competente destino.

Não sei se s. ex.ª caíu ou não no mesmo defeito, o que é verdade é que o illustre ministro tratou a questão d'esse projecto em todo o seu desenvolvimento, em todos os seus detalhes e como a poderia tratar se elle estivesse em discussão, como não está.

Talvez s. ex.ª procedesse assim para dissipar do espirito da camara as impressões pouco favoraveis que lhe podiam ficar do discurso do illustre deputado o sr. Sá Nogueira, prevenindo a camara; mas fosse qual fosse o motivo, a verdade é que ambos tomaram tempo com um assumpto que não está em discussão. Se a censura é justa e merecida procede do mesmo modo contra ambos.

Perdôe-me o illustre ministro; s. ex.ª, que começou por pedir e aconselhar economia de tempo, parece-me que podia muito bem evitar o defeito que censurou no sr. Sá Nogueira, e praticar o que aconselhou e pediu,

A respeito de economia de tempo, peço licença ao illustre ministro para lhe recordar o tempo em que occupava com superior distincção o logar de opposição, e em que eram seus adversarios os que occupavam os logares de ministros.

Pediam então os ministros e todos pedem economia de tempo, e nenhum deputado da opposição se mostra disposto a acceder a este pedido. Esta é a regra geral, é a ordem das cousas; nós não temos remedio senão conformarmo-nos com ella. Assim foi sempre e assim será.

Sobre economia de tempo, peço ainda licença ao illustre ministro, para lhe observar que o tempo que se gasta em notar a desorganisação de certos serviços publicos, em demonstrar a necessidade de se proceder á organisação d'esses serviços e em reclamar economias, não é tempo perdido. Ao contrario, traduz-se em grandes economias, e traduz-se até em beneficio para o governo que gere a administração publica, porque assim se dispõe e prepara o espirito publico para essas economias; mas o espirito de todos, o espirito dos que contribuem e dos que pagam; e os srs. ministros quando tratam de os levar a effeito, encontram menos embaraços e a opinião mais disposta para as aceitar, do que ao contrario se nós todos, e todos os dias, não pugnassemos pelas economias e deixassemos correr a causa publica á revelia.

Por consequencia a recommendação que s. ex.ª nos fez a respeito da economia de tempo seria bem feita se nós o desperdiçassemos em prejuizo da causa publica; mas como nós não temos feito n'esta questão mais do que notar todos os dias a anarchia completa em que estão todos os ramos dependentes do ministerio das obras publicas, e como não temos feito mais do que pedir economias, parece-me que a censura não é tão bem cabida como em outras circumstancias. E nós continuaremos bradando: economias, economias.

Entrando agora na questão que nos occupa, tenho necessidade de approximar dois discursos que se destroem: um do illustre deputado o sr. Andrade Corvo, e outro do illustre deputado o sr. Pereira de Carvalho, que a camara acaba de ouvir.

Discutindo-se a lei da desamortisação, um dos espiritos mais illustrados, mais cultos, mais vigorosos, e, direi ainda, mais esperançosos d'esta camara, levantou-se e fez sentir a toda a camara, com a eloquencia que todos lhe reconhecemos, com a lucidez que sempre distingue os seus discursos, com verdadeiro conhecimento dos factos, a influencia das florestas sobre a violencia das aguas, sobre o clima, sobre a terra, sobre a agricultura, pela modificação do clima em curto espaço. As florestas são as muralhas que defendem os campos e os valles contra a invasão das cheias e das areias.

Ora, um distincto deputado e muito competente pediu ao governo que nas excepções da lei de desamortisação fossem comprehendidas as florestas, ou para serem conservadas pelas mesmas corporações que as possuem, ou para serem adquiridas por qualquer fórma pelo estado. Pediu tambem ao governo que desse o maximo desenvolvimento ao plantio, das florestas, e disse que havia muitos terrenos que convinha aproveitar n'este sentido para se crearem as florestas, que tambem podiam ser uma fonte de receita. E cousas são estas de tal intuição que tenho por inutil acrescentar mais nada.

Peço pois ao sr. ministro das obras publicas, não ao actual, mas ao que em breve o ha de substituir n'aquella pasta, que tenha sempre em vista as idéas que sustentou este illustre deputado a que me acabo de referir, e que se recorde sempre das theorias apresentadas n'esta casa por occasião da lei da desamortisação que são, no meu conceito, as verdadeiras, tanto com relação ás florestas como a outras questões economicas, administrativas e financeiras.

Aproveito este ensejo para lembrar ao governo a conveniencia, a necessidade de adquirir tres importantes terrenos que estão completamente ermos e abandonados de todo o trabalho e plantação, e que podem produzir excellentes florestas — são os terrenos da serra de Arga, que domina as povoações de Caminha e Ponte do Lima, e os rios Minho e Lima, optimos para plantios d'este genero, e que podem produzir grande resultado para o estado; são os terrenos das serras do Chão das Pipas e do Oural, aquella nos concelhos de Coura e Valença e esta no concelho de Ponte do Lima, que nada produzem por descurados e abando-

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nados, e muito podiam produzir se fossem plantados. São terrenos em condições proprias para este destino pela sua boa exposição, pela natureza do solo e pelos mananciaes de agua que encerram.

Ora, se só na provincia do Minho ha estes terrenos, que a industria particular não tem aproveitado, como é que o meu illustre amigo, o sr. Pereira de Carvalho e Abreu, entende e sustenta com tanto ardor que se entregarem á industria particular as florestas, podemos tirar d'ali grande proveito! Pois se assim fosse, porque rasão não tinha já a industria particular procurado obter aquelles terrenos por qualquer modo que lhes fosse possivel, para n'elles exercitar e explorar o seu trabalho? Porque rasão não tem á industria particular tirado d'essa exploração o proveito em que s. ex.ª fallou? Quem terá obstado a industria para adquirir taes terrenos e outros incultos em que o nosso paiz tanto abunda? Não me parece plausivel adoptar se a sua idéa. Eu bem sei que a opinião do sr. Pereira de Carvalho e Abreu não é abraçada pelo sr. ministro das obras publicas, e ainda bem. S. ex.ª disse que queria conservar as matas, disse que o projecto não tinha por fim destruir as matas; mas sim regular melhor o systema da exploração e administração das matas.

Folgarei que assim seja; esperemos o projecto, e quando elle vier á discussão, o approvaremos ou rejeitaremos segundo o seu merecimento.

Ainda na questão sujeita, peço licença para dizer ao sr. Pereira de Carvalho e Abreu, que não estou de accordo quanto aos factos de má administração que pareceu insinuar; mas se uma propriedade está mal administrada, a consequencia era administrar melhor, era corrigir os erros da administração; mas s. ex.ª não concluiu assim, concluiu pela venda, pela alienação das matas.

Não concordo que a pouca receita que figura no orçamento, proveniente das matas, seja devida a má administração. O cavalheiro que ha pouco deixou a administração das matas e o que o substituiu pela sua probidade, intelligencia e zêlo pelo serviço, são de per si uma segura garantia de boa administração das matas. O que póde ser menos bom, e até muito complicado e despendioso, é o systema adoptado na administração estabelecido por lei.

O pessoal da administração é numeroso e d'aqui a difficuldade de tornar mais facil a administração e de apurar a responsabilidade dos administradores. Podia e devia simplificar-se mais, e assim seria mais util e mais economico.

Mas o sr. deputado, a que me tenho referido, nos seus calculos devia considerar as matas e o pessoal que lhe respeita isoladamente, e separadas dos demais estabelecimentos annexos ás matas, e que para todos os effeitos do orçamento são reputados como parte integrante das matas; devia procurar o rendimento approximado em cada anno das matas, e a sua despeza com estes dados é com que nos devia argumentar.

É sabido que na administração das matas e pinhaes se comprehendem um estabelecimento de resinagem, outro estabelecimento de alcatrão, e um estaleiro de injecção de madeiras, e um caminho de ferro americano; e s. ex.ª devia no exame da questão separar completamente das matas estes estabelecimentos. Assim é que s. ex.ª podia chegar a algum resultado, de outro modo não póde ser.

O sr. Carvalho e Abreu: — N'esse caso o resultado era mais vantajoso para o meu argumento.

O Orador: — Embora, mas para haver exactidão devia ser assim. Ha uma cousa para que eu chamo a attenção do nobre ministro das obras publicas.

A verdadeira mata, a mata de importancia que nós temos é a mata de Leiria, e é esta que nos deve merecer attenção, toda a attenção (apoiados); tudo mais são matinhos pequenos e insignificantes. E quer a camara saber o systema estabelecido para administrar estes matinhos e qual é o pessoal d'estas administrações? Cada um tem um administrador, um escrivão, um thesoureiro, um mestre e guardas; quer dizer, para administrar uma cousa tão facil e tão insignificante ha um pessoal mais numeroso e mais despendioso do que o que o estado tem para administrar, fiscalisar e receber as rendas publicas; quer dizer, para o tributo de sangue e de dinheiro. Para a contribuição industrial, predial, pessoal e para a contribuição de registo de propriedade, o que tem o estado? Tem em cada comarca um administrador de concelho, que é pago a expensas do municipio; um escrivão de fazenda, um recebedor de comarca e um escripturario. E com este pessoal faz o estado em qualquer comarca todo o serviço necessario para a recepção das rendas publicas. E para administrar um matinho precisa de um administrador, um escrivão; um thesoureiro, um mestre e guardas! Póde isto tolerar-se? Póde tolerar-se que uma insignificante mata obrigue o estado a despender mais com a sua administração do que com a administração de uma comarca? Não póde ser.

Se pois o illustre deputado quizer achar o vicio da administração das matas, é aqui que o deve procurar. Quer dizer, se o estado em vez de entregar estes terrenos á industria particular, como quer o illustre deputado, tratar de reformar a administração actual como deve ser, nós poderemos chegar ao grande resultado de termos boas matas, excellentes florestas, e fazendo que ellas produzam para o estado o que devemos esperar que produzam.

O nobre ministro, na ultima parte do seu discurso, disse que, na sua proposta apresentada hoje, não tinha em vista alienar qualquer mata nem terreno; que a sua proposta só tinha em vista facilitar a uma certa empreza as lenhas necessarias para que essa empreza possa preencher o seu fim.

Assim será, eu o creio como creio que s. ex.ª não teve, não podia ter n'isto outro motivo senão o interesse pelo bem publico, para apresentar o projecto. Faço justiça ao seu caracter; mas eu peço licença a s. ex.ª para lhe dizer que é preciso estar prevenido, estar muito precatado contra as tentativas que se têem já feito, e que se repetem ás matas de Leiria (apoiados). Vejo-as em grande perigo (apoiados); e então quando s. ex.ª quizer levar a effeito o seu projecto, é preciso que vá acompanhado de todas as precauções e garantias.

Não sei como está concebido o projecto, porque não o ouvi ler, e por isso não posso desde já entrar na sua apreciação; mas peço muito encarecidamente a s. ex.ª que esteja prevenido para que aquella mata não seja destruida, como ha muito se deseja (apoiados), e eu muito temo.

Tenho concluido.

O sr. José Vaz (para um requerimento): — Requeiro que v. ex.ª tenha a bondade de consultar a camara sobre se julga a materia d'este capitulo discutida, sem prejuizo das propostas que se quizerem mandar para a mesa.

Verificou-se não haver numero na sala quando se tratou da votação do requerimento para se julgar a materia discutida.

O sr. Presidente: — Já não ha numero legal na sala. A ordem do dia para ámanhã é a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e tres quartos da tarde.

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