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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 24 DE MAIO DE 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

José de Menezes Toste

Chamada — Presentes 61 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Affonso Botelho, Garcia de Lima, Annibal, Ayres de Gouveia, Brandão, Gouveia Osorio, Seixas, A. Pinto de Magalhães, Pinto de Albuquerque, Magalhães Aguiar, A. de Serpa, A. V. Peixoto, Barão da Torre, Barão do Rio Zezere, Abranches, Ferreri, Cesario, Cypriano da Costa, Fortunato de Mello, Barroso, Abranches Homem, Diogo de Sá, F. L. Gomes, F. M. da Costa, Guilhermino de Barros, Medeiros, Santa Anna e Vasconcellos, Mendes de Carvalho, J. A. de Sousa, Mártens Ferrão, J. J. de Azevedo, Sepulveda Teixeira, Albuquerque Caldeira, Joaquim Cabral, Torres e Almeida, Matos Correia, Rodrigues Camara, Mello e Mendonça, J. Pinto de Magalhães, Alves Chaves, Figueiredo Faria, Luciano de Castro, Frasão, Rojão, Sieuve de Menezes, Menezes Toste, José de Moraes, Gonçalves Correia, Batalhós, Camara Falcão, Camara Leme, Martins de Moura, Alves do Rio, Manuel Firmino, Sousa Junior, Murta, Pereira Dias, Miguel Osorio, Modesto Borges, Monteiro Castello Branco e Placido de Abreu.

Entraram durante a sessão — Os srs. Braamcamp, Vidal, Sá Nogueira, Carlos da Maia, Ferreira Pontes, Fontes de Mello, Mazziotti, Mello Breyner, Antonio Pequito, Pinheiro Osorio, Palmeirim, Zeferino Rodrigues, Bispo Eleito de Macau, Almeida Pessanha, Domingos de Barros, Fernando de Magalhães, Bivar, Izidoro Vianna, F. M. da Cunha, Gaspar Pereira, Pereira de Carvalho e Abreu, Henrique de Castro, Blanc, Silveira da Mota, Gomes de Castro, Nepomuceno de Macedo, Aragão Mascarenhas, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, José da Gama, Sette, Casal Ribeiro, Costa e Silva, Silveira e Menezes, Oliveira Baptista, Mendes Leal, Julio do Carvalhal, Levy Maria Jordão, Freitas Branco, Rocha Peixoto, Mendes Leite, Pinto de Araujo e Ricardo Guimarães.

Não compareceram — Os srs. Adriano Pequito, Abilio, Soares de Moraes, A. B. Ferreira, Correia Caldeira, Quaresma, Antonio Eleuterio, Gonçalves de Freitas, Arrobas, Lemos e Napoles, Pereira da Cunha, Lopes Branco, David, Barão das Lages, Barão de Santos, Barão do Vallado, Garcez, Freitas Soares, Oliveira e Castro, Albuquerque e Amaral, Almeida e Azevedo, Beirão, Carlos Bento, Cyrillo Machado, Pinto Coelho, Claudio Nunes, Conde da Azambuja, Conde da Torre, Poças Falcão, Drago, Coelho do Amaral, Fernandes Costa, Ignacio Lopes, Borges Fernandes, Gavicho, Bicudo Correia, Pulido, Chamiço, Cadabal, Gaspar Teixeira, João Chrysostomo, Costa Xavier, Fonseca Coutinho, Calça e Pina, Ferreira de Mello, Coelho de Carvalho, Simas, Neutel, Veiga, Galvão, Infante Pessanha, Fernandes Vaz D. José de Alarcão, J. M. de Abreu, Latino Coelho, Alvares da Guerra, Affonseca, Alves Guerra, Sousa Feio, Charters, R. Lobo d'Avila, Moraes Soares, Fernandes Thomás, Simão de Almeida, Thomás Ribeiro, Teixeira Pinto, Vicente de Seiça q Visconde de Pindella.

Abertura — Á uma hora da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.º Um officio do ministerio do reino, dando os esclarecimentos pedidos pelo sr. Annibal, sobre o numero de recrutas que no anno de 1863 coube ao concelho de Setubal. — Para a secretaria.

2.º Uma representação da escola medico cirúrgica de Lisboa, pedindo a approvação do projecto de lei do sr. Beirão, para ser concedido o grau de doutor aos alumnos das escolas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto. — Á commissão de instrucção publica.

3.º Doa alumnos da escola medico-cirurgica de Lisboa, no mesmo sentido que a antecedente. — Á mesma commissão.

4.º Dos empregados da segunda direcção do ministerio da guerra, pedindo que lhes seja applicado o beneficio da nova tarifa, ou se lhes concedam os vencimentos e mais vantagens que têem os empregados da terceira direcção do ministerio da marinha de iguaes categorias. — Á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

5.º Da camara municipal de Tabuaço, sobre divisão territorial. — Á commissão de estatistica.

6.º Dos empregados civis do arsenal do exercito, com graduações militares, pedindo que se lhes torne extensiva a tarifa que regula os soldos dos officiaes, segundo a proposta de lei n.° 99-C do presente anno. — Á commissão de guerra e de fazenda.

7.º Dos mestres e officiaes tanoeiros de Cacilhas, pedindo que não seja approvado o projecto de lei do sr. F. I. Lopes, creando, um imposto de portagem cobravel no caes de Cacilhas. — Á commissão de administração publica.

8.º Dezenove requerimentos de officiaes de infanteria, pedindo que na nova organisação do exercito se attenda á promoção dos generaes por armas. — Á commissão de guerra.

9.º Da camara municipal de Cantanhede, pedindo providencias para se construir a estrada de Vizeu á Figueira, passando pela Mealhada, Cantanhede e Montemór. — Á commissão de obras publicas.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Requeiro a v. ex.ª se digne consultar a camara sobre se quer que se publique essa representação da camara municipal de Cantanhede no Diario de Lisboa. É uma representação que diz respeito a estradas, e por isso muito importante.

Aproveito esta occasião para pedir á mesa que queira ter a bondade de communicar ao sr. ministro das obras publicas uma ligeira e breve observação, que o meu dever de filho da Madeira me impõe n'este momento.

Já tenho tido por varias vezes occasião de lembrar a s. ex.ª, o sr. ministro das obras publicas, que a verba de 30:000$000 réis, votada para as obras publicas d'aquelle districto, e outra verba extraordinaria, creio que de réis 15:000$000, que se applica para o mesmo fim, o que perfaz a somma de 45:000$000 réis, são uma completa illusão; e eu digo a v. ex.ª e á camara a rasão por que assim me exprimo com relação a estas verbas.

As circumstancias especiaes em que se acha aquelle districto têem feito com que o rendimento das alfandegas, e em geral os diversos rendimentos d'aquella ilha, não possam fazer face a todos as suas despezas, resultando d'aqui que indo como vão effectivamente os creditos que todos os annos votâmos para obras publicas na occasião em que mais necessario se torna empregar os dinheiros na construcção das estradas e obras publicas em geral, é exactamente quando falta o dinheiro preciso para lhes fazer face. Ora como não vae d'aqui o dinheiro necessario para se tornar effectiva a disposição que nós aqui votâmos, segue-se que o districto fica sem obras publicas na escala em que ellas devem ter logar.

Eu já tenho dito ao sr. ministro das obras publicas que a divida que existe de annos anteriores é uma divida grande e importante, e sei que d'este anno se devem já doze contos e tanto com relação á verba dos 30:000$000 réis.

Peço pois a v. ex.ª e á camara que tenham paciencia em me ouvir com alguma benevolencia; eu não posso deixar de insistir n'isto, porque estas é que são as verdadeiras questões de administração (apoiados).

Em uma epocha em que todos os espiritos estão voltados para a necessidade absoluta de obras publicas, quando se trata de um districto que tem sido flagelado pela Providencia ha tempos a esta parte, é absolutamente indispensavel que os poderes publicos volvam olhos piedosos para aquella parte importante da monarchia portugueza, e que ao menos o que votámos aqui lhe seja religiosamente satisfeito.

Desde já previno a v. ex.ª, á camara e ao sr. ministro das obras publicas, o qual ha de ver estas poucas palavras no Diario, que não largo mão d'este importante negocio. É preciso que a verba votada para o districto do Funchal lhe seja pontualmente paga.

Uma voz: — Para todos os districtos.

O Orador: — Para todos, mas quando s. ex.ª entender que deve advogar a causa do seu districto, pôde estar certo que, já pela muita consideração que devo a s. ex.ª, já pelo interesse que tomo por todo o paiz, me ha de achar a seu lado.

Concluo, porque não quero tomar mais tempo á camara

(apoiados).

Foi approvado que se publicasse no Diario de Lisboa a representação da camara municipal de Cantanhede.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

REQUERIMENTO

Requeiro, pela terceira vez, que o governo remetta a esta camara, com urgencia, pelo ministerio das obras publicas, os documentos relativos á quinta de ensino, denominada Granja do Marquez de Pombal, e constam do Diario de Lisboa n.° 88, do corrente anno. = José Maria de Abreu. Foi remettido ao governo.

notas de interpellação

1. ª Requeiro que seja convidado o sr. ministro dos negocios da justiça a responder a uma interpellação que lhe desejo fazer ácerca dos abusos de auctoridade, ultimamente praticados pelo juiz de direito da comarca da ilha Graciosa, no exercicio de suas funcções. = Fontes.

2. ª Pretendo tomar parte na interpellação annunciada pelo sr. deputado Fontes ao sr. ministro da justiça. = Sant'Anna e Vasconcellos.

Mandaram-se fazer as communicações respectivas.

SEGUNDAS LEITURAS

PROJECTO DE LEI

Senhores. — A necessidade do ensino do desenho nas nossas escolas publicas não carece hoje de ser demonstrada.

Base essencial de toda a instrucção especial, o estudo do desenho acompanha o alumno desde a escola primaria até aos cursos superiores das sciencias, em todos os paizes cultos.

Nem esta necessidade foi esquecida na nossa legislação.

Os decretos de 15 e 17 de novembro de 1836, estabeleceram o ensino do desenho linear nas escolas primarias e nos lyceus nacionaes; e o decreto de 20 de setembro de 1844 compreendeu-o no programma para as escolas primarias do segundo grau. Entretanto nem estas se abriram ainda, nem nos lyceus chegou a organisar-se aquelle ensino, até que, pelos decretos de 10 de abril de 1860 e 9 de setembro do anno proximo passado, se estabeleceu obrigatoriamente o curso de desenho linear em todos os lyceus nacionaes.

As aulas d'esta disciplina foram porém confiadas a professores internos, porque o governo não estava auctorisado para prover estas cadeiras, emquanto por lei não fosse confirmada a sua existencia.

A frequencia porém dos alumnos, mesmo no estado provisorio d'este ensino, tem sido numerosa, e alguns dos professores a quem elle fôra confiado, têem desempenhado esta commissão com muito zêlo e aproveitamento dos ouvintes, apesar da insignificante gratificação que por este serviço lhe fôra arbitrada, e da incerteza da sua carreira no magisterio.

Este ensino não póde comtudo continuar na situação excepcional em que se acha, e emquanto se não procede á indispensavel reorganisação do ensino secundario sobre novas bases, que o progresso das sciencias e as condições da moderna sociedade imperiosamente reclamam, é indispensavel fortificar estes estudos, que são uma das principaes bases de todo o ensino scientifico que, como habilitação geral, é necessario estabelecer largamente a par do ensino classico nos lyceus nacionaes; porque é essa ordem de estudos, bem organisados, que ha de poderosamente concorrer para se operar uma salutar transformação nos habitos e tendencias da nossa educação publica, ainda demasiado dominada pelas tradições do passado, e para que o ensino industrial nos seus diversos ramos possa corresponder á importante missão, que é chamado a representar nas lides do trabalho e nos triumphos da arte, esclarecida pelos assignalados progressos das sciencias de observação.

Este assumpto, que hoje prende a attenção publica nos mais illustrados paizes, não póde deixar de merecer a nossa solicitude antes de encerrar-se a presente legislatura, e por isso ouso esperar que não recusareis a vossa approvação ao seguinte projecto de lei, em que procurei conciliar o interesse do ensino nos lyceus com a instrucção das classes operarias nas capitães dos districtos administrativos, sem augmento de novos encargos para o thesouro publico:

Art. 1.° É creada uma cadeira de desenho linear em cada um dos lyceus nacionaes.

§ 1.° Os professores d'estas cadeiras são em tudo equiparados aos dos lyceus a que pertencerem.

§ 2.° Alem do serviço dos lyceus nacionaes, são os mesmos professores obrigados a fazer cursos nocturnos de desenho linear e de ornatos, de modelos e machinas para instrucção dos alumnos que não frequentam as aulas publicas n'aquelles estabelecimentos.

§ 3.° D'esta disposição ficam esceptuados os professores de desenho nos lyceus nacionaes de Lisboa e Porto.

§ 4.° Por estes cursos nocturnos vencem os professores uma gratificação annual paga pelas camaras municipaes das capitães dos districtos administrativos onde este ensino tiver logar.

§ 5.° Esta gratificação é de 30$000 réis, se o numero dos alumnos não exceder a quinze; de 50$000 réis, se esse numero não for superior a trinta; e de 90$000 réis d'ahi por diante.

§ 6.° O governo decreta os regulamentos para estes cursos.

Art. 2.° É o governo auctorisado a supprimir duas das secções do lyceu nacional de Lisboa e até vinte cadeiras de latim fóra dos lyceus, applicando para as cadeiras de desenho, creadas por esta lei, a somma necessaria, deduzida das cadeiras que forem supprimidas.

Artigo transitorio. Aos professores internos de desenho linear nos lyceus nacionaes que contarem mais de dois annos de bom e effectivo serviço devidamente comprovado, póde o governo, ouvido o conselho geral de instrucção publica, prover na propriedade das mesmas cadeiras, dispensadas as provas do concurso.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da camara dos senhores deputados, em 23 de maio de 1864. = José Maria de Abreu = F. de Almeida Coelho de Bivar.

Foi admittido e enviado á commissão de instrucção publica, ouvida a de fazenda.

Foi approvada a ultima redacção do projecto de lei n.° 100.

O sr. Guilhermino de Barros: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara se quer que se discutam os dois projectos de lei n.ºs 114 e 105, cada um dos quaes tem um só artigo, e parece-me que não podem ter muita discussão; e para este fim mando para a mesa o seguinte

REQUERIMENTO

Requeiro que sejam discutidos os projectos que têem os n.ºs 114 e 105, sendo o primeiro relativo a uma representação de uma camara municipal; e o outro para se conceder um edificio a um asylo de primeira infancia. = Guilhermino de Barros.

O sr. Presidente: — Tenho a dizer ao sr. deputado que o sr. ministro das obras publicas tinha pedido a discussão do projecto n.° 173, sobre a construcção de um porto artificial na cidade da Horta, e então eu consulto a, camara se quer que depois de discutido o projecto n.° 173, se discutam os projectos pedidos pelo sr. deputado.

A camara resolveu afirmativamente.

Entrou em discussão o projecto de lei n.° 173, da sessão passada.

É o seguinte:

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PROJECTO DE LEI N.° 173

Senhores. — A vossa commissão de obras publicas examinou a proposta do sr. Manuel Alves Guerra e de outros srs. deputados, para a construcção de um porto artificial na bahia da cidade da Horta; e

Considerando as grandes vantagens que a posição geographica da ilha do Faial offerece ás embarcações de longo curso, que navegam entre o velho e o novo mundo, para ali irem refrescar de viveres e reparar avarias e estragos de viagem, quando ali encontrem um porto seguro, o que promette um auspicioso porvir á agricultura e mais industrias d'aquella ilha e das circumvizinhas;

Considerando que a ilha do Faial é, de todas as do processo mar dos Açores, aquella cuja bahia mais se facilita á construcção de um porto artificial, com todas as condições de abrigo e segurança;

Considerando que na cidade da Horta já existe um pequeno arsenal e artistas amestrados na construcção e reparo de navios, sendo por esta rasão que ali foi reparar-se do que precisava a esquadra do immortal duque de Bragança o Senhor D. Pedro IV, que depois conduziu ás praias do Mindello o exercito libertador;

Considerando que o immenso valor do pescado que possue o mar dos Açores já hoje attrahe ali grande numero de navios da America e de outras procedencias, e que este numero duplicará, quadruplicará mesmo, quando melhores condições de abrigo n'aquellas aguas libertarem aquella industria dos naufragios e infortunios que tão frequentes ali são, e com o que muito lucrará de interesses o archipelago açoriano;

Considerando que, por falta de portos seguros, as nossas ilhas dos Açores, que podiam ter uma rica marinha mercante, adquirir uma muito maior importancia commercial do que ora têem, e tomar parte tambem, e em ponto grande, e muito lucrativa no rico pescado que têem á porta e que outros lhe vem explorar de longes distancias, estão desvalidas e pobres, tendo seus laboriosos e activos filhos que ir procurar meios de vida a paizes estranhos, onde muitas vezes são tratados como uma especie de escravatura;

Considerando que, no largo espaço do Atlantico em que estão disseminadas as nossas ilhas dos Açores, a doca que se está construindo em frente da cidade de Ponta Delgada não é sufficiente para occorrer ás necessidades do commercio nacional e estrangeiro, e não dispensa a construcção de outros portos de abrigo:

Por todas estas rasões a vossa commissão entende que é de alta importancia e conveniencia a construcção de um porto artificial na bahia da cidade da Horta, e que muito fôra para desejar que as forças do thesouro publico permittissem melhorar as angras e bahias das outras ilhas, com o que muito lucrariam todos e augmentaria a riqueza nacional; mas limitando-se agora ao que julga possivel emprehender-se desde já, tendo ouvido a illustre commissão de fazenda, é de parecer, de accordo com o governo, que a proposta submettida ao seu exame seja convertida no seguinte projecto de lei, que tem a honra de ir apresentar ao vosso illustrado exame.

Artigo 1.º E o governo auctorisado a mandar construir no menor praso de tempo que lhe seja possivel um porto artificial na bahia da cidade da Horta, segundo o plano que por elle for approvado.

Art. 2.° Para satisfazer as despezas d'esta construcção é o governo igualmente auctorisado a contratar um emprestimo até á somma de 260:000$000 réis, moeda forte, sendo esta garantida com titulos de divida publica, se assim for preciso, e concedendo o governo, como garantia do juro e amortisação d'este emprestimo, todos os rendimentos d'este porto artificial, menos a parte necessaria para a sua conservação, desde quando elle estiver em estado de servir aos fins da sua construcção.

Art. 3.° Com applicação ao juro e amortisação do emprestimo, e para a propria construcção da obra, se pagará, alem do que está no presente e estiver no futuro determinado na pauta geral das alfandegas e nas leis de fazenda, os seguintes impostos:

1.º l/2 por cento sobre o valor da importação e exportação, salvo a laranja e os generos que entram e sáem por deposito;

2.º 200 réis sobre cada caixa grande de laranja que se exportar;

3.º 1/2 Por cento sobre os depositos de azeite estrangeiro que se fazem na cidade da Horta;

4.º 5 por cento sobre cada 4:589 decigrammas de carne verde;

5.º 3 por cento sobre as contribuições predial, industrial, pessoal e de registo;

6.º Os emolumentos que cobra a fazenda dos navios entrados na bahia da Horta;

7.º 10 por cento do rendimento total das alfandegas do districto occidental dos Açores.

Art. 4.° A metade da verba destinada no orçamento do ministerio das obras publicas, capitulo 6.°, artigo 11.°, secção 10. para obras no districto da Horta, será tambem applicada para este fim da construcção do porto.

Art. 5.° Concluida a edificação do porto artificial, o governo proporá ás côrtes a tabella dos direitos que deverão pagar os navios que se aproveitarem do mesmo porto.

Art. 6.° Concluido que seja este porto artificial, e logo que esteja amortisado, o emprestimo referido, ou qualquer outro que seja necessario para a conclusão d'estas obras, ficam extinctos os tributos auctorisados no artigo 3.° d'esta lei, sem que mais possam ser exigidos, e serão publicamente inutilisados os titulos ou inscripções que se houvem emittido para garantia do emprestimo.

§ unico. O producto do rendimento do porto artificial de que se trata, depois de construido, e deduzidas as despezas da sua conservação e administração, será dividido em duas partes iguaes: uma para as despezas do estado, e outra para as municipaes do districto.

Art. 7.° Este porto, e todas as mais obras que fazem ou vierem a fazer parte d'elle, é considerado, debaixo de todas as suas relações, propriedade do estado.

Art. 8.° O governo, se o julgar conveniente, estabelecerá uma junta composta de quatro membros escolhidos por elle sobre uma lista de doze, proposta pela junta geral respectiva. Esta junta será presidida pelo governador civil ou por quem fizer as suas vezes; e terá a seu cargo: gerir os fundos destinados á leitura do porto, pagar os juros e amortisação do emprestimo, o todas as despezas que houver com a construcção da obra; ficando outrosim auctorisada a receber directamente das alfandegas e auctoridades competentes todos os impostos destinados para este fim pelo artigo 3.°

Art. 9.° Ficam isentas de quaesquer direitos as machinas, utensilios e mais objectos importados do estrangeiro que forem necessarios para a construcção da doka ou porto artificial, ficando todavia sujeitos á fiscalisação da alfandega da Horta.

Art. 10.° O governo fará os regulamentos precisos para a execução da presente lei.

Art. 11.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão de obras publicas, 22 de junho de 1863. — Thiago Augusto Valioso de Horta — Plácido Antonio da Cunha e Abreu = Belchior José Garcez (com declarações) = João Chrysostomo de Abreu e Sousa = Fernando de Magalhães Villas Boas = Julio do Carvalhal de Sousa Telles, relator.

A commisão de fazenda tem a honra de devolver á de obras publicas o projecto de lei n.° 1 - M, que tem por objecto mandar proceder á construcção de um porto artificial na bahia da cidade da Horta.

Não pertence a esta comissão avaliar as difficuldades da empresa, e tambem se os meios propostos estarão em relação com a sua importancia. E este um assumpto da especial competencia da illustre commissão consultante, e bem assim se os estudos feitos para se levar a effeito uma obra de tanto alcance satisfazem geralmente as indicações de um projecto regular.

À commissão de fazenda, limitando-se ao que é especialmente da sua competencia, tem á declarar que se conforma inteiramente com a opinião do governo emquanto á tabella dos impostos que se propõem, a lira de fazer ao custeamento das obras.

A commissão de fazenda ouviu o governo a este respeito, e sendo a sua resposta favoravel á idéa do projecto, parece-lhe que não ha inconveniente em se approvar, reduzindo-se comtudo a 10 por cento os 20 propostos sobre o rendimento total das alfandegas do districto occidental dos Açores.

E o que cumpre consultar a commissão de fazenda, e devolve á de obras publicas o já mencionado projecto do lei.

Sala da commissão, 17 de junho de 1863. — Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos — Claudio José Nunes = Thiago Augusto Velloso de Horta = Guilhermino Augusto de Barros — João Antonio Gomes de Castro = Placido Antonio da Cunha e Abreu.

Foi logo approvado na generalidade.

O sr. Mazziotti: — Requeiro que v. ex.ª consulte a camara sobre se dispensa o regimento, a fim de se entrar já na discussão da especialidade.

Assim se resolveu; e seguidamente foram approvados sem discussão todos os artigos do projecto.

O sr. Sieuve de Menezes: — Peço a palavra para um requerimento.

O sr. Presidente: — Depois de votados os projectos que a camara resolveu ha pouco que se discutissem, darei a palavra ao sr. deputado.

O sr. Sieuve de Menezes: — Peço perdão a v. ex.ª, mas a palavra para requerimento prefere a tudo.

O sr. Presidente: — Tem a palavra.

O sr. Sieuve de Menezes: — Não quero embaraçar a discussão dos projectos que a camara resolveu que se discutissem, pedidos pelo sr. Guilhermino de Barros, mas assim como v. ex.ª deu a palavra ao sr. Guilhermino de Barros para um requerimento, entendo que devo fazer, o mesmo, e isto não é censura á mesa, porque respeito muito a v. ex.ª

O meu requerimento é o seguinte:

REQUERIMENTO

Requeiro que entre em discussão o projecto n.° 110 na sessão de hoje. = Sieuve de Menezes.

Consultada a camara, não houve vencimento sobre este requerimento.

O sr. Paula Medeiros: — Mando para a mesa o seguinte.

REQUERIMENTO

Requeiro que seja consultada a camara se quer ou não quer n'esta sessão discutir o projecto de lei do sr. José de Moraes, n.° 89 do anno passado, ácerca dos raptos parlamentares. = Henrique Ferreira Paula Medeiros = José de Moraes Pinto de Almeida.

(Continuando.) No requerimento, que acabo de ler, vou provocar esta camara para que se declare, por uma fórma franca e categorica, se quer discutir, n'estes poucos dias que nos restam de sessão, o projecto n.° 89 do anno passado, conhecido pela lei contra os raptos parlamentares.

Estando a espirar o nosso mandato, e nas vesperas de uma eleição geral, é da dignidade d'esta camara converter em lei aquelle projecto, para que os nossos constituintes conheçam que, no exercicio das augustas funcções, que nos foram confiadas, só tivemos em mira o bem geral da nação, e nunca tirar d'este encargo interesse individual (apoiados de ambos os lados da camara).

O sr. Camara Leme: — V. ex.ª sabe que ha umas poucas de sessões eu tinha pedido para ser discutido o projecto n.° 156 da sessão passada, que trata dos capitães de 1.ª classe e que tem parecer da commissão de fazenda; e eu requeiro a v. ex.ª que o ponha em discussão logo depois de votados os projectos que a camara resolveu que se discutissem.

O sr. Presidente: — Vae votar-se sobre o requerimento do sr. Paula Medeiros.

O sr. Paula Medeiros: — Peço votação nominal sobre o meu requerimento.

Consultada a camara, resolveu-se que a votação fosse nominal.

O sr. Presidente: — Os senhores que votam para que se discuta o projecto n.º 89 da sessão passada, dizem approvo; e os outros senhores dizem rejeito.

Feita a chamada

Disseram approvo os ara. Affonso Botelho, Annibal, Vidal, Sá Nogueira, Brandão, Gouveia Osorio, Ferreira Pontes, Seixas, Mazziotti, Magalhães Aguiar, Pinheiro Osorio, A. de Serpa, A. V. Peixoto, Zeferino Rodrigues;, Barão da Torre, Barão do Rio Zezere, Ferreri, Cesario, Cypriano da Costa, Domingos de Barros, Fortunato de Mello, Barroso, Abranches Homem, Diogo de Sá, F. L. Gomes, F. M. da Costa, G. de Barros, H. de Castro, Medeiros, Mártens Ferrão, J. J. de Azevedo, Nepomuceno de Macedo, Aragão Mascarenhas, Sepulveda Teixeira, Albuquerque Caldeira, Joaquim Cabral, Matos Correia, Mello e Mendonça, Faria Guimarães, José da Gama, Alves Chaves, Figueiredo Faria, Casal Ribeiro, Costa e Silva, Frasão, Rojão, Sieuve de Menezes, José de Moraes, Gonçalves Correia, Oliveira Baptista, Batalhos, Julio do Carvalhal, Camara Falcão, Levy M. Jordão, Camara Lime, Martins de Moura, Manuel Firmino, Sousa Junior, Murta, Pinto de Araujo, Miguel Osorio, Modesto Borges, Monteiro Castello Branco.

Disseram rejeito os srs. Sant'Anna e Vasconcellos, João Antonio de Sousa, Luciano de Castro e Menezes Toste.

Ficou portanto approvado por 63 votos contra 4.

O sr. Luciano de Castro: — Mando para a mesa o relatorio da commissão de inquerito nomeada por esta camara para examinar os actos do governador civil de Villa Real, e a responsabilidade era que o governo podesse incorrer por estes mesmos autos.

O relatorio é muito extenso, e por isso apenas leio a conclusão do parecer que é a seguinte (leu).

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que se publique este relatorio no Diario de Lisboa.

O sr. Pinto de Araujo: — Peço a palavra para um requerimento.

O sr. Luciano de Castro: — Esquecia-me de dizer que o sr. Fernandes Costa não assignou o parecer, porque está ausente, e o sr. Mártens Ferrão assignou com voto era separado. Parece-me que ámanhã, segundo s. ex.ª me disse, poderá apresentar o seu voto em separado, e pedia portanto a V. ex.ª que desse as suas ordens para a imprensa, de maneira que não se publicasse um trabalho tem o outro, como já combinámos na commissão, de modo que, quando se discuta o parecer, possa estar presente tambem o voto em separado do sr. Mártens Ferrão.

O sr. Pinto de Araujo: — Fui prevenido pelo sr. deputado Luciano de Castro. O meu requerimento tinha unicamente por fim mostrar que, visto que ha um voto em separado, era conveniente que se imprimisse conjunctamente com o parecer da commissão.

O sr. Nepomuceno de Macedo: — Mando para a mesa nove requerimentos de officiaes de infanteria, representando contra a reforma apresentada ultimamente pelo sr. ministro da guerra.

O sr. F. M. da Costa: — Mando para a mesa um projecto de lei.

O sr. Joaquim Cabral: — Mando para a mesa duas representações das camaras municipaes de Fafe e de Lousada, pedindo que seja approvado o projecto de lei apresentado por mim e pelo sr. Mártens Ferrão, para a construcção da estrada de Paredes a Fafe.

O sr. Monteiro Castello Branco: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo uns documentos ao governo.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Continua a discussão do orçamento, e vão ler-se os pareceres da commissão de fazenda sobre as propostas que foram submettidas ao seu exame.

O primeiro é o pertence A do n.° 34.

Leu-se, e é o seguinte:

PERTENCE (A) AO N.° 34

A commissão de fazenda, depois de examinar attentamente as propostas que foram mandadas para a mesa por occasião da discussão do orçamento do ministerio da marinha, tem a honra de vos apresentar o seguinte PARECER

1.º Uma proposta assignada pelo sr. Figueiredo de Faria e outros srs. deputados, para que seja concedido um barco salva vidas para acudir ao perigos maritimos nas praias de Povoa de Varzim.

A commissão, reconhecendo quanto é humanitario o pensamento da proposta, e a grande conveniencia que ha em collocar n'aquelle porto um salva vidas, considera comtudo satisfeito esse pedido com a resposta dada pelo sr. ministro, quando a proposta foi apresentada na camara, e com a declaração por elle feita na commissão de que já tinha sido encommendado em Inglaterra o referido salva vidas.

2.º Uma proposta dos srs. Sieuve de Menezes e Cyrillo Machado, creando uma verba de réis 100$000 réis para cada uma das tripulações dos barcos salva vidas da ilha Terceira e da Horta.

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3.º Uma proposta do sr. visconde de Pindella, assignada por outros srs. deputados, para que se consigne a verba necessaria para a tripulação do salva vidas que se estabelecer na Povoa de Varzim, e para os que já existem em outros portos.

Achando-se regulado este serviço, segundo foi affirmado pelo sr. ministro da marinha, na proposta de lei que o governo em breve tenciona apresentar á camara sobre a organisação do serviço policial de portos e costas, entende a vossa commissão dever aguardar a apresentação e discussão da mencionada proposta de lei.

Sala da commissão, em 22 de abril de 1864. = Belchior José Garcez = Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos = Guilhermino Augusto de Barros = Placido Antonio da Cunha e Abreu = Antonio Vicente Peixoto = João Antonio Gomes de Castro.

Foi logo approvado.

E poz-se em discussão o seguinte

PERTENCE (B) AO N.° 34

Senhores. — Foram presentes á commissão de fazenda differentes propostas mandadas para a mesa por occasião da discussão do orçamento do ministerio da fazenda:

1. Do sr. deputado Carlos Bento da Silva, para que seja fixada a importancia da divida fluctuante no anno economico de 1864-1865;

2. Dos srs. deputados Ferreri, Villas Boas e visconde de Pindella, para que se votem mais 15 por cento ás classes inactivas de não consideração;

3. Dos srs. deputados Antonio de Serpa, Coelho do Carvalho e visconde de Pindella, para que ás pensionistas do monte pio militar se paguem integralmente as suas pensões, na conformidade da promessa feita na lei que lhes reduziu temporariamente as mesmas pensões;

E 4.ª Do sr. deputado José Luciano de Castro, para que, seja incluida no orçamento da despeza do ministerio da fazenda, no logar competente, a verba de 300$000 réis de ordenado a um correio a pé pertencente ao quadro do thesouro, e servindo em commissão na procuradoria geral da fazenda.

A commissão examinou attentamente estas propostas e, de accordo com o governo, é de parecer:

Que a primeira proposta para se fixar a divida fluctuante não pôde ser approvada, por não ser possivel calcular a parte dos rendimentos publicos que o governo terá a representar no exercicio de 1864-1865, para realisar sobre a sua importancia as quantias que forem necessarias para occorrer ao pagamento das despezas auctorisadas por lei;

Que a segunda e terceira propostas para se melhorar a posição das classes inactivas de não consideração, e das pensionistas do monte pio militar, podem ser attendidas votando-se mais 5 por cento para estas classes, não permittindo as finanças do paiz que por emquanto se vote uma maior despeza;

Finalmente que a quarta proposta para ser incluida no orçamento da despeza do ministerio da fazenda a verba de 300$000 réis de ordenado a um correio a pé que serve na procuradoria geral da fazenda está nos termos de ser approvada, porque, tendo-se satisfeito este ordenado desde 1851 até hoje pela verba das despezas eventuaes, é mais regular e conforme á lei que esta despeza figure no logar competente.

Sala da commissão, 4 de maio de 1864. = Belchior José Garcez = Joaquim Januario de Sousa Torres e Almeida = Placido Antonio da Cunha e Abreu = Guilhermino Augusto de Barros = Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos — Claudio José Nunes = Hermenegildo Augusto de Faria Blanc = Anselmo José Braamcamp = João Antonio Gomes de Castro.

O sr. Antonio de Serpa (sobre a ordem): — Pedi a palavra, porque desejo uma explicação sobre as expressões da commissão, quando diz que = se devem dar mais 5 por cento ás classes inactivas =.

Eu entendo que os 5 por cento se devem contar sobre o nominal do vencimento e não sobre a totalidade do que recebem. É assim que se tem entendido sempre; é assim que se faz com relação aos empregados publicos quando se lhes tiram 10, 20 ou 30 por cento, ou outra qualquer percentagem nos seus ordenados. Tenho idéa de ouvir dizer que esta maneira de se expressar a lei tem sido interpretada, ou alguma vez o foi, de um modo differente por que se descontaram os 10 por cento, não sobre o nominal, como entendo que deve ser, mas sobre o vencimento com que ficavam aquelles empregados.

Portanto desejo saber se o sr. ministro da fazenda entende que estes 5 por cento são sobre o nominal.

Senti que a commissão não tivesse adoptado a minha proposta, ou pelo menos feito mais algum beneficio aquella desgraçada classe. Não me refiro a todas as classes inactivas, porque sei que são muito numerosas e que qualquer percentagem a mais poderia importar numa somma muito consideravel; porém a respeito das pensionistas é uma classe insignificante no numero, é uma classe que merece mais que todas as outras, porque o que se lhe faz não é um favor, é uma restituição.

Mas se acaso o governo entende que não é possivel dar-lhe mais nada, não insisto n'este ponto. E então para não tomar mais tempo á camara, visto que não posso fallar sobre a materia, porque tenho a palavra sobre a ordem, concluo, esperando que o sr. ministro da fazenda dará algumas explicações sobre este ponto, e estou persuadido de que a explicação que ha de dar é que estes 5 por cento são sobre o nominal.

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — Pedi a palavra para declarar ao nobre deputado que entendo que aquelles 5 por cento são sobre o nominal, e não tenho duvida em que se adopte uma redacção que exprima melhor esta idéa.

Agora emquanto ao desejo que mostrou o nobre deputado de que se acabasse com todas as deducções, eu tambem desejo o mesmo, mas não temos remedio senão caminhar dentro dos recursos que tem o thesouro.

O sr. Casal Ribeiro: — O parecer que v. ex.ª acaba de pôr em discussão refere se: primo á divida fluctuante, secundo ás classes inactivas, tertio a um correio da procuradoria geral da fazenda.

Este simples enunciado basta para se conhecer quanto é rasoavel o meu requerimento, a fim de que se reserve para discussão separada a parte do parecer que diz respeito á proposta do sr. Carlos Bento, ácerca da divida fluctuante, que me parece ser objecto muito pouco connexo com o correio da procuradoria da fazenda e com as classes inactivas.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — A commissão não podia deixar de dar parecer sobre as propostas que lhe foram submettidas.

O Orador: — Não digo que a commissão devia deixar de dar parecer; peço que a discussão sobre estes pontos seja separada. A ordem logica é que nos deve guiar na maneira por que devemos discutir e votar as materias, e não a ordem da sua collocação em um papel.

Não censuro a commissão por ter reunido differentes materias no mesmo papel; mas parece-me um contrasenso querer-se envolver a discussão da divida fluctuante com a de um correio da procuradoria da fazenda. Podemos discutir a questão das propostas sobre as classes inactivas e a do correio, e depois resolver sobre a questão da divida fluctuante, que é uma questão grave.

Portanto proponho que se separe do parecer a parte a que se refere a proposta do sr. deputado Carlos Bento sobre fixação da divida fluctuante.

O sr. Presidente: — Eu consulto a camara sobre o requerimento do sr. deputado se se hão de discutir separadamente cada um dos pontos do parecer.

Não houve vencimento.

O sr. Presidente: — Continua a discussão. Necessariamente a votação ha de ser por paragraphos.

O sr. Castro Ferreri: — Fui prevenido em parte pelo sr. Antonio de Serpa, emquanto ao objecto para o qual tinha pedido a palavra. Era sobre o pequeno augmento que se concede ás classes inactivas de não consideração. Agradeço á illustre commissão de fazenda, bem como ao governo, o ter considerado em parte a minha proposta.

A commissão entendeu que o que se lhes podia dar era sómente 5 por cento, emquanto que a minha proposta era — para que se lhes desse pelo menos 15 por cento. Pela minha parte lastimo que se lhes concedesse um tão pequeno augmento, mas a verdade é — que é melhor pouco que cousa alguma.

A illustre commissão de fazenda diz que = as circumstancias do nosso thesouro não permittem que se faça uma concessão maior =; porém tenho a ponderar, em resposta á illustre commissão, que sinto que esta camara, que tem sido extremamente franca, e que tem feito varias e muito diversas concessões de pura generosidade e sem direito algum, entenda n'este caso que não deve fazer uma maior restituição, porque as forças do nosso thesouro se oppõem a isso.

É preciso que a camara comprehenda, que essa remuneração que se dá a esta classe infeliz não é mais do que uma mera restituição, portanto é de notar a exiguidade de 5 por cento em pensões tão diminutas.

Deploro na verdade que assim se tenha procedido, porque a camara de certo não ignora que isto não é um beneficio, uma generosidade, mas sim a restituição de parte do que se lhe deve e o cumprimento de promessas feitas ha muito tempo, desde 1842 a esta parte que se diz que = logo que os recursos do thesouro o permitta se lhes dará integralmente as suas pensões =; mas que temos nós visto? Que nada d'isto se tem feito.

Se por um lado estimo que este pequeno augmento lhes fosse dado, por outro lado sinto não ter sido considerada a minha proposta, que mais condignamente consideram essa classe desvalida.

Eu conheço que o nobre ministro da fazenda tem desejos de attender a esta classe, mas não basta desejos, é preciso leva-los á pratica; comtudo depois dos actos de liberalidade, que temos aqui presenciado e a que já alludi, parece-me não haveria desculpa para se proceder d'esta fórma. Entretanto termino declarando que me satisfez a explicação de s. ex.ª quando disse que —os 5 por cento recaíam sobre a totalidade da pensão e não sobre a que recebem =, e peço que se note isto mesmo para depois se não suscitarem duvidas.

O sr. Casal Ribeiro: — Não me levanto para fazer um discurso sobre finanças, porque ha certas epochas e certas circumstancias em que, por mais forte que seja o animo, desfallece á proporção que a crença diminue.

Não creio que nem a atmosphera physica, nem a atmosphera politica favoreçam n'este momento a discussão. Nem os longos discursos são consentidos pela atmosphera physica, nem a atmosphera politica se apresenta de maneira que a discussão possa augurar-se proveitosa. Quando vejo que se quiz discutir conjunctamente uma grave questão financeira, com o ordenado de um correio e o melhoramento de situação das classes inactivas, não tenho fé que as minhas palavras, aliás destituidas de auctoridade, possam ter a menor influencia nas resoluções da assembléa.

É debaixo d'esta impressão de desanimo, que me não incita a fazer uma longa oração, que vou apresentar mui ligeiras e singelas considerações sobre a parte d'este parecer, que se refere á proposta do illustre deputado, o sr. Carlos Bento, e sobre os assumptos que a ella se ligam, antes como protesto, que uma vez mais desejo lavrar nos annaes parlamentares, de que como tentativa de convencimento, que raras vezes me será dado conseguir, porque conheço a

fraqueza das minhas faculdades oratorias e muito menos na occasião em que presinto taes disposições na camara, que para não as censurar me abstenho tambem de qualificar.

Sinto que não esteja presente o illustre auctor da proposta, porque elle de certo melhor poderia explicar o seu pensamento e sustentar aquillo que tinha apresentado. Não o venho substituir, nem tomar completamente o seu logar. Poderia comprehender que a commissão de fazenda não aceitasse a indicação do sr. Carlos Bento; poderia comprehender que dissesse, que estava longe a perfeição da nossa organisação financeira, que não estava ainda o orçamento levado a tal grau de aperfeiçoamento e que o estado das nossas finanças não era de tal modo satisfactorio, que desde já nos fosse dado este complemento exigido pela proposta do illustre deputado. O que não comprehendo, o que não approvo são as palavras peremptorias e sentenciosas, com que a commissão rejeitou uma proposta, a qual, quando outras rasões não tivesse para se recommendar, bastava ser, como é, a reproducção de outra apresentada no parlamento francez pelo sr. Thiers, pelo illustre estadista que, atravessando tantas situações na sua larga carreira politica, tem tantas vezes demonstrado a superioridade da sua intelligencia e o vigor do seu bom senso.

Uma proposta identica á do sr. Thiers não devia ser tratada como cousa absurda e digna de uma peremptoria reprovação, como se deprehende do parecer da commissão.

A proposta do sr. Carlos Bento, se a propria auctoridade do seu auctor não bastasses recommenda-la, vindo escudada com a excellente auctoridade do sr. Thiers, valia a pena de ser tratada com mais alguma consideração, com um exame mais detido e menos superficial. Não são porém sómente as auctoridades que a recommendam, mas são as boas rasões.

A commissão de fazenda não tinha rasão para tratar de um modo tão desabrido esta proposta. A experiencia mesmo devia amestra-la. Conviria lembrar-se de que no anno passado se fez uma similhante proposta, em relação á divida fundada, defendida por mim e pelo sr. Carlos Bento, remettida á commissão de fazenda, e que não lhe mereceu melhor sorte nem mais amoravel trato do que a presente.

Pretendíamos então que no orçamento se fixasse a somma da divida fundada que o governo poderia emittir durante o anno, julgando-se cassadas todas as auctorisações indefinidas, e fixando-se por uma vez no orçamento a quantidade de divida que seria possivel emittir durante o anno. Esta proposta foi recommendada por nós com muito boas rasões, e foi desabridamente tratada pela commissão de fazenda, em termos summarios como os que se acham exarados no actual parecer.

«Não é possivel (disse a commissão de fazenda em tom dogmatico) fixar a divida fundada, porque não se sabe até que ponto irão os encargos de despeza que é necessario satisfazer durante anno por esse meio.»

E que vemos nós este anno? Vemos que esse principio, que nós apresentámos no anno passado, e que tão combatido foi pelo sr. ministro da fazenda, vem hoje adoptado pelo mesmo sr. ministro no actual orçamento; elogiado e admirado pela commissão no seu parecer!

Para que hão de declarar impossivel aquillo que no anno seguinte adoptaram como facilimo? Para que hão de condemnar hoje aquillo que, oxalá, ámanhã elogiem?

Isto mostra que é preciso sermos mais circumspectos na apreciação das opiniões dos nossos adversarios; isto mostra que as indicações da opposição nem sempre são desaproveitáveis e desaproveitadas.

O governo adoptou o principio que a opposição propunha no anno passado; e considero isto como um grande melhoramento financeiro. Oxalá que a execução corresponda á prescripção! Oxalá que a prescripção seja tal que possa executar-se!

Ouvi dizer do alto da cadeira presidencial, que depois d'este parecer vamos votar a lei da receita.

Devo desde já declarar á camara, que se essa lei for votada tal como está formulada, a prescripção do artigo 5.° torna-se nulla, porque é impossivel; não ha de ser executada, porque é inexequivel (apoiados).

E porquê? Porque o artigo 5.° auctorisa o governo a preencher por certos meios, recorrendo ao credito, a differença que houver entre a despeza e a receita, tanto ordinaria como extraordinaria.

Ora, dado que fosse perfeitamente calculada a despeza e a receita no orçamento (o que me parece muito longe de poder demonstrar-se), depois das muitas alterações que o orçamento tem soffrido desde que começou a discutir se, e de muitos projectos que têem sido votados, a despeza real excederá muito a despeza primitiva mencionada no orçamento. Se nós votarmos ao governo apenas 2.700:000$000 réis que se pedem no artigo 5.° para satisfazer pela divida fundada, difficil, senão impossivel, será a situação do governo.

Não se conseguirá o fim com a verba de 2.700:000$000 réis. E eu, apesar de deputado da opposição, uma vez que estão votadas as despezas, hei de votar ao governo os meios necessarios para as satisfazer, recorrendo, quanto seja indispensavel, ao credito, sem saír fóra da lei, porque foi esse o fim que se teve em vista quando provisoriamente se auctorisou o governo a occorrer pela receita extraordinaria ao excedente da despeza ordinaria.

O facto de saír o governo fóra dos limites da lei não era novo; novo foi o direito. O facto dava-se de ha muito tempo; mas collocava o governo fóra da lei. Para saír d'esta situação falsa, em circumstancias especiaes e extraordinarias, se auctorisou o remedio extraordinario tambem. Essas circumstancias extraordinarias não acabaram ainda.

É util que se adopte uma excellente pratica financeira; é util que o orçamento seja uma realidade, como diz a com

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missão de fazenda, extasiando sei diante do orçamento, por ver pela primeira vez n'elle o completo catalogo de todas as despezas.

Mas, se a auctorisação concedida ao governo for de tal maneira restricta e limitada, se for calculada a despeza e a receita por previsões que distam muito da realidade, o governo ha de saír fóra da lei pela imperiosa necessidade das circumstancias; ha de acontecer que a prescripção não ha de ser executada; e, se ella não pôde executar-se, é melhor que não a votemos, porque nada ha que mais desacredite o principio de auctoridade e o principio parlamentar do que as leis que não 66 executam (apoiados).

Bom foi aceitar a indicação que fizemos para se fixar no orçamento a somma dos recursos a obter pela divida fundada. É preciso faze-lo de modo que se cumpre a lei, de modo que se não exceda, de modo que se converta em realidade.

E não foi esta a unica indicação da opposição que foi adoptada. Ha outra, que eu enunciei ha um anno n'esta camara, que não se referia propriamente ao orçamento, mas á administração financeira, e que apesar das duvidas que então se suscitaram, foi depois praticada pelo governo, e oxalá que o possa ser em mais larga escala. Refiro-me á transformação da divida fluctuante em simples escriptos do thesouro sem penhor de titulos de divida fundada.

Quando apresentei esta idéa, foi repudiada por inexequivel, e considerada quasi como utopia. E comtudo não foi preciso mais de um anno para mostrar que podia ser levada á execução; e já hoje uma parte da divida fluctuante tem sido realisada sem penhor.

Estes factos mostram que as indicações da opposição não são sempre desaproveitáveis, nem eivadas de espirito partidario; mas ao contrario, que a opposição se preza de não ter menos interesse e zêlo pela boa gerencia da fazenda publica, do que aquelle que acredito possuirem os illustres deputados da maioria (apoiados).

Ainda outra indicação da opposição, adoptada pelo governo, é a divisão do orçamento em ordinario e extraordinario. Esta divisão foi lembrada na camara dos pares por um distincto cavalheiro, o governo adoptou a agora, e a commissão applaude. Não reprovo o methodo, acho-o mesmo preferivel quando bem comprehendido e executado. Ha porém na classificação da despeza e da receita em ordinaria e extraordinaria grande dose de arbitrio; e por isso lhe não ligo extrema importancia. Sigo a opinião do sr. Thiers que dizia ha pouco no corpo legislativo francez: «As despezas, que chamámos extraordinarias e que se repetem vinte ou vinte e cinco annos, podem bem merecer o riome de ordinárias». Quando nos referimos, por exemplo, a viação; quando vemos que por largos annos teremos que despender sommas avultadas com a construcção das nossas estradas, não posso enthusiasmar-me por que se chame extraordinaria esta despeza.

Ha para mim alguma cousa muito mais importante que a classificação mais ou menos arbitraria da despeza em ordinaria e extraordinaria; é que se consigne toda no orçamento do estado; é que não haja uma verba, pequena ou grande, que fique fóra. Isto é que convem tornar realidade; e não o será, se o orçamento não for refundido depois das alterações feitas, depois dos projectos que têem sido votados, depois das despezas que têem sido acrescentadas.

Se o orçamento não for refundido em vista de todas estas circumstancias, se pararmos diante do receio de vermos um algarismo exagerado, quando se faça o arrolamento de todas as despezas votadas; se para não vermos o perigo que temos provocado fecharmos os olhos; senão recommendarmos á commissão de fazenda que examine todas as resoluções da camara, que vejo todos os projectos approvados que importam augmento de despeza, e refazendo os seus calculos a este respeito examina qual é o verdadeiro deficit, a principal excellencia do novo methodo orçamental desapparece completamente.

Dizem que não se pôde fixar a importancia da divida fluctuante (lendo o parecer da commissão) «por não ser possivel calcular a parte dos rendimentos publicos que o governo terá a representar no exercicio de 1864 a 1865, para realisar sobre a sua importancia as quantias que forem necessarios para occorrer ao pagamento das despezas auctorisadas por lei». É a isto que eu chamo peremptorio.

Esta rasão não é a verdadeira; não pôde aceitar se; é contraproducente.

Se a divida fluctuante fosse entre nós aquillo que era preciso, que era util e necessario que fosse; se a divida fluctuante preenchesse o seu officio verdadeiro a fixação d'ella nada tinha de impossivel e difficil. O officio verdadeiro da divida fluctuante é, como diz a commissão, a representação de uma parte dos rendimentos publicos pertencentes ao exercicio do anno economico, para occorrer a despezas do mesmo anno, que teve de effectuar se antes da cobrança.

Se a divida fluctuante entre nós significasse isto; se não fosse mais que a antecipação temporaria que o governo necessitasse fazer dos rendimentos proprios do anno, e no fim se achasse paga por esses mesmos rendimentos, quando cobrados seria facil prever, em relação ás epochas das cobranças dos tributos, em relação aos mappas das cobranças anteriores, até que ponto seria permittido ao governo levantar nova divida fluctuante. Que difficuldade, que impossibilidade haveria aqui? Oxalá que o dia chegasse em que a divida fluctuante preenchesse o seu officio verdadeiro, porque desde esse momento a sua fixação era necessaria, util, possivel e facil.

Mas o verdadeiro motivo não é este; não pôde ser a impossibilidade de determinar a somma. A nossa divida fluctuante está longe de se limitar ao seu verdadeiro officio; não é a representação da receita do anno, é o encargo que se accumula de anno para anno pela somma dos deficits, e que tende sempre a converter-se em divida permanente, passando por aquelle immenso receptáculo do passivo do estado, a que se chama junta do credito publico.

Se assim não fosse, não veriamos, por um lado a divida fluctuante crescendo de anno para anno, e por outro lado a velha divida fluctuante convertendo-se em divida fundada.

Diga-se pois a verdade, que vae n'isso grande vantagem, e signal de respeito pelo paiz. Não procuremos cerrar os olhos para não ver e os ouvidos para não escutar. Diga-se a verdade clara, positiva como é. Os optimismos são perigosos.

Quer a camara saber até que ponto o facto a que me refiro é verdadeiro nos ultimos tempos? Os documentos, que solicitei do ministerio da fazenda, e foram remettidos a esta casa e que se acham publicados no Diario official de 8 de abril, provam que nos oito primeiros mezes d'este anno economico, desde 1 de julho de 1863 até 28 de fevereiro de 1864, a divida fluctuante nas suas diversas categorias augmentou em mais de 700:000$000 réis; isto ao mesmo tempo que se tinha feito um emprestimo de 1.200:000 libras reaes ou 2.500:000 libras nominaes realisando-se por elle cerca de 5.400:000$000 réis.

Os documentos a que me referi demonstram que a divida a praso menor de um anno sobre penhores de inscripções nos primeiros oito mezes do anno economico augmentou na quantia de 84:000$000 réis; que a divida sobre outros penhores augmentou na importancia de 43:000$000 réis, e que a divida sem penhores augmenta na importancia de 601:000$000 réis; total 728:000$000 réis.

Este foi o augmento da divida fluctuante nos primeiros oito mezes do anno; foi esta a nova divida contrahida, alem do emprestimo de 5.400:000$000 réis.

Veja se, por esta simples exposição, se houve exageração da minha parte quando ha um anno calculava em cerca de 7.000:000$000 réis a importancia que seria necessario levantar n'este anno para occorrer ás diversas despezas, que excederiam os recursos do anno; veja-se se eram exactas as previsões que n'essa occasião apresentava o sr. ministro da fazenda, de que = com 3.000:000$000 a 4.000:000$000 réis de emprestimos, poderia fazer face ás despezas =.

Já em outra occasião um illustre, estimavel e talentoso deputado, discutindo por occasião da resposta ao discurso da corôa o assumpto financeiro, disse a este respeito que = não era para admirar que tivesse havido algum erro, algum equivoco nos calculos do sr. ministro da fazenda, e que igualmente o tinha havido nos meus =.

O illustre deputado não podia provar esta segunda proposição; e não vae aqui questão de amor proprio. Tudo isto são apenas calculos, e de certo ninguem pôde pretender que elles cheguem á precisão mathematica, porque são calculos de previsão, de probabilidades. Mas, quando o sr. Torres e Almeida, a quem me refiro, n'essa occasião tomava apenas o algarismo do emprestimo Sthern Broters, ao illustre deputado esquecia que alem d'este emprestimo havia a divida fluctuante, que tinha augmentado, e ainda outros emprestimos realisados dentro do anno; como o emprestimo de 100:000$000 réis, contratado com a companhia utilidade publica em agosto de 1863, esquecia que as probabilidades se apresentavam de maneira que o algarismo da divida fluctuante teria de crescer ainda largamente até ao fim de junho proximo; esquecia que, se á previsão do sr. ministro estava já n'aquella epocha excedida pela realidade, a minha se afigurava então, e continua a afigurar se, com grandes visos de realisação.

Porém não era ainda no começo d'esta sessão legislativa, como aquelle illustre deputado se afigurou; não é ainda hoje a occasião de se apreciar até que ponto São exactos os calculos que apresentei.

Que o não são os do sr. ministro da fazenda, já nós sabemos; mas se os meus ficaram abaixo ou acima da verdade, não o podemos ainda saber, porque se referem a todo o anno economico de que ainda não está acabada a gerencia, e só depois de conhecida a gerencia de todo o anno economico se pôde saber a quanto monta a importancia total dos emprestimos realisados durante ella.

Nem digam que do emprestimo Sthern Brothers existem ainda avultados saldos a receber, porque esses saldos são compensados muito proximamente pelas quantias que ainda ha a pagar ás emprezas dos caminhos de ferro do norte e leste, e do sul e do sueste.

Em 29 de fevereiro ultimo, segundo um documento official que veiu do ministerio das obras publicas, havia ainda a pagar aquellas emprezas 1:883:000$000 réis; e esta quantia, este saldo a pagar, absorve quasi na totalidade as quantias que existiam na mesma epocha em poder dos contratadores, e no joint stock bank, provenientes do emprestimo Stern...

(N'esta occasião ouviam-se os estrondosos ribombos de uma grande trovoada, os quaes não deixaram ouvir bem o orador.)

Mau parece o agouro, quando começámos a discutir as nossas finanças, sermos assim tratados pelos elementos naturaes... mas não quero deixar-me aterrar pelos receios supersticiosos, nem consentir que succumba o animo a isto que em outras epochas se poderia tomar por triste presagio.

Espero que no céu appareça em breve a luz do sol. E tambem a luz da verdade que peço para o orçamento; a luz da verdade, util aos governos, util ao paiz, util aos partidos, salutar para todos.

Precisamente a rasão por que não se approva a proposta é porque a divida fluctuante não é aquillo que no parecer se diz; é porque no orçamento e nós trabalhos financeiros da epocha, com más intenções não digo, porém com intenção de nos poupar a justificados temores, se pretende anuviar, entenebrecer; esconder aos olhos do paiz o verdadeiro horisonte das cousas publicas, em vez de o illuminar com o clarão da verdade e da franqueza.

A divida fluctuante não pôde fixar se, pela imperfeição do nosso orçamento; a divida fluctuante não pôde fixar se, porque o orçamento dista muito da verdade; a divida fluctuante não pôde fixar-se, porque as receitas publicas se calculam em contraposição absoluta com as regras prescriptas no regulamento de contabilidade, como muitas vezes se tem notado.

Para o regulamento adopta se a regra; para o orçamento a excepção. No regulamento diz-se: «Calculae as receitas segundo as do anno anterior». No orçamento diz se: «Calculámos as receitas segundo as do anno anterior, acrescentadas com uma percentagem que representa a progressão».

Se tal methodo fosse adoptavel; se tal methodo, inventado entre nós para a hypothese e desprezado para a these, podesse seguir se com segurança, porventura os factos já conhecidos auctorisariam a tirar d'elle as illações que se tiraram?

Vejamos a receitadas alfandegas, a mais abundante fonte do vosso activo. Está publicada officialmente a conta da receita realisada pelas tres alfandegas maiores até ao fim de abril; e monta á somma de 5.449:000$000 réis. Acrescentando dois decimos correspondentes, pelo termo medio do mesmo anno nos dois mezes que faltam — maio e junho — devemos presumir que a importancia total no anno economico subirá a 6.539:000$000 réis, superior á do anno anterior, que foi de 6.321:000$000 réis, em 218:000$000 réis. Este augmento representa a percentagem de 3 1/2 por cento; e não aquella que se calculou...

(Redobrando o estampido dos trovões, disse): O Orador: — Ao tom d'este triste e estrondoso acompanhamento é difficil fazer-me ouvir. Seria talvez conveniente suspender-se a sessão por algum tempo, se v. ex.ª e a camara quizessem ter essa condescendencia.

O sr. Presidente: — Interrompo a sessão por algum tempo. Faltavam dez minutos para as tres horas da tarde. Sendo tres horas e um quarto continuou a sessão. O sr. Casal Ribeiro: — Vou, como me for possivel, ligar o fio das idéas.

Agora depois da procelosa tempestade, como dizia o nosso Camões; agora depois do estrondo dos trovões veiu esta chuva abundante, refregirante e fecundante caír sobre [a terra. Assim podesse a commissão de fazenda, como fez o Jupiter da fabula com a ambiciosa Danae, transformar os seus desejos em chuva de oiro que caísse nas arcas do thesouro, e convertesse as previsões exageradas em abundantes e reaes colheitas! (Vozes: — Muito bem.)

Infelizmente não posso acreditar em tal prodígio. Não estou aqui para presagiar tristezas ou alegrias; mas para preconisar verdades.

Referia-me ha pouco á receita das alfandegas, ao principal e mais abundante dos nossos recursos financeiros.

Tratava de mostrar que as receitas ultimamente effectuadas têem augmentado, sim, porém estão longe de deixar I esperar aquellas com que se contava n'este orçamento contra as regras do regulamento geral de contabilidade.

O rendimento das tres alfandegas maiores, como tinha dito, e repito agora, para ligar O argumento, foi nos dez primeiros mezes do actual anno economico, de 5.449:0000 réis. Se a este rendimento acrescentarmos 2/10, que correspondem aos dois mezes de maio e junho, será no anno de 6.539:000$000 réis, superior ao do anno anterior, que foi de 6.321:000$000 réis; porém superior apenas na percentagem de 3 1/2 por cento, muito inferior aquella que serviu de base para a progressão adoptada para a hypothese nos calculos do sr. ministro da fazenda, plenamente approvados pela commissão. Ora desprezando nós a regra geral, e modelando o nosso calculo pelo do orçamento, teriamos a acrescentar 3 l/2 por cento como rendimento, o mais provavel n'este anno é mais 3 1/2 por cento como rendimento a maior, provavel do anno futuro — total 7 por cento sobre a receita de 1862-1863.

A differença, se se calcular por esta maneira, contraria ás regras estabelecidas entre nós, contraria ás regras estabelecidas em toda a parte, tendo em vista os factos mais remotos, positivos e contestados nos documentos officiaes, é de 400:000$000 réis para menos do que vem calculado no orçamento a receita das tres alfandegas, e de 500:0000 réis para menos, se calcularmos a mesma progressão de 7 por cento em dois annos para todas as alfandegas.

Eis-aqui porque não é possivel fixar a divida fluctuante. E porque se não quiz apresentar o deficit real verdadeiro, porque era preciso deixar grande largueza para que elle se podesse cobrir sem especificar os meios.

Não quero agora entrar em maiores desenvolvimentos, como podia entrar. Limito-me apenas a estas simples considerações. Como me referi á mais importante das nossas receitas, podia referir-me a outras. Poderia mostrar que, se o methodo adoptado no orçamento actual para o calculo da receita fosse bom, se por um lado se attendesse á progressão a maior que demonstram certas receitas, haveria por outro lado a attender á progressão decrescente de outras receitas, como, por exemplo, a proveniente da venda dos proprios nacionaes, que necessariamente diminue.

A illustre commissão de fazenda no seu relatorio, diz comparando a despeza com a receita ordinaria: «D'este modo resulta um deficit de 430:925$857 réis, que o governo tem toda a confiança que seja coberto pelo augmento da receita das alfandegas », etc.:

Extraordinária confiança! Ainda as receitas das alfandegas; calculadas já no orçamento era 500:000$000 réis mais do que o poderiam ser, em vista dos factos expostos, aceitas mesmo as bases do calculo, ainda essas receitas hão de dar sobras para cobrir o deficit de 439:000$000 réis!... Eis-aqui a verdadeira rasão por que se não pôde fixar o

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maximo da divida fluctuante, e que é preciso que o deficit não appareça, segundo a ordem das idéas de certos financeiros. Elimina-se o deficit do orçamento; o que não podem é elimina-lo da realidade (apoiados).

Se os factos e as contas o não traduzissem em realidade, seria um feliz acontecimento para nós. Mas afastarmos a precisão quando ella tem de verificar-se, é deixar o governo, deixar o parlamento, deixar o espirito publico na tendencia de um erro que pôde ser funesto, e que já o tem sido.

«Não temos deficit ordinário», diz-nos o governo; e não obstante o orçamento actual apresenta sobre o orçamento anterior, que excedia largamente todos os outros orçamentos, um augmento de despeza cerca de 600:000$000 réis! (Apoiados.)

E será esta ainda a verdade dos factos? Não o é, porque, alem d'esses 600:000$000 réis, ha ainda muitos centenares de contos votados já n'esta sessão legislativa por diversos projectos especiaes — uns de iniciativa do governo, outros de iniciativa de deputados (apoiados). Essa despeza não está ainda calculada no orçamento, mas é despeza votada, é despeza que ha de realisar-se. O deficit não está previsto, mas o deficit ha de apparecer.

E n'este ponto tenho commigo a auctoridade do sr. ministro da fazenda, que ainda ha poucos dias censurava a facilidade com que se votavam despezas sem se attender aos meios de receita para occorrer a ellas.

Tenho commigo a auctoridade do sr. ministro quando, dirigindo se a este lado da camara, lhe exprobrava o ter recusado ao governo o pequeno augmento de 85:000$000 réis que pedia sobre a contribuição pessoal.

Era para desejar que se podessem riscar as palavras que então se proferiram, que se tivessem obliterado as que se escreveram em relatorios, para que hoje podesse saír do banco dos ministros uma idéa similhante.

Pois haveria aqui alguem que negasse ao governo réis 85:000$000, sé elle francamente declara»se e provasse que havia a necessidade urgente e impreterivel de votar esse augmento de receita? O que se negou foi que se podessem votar 85:000$000 réis sobre a base que se propunha, sobre os fundamentos que a allegavam; 85:000$000 réis lançados sobre certos districtos, porque em outros diziam-nos que certas propriedades se tinham sonegado nas matrizes, quando as matrizes em que taes sonegados appareciam tinham sido já rasgadas por uma medida do parlamento solicitada pelo governo.

Foram estes os termos da questão. Ahi estão os annaes parlamentares, e elles repetem a verdade.

Que nos importa que depois viesse o sr. ministro dizer? «Pois bem, rasgae o relatorio, mas votae o projecto?» Que nos importa que depois viesse dizer: «Despresae o principio, mas aceitae as conclusões»?

O que nós queriamos era que o governo declarasse francamente que aquelle augmento era reclamado pelas necessidades publicas, e que nos dissesse os motivos por que preferia recorrer exclusivamente á contribuição predial, em vez de repartir aquelle augmento de imposto por outras contribuições, em vez de o fazer recaír sobre outras que talvez melhor podessem supporta lo.

Eis-aqui o que dissemos; não negámos ao governo os meios, não está isso nas nossas tradições, não está nos nossos costumes (apoiados). Mil vezes o temos dito, mil vezes o podemos repetir, mil vezes nos podemos ufanar d'isso (apoiados). Temos tido doutrina, sempre as mesmas no poder ou na opposição (apoiados).

Nunca na opposição fallámos á paixão popular, quando entendemos que as nossas palavras re podiam dirigir tal vez antes a desvaira la do que a acalma-la, do que a chama-la á rasão, do que a fazer entrar o espirito publico no verdadeiro caminho (apoiados).

Se tributámos no poder, tinhamos na opposição declarado que era necessario tributar (apoiados). Por isso eu disse já, por isso repito e repetirei mil vezes, que pôde ser que entre nós não haja graves divergencias de principios politicos, mas ha de certo graves divergencias de conducta politica (apoiados). Tem havido da parte d'aquelles que se sentam d'este lado da camara coherencia de idéas; sustentaram no poder as mesmas que tinham sustentado na opposição (apoiados). Não sei se os nossos adversarios podem dizer o mesmo a seu respeito.

A verdade é esta em relação á receita; vejamos agora o que ha era relação á despeza.

Pois póde o sr. ministro da fazenda levantar-se do seu logar, e censurar os deputados por terem votado argumentos de despeza sem cuidar da receita correspondente? E pôde faze-lo sobretudo agora, pôde faze-lo na altura em que está a sessão, pôde faze-lo quando oi proprios exemplos do governo, quando as suas propria? palavras são incitamento para esse caminho perigoso em que se tem entrado? (Apoiados). Pois d'onde têem vindo as propostas de augmento de despeza de maior vulto? Porventura não têem ellas partido da iniciativa do governo? (Apoiados.) Pois não tem o governo pedido augmento de dotação em quasi todos os ra mos da administração publica? Pois não veiu aqui o sr. ministro da guerra, ha pouco dias, propor uma reforma militar que augmenta a despeza em centos de contos, e talvez em muito mais para o futuro, como se ha de provar na discussão se ella tiver logar? (Apoiados.) Se ella tiver logar, digo-o muito intencionalmente e digo o tristemente (apoiados).

Quando os factos estão patentes, quando os factos se passam assim, que muito é que o deputado dirigido pelas idéas que tem mais a peito, ou pelos interesses da localidade que representa, peça tambem uma porção do orçamento do estado, que parece tão rico que chega a todos, para satisfazer! a uma necessidade local ou de administração o que interesse?

O que isto mostra é que o governo não se substitue, é que os parlamentos não governam quando o governo não está no seu logar. Era preciso que os srs. ministros occupassem o seu logar como lhes cumpre; era preciso que elles dessem exemplo de comedimento no augmento da despeza publica; e auctorisando se com esse exemplo, podiam então reclamar dos deputados que não augmentassem despropositadamente a despeza, porque a receita poderia não chegar.

Se assim se procedesse, o sr. ministro teria rasão, mas da maneira por que se tem procedido, propondo-se todos os dias do banco dos ministros o augmento da despeza, não pôde ter cabimento a censura que se lançou aos deputados. E n'este ponto a camara sabe que não fallo de mim, não é a mira que defendo, porque estive mudo durante toda a discussão do orçamento, á excepção de uma unica vez em que levantei a minha voz n'esta casa, pedindo uma pequena despeza para um grande e utilissimo objecto, de ordem tal que tive a fortuna de ver associar se o voto espontaneo e unanime da camara, prescindindo até para o dar das praticas regimentaes.

O perigo está no exemplo que o governo dá, o perigo está na frouxidão que o governo tem, o perigo está no optimismo que o governo proclama e que a commissão de fazenda repete.

Pois quando se nos diz: «As nossas receitas augmentam todos os dias, e augmentam prodigiosamente; a despeza cresce a par e o deficit desapparece », quaes são as conclusões? São marchar por esse caminho que temos encetado, apesar de se não crearem novas receitas', muitos deputados levantarem-se pedindo o engrandecimento das suas localidades; pedindo cada um, para a porção do paiz que representa, um melhoramento.

Dizem nos que o thesouro está abundante, e espera maior abundancia ainda. Quando se apresentam taes idéas de optimismo, embora se não traduzam em realidade, as consequencias são forçosamente as que vemos.

E a esta politica financeira do dia e não a outra cousa que pôde attribuir se a facilidade demasiada com que n'esta sessão legislativa se têem votado propostas sobre propostas augmentando despeza, umas de iniciativa do governo, e outras de iniciativa dos deputados. E essa errada politica que provoca cada deputado a levantar se pedindo que se vote tal proposta que importa augmento de despeza, dispensando se até a presença do governo. E de que serviria a presença do governo quando o governo não toma a sua posição porque a não pôde tomar, quando não diz a verdade, porque a não quer dizer, quando emfim o governo não governa? (Apoiados.)

Rejeita-se a proposta do sr. Carlos Bento, não pelos fundamentos exarados no parecer da commissão; rejeita se, não porque a divida fluctuante represente entre nós a receita propria do anuo, não porque seja impossivel calcular a porção de receita que é preciso representar. Não se fixa a divida fluctuante, não se adopta esse complemento de uma boa organisação financeira, não se deixa mesmo a esperança de que venha a ser adoptada, porque se não pôde prescindir d'este caminho tenebroso em que andam emmaranhadas as nossas finanças, para as trazer á luz clara da verdade e da confiança no paiz! (Apoiados.)

As receitas augmentam, é uma verdade; é um facto que felizmente se dá; as receita» augmentam de anno para anno; as receitas augmentam mesmo sem novos tributos. Isto é a mais evidente demonstração de que o paiz pelos seus proprios recursos sé vae engrandecendo e enriquecendo, e sobretudo a paz publica, que felizmente gosâmos ha já largos annos d'esta terra, tem secundado o desenvolvimento da riqueza. Felizmente para nós que assim acontece; mas não exageremos a verdade, porque exagera la é de conhece-la (apoiados), exagera-la é cair no erro (apoiados).

As receitas têem augmentado, mas por outra parte as despezas augmentam em proporção muito superior ás receita.

Permitta me a camara uma similhança. Imaginemo-nos na estação de Santa Apolonia, entrando em uma das carruagens do caminho de ferro. Ao mesmo tempo que o comboio parte da gare, parte defronte d'elle, Tejo a cima, um barco conduzindo mercadorias. Marcham ambos na mesma direcção, porque o caminho do ferro vae parallelo ao Tejo; mas dos dois meios de locomoção um, o barco, luta contra a corrente, muitas vezes contra o vento, encontra embaraços aqui, difficuldades acolá, que lhe retardam a viagem; outro, o comboio, segue sem obstaculo, desligando sobre os rails, impellido pelo vapor. Ambos seguem na mesma direcção, comboio e embarcação, ambos adiantam caminho; mas quanto mais proseguem tanto mais se distanciam um do outro pela differença das velocidades. 1

Assim vão as despezas e as receitas: as despezas pelo caminho de ferro, as receitas navegando pelo Tejo (apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Queremos continuar n'este systema? Sabe o governo, sabem os illustres deputados aonde nos pôde conduzir? Creio que não querem saber, creio que querem vendar os olhos (apoiados), creio que preferem preconizar o optimismo, em que não acreditam, aturdir-se com as proprias vozes para não ver o perigo.

Illusão deploravel! O perigo não se evita senão quando se conhece e confessa (apoiados), quando se encara com animo resoluto, varonil e corajoso para lhe pôr cobro, e não quando se lhe volta as costas (apoiados).

Não digo com isto (e vou terminar com esta consideração), o contrario do que tenho dito em outras epochas, porque não reputo que chegasse occasião de mudar de pensamento. Não digo que esteja perdido o estado das nossas finanças; não digo que seja sem remedio. Creio, ao contrario, que ha cura no momento actual applicavel e talvez ainda facil.

Mas tremo considerando o caminho em que vão governo e parlamento, tremo de que no dia em que quizerem applicar o remedio seja tarde, tarde de mais para a sua efficacia (apoiados).

Tenho concluido. Agradeço á camara a benevolencia com que me escutou.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Gomes de Castro: — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

O sr. Torres e Almeida: — Mando para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda.

O sr. Faria Blanc: — Mando tambem para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda: — Antes de começar a fallar sobre a materia em discussão, peço licença para mandar para a mesa dois projectos de lei do meu collega, o sr. ministro das obras publicas, que por incommodo de saude não pôde vir á camara (leu).

As propostas ficaram para segunda leitura.

(Continuando.) — Pelas circumstancias em que nos achámos, que é escusado recordar á camara, porque todos as reconhecem, não darei muita extensão ao que tenho a dizer em resposta ás reflexões do illustre deputado que me precedeu, reflexões que elle fez sobre o estado das nossas finanças em geral, e em especial sobre a proposta do sr. Carlos Bento para se fixar o quantum da divida fluctuante.

A proposta apresentada para a fixação da divida fluctuante não pôde ser aceita, e a rasão não é aquella que apresentou o illustre deputado.

Não é para deixar ao ministro da fazenda o arbitrio de levantar todos os fundos que quizer á sombra da divida fluctuante, por isso que todos sabem que as auctorisações que se votam ao governo por leis fixam os limites, dentro dos quaes o governo pôde fazer estas operações, e toda a despeza é auctorisada ou por leia especiaes ou pelo orçamento; portanto o governo não pôde ter arbitrio nenhum, porque está sujeito a estas regras (apoiados).

Logo a fixação da divida fluctuante não vinha cortar arbitrio algum ao governo, porque tal arbitrio não existe; estão fixadas todas as despezas no orçamento, e as que ali o não estão são fixadas por leis especiaes.

Alem de que, o que é divida fluctuante? O mesmo illustre deputado disse que = a divida fluctuante entre nós não tem significação regular =. Era preciso primeiro que a divida fluctuante existisse, correspondendo exactamente a este nome, e que a nossa organisação financeira estivesse neutro estado; mas o que é que chamam divida fluctuante? E uma divida mixta, uma divida amphibia; quer dizer, só ha muito tempo é que propriamente existe uma parte que se pôde chamar divida fluctuante, que é a divida sobre escriptos do thesouro sem penhor algum; esta é que constituo divida fluctuante, e monta a pouco mais de 600:000$000 réis, que é aquella que eu tenho podido constituir como tal. A outra parte não é divida fluctuante, é uma divida contrahida sobre penhores de inscripções que a lei auctorisou o governo a crear. Mas estes penhores estão presos até que o governo julgue conveniente vende los, e lá tem as competentes dotações consignadas na junta do credito publico para satisfazer os encargos d'esses titulos; quer dizer, é uma divida que tem todo o caracter de divida consolidada, e que passa por este estado de transição de estar empenhada na mão dos prestamistas até que o governo julgue conveniente vender os titulos (apoiados).

Divida fluctuante propriamente dita é aquella que não tem dotação nenhuma na junta do credito publico, e que o governo tem de pagar em prasos certos e determinados; isto é que se chama divida fluctuante; essa divida é que existe em França representada pelos bonds do thesouro, ou era Inglaterra representada pelos echequer-bils, que o governo não tem fundos especiaes para satisfazer, e que de tempos a tempos, quando é exagerada, é obrigado a consolida la, como agora aconteceu em França, que se emittiram 300.000:000 francos, para alliviar o governo dos credores d'essa divida, que podiam vir de repente reclamar esse pagamento.

Entre nós não existe essa divida fluctuante temerosa, porque a divida fluctuante é unicamente a que eu transformei, que anda por 600:000$000 réis. A outra não é senão a divida consolidada, ou que pôde ser consolidada sem augmento de encargos para o thesouro (apoiados). Esta divida sobre penhores foi um expediente que se empregou em certo tempo, porque se entendeu que era melhor ir retendo esses titulos, e ir depois successivamente, e pouco a pouco, lançando os no mercado, a fim de ver se era possivel por este modo manterem se os titulos no mercado em melhor preço. Por consequencia aqui a fixação para cortar o arbitrio não é necessaria, porque a divida fluctuante, propriamente dita, é esta que acabo de indicar. Mas em França é outra cousa. Tem-se aqui argumentado com a opinião de mr. Thiers; ma; o que se devia tambem em estudar a diversidade das circunstancias que se dão lá e aqui; em primeiro logar era preciso examinar a natureza das duas dividis, a importancia da divida fluctuante de lá e da de cá, e o arbitro que lá tem o governo e que aqui não tem. Mas estas circumstancias é que não se ponderaram.

Em primeiro logar a divida fluctuante lá é fluctuante propriamente dita; quer dizer, o governo lá dispõe dos fundos não só dos bonds do thesouro que cria, m-.s de differentes origens que vão para a sua mão, como, por exemplo, da caixa de depositos e consignações, das caixas economicas, da caixa da dotação do exercito, etc.; todo e»te dinheiro vae para a mão do governo que dispõe d'elle, e é responsavel pela sua restituição; e tinha-te elevado recentemente essa divida fluctuante, pela qual o governo era responsavel, á enorme quantia de mais de 900.000:000 francos a perto de 1.000.000:000 francos. E como se elevou? Foi

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porque, como sabemos, a organisação financeira ali é diversa. Não estão fixadas por lei todas as auctorisações do governo; ha um poder central que em circumstancias excepcionaes lança mão de certos meios; ha o principio das transferencias (virements) de um para outro ministerio, á sombra do qual se augmentam ás vezes as despezas e se exerce certo arbitrio; e em ultima analyse ha a auctoridade suprema do chefe do estado, que em circumstancias extraordinarias faz as despezas que julga uteis ao estado, como foram as que se verificaram com a guerra do Mexico. Estava o governo francez auctorisado por alguma lei para fazer essas despezas? Não. Mas fizeram se, foram duzentos e tantos milhões de francos que se gastaram extraordinariamente com essa guerra. E é possivel que o governo portuguez possa fazer despezas d'esta ordem, despezas excepcionaes? Não, porque a sua acção quanto a despezas está limitada pela lei, que lhe não deixa similhante arbitrio. A organisação politica aqui não é de ordem tal que permitta ao governo o exorbitar (apoiados).

O governo não quer arbitrio algum, nem mysterios nenhuns em finanças, nem pretende encobrir o deficit real. O governo procurou apresentar a verdade como ella resulta do exame dos factos, porque o governo entende que não é senão pela verdade que podem medrar as finanças do paiz, e que a verdade deve ser a base de toda a politica, principalmente em negocios de finanças (apoiados). O governo não quer dissimular deficit nenhum, não é esse o seu pensamento, e faz-se-lhe uma grave injustiça quando tal se suppõe (apoiados). Um governo, que foi o primeiro a esforçar-se por agrupar todas as despezas para as apresentar n'um quadro completo ao parlamento; que quiz mostrar qual era exactamente o estado das nossas finanças; que incluiu no orçamento despezas que andavam disseminadas por muitas leis, por auctorisações especiaes, que muitas vezes não lembravam; que dividiu o orçamento em ordinario e extraordinario, para comprehender todas as receitas e despezas; que limitou a auctorisação indefinida que d'antes existia para se crearem titulos de divida publica, a fim de se satisfazerem despezas ordinarias: um governo que faz isto, pôde ser porventura accusado com justiça de aspirar ao arbitrio para crear titulos de divida publica, e de não querer bem definidas as circumstancias em que só acha o paiz n'este ponto?! (Apoiados.) s

Diz-se: «A divisão do orçamento, em ordinario e extraordinario, foi uma idéa que partiu da opposição». Querem ter o monopolio de todas os idéas! (Riso.) Foi uma idéa que partiu da opposição! Como se esta idéa do orçamento ordinario e extraordinario não estivesse já em pratica em França, e não tivesse de ha muito sido annuncia da pelo correio e pelos jornaes a toda a gente, como aos illustres deputados! (Apoiados.) E como se ella não podesse ter medrado na cabeça de qualquer individuo, como na de um membro da opposição! (Apoiados.)

Mas o que eu deduzo d'aqui é que a opposição, visto que se arroga o monopolio das boas idéas e dos optimos conselhos, quando occupa aquelles logares (os da esquerda e centro esquerdo), e não pratica essas mesmas boas idéas, nem segue esses mesmos conselhos quando está no poder, porque então não apresenta o orçamento n'estes termos, é bom que seja sempre opposição; é muito conveniente para o paiz e para o systema constitucional que os cavalheiros que a compõem estejam sempre na opposição (apoiados). Uma vez que vêem executados os seus desejos e as suas boas idéas, uma vez que só na opposição é que os têem, em proveito de nós todos e em beneficio do paiz, devem se conservar n'essa situação (apoiados).

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Por patriotismo (riso). O Orador: — Porque ahi é que se lhe despertam as boas idéas, ahi é que ellas estão debaixo da melhor inspiração, contribuindo assim para se poder governar bem. Parece que o peso da responsabilidade atrophia aquellas faculdades inventivas, porque infelizmente quando estão no governo seguem a rotina, pelo menos, n'esta parte, e só na opposição é que se apresentam com idéas novas, porque os orçamentos anteriores, apesar da opposição ter essa idéa, não vinham formulados pelo modo que ella agora aconselha como o mais conveniente (riso. — Vozes: — Muito bem).

Disse o illustre deputado: «No anno passado tambem foi uma idéa que nós tivemos o fixar o deficit, foi o sr. Carlos Bento que a teve». Então disse se que = não era possivel fixar o deficit, que não havia calculos para isso, mas este anno já, nos approximâmos d'esta idéa, já se calcula o deficit =. E que o anno passado ainda se não podia fazer o que se faz n'este anno (apoiados). Este anno de certo ainda se não pôde fazer com toda a perfeição, mas o anno passado não havia tempo nem elementos para se fazer calculo que merecesse alguma confiança. Foi necessario trabalhar depois para se poder calcular o melhor que se pôde. Mas o que se disse então não foi que havia impossibilidade absoluta de isso se fazer,.foi que havia impossibilidade relativa n'aquelle momento. E em todo o caso ha difficuldade, porque este computo funda se em um calculo de probabilidades (apoiados).

Disse o illustre deputado que = estes augmentos de despeza, esta tendencia que se manifesta em todos os deputados de proporem novas despezas, provém do optimismo do governo, d'elle descrever o nosso estado de cousas tão prospero, tão risonho e tão agradavel, que todos se animam a propor uma despeza em beneficio da sua localidade =. Mas estas propostas não vem só dos membros da maioria, vem tambem dos membros da opposição (apoiados). O que prova é que os membros da opposição acreditam mais nas doutrinas do governo do que nas dos seus oráculos, dos seus chefes, dos seus financeiros (apoiados). E acreditam mais que as circumstancias do paiz não são mesquinhas, tão acanhadas, tão precarias e tão más como as descrevem os pessimistas da opposição (apoiados). O que é exacto, o que é verdade, é que não deve haver optimismo nem pessimismo n'estas cousas; devemos apreciar os factos sem espirito politico, sem resaibo algum partidario.

Não ha vantagem alguma para o credito do nosso paiz em exagerar as nossas más circumstancias (apoiados); carregar o quadro e ennegrecer-lhe o fundo; tambem não precisâmos de sacrificar ao credito facticio do nosso paiz a verdade dos factos, exagerando a prosperidade e as circumstancias vantajosas em que nos achámos. Não sigo nenhum d'esses systemas. Posso errar nas minhas apreciações, sou susceptivel de errar como qualquer individuo; mas o meu fito, o meu intuito, o meu pensamento é apreciar os factos como elles são. E não posso deixar de taxar de menos conveniente a exageração em sentido contrario, porque o que resulta d'aqui é que, conhecendo todos que ha inconvenientes nas exagerações, o inconveniente é muito maior para os interesses do estado em denegrir do que em pintar de uma côr mais alegre o quadro das nossas finanças. O que resulta de denegrir e afeiar o quadro? É o descredito, a desconfiança do publico. Portanto tendo nós ainda de recorrer a emissões para, fazer face a despezas extraordinarias com a viação publica e com outras obras de interesse geral, resulta que augmentâmos os encargos que hão de pesar sobre o estado (apoiados). Por consequencia presta um mau serviço ao paiz aquelle que trata de denegrir as circumstancias em que nos achámos, afeiando e carregando o quadro, dizendo que tendem a diminuir as nossas receitas, quando é o inverso que, acontece (apoiados).

Repito, reprovo todas as exagerações; mas digo que se ha algum inconveniente para os interesses do pais, é principalmente na exageração que tendo a apoucar, amesquinhar e denegrir o nosso estado. Mas diz-se: «É pelo quadro do optimismo que os deputados têem sido levados a apresentar novas propostas de augmento de despeza»; similhante asserção equivale a desconhecer a intelligencia dos deputados, e a suppor que elles não reflectem sobre as cousas publicas, e acreditam piamente tudo o que se lhes diz! Os deputados que têem obrigação de apreciar as cousas publicas, e de certo as apreciam pelo seu estudo, pelo seu juizo, pela sua intelligencia, e não se guiam meramente pelas informações de nenhum governo, nem de nenhum individuo, qualquer que elle seja. Portanto não ha desculpa que os exonere da obrigação que têem quando apresentam uma proposta, de ver se ella é conveniente ou inconveniente ao paiz, e se as forças do thesouro a comportam ou não. Mas o governo nunca aqui disse que as nossas receitas excedem as nossas despezas; pelo contrario apresenta um deficit no orçamento ordinario que é pouco mais de 300:000$000 réis. O que disse foi que tinha a esperança de que augmentassem as receitas ordinarias e de poder cobrir com ellas o deficit (apoiados). Nunca disse que tinha excesso de receitas para se propor augmentos de despeza. Nunca deu essa indicação a ninguem, nem está no seu orçamento, antes indicou que precisava de dois mil e tantos contos de réis para a despeza extraordinaria, e que tinha de recorrer a uma emissão para satisfazer a essa despeza (apoiados). Portanto não foi segundo as indicações do governo que os illustres deputados propozeram augmentos de despeza. Não foi porque o governo dissesse que havia excesso de receita, que podiamos fazer face a essas mesmas despezas; foi porque todos querem melhoramentos. Esta tendencia é um symptoma de progresso no nosso paiz (apoiados), tendencia que se deve conter dentro dos nossos recursos. Não condemno essa tendencia, essa aspiração é muito natural, e prova muito o progresso das nossas idéas (apoiados). Todos queremos hoje uma estação telegraphica (apoiados), um ramal de estrada (apoiados), um caminho de ferro (apoiados); todos querem ver melhoradas as condições da sua localidade; todos querem uma escola, todos querem uma igreja reconstruída. Isto é muito natural, mas o que é tambem natural é pensarem nos recursos de que se ha de lançar mão para fazer face a essas despezas, e ir caminhando successivamente dentro das faculdades do thesouro publico, ou aliás votar mais receitas. Os srs. deputados tambem têem iniciativa tanto para a receita como para a despeza; assim como usam d'ella para a despeza, podiam usar d'ella para a receita.

Diz-se—o governo é que deu exemplo propondo augmentos de despeza de alguns serviços. Exagerou-se muito o augmento de despeza no orçamento actual, comparado com o do anno anterior. Mas quaes foram os dois serviços principaes em que se disse que se tinha proposto augmento de despeza por parte do governo? Foi o augmento de 20 réis para o pret do soldado. Pois não será justificavel essa proposta? (Muitos apoiados.) Pois não será digna de contemplação a condição do soldado portuguez, mal vestido, mal alimentado, e quando a mortalidade tem augmentado consideravelmente por effeito d'essas causas? (Apoiados.) Quando todos os objectos têem subido de preço; quando se estava occorrendo a este estado de cousas pelo modo por que era possivel, mas menos regularmente, lançando mão de outras verbas do orçamento da guerra, para se não deixar soffrer miseria ao soldado. E porventura será esta uma despeza de luxo? Não será uma despeza de primeira necessidade? (Apoiados.)

Lembra-me que no tempo de s. ex.ª, tambem o sr. duque da Terceira, cuja memoria muito respeito, propoz uma verba de 90:000$000 réis, para a remonta da cavallaria. Não digo que isto não fosse uma cousa necessaria,. mas creio que a verba destinada para a hygiene e alimentação do soldado, é muito mais urgente do que a verba para a remonta da cavallaria (apoiados).

E qual é a outra despeza que propoz o governo, ou quaes são as outras despezas com que se tem augmentado o orçamento? É na marinha? É porque se tem construido mais navios (apoiados); é porque se torna necessario arma-los; é porque se precisa obter o material d'esses navios. E esses navios demandam material, demandam carvão, mas por isso tambem temos hoje uma esquadra a vapor que dantes não tinhamos (apoiados), e isto não se pôde obter sem se gastar dinheiro (apoiados).

E estes navios são não só necessarios para a defeza da nação, mas para explorarmos as nossas colonias, porque uma nação que tem colonias, não pôde prescindir de ter navios (apoiados), e navios em uma certa escala.

Creio que ninguem poderá negar a utilidade das despezas feitas no ministerio da marinha, estas despezas são de uma utilidade reconhecida, são urgentes e muito uteis. As que não estiverem n'estes casos e n'estas circumstancias, deve ficar ao bom senso de cada um ir adiando-as para mais tarde (apoiados). E preciso que se adiem aquellas que não forem de uma reconhecida urgencia.

Portanto n'estas reflexões o que o illustre deputado mostrou, foi, não digo desejo, mas uma certa tendencia de espirito da sua parte para aggredir o governo, e para lhe attribuir a causa de tudo o que julga inconveniente; e foi mais isto do que inspiração de uma rasão recta o imparcial (apoiados). ]

É necessario, e tenho o dito mais de uma vez, não estar a votar despezas continuadamente, e principalmente despezas que não são indispensaveis e de maxima urgencia, ou então acompanhar esse augmento de despeza das verbas de receita correspondentes, porque nós temos já um deficit no orçamento que anda por 300:000$000 réis, e está aggravado por algumas propostas de despeza que se tem votado.

E n'esta parte a minha idéa, e a da commissão de fazenda, não podia ser outra senão a que apresentou o illustre deputado, que era metter todas as despezas no orçamento. Nem podia ser outra cousa. As leis de receita e despeza hão de votar-se com as correcções correspondentes ás propostas que tiverem sido approvadas pela camara.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — A commissão de fazenda tem rejeitado quasi todos os augmentos de despeza.

O Orador: — Eu sei que a commissão de fazenda tem sido parca em propor augmento de despeza; mas é fóra de duvida que se tem votado projectos que trazem algum augmento.

O sr. Casal Ribeiro: — As despezas provenientes, de leia especiaes podem-se metter tambem no orçamento. E essencial.

O Orador: — Foi essa a minha idéa quando apresentei o orçamento. A despeza não se deixa de fazer, porque está em uma lei especial; faz-se do mesmo modo, e se alguem havia que queria dissimular o deficit e que dissimulasse as despezas, não fui eu (apoiados), porque eu fui o primeiro que agrupei todas as despezas que estavam em leis especiaes, e as fiz inserir no orçamento (apoiados).

Portanto é grave injustiça accusar o governo por isto; e se alguem podia ser suspeito de querer dissimular o deficit, são aquelles que não metteram no orçamento todas as despezas (apoiados). Eu declaro que nunca esperei ouvir similhante accusação, porque é contrariada pelos factos.

A transformação da divida fluctuante, a que ainda agora me referi, disse s. ex.ª que foi idéa sua: é uma mania o querer ter aqui monopolio de idéas (riso). Esta idéa existe ha muitos annos, e em todos os paizes regularmente organisados onde ha divida fluctuante (apoiados).

A differença é que e. ex.ª queria que essa transformação se fizesse por um systema que não era praticavel. S. ex.ª queria que eu tivesse empregado uma parte do emprestimo no pagamento da divida fluctuante, caso os prestamistas não quizessem continuar a emprestar dinheiro sómente sobre escriptos do thesouro sem penhor. Mas o emprestimo tinha se levantado com a applicação a despezas avultadas com as linhas ferreas, que deviam ser satisfeitas em prasos determinados, e portanto se o governo lhe desse aquelle destino ver-se-ia sem recursos para cumprir os contratos a que estava obrigado.

Eu fiz a operação por este modo, porque eu já ha muito tinha a idéa que outros poderiam ter tido, mas as circumstancias é que tinham obstado a que ella se podesse realisar. Havia menos credito no paiz, porque é força confessar que elle tem crescido. Então ninguem queria emprestar dinheiro sobre um penhor, sobre um titulo, e por um preço inferior ao que esse titulo tinha no mercado, e hoje empresta-se dinheiro sobre simples escriptos do thesouro (apoiados).

Mas folgo sempre muito que os actos do governo estejam de accordo com as idéas da opposição, porque eu não sigo doutrina nenhuma, nem pratico acto nenhum por estar em antagonismo com os membros da opposição, mas só porque os julgo uteis ao meu paiz (apoiados). E de mais a mais, os illustres deputados quando estão na opposição têem boas idéas, e por isso não admira que se aproveitem (riso).

Disse s. ex.ª que = a respeito de algumas receitas havia exageração = e, referindo-se principalmente á receita das alfandegas, affirmou que = fazendo o calculo com relação a este anno economico todo pela receita cobrada nos dez mezes decorridos, haveria o acrescimo de trezentos e vinte e tantos contos sobre o anno anterior, e não de 400:000$000 réis como eu approximadamente calculava.

Eu lhe demonstro que o meu calculo não foi exagerado. N'estes calculos, em referencia á totalidade do augmento, conta-se sempre sobre o augmento da receita de dois annos, do anno anterior e do anno corrente; quer dizer, para o nosso caso, sobre o augmento da receita do anno de 1862-1863 e sobre o da do corrente anno de 1863-1864.

A receita do anno de 1863-1864 sobre a do anno anterior cresce trezentos e vinte e tantos contos. Se s. ex.ª duvida, posso mostrar-lhe os mappas que tenho aqui.

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A receita das alfandegas nos oito primeiros mezes do corrente anno economico foi de 4.299:000$000 réis, e em igual periodo do anno economico anterior foi de réis 4.077:000$000, 222:000$000 réis mais; quer dizer, a receita de 1863-1864 cresce sobre a do anno anterior em relação ao anno inteiro 333:000$000 réis, fazendo o calculo pelos oito primeiros mezes...

O sr. Casal Ribeiro: — E pelos dez mezes decorridos?

O Orador: — A differença é pequena, é de meia duzia de coutos.

Feito pois o calculo d'este modo, a receita em referencia ao computo geral do anno de 1863-1864 é de mais trezentos e trinta e tantos contos, isto é, de menos réis 70:000$000 do que eu calculei, porque a orcei em réis 400:000$000 mais sobre a do anno anterior.

Mas para attenuar esta differença ha uma consideração a fazer, e é, que por uma lei que a camara approvou o anno passado e que está em execução, permittiu se a transferencia, por baldeação, das mercadorias que vera ao porto de Lisboa para poderem ir a diversos portos do paiz, aos portos de Faro, Setubal, Figueira e Vianna, onde pagam os direitos. A receita deve por este motivo augmentar nas alfandegas d'esses portos, e tem com effeito augmentado (apoiados).

Para fazer bem o computo é necessario attender a esta circumstancia. Antigamente um navio que vinha do Brazil, por exemplo, carregado de mercadorias com destino para diversos portos secundarios do reino, logo que entrava no porto de Lisboa era obrigado a pagar os direitos de toda a carga, e quando depois repartia os lotes para os differentes portos secundarios, nada mais havia que pagar; agora não acontece assim, só paga os direitos das mercadorias que despacha em Lisboa, e as que se destinam para os outros portos baldeia-as para navios de menor lote, e os direitos que essas mercadorias deviam pagar só se pagam nas alfandegas d'esses portos quando se despacham.

Tomando isto em consideração, considerando que a receita lá vae apparecer em outras alfandegas, podemos ver que não ha essa diminuição que se diz (apoiados).

Demais todos sabem as circumstancias excepcionaes que se dão este anno; logo que cessem, hão de permittir o desenvolvimento da receita. Ninguem ignora que a receita dos algodões tem diminuido successivamente, e ninguem ignora tambem que outro tanto tem acontecido por causas excepcionaes relativamente ao bacalhau cujos direitos avultavam na receita das alfandegas (apoiados).

Portanto eu acho que o calculo está o mais approximado possivel da verdade.

E não temos nós agora em perspectiva a abertura dos caminhos de ferro? E não tem o governo encaminhado as cousas para uma combinação com a Hespanha para facilitar o transito nos caminhos de ferro? Quando as cousas chegarem a este ponto a receita ha de augmentar muito (apoiados).

Pois nós chegámos já ao apogeu do progresso para podermos sustentar que a receita das alfandegas ha de diminuir, não ha de crescer?

Repito, eu entendo que o governo calculou o mais approximadamente possivel da verdade (apoiados).

Limitando aqui as explicações que tinha a dar, porque não quero levar a palavra, tambem o illustre deputado não fallou extensamente sobre outras questões do orçamento; e attentas as circumstancias em que nos achámos, de uma sessão bastante adiantada, estando já ausentes muitos dos nossos collegas, que por circumstancias não podem estar aqui mais tempo; attendendo a que ha ainda muitos negocios a tratar, e a que a camara terá de se encerrar muito proximo, por todas estas rasões não dou mais desenvolvimento ás observações que tinha a fazer.

O que digo é que a fixação da divida fluctuante não é necessaria, porque está limitado o arbitrio do governo pela lei que lhe fixa todas as despezas e auctorisações; e pelo que respeita á divida fluctuante que entre nós tem existencia anormal, que é a divida sobre penhores, é já virtualmente consolidada pela lei (apoiados).

Não vejo que estejamos nas circumstancias da França para se poderem applicar para aqui as doutrinas de mr. Thiers, nem ha necessidade de levantar novos emprestimos para diminuir a importancia da divida fluctuante. Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a mesma que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e um quarto da tarde.

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