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hoje sustento que se podia preterir, como aperfeiçoamento do regimen parlamentar (apoiados), e boa ordem das discussões; porque todas estas questões relativas ás differentes provincias da administração publica, podem ser tratadas quando á camara se pedem os meios em cada um dos capitulos do orçamento do estado, para estabelecer e regular essa administração, nada havendo mais curial e consentaneo com o trabalho intellectual, nem mais proprio do voto da camara do que reservarmo-nos para essa occasião.

Esta questão das irmãs da caridade tinha o seu logar no orçamento do ministerio do reino. Tinha ahi o seu logar proprio quando se tratasse da beneficencia, porque supponho que a questão das irmãs da caridade não é senão uma questão de beneficencia. E nem se póde inferir das ejaculações um pouco mais timidas e fracas sobre a necessidade e conveniencia das congregações religiosas, que não houvesse aqui nenhuma opinião singela a favor d'esta instituição, que eu muito respeito pelo lado da caridade.

Pelo que me toca, eu por um lado tremia de ser accusado de falta de lealdade, collocando-me, emquanto a esta questão, n'uma situação um pouco favoravel ao governo, e assim offender a susceptibilidade de alguns nobres deputados, a quem não sei se chame meus amigos politicos, se meus companheiros parlamentares; por outro lado receiava não levar as minhas idéas até aonde quer que ellas chegassem, por esta timidez de incorrer na desapprovação das parcialidades politicas, não tomando francamente a defeza do governo no que entendesse que elle merecia o meu auxilio. Mas o governo não precisa da minha defeza, porque tem n'esta casa mais apoio de que esperava. Por consequencia estava só, isolado, unico e recolhido á minha consciencia para defender as minhas opiniões, não tanto pela satisfação moral de as pronunciar em publico, e muito menos por essa especulação de popularidade de que todo o homem publico se deve desprender, como para protestar a minha lealdade; não tendo a seguir senão a voz da minha consciencia. Mas só e só, e creio que bem só, porque sou d'aquelles que não querem irmãs da caridade em politica alguma, em epocha alguma, de nenhuma organisação, com nenhum fim, com nenhuma mistura de auctoridades civis ou ecclesiasticas (apoiados); sou d'aquelles que não quero nem as francezas, nem portuguezas (apoiados), nem esse ridiculo instituto que ao governo parece uma creação canonica e que é um absurdo civil (apoiados).

Estava só antes que o nobre deputado por Bemfica... (Uma voz: — Por Belem), ou por Belem; mas disse Bemfica, porque acho ser um sitio mais aprazível, e talvez um nome mais lisonjeiro para o nobre deputado, visto ter assentado ali a sua residencia.

Estava só até que ouvi ao illustre deputado pôr a questão nos mesmos termos, manifestar as mesmas inspirações, pouco mais ou menos, mas com a mesma conclusão, sem eu ter nada que tirar do seu discurso senão as apreciações inexactas que elle fez a respeito de algumas parcialidades politicas, com um erro de facto e com inexactidão de datas. O partido em que militei, não porque tivesse as mesmas bandeiras nem a mesma procedencia politica, mas em que estive destacado sempre em serviço do progresso d'esta terra, esse partido a que o illustre deputado se referiu, já elle tinha só, debaixo da sua iniciativa, nos tempos, em que governava, já tinha votado n'esta casa uma lei de morgados, e levando-a com a sancção e approvação do governo á outra casa do parlamento, onde, embrulhada numa grande divisão de opiniões, n'uma grande diversidade de intuitos e de expedientes, morreu numa commissão e desfez-se n'uns poucos de projectos de que não se pôde tirar cousa alguma. A lei de morgados, que pasmou agora, foi uma segunda tentativa. A primeira tinha uma data a que o illustre deputado tem um certo aborrecimento, mas sobre o que devia pensar, para se não fazer sectario dos homens, e poder medir da altura da sua imparcialidade e do seu patriotismo todas as parcialidades politicas, segundo a sua consciencia, e fazer de tudo isto esse partido que eu quero que se faça e constitua, e que se póde bem constituir em passar ninguem por cima dos seus chefes, mas podendo passar pelo lado d'elles; por cima não, porque entendo que não se póde prescindir das suas luzes e da sua cooperação, ainda que haja n'elles que condemnar (apoiados). Eu tenho passado ao lado de todos os homens, e estou prompto a passar, attendendo aos serviços que têem prestado sem lhes negar a sua capacidade; e se o illustre deputado está no mesmo modo de pensar, e tem de empenhar as suas faculdades n'este nobre intuito, ha de dispôr-se a passar com a mesma indifferença pelas pessoas com quem tem vivido ultimamente, e com quem tem andado n'estas diversas emprezas politicas, e ligar-se livre sempre com a sua consciencia aos homens que as circumstancias tiverem indicado para satisfazer ao governo do estado em qualquer circumstancia, uma vez que elles tenham a reconhecida capacidade para desempenhar essas funcções. Esta é a primeira congregação e o primeiro partido a fazer n'esta terra. O primeiro partido indispensavel é dos homens; mas note a camara, dos homens desprevenidos e soltos de todas as pequenezas.

O sr. ministro da fazenda disse aqui: «Vós quereis fazer das irmãs da caridade uma questão politica». Esta estranheza dos srs. ministros revela uma grande ignorancia do direito. Que me importava fazer das irmãs da caridade uma questão politica? Não as têem feito os srs. ministros? Não estamos nós aqui para fazer questões politicas? Não é esse o nosso officio e a nossa obrigação? Não tem o sr. ministro da fazenda feito questão politica de assumptos de menor ou igual gravidade? Por que motivo vem esta estranheza? Não é só estranheza, é uma grande inexactidão, visto que não quero fazer d'esta questão uma questão politica (apoiados). E prometto que dou o meu apoio a todas as medidas que eu julgue consentaneas para livrar o paiz do desnecessario estabelecimento das congregações religiosas. Para isto dou-lhe todo o meu apoio, e sinto que não tenha empregado todos os meios que podia empregar, usado de todos os expedientes de que devia usar, com mais habilidade, com mais energia e com mais decisão (apoiados). Uma questão politica! Sim, uma questão politica; não digo para este governo, para este parlamento, mas para todos os governos e para todos os parlamentos que existam e possam existir; porque esta questão, que promette distrahir perpetuamente os homens publicos de tratar dos assumptos mais graves e mais importantes da nossa governação interna, impossibilitar o governo do estado a todas as parcialidades politicas e debilitar os principios parlamentares, ha de ser forçosamente decidida; e se o governo por egoismo não a decidir, deixando na sua rectaguarda opiniões tão encontradas como as que tem manifestado, aquelles que se aventurarem ao poder não poderão tambem vencer esta questão. Em todo o caso é preciso que alguem a decida; inchoada nas mãos d'este, é do seu dever acaba-la.

Questão politica! Quem a fez questão politica foi a commissão de resposta. Pois que dizia a resposta, e indicava n'este assumpto quando d'elle fallava?

O discurso da corôa contrastava absolutamente com os factos de que todos tinham conhecimento; ninguem podia dizer que era um discurso da corôa feito em Portugal. Só nos dizia = que as eleições tinham sido feitas com grande tranquillidade =. N'um povo barbaro como nós, é uma cousa estranha e de mencionar, que se fizessem eleições sem se perturbar a tranquillidade publica, e o governo não lho soffria o coração que não se congratulasse com o paiz por elle governar um povo que fazia eleições sem perturbar a tranquillidade publica!

Que dizia mais o discurso da corôa? Dava-nos uma grande noticia, que parece que chegou ha pouco pelo correio; descubriu-se que as provincias ultramarinas tinham productos que podem ser aproveitados na industria e no commercio da Europa! Veio pelo ultimo correio esta noticia e foi uma descoberta agricola. De maneira que as provincias ultramarinas não foram descobertas quando o foram, nem visitadas por quem foram visitadas, nem se conheciam as suas producções; ha oito dias é que foram descobertas, e o sr. ministro tendo a noticia, teve a modestia de não dizer: «Olhae que descobrimos as provincias ultramarinas»; porque effectivamente foi elle que as descobriu, pois que descobrir a superficie territorial não é nada: descobrir os seus productos agricolas, os seus meios de riqueza, isso é que é tudo, e isso é que chegou pelo correio ao sr. ministro da marinha!

Mas a respeito das irmãs da caridade, a respeito da questão que agitava toda a gente, nada dizia o discurso da corôa; silencio profundo!

Que fez a commissão? A commissão julgou que, quaesquer que fossem os receios diplomaticos e as contemplações politicas do governo, não era decente nem decoroso n'um governo de publicidade calar n'um documento d'esta ordem; que existe aquillo que realmente existe. O governo do paiz, que devia ser o orgão das opiniões dominantes, calava absolutamente aquillo em que todos fallavam. O discurso da corôa nem uma palavra dizia a respeito das irmãs da caridade; mas a commisão no projecto de resposta addicionou um paragrapho a esse respeito, e foi ella que fez politica a questão das irmãs da caridade, tanto mais politica que a metteu na resposta ao discurso da corôa, quando o discurso da corôa não tinha fallado n'ella. Não fez só uma questão politica, fez uma questão de censura, porque só a inserção d'estas palavras é uma questão de censure. Não sei se o governo as aceitou ou não. Se as aceitou, a censura é menor; mas se não as aceitou, tem a censura da lembrança, a censura do aviso e da advertencia: «Olhae que vós não fallaste no assumpto; é preciso fallar n'elle e fallamos nós.»

Mas ha aqui alguma questão politica? As questões politicas quem as sabe pôr perfeitamente na sua nudez natural, na sua logica primitiva, é o sr. ministro da marinha; esse é que as sabe pôr de uma maneira clara pelo estylo que denuncia a philosophia d'essas questões. Querem que morramos, que vamos entregar o poder nas mãos dos nossos adversarios? Hão de elles vir sentar-se aqui o nós irmos para casa? Esta é a questão politica de s. ex.ª E o sr. ministro diz com uma certa satisfação, com um certo prazer: «Querem que morramos»? Tem orgulho, tem satisfação, tem um prazer inaudito em dizer que o querem matar; sendo talvez o sentimento de que póde morrer o unico que lhe revelo a gloria de ter vivido politicamente.

«Apostata! Chamam-me apostata! Estou espantado como descobriram que eu tinha tido convicções uma vez differentes d'aquellas que tenho agora». Esta vaidade de mortalidade é uma cousa singular. Se os ephemeros tivessem uma vida moral e intellectual, esse sentimento, podia ser para elles natural, porque esses quasi que não sabem que vivem senão porque morrem.

«Pois queriam que executassemos as leis e que as executassemos na capital»? A lei dos pesos e medidas é magnifica, é excellente, mas foi votada ha dez annos. E havemos nós agora executar uma lei que foi feita ha dez annos»? Á vista d'isto a missão dos ministros reduz-se a executarem as leis que elles propõem, e por consequencia se não propõem lei alguma, ficam desculpados de não darem execução ás leis, porque não executam senão aquellas que elles propõem. Está pois sanccionado o epicurismo no poder, muito mais desprezivel que a inhabilidade.

Que se não execute uma lei, concebe-se; mas que o governo consinta que seja martyres da obediencia e do respeito á lei e ás auctoridades uma classe de cidadãos, isso é que é inaudito.

O governo não executou a lei dos pesos e medidas e a antiguidade d'essa lei era um aviso para elle, durante esse lapso de tempo, ir tomando todas as medidas preparatorias, a fim de que não apparecessem, no momento de executar, as resistencias que são naturaes em casos similhantes. O governo não só não tratou d'isso, mas aconteceu o seguinte: Varios logistas, por exemplo, padeiros, julgaram que podiam executar a lei dos pesos e medidas; mas o desgraçado que em logar de vender por arratel, entrou a vender por... como se chama? (Riso.) (Uma voz: — Kilogramma.) A minha hesitação mesmo desculpa a resistencia, mas torna mais meritorio o acto d'aquelles que, longe de resistir, procuraram adaptar ao seu commercio os novos pesos e medidas para n'um certo e determinado dia venderem segundo a lei. Porém sabe v. ex.ª o que aconteceu? Foram invadidas as lojas, os pesos lançados á rua e elle, espancados. Aconteceu isto aquelles individuos que estavam preparados com os competentes pesos para executar a lei; e o governo, que teve tanta coragem para não a executar, nenhuma teve para defender aquelles que queriam e começavam a executa-la. (Uma voz: — Sabe isso?) Consta-me a mim, e consta ainda mais solemne e dolorosamente aquelles que apanharam. (Hilaridade.) Mas o sr. ministro passou-nos depois uma certidão nos seguintes termos: «Saibam todos quantos esta minha declaração ouvirem, que nas provincias de Portugal se vae executando a lei dos novos pesos e medidas, e que o governo todos os dias recebe as mais satisfactorias noticias a este respeito; que em toda a parte do reino se póde executar a lei, menos em Lisboa aonde eu sou o unico representante de auctoridade, mas onde ninguem faz caso de mim». (Riso.)

E esta é que é verdadeiramente a questão do poder, a questão ministerial. Mas o sr. ministro saíu da questão dos pesos e medidas, saíu das considerações de pesos miúdos, subiu a mais altas regiões, e em contravenção ás opiniões do seu collega da fazenda e contra todos os principios economicos e financeiros, veio com theorias arbitrarias, com assumptos obscuros estabelecer o principio — de que a prosperidade das nações avaliava-se pela importancia e conhecimento do preço de seus fundos, e tambem pela somma de litros de acido sulphurico que consomem. Mas ainda que esta regra se possa admittir é certo que tambem ha a curiosidade de saber quem governar essas nações (apoiados); não se tomam só em attenção os actos materiaes, tambem se pergunta: «Quem governa essas nações?» Não se misturam, para avaliar a prosperidade das nações, as pessoas que as governam com os actos materiaes que têem logar; portanto não se conhece a prosperidade das nações só pelo preço de seus fundos nem pelo maior ou menor consumo de acido sulphurico (riso).

A questão do poder entre nós é esta. A questão do poder é — que quatro ministros em vez de procurarem o melhor modo de gerir os negocios publicos e de acudir ás necessidades publicas, em vez de comprehenderem a alta missão de que estão encarregados, só tratam de esquadrinhar as theorias dos seus adversarios, as phrases que pronunciaram, os erros que porventura tenham praticado, fazem d'isto uma collecção minuciosa, e depois declaram: «Nós governâmos o paiz, mas não estamos obrigados a governa-lo melhor que os nossos adversarios; nós governâmos tão bem como elles governaram — do memo modo». Ora, assentado este principio, tomado como cartilha para todos os nossos homens politicos chamados ao governo, o paiz necessariamente ha de gritar de desesperação e procurar salvar-se logo para não ficar inteiramente perdido.

Desde que abandonados os interesses do paiz, desde que estabelecido tudo quanto ha do mais ruinoso e contrario aos interesses publicos, isto se conserva como norma para todos os governos, em vez de seguir outro caminho e adoptar outros preceitos, esses governos não dão garantia nem a podem dar de virtude e de sciencia, esses governos não são aquillo que devem ser, são governos de corrupção politica (apoiados).

Mas os srs. ministros fizeram opposição aos srs. ministros passados; e elles são taes como os passados. N'este caso qual é o seu dever? É fazerem opposição a si mesmo. (Riso.) Então nos bancos dos ministros devendo suppor que ali estava vida, acho que o poder está vasio. Este estado obrigará a apparecer um terceiro partido, e quando elle apparecer é para declarar — que o governo do estado é uma necessidade, que essa necessidade ha de ser preenchida, e preenchida por gente que lance um véu cobre tudo que se tem feito (apoiados), sobre todos os erros dos seus antecessores; que lanço um véu para esquecer os defeitos anteriores, e declare que appareceu para governar melhor, para remediar, e não para imitar os erros praticados; gerir as cousas publicas sem lhe importar o que fizeram ou deixaram de fazer os seus contrarios; emfim para tratar dos interesses publicos (apoiados).

O illustre relator da commissão expoz hontem, com muito espirito e com muita verdade, a rasão profunda e radical da existencia do governo actual; e que faz um grande serviço ao paiz. Esse grande serviço é que emquanto occupar este governo as cadeiras ministeriaes não as ha de occupar a opposição (riso). Na verdade é definir a situação do actual governo nos termos mais proprios e mais promptos; a situação do governo definiu-a perfeitamente o relator da commissão.

Mas desde que um governo obsta a que se façam novas tentativas, que se procurem novos homens, e que se renove a vida publica; desde esse momento o governo que occupa as cadeiras do poder é altamente prejudicial aos interesses publicos. Registo a definição d'esta situação; não digo isto por ironia, registo-a porque é a jaculação da verdade, e a verdade é uma só e unica.