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SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1888

Presidencia do exmo. sr. Francisco de Barros Coelho e Campos (vice-presidente)

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José Machado
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Leu-se na mesa um decreto datado de 7 de junho, pelo qual Sua Magestade El-Rei houve por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza até ao dia 16 do corrente mez inclusivamente. - Correspondencia: um officio da camara dos dignos pares do reino, acompanhando uma mensagem comas alterações feitas á proposição de lei do codigo commercial. - Tiveram segunda leitura: um projecto de lei do sr. Elias Garcia, annullando a reforma conferida por decreto de 10 de setembro do 1873 ao coronel de infanteria, Bento José da Cunha Vianna; uma nota do mesmo sr. deputado, renovando a iniciativa do projecto de lei apresentado em 1885 pelo sr. Ignacio Francisco Silveira da Mota, permittindo aos cidadãos nacionaes e estrangeiros a liberdade dos cultos que não offendam a moral publica; um projecto de lei do sr. Barbosa de Magalhães, assignado tambem pelo sr. Castro Mattoso Côrte Real, fixando em 260$000 réis annuaes o ordenado do thesoureiro da universidade de Coimbra; um projecto de lei dos mesmos srs. deputados, creando no concelho de Bouças um officio do tabellião de notas; um projecto de lei do sr. Santos Reis, elevando a 600$000 réis o vencimento do secretario da academia polytechnica do Porto, ficando assim equiparado aos dou institutos industriaes e commerciaes de Lisboa e Porto. - O sr. Carrilho, por parte da commissão de fazenda, apresenta o parecer da mesma commissão sobre a proposta do sr. D. José de Saldanha, relativa a gratificações a empregados das repartições da camara. Este parecer foi considerado urgente e approvado. - O sr. João Pinto dos Santos nota que as sessões se abrem muito tarde, que os ministros nunca estão presentes á abertura da sessão para se lhes pedirem explicações antes da ordem do dia. Declara que não sabe o que isto significa. - O sr. Abreu Castello Branco apresenta um requerimento, pedindo ao governo copia da correspondencia official que motivou a ordem, expedida pelo ministerio da marinha, para que os navios que demandarem o porto do Faial não tomem carga nem passageiros na ilha Terceira; faz differentes considerações a esse respeito e pede que tal ordem seja revogada, porque nem comprehende a rasão por que ella se deu. - O sr. Fuschini pergunta ao sr. ministro da guerra se está disposto a dar-se por habilitado ainda n'esta sessão para responder á interpellação que lhe annunciou ácerca da interpretação dos artigos da organisação do exercito de 1884, que especialmente se referem á arma de engenheria, e pede a s exa. algumas explicações a este respeito, se porventura lh'as póde dar. Responde-lhe o sr. ministro da guerra. - O sr. João Pinto dos Santos pede ao sr. ministro da guerra que empregue todas as diligencias para que a sua proposta, relativa aos alferes graduados, seja convertida em lei, porque era de toda a justiça. O sr. ministro da guerra responde que o seu desejo é que ella seja convertida em lei. - O sr. Serpa Pinto apresenta tres requerimentos de officiaes reformados do ultramar, pedindo que seja approvado o projecto de lei do sr. Dantas Baracho, relativo a officiaes reformados. Pede ao sr. ministro da guerra que attenda a esta questão, que é importante, o congratula-se com s. exa. pelas idéas em que está de empregar todas as diligencias para ser convertida em lei a proposta relativa aos alferes graduados. O sr. Bandeira Coelho diz que, tanto a proposta de lei ácerca dos alferes graduados, como o projecto do sr. Baracho, já foram distribuidas pela commissão, e que em breve se apresentariam os pareceres. - O sr. Sebastião Nobrega chama a attenção do sr. ministro da guerra para o facto de se não ter gratificado um cabo que prestou grandes serviços n'um incendio que houve na fabrica de polvora em Barcarena, quando o tinham sido alguns seus camaradas. O sr. ministro da guerra diz que se informará devidamente e procederá como for de justiça. - O sr. João Pinto chama a attenção do governo para a necessidade de se providenciar que em todos os ministerios sé interprete de igual modo a lei que concede o augmento do terço de ordenado aos empregados, porque diversifica no ministerio da justiça e no ministerio do reino. - O sr. João Arroyo refere-se á inconveniencia das commissões se reunirem para deliberarem durante as sessões. - Os srs. Moraes Carvalho, Tavares Crespo e Julio de Vilhena instam pela remessa de documentos e informações que tinham requerido ha tempo, e ainda não satisfeita. - O sr. Carrilho apresenta differentes pareceres da commissão de fazenda. - O sr. ministro da fazenda apresenta duas propostas de lei, uma auctorisando o governo a cobrar os impostos no futuro anno economico e applical-os as despezas publicas; e outra auctorisando o governo a proceder á compra de armamento para a guarda fiscal. - O sr. ministro dos negocios estrangeiros mandou para a mesa o Livro branco, contendo os documentos ácerca da negociação com a China, declarando que o tratado concluido com aquelle imperio seria publicado no Diario do governo de segunda feira proxima.

Na ordem do dia (primeira parte) continuou a discussão do projecto de lei n.° 49, relativo ás levadas de agua na ilha da Madeira. E approvado, depois de algumas considerações dos srs. Tavares Crespo e Moraes Carvalho, sendo rejeitada uma emenda d'este sr. deputado.

Na ordem do dia (segunda parte) continuou a discussão do orçamento rectificado, concluindo o seu discurso o sr. Dantas Baracho, que apresentou differentes propostas.

Abertura du sensato - Ás duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada 48 srs. deputados. São os seguintes: - Moraes Carvalho, Serpa Pinto, Mendes da Silva, Antonio Castello Branco, Oliveira Pacheco, Tavares Crespo, Moraes Sarmento, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Feliciano Teixeira, Francisco de Barros, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Sá Nogueira, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arrojo, Menezes Parreira, Rodrigues dos Santos, Silva Cordeiro, Simões Ferreira, Avellar Machado, Barbosa Colen, José Castello Branco, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Abreu Castello Branco, Santos Moreira, Santos Reis, Julio Graça, Julio Pires, Lopo Vaz, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Brito Fernandes, Marçal Pacheco, Miguel Dantas, Pedro Victor, Sebastião Nobrega, Dantas Baracho e Visconde de Silves.

Entraram durante a sessão os srs.: - Albano de Mello, Alfredo Brandão, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Antonio Villaça, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Fontes Ganhado, Barros e Sá, Augusto Ribeiro, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Eduardo José Coelho, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Vieira de Castro, Sousa Machado, Alves Matheus, Joaquim da Veiga, Alves de Moura, Ferreira Galvão, Laranjo, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Vasconcellos Gusmão, Ferreira Freire, Alpoim, Barbosa de Magalhães, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Abreu e Sousa, Julio de Vilhena, Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Manuel José Vieira, Pinheiro Chagas, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Martinho Tenreiro, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Pedro de Lencastre (D.), Vicente Monteiro e Estrella Braga.

Não compareceram á sessão os srs.: - Guerra Junqueiro, Alfredo Pereira, Campos Valdez, Antonio Candido, Antonio Centeno, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Jalles, Victor dos Santos, Barão de Combarjua, Conde de Fonte Bella, Eduardo Abreu, Elvino de Brito, Goes Pinto, Estevão de Oliveira; Mattoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Castro Monteiro, Francisco Mattoso, Francisco de Medeiros, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Baima de Bastos, Car-

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1906 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

doso Valente, Izidro dos Reis, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Teixeira de Vasconcellos, Alfredo Ribeiro, Correia Leal, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, Amorim Novaes, Pereira de Matos, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Guilherme Pacheco, José de Napoles, José Maria de Andrade, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho José Maria dos Santos, Pinto Mascarenhas, Mancellos Ferraz, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Da camara dos dignos pares, acompanhando a mensagem das alterações feitas á proposição de lei do codigo commercial.

A secretaria.

Do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo copias do memorandum apresentado pelo encarregado de negocios da Gran Bretanha ácerca dos mappas de Africa annexos aos Livros brancos do anno passado.

A secretaria.

Do ministerio do reino, acompanhando o seguinte:

Decreto

Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia, no artigo 74.°, § 4.°, e a carta de lei de 24 de julho de 1885, no artigo 7.°, § 2.°, depois de ter ouvido o conselho d'estado, nos termos do artigo 110.° da mesma carta:

Hei por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza até ao dia 16 do corrente mez de junho, inclusivamente.

O presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza assim o tenha entendido para os effeitos convenientes.

Paço da Ajuda, em 7 de junho de 1888. = REI.= José, Luciano de Castro.

Segundas leituras

Projecto de lei

Tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É anuullada a reforma conferida, por decreto de 10 de setembro de 1873, ao coronel de infanteria Bento José da Cunha Vianna, e, restituido ao seu legitimo logar na escala de accesso o mesmo coronel, ser-lhe-hão conferidos os postos de general de brigada e de general de divisão, com as respectivas datas de 13 de março de 1879 e 2 de julho de 1886.

Art. 2.° Proceder-se-ha á liquidação dos vencimentos recebidos pelo general de brigada reformado Bento José da Cunha Vianna, com os que lhe competiriam segundo o disposto no artigo 1.°, restituindo-se lhe o saldo; e bem assim restituirá o referido official ao monte-pio officia, o que dever em virtude d'aquella liquidação.

Art. 3.° Será em acto continuo reformado, na conformidade da lei vigente, o referido general, se assim o solicitar.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Camara dos deputados, 6 de junho de 1888. = José Elias Garcia.

Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

Projecto de lei

Artigo 1.° É elevado a 600$000 réis o vencimento do secretario da academia polytechnica do Porto, ficando assim equiparado ao dos secretarios dos institutos industriaes e commerciaes do Lisboa e Porto.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, 7 de junho de 1888. = O deputado, José Ventura dos Santos Reis.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de instrucção superior, ouvida a de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - O concelho de Bouças, circumscripção administrativa muito populosa e de uma area extensa, tem apenas para a celebração dos seus contratos e demais actos para cuja legalidade é indispensavel a intervenção do tabellião, um unico funccionario d'esta natureza. Bastará, para se conhecer a insufficiencia de um só tabellião de notas do concelho de Bouças, notar que qualquer dos concelhos limitrophes, Gondomar e Maia, de população muito inferior á d'aquelle, tem dois tabelliães, a cujo serviço, commodamente aproveitado por aquelles povos, se soccorrem com grande prejuizo de tempo e de trabalho os habitantes de Bouças, aos quaes um unico tabellião não póde de modo algum attender.

Parecendo-me tão desnecessario insistir nos inconvenientes d'estes factos, quanto equitativo, justo e urgente destruil-os; e certo de que estes fundamentos merecerão a attenção do poder legislativo, tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É creado no concelho de Bouças um officio de tabellião de notas.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 7 de junho de 1888. = Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real = J. M. Barbosa de Magalhães.

Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de legislação civil.

Projecto de lei

Senhores. - Manuel Maria da Cunha, bacharel formado em direito, thesoureiro do cofre da universidade de Coimbra, foi nomeado para este cargo por decreto de 26 de dezembro de 1878. Vigorava então a disposição da portaria do 10 de outubro do 1840, que em o n.° 3 mandava que as propinas pagas pelos alumnos do lyceu nacional de Coimbra tossem arrecadadas por aquelle thesoureiro, e d'essas propinas recebia este 1/2 por cento, nos termos do artigo 1.° da carta de lei de l de junho de 1853.

Este emolumento com o das propinas das matriculas da universidade andava em cada anno, termo medio, por réis 120$000, como se declarou no annuncio do Diario do governo, quando se poz a concurso o logar de thesoureiro da universidade, e junto este emolumento ao ordenado de 200$000 réis arbitrado ao mesmo thesoureiro pelo artigo 110.° do decreto de 5 de dezembro de 1826, elevava-se a remuneração annual a perto de 320$000 réis.

Porém a lei de 14 de junho de 1880 determinou que as propinas de matriculas e exames dos alumnos do lyceu nacional passassem a ser pagas na recebedoria do concelho, e em virtude d'esta disposição ficou muito reduzido o emolumento do thesoureiro academico, sendo a sua importancia total do anno de 1880 a 1881 apenas de 89$535 réis, e não passando, termo medio, em todos os annos, de réis 90$000, pelo que a remuneração annual está reduzida, termo medio, a 290$000 réis.

Esta remuneração não está em harmonia com o trabalho da thesouraria, que exige a presença do thesoureiro na repartição todos os dias não santificados, desde as nove horas da manhã até ás tres da tarde, nem com a grande responsabilidade que lhe impende o pela qual teve de prestar caução do 1:200$000 réis.

Nem é justo que, pertencendo ao logar de thesoureiro da universidade a remuneração de 320$000 réis por anno, como se declarou no annuncio para o concurso, lhe fosse

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essa remuneração cerceada em mais de dois terços dos emolumentos por uma lei posterior, sem que se lhe desse a competente indemnisação, sendo esse cerceamento ainda aggravado pela alta dos generos de primeira necessidade e das rendas das casas, e pela indispensavel aggravação dos impostos do estado, do districto, do municipio e da parochia.

Pelos motivos expostos tenho a honra de propor o presente projecto de lei:

Artigo 1.° O ordenado do thesouroiro da universidade de Coimbra é fixado na quantia de 260$000 réis annuaes.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, aos 7 de junho de 1888. = Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real = José Maria Barbosa de Magalhães.

Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de instrucção superior, ouvida a de fazenda.

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei que teve segunda leitura na sessão de 24 de janeiro de 1885, e que é assignado pelo sr. Ignacio Francisco Silveira da Mota.

Camara dos deputados, 6 de junho de 1888. = José Elias Garcia.

Lida na mesa, foi admittida e enviada ás commissões de legislação civil e ecclesiastica.

A renovação refere-se ao seguinte:

Projecto de lei

Senhores. - No perpetuo antagonismo entre a realisação das idéas justas e a manutenção dos erros e dos abusos, lucta cujas diversas phases constituem a historia da civilisação, os interesses reagem por muito tempo contra a força progressiva da verdade, mas esta obtem a final completa e decisiva victoria.

Ouso, por isso, esperar que o pensamento, de que nasceu este projecto, embora contrarie tenazes preoccupações, ha de alcançar o assentimento, e, porventura, o energico apoio de uma parte importante da camara.

Entre os direitos que se deduzem da natureza humana, direitos universaes e absolutos, preexistentes e superiores ás leis escriptas, o mais inviolavel e sagrado é sem duvida a liberdade de consciencia. Assim a cada individuo é infallivelmente licito, no santuario do seu fôro intimo, adorar a Deus conforme as suas crenças, e elevar o pensamento em muda supplica até á fonte inexhaurivel d'onde derivam a resignação e a paz. Isso, porém, não basta. Permittir a liberdade de consciencia, com a condição de não se manifestar, é tolerancia inutil. Só os actos que assumem caracter de exterioridade são objecto do direito; e o sentimento religioso, indelevelmente gravado ao coração humano, não se restringe nem se adapta a um espiritualismo austero, a um mysticismo esteril, a uma ideologia nebulosa, accessivel a poucos entendimentos, necessita expandir-se, purificar-se, fortalecer-se com a prece em commum, com a profissão publica da fé, com as formulas solemnes do culto, com tudo o que as religiões têem de uncção, de conforto e de esperança para as tribulações e angustias da vida, para os terrores, para os mysterios de alem da morte. Embora só haja uma religião verdadeira, e n'este raciocinio se têem estribado os crimes de todas as theocracias, os homens sinceramente crentes suppõem sempre que essa religião é a sua.

Obstar de algum modo a que a confessem, quando não é possivel deter os progressos e nem sequer os extravios do pensamento, constitue um erro deploravel de que a miudo resultará, ora a indifferença, ora a hypocrisia, e constrange iniquamente um sentimento íntimo, virtuoso, energico, superior talvez a todos os affectos, a natural, a instinctiva religiosidade com que a alma aspira ao infinito.

Não póde, pois, pedir-se, em nome do catholicismo ou de qualquer doutrina religiosa, força coerciva ao estado. Onde deveras se respire a atmosphera da liberdade, ou hão de nivelar-se todos os cultos, outorgando-se-lhes igual tolerancia e igual patrocinio, ideal da justiça, cuja realisação collide por agora com as tradições, com os costumes, com as condições moraes de muitos paizes e especialmente do nosso; ou quando, em acatamento á vontade da maxima parte dos cidadãos, existir uma religião protegida e subsidiada pelo estado, deve pelo menos estatuir-se para as outras crenças plena emancipação de consciencia e de culto. Taes são os salutares principios, que boa parte das nações civilisadas têem já adoptado; tal é a legislação, que perfeitamente se coaduna com a proverbial brandura da nossa indole, com a imparcialidade de outras instituições, com as peculiares, com as impreteriveis circumstancias do vasto imperio que ainda temos na Asia e na Africa.

Asseveram os impugnadores d'estas doutrinas, que a grande maioria da sociedade portugueza acolhe inteiramente satisfeita o estado actual das relações religiosas. É este o precipuo, o formidavel argumento, que em quaesquer questões de ordem moral apresentam sempre os partidos conservadores. Se o attendessemos, a lei do incessante aperfeiçoamento, consentanea a todas as cousas humanas, não o seria á sciencia politica, porque ha de facto nas sociedades uma especie de misoneismo, que as incita a temer, não só os violentos abalos, mas ainda a evolução lenta e prudente, de que dimanam as transformações e as reformas. Felizmente para debellar esta tendencia, que se descobre tanto mais viva, quanto é mais espessa e trivial a escassez, da instrucção, ha muitas vezes nos homens, que têem voz a voto no destino das nações, a rasão clara, as lições da experiencia, as convicções reflectidas, as inspirações fecundas, o vigoroso impulso do dever. Assim entre nós é obvio que a parte mais numerosa da nação, se não segue com escrupulo em todos os actos da vida os sublimes dictames do Evangelho, acceita, comtudo, reconhece e confessa os dogmas o a disciplina do culto catholico, e até por vezes transpõe as fronteiras da credulidade; mas esta situação decisiva de opiniões, de sentimentos e de habitos não póde compellir os legisladores a coarctarem de modo algum a maxima tolerancia para as ramificações, para as dissidencias religiosas, que tambem innegavelmente se manifestam.

Dizem-nos que existe a tolerancia; que estamos n'uma epocha de paz e de accordo; que, embora as leis sejam severas o terminantes, não ha auctoridades nem tribunaes que as appliquem; que a perseguição e apenas um phantasma, que a ninguem prejudica ou intimida. São asserções cujo alcance está muito longe de corresponder á verdade; são, como diria Hamlet, palavras, palavras, não mais que palavras. Qualquer que seja a fórma mais ou menos cruel por que se execute, a perseguição subsiste, e ultrapassa os limites da equidade e da justiça. De certo no seculo actual não se desconjunctam os membros a tratos de polé ou do potro, não se espedaçam os corpos no patibulo, não se punem com o ergastulo e com a morte os erros ou os acertos do entendimento. Vão longe esses tempos de violencia e de atrocidade, como vão longe tambem os de audaz energia, os de soffrimento assombroso. Se o fanatismo, porém, impedido pela suavidade dos costumes e pela civilisação da nossa epocha, não póde já satisfazer sem estorvo os seus furores, a intolerancia, accommodando-se a qualquer grau de cultura, realisa ainda em larga escala pensamentos de iniquidade e de oppressão.

D'este modo, encorporados nas leis certos preceitos, que dão á religião catholica apostolica romana a auctoridade e o valor de instituição politica, e fixado á universalidade dos cidadãos o dever de submetterem a estes preceitos muitos actos importantes da sua vida publica, é claro que aquelles individuos, que não pertençam ao gremio orthodoxo, ou hão de mentir aos affectos mais santos e mais intimos, fingindo uma crença, que a voz da consciencia lhes não inspira, ou hão de ser inevitavelmente coagidos á privação de muitos direitos e proventos, não podendo obter ingresso no governo, no parlamento, nos conselhos, nos

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1908 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

cargos administrativos, judiciaes ou militares, tendo de viver como estrangeiros no meio dos seus compatriotas, e resignando-se sacrificios tanto mais penosos, quanto, constituindo em geral factos obscuros e quasi desconhecidos, nem ao monos servem, como os dos antigos martyres, para animarem os timidos a perseverarem na fé.

Tal é entre nós a situação de muitos adeptos das diversas igrejas protestantes; tal é a sorte de unia população numerosa, intelligente, activa, que presta adoração a Deus conforme uma crença, que foi por muitos seculos verdadeira, e de que a religião do Calvario, do amor e do perdão misericordioso é o sacrosante complemento.

Não constituirão os factos a que alludo perseguição clara e irrefragavel, perseguição que infringe os fóros individuaes, e affronta a dignidade social da geração presente? Não estarão taes factos em evidente antinomia com a disposição indubitavelmente constitucional do § 4.° do artigo 145.° da carta, onde se determina que ninguem póde ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeito a do estado e não offenda a moral publica? Não será extravagante e illogico dar á religião catholica na metropole o caracter de dominação exclusiva, e consentir nas possessões da Asia e da Africa o estabelecimento de varias seitas, e de differentes ritos? Respondam a estas perguntas os que antepõem a confissão da verdade ás suggestões e influencias de qualquer interesso partidario.

Ha quem esteie tambem o seu voto no receio de que a liberdade de cultos possa entibiar a fé catholica. Estranha cegueira. A religião, cujos dogmas se têem mantido inabalaveis desde os tempos apostolicos até hoje, cuja doutrina tem conquistado sempre indefectivel predominio sobre as mais altas intelligencias e sobre as mais humildes e grosseiras, não póde temer a coexistencia de diversas crenças, e em vez de enervar se rio meio d'ellas ha do permanecer pura e illesa, e augmentar em torna e explendor; porque, só a intolerancia desperta sympathias em favor das idéas perseguidas, a franca manifestação do pensamento, o sincero exercicio do culto, a discussão, a publicidade, a attracção por meio da palavra e do exemplo hão de contribuir efficazmente para que se conciliem as opiniões, para que só desvaneçam as duvidas, para que todos comprehendam o verbo de paz e de fraternidade revelado no Evangelho, para que sobre as ruinas dos systemas, ou falsos ou incompletos, se erga, emfim, o edificio da serena e immortal sabedoria.

Este parecer não é só meu, é de todos os amigos verdadeiros das instituições liberaes, é de muitos e mui piedosos escriptores catholicos, santos padres, doutores da igreja, prelados virtuosos e exemplares. O perigo, não absoluto, mas relativo, que ameaça o catholicismo, não está na voz da consciencia, que nos falla da liberdade e da dignidade do homem; não está na propaganda das divisões e subdivisões do protestantismo, as quaes, embora divirjam em symbolos e interpretações, têem todas por laço commum a doutrina do Evangelho; não está na vulgarisação das theorias scientificas, que ambicionam explicar as eternas leis da natureza; não está sequer no derramamento de sophismas subtis, que tendem temerariamente offuscar a verdade. O perigo para a catholicismo, o perigo para quaesquer communhões religiosas, o perigo para os individuos e para as sociedades está na ausencia das idéas elevadas e dos nobres e puros sentimentos, no percurso contagioso do scepticismo, na facil e quasi inconsciente indiferença em que adormecem muitos espiritos, na mesquinha philosophia o interesse corporal que, converto o porco de Epicuro em idolatrado emblema da suprema ventura, nos calculos de egoismo e de pusillanimidade que dão voga e realce a um moderno argumente teologico credo quia urbanum.

N'estas tristes, condições a liberdade, do cultos será do certo mais poderoso antidoto para o abatimento moral da geração premente do que o monopolio facultado a uma só religião. E preferivel a crença, embora erronea, ao atheismo, ao desdem ou á indifferença; mais vale conceder a cada individuo que escolha o culto que se adapta á sua consciencia do que coagir a incredulidade a confessar acto de fé sem ter fé, a pedir com os labios o que o coração rejeita.

Poderia desenvolver importantemente esta exposição. Muitas e intuitivas considerações de conveniencia publica corroboram a immutabilidade dos principios sobre que se escora o projecto de lei, que submetto á vossa esclarecida apreciação. Receio, porém, ser prolixo, e julgo sufficiente o que está dito. Circumscrever-me-hei a affirmar que o alvitre por mira proposto cabe incontestavelmente na alçada do corpo legislativo, sem necessidade ou dependencia de especial mandato constituinte.

O artigo 144.° da carta declara que só é constitucional o que diz respeito aos limites e attribuições doa poderes politicos e aos direitos politicos e individuaes, e nem a religião catholica póde ser comprehendida em algum d'estes casos, nem eu impugno a prerogativa que o pacto fundamental lhe confere.

Quantos aos direitos individuaes é obvio que se as leis organicas não os podem coarctar, quando já estiverem fixados no codigo politico, podem sempre reconhecel-os, amplial-os e garantil-os. Assim se tem feito em muitos actos legislativos, e ainda em decretos e regulamentos, cuja legitimidade ninguem disputa.

Apresentando este projecto, sei que afasto do mim as sympathias de alguns homens, cuja pureza de intenções respeito, cujas virtudes civicas aprecio, e que, comtudo, têem contribuido, de certo sem o quererem, para mais de uma victoria, alcançada n'esta terra pelos obstinados adversarios da liberdade e do progresso politico; sei que me exponho aos acres resentimentos, ás paixões odientas e implacaveis dos que, pondo a sinceridade das crenças ao serviço de interesses mundanos, hão de alcunhar de questão religiosa uma questão meramente politica.

Que importa? Cumpro um dever que a consciencia me impõe, resigno-me de bom grado ao damno que d'ahi me provenha. Assim se traduzam em lei preceitos que deveras condizem com a rasão, com a liberdade, com a justiça, com a gloria e os interesses do paiz, com a sublime, com a divina moral do christianismo.

É o que peço á camara, é o que d'ella espero.

Projecto de lei

Artigo 1.° É permittido a naturaes e estrangeiros o culto domestico ou publico de qualquer religião que não offenda a moral.

Art. 2.° A fruição dos direitos civis e politicos não depende essencialmente de actos e formulas religiosas.

Art. 3.º É auctorisado o governo a decretar os regulamentos necessarios para a execução da presente lei.

Art. 4.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 23 de janeiro de 1885. = Ignacio Francisco Silveira da Mota.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio da marinha, seja enviada a esta camara copia da correspondencia official, que motivou a ordem expedida pelo dito ministerio, para que os navios que demandarem o porto do Faial não tomem carga nem passageiros na ilha Terceira. = J. F. Abreu, Castello Branco.

Requeiro que com urgencia sejam enviados á commissão de fazenda os documentos que, em 7 de fevereiro do corrente anno solicitei do ministerio da marinha, respectivos á pensão pedida pela viuva o filhos do contra-almirante Cardoso. = A. L. Tavares Crespo.

Requeiro que, pelo ministerio do reino, só requisitem os seguintes documentos:

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SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1888 1909

1.° Parecer do ajudante do procurador geral da corôa junto do ministerio do reino, no qual se fundou a portaria de 13 de abril de 1868, ácerca da expropriação por utilidade publica;

2.° Parecer do procurador geral da corôa, no qual se fundou a portaria de 12 de maio de 1873, ácerca de expropriações pedidas pela camara municipal do Porto;

3.° Parecer dos fiscaes da corôa, no qual se fundou a portaria de 17 de julho de 1879, ácerca de expropriações requeridas pela camara municipal de Bouças;

4.º Requerimento da actual commissão executiva da camara municipal de Lisboa, pedindo a expropriação por zonas dos terrenos precisos para o novo parque da Avenida, ruas o edificações adjacentes e planta respectiva;

5.º Parecer do procurador geral da corôa ácerca d'este requerimento;

6.° Despacho do governo ao dito requerimento. = O deputado, Moraes Carvalho.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

De Antonio Padua de Freitas e Lima, João Antonio do Amaral e Vito Jeronymo de Oliveira, officiaes reformados da guarnição de Moçambique, pedindo melhoria do vencimentos.

Apresentados pelo sr. deputado Serpa Pinto e enviarias á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

O sr. Carrilho (por parte, da commissão de fazenda): - Sr. presidente, mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda, sobre a proposta apresentada ha dias pelo sr. deputado D. José de Saldanha, relativa ás gratificações aos empregados d'esta camara.

Peço a v. exa. que consulte a camara para que, sendo dispensado o regimento entre já em discussão.

Leu-se na mesa o parecer que, é o seguinte:

PARECER

Senhores - Á vossa commissão de fazenda foi presente a proposta do illustre deputado o sr. D. José de Saldanha Oliveira e Sousa, para que sejam dadas certas e determinadas gratificações a alguns empregados, tanto da secretaria como menores d'esta camara, em virtude de trabalheis extraordinarios que tenham prestado:

E considerando que a apreciação d'esses serviços extraordinarios e portanto á sua recompensa só póde ser feita pela exma. mesa d'esta camara, como aliás sempre aconteceu, quer antes, quer depois da vigencia do decreto de 26 de junho de 1879, que regula o assumpto:

Entende, de accordo com o governo que, respeitando-se o pensamento da proposta do illustre deputado o sr. D. José de Saldanha, deveis approvar:

Que em harmonia com o decreto de 26 de junho de 1879, com a pratica estabelecida e com a resolução já este anno tomada pela camara dos dignos pares do reino, fique a mesa d'esta camara auctorisadas gratificar os empregados das repartições d'esta camara, incluindo os empregados menores e os praticantes de tachygraphia sem vencimento, que a mesma mesa entender serem merecedores de tal recompensa segundo os serviços extraordinarios prestados não actual sessão, não só pelos mesmos praticantes, como pelos demais empregados.

Sala da commissão de fazenda, 6 de junho, de 1888. = Alves da Fonseca = Vicente Rodrigues Monteiro = A. Baptista de Sousa = Carlos Lobo d'Avila = Antonio E. Villaça = José Maria dos Santos = José Frederico Laranja = Marianno Prezado = F. Mattozo Santos = Antonio Maria de Carvalho = A. Carrilho.

Consultada a camara foi dispensado o regimento, entrou em discussão.

O sr. Avellar Machado: - Sr. presidente, pedi a palavra para fazer uma declaração.

Esta proposta faz se todos annos n'esta casa, a opposição nada tem que fiscalisar, está perfeitamente de accordo, como tem estado todos os annos; portanto declaro a v. exa. que não tenho duvida alguma em votar a urgencia.

Foi approvado o parecer.

O sr. João Pinto: - Sr. presidente, pedi a palavra não para me dirigir a v. exa., mas sim a qualquer dos srs. ministros.

A verdade é que todas as vezes que fallo, tenho sempre que fazer esta reflexão.

Eu não posso pedir explicações a v. exa. a respeito do assumpto que desejo tratar, só as posso pedir ao sr. ministro do reino ou da guerra, mas nenhum está presente. A sessão começou ás tres horas, estamos n'esta altura e ainda não está presente nenhum ministro. A sessão foi hoje prorogada até ao dia 16, e anda no ar que, será prorogada até 30 d'este mez.

Os ministros não vem aqui dar explicações, a sessão não começa a hora regular, e v. exa. talvez ainda marque sessão nocturna.

Eu peco a v. exa. que me reserve a palavra para quando estiver presente qualquer membro do governo.

O sr. Abreu Castello Banco: - Sr. presidente, mando para a mesa um requerimento nos termos seguintes:

(Leu.)

Sr. presidente, comquanto não esteja presente o sr. ministro da marinha na presença do qual eu desejava fazer algumas considerações, a respeito de um assumpto muito importante e alem d'isso urgente, como não sei se s. exa. virá a esta camara e eu então tenha occasião de usar da palavra, não deixarei agora de fazer algumas considerações, das quaes s. exa. terá conhecimento pelo extracto da sessão, esperando que s. exa. mandará revogar prompta e cabalmente uma ordem que foi dada pelo ministerio da marinha.

Sr. presidente, eu hontem recebi uma noticia que me surprehendeu muito desagradavelmente.

Foi expedida pelo ministerio da marinha uma ordem, para que os vapores da empreza insulana de navegação, que fazem carreira para os Açores, não recebessem carga nem passageiros nem ilha Terceira para o Faial.

Parece-me impossivel, eu não posso comprehender com que fim se determinou isto, se foi por causa da saude publica, por haver na ilha Terceira uma epidemia do variola, ou por algum outro motiva.

Foi por causa da variola?

Mas quando pertenceu a repartição de saude publica ao ministerio da marinha?

Houve, porventura, alguma indicação, alguma exigencia, alguma requisição por parte do ministerio do reino? Creio que não houve. Houve alguma requisição n'estes termos da parte das auctoridades da ilha Terceira? Não. Houve da parte do Faial? Não sei, e, por isso, peço que e mande a esta camara, copia da correspondencia que motivou esta ordem tão exquisita e extraordinaria, por quanto se vae com ella prejudicar o commercio da ilha Terceira e das ilhas de oeste.

Não foi o governador civil da ilha Terceira que deu esta ordem, nem a agencia de vapores dava ordens para não receber carga nem passageiros; e tanto assim, que o proprio governador civil acaba de reclamar contra isso.

E note-se que a ordem foi dada tão precipitadamente, tão mal avisadamente, que nem sequer notaram que, indo os vapores á ilha Terceira e não recebendo carga nem passageiros para o Faial, porque podiam levar a variola, e estando aquelles senhores da Horta tão receiosos de que se lhes communicasse a epidemia, não houve tal receio em qualquer das outras ilhas, nem mesmo no continente.

Nós presâmos muito a sua e a nossa saude e mesmo a

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1910 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

sua formosura, da qual as bexigas são um inimigo capital, mas, emfim, parece-me que nunca se sujeitaram os navios a quarentena, nem se deram ordens d'estas por causa da variola. (Apoiados.)

Mas ha mais outra cousa.

A saúde dos faialenses é muito apreciavel, nós todos a desejâmos muito, mas não é menos apreciavel a saúde dos michaelenses, a saude dos de Santa Maria, da Madeira e do continente.

Vae um navio á ilha Terceira, não toma passageiros e carga para o Faial, porque póde levar a epidemia, mas no regresso toca na Terceira e toma carga e passageiros para S. Miguel, Santa Maria, Madeira e Lisboa! D'isso não se faz caso! A saude d'esta gente não vale nada, não é considerada comparativamente com a saude lá dos do Faial!

Ora realmente eu não posso acreditar que o sr. ministro da marinha désse uma ordem d'estas, assim sem ser requisitada por alguem, ou pelas auctoridades do Faial, ou pela empreza, mas a empreza perdia com isso, assim como soffre prejuizo em não poder transportar carga não só para o Faial, mas para as outras ilhas de oeste.

O Açor vae á Terceira, Graciosa, S. Jorge, Pico, Faial e Flores, e assim ficâmos nós terceirenses impedidos de fazer commercio com as ilhas de S. Jorge, Graciosa e Flores, porque a saude da gente do Faial pôde ser offendida, ou lá entendem que o póde ser.

Na Terceira grassou em tempo com grande intensidade a epidemia da variola, que está hoje quasi extincta, mas não é só lá que ella existe, existe em quasi todas as populações e até mesmo em Lisboa ella se acha, não devendo, por isso, saír d'aqui os navios nem levar carga ou passageiros para ali.

Nada mais acrescentarei a este respeito, porque não está presente o sr. ministro a quem desejava ouvir sobre este assumpto. S. exa. terá conhecimento das considerações que acabo de fazer, e, por consequencia, do pedido que lhe faço com instancia, para que seja revogada esta ordem que não sei por quem foi dada, porque, na maioria das vezes, expedem-se ordens, quando são casos urgentes, sem que o ministro respectivo tenha dado a sua approvação.

Não sei, n'este caso, se quem deu a ordem foi o sr. ministro ou outra pessoa, o que é certo é que quem aconselhou esta medida andou mal avisado, e, por isso peço a s. exa. que a revogue quanto antes.

O sr. Fuschini: - Sr. presidente, haverá semanas mandei para a mesa uma nota de interpellação ácerca da interpretação dada aos artigos da ultima organisação militar, do 1884, que se referem ás promoções na arma de engenheria.

N'essa occasião s. exa. o sr ministro da guerra estava doente, e ainda o esteve tempo depois; não me admira que s. exa. não se tenha dado por habilitado para responder á minha interpellação. Mas, como o vejo agora presente, desejava ouvir as opiniões de s. exa., e, sobretudo, saber se tenciona responder-me ainda na sessão actual.

Não me parece, que seja agora occasião opportuna para desenvolver mais as minhas doutrinas; em qualquer outra occasião, quando s. exa. entender, discutiremos este assumpto larga e proficientemente.

Posto isto, se v. exa. me permittir, muito pouco acrescentarei ao que o sr. ministro disser. Peço, pois, a v. exa. que me reserve a palavra para, depois da resposta do sr ministro da guerra, fazer as considerações, que entendei necessarias.

O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - Eu recebi a nota de interpellação que o sr. deputado Fuschini, me dirigiu e se não me dei já por habilitado é pelo motivo que passo a expor.

A interpellação do illustre deputado refere-se aos tenentes coroneis de engenheria que estão ao serviço do ministerio das obras publicas, pretendendo saber se devem ser collocados dentro ou fóra do quadro na sua promoção a coroneis.

A jurisprudencia, seguida no ministerio da guerra, tem sido conservar esses officiaes no quadro e não fóra d'elle como pretendem alguns officiaes d'essa arma.

Esta jurisprudencia tem sido auctorisada, sem que todavia eu emitta por emquanto a minha opinião pela circumstancia de ter sido adoptada e seguida pelo proprio apresentante da proposta que depois foi convertida em lei, isto é da reforma do exercito de 1884, pois que continuando a ser ministro da guerra, depois que foi promulgada essa lei até fevereiro de 1886, e tendo occasião de promover alguns dos tenentes coroneis de engenheria que estão no quadro do ministerio das obras publicas ao posto de coronel, os não collocou fóra do quadro. Portanto essa jurisprudencia foi auctorisada pelo proprio apresentante da proposta que depois foi convertida em lei.

Não quero comprometter ainda a minha opinião em dizer que esta jurisprudencia é melhor ou peior, visto haver reclamações pendentes; eu apenas consenti que ella fosse continuada a seguir-se no ministerio da guerra.

Entretanto, como conheci que dava logar a diversas intrepretações o modo como estava redigida a lei de 30 de outubro de 1884 na parte relativa á promoção e collocação dos officiaes de engenheria que estavam ao serviço do ministerio das obras publicas, e tendo reclamado alguns officiaes de engenheria no sentido contrario á doutrina que se tinha seguido no ministerio da guerra, mandei consultar o auditor especial junto ao ministerio da guerra, e depois de ter recebido essa consulta entendi que não podia tomar uma deliberação definitiva em materia tão importante sem ouvir tambem a procuradoria geral da corôa.

Mandei ouvir, pois, com urgencia, a procuradoria geral da corôa e aguardo a sua consulta para então, conformando-me ou deixando de me conformar com a sua opinião, resolver definitivamente o que tiver de resolver a esse respeito.

Portanto, a rasão por que me não dei já por habilitado para responder á interpellação, é porque estando pendente o parecer da procuradoria geral da corôa sobre este assumpto, eu não queria antecipar a minha opinião. Sem comprometter a minha opinião, porque me reservo para resolver quando vier a consulta, direi que tenho muito desejo de ter qualquer fundamento legal, pelo qual eu possa promover alguns tenentes coroneis de engenheria a coroneis, e collocal-os fóra do quadro, e isto por uma simples rasão, é porque a classe dos tenentes coroneis de engenheria está muito numerosa, e alem d'isso os mais antigos dos tenentes coroneis já estariam coroneis n'outras armas.

Não quero levar mais longe a manifestação da minha opinião, que por esta explicação não fica compromettida, sem receber a consulta da procuradoria geral da corôa. Se, como espero, receber essa consulta a tempo de poder dar-me por habilitado para responder á interpellação, apressar-me-ía a declaral-o á mesa para que essa interpellação se realise.

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre se permitte que o sr. Fuschini use da palavra.

A camara resolveu afirmativamente. O sr. Fuschini: - Agradeço a explicação dada pelo sr. ministro da guerra, e farei ligeiras observações em resposta a s. exa.

Disse o sr. ministro da guerra que a opinião do sr. Fontes - não pronunciou o nome, mas comprehendeu-se que era a opinião do sr. Fontes - havia sido exactamente a que se segue no ministerio da guerra, na interpretação dos artigos referentes ás promoções na arma de engenheria.

E certamente uma opinião importante; mas não é uma interpretação incontestavel.

Disse mais s. exa. que, consultando o auditor junto do do ministerio da guerra, fôra elle favoravel á opinião do

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SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1888 1911

sr. Fontes, seguida no ministerio; e acrescentou, que havendo no espirito de s. exa. algumas duvidas, tinha mandado este negocio á procuradoria geral da corôa.

Disse mais s. exa. - se não de uma maneira evidente, pelo menos deixou-o deprehender das suas palavras - que desejava providencias de modo favoravel ás justas reclamações dos officiaes de engenheria.

Congratulo-me com s. exa., porque no meu entender estão elles sendo sacrificados pela má interpretação da lei.

Sem de fórma alguma querer n'este momento atacar corporação alguma, devo, todavia, fazer notar a v. exa., sr. presidente, que alguns pareceres da procuradoria geral da corôa são demorados durante annos, ou, pelo menos, por um largo espaço de tempo.

Peço, pois, a s. exa. o ministro que inste com esse venerando tribunal para que apresente o seu parecer o mais breve possivel.

Alem d'isso devo tambem observar a s. exa. que, havendo duvidas sobre a interpretação de uma lei, quem a póde interpretar cabalmente é o parlamento.

A realisação da minha interpellação não me parece que deva ser demorada até ser dado o parecer da procuradoria geral da corôa, porquanto era resultado d'essa discussão nós podemos apresentar uma proposta de interpretação ou de esclarecimento da lei, se ella, como não supponho, for julgada obscura.

Chamo a attenção do sr. ministro da guerra para este ponto.

Acho que s. exa., na posição era que está, deve-aguar dar a consulta da procuradoria geral da corôa; mas se ella se demorar muito, podemos seguir o verdadeiro caminho.

Quem faz e quem intrepreta as leis? O parlamento. Portanto, por uma votação da camara podemos decidir qual deva ser a interpretação da lei, visto que, n'este caso, o parlamento é superior a qualquer tribunal e a qualquer magistrado.

Suppondo mesmo que a procuradoria geral da corôa desse um parecer contrario a qualquer resolução do parlamento, claro está que o acto era irrito e nullo.

Resumindo, peço a s. exa., que insista com a procuradoria geral da corôa para que apresente o seu parecer o mais breve possivel, o se esse parecer não for apresentado a tempo da interpellação poder ser realisada, acceite s. exa. o meu alvitre, deixando discutir o assumpto e fixar ás camaras a interpretação, que só deve dar á lei.

Pela minha parto declaro que não faço politica n'esta questão; quero andar completamente de accordo com os desejos de s. exa. Se eu estivesse no logar do sr. ministro faria o mesmo que s. exa. entende dever praticar.

Se s. exa. entende que deve aguardar o parecer da procuradoria geral da corôa, aguardemol-o; mas, se esse parecer não vier a tempo de poder ainda ser discutida a interpellação n'esta sessão, parecia-me que era conveniente que se adoptasse o meu segundo alvitre, porque, emfim, se os engenheiros estão soffrendo nos seus legitimos interesses, não me parece regular que se deixem passar mais seis ou sete mezes sobre uma questão d'esta ordem.

Estou convencido de que a interpretação que se tem dado á lei é má, como hei de demonstrar, e por isso desejo que não passe d'esta sessão a minha interpellação. Se o parlamento resolver que a interpretação que se tem dado é boa, subordinemo-nos; mas, se entender que é falsa, desde já façamos justiça aos que têem estado prejudicados nos seus legitimos interesses.

Tenho a maxima confiança pessoal no sr. ministro da guerra e nas boas tendencias do seu espirito, porque s. exa. as deixou entrever; fazendo-lhe, pois, estas indicações com a maior consideração, espero que s. exa. as tomará na devida conta.

Agradeço á camara o ter-me permittido usar da palavra.

O sr. João Pinto dos Santos: - O sr. ministro da guerra apresentou á camara uma proposta de lei melhorando a situação dos alferes graduados, a qual segundo creio ainda está na commissão, pão tendo obtido ainda parecer.

Eu pedia a s. exa. que envidasse todos os seus esforços perante a commissão de guerra a fim de que o parecer fosse apresentado com brevidade.

O sr. Bandeira Coelho : - Na ultima sessão da commissão esta proposta foi-me distribuida para relatar. Hoje reune a commissão e o parecer será assignado, e immediatamente remettido á commissão de fazenda.

O Orador: - Agradeço as explicações do sr. Bandeira, Coelho, e peço ao sr. ministro da guerra que não se limite simplesmente a que a proposta, seja relatada e apresentado o parecer, mas que faça vingar a idéa da proposta.

Não ha ninguem dos dois lados da camara que desconheça a situação precaria que atravessa aquella classe. (Apoiados.)

Todos reconhecem a necessidade de a melhorar, e creio que o illustre ministro mais que ninguem terá empenho em fazel-a passar. Depois dos alferes graduados verem a proposta apresentada, e supporem que ella passava, soffreriam uma grande desillusão se vissem que ella ficava sobre essa mesa sem discussão como outras nativas, têem ficado.

Por consequencia, eu pedia ao sr. ministro que empregasse todos os seus esforços para que a proposta seja approvada, o que é um acto de justiça.

O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - Logo que apresentei a proposta se noticiando a classe dos alferes graduados que ainda restam nas arma? de cavallaria e infanteria solicitei a reunião da commissão de guerra, e não me foi preciso instar nem com o presidente, nem com os membros d'ella para se distribuir aquella proposta para ter parecer.

A proposta está distribuida e o parecer, como acaba de dizer o sr. Bandeira Coelho, será apresentado hoje ou ámanhã.

O meu empenho apresentando a proposta foi que ella se discuta e seja approvada, porque os fundamentos com que a apresentei, e que estão exarados no meu relatorio, provam quanto acho justo o necessario que seja convertida em lei. E acrescentarei que n'esta proposta estou de accordo com o sr. ministro da fazenda porque esta verba é pequena, vae decrescendo a pouco e pouco até se eliminar em cinco annos.

O sr. Presidenta: - Vae dar-se conta de uma mensagem vinda da camara dos dignos pares.

Leu-se uma mensagem com as alterações feitas á proposição de lei do codigo commercial.

São as seguintes:

Alterações feitas pela camara dos pares na proposição de lei da camara dos senhores depurados relativa, ao codigo commercial

Artigo 1.° É approvado o codigo commercial que faz parte da presente lei.

Art. 2.° As disposições do dito codigo consideram-se promulgadas e começarão a ter vigor em todo o continente do reino e ilhas adjacentes no dia l de janeiro de 1889.

Art. 3.° Desde que principiar a ter vigor o codigo, ficará revogada toda a legislação anterior que recaír nas materias que o mesmo codigo abrange, e em geral toda a legislação commercial anterior.

§ 1.° Fica salva a legislação do processo não contrario ás disposições do novo codigo, bem como a que regula o commercio entre os portos de Portugal, ilhas e dominios portuguezes em qualquer parte do mundo, quer por exportação, quer por importação e reciprocamente.

§ 2.° O governo poderá suspender temporariamente a execução da legislação resalvada na parte final do para-

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grapho anterior, com respeito á ilha da Madeira, dando conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 4.° Toda a modifiação que de futuro se fizer sobre materia contida no codigo commercial será considerada como fazendo parte d'elle e inserida no logar proprio, quer seja por meio de substituição de artigos alterados, quer pela suppressão de artigos inuteis, ou pelo addicionamento dos que forem necessarios.

Art. 5.° Uma commissão de jurisconsultos e commerciantes será encarregada pelo governo, durante os primeiros cinco annos de execução do codigo commercial, de receber todas as representações, relativamente ao melhoramento do mesmo codigo, e á solução das difficuldades que possam dar-se na execução d'elle.

§ unico. Esta commissão fará annualmente um relatorio ao governo e proporá quaesquer providencias que para o indicado fim lhe pareçam necessarias ou convenientes.

Art. 6.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução da presente lei.

Art. 7.° É o governo auctorisado a tornar extensivo o codigo commercial ás provincias ultramarinas, ouvidas as estações competentes, e fazendo-lhe as modificações que as circumstancias especiaes das mesmas provincias exigirem.

Art. 8.° Fica o governo auctorisado a, ouvidos os relatores das commissões parlamentares especiaes que deram parecer sobre o codigo do commercio, rever o mesmo codigo no intuito de, quando se mostre necessario, corrigir quaesquer erros de redacção, coordenar a numeração dos respectivos artigos, e eliminar as referencias a disposições supprimidas, a fim de poder proceder á publicação official do mesmo codigo.

Art. 9.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 6 de junho de 1888. = José de Sande Magalhães Mexia Salema = Frederico Ressano Garcia, par do reino secretario = Conde de Paraty, par do reino vice-secretario.

Foi enviada â commissão de legislação commercial.

O sr. Barbosa de Magalhães: - Mando para a mesa o parecer da commissão de administração publica sobre o projecto apresentado pelo sr. deputado Matheus Teixeira de Azevedo auctorisando a camara municipal de Villa Real de Santo Antonio a desviar do cofre da viação municipal até á quantia de 2:000$000 réis para applicar ás obras do aterro e calcetamento das ruas da villa cabeça do concelho.

O sr. Moraes Sarmento: - Mando para a mesa o parecer das commissões reunidas de fazenda e obras publicas, sobre a proposta de lei apresentada pelo governo para a construcção da rede de caminhos de ferro ao norte do Mondego.

Mandou-te imprimir.

O sr. Serpa Pinto: - Estando a sessão parlamentar proxima do seu termo, rogo ao sr. ministro da guerra que preste a sua attenção para a situação em que se encontram os officiaes reformados.

Sei que o sr. ministro da fazenda está de accordo com a proposta apresentada pelo sr. ministro da guerra, e por isso peço e espero que o parecer da respectiva commissão seja apresentado com a maxima brevidade, porque os reformados não podem esperar, visto que a idade não lhes permitte.

O sr. Bandeira Coelho: - Como secretario da commissão de guerra posso declarar ao illustre deputado que a proposta a que s. exa. se refere foi já distribuida na commissão e em breve será apresentado o respectivo parecer.

O Orador: - Agradeço as explicações que o illustre deputado acaba de dar-me, e que me satisfazem cabalmente.

Agora mando para a mesa mais alguns requerimentos de officiaes reformados do ultramar, pedindo que lhes sejam extensivas as disposições do projecto apresentado pelo sr. Baracho.

Concluindo, declaro a v. exa. e á camara que folgo immenso por o sr. ministro da guerra ter apresentado uma proposta de lei melhorando as condições financeiras em que se encontram os alferes graduados, mostrando ao mesmo tempo o empenho que tem em que essa proposta seja convertida em lei.

O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - Pedi a palavra para dizer ao illustre deputado o mesmo que já disse a outro seu collega com respeito á proposta de lei que apresentei relativamente aos alferes graduados.

Eu apresentei a proposta de lei relativa aos officiaes reformados na intenção de que ainda na actual sessão legislativa seja convertido em lei do estado, e espero que em breve a respectiva commissão apresentará o seu parecer.

Estou de accordo com o sr. ministro da fazenda para que o governo seja auctorisado a fazer uma operação com o banco emissor, ou com qualquer outro estabelecimento de credito, a fim de que desde já uma boa parte do grupo de officiaes reformados que recebiam pela tarifa de 1814 passem a receber pela tarifa de 1865, e comquanto se trate agora apenas de cabimento, pela exiguidade da verba proposta, o campo fica aberto para, ou por iniciativa do governo ou por reclamação do resto dos officiaes que não forem ainda contemplados n'este primeiro anno, estes o poderem ser no anno seguinte, ou em um anno proximo, quando o estado do thesouro permitta o acrescentamento de uma pequena verba para se poder derramar este beneficio pelo resto dos officiaes reformados.

O sr. Sebastião da Nobrega: - Pedi a palavra para chamar a attenção do sr. ministro da guerra sobre um assumpto que, parecendo apparentemente de pouca monta, é, todavia, importante no fundo.

Succede que, em 1881, saíram da companhia de saude quatro cabos, cada um para destacamento differente. Um d'estes cabos, Antonio Marques, foi destacado para a fabrica da polvora em Barcarena, onde assistiu ao grande incendio que ali houve, prestando por essa occasião valiosos serviços, quer na occasião da explosão, quer mais tarde, no tratamento dos enfermos.

Esse mesmo cabo foi depois destacado para Chaves, e, na sua ausencia, os outros tres seus camaradas, que haviam ido destacados para outros pontos, requereram que se lhes mandasse abonar uma gratificação; não sei se com favor ou empenho, porque não creio que haja lei alguma que a tal auctorise, conseguiram que essa gratificação lhes fosse abonada.

O cabo Antonio Marques não teve conhecimento d'isso, porque estava fóra da capital. Chegando mais tarde a Lisboa, e sabendo que tinha sido mandada abonar uma gratificação aos seus tres camaradas pelos serviços que elles tinham feito quando estiveram destacados, requereu que tambem lhe fosse concedida uma gratificação, fazendo para tal fim um requerimento, que foi indeferido.

Peço, pois, n'estas circumstancias, ao sr. ministro da guerra, que faça a devida justiça ao cabo Antonio Marques, attendendo a que elle, pelos serviços prestados em Barcarena, tem mais direito que os seus camaradas para ser gratificado.

O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - Não estava informado das circumstancias a que o illustre deputado se refere. São ellas de pequena monta, e por isso não admira que eu não tivesse conhecimento d'ellas.

Creio que o pedido do illustre deputado versa sobre um requerimento de um cabo que se julga lesado por não ter uma gratificação como foi concedida a outros camaradas seus, por motivos de serviços prestados.

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SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1888 1913

Se o requerimento existe no ministerio da guerra, como parece deduzir-se das palavras do illustre deputado, informar-me-hei d'elle, e farei a justiça que merecer.

O sr. Sebastião da Nobrega: - Peco a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que eu diga algumas palavras em resposta ao sr. ministro da guerra.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Sebastião da Nobrega: - Pedia n'esse caso a s. exa. a maior brevidade na solução d'este assumpto que é facil. O requerimento está já indeferido e foi remettido para a companhia de saude.

O sr. Albano de Mello (por parte da commissão de administração publica): - Mando para a mesa um parecer da commissão de administração publica sobre o projecto de lei que auctorisa a camara municipal de Villa Real de Santo Antonio a desviar do cofre de viação municipal a quantia de 2:000$000 réis para ser applicada ás obras de aterro e calcetamento das ruas da mesma villa.

Mandou-se imprimir.

O sr. João Augusto de Pina: - Sr. presidente, pedi a palavra para chamar a attenção do governo ácerca do modo como é interpretada, nos ministerios do reino e justiça, a lei que concede aos empregados d'aquelles ministerios o augmento do terço pela diuturnidade de serviço.

No ministerio da justiça paga-se o terço ao empregado desde o dia em que completou o tempo que a lei exige, embora elle trate do processo d'ahi a um anno.

No ministerio do reino paga-se o terço ao empregado, desde a data do decreto que lh'o concede, embora tenha o empregado completado o tempo ha um ou dois annos.

Sr. presidente, se o ministerio ia justiça interpreta bem a lei, então n'esse caso têem sido lesados até hoje os empregados do ministerio do reino que estão n'estas condições; mas se o ministerio do reino é que interpreta bem, então tem sido lesado o thesouro publico, devendo em todo caso dar-se a uns o que se lhes deve ou fazer repor aos outros o que receberam de mais.

Em todo o caso será bom que se harmonise n'estes dois ministerios a interpretação d'esta lei, porque não póde ella ter interpretação tão diversa em caso tão grave, mesmo por que a lei é igual para todos.

Disse.

O sr. Arroyo: - Faz algumas considerações mostrando a inconveniencia das commissões se reunirem durante as sessões.

A opposição annuiu ha dias a que, por excepção, se reunissem durante a sessão as commissões que tinham de estudar a proposta de lei dos cereaes, em vista da urgencia do assumpto, mas protesta contra o facto de se querer estabelecer este systema como regra geral.

Faz esta observação em consequencia dos boatos que correm.

O sr. Moraes Carvalho: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:

(Leu.)

Sr. presidente como não se acha presente o sr. ministro do reino, eu ouso pedir a qualquer dos seus collegas que estão presentes, o obsequio de fazer sciente a s. exa. de que estes documentos me são absolutamente indispensaveis para discutir a proposta de expropriação por zonas que foi presente ao parlamento por s. exa.

Ouso tambem pedir a algum dos conselheiros da corôa que estão presentes que faça sciente o sr. ministro do reino que eu desejava que s. exa. desse as ordens precisas a fim de me serem enviados os documentos que pedi ha bastantes dias ácerca da questão do gaz.

Estes documentos são importantissimos, e desde o momento em que nós vamos apreciar um pedido da camara municipal de Lisboa, é bom apreciar o modo como ella administra os interesses do municipio.

O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - O sr. presidente do conselho e ministro do reino está na outra casa do parlamento; espero que venha hoje a esta camara e hoje mesmo darei parte a s. exa. dos desejos manifestados pelo sr. deputado, não só com relação aos documentos relativos á expropriação por zonas, mas aos que dizem respeito á companhia do gaz.

Estou convencido que o sr. ministro do reino se ha de apressar, tanto mais que, estando proximo a lindar a sessão, seria ocioso demoral-os.

O sr. Moraes Carvalho: - Agradeço ao sr. ministro da guerra as suas declarações.

O sr. Tavares Crespo: - Mando para a mesa e seguinte requerimento.

(Leu.)

Vae no logar competente.

O sr. Julio dê Vilhena: - Pergunto a v. exa. se os documentos sobre a questão de Zanzibar requeridos pelo ministerio dos negocios estrangeiros, já vieram.

(Pausa.)

O sr. Presidente: - Ainda não estão na mesa.

O Orador: - Peço a v. exa. a bondade de fazer saber ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, que eu careço de realisar a minha interpellação sobre Zanzibar n'esta sessão.

A opposição parlamentar não tem culpa de que só agora o governo apresentasse o Livro branco, mas o ter apresentado tão tarde esse Livro branco, não lhe ha de valer para não se realisar a minha interpellação. Pergunto se já vieram os documentos que pedi ha muito tempo e que são as copias das pastoraes do bispo de Guadalupe, porque deseja occupar-me das manifestações reaccionarias no paiz...

O sr. Presidente: - Ainda não vieram.

O Orador: - Peço licença para dizer que não é correcto o procedimento do sr. ministro da justiça, por isso que pedi estes esclarecimentos ha tres mezes.

Pergunto mais se já chegaram os esclarecimentos que se referem ás reclamações do governo francez, com relação á igreja de S. Luiz.

O sr. Presidente: - Tambem não vieram.

O Orador: - Peço a v. exa. que tenha a bondade de mandar insistir pela remessa d'estes esclarecimentos.

Por ora, não faço mais interrogações, e só direi que julgo o procedimento do sr. ministro da justiça muito incorrecto.

Pedindo que todos os esclarecimentos venham á camara, uso do meu direito. (Apoiados.)

Por ora, não digo mais nada.

O sr. Franco Castello Branco: - Como não está presente o sr. ministro da justiça, peço ao sr. ministro da fazenda, que se digne communicar ao seu Collega o desejo que tenho de conversar com s. exa. ámanhã ou depois, antes da ordem do dia, sobre um assumpto importante.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Mando para a mesa a proposta de lei de meios.

Vae a paginas 1916.

O sr. Carrilho: - Mando para a mesa os seguintes pareceres da commissão de fazenda:

1.° Ácerca de ser concedido á camara municipal de Villa Nova de Portimão o predio denominado o Paiol;

2.° Concedendo á mesma camara o predio em ruinas que era tempo serviu para a delegação da alfandega de Faro;

3.° Concedendo uma pensão diaria e vitalicia aos aluamos marinheiros que se impossibilitarem era serviço;

4.° Sobre a pretensão da viuva do contra-almirante Gonçalves Cardoso, que pediu uma pensão;

5.° Sobre a proposta do governo, que fixa as percentagens addicionaes ás contribuições directas do estado, que, nos termos do codigo administrativo, poderão ser votadas para o anno de 1889 pelas juntas geraes de districto.

Mandaram-se imprimir.

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1914 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continúa a discussão do projecto n.° 49, relativo as levadas de agua na ilha da Madeira

O sr. Tavares Crespo: - Impuz-me a obrigação de ser breve, brevissimo, porque assim o exige a occasião apertaria em que esta discussão tem lugar, sob pena de ficar prejudicada.

Ouvi um dia uma phrase feliz ao sr. Marianno do Carvalho, ministro da fazenda. Disse s. exa. que, quando os doutores estavam de accordo, havia por força discussão. É realmente o que se dá n'este projecto. Todos estamos de accordo na sua importancia, na sua necessidade inadiavel, todos estamos de accordo em que é preciso regularisar o contrato celebrado ha dez annos e que ainda não pôde ter até hoje resolução da parte dos poderes publicos.

A questão que se trata é simples. Os hereos de algumas levadas da ilha da Madeira entendendo que podiam ser prejudicados se passassem a poder de terceiros os terrenos onde tinham origem algumas das nascentes ou fontes que abastecem as mesmas levadas, em cuja posse se achavam desde tempos immemoriaes, resolveram ir á praça e arrematal-os.

Em quanto esses terrenos eram possuidos pelas freiras, como estas tinham iguaes interesses aos dos mesmos berços, porque aquellas nascentes tambem íam irrigar a grandes distancias outros terrenos mais valiosos limitrophes com os dos hereos, nenhum receio havia de perturbações futuras. Desde que, porém, tanto uns como outros terrenos, os que tinham nascentes de aguas e os que não as tinham, passavam ao dominio de terceiros, por virtude das leis da desamortisação, mudava a questão de face, e justo fundamento começava a existir de futuras perturbações.

Foi esta a rasão da acquisição: pensar na conservação do manancial do aguas, em cuja posse se achavam e acham mansa e pacificamente.

Não sei se toda a camara conhece a fórma por que foram feitas e são aproveitadas as levadas da ilha da Madeira. Eu não as conhecia. Tive de estudal-as no relatorio que precede o projecto e de colher informações de quem n'aquelle assumpto me podia dal-as; refiro-me ao meu amigo, o illustre deputado Manuel José Vieira.

As levadas de que se trata, e como ellas muitas outras, conduzem aguas, na extensão de 15 e 20 kilometros, trazendo-as das altas montanhas que ha no centro da ilha. Estas obras são despendiosissimas, têem obras de arte em toda aquella extensão, e tiveram necessidade de as fazer construir subindo umas vezes aos pincaros das montanhas, outras a profundissimas gargantas estreitas de terrenos, para, por meio d'essas obras, obstarem a que as mesmas aguas seguissem o seu pendor natural.

Ha levadas que pertencem ao estado. Outras ha, e taes são aquellas a que se refere o relatorio que precede o projecto, que pertencem aos particulares. As do estado foram construidas á custa exclusiva d'elle, por via das repartições technicas; as que pertencem aos particulares têem sido igualmente construidas, e exclusivamente, por differentes associações de hereos, mediante largas despezas.

Ha muitos annos que estão na posse quasi immmorial do uso e aproveitamento d'essas aguas. Por consequencia, desde que os terrenos onde nasciam as aguas, podiam, por virtude da desamortisação e da passagem a novos possuidores, trazer quaesquer perturbações futuras, com rasão entenderam dever obstar a futuras questões.

Mais ainda: essas aguas não só vão irrigar os campos, mas são aproveitadas n'um e n'outro ponto para usos domesticos, comtanto que nem turvem a corrente nem a embaracem ou desviem.

Bem fizeram, pois, os proprietarios ou hereos em adquiril-as pelos meios legitimos.

Levantou-se, porém, a questão sobre só a associação dos hereos era um corpo moral, porque o codigo civil pelo artigo 1:561.° prohibe a essas corporações a acquisição do bens de raiz, e o artigo 35.º define tambem que as pessoas moraes não podem adquirir bens de raiz senão dadas certas e determinadas circumstancias. O codigo civil no artigo 1:561.° diz:

(Leu.)

A estação competente teve duvidas sobre a natureza d'estas associações, e d'ahi a duvida sobre o modo por que os titulos de acquisição deveriam ou poderiam ser passados, estando os interessados ha dez annos no desembolso do seu capital, porque o entregaram, effectuando os preços de compra, e sem a propriedade, porque sem os titulos ainda não poderam tomar conta d'ella.

Por isso vieram perante os poderes publicos.

O codigo civil, artigo 676.º, manda annullar os contratos quando houver inexecução no cumprimento das condições, se o pactuante, que as satisfez pela sua parte, não quizer exigir o cumprimento exacto do contrato; e, tratando em especial da compra e venda, o artigo 1:549,° não permitte que uma das partes fique com o preço do producto da venda sem entregar a propriedade vendida.

Isto é disposição expressa de direito.

A fazenda nacional não é privilegiada; não póde ficar com os valores da praça e ao mesmo tempo não restituir a propriedade a quem de direito for.

Ora sabe v. exa. em que estado isto se encontra?

Os que cultivam terrenos que foram arrematados não pagam ha dez annos as rendas respectivas, nem ás freiras, porque ellas já têem em si o preço e nada têem com o que venderam, nem aos hereos arrematantes, porque ainda não poderam estes entrar na posse dos terrenos.

Aqui está a situação em que se acham os proprietarios que arremataram em praça esses terrenos.

Urge, portanto, tratar d'este assumpto; não podem continuar as cousas como estão hoje.

Aqui não se trata senão de definir um direito consignado no codigo civil, não se trata senão de tornar effectiva uma acquisição que eu entendo que foi bem feita, e entende tambem a commissão de legislação civil.

No ponto de direito subjectivo não ha divergencias, a questão é toda de fórma.

O meu amigo o sr. Moraes Carvalho, cujo talento respeito, entende que este projecto de lei não devia concluir pela fórma interpretativa, mas sim por uma disposição de lei nova, como additamento ao codigo civil; o a commissão entende que na legislação actual ha elementos para resolver a questão pelo meio interpretativo e sem necessidade de promulgar-se nova lei.

Agora no que estamos todos de accordo é em que é preciso resolver alguma cousa.

O sr. Moraes Carvalho já definiu com a sua costumada proficiencia o que sejam pessoas moraes e associações perpetuas; e considerando, apenas juridicamente, as associações de hereos como corpos do mão morta, argumentava: se fossem consideradas como sociedade particular, desde que um dos socios saísse d'ella a associação deixava de existir por effeito do artigo 1:276.° n.° 4.° do codigo civil.

Mas se a sociedade, respondo eu, fosse considerada como associação secreta, tinha de applicar-se o artigo 36.°, que diz:

«Se alguma das corporações ou associações (perpetuas) por qualquer motivo se extinguir, os seus bens serão incorporados na fazenda nacional, quando lei especial lhes não tenha dado outra applicação.»

Portanto, os artigos 32.° e seguintes do codigo civil referem-se evidentemente a outras corporações moraes exemplificadas no artigo 37.°, e não ás associações do hereos, que se regem no direito successorio e em todos os seus direitos civis palas disposições das sociedades particulares.

Se fossem sociedades moraes, perpetuas, como quer o

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SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1888 1915

sr. Moraes Carvalho, não teriam o direito de propriedade plena; e a morte dos socios, ou a dissolução da assembléa geral agricola dos hereos transmittiria os bens respectivos para a fazenda publica.

Triste presente dava o sr. Moraes Carvalho á ilha da Madeira!

Eu escuso de dizer a s. exa., que o sabe melhor do que eu, a differença que ha entre aguas communs, aguas particulares e aguas publicas.

Acham-se caracterisadas e definidas nos artigos 380.°, 381.°, 382.º e 431.° o seguintes do codigo civil, e, como prometti ser brevissimo, não quero abusar da paciencia da camara expondo os caracteres differenciaes de cada uma das especies.

Basta dizer que, ainda que as aguas de que se trata fossem na sua origem communs, entraram na propriedade particular desde que foram apropriadas, nos termos do artigo 438.° do citado codigo civil, quer por um só individuo, quer por uma aggremiação de individuos.

A propriedade das aguas é particular commum, segundo a definição do artigo 2:175.° e não commum, de uso publico, no sentido que lhe attribue o artigo 381.°

Consequentemente só podem applicar-se-lhe as disposições de lei respectivas ás sociedades particulares, e não as das sociedades de mão morta.

Disse tambem o illustre deputado o sr. Moraes Carvalho, que não podia a propriedade dividir-se contra o disposto na lei civil, desde que se considerasse como pertencendo a uma sociedade particular.

Mas peço licença para dizer que aqui ha mais do que simples direito de propriedade; ha um caso de servidão reciproca entre os proprietarios confinantes ou hereos das levadas.

Tinha o illustre deputado receio de que da dissolução da sociedade podesse advir algum inconveniente na divisão forçada do predio commum; mas como o artigo 1:267.° do codigo, diz que os predios servientes ficam sujeitos á servidão, sejam quaes forem os seus possuidores, eu declaro muito positivamente que não póde ter inconveniente, não póde causar prejuizos, nem a dissolução da sociedade dos hereos, nem a morte de qualquer dos associados, nem a transmissão dos predios dominantes para terceiras pessoas.

Fosse qual fosse o proprietario, havia de ir buscar as aguas, quer a sociedade se dissolvesse ou não; era um direito que havia de subsistir sempre, e que não podia ser prejudicado, quer a sociedade fosse particular quer publica.

O predio adquirido por arrematação em hasta publica tem por fim assegurar o direito de servidão reciproca em proveito da communidade dos hereos; é propriamente um predio serviente, e n'estas condições não posso acceitar a emenda do sr. Moraes Carvalho, tanto mais que na commissão foi um assumpto largamente discutido, o maduramente pensado.

Sinto não poder acceitar essa proposta.

Estamos todos de accordo no interesse que advem á agricultura, de se respeitar o direito de propriedade legitimamente adquirida, e de se beneficiar a Madeira, e todos os terrenos onde passam levadas, que estão em condições identicas ás da Madeira, no resto do paiz. Mas na questão de forma, a commissão pensa de modo diverso do illustre deputado, o sr. Moraes Carvalho.

Declaro que toda a responsabilidade do relatorio é unica e exclusivamente minha; e assim se tem entendido sempre a praxe parlamentar. Se uma ou outra proposição do relatorio póde desagradar ao illustre deputado, não vale a pena discutil-o. O que se vota é o projecto de lei, ou a conclusão, sejam quaes forem os seus fundamentos.

O sr. Moraes Carvalho, nas doutas considerações que fez, suppoz que a administração das levadas na ilha da Madeira esteve sempre sob a direcção immediata da auctoridade administrativa.

Não acontece assim. Os juizes ou commissões directoras são eleitos nas assembléas dos hereos, e se é certo que, outr'ora, sempre a auctoridade administrativa intervinha n'essas assembléas, essa intervenção limitava-se exclusivamente, á manutenção da ordem, pois bem se comprehende a necessidade d'ella em assembléas tão numerosas, e onda nem sempre a illustração é o elemento principal.

A auctoridade nem presidia a essas assembléas, nem n'ellas tinha voto. Limitava-se a velar pela ordem.

Eu cito este facto, unicamente para mostrar que foi errada a apreciação do illustre deputado, quando julgou que estas levadas tinham sido feitas á custa do estado ou com a interferencia do estado. Não é exacto.

Eram estas, sr. presidente, as breves considerações que eu tinha a fazer em resposta ao illustre deputado.

O sr. Moraes Carvalho: - (O discurso será publicado em appendice a esta sessão quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)

Posto a votos o artigo 1.º foi approvado com a emenda da commissão.

A emenda apresentada pelo sr, Moraes Carvalho ao artigo 2.º, foi rejeitada.

Artigo 2.° Approvado.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do orçamento rectificado

sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Baracho.

O sr. Dantas Baracho: - (O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas )

Leu-se na mesa a seguinte:

Moção de ordem

A camara, reconhecendo-a imperiosa necessidade de que se proceda ao aperfeiçoamento das instituições militares, continúa na ordem do dia. = Dantas Baracho.

Leram-se mais as seguintes

Propostas

Proponho que ao jardim zoologico seja abonado o subsidio de 350$000 réis mensaes, cuja applicação deve ser escrupulosamente fiscalisada pelo governo. = Dantas Baracho.

Sendo indispensavel dar bem ordenado impulso aos trabalhos de defeza do reino, e especialmente aos de Lisboa e seu porto, proponho:

Que se proceda no mais curto praso possivel á elaboração do plano geral de defeza de Lisboa e seu porto, plano esse que deve ser acompanhado do competente orçamento, e bem assim dos orçamentos parciaes relativos e cada uma das obras que tenham de effectuar-se, e das que digam respeito ao artilhamento e mais material de guerra que as deve completar;

Que este plano seja ampliado, nos limites do possivel, á defeza naval, elaborando se igualmente orçamento da parte material que tenha de se adquirir;

Que esses planos e respectivos orçamentos, logo que estejam concluidos e devidamente approvados, sejam distribuidos pelos dignos pares e srs. deputados da nação, a fim de que o paiz possa ter conhecimento d'esses documentos por intermedio dos seus representantes legaes;

Que, juntamente com os creditos annualmente pedidos ás côrtes, para obras de fortificação e acquisição de material de guerra, se designem quaes as obras e as acquisições a que ellas são destinadas. = Dantas Baracho.

Foram admittidas e ficaram em discussão juntamente.

A commissão de redacção não fez alteração alguma ao projecto n.° 49.

Foi expedido para a outra camara.

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1916 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Mando para a mesa uma proposta de lei sobre a compra de armamento para a guarda fiscal.

Vae adiante depois do encerramento da sessão.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Mando para a mesa o Livro branco que contém os documentos ácerca das negociações com a China.

O tratado concluido com aquelle imperio será publicado no Diario do governo de segunda feira proxima.

Mando igualmente para a mesa os documentos que foram solicitados pelo sr. Julio de Vilhena e que s. exa. disse carecer para entrar na interpellação que me annunciou.

O sr. Presidente: - Hoje ha sessão nocturna.

A ordem da noite é a continuação da que estava dada e mais o projecto n.° 56.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Propostas de lei apresentadas n'esta sessão pelo sr. ministro da fazenda

Proposta de lei n.° 71-A

Senhores. - Achando-se muito adiantada a actual sessão legislativa, e prestes a findar o anno economico de 1887-1888; é urgente providenciar que a cobrança dos impostos e demais rendimentos e recursos do estado, no exercicio de 1888-1889, se faça com a devida auctorisação parlamentar, e que o producto dos referidos rendimentos seja applicado ás despezas legaes, em conformidade com as disposições vigentes. N'estes termos, tem o governo a honra de vos apresentar a seguinte

Artigo 1.° É auctorisado o governo a proceder á cobrança dos impostos e demais rendimentos publicos, relativos ao exercicio de 1888-1889, e a applicar o seu producto ás despezas ordinarias do estado, correspondentes ao mesmo exercicio, segundo o disposto nas cartas de lei de 21 de junho de 1883, 15 de abril de 1886 e 30 de junho de 1887, e demais disposições legislativas vigentes, ou que vierem a vigorar no referido exercicio.

§ 1.° Do saldo disponivel dos rendimentos, incluindo juros de inscripções vencidos e vencidos dos conventos de religiosas, supprimidos, depois da carta de lei de 4 de abril de 1881, entrará na receita do estado a somma de réis 27:000$000, como compensação do encargo da dotação do clero parochial nas ilhas adjacentes.

§ 2.° A contribuição predial do anno civil de 1888 é fixada e distribuida pelos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes, nos termos do que preceituam os §§ 1.° e 3.° do artigo 6.° da carta de lei de 17 de maio de 1880, salva a disposição do paragrapho seguinte.

§ 3.° Os predios novamente edificados e reconstruidos e os omissos e sonegados, que no concelho de Lisboa forem ou tiverem sido inscriptos nas matrizes prediaes do mesmo concelho depois da repartição da contribuição de 1887, não entram na repartição da contribuição do 1888, e ficam sujeitos a contribuição especial lançada nos termos dos artigo 3.° e 5.° da lei de 24 de agosto de 1869. Sobre essa contribuição especial recaem só os addicionaes actualmente vigentes. O producto da dita contribuição especial e respectivos addicionaes, é receita da camara municipal de Lisboa.

§ 4.° O addicional ás contribuições predial, industrial, de renda de casas e sumptuaria do anno civil de 1888, para compensar as despezas com os tribunaes administrativos, viação districtal e serviços agricolas dos mesmos districtos, não póde exceder a 11,76 por cento da totalidade, no continente e ilhas adjacentes, das ditas contribuições, sendo media a percentagem aqui fixada.

§ 5.° A conversão da divida consolidada interna em pensões vitalicias, nos termos da carta de lei de 30 de junho de 1887, será regulada, no anno economico de 1888-1889, pelo preço de 58,536 por cento do nominal das inscripções a converter, isto é, pelo juro real de 5 l/8 por cento.

§ 6.° A despeza extraordinaria do estado, no referido exercicio de 1888-1889, á qual é applicavel o disposto no § 1.° da já citada lei de 21 de junho de 1883, é fixada na somma de 1.848:053$474, réis como do mappa junto a esta lei, e que d'ella faz parte:

1.° Ao ministerio dos negocios da fazenda 40:000$000 réis;

2.º Ao ministerio dos negocios da guerra 238:000$000 réis;

3.º Ao ministerio dos negocios da marinha e ultramar:

a) Pela direcção geral de marinha 140:000$000 réis;

b) Pela direcção geral do ultramar 1.260:053$474 réis.

4.° Ao ministerio das obras publicas, commercio e industria 170:000$000 réis.

§ 7.° A importancia dos depositos, feitos e a fazer, em caução de concessões, realisadas ou a realisar, pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, que favor perdida a favor da fazenda nacional, por não terem sido cumpridas as clausulas das mesmas concessões; e bem assim todo o excesso do producto da venda de pinhaes e matas, realisada depois do 1.° de julho de 1886, alem da somma de 85:000$000 réis, que, em qualquer dos casos, constitue tambem receita geral do estado, poderão ser applicados pelo governo á dotação dos serviços agricolas e industriaes, e respectivos estabelecimentos, alem das sommas para tal fim fixadas nas tabellas das despezas ordinarias e extraordinarias do estado na metropole, nos termos d'esta lei, tudo em harmonia com os preceitos da lei geral de contabilidade publica.

§ 8.° As quotas de cobrança dos rendimentos publicos, no anno de 1888-1889, que competem, tanto aos inspectores da fazenda publica, dirigindo repartições de fazenda districtaes, como aos escrivães de fazenda, serão reguladas respectivamente pelas mesmas tabellas actualmente em vigor, nos termos do disposto no decreto com força de lei de 23 de julho de 1886.

§ 9.° O governo decretará nos mappas das receitas e nas tabellas de distribuição de despeza as necessarias rectificações, em harmonia com esta lei e com o parecer do orçamento proposto para o dito exercicio de 1888-1889, parecer em que as receitas ordinarias são avaliadas em réis 38.371:740$000 e as despezas tambem ordinarias em réis 38.488:454$246.

Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Ministerio dos negocios da fazenda, aos 9 de junho de 1888. = Marianno Cyrillo de Carvalho.

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SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1888 1917

Mappa da despeza extraordinaria do estado, no exercicio de 1888-1889, a que se refere a lei datada de hoje e que d'ella faz parte

MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA FAZENDA

CAPITULO UNICO

Despezas extraordinarias do material e fiscalisação dos impostos indirectos, incluindo os aduaneiros, armamento para os guardas, etc. 40:000$000

MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA GUERRA

CAPITULO I

Subsidio, rancho, alojamentos e transportes a emigrados hespanhoes 3:000$000

CAPITULO II

Estrada militar da circumvallação e continuação das obras de fortificação de Lisboa e seu porto 120:000$000

CAPITULO III

Acquisição de torpedos, material correlativo e conclusão das obras da respectiva escola 20:000$000

CAPITULO IV

Material de pontes, telegraphos, caminhos de ferro, acrostatos militares e ferramentas para sapadores de engenheria 5:000$000

CAPITULO V

Compra de cavallos e muares para os regimentos de artilharia e cavallaria e para os officiaes montados dos corpos de pé 40:000$000

CAPITULO VI

Acquisição de cartuchos metallicos para as novas armas do systema Kropatschek, distribuidas ao exercito 50:000$000

MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA MARINHA E ULTRAMAR

Direcção geral de marinha

CAPITULO I

Reparação e construcção de navios da armada, ferias e maiorias de jornaes ao operarios provisorios, empregados n'este serviço 120:000$000

CAPITULO II

Material permanente para as officinas do arsenal e estabelecimentos do ministerio da marinha e edificios da marinha 20:000$000

140:000$000

Direcção geral do ultramar

CAPITULO III

Para satisfação do excesso das despezas sobre as receitas das provincias ultramarinas 870:000$000

CAPITULO IV

Estabelecimento de novas missões ou estações civilisadoras e commerciaes e explorações em Africa oriental e occidental, incluindo colonisação em Lourenço Marques 110:000$000

CAPITULO V

Garantia segundo o contrato de 5 de junho de 1885, relativo ao cabo submarino até Loanda 125:067$974

CAPITULO VI

Dividendo sobre o capital levantado pela West of India Portuguese Guaranteed Railway Comopany Limited 148:985$500 1:960:053$474 1.400$053$474

MINISTERIO DAS OBRAS PUBLICAS, COMMERCIO E INDUSTRIA

CAPITULO I

Construcção do edificio do lyceu nacional de Lisboa 50:000$000

CAPITULO II

Escolas e estabelecimentos agricolas e industriaes 100:000$000

CAPITULO III

Acquisição do material para o ensino nas escolas industriaes ou de desenho industrial 20:000$000 170:000$000 1.848:053$474

Paço, aos 23 de junho de 1888. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Foi enviada á commissão do orçamento.

Proposta de lei n.° 75-A

Senhores. - A guarda fiscal como parte integrante das forças militares do reino necessita acompanhar estas em todos os seus aperfeiçoamentos, para que esteja em condições identicas áquellas, senão em instrucção militar, pelo menos no seu armamento, de modo que o seu pessoal possa servir de auxiliar valioso ao exercito, quando este seja chamado a pugnar pelos direitos e pelas liberdades da nação. Ainda que não houvesse de attender a esta circumstancia, bastava a lucta constante em que os agentes do fisco se acham com os contrabandistas e defraudadores da fazenda, para que á guarda fiscal lhe seja fornecido armamento do mais aperfeiçoado, a fim de que os guardas, tendo plena confiança na sua arma, e na superioridade sobre a dos contrabandistas, o que hoje em dia não succede, possam luctar com vantagem contra estes, supprindo em par-

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1918 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

to, por este modo a inferioridade do seu numero. D'aqui a necessidade de substituir o actual armamento, que está distribuido á guarda fiscal, que pela sua maior parte consiste ainda em armas de percussão e algumas do silex, de que nenhuma força militar faz já uso.

O governo não querendo, porém, augmentar as despezas publicas, entende que com as verbas orçamentaes votadas para compra de material, e applicando o producto da venda do armamento inutil, bem como da mobilia e utensilios e edificios a cargo do ministerio da fazenda e para serviço especial da guarda fiscal, entende, repito, que póde fazer face ás despezas necessarias para distribuir á mesma guarda armamento do mesmo systema que actualmente tem o exercito.

Movido por estas considerações tenho a honra de submetter á vossa apreciação a proposta de lei junta.

Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro, em 9 de junho de 1888. = Marianno Cyrillo de Carvalho.

Proposta de lei

Artigo 1.° O producto da venda em hasta publica, dos artigos de material de guerra, mobilia e utensilios julgados incapazes de serviço, e aquelles que não tiverem applicação ao serviço da guarda fiscal por serem de padrões antigos ou extinctos, será exclusivamente applicado á acquisição do material de guerra para a mesma guarda.

§ unico. Igual applicação terá o producto da venda dos edificios do estado pertencentes ao ministerio da fazenda, e destinados ao serviço especial da guarda fiscal, quando se tornem completamente desnecessarios para o serviço da mesma guarda.

Art. 2.ª Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro, em 9 de junho de 1888. = Marianno Cyrillo de Carvalho.

Foi enviada á commissão de guerra ouvida a da fazenda.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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