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N.º 2. SESSÃO DE 2 DE JUNHO. 1853.

Presidencia do sr. Silva Sanches.

Chamada: — Presentes 79 srs. deputados.

Abertura: — Ao meio dia e um quarto.

Acta: — Approvada.

Correspondencia.

Declarações: — 1.ª Do sr. Torquato Maximo, de que o sr. Frederico Guilherme ainda não póde vir á camara por continuar o seu incommodo de saude. — Inteirada.

2.ª Do sr. Pinto de Almeida, de que o sr. Gomes Corrêa não póde, por justos motivos, assistir á sessão dê hoje e a mais algumas. — Inteirada.

Officios: — 1. Dó Sr. D. Rodrigo de Menezes, participando que por estar doente, não póde assistir á sessão de hoje, e naturalmente a mais algumas. — Inteirada.

2. Do ministerio da guerra dando as informações que lhe foram pedidas em um requerimento do sr. Cezar de Vasconcellos, sobre o estado dos pagamentos dos soldos aos officiaes reformados addidos aos batalhões de veteranos. — Para a secretaria.

II. Do ministerio das obras publicas, acompanhando a cópia da consulta da commissão externa dos vinhos do Douro, satisfazendo assim ao que lhe foi pedido por esta camara. — A commissão dos vinhos.

O sr. Santos Monteiro: — Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre a proposta do governo que diminue o censo dos eleitores e elegiveis para membros da junta do credito publico. (Leu)

Aproveito a occasião para mandar tambem um requerimento dos possuidores de leiras da Bahia. Estes credores tem, desde 1823, recorrido em vão no governo, e ao corpo legislativo, e alguns delles deram tudo quanto tinham; eu conheço um que ficou reduzido á miseria por força de patriotismo (Apoiados; é verdade); e vem, creio que pela millessima Vez, recorrer ao corpo legislativo, pedindo unia providencia que minore o seu mal.

O sr. Presidente: — O parecer manda-se imprimir; e a esta representação dar-se-ha ámanhã o devido destino.

Hontem o sr. Bazilio Alberto pediu ser dispensado das commissões de legislação, e ecclesiastica. Eu não dei logo seguimento a este pedido, porque desejava que a estas commissões não fallassem as luzes de um membro tão conspicuo, e proveitoso; (Apoiados) mas elle insiste hoje por uma resolução a este respeito, e por consequencia não posso deixar de consultar a camara sobre a proposta que mandou para a mesa.

É a seguinte

Proposta: — Peço ser desonerado das commissões de legislação, e ecclesiastica, ficando sómente na de instrucção publica; porque, ainda quando me não faltasse, como falla, capacidade para satisfazer a todas, falla-me saude e tempo, sem o que nada se póde fazer.» — Bazilio Alberto.

A camara não lhe concedeu a escusa.

O sr. Corrêa Caldeira: — Desejava, sr. presidente, saber de v. ex.ª se a nota de interpellação que eu dirigi ao sr. ministro das obras publicas, foi communicada; e se o requerimento que fiz na sessão de 18 de abril, sobre o estado dos pagamentos, foi satisfeito; não o sendo ainda, tem a bondade o sr. secretario de recommendar que, pela secretaria, se faça uma nova instancia. Parece-me que é tempo mais que sufficiente de ser satisfeito o meu pedido, que segundo se vê ainda até agora o não foi.

O sr. Presidente: — Quanto á interpellação posso certificar ao illustre deputado que já foi communicada; e pelo que respeita ao requerimento lerá a bondade de mandar uma nota para a mesa, para se renovar.

O sr. Maia (Carlos) — Como não chegaram ainda os esclarecimentos que eu pedi na sessão de 22 de abril, mando para a mesa a seguinte nota renovando esse pedido. (Leu)

O sr. Faria e Carvalho: — Viando para a mesa uma representação dos moradores da freguezia de Santa Maria de Refoios do Lima, sobre foraes.

Ficou para. sé lhe dar destino na sessão seguinte.

O sr. Palmeirim: — Mando para a mesa o Seguinte requerimento. (Leu)

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Para te lhe dar seguimento na sessão seguinte.

O sr. Bivar: — Peço ser inscripto para apimentai um projecto de lei. Ficou inscripto.

O sr. Bilhano: — Envio para a mesa um projecto de lei para a creação de tres cadeiras de ensino primario em Ílhavo, Oliveirinha e Aradas, no districto de Aveiro, e uma cadeira de francez no lyceo.

Para segunda leitura.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA.

Continua a discussão do projecto n.º 34. (V. sessão de 28 de maio).

Os srs. Cunha Sotto-Maior, e Placido de Abreu, cederam da palavra.

E pondo-se logo á votação o projecto na generalidade — foi approva lo.

O sr. Palmeirim: — Peço a v. ex. consulte a camara se dispensa o regimento para passar já á especialidade.

Foi dispensado — E pondo-se a discussão, e logo á votação o

Artigo 1.º — Foi approvado.

Artigo 2.º — Approvado.

Artigo 3.º º — Approvado.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA.

Discussão do seguinte

Parecer (n.º 25.) ' — Senhores: — Foi presente á vossa commissão de fazenda o requerimento, em que differentes proprietarios de terrenos, occupados pela linha de defeza desta capital, allegando acharem-se privados da posse, e usofructo dos referidos terrenos desde o anno de 1833, porque o governo delles se apossara em crise apertada, sem a indemnisação prévia ordenada pela caria constitucional; e lerem requerido debalde ao governo, ou a demolição das obras de fortificação, ou que lhes fosse paga uma renda conveniente, que intendem ser de justiça começar desde o tempo da occupação do terreno.

Allegando mais estarem soffrendo o gravame de impostos sobre os terrenos occupados, e de que portanto se acham privados; e concluindo pela petição de uma medida legislativa que faça cessar similhante estado, e serem indemnisados de suas rendas, a exemplo de D. Isabel Martiniana de Sousa Alie, a quem são satisfeitas pelo ministerio da guerra — ou que lhes decrete a expropriação de seus terrenos, por utilidade publica, se assim convier ao governo.

A commissão, tendo sollicitado as necessarias informações do governo, recebeu-as no officio do ministerio da guerra de 19 do corrente, em que se historiam as differentes pretenções de um dos requerentes começadas no anno de 1849, e suas differentes soluções; e se prova ser verdade que, tendo a referida D. Isabel Martiniana de Sousa Mello Freire Alte, dona de uma quinta junto ás Picoas, em que se acham algumas fortificações da linha da defeza da capital, requerido em junho de 1812 a demolição das mesmas, ou a indemnisação dos prejuizos por ellas causados, fóra a o-ie respeito ouvido o procurador geral da fazenda que, em consulta de 5 de agosto do dicto anno, fôra de Opinião que, em vi-la das garantias da carta constitucional a respeito da propriedade, se deviam avaliar os terrenos em questão relativamente á renda, com attenção ao depreciamento que tivesse resultado á quinta, e ser paga á proprietaria a quantia que fosse devida. Em virtude deste parecer, pro-cedeu-se á conveniente avaliação, e em portaria dê 23 de abril de 1814 se ordenou passar á supplicante a liquidação competente, e se lhe continuam a pagar annualmente dezeseis mil oitocentos réis.

Pelo facto assim practicado a respeito da supplicada, foi reconhecido pelo governo o direito que assiste aos que se acharem nas mesmas circumstancias daquella proprietaria: o governo intende tambem de todo o interesse conservar, pelas fortes razões que são obvias, as linhas que cobrem a capital; e reconhece a necessidade de se lhe votarem meios, porque os não tem para indemnisações.

Accrescenta, comtudo, que já teria feito a esta camara a proposta necessaria, se os esclarecimentos a que tem mandado proceder sobre o traçado definitivo da linha de defeza da capital, o habilitassem a apontar desde já os terrenos que se devem adquirir como necessarios — e quaes os que se podem restituir sem prejuizo do systema de defeza — parecendo-lhe justo que os proprietarios dos terrenos sejam indemnisados convenientemente.

A commissão, em presença do quanto fica expendido, não póde deixar de reconhecer toda a justiça dos requerentes, mas como não está habilitada a resolver o assumpto, por ignorar a despeza que deve auctorisar para satisfação dos direitos allegados: e parecendo-lhe que o governo possue todos os meios de assentar com brevidade o plano de obras defensivas de Lisboa; e de conhecer, pelo traçado que os engenheiros militares propuzerem, a definitiva solução deste importante negocio:

E devoto que esta pretenção seja remettida ao governo, a fim de que, resolvendo a questão principal, possa trazer á camara, na primeira sessão vindoura, as propostas que forem indispensaveis, com declaração da despeza averiguada, que tem de resultar.

Sala da commissão, 20 de abril de 1853 — Francisco Joaquim Maia — José Maria de Casal Ribeiro _ Augusto Xavier Palmeirim =. Antonio dos Santos Monteiro = Justino Antonio de Freitas.

Estado maior general. = Repartição do quartel mestre general. = 2.ª divisão. Ill.mo e ex.mo sr. = Vou ter a honra de responder ao officio, que v. ex.ª se serviu expedir-me em 18 do proximo passado julho, acompanhando o requerimento de Joaquim Pereira Dultra, possuidor do Casal do Pombo, em campo de Ourique, que pede entrar no usofructo da dicta propriedade, de que desde 1833 se acha desapossado, por estar parte della com a linha de defeza das fortificações naquelle campo, propondo a Sua Magestade tres expedientes para a dicta indemnisação: o primeiro, que lhe seja restituido o terreno occupado pelas fortificações, demolindo-se estas, sem comtudo pedir a indemnisação pelo tempo que não desfrutou o dicto terreno ate hoje: segundo, que não se demolindo as fortificações, comtudo lhe seja permittido abrir nellas uma serventia de carro, para cultivar o terreno exterior, do qual não póde agora gosar, porque lh'o veda a nova linha de fiscalisação alli construida, obrigando-se a reparara dicta brecha ou corte, quando seja necessario: terceiro, e finalmente, que lhe seja pago o valor, tanto do terreno occupado pela linha de defeza, como o que fica além da contra-es-

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carpa. É minha opinião, que sendo indisputavel, por garantido constitucionalmente, o direito de propriedade, e comtudo preferivel o segundo meio que elle aponta, isto é, a abertura nos entrincheiramenlos, para se servir do terreno exterior, que lhe pertence, pagando-se-lhe comtudo, desde já, aquella parte, sobre a qual as dietas obras assentam, não se alterando assim, porque não convém, nem a existencia das fortificações, nem o seu systema, mórmente compromettendo-se elle, em caso de necessidade, á reposição do seu primitivo estado; sobre as indemnisações que requer, e a que tem igual direito, me parecem de rigorosa justiça, que lhe sejam feitas como parecer mais conveniente. Sua Magestade o augusto commandante em chefe se servirá resolver o que tiver por mais justo.

Deos guarde a v. ex.ª — Secretaria peral do real corpo de engenheria, 6 de Agosto de 1849. — Ill.mo e ex.mo sr. general Visconde de Campanhã. — O marechal de campo, commandante geral, Eusebio Candido Cordeiro Pinheiro Furtado. — Está conforme. — Repartição do quartel mestre general, 8 de agosto de 1849. = Antonio de Mello Breyner, major adjunto.

Ministerio da fazenda. — Direcção geral das contribuições directas e proprios nacionaes. = 2.ª repartição. = Ill.mo e ex.mo sr. = Tenho a honra de remetter a v. ex.ª o requerimento de Joaquim Pereira Dultra, em que pede ser indemnisado, em conformidade das disposições da carta de lei de 23 de julho do corrente anno, do valor de um terreno seu, pertencente ao Casa] do Pombo, em campo de Ourique, o qual se acha occupado pelas baterias das linhas de defeza da capita], desde o anno de 1833. Dos papeis que acompanham o mesmo requerimento, se vê que o supplicante offerece a alternativa, ou de ser indemnisado da maneira acima indicada, ou de se lhe restituir a sua propriedade: é, pois, a v. ex., que compele resolver esta pretenção; e não posso deixar de accrescentar, que quando v. ex. intenda que a restituição do terreno não póde ter logar, e que deve preferir-se o arbitrio da indemnisação proposta, esta só póde ter logar, precedendo a necessaria auctorisação do corpo legislativo, para a respectiva despeza; auctorisação, que me parece deve ser sollicitada pelo ministerio dignamente a cargo de v. ex.ª.

Deos guarde a v. ex.ª — Ministerio dos negocios da fazenda, 3 de Dezembro de 1850. = Ill.mo e ex.mo sr. Ministro e Secretario de estado dos negocios da guerra. = Antonio José de Avila.

Procuradoria geral da fazenda nacional. = Numero mil setecentos setenta e nove. = Senhora! = Parece-me muito attendivel a pretenção da supplicante, por que não se lhe permittindo por ora a demolição das obras de fortificação, que foram levantadas na sua quinta, e não consentindo a carta constitucional da monarchia, que se lance mão da propriedade do cidadão, sem que se lhe indemnise o prejuizo que recebe, deve mandar-se avaliar quanto valerá de renda o terreno occupado pelas referidas obras com attenção á depreciação que resultará á renda da dicta quinta, e por essa avaliação pagar se a supplicante regularmente, ou por outro qualquer modo que seja mais commodo á fazenda, e em que a supplicante concorda. Vossa Magestade, porém, Determinará o que Houver por bem.

Procuradoria geral da fazenda nacional, em 5 de agosto de 1842. = O procurador geral da fazenda, Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.

Ill.mo e ex.mo sr. = Em referencia ao officio de v. ex.ª datado de 8 do presente mez, que acompanhou o requerimento e mais papeis, que devolvo, em que Joaquim Pereira Dultra, e outros proprietarios de terrenos occupados pela linha de defensa de Lisboa pedem ser embolsados da renda dos mesmos terrenos desde 1833, ou que sejam legalmente expropriados em virtude de utilidade geral, e para satisfazer aos desejos que a commissão de fazenda da camara dos srs. deputados da nação portugueza, expressou no mencionado officio de v. ex. offerece-se-me prestar sobre tal assumpto os seguintes esclarecimentos.

Joaquim Pereira Dultra tem requerido em differentes épocas, começando em 1849, ser indemnisado dos terrenos que possue em Campo de Ourique pertencentes a um casal, denominado dos Pombos, sobre que se acha edificada uma parte da linha de fortificação acima referida, propondo ser esta indemnisação levada a effeito por qualquer dos tres seguintes arbitrios:

1.º Mandando-se demolir as fortificações naquelle ponto, entregando-se depois os terrenos no requerente.

2.º Pagando-se-lhe a parte do seu terreno em que assenta a linha de defensa, e abrindo-se nesta uma serventia de cano, que permitta o accesso ao terreno que lhe pertence, e que fica fóra da mesma linha.

3.º Finalmente, que se lhe pagasse todo o terreno, ficando pertencendo ao estado, não se recusando o proponente a receber a respectiva importancia em fóros pertencentes á fazenda nacional.

O ministerio da guerra, tendo ouvido a similhante respeito o parecer do general commandante geral de engenheria (officio por cópia n.º 1) mandou proceder á avaliação dos dictos terrenos que foram reputados no valor de 672$000 reis, commettendo ao ministerio da fazenda a parte que dizia respeito á permutação por fóros, ao que o mesmo ministerio da fazenda respondeu em 3 de dezembro do anno de 1850 (officio por cópia n.º 2) que lhe parecia não poder definitivamente concluir-se este negocio sem auctorisação do corpo legislativo.

Tendo o supplicante instado de novo pelo resultado da sua pretenção, por isso que na parte do terreno de que é proprietario, e que existe fóra da linha de fortificação, tem elle uma pedreira, e que a unica serventia que para esta tem, se achava obstruida pela nova linha de circumvallação, foi ouvido o commandante geral de engenheria, e se concedeu, por aviso deste ministerio de 2 de dezembro do anno proximo findo, licença para o supplicante poder mandar practicar na mencionada linha de fortificação uma abertura sufficiente para dar serventia de carro á dicta pedreira.

Um outro requerimento do supplicante datado de 21 de janeiro de 1852 (cópia n.º 3) foi indeferido em 15 de setembro do dicto anno, porque no mesmo se pedia mandar-se demolir a linha de defensa que se acha collocada em umas terras que o supplicante possue a Campo de Ourique, e pagando-se-lhe o valor das dietas terras.

A pretenção do referido Dultra, reduzida aos lermos dos seus primeiros requerimentos, importa uma despeza para que o governo se não acha auctorisado, e iguaes circumstancias se encontram todos os proprietarios dos terrenos em que existem ainda muitas

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das fortificações para a defensa de Lisboa, e que é de todo o interesse conservar por fortes razões que são obvias, vindo a indemnisação de todos os interessados a carecer de uma medida legislativa.

O governo teria já proposto ás camaras um projecto de lei a este respeito, se os esclarecimentos a que se tem mandado proceder sobre um plano definitivo de fortificações para defensa de Lisboa, o habilitassem a poder desde já apontar quaes os terrenos que se devem adquirir por serem necessarios, quaes os que se pódem por ventura entregar a seus donos sem prejuizo do systema de defensa adoptado, o que o governo fará logo que taes esclarecimentos o colloquem na posição de poder avaliar O assumpto com a devida precisão. Parecendo justo que os proprietarios de taes terrenos sejam devidamente indemnisados, uma vez que lhe não sejam restituidos os mesmos terrenos.

Pelo que diz respeito a D. Izabel Martiniana de Sousa Mello Freire Alie, proprietaria de runa quinta, junto ás Picoas, em que se acham algumas fortificações da linha de defensa de Lisboa, lendo requerido em junho de 1842 a demolição das obras de fortificação existentes na dicta sua quinta ou a indemnisação dos prejuizos pelas mesmas cansadas, foi sobre esta pretenção ouvido o procurador geral da fazenda, que em consulta de 5 de agosto do dicto anno (cópia n.º 4) foi de opinião que em vista das garantias que a carta constitucional dá a todos os cidadãos a respeito da sua propriedade, se deveria mandar avaliar o que os terrenos em questão occupados pelas fortificações, poderiam valer de renda, com attenção á depreciação que resulta á mesma quinta da permanencia das dietas obras de fortificação, e pagar-se regularmente á proprietaria esta quantia. Em vista deste parecer, se mandou proceder á avaliação acima referida, e por portaria de 23 de abril de 1844, se ordenou á extincta repartição provisional de liquidações deste ministerio passasse á requerente a liquidação competente, de que resultou ficar recebendo a sobredicta D. Izabel Martiniana de Sousa Mello Freire Alte, a quantia de 16$800 réis.

Deus guarde a v. ex.ª Secretaria de estado dos negocios da guerra, 19 de Abril de 1853. = Ill.mo e ex.mo sr. Custodio Rebello de Carvalho. = Duque de Saldanha.

O sr. Corrêa Caldeira: — Sr presidente, eu espero que a illustre commissão, a quem foi commettido o exame deste negocio, reflicta, como lhe cumpre, sobre o que ella mesma assevera, para chegar a um resultado que se possa dizer digno della, digno desta camara. (Apoiados)

A commissão, sr. presidente, reconhece, como não podia deixar de reconhecer, que os proprietarios dos terrenos occupados pelas linhas de defeza da capital, desattendidos desde 1833, isto é, ha 20 annos, nos differentes requerimentos dirigidos ao governo, para obter ou a renda destes terrenos occupados pelas linhas de defeza da capital, ou a restituição, ou a expropriação delles, sendo previamente indemnisados, nos termos da caria, do seu valor, tem todo o direito de esperar que o corpo legislativo, informando se pelos documentos juntos ao requerimento, pelos esclarecimentos prestados pelas auctoridades fiscaes e pelo proprio governo, resolva esta questão de accôrdo com os principios do direito commum, garantido de mais á mais pela carta constitucional da monarchia. Que quer dizer, sr. presidente, reconhecer o direito dos proprietarios, reconhecer que elles estão privados dos seus terrenos, arbitrariamente por um acto de força, privados da renda que lhes pertence, privados da occupação desses terrenos, e de tirar delles o proveito que a sua cultura lhes póde dar, e além disto, obrigados a pagar contribuições desses terrenos, como se os explorassem por sua conta, o que é uma das circumstancias mais notaveis, e mais aggravantes deste negocio? Que imporia que a illustre commissão, em vista destas informações, e destes factos reconheça que deve fazer justiça Propõe ella os meios? Não, senhor: conclue que, visto não saber quaes são os preços desses terrenos, seja a pertenção remettida ao governo para que no orçamento proximo venha trazer a camara a verba necessaria para fazer face a esse pagamento.

Aqui ha duas questões distinctas: uma — se é ou não necessario que esses terrenos continuem a ser occupados pela linha de defeza da capital, e neste caso tractar da sua expropriação; e a outra pagar a renda do tempo que pelo estado forem occupados... (dirigem-se-lhe algumas observações) Reflecte um sr. deputado que, lendo esta situação de duração 20 annos, se hoje se fôr pagar a renda desses 20 annos, e ámanhã se resolver a expropriação, seguramente o estado tem que pagar, por assim dizer, 2 mezes o valor dessas propriedades; mas a quem é que deve ser imputada essa culpa? Ao governo, á sua negligencia, ao nenhum caso que tem feito dos direitos destes proprietarios.

Ha mais uma circumstancia e é, que um desses proprietarios lendo requerido ao governo em 1844, e procedendo este ás convenientes informações, convencido da justiça que assistia ao requerente, mandou-lhe pagar a renda do terreno. Pergunto, com que direito quereis vós negar aos outros proprietarios uma resolução igual? É impossivel; dizei ao menos, porque assiste a todos a mesma justiça, que o governo faça extensiva a providencia contida na portaria de 23 de abril de 1844, a todos os proprietarios de terrenos nestas circumstancias, que O requererem; não póde deixar de ser assim. Em quanto á questão da expropriação a camara que a decida depois; mas a respeito da renda, intenda-se a commissão com o governo, obtenha delle as informações necessarias para inserir no orçamento uma verba correspondente a esta renda; mas deixar a questão por decidir depois de lerem passado 20 annos, depois que estes proprietarios cançados de requererem ao governo justiça e desenganados de que não a podiam delle obter, vieram ao corpo legislativo pedi-la, reconhecer a camara o seu direito, e no fim deixa-los de novo dependentes do arbitrio e vontade do governo, é cousa que me parece a camara não póde querer, porque não posso suppôr nunca que ella queira fazer uma injustiça com conhecimento de causa.

A justiça dos requerentes está mais que provada. E eu espero, que, depois destas considerações, a illustre commissão de fazenda reconheça por absolutamente necessario que a conclusão do seu parecer seja outra; e não a proponho, porque quero deixar aos membros da commissão a iniciativa na reparação da injustiça que me parece existir na conclusão do seu parecer. Se a illustre commissão acceder a este convite, pela minha parte folgarei de tributar-lhe mais uma vez um testimunho da consideração em que a tenho.

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O sr. Barão de Almeirim — Sr. presidente, estamos discutindo o parecer n.º 25 da illustre commissão de fazenda sobre uma petição dos proprietarios dos terrenos, que sei viram para a foitificação da capital em 1833. Foi esta de certo uma espoliação necessaria, uma expoliação proveniente do estado de guerra em que então nos achavamos; mas acabada a guerra era de certo tambem um acto de justiça que os donos dessas propriedades fossem indemnisados. (Apoiados) Foi uma triste necessidade da guerra, mas desde 1833 até hoje, e são passados 20 annos, todos os governos que têem governado este paiz, tem sido culpados nesta injustiça; não é só o governo actual, são todos os governos desde 1833 até hoje que têem commettido a mesma injustiça; injustiça flagrantissima, que brada ao céo, e a illustre commissão de fazenda ainda hoje quer que esta injustiça continue a permanecer no estado em que tem estado até aqui; contra isto é que eu não posso deixar de levantai a minha voz e de clamar com todas as minhas forças. A illustre commissão não deixa de reconhecer o direito que lêem estes proprietarios, mas na conclusão do seu parecer deixa-os ficar no mesmo estado em que tem estado até aqui!... Eu intendo que a illustre commissão reconhecendo o direito sagrado que os proprietarios têem de serem indemnisados, deverá concluir o seu parecer apresentando uma medida, em virtude da qual o governo fosse auctorisado a immediatamente indemnisar estes proprietarios que ha 20 annos se acham esbulhados de suas propriedades. Além disto, sr. presidente, esta injustiça é tanto mais flagrante quanto que já ha o exemplo de um desses proprietarios ter sido indemnisado; por consequencia aqui dá-se uma injustiça que eu não sei classificar. Intendo portanto, que o parecer não deve ser approvado, que deve voltar á commissão, e que a commissão em vista dos documentos que lhe hão de ter sido presentes, e se o não foram, deve exigi-los do governo, reforme o seu parecer, e apresente aqui uma medida em virtude da qual o governo seja auctorisado desde já a reparar a injustiça que ha 20 annos peza sobre aquelles proprietarios.

Esquecia-me dizer, que eu intendo mesmo que o governo não necessitava de uma medida legislativa nova para proceder a esta indemnisação. Nós temos leis geraes, leis sanccionadas ha muito tempo, que marcam o processo pelo qual estas indemnisações se devem concluir; o que é de summa injustiça é que não se tenham concluido até aqui; e o governo tanto reconheceu que na legislação vigente havia meio de concluir estas indemnisações, que a respeito de um proprietario que foi esbulhado naquella época do seu predio, já effeituou essa indemnisação; ha pois aqui injustiça relativa quando não a haja absoluta. Não posso por consequencia deixar de rejeitar completamente o parecer n.º 25 que está em discussão.

O sr. Justino de Freitas. — Sr. presidente, parece-me que será conveniente historiar o facto para se ver que a camara não póde hesitar sobre o expediente que a commissão tomou. Varios proprietarios de terrenos de que tinham sido privados pelo governo em 33, têm hoje pedir que ou se lhes pague a renda ou a expropriação. A commissão procedendo como devia, ouviu o governo a este respeito, e o governo declara na sua informação, que poderei ler a camara, que elle já há mais tempo teria vindo propôr uma medida, se tivesse traçado definitivamente a linha de

fortificação que ha de fixar, e o preciso, por tanto, que se faça esse traçado para se saber quaes são os terrenos que verdadeiramente devem ser expropriados, e quaes são aquelles que devem ser entregues a seus donos. Esta é a informação que o governo deu sendo consultado pela commissão a este respeito; por consequencia que parecer podia dar a commissão? Não podia ser outro senão reconhecer o direito o a justiça do. supplicantes, isto é, declarar que elles têm direito a uma justa indemnisação pela expropriação que lhes fizeram, mas que ao governo pertence fazer a liquidação, isto é, de quaes são os terrenos que devem ser definitivamente expropriados e quaes aquelles que devem ser entregues. Não sei que a commissão podesse proceder de outro modo; porque a questão é sobre quaes os terrenos que tom de ser entregues a seus donos, e quaes aquelles que tem de sei expropriados; e tudo isto depende do governo definir por uma vez qual é o traçado da fortificação que tem de se fazer a toda da capital; sem isso se fazei não sei que a camara posa tomar uma medida definitiva, medida que não póde ser o pagamento da renda preterita, mas sim o da expropriação. Mas diz-se «pagai a renda.» Seria conveniente que a camara e o governo podessem satisfazei a todas as condições que desejam os proprietarios; mas peço aos illustres deputados, que notem que não são só os requerentes que se acham nestas circumstancias; tambem se devem pagar as casas que foram queimadas ou ai minadas pelo cerco que soffreu esta cidade em 33; (O sr. Nogueira Soares: — E o Porto) e as do Porto, e os possuidores do papel moeda (Muitos apoiados) os depositos, finalmente trinta mil dividas que estão em iguaes circumstancias. Por consequencia não venham dizer, que a commissão devia propor outra medida; a commissão o mais que póde fazer, é reconhecer o direito; mas essa medida não póde ler a sua verdadeira iniciativa senão no governo; é elle que, com conhecimento de causa, deve dizer quaes são os terrenos que precisa expropriar, qual é a importancia delles, e pedir os meios para os pagar; mas em quanto isto se não fizer, o requerimento destes supplicantes não póde ler outra solução senão esta que a commissão intendeu.

Parece-me por consequencia que o illustre deputado reconhecerá que a commissão não negou, nem nega de modo algum o direito que elles teem; mas não póde tomar a iniciativa de qualquer medida, por que primeiramente precisa de um facto do governo, isto é, a execução do traçado e saber quaes os terrenos que teem de expropriar-se, e quaes aquelles que teem de se entregar, este é o facto que tem o governo de decidir primeiro, o é isto o que a commissão exíge que venha acompanhando a proposta do governo sobre o modo de indemnisar os donos dos terrenos expropiandos.

O governo sendo consultado sobre este objecto é o proprio que reconhece, como se vê no parecer, que precisa ainda de proceder a este facto, que. precisa saber qual é a verdadeira linha de defeza, que precisa de saber quaes os terrenos que se devem entregar o os que devem ser expropriado, para vir propôr uma medida á camara. Então se o governo reconhece isto, o que lesta á commissão a fazei? E pedir ao governo que faça por uma vez o traçado das fortificações. Isto pertence não só a camara, que é o que ella faz por meio do parecer da sua commis-

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são, mas aos requerentes que devem instar com o governo para concluir o traçado das fortificações.

O sr. Vellez Caldeira: — A informação do governo tinhamos nós lido, estava aqui no parecer, e o sr. relator da commissão podia poupar-se ao trabalho de no-la explicar; mas foi sempre remettendo ainda os requerentes para o governo a fim de instarem com elle que faça o traçado da linha de defeza da capital!... Ora, sr. presidente, hão de ser as partes que estão ha tanto tempo esbulhadas da sua propriedade que hão de instar com o governo para que faça o traçado!... Ainda demais isto!... Ellas que teem instado porque justiça lhes seja feita, e não têem sido attendidas!...

Sr. presidente, todos os governos que tem havido desde 1834, são culpados, ao menos da falla do ajustamento das contas em que estão estes requerentes, e de não se lerem entregado os bens que não são necessarios; e sobre tudo são culpados os governos passados de pagai em a uns, não pagando a outros, isto e que é um escandalo, porque, sendo segundo a caria e todos os principios a lei igual para todos, o governo passado de 184-2, ou qualquer que foi, pagou a uns, não pagando a outros.

Mas, sr. presidente, não é só este o escandalo. Que se não pague por não haver meios para isso, póde ser permittido; mas não o é reler os bens sem que seus donos os possam gozar; por consequencia estes requerentes não estão nas mesmas circumstancias dos possuidores do papel moeda e outros credores; e accresce ainda o estarem pagando decima por esses terrenos de que estão esbulhados; e deve notar se que a commissão não achasse ao menos um meio para que esses terrenos não fossem collectados. Pois não achou a commissão ao menos um meio de occorrer a que estes homens não fossem collectados!...

Intendo portanto que o parecer não póde ser approvado, e a minha opinião é que se declare desde já quaes são os terrenos que são necessarios, pagando-se esses, e restituindo-se a seus donos aquelles que não forem necessarios.

O sr. Nogueira Soares: — Sr. presidente, quando v. ex.ª me perguntou se fallava a favor do parecer da commissão ou contra, respondi que fallava a favor e contra, porque a dizer a verdade, tambem concordo com o meu nobre amigo o sr. barão de Almeirim.

Eu reconheço que os donos das propriedades do espaço que occupam as fortificações, feitas para defender Lisboa em 1833, devem ser indemnisados, é cousa que ninguem póde deixar de reconhecer, é uma cousa certa; mas reconheço tambem que se essas propriedades lhes não foram tiradas para sempre, se lhes foram tiradas tão sómente por um certo espaço de tempo, e se não se sabe se hão-de assentar as fortificações nesses terrenos ou n'outros, que por ora se não póde saber se se lhes deve pagar o fundo dessas propriedades, ou unicamente a renda pelo tempo em que têem estado fóra do seu poder. A questão do fundo da propriedade só se póde resolver quando se concluir o traçado; mas fica a da renda, e quanto ao pagamento della, a questão não é em relação á justiça, que assiste aos supplicantes, porque essa é reconhecida, mas a respeito dos meios, e a commissão não podia, sem uma gravissima injustiça, determinar que se indemnizassem já os requerentes, não determinando ao mesmo tempo que se indemnizassem tambem todos aquelles que estão em circumstancias perfeitamente iguaes, porque os possuidores do papel-moeda, os proprietarios das casas e quintas que foram derrubadas por occasião do cerco da cidade do Porto, os donos dos depositos de que o estado se apropriou, todos têem igual direito a serem attendidos, e a camara não póde sem commetter uma injustiça, attender a uns e não attender a outros... (O sr. Cunha Sotto-Maior: — O melhor é roubar a todos) Eu não quero que se roube a todos, não quero que se roube ninguem; mas tambem não quero que se pague a uns sem pagar a outros (O sr. Corrêa, Caldeira: — A generalidade da justiça) É verdade. Examine-se até onde chegam as nossas posses, pague-se até onde se puder pagar, mas a todos igualmente, porque nesta justiça não póde haver compadrio, nem favor, deve haver perfeita igualdade para todos. (Apoiados)

Sr. presidente, eu creio que a camara não deve dar indemnisações a estes, sem que as dê a outros que estão em iguaes circumstancias. E não deve sobre tudo decretar uma indemnisação, sem que declare os meios para a satisfazer, sem saber o valor das propriedades por cuja expropriação tem de a conceder, aliás de nada servirá votar que tem logar a indemnisação.

Diz-se — pague-se aos requerentes — E eu digo — pague-se aos requerentes e a todos que estão em iguaes circumstancias, e a quem ainda se deve o valor das suas propriedades. Mas póde votar-se desde já isto sem se votar no orçamento a receita necessaria para acudir a essa despeza E absolutamente preciso que quando se votar a despeza, se vale tambem a receita; é absolutamente necessario que nós antes de votarmos qualquer despeza, saibamos se podemos com essa despeza. (Apoiados)

Concluo, sr. presidente, dizendo que creio, que nós devemos pagar a estes, assim como devemos pagar a outros que estão nas mesmas circumstancias — e por esta occasião permitta-se-me que eu lembre um assumpto, para o qual a camara deve dirigir as suas vistas, e decidir definitiva e brevemente; fallo do — papel-moeda — Este assumpto urge que se resolva quanto untes. (Apoiados) Alguem já nesta casa por vezes levantou a sua voz a favor, eu faço agora o mesmo, peço á camara que attenda á situação dos possuidores do papel-moeda, que têem 600 800 ou 1:000 contos ainda na sua mão, sem poderem receber cousa alguma delle; é preciso que se attendam tambem, que se lhes pague (Apoiados) Quando se pagar a uns, pague-se a outros — haja perfeita igualdade para todos. (Apoiados)

O sr. Ardia: — Sr. presidente, esta discussão não póde marchar convenientemente na camara na ausencia completa do gabinete, A camara ha-de ler notado que eu sou sempre muito exigente a este respeito: a experiencia ha-de ter mostrado ao meus collegas que são mais modernos do que eu na carreira parlamentar, que taes questões não se podem tractar e decidir bem, quando o ministerio não assiste á sua discussão, e dá a sua opinião sobre ellas. Se o ministerio estivesse presente dai ia, com relação á questão de que se Irada, informações á camara que ella não tem, e de que carece sem duvida para votar com acerto.

Sr. presidente, esta questão foi tirada do terreno em que estava e devia conservar-se, e foi até algum dos membros da commissão que collocou em terreno

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diverso daquelle em que ella estava collocada por virtude do parecer da commissão de fazenda.

O illustre deputado e meu amigo o sr. Justino de Freitas, traduziu a opinião da commissão d'uma maneira diversa daquella que se acha consignada no parecer.

Sr. presidente, a commissão reconheceu o direito dos requerentes á indemnisação com relação á posse das propriedades, de que estão esbulhados: mas a commissão de fazenda só adiou essa indemnisação até que do governo venha a designação de quaes são as propriedades que precisam ser expropriadas, e de quaes são as propriedades, que podem ser entregues a seus donos.

O sr. Justino de Freitas disse outra cousa, disse — que a camara não devia fazer justiça a uns, sem fazer justiça a todos os credores, como, por exemplo, aos proprietarios das casas incendiadas em 1833, aos possuidores do papel moeda, aos donos dos dinheiros em deposito, e emfim a todos os credores, qualquer que seja a natureza dos seus creditos.

Se a commissão de fazenda dissesse isto, nós levavamos a questão a outro terreno, mas eu vejo que a commissão de fazenda não quiz isto. O que a illustre commissão de fazenda quiz, foi adiar unicamente a indemnisação devida a estes requerentes á espera destes esclarecimentos que intende que devem vir do governo, pelo menos é isto o que está no parecer. Se o verdadeiro pensamento da commissão é porém o que acaba de revelar um dos seus illustres membros, diga-se isso francamente, e vamos a tractar a questão nesse terreno. E preciso saber clara e definitivamente o que a commissão quer. E preciso saber, torno a repelir, se a illustre commissão de fazenda quer o que está no parecer, ou quer o que sustentou um dos seus dignos membros o sr. Justino de Freitas. Este illustre deputado nega a justiça a uns, em quanto se não fizer justiça a todos; e eu sem dizer que o principio seja bom ou máo, vejo, comtudo, que é necessario definir se é este o principio que se quer seguir, principio que não é o que serviu de base ao parecer em discussão.

Sr. presidente, eu pedi a palavra sobre este objecto, porque entre os documentos que acompanham esta pertenção, ha um assignado por mim como ministro da fazenda: intendo por consequencia que era do meu dever dizer á camara os fundamentos que tive para exarar nesse documento a resposta que alli se encontra.

Sr. presidente, eu não tive conhecimento deste negocio quando fui ministro da fazenda, senão quando me foi remettido pelo ministerio da guerra o processo, a que se refere o officio que se acha junto ao parecer. Eu respondi como ministro da fazenda, e respondi, quanto a mim, de uma maneira que podia responder — que esta questão pertencia unicamente ao ministerio da guerra; porque só elle sahia se eram ou não precisos esses terrenos para a linha de defeza da capital: a elle é que pertencia decidir quaes os terrenos que eram precisos, e quaes os que o não eram; e no caso de intender que os terrenos de que se tractava, eram precisos para as obras da linha de defeza da capital, era preciso, em conformidade com a carta constitucional, pedir a competente auctorisação ao corpo legislativo para a indemnisação dos mesmos terrenos, auctorisação que devia ser sollicitada pelo ministerio da guerra, e não pelo ministerio da fazenda. — Foi esta a doutrina que consignei neste documento a que me referi; doutrina, pela qual respondo, e que intendo ser a unica que eu podia estabelecer. O que disse então, é o mesmo que digo agora.

Eu intendo, que os proprietarios destes terrenos teem direito a serem indemnisados; mas tambem intendo que o governo não está auctorisado para indemnisar, porque o governo não tem no orçamento um credito para esta despeza; (Apoiados) mas intendo que o governo tem obrigação de pedir este credito para satisfazer esta despeza, e intendo que esta camara póde dizer ao governo que peça esse credito, ou mesmo que seja proposto pela commissão de fazenda de accôrdo com o governo. Isto mesmo já se tem feito n'outras camaras a respeito de objectos identicos: já as commissões de orçamento de accôrdo com o governo tem proposto uma certa somma para pagamento de certas dividas, como, por exemplo, 12 contos annuaes para pagamento de precatorios, restituições de depositos; uma certa somma para pagamento de letras do ultramar, etc; e assim como se fez isto a respeito destes objectos e outros, póde agora fazer-se o mesmo pelo que toca aos terrenos de que se tracta.

Mas diz-se — Nós não sabemos ainda quaes são os terrenos que hão-de ser expropriados, e os que hão de ser entregues a seus donos, e isto não póde saber-se sem se fazer o traçado, sem se saber qual é o traçado que ha-de seguir a linha de defeza da capital. E o rendimento dos terrenos? Aqui ha duas questões diversas. A expropriação não tem nada com a indemnisação que deve conceder-se aos proprietarios dos terrenos, de cuja posse elles se acham ha muitos annos esbulhados. Aquelles terrenos que forem precisos para a linha de defeza, devem ser expropriados, e os que o não forem, devem ser entregues a seus donos que tem direito a exigir uma compensação pelos rendimentos de que estiveram privados (Apoiados) logo não acho ainda que seja preciso que se espere a opinião ou proposta do governo, relativamente ao traçado das linhas de defeza da capital, para se fazer a justiça que fôr possivel fazer se aos proprietarios que hoje requerem. (Apoiados)

Eu intendo, torno a dizer, que estas questões não podem ser util e convenientemente tractadas na ausencia completa do governo; porque o governo se estivesse presente, por exemplo, o sr. ministro da fazenda leria dado de certo informações que facilitassem a solução deste negocio.

O illustre deputado, o sr. Nogueira Soares, estabeleceu um principio saneio e justo, que oxalá se tivesse sempre seguido, e é — que não devemos votar despeza nenhuma sem sabermos donde hão-de vir os meios para a satisfazer. Mas tem todas as camaras feito isto? Tem-no feito mesmo esta camara? Para que invocar este principio, se nós temos sido os primeiros a despresa-lo? Pois não votou esta camara ha poucos dias uma infinidade de creações novas sem tractar de saber primeiro se tinhamos os meios para satisfazer ás despezas provenientes dessas novas creações? Nós fomos approvar a reducção do juro da divida interna e externa, que não podia justificar-se senão em presença de grande necessidade, votando ao mesmo tempo despezas novas sem saber se tinhamos meios para as pagar!

Sr. presidente, eu sinto que a commissão de fazen-

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da reconhecendo, como reconhece, o direito que tem estes proprietarios de serem indemnisados, não tractasse logo de... (Entrou o sr. ministro da marinha) Como acaba de entrar um membro do gabinete, eu direi só duas palavras para habilitar o sr. ministro da marinha a conhecer a questão de que se tracta, o que eu disse, e qual a opinião da commissão.

Tracta-se de discutir o parecer n.º 25 da commissão de fazenda, relativamente ao pedido dos proprietarios dos terrenos de que o estado lançou mão em 1833 para as linhas de defeza da capital. Elles tem requerido, e requerem agora tambem que ou se lhes entreguem os seus terrenos, ou se lhes pague a renda delles, a exemplo do que já se passou em 1844, em que foi attendido o pedido de uma senhora dona de um predio, estabelecendo-se-lhe uma renda, que está sendo paga pelo ministerio da guerra. A commissão de fazenda e de parecer, que em quanto o governo não resolver a questão do traçado das linhas de fortificação da capital, não se póde resolver a questão, por isso mesmo que só depois do traçado feito é que se póde saber quaes os terrenos que serão expropriados, e os que não precisam ser expropriados, e que por consequencia hão de ser entregues a seus donos. Eu digo, que uma vez que a commissão reconhece o direito a estes proprietarios, não ha necessidade de esperar pelos trabalhos relativos ao traçado; que a questão da expropriação não tem nada com a da indemnisação, que deve ser dada aos proprietarios pelo tempo que deixaram de estar de posse dos seus terrenos. Parece-me n'uma palavra, que a situação logica da questão de que se tracta, deve ser a seguinte, ou, mandar outra vez o parecer á commissão para que ella combine com o governo sobre uma verba qualquer que haja de ser lançada no orçamento, para fazer justiça da maneira possivel a estes credores, ou mandar o parecer ao governo para que proponha a verba que julgar precisa para fazer face a essa despeza; mas julgo que o primeiro meio e melhor. A illustre commissão não póde considerar nesta proposta nada que offenda o seu melindre, porque ella mesma é que reconheceu a justiça destes credores: logo eu julgava melhor que este parecer voltasse á illustre commissão de fazenda, para que combinasse com o governo e propuzesse uma verba para se fazer justiça aos possuidores destes terrenos até ao momento em que se decretasse a expropriação, ou a não expropriação. Parecia-me que era este o melhor meio de saír da difficuldade, e que desta fórma não se prejudicava o direito dos outros credores, pelo contrario abre-se caminho para se lhes fazer justiça. Se a commissão concordar com o governo em que é conveniente votar uma verba para se começar a dar a indemnisação aos proprietarios dos predios queimados, hei-de votar essa verba com muito gosto. Mas não façamos depender uma questão de outra: isto é, façamos justiça a todos, mas da maneira possivel.

Quanto á questão do papel moeda, de que se tractou aqui, não careço de appellar para as considerações que fiz na camara de 1851 numa interpellação que me foi dirigida, e que durou 3 dias, e que podia provocar uma crise ministerial, porque eu estava disposto, no caso que fosse votada uma ordem do dia de um illustre deputado que me está ouvindo, a considera-la como uma prova de ler o ministerio perdido a confiança da camara, e neste caso havia de obrar em conformidade. Mas devo dizer ao illustre deputado, porque é conveniente que se saiba no interesse dos possuidores do papel moeda, que a razão porque não tem sido attendidos, é porque exaggeram o seu pedido. Em 1851 veiu a esta capital um cavalheiro da cidade do Porto, e procurou-me dizendo-se representante dos possuidores do papel moeda naquella cidade. Eu disse-lhe com toda a franqueza aquillo mesmo que digo hoje, e aquillo mesmo que faria hoje se fosse ministro, ou que farei como deputado.

Disse-lhe que estava resolvido a apresentar na camara um projecto para que todo o papel moeda fosse trocado por inscripções de 4 por cento, e intendia que o thesouro devia fazer este sacrificio, que o podia fazer, e que os possuidores do papel moeda deviam em attenção ás circumstancias dar-se por contentes, vendo que não era possivel fazer mais. Accrescentei — quanto mais depressa esta questão fôr resolvida, melhor para os possuidores do papel moeda, porque mais depressa começam a vencer juro do seu capital, e por consequencia vai-se attenuar o sacrificio que estão sofrendo: mas não posso apresentar esse projecto sem ter um requerimento de alguns possuidores de papel moeda, dizendo-me que se contentam com aquella troca; porque em vista desse requerimento peço ás camaras auctorisação para satisfazer a esses requerentes, e a todos os que depois pedirem o mesmo. Se eu apresento ás côrtes essa proposta sem tal pedido, levantam-se logo altos clamores contra ella, a proposta desvirtua-se, e não passa. Façam pois os senhores esse requerimento, digam que fazem o sacrificio de trocar o seu papel moeda por inscripções de 4 por cento, que eu immediatamente... (O sr. Nogueira Soares: — Acceitam agora inscripções de 3) Pois então digo que deve acceitar-se essa proposta, e que a devem mandar por escripto. (Uma voz: — Não mandam) Pois apresente algum dos illustres deputados essa proposta, e conte com o meu apoio.

Peço Licença para acabar a narração, que tinha começado. Quer a camara saber a resposta que me deu aquelle cavalheiro a quem alludi? Nós queremos inscripções de 5 por cento ao par pelo nominal do papel moeda de que somos possuidores, e queremos inscripções de 5 por cento por todos os juros a 6 por cento que se nos devem desde 1834 — quer dizer queriam 200 por cento em inscripções de 5 por cento, quando o papel moeda estava no mercado a 23 por cento! De sorte que se diria, se houvesse um ministro da fazenda tão insensato, que apresentasse tal proposta ao parlamento, que elle tinha mandado comprar no mercado todo o papel moeda que lá estava, para fazer uma fortuna, ou reparti-la pelos seus amigos. Aqui têem os srs. deputados a razão porque não veiu á camara essa questão em quanto eu fui ministro.

Nos primeiros dias de abril de 1851 dirigiu-se-me aqui uma interpellação, que durou 3 dias, e nessa interpellação quizeram obrigar-me a declarar que adoptava um projecto que vinha propôr a troca em inscripções de 5 por cento. Não quiz fazer tal declaração. Hoje responderei como deputado áquillo que então respondi como ministro — contem com o meu voto todos aquelles que vierem requerer ás camaras, que votem uma lei para que o papel moeda seja trocado por inscripções de 4, que são hoje de 3, e espero que as camaras hão de votar essa lei. O papel moeda monta ainda hoje a 1:500 contos: com 45 contos fazemos frente a essa despeza. Mas é preciso,

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tômo ri dizer, que os possuidores do papel moeda tenham o bom senso de reconhecer pela sua parte que não detém fazer propostas exaggeradas, como a que me fizeram.

Peço perdão á camara de ler feito estas observações relativamente á questão do papel moeda, que aqui veiu por incidente; mas penso que alguma vantagem póde daqui resultar, que é definir bem a nossa situação a respeito desta questão, para não nos dizerem que temos repellido estes credores, a quem não queremos fazer justiça. Não é assim. São estes credores que não leiu tido a prudencia necessaria para se contentarem com aquillo que as circunstancias nos permittiam conceder.

Acabo dizendo, que me parece que o que conviria fazer era ou mandar o parece que se discute, outra vez á commissão para que ella combine como governo sobre a verba que deve ser lançada no orçamento, para fazer justiça da maneira possivel a esses credores; ou mandar o parecer ao governo para que elle mesmo proponha a verba que julgar precisa para fazer face a esta despeza. O primeiro meio seria sem duvida o melhor: e com isto não se prejudica o direito dos outros credores: pelo contrario abre-se caminho para se lhes fazer justiça.

O sr. José Estevão: — Eu intendo que esta questão está decidida pelo illustre deputado que acabou de fallar porque a commissão, a quem s. ex.ª acaba de dirigir as suas censuras (O sr Avila: — Não lhe fiz censura nenhuma) não fez senão seguir os seus passos. Convidou-a a reconsiderar, mas a commissão não póde reconsiderar sem que estejam preenchidas as condições muito bem lembradas e exigidas pelo illustre deputado, quando na qualidade de ministro da fazenda teve de responder á requisição que lhe Jazia o ministerio da guerra para propôr os meios convenientes para o pagamento desta divida. O illustre deputado, ministro da fazenda então, disse o seguinte: ouça a camara o officio que vem aqui. (Leu)

E o que a commissão decidiu, s. ex.ª referiu-se ao ministerio da guerra, e a camara refere-se ao governo. (O sr. Avila — Nesse tempo estava essa pretenção no governo, não estava na camara.) Muito bem; mas tambem não me contento com a exigencia de s. ex. eu exijo mais alguma cousa. Nós temos sido, isto é, uma certa parte da camara tem sido accusada de pouco zelosa das prerogativas parlamentares, o eu, vai talvez para dez annos, que assisto a estas tarefas, e ainda não vi reivindicar solemnemente uma das attribuições do corpo legislativo, attribuição que em parte alguma se lhe nega, e que tem sido preterida, como se fosse uma cousa corrente entre nós, sem reclamação de nenhum dos partidos que por muitas vezes se teem aqui apresentado, ora em maioria, ora em minoria — fallo da attribuição parlamentar que imporia o direito de determinar previamente se são convenientes as obras que se intendam fazer, quaesquer que ellas sejam, e quaes as condições com que se devem executar. É preciso, pois, que o corpo legislativo usando dessa attribuição que lhe pertence, decida se ha de ou não haver fortificações, e depois, que traçado hão de ellas levar. Nós podemos ter uma linha de defeza que custe muito ou pouco, segundo os pontos por onde ella fôr, e segundo os fins que deva preencher: mas para esta linha de defeza que existe em roda da capital, e que é uma lastima, para tal linha de defeza não voto eu nem 10 réis. Para que é ella? Para defender a capital: de que? Só se fôr dessas Bernardas, ou Marias da Fonte, dessas cousas que tem muita parte heroica, mas que se tomam por uma brincadeira. Se a querem, pois, para obstar ás invasões de inimigos internos, uma linha dessas, para similhante fim, improvisa-se n'um instante.

Eu já fui tambem engenheiro na Serra do Pilar, em 1832; e parece-me que este objecto está hoje perfeitamente organisado: ha as companhias de sapadores, e ha um ou dois officiaes de engenheria, que podem traçar a ólho, de um momento para outro, quatro ou cinco linhas de defeza, que ás vezes não se veem depois de traçadas; e está acabada a obra. O que eu intendo que se deve fazer é abandonar todos os terrenos e acabar com tudo isto, porque de contrario é um grande abuso. Diante de que trepidam? De decretar a extincção das linhas de defeza de Lisboa? Mas o que defendem estas linhas? Não é preciso ter grandes vistas, nem grandes conhecimentos, para facilmente ver que estas duas linhas foram feitas sem nenhuma indicação, nenhuma idéa de defeza séria: para similhante linha, torno a dizer, não voto nem 10 réis.

A primeira cousa que é necessario decidir, é, se convem ou não tinha de defeza; e, decidido este ponto, proceder então ás expropriações; porque isto não é senão uma questão de expropriações. Se, porém, se tracta do prejuizo que teem soffrido os proprietarios dos terrenos occupados até aqui pela linha de fortificação, que actualmente existe á roda de Lisboa, então esta é uma questão diversa; mas a esse respeito intendo, que taes proprietarios estão nas mesmas circumstancias, e no mesmo caso dos possuidores do papel-moeda, dos donos das casas queimadas, e de muitos outros credores do estado que se acham na mesma situação.

Em quanto a obras publicas a commissão respectiva redigiu já um projecto, que tenciona brevemente apresentar, onde pede á camara sanccione o principio de que nunca se vote somma alguma para obras publicas, sem se apresentar o plano de orçamento destas mesmas obras; que nunca mais se votem como até aqui, sommas em globo para obras publicas: cada somma ha de ser determinada para cada obra; e eu intendo que este principio não póde deixar tambem de ser applicado u» obras militares.

Se se tivesse procedido desta maneira quando se tractou abruptamente e sem o devido conselho, de fazer a linha da circumvallação de Lisboa, talvez se tivesse podido vincular as duas obras n'uma só; talvez as duas obras se podessem accumular, e não aconteceria o que aconteceu, que ha sitios na linha de circumvallação em que custa passar a duas pessoas a

A linha de circumvallação, como indicação de recreio será talvez muito bonita, mas cada kilometro parece-me que custou 53 conto de réis, isto é, nem mais nem menos do que está destinado para o caminho de ferro a Santarem.

Graças ás sabias administrações que tem havido neste paiz!!

Apesar das camaras e parlamentos anteriores serem muito zeloso das prerogativas parlamentares, e muito observadores da caria, comtudo parece-me poder dizer, que nenhum deputado viu a planta da circumvallação de Lisboa: como particular póde ser que al-

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gum desse tempo a visse, mas na qualidade de deputado nenhum a viu.

Portanto, façamos cousas serias. Se querem tractar da defeza de Lisboa, no intuito de obstar a um golpe de mão de uma potencia estrangeira, então faça-se um systema de defeza como deve ser feito; e, depois de passar por todas as estações militares, venha o negocio á camara.

Em quanto aos possuidores do papel-moeda, e outros credores que estão nas mesmas circumstancias, intendo que se deve recommendar ao governo que tracte de computar todos os creditos que ha sobre o estado, e tome depois uma medida que abranja a todos; porque do contrario o que acontece, é fazer-se justiça em especial a um credor, com damno de todos os outros.

Parece-me que chegou agora a vez ao papel-moeda. Mas note-se, que em quanto se attende a um credor, os outros recuam leguas e leguas; e com isto é que eu não concordo. O que eu desejo é que se faça uma computação de todos os creditos que pesam sobre o estado, para se poder tomar uma medida a respeito de todos: a fazer-se justiça a um faça-se a todos, porque todos estão nas mesmas circumstancias. Os creditos que pesam sobre o estado são immensos, não é só o papel-moeda; e quando alguem queira fazer justiça em especial a uma qualquer divida, engana-se a si mesmo, por esquecer-se de todas as outras, e cuidar que não devemos mais nada; porém o bilhete especial de entrada, que faz com que essa divida seja recommendada e attendida, passa a outro, e cada divida destas toma o caracter de uma pretenção particular, com padrinhos proprios. O que acontece, é que nós pensamos que não devemos mais nada senão esta divida que vamos pagar, porém resta ainda uma enfiada de credores por satisfazer, e elles ficam muito contentes vendo entrar o primeiro, porque o que fica á poria, conta dahi a pouco entrar tambem. Estas entradas não se fazem senão por bilhetes proprios de admissão, a maneira dos espectaculos publicos, uns são amarellos, outros azues, segundo a divida que se quiz considerar.

Voto portanto pelo parecer da commissão de fazenda; accrescentando, que não se dê indemnisação alguma, sem se satisfazerem todas as condições parlamentares, depois do governo vir dizer: — Eu quero que se faça uma linha de defeza sobre Lisboa, cujo traçado deve passar por tal ou lai sitio, seguir tal e tal direcção, e ser feito com taes e taes condições.

Como, porém, isto se não faz, a minha opinião é que se mande dar posse desses terrenos a seus donos. Mas sabem porque se não manda dar essa posse? E porque a repartição militar... E por isso eu desejava que muitos que são militares, fossem antes lavradores, a fim de se lhes darem muitos terrenos que por ahi ha incultos, para Os cultivarem: quasi todos elles teem tal apego ao terreno que uma vez occupam militarmente, que nunca mais o largam; por exemplo: escolheu-se um terreno onde se fez uma pequena bateria, em que se collocaram umas perinhas; e a repartição militar do ministerio da guerra defende isto depois, como se fosse uma cousa que lhe pertencesse por direito de conquista. Assim apparece, entre nós, um grande numero de edificios nacionaes occupados pela repartição militar, dos quaes se defende hoje a posse com o mesmo affinco com que se defendeu noutro tempo o reducto.

Eu concluo, portanto, votando pelo abandono de toda a linha, e que se entreguem todos os terrenos aos donos delles, porque, como já disse, não voto nem um real para se pagar a credor nenhum em especial; e quanto aos que forem designados para linha de defeza, que seja seriamente combinada, e approvado o plano do traçado pelo parlamento; que se determine previamente a expropriação, e que o seu pagamento se faça como a todos os outros. Agora quanto ao passado esperem por medidas geraes. Resolva-se essa questão, mas para todos de uma vez.

Eu pedia, por exemplo, ao sr. Avila, que tem tanto na ponta da lingua todos os esclarecimentos ácerca de todas as cifras do credito do estado, ou do que se deve, que nos dissesse em quanto computa s. ex.ª a importancia de uma certa divida a que se deu o nome de socegada, e que já o não é; pelo contrario é manhosa, que já não, dorme, mas está espreitando o momento para apparecer. Elle que diga. São milhões e milhões. Só o ajuste de contas dos soldados e officiaes inferiores mortos, dividas que se ficaram devendo de prets e que pertenciam a seus herdeiros, só isso é immenso. Mas ninguem dirá que estas dividas não são mais sagradas do que outras quaesquer, porque são dividas de prets, não em tempo de paz, senão em tempo de guerra. (Apoiado) Só esta divida, se bem estou informado, anda por 3:000 ou 4:000 contos. Ora agora, a viuvas, isso é uma divida avultadissima: eu perguntando o outro dia, se se poderia satisfazer ao pagamento de uma divida destas, procurando informar-me a este respeito, disseram-me que a ninguem se pode pagar; que é uma somma enormissima.

E acabo dizendo, que voto a favor do parecer da commissão, que se acha substancialmente sustentado; e quando não valessem as razões em que se funda, valia a auctoridade do sr. Avila, que tinha tractado esta questão, e dado o seu voto do mesmo modo que a commissão, como ao principio demonstrei. Voto, pois, pela auctoridade do sr. Avila.

O sr. Placido de Abreu — Sr. presidente, eu vou combater o parecer da illustre commissão de fazenda, e combate-lo-hei fundado nas mesmas razões que ella apresenta. Parece-me que depois de se conhecer, e de se acharem determinados os pontos por onde a linha de defeza tem de passar, e quaes os terrenos que devem ser conservados, e que tem de ser occupados por essa linha de defeza, e estabelecido igualmente o valor desses terrenos, parece-me, digo, que não póde haver duvida alguma da parte da camara em votar qual deve ser a indemnisação que se deve dar a seus donos, e que isto se consigne por um acto do poder legislativo. A commissão funda-se em seu parecer em primeiro logar, porque não está ainda feito o traçado definitivo da linha de defeza da capital; em segundo logar porque intende que era necessario satisfazer igualmente a todos os credores do estado.

Enquanto ao traçado para a linha de defeza — já está determinado em relação aos pontos principaes, e é em relação a esses pontos que os proprietarios donos dos terrenos pedem a indemnisação, por que quanto aos pontos intermedios, nada imporia designar por agora quaes serão aquelles que devem ocupar-se estão cultivados pelos proprietarios, e a respeito delles não se pede indemnisação. Agora os pontos que não tem sido desamparados, e que o não hão-de ser nunca, porque são para assim dizer os peões que marcam de algum modo o plano que deve seguir-se quando se fizer o traçado, a respeito desses

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é que se pede a indemnisação que aqui está avaliada em 672$000 réis.

Ora para se vêr se é verdade que os pontos essenciaes de fortificação não se alteravam, eu vou lêr o que diz a similhante respeito a informação do commandante de engenheiros. (Leu.)

Isto é o que diz o commandante de engenheiros. Por aqui se vê que os pontos essenciaes não se alteram, e por consequencia, não ha plano nenhum a fazer a este respeito. Sinto que um illustre deputado a quem muito respeito, dissesse que não se devia tractar agora disto, isto é o mesmo que dizer que se não deve pagar a esses individuos proprietarios dos terrenos.

Por consequencia, parece-me ter demonstrado que não só o plano está determinado, mas ale mesmo que as avaliações já estão feitas em parte, e á vista disto, creio que a illustre commissão de fazenda não terá duvida em propor os meios para que se faça uni pagamento que importa n'uma quantia tão pequena.

Nas occasiões de momento quando é preciso attender á conservação do maior numero, toma-se um ponto qualquer para se fazer uma fortificação, e não se attende a mais nada, mas passado esse momento de necessidade e de crise, de duas uma, ou se deve entregar a propriedade ao seu dono, ou então se a fazenda a quer conservar em seu poder, a fim de continuar a servir-se della, então tem que a pagar necessariamente ao proprietario. Daqui é que se não póde sair. Pois que! Havia o estado lançar mão de uma propriedade particular, fazer uso della, e não dar indemnisação nenhuma!! Com que direito, com que justiça!

Mas note-se ainda uma outra cousa. Ao mesmo tampo que se faz isto, que se lança mão da propriedade alheia, o proprietario está pagando impostos e decimas sobre essa mesma propriedade. (Uma voz: — Não é assim) Não é assim?

No processo vem 2 documentos pelos quaes se prova que este proprietario paga decimas e impostos annexos. Se tiro esta conclusão é porque a vejo mencionada nos documentos juntos ao processo, que a commissão apresenta.

Na provincia do Minho onde se fizeram expropriações para a passagem das estradas, e onde se occupou alguns terrenos, como, por exemplo, para se formarem alguns tilheiros a fim de se guardarem diversos materiaes, está a fazenda pagando o uso que faz desse mesmo terreno. A fazenda paga ao proprietario desse terreno, porque a fazenda não tem direito de usar de uma propriedade particular sem indemnisar o seu dono. Pois pergunto eu, póde por ventura estabelecera o principio de que a fazenda tem direito a apoderar-se de um terreno sem se indemnisar o proprietario desse mesmo terreno?

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Como esta camara póde.

O Orador: — Como esta camara não póde, por que eu pertenço á maioria, sei os seus sentimentos e hei-de sempre revindicar-lhe a sua honra quando fôr atacada. Estes principios são de eterna verdade e não se diga que se deve negar uma indemnisação a este proprietario, muito principalmente sendo ella tão insignificante no seu valor.

Fallou-se tambem nos credores do papel moeda, mas a respeito destes credores ha alguma differença: basta dizer que elles ainda tem um titulo no seu poder que ainda póde ler algum valor; em quanto o proprietario que é o senhor do terreno, não o tem, não o póde vender, nem póde dispor delle.

O proprietario não póde usar sua propriedade e o corpo legislativo não póde com razão nenhuma plausivel defender um ataque á propriedade, e a commissão de fazenda não devia vir apresentar ao parlamento um parecer nestes termos. (O sr. Santos Monteiro: — E que não o leu bem) Permitta-me o illustre deputado lhe diga que eu sei lêr, e não receio o illustre deputado nem no campo da discussão nem em parte nenhuma. (Vozes. — Ordem, ordem) Sei muito bem o que leio.

Sr. presidente, á vista das razões que tenho apresentado, parece-me ler demonstrado que não só ha determinados os pontos principaes por onde deve passar a linha de fortificações, mas qual e o valor desses terrenos, e que por conseguinte a camara não póde deixar de adoptar uma medida que, ou mande pagar a esses proprietarios a renda dos terrenos que se acham occupados, ou então que esses mesmos terrenos lhes sejam entregues para disporem delles á sua livre vontade. Limito-me a estas observações, e pedirei de novo a palavra se o julgar conveniente.

O sr. Maia (Francisco): — Assignei este parecer da commissão como membro della, e assignei-o com toda a reflexão: não o fiz de leve. Parece-me que hei de dar demonstrações de que sei respeitar o direito de propriedade, e admira-me que tendo passado 20 annos sobre este negocio, só agora, porque a commissão de fazenda quer adial-o por mais 6 mezes, se faça tanta bulha, e se diga que a commissão quer lançar mão do alheio. Suppõe-se que a commissão de fazenda não quer indemnisar os proprietarios destes terrenos do uso que o estado tem delles feito; mas onde se encontra similhante cousa no parecer da commissão? (Uma voz: — É verdade) O valor da propriedade ha de se pagar, mas quando se expropriar.

A commissão diz (Leu). Gosto pouco de questões pessoaes, não gosto tambem de excitar o sentimentalismo da camara, e menos ainda de ver tomar calor n'uma questão de administração que deve ser tractada e decidida tranquillamente. E que tem a camara de se offender, se a commissão deu um parecer irregular? A camara vota como quer: póde substituir o parecer da commissão por aquillo que achar mais acertado, e a commissão estimará muito que assim aconteça.

Tracta-se de fazer uma indemnisação ou de saber se os terrenos que se acham occupados, hão-de continuar ou não a sel-o pelo governo. A camara porém, apresentando um parecer em que adia a resolução deste negocio para daqui a 6 mezes, não fez o que outros parlamentos tem feito: a commissão marca o tempo em que o governo ha de trazer á camara a solução desta questão; se a não trouxer, a camara ha de tomar contas no governo pelo não haver feito.

Eu vejo que ha dividas mais sagradas do que estas; muito mais sagradas, como são os depositos, as dividas de sangue que tambem estão por pagar, e ainda que isto não é argumento para se não fazer justiça a estes, com tudo a commissão de fazenda não podia dar outro parecer. Intendo que se deve esperar pelos traçados a que o governo tem de mandar proceder, e só depois destes trabalhos e das avaliações feitas é que se podem votar as despezas que hajam de ter logar; no entanto a camara na sua alta sabedoria de

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cidirá o que melhor convier. Voto pelo parecer da commissão de fazenda.

O sr. Barão de Almeirim: — Sr. presidente, quando eu tomei a palavra pela primeira vez neste debate, disse logo que era uma injustiça que se estava fazendo a estes proprietarios, injustiça que convinha fazer cessar no mesmo instante; mas a isto respondeu-se-me por parte da commissão — que por emquanto não era possivel fazer-se essa justiça, sem se saber primeiro quaes os terrenos que deviam ser occupados pela linha de fortificação, que houver de estabelecer-se á roda desta capital. Alas, sr. presidente, ainda até este momento não se sabe, se ha de ou não ter logar essa linha de defeza, e no entanto estes proprietarios teem de esperar pela solução deste negocio para poderem ler uma decisão sobre as suas pertenções, e sabe Deos quando chegará occasião de se lhes fazer justiça, a elles que se acham esbulhados dos seus terrenos e das suas propriedades, ha mais de 20 annos; por consequencia intendo que as razões apresentadas pelos membros da commissão de fazenda sobre este ponto, não colhem nada. Além disso sr. Presidente, o valor da propriedade para a expropriação é calculado no rendimento de 20 annos, mas achando-se estes proprietarios esbulhados das suas propriedades ha mais de 20 annos, póde se dizer que elles perderam já o valor da propriedade: e havemos nós de consentir que esta espoliação flagrante continue do mesmo modo? Digo que não.

Além disto a commissão de fazenda no seu parecer apresenta razões de analogia, e diz que ha mais proprietarios nas mesmas circumstancias; perdoe-me a commissão, mas isto não é razão para que não se faça justiça a eles proprietarios. (Apoiados)

Eu intendo sr. presidente, que o governo devia já ter mandado avaliar o rendimento destes terrenos, e dar a cada um a indemnisação equivalente ás suas propriedades; mas nada disto se fez, e pela minha parte não quero, não hei-de concorrer para que esta injustiça tão flagrante continue.

Sr. presidente, num dos documentos que se acha junto ao parecer que se discute, diz-se tique o governo não póde ainda adoptar os meios necessarios para levar a effeito a linha, sem estar sufficientemente habilitado com os esclarecimentos necessarios»: mas eu pergunto quando é que estes esclarecimentos virão? Quando é que esses trabalhos preliminares estarão concluidos? E no entanto a expoliação da propriedade é permanente e continuará para o futuro indefinidamente, se o parecer da commissão fôr approvado.

Ora note-se mais, sr. presidente; nos mesmos documentos que veem juntos ao parecer, diz o governo, que já mandou proceder á avaliação de um destes terrenos, e esta avaliação deu em resultado 672$000 réis, póde-se pouco mais ou menos fazer um calculo de comparação, e o valor integral não póde ser muito consideravel, principalmente se a estes proprietarios fôr concedida uma indemnisação annual pela renda das suas propriedades, por que nós vimos por estes documentos, que a renda da propriedade de D. Izabel Martiniana de Sousa Mello de Freire Alie, foi calculada em 16$800 réis annuaes.

Sr. presidente, respondendo a algumas das observações apresentadas pelo meu amigo o sr. José Estevão, eu não posso deixar de dizer que não concordo com a sua opinião, de que nada se deve dar a estes proprietarios, em quanto se não pagar a outros credores, como, por exemplo, os de papel moeda. Intendo que era de summa justiça, pagar-se-lhes; mas por não se poder pagar a todos, não se segue que seja justo não pagar a alguns.

Sr. presidente, aproveito esta occasião para revendicar o credito da commissão de fazenda do anno passado. Lançou-se sobre essa commissão, á qual me honro de pertencer, a nodoa de espoliadora, dizendo-se que ella queria extinguir o fundo de amortisação, e lendo-se o artigo 1.º de um projecto que apresentou; mas não se leu o artigo seguinte, onde se diz que o fundo de amortisação deve ser reconstruido de novo, segundo a bases que no projecto se apresentavam. Por consequencia a commissão de fazenda do anno passado não era espoliadora, pelo contrario o que queria é que se attendessem todos os credores do estado do melhor modo que as nossas circumstancias comportassem: espoliador é aquelle que lança máo de qualquer propriedade sem que para isso tenha direito; é aquelle que não dá todas as garantias ao seu credor.

Disse mais o meu amigo o sr. José Estevão que elle não dava um só real para pagamento de dividas atrazadas, porque intendia que não tinhamos meios para satisfazer a essas dividas, e que deviam ficar para medidas geraes. Não posso aceitar de modo nenhum esta opinião, e nem combinar com similhantes idéas. Se nós não temos meios para satisfazer a todos os credores desde já, ao menos intendo que as suas dividas não se devem pôr em duvida, porque se ellas se não pódem pagar hoje, outro dia virá em que talvez isso seja possivel. Ideas taes, sr. presidente, fazem muito mal ao credito. Eu acabo de lêr n'um jornal inglez que ninguem devia negociar ou aceitar alguma transacção em que entrassem fundos portuguezes.

Ideas, taes nunca se devem apresentar no parlamento. E essa a razão porque nunca havemos de conseguir levar por diante qualquer medida pela qual os nossos melhoramentos materiaes possam progredir, porque isto não se consegue sem haver credito, e o credito não se restabelece com similhantes doutrinas. Não posso por consequencia deixar de sustentar a minha primeira opinião rejeitando o parecer n.º 25 que está em discussão.

O sr. Presidente: — Vai lêr-se a ultima redacção do projecto n.º 31-, sobre a fixação da força de mar.

Leu-se — E foi approvada.

O sr. Visconde de Atouguia (ministro da marinha e ultramar): — Pedi a palavra, porque acabo de ouvir lêra ultima redacção do projecto n.º 34, e havendo um sr. deputado durante a discussão feito algumas perguntas, a que não respondi, por não estar presente antes de se fechar a discussão; desejo que v. ex.ª tenha a bondade de me conceder a palavra para satisfazer a essas perguntas, ou agora, ou no fim da sessão.

O sr. Presidente: — Bem; no fim da sessão consultarei a camara sobre o pedido do sr. ministro.

O sr. Santos Monteiro: — Sr. presidente, principiarei por fazer um requerimento, que é pedir aos srs. tachygrafos que façam inserir no Diario do Governo este parecer da commissão de fazenda.

O sr. Presidente: — Não é necessaria a recommendação do sr. deputado, porque segundo a convenção com os srs. tachygrafos todos os pareceres que

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filtram na discussão, e os documentos que a elles pertencem, são publicados no extracto das sessões.

O Orador — A vista do que acabo de ouvir, mão tenho receio de que lá fóra possa ser considerada a commissão de fazenda como espoliadora, como aconteceria se transcrevendo-se os discursos de alguns srs. deputados, não se transcrevesse o parecer. Confrontado tudo, o juizo do publico ha de ser muito diverso. «Por este lado fico satisfeito que a commissão não tem nada a receiar. A questão é que tem tomado umas dimensões muito além do que se devia e podia esperar: tem sido confundida a pertenção instaurada perante o governo, com a pretenção perante a camara, e é dahi que se origina certa confusão por parte de alguns srs. deputados. Segundo se deprehende dos documentos que aqui estão presentes, é fóra de toda a duvida, que de tantos proprietarios de terrenos occupados pelas fortificações da capital, só um unico requereu ao governo — lá está o nome, que não repelirei, para não tornar a questão pessoal. E requerendo offerecia ao governo tres alvitres para optar por um — ser-lhe entregue o terreno, que é a campo de Ourique — pagar-se-lho a lenda, nu ser indemnisado do valor. As diligencias a que procedeu a auctoridade militar respectiva, deram em resultado, ser avaliado o terreno pertencente a esse requerente, note-se bem, o terreno pertencente a esse requerente em 672$000 réis. Esta quantia foi considerada graciosamente por um orador, que entrou no debate com mais vehemencia do que reflexão, como aquella que valiam todos os terrenos occupados pelas linhas á roda de Lisboa! E vontade de se precipitar. Outro proprietario requereu — foi a sr.s Freire Alie dona de um terreno a S. Sebastião — a essa paga-se annualmente de renda 16$800 réis, o que corresponde a um valor de mais de 300$000 réis, para addicionar áquelle dos 672$000 réis. Em quanto aos outros proprietarios que são bastantes nem a camara, nem a commissão, nem ninguem sabe a quanto monta o valor dos terrenos que lhe pertencem. Noto a v. ex. que tem havido lai confusão neste debate, que até um dos primeiros srs. deputados que usou da palavra, tractou a materia como se o parecer fosse relativo á reclamação dos proprietarios dos predios incendiados á roda de Lisboa, quem tracta uma questão assim para arguir uma commissão de que deu um parecer máo n'uma hypothese que aqui não apparece, eu não sei como póde ser avaliado, pelo menos disse o que lhe veiu á idéa, mas não fallou na questão.

Argumenta-se com uma rasão apresentada n'um requerimento que veiu á camara, que os donos dos predios não só não recebem a renda, -mas ainda em cima pagam a decima. Eu e todos aquelles que conhecem como estas cousas se fazem, não podemos acreditar que essa decima comprehenda a parte do terreno que não produz. (Apoiados) Nenhum individuo por mais descuidado que seja dos seus negocios, se sujeitará a pagar por muitos annos a decima de um predio, que não produzisse cousa alguma, não é lançada senão sobre o producto, ou sobre o rendimento da propriedade, -e qualquer reclamação que fizesse perante a junta do lançamento havia de ser necessariamente attendida. O predio de que se tracta, tem uma parte que produz, e é cultivada pelo dono, e n'uma das reclamações que aqui ha, queixa-se o dono desse predio de se lhe ter tapado a serventia em certa occasião, serventia que depois se tornou a abrir. Para que precisava elle a serventia, senão para cultivar a parte que effectivamente cultiva, e para tirar o producto? (Apoiados) O argumento de que paga decima não colhe, nem aproveita para a especie. Junta-se a cópia, é verdade, foi para o requerimento não vir nú: foi um documento que aqui se trouxe, como fazem todos os requerentes, como fim de verem se conseguem o que se pede.

Mas vamos á questão. A commissão de fazenda desconhece a justiça dos requerentes? Não: a commissão de fazenda adia por ventura este negocio indefinidamente! (O sr. Corrêa Caldeira — Mas é para as calendas gregas) Não é para as calendas gregas, porque as calendas gregas nem o sr. deputado, nem eu as esperamos dentro em seis mezes: nós adiamos apenas para o mez de janeiro de ]854, e não é grande adiamento n'um negocio que deixaram dormir largos annos para apparecer neste em que ressuscitou tudo, e todos quantos podiam e tinham direito para pedir dinheiro ao thesouro.

Sr. presidente, quer-se que nós, camara dos deputados, ordenemos ao governo, que se deixe de linhas de defeza na capital, e que entregue in continenti os terrenos occupados com algumas das fortificações. Se nós o fizermos sem mais ceremonia, proceder-mos legalmente e no circulo das attribuições que nos confere a lei fundamental do estado? De certo que não. Nós somos um ramo do poder legislativo, e para que as nossas ordens obriguem, é necessario o concurso dos outros dois ramos. Isto não é uma requisição que se faça ao governo, pedindo informações ou documentos, é cousa mais seria, e cumpre quando se dão ordens, vêr se ha poder para as dar, e se aquelles a quem suo dadas, tem obrigação de as cumprir

Eu estou convencido, sr. presidente, que a commissão apresentando este parecer, attingiu melhor o modo de promover os interesses dos requerentes, pro-move-os melhor do que os srs. deputados, que seguem opiniões contrarias e exaggeradas, e que lembram alvitres inexequiveis; (Apoiados) porque, repito, e nós dissermos hoje ao governo — como camara de deputados, entregai os terrenos a seus donos — como o não podemos fazer legalmente, e como saímos da orbita dos poderes de que estamos revestidos, corremos o risco do governo se fazer surdo por muito favor, porque se disser que invadimos attribuições alheias, havemos calar-nos, por isso que elle tem rasão. (Apoiados) A commissão seguiu, como já disse o sr. José Estevão, um dos dois arbitrios indicados pelo sr. Avila: disse, que a commissão só tinha dois meios a seguir, ou convidar o governo a trazer as suas propostas para acabar a pendencia, fazendo-se justiça a quem a tiver, ou então ser instaurada a questão perante o governo. (O sr. Avila: — Se o illustre deputado me dá licença, eu me explico: eu o que disse foi, que se devia, ou mandar este parecer ao governo, para que propozesse, ou manda-lo de novo á commissão, para de accôrdo com o governo propôr o que se julgar conveniente).

O Orador: — Muito bem; estamos de perfeito accôrdo, porque é isso mesmo o que a commissão faz: o parecer que se discute, contém em si o que o illustre deputado o sr. Avila quer que elle contenha (Uma voz: — É verdade).

Um amigo meu, que ha pouco se zangou por eu lhe observar que não tinha lido com attenção o pa-

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recer, e que já agora está convencido de que se precipitou um pouco na leitura, tomando a parte pelo todo, disse que a commissão confundira estes credores com todos os outros credores do estado. De qual periodo do parecer se deprehende isso que o sr. deputado inculca como exemplo? Pois a commissão mistura e confunde esses com alguns outros credores? Não, de certo. O sr. deputado ouviu algum dos meus collegas fazer paralello de uns credores com outros dos muitos, a quem assiste justiça como a estes; mas isso foi argumento que todos podem fazer, que venha a proposito, e que eu tambem faria, se não estivesse feito. Os argumentos trazidos á discussão se não agradam, combalem-se, e destroem-se, se se podem destruir, porém como da commissão só se discute o que ella apresenta, ou o que adopta.

O parecer da commissão circunscreve-se pura e simplesmente a reconhecer o direito, a justiça dos requerentes, e a instar com o governo para que resolva a questão principal, e venha á camara m proxima sessão apresentar as propostas que forem indispensaveis para acabar este negocio. E neste mesmo sentido que a commissão tem dado pareceres a respeito -de outros credores, que tem requerido ás córtes, pareceres que a camara tem votado sem se oppôr, sem, se levantar duvida alguma: falla só dar o parecer a respeito dos credores do papel-moeda; porque a res, pito de todos tem a commissão d ido pareceres até! hoje neste mesmo sentido, e ainda nesta casa se não levantou uma voz, senão para approvar os pareceres

Ora aqui ha duas dividas distinctas, e nisso concordo perfeitamente com o sr. José Estevão — a divida da renda, porque quem possuiu, releve, ou disfructou o predio, tem obrigação de pagar a renda, e a indemnisação do valor da propriedade. Quanto II; renda tem os donos o direito de havel-a, desde que; o governo entrou na posse dos predios; e para mim é fóra de duvida esse direito, e está reconhecido pelo proprio governo, deste o momento que mandou pagar a renda a um dos proprietarios desses terrenos. É pelo que diz respeito á indemnisação do valor dos predios, desde o instante em que o governo declarar quaes são os terrenos com que precisa ficar para a conservação da linha de defeza da capital, é, preciso pagar logo o seu valor: mas estes credores devem seguir a sorte de todos Os outros credores do (estado. (Apoiados) Como o parecer se publica, a commissão não lhe importa que appareçam essas increpações fortissimas, que se lhe fazem; porque o parecer as destroe completamente. Se apparecer uma substituição melhor do que este parecer, eu votarei por ella, mas duvido, que appareça; ainda ninguem a apresentou, nem apresentará. E facil a declamação — é facil despertar o sentimentalismo, e ameno esse terreno, mas é muito difficil substituir o que a commissão propõe. E como não espero substituição que destrua o parecer, que o altere na substancia, que não venha a dar o mesmo resultado, sustento o não só porque o assignei, mas porque o considero justo e muito justo.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, não tinha tenção de pedir a palavra neste objecto; mas confesso que escorraçado e escandalisado pelas blasfemias e heresias que ouvi acêrca delle, resolvi-me a quebrar o meu silencio. Poucas vezes se tem dicto em publico heresias tão tremendas e tão escandalosos; era necessario haver esta camara para eu ouvir

o que tenho ouvido. O facto é simples, senhores, não o negueis. O governo espoliou em circumstancias apuradas uma certa porção de terreno, conserva ainda essa porção de terreno indevidamente; não paga a renda delle, não comprou, não afforou, e obriga os proprietarios esbulhados e saqueados a pagarem ainda em cima o imposto do terreno occupado pelo governo. (O sr. Santos Monteiro: — Não ha tal) É assim... (Vozes: — Não é) Pois então não será; muito bem; eu estou prompto afazer vos todas quantas concessões quiserdes uma vez que eu vos leve ao extremo de confessar a inopia do vosso parecer. (O sr. Santos Monteiro — Vamos a isso) Multo bem; o governo não exige o imposto; cedo dessa parte, e se tanto quereis, dir-vos-hei que estou muitissimo mal infirmado acêrca desse ponto.

Mas o facto é que o governo occupa o terreno, que não paga renda delle e não o quer largar; e quando o proprietario desse terreno vem á camara e diz — o terreno é meu e está indevidamente occupado pelo governo, porque não ha nenhuma medida legislativa que sanccione e legalise a posse que o governo tomou delle; o governo não me paga a renda, o governo não me quer restituir o terreno, venho pedir-vos que me entregueis — a commissão de fazenda diz «não se póde entregar o terreno, porque não se sabe qual é o seu valor»!... Mas tambem os proprietarios não vem pedir uma somma fixa e determinada. Os proprietarios pedem o que? Que se lhes restituam os terrenos desde já, ou que o governo mande proceder á avaliação para lhes pagar.

Pois, então, sr. presidente, quando os proprietarios esbulhados vem ao parlamento com uma supplica tão rasoavel, ha-de uma commissão, ha-de uma camara, ha-de um governo desattender esta supplica? O governo espoliou, guarda a espoliação, retem o alheio contra vontade de seu dono, não quer pagar o valor da propriedade e ainda em cima desattende a supplica dos requerentes esbulhados!..

Oh! Sr. presidente, isto é miseravel!.. E diz a commissão de fazenda julgando que diz uma grande cousa — a pois nós não reconhecemos o direito?» Acceito a vossa confissão; mas qual é o resultado que provém aos proprietarios do reconhecimento que fizestes do seu direito? Restituis-lhes a propriedade? Não; então que imporia o vosso reconhecimento do seu direito? Pagais-lhes a renda da propriedade? Tambem não; então que significa o reconhecimento do direito?

Oh! Sr. presidente, isto é miseravel, é triste! Mas vede que os proprietarios não pedem só que o governo lhes pague, estabelecem a alternativa — ou pagai-nos, ou dai-nos os nossos terrenos. — A questão que vós tendes a resolver é em quanto ao passado; mas em quanto ao futuro? A propriedade de hoje em diante fica pertencendo ao governo ou aos proprietarios? Que principio invocais para ficar pertencendo ao governo? O governo afforou, arrematou? Não; então porque é que o governo retem esta propriedade? Mas vós sois coherentes; os deputados que approvaram o decreto da capitalisação, os deputados que approvaram o decreto da conversão, devem approvar este parecer; os homens da conversão forçada e da capitalisação devem-no approvar; é uma das consequencias do saque, Será o ultimo escandalo!.. Mas diz o illustre membro da commissão «não requereram ha 20 annos» como se para a justiça hou-

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vesse prescripção! E depois argumentam com o que fizeram as camaras passadas!..

Senhores! Acabemos com estas questões. As camaras passadas fizeram bem ou fizeram mal; se fizeram bem imitai-as; se fizeram mal, não as imiteis; mas accusais as camaras passadas pelo mal que fizeram, e estais a fazer o mesmo. Fallais nos corruptos e estais servilmente a imitar os corrupto; seguis as mesmas pegadas, tendes as mesmas ambições, tendes os mesmos desejos, o mesmo systema, a mesma vontade, a mesma incoherencia, a mesma insensatez. Fizestes uma revolução no paiz para emendar os erros e desacertos dos corruptos; emendais esses erros, emendais esses desacertos? Não; não sois senão a cópia servil dos corruptos; matastes os corruptos para vos apropriardes da sua herança; isto, senhores, e triste cousa!...

A questão é simples; servem ou não os terrenos para as linhas? Servem; então pague o governo os terrenos; não servem, largue-os. (Uma voz — E o que deve fazer) Mas é o que não se quer fazer; quer-se que venham primeiro informações; de maneira que o sr. José Estevão quer que a camara tome agora conhecimento do traçado das fortificações, e quando se tractou das expropriações para os caminhos de ferro exigindo alguns deputados que o traçado viesse á camara para se saber que direcção levava o caminho, o illustre deputado disse, que o parlamento não se podia occupar de similhante cousa... (O sr. José Estevão. — Declaro solemne e abertamente que protesto que taes expressões não saíram nem podiam saír da minha boca) Pois bem; não saíram da boca do illustre deputado, mas disse-se que isso era uma cousa de que o parlamento não se devia occupar. (O sr. Corrêa Caldeira: — Está no extracto da sessão)

E falla-se em obras publicas!.. Eu peço ao illustre deputado que dê um passeio um dia pela circumvallação, e que me diga, com a mão na consciencia, se já viu obra mais estupida e mais selvagem. (O sr. José Estevão: — Apoiado.) E gastou a nação 80 contos para se andar por cima de penedos e oiteiros, porque na circumvallação de Lisboa Os cantoneiros deitam para a estrada pedregulhos do tamanho daquelle fogão. (Riso) Ha pouco tempo, tendo de saír as barreiras de Lisboa, o acaso fez que, no meu regresso, encontrasse o sr. barão da Luz: eu parei e disse-lhe: — «V. ex.ª é que está incumbido da circumvallação de Lisboa? — Não, felizmente. — Pois dou-lhe os parabens, porque obra mais selvagem, mais estupida, mais bestial, não se tem practicado em parte alguma.»

Peço aos srs. ministros, que vão um dia passear á circumvallação de Lisboa, e se tiverem coragem para lá ir, digam-me depois como chegam de saude.

Falla-se no ministerio das obras publicas!... O ministerio das obras publicas não ha de fazer nada, salvo se se intende que se cumprem as condições desse ministerio, dizendo-se que as arvores dão sombra quando teem folha, (Riso) como eu vi escripto n'um documento, e tambem vi uma circular, recommendando aos governadores civis, que dissessem aos lavradores, que não deitassem semente podre á terra, porque não germinava!...

Sr. presidente, quando eu, e outros meus illustres collegas do lado direito da camara impugnámos certas medidas, porque ellas diziam respeito a certas pessoas, e não a todas, argumentou-se do lado esquerdo, dizendo-se: — Porque não se póde fazer o bem a todos, quereis que se não faça a ninguem — Eu agora digo da mesma, maneira: — «Porque não se póde pagar aos possuidores do papel moeda, porque não se podem pagar os depositos, não se ha de pagar a ninguem?» — De sorte que este é o systema de banca-rota indirecta: não se paga a ninguem, porque não se póde pagar a todos. Banca-rota para os proprietarios dos terrenos, banca rota para o banco, banca-rota para tudo, para haver dinheiro com que pagar aos empregados publicos e ao exercito! Aqui está o systema do governo, e para o apoiar os socialistas vendem a sua independencia a 20 e a 30$000 íeis por mez! Banca-rota para tudo, não se paga a ninguem, mas pagasse áquelles que gritam contra o governo, e áquelles que o sustentam!

Esta situação, sr. presidente, tem durado mais do que eu esperava; mas talvez não durasse o tempo que era preciso para que o paiz formasse ácerca della um processo definitivo, se não fosse o systema que se tem seguido: dura, porque o systema actual conseguiu pôr os pagamentos em dia — nós sabemos com que recursos, que foi espoliando e deixando de pagar a uns e a outros, mas pagando em dia aos seus empregados e ao exercito — dura, porque de mais a mais tapa a boca a quem grita contra elle. N'um paiz pequenito, como este, e de pouca moralidade, como elle tem, e um governo que vai muito adiante! Quem grita contra o governo, vende-se-lhe depois — o mercado é largo.

Em Portugal, sr. presidente, os exercitos é que sustentam o governo. Os srs. ministros não fazem caso de nenhuma reclamação, por mais justa que seja, mas fazem caso do exercito, é o que basta!

Mas, sr. presidente, se v. ex.ª for passear por essas chamadas linhas de defeza de Lisboa, verá que aquellas linhas não defendem nada. Ella, no seu principio, quando estavam boas, eram obras ligeiras de campanha em estado de imperfeição; e sendo imperfeitas na sua origem, no estado de ruina em que estão hoje, se o governo tivesse de estabelecer linhas de defeza em Lisboa, tinha de as fazer de novo, e talvez em virtude de outro traçado.

As linhas de defeza de Lisboa não servem para defender, e depois não ha ninguem que ameace invadir-nos. E se acaso uma força estrangeira quizesse vir sobre Lisboa, apesar de me fiar muito, talvez de mais, na valentia do nosso exercito, não acredito que em Portugal haja exercito para se lhe oppôr. — Não creio que lenhamos exercito para se oppôr a uma invasão que viesse, pela foz do Tejo, de Fiança, ou de Inglaterra, ou mesmo da Hespanha. Não creio que 20:000 homens podessem oppôr um dique, uma barreira a essa invasão.

Por conseguinte, a nossa independencia é sustentada por uma necessidade européa e proteccionada; embora isto seja pouco decente para se dizer, porque deve estimular o brio e o amor proprio nacional. A nossa independencia é uma independencia protegida e garantida pelo protectorado inglez: isto é um facto.

Quem quer elevar uma nação de 3 milhões de habitantes, pequena, pobre, dividida e subdividida em partidos, extenuada por luctas incessantes, á altura de grande potencia, capaz de arrostar com a França, Inglaterra, ou Hespanha, é um grande poeta, mas não é um homem práctico.

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O que é verdade é que não podemos com cousa alguma. Apenas temos tempo, poder e força para manter e sustentar, com mãos largas, e costear com grandeza, os desperdicios, os desacertos, o opprobrio, a ignominia e o desar, que nos acabrunha e envilece cada vez mais; mas para fazer a grande regeneração moral do paiz não podemos nada. Somos, como eu já disse em outra occasião, uma raça degenerada e perdida, porque já não temos energia; já não temos nem cabeça para pensar, nem corpo para sentir, nem coração para desejar. Somos o opprobrio da Europa.

Sr. presidente, eu não posso approvar o parecer da commissão de fazenda, porque tal parecer é contra um artigo da carta constitucional. A carta garante o direito de propriedade; e não ha talento algum capaz de me mostrar, que eu conservo intacto o meu direito de propriedade, quando parte da minha propriedade é conservada pelo governo contra minha vontade.

Digo: caso de que se tracta ninguem é capaz de mostrar, que o direito de propriedade existe illeso e intacto.

Por exemplo, eu sou proprietario de umas terras nos suburbios de Lisboa: o governo construiu as linhas, tomou-me parte, ou todo o meu terreno para essa construcção. A defeza, para a qual o governo se appropriou do meu terreno, acabou ha 20 annos, e 20 annos ha que estou fóra da posse do meu terreno, porque o governo acabada a guerra, não m'o entregou: agora peço, ou que m'o restitua, ou que me paguem o seu valor; a commissão intende que não póde dar uma opinião a este respeito, porque não sabe o valor da propriedade! O valor é facil de saber; mas se não lhe entregam o valor, entreguem-lhe a terra: eu voto pela restituição da propriedade. Os proprietarios contentam-se de receber o terreno, e até, se o governo lh'o mandar entregar, são muito capazes de perdoarem os 20 annos de rendimentos, que desse terreno deviam tirar, e que não tiraram.

Por consequencia sou de voto que o governo deve mandar entregar immediatamente as propriedades, em que estão construidas as linhas de defeza de Lisboa, e nesta convicção mando para a mesa a seguinte

Substituição. — «Proponho que o governo mande entregar immediatamente aos seus proprietarios o terreno occupado pelas linhas de defeza de Lisboa.» = Cunha Sotto-Maior.

Foi admittida.

O sr. Palmeirim: — Sr. presidente, é quasi desnecessario tomar a palavra depois do que os meus collegas da commissão de fazenda teem dito na sustentação do parecer. Mas tendo o orador que me precedeu, alcunhado a mesma commissão de espoliadora, e de outros epithetos, não posso ficar silencioso.

Sinto, sr presidente, que o negocio haja tomado vulto que não comporta, e que as exaggerações e as paixões acudissem em tropel onde nada tinham que fazer, porque o negocio é simples, e correu devida e justamente.

Nem de fórma alguma cahe a censura de menos respeitar direitos a quem os reconhece, e propõe meios definidos, e épocha certa, para serem attendidos. É má sorte da commissão ser sempre aggredida, e ter de fazer frente a um tempo a tantos direitos accumulados.

Em verdade, sr. presidente, a camara ha de reconhecer que a commissão andou razoavelmente pedindo informações ao governo quando não sabia o valor do fundo no caso de expropriação, e a importancia da renda no caso de occupação; e a isto se mistura a conveniencia ou inconveniencia das fortificações permanentes da capital, problema que só o governo póde preparar technicamente, e deve resolver. (O sr. Passos Manoel: — E a lei.) E o governo que deve preparar tudo: á camara, á lei compete sim approvar o pensamento principal, e as despezas de uma obra duradoura, e que mereça o nome de linha de defeza de uma capital.

Sr. presidente, manifesta-se das informações que só duas reclamações isoladas hão sido feitas ao governo, sendo uma por parte de uma senhora, a quem effectivamente se lhe paga a renda, pelo ministerio da guerra, provavelmente pelas despezas eventuaes, por que durante dez annos não tem apparecido no orçamento; e a outra de um cidadão, dono do casal do Pombo em Campo de Ourique, que fez differentes propostas ao governo de troca a fóros, ou a outros bens nacionaes, sobretudo quando na planicie de Campo de Ourique houve o projecto de formar um campo militar para instrucção da tropa.

Hoje porem o negocio tomou maiores dimensões, porque são os proprietarios desde Santa Apolonia até Alcantara que reclamam, e é preciso confessar que elles teem sido pacientes, e soffredores, ou antes patrioticos, soffrendo tudo, e não usando de seus direitos civis e ordinarios, compellindo o governo judicialmente á expropriação, ou á renda. Mas não é por outro lado justo que todas as increpações se desfechem contra a primeira commissão que diz á camara que se habilite a regular a questão na primeira sessão, d'aqui a seis mezes; e nesta proposta vai por certo involto o negocio da renda corrente.

Em quanto ás obras a fazer, acho-me de accordo com o sr. José Estevão, em que sejam completas, e convenientes, copulando a utilidade fiscal com a militar, e pelo que diz respeito á commissão, acredito que tendo esta sempre por fim fazer justiça, não será obstinada nos meios que propõe, se outros mais faceis e possiveis forem lembrados pela camara.

O sr. Carlos Bento: — Devo principiar por fazer justiça ás intenções da illustre commissão de fazenda, o que me é muito facil, apezar de discordar da opinião da mesma commissão. A commissão reconhece, que effectivamente os requerentes teem justiça, e se lhes deve satisfazer o que lhes fôr devido; e intendeu que era meio para satisfazer isto o pedir as informações, que julga que só o governo póde dar. Por consequencia eu devo declarar, que me parece que em intenções estamos de accordo eu e a commissão, ambos não pretendemos outra cousa senão fazer justiça.

Mas, sr. presidente, permitta-me a illustre commissão lhe declare, que me parece, chegar-se directamente d'outra forma, á satisfação de uma pertenção justa. É verdade que a differença das classes dos credores pode constituir para com um parlamento — para com um governo, differença na applicação de uma indemnisação, ou distribuição de fundos, para satisfazer a uma divida: isto é verdade; mas o que é tambem incontestavel, é que nem o governo, nem parlamento nenhum póde fazer distincção entre individuos que pertençam á mesma classe, que se acham exactamente nas mesmas circumstancias; e eis-aqui, na minha opinião o motivo porque não posso appro-

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var, tal como está, o parecer da illustre commissão de fazenda.

Sr. presidente, a propria commissão reconhece que lia individuos, que pertencem á mesma classe, que teem obtido favor, que teem tido preferencia; e outros que! estando nas mesmas circumstancias, que tendo iguaes direitos, em vão reclamaram; este facto vem mencionado no parecer, porque a commissão, historiando as allegações dos reclamantes, diz: o que os requerentes concluem pela petição de uma medida legislativa, que faça cessar similhante estado, e serem indemnisados de suas rendas, a exemplo de D. Izabel Martiniana de Sousa Alte, a quem são satisfeitas pelo ministerio da guerra:» ora aqui está mostrado que effectivamente houve preferencia entre individuos da mesma classe, que já attendeu a um, e isto dá logar a não poder dizer-se, que não sejam hoje attendidas estas pertenções, de que agora se tracta. E depois deste facto, mencionado no parecer, ler tido logar, é possivel sequer suppor, que a commissão, que a camara seja indifferente a este estado de cousas?

Sr. presidente, direi mais, e fui este um dos motivos porque especialmente pedi a palavra: é impossivel que a camara sanccione uma proposição generica e absoluta, que se apresentou aqui, e foi — não se pague a um, porque não se póde pagar a todos. (O sr. Santos, Monteiro. — A commissão não disse isso.) Sei que a commissão não disse isso; eu, não respondo pois á commissão, respondo a esta ponderação, que foi produzida na discussão, e que invalida, até, de algum modo, o parecer da commissão.

Direi, que este principio absoluto é altamente injusto, e não é fundado nem nos principios da moral, nem nos da sciencia; desde que não se póde pagar a todos, não se deve pagar a ninguem!. Este principio, por ser tão absoluto e injusto, é completamente inadmissivel e insustentavel; e quando se queria levar á execução, é preciso primeiro mostrar que todos os credores se acham exactamente nas mesmas circumstancias, para rigorosamente se dizer, que se lhes devem applicar as mesmas regras.

Mas, sr. presidente, isto em verdade não é assim; este principio não póde seguir-se, tanto mais quanto no orçamento do estado se confessa que ha classes que estão fóra do orçamento; e quando o orçamento do estado confessa isto, quer-se invocar o principio absoluto que não deve pagai-se a uns, porque não póde pagar-se a todos! Neste caso não se pagaria a ninguem; mas o orçamento está fallando e depondo contra um tal principio. Os principios absolutos, ainda que sejam invocado, são sempre invocados em vão.

O orçamento mostra que desgraçadamente no nosso paiz ha uma escolha de dividas das que devem pagar-se, ou que devemos pagar, não é outra cousa o nosso orçamento; elle pensa que não é possivel adoptar disposições iguaes para todos os credores; elle mostra mais que em outro tempo se adoptaram disposições iguaes áquella que póde e deve adoptar-se a respeito dos requerentes de que se tracta. Houve credores que por muito tempo reclamaram, até que chegou tempo em que o orçamento os ouviu, e sorriu-se para elles com uma verba de 10 ou 12 contos de réis annuaes; e se fizermos uma analyse entre a posição destes individuos e a daquelles a quem foram destruidos os seus predios, vêr-se-ha que elles estão nas mesmas circunstancias daquelles que, pelos mesmos motivos, pelas mesmas razões que então invocaram, sacrificaram as suas propriedades.

Sr. presidente, e ha-de ser indifferente á camara este facto, para não proceder do mesmo modo a respeito das propriedades dos individuos que hoje reclamam? Pois não vemos nós, além do orçamento geral, na tabella da despeza extraordinaria, estabelecida outra differença a respeito de certas dividas? Nesta tabella da despeza extraordinaria do anno economico de 1853 a 1854 vemos estabelecida, por exemplo, uma verba de 12 contos para o banco de Portugal, por conta da somma que deixou de lhe ser paga no primeiro triennio do actual contracto do tabaco e sabão. Para pagamento de precatorios, restituições de rendimentos de depositos antigos 12 contos. Para o pagamento da importancia dos depositos remettidos das provincias do ultramar, e das letras saccadas das mesmas provincias 12 contos. E emfim algumas outras verbas, que todas provam que o orçamento faz distincções; e não ha-de ser este parlamento que hade querer a virgindade de não as admittir. Já uma outra commissão de fazenda n'um outro orçamento designou uma verba para satisfazer a reclamações feitas por subditos francezes, e a respeito de indemnisações do valor de uma propriedade, que foi destruida em 1833 para defeza da capital.

Parece-me, pois, que o melhor meio a adoptar para attender á pertenção dos reclamantes é a commissão de fazenda de accôrdo com o governo, apresentar no proximo orçamento, que deve brevemente discutir-se, a conveniente verba para a justa indemnisação da propriedade dos requerentes, quando por causa de utilidade publica não possam ser immediatamente restituidos e posse da mesma propriedade; neste sentido pois mando para a mesa a seguinte

Proposta — Proponho que a commissão de fazenda, de accôrdo com o governo, apresente no orçamento a verba conveniente para a justa indemnisação da propriedade dos requerentes, quando por causa de utilidade publica não possam ser immediatamente reintegrados na posse da mesma propriedade — Carlos Bento.

Foi admittida.

O sr. Justino de Freitas — Não desejo de modo algum azedar este debate, porque me parece que a camara toda está concorde com a commissão na solução da questão principal, isto é, em reconhecer a justiça e o direito que Icem os requerentes á justa indemnisação; e o sr. Avila, que costuma tractar estas questões com a maior proficiencia, e despido sempre de paixões, chegou a reconhecer que a questão da indemnisação não podia deixar de ser resultado de uma proposta do governo, e sem duvida; porque como é possivel que a commissão agora viesse propôr uma verba para indemnisar os expropriados sem conhecer o valor desses terrenos? Nós ainda não sabemos qual é o seu valor; é preciso portanto que o governo proceda a fazer a linha de defeza, e mande avaliar os terrenos para entregar aquelles que deve entregar, e pagai os outros que (em de expropriar. Por consequencia é necessario que preceda um acto do governo, e é isto exactamente o que a commissão diz no seu parecer; cuja conclusão é a mesma que propõe o sr. Carlos Bento da Silva; com a differença de que o sr. Carlos Bento da Silva quer que se vote agora uma verba indefinida, verba que não póde surtir o seu resultado, porque é impossivel que o governo no curto

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espaço que temos até ao fim da sessão possa mandar avaliar as propriedades, e demarcar os terrenos para trazer já a proposta daquillo que precisa para que a camara lhe vote a verba de despeza. O que fizemos então nós? Reconhecemos o direito, e dissemos ao governo — vós, governo, mandai avaliar esses terrenos, demarcai a linha, e trazei na sessão vindoura a verba competente para esta indemnisação.

Por consequencia parece-me que a commissão pelo menos marchou com a conveniencia precisa para chegar ao resultado que se desejava. Reconhecemos todos o direito que têem os requerentes, desejamos todos fazer-lhes justiça. E devo dizer ao illustre deputado, que nos imputou o desejo de espoliar, que me parece não serem expressões estas, que venham aqui proferir-se. (Apoiados) Pois esta camara é espoliadora! Então porque o não são todas as camaras que ha 20 annos, que desde 33 tem havido até agora? Pois já se tomou alguma resolução sobre este objecto? Nenhuma. (O sr. Cunha Sotto-Maior: — Não requereram) Requereram aos differentes governos (O sr. Cunha Sotto-Maior: — Ao governo sim, não á camara) que o nobre deputado tanto apoia agora; e entretanto não lhes deferiram. Pois somos nós espoliadores quando reconhecemos o direito, e dizemos francamente, que queremos pagar, e propomos os meios de chegar a este pagamento?

Disse-se que a camara tinha votado a reducção dos juros, e por consequencia que podia votar tudo, que era capaz de tudo. Não quero apresentar o quadro do passado, senão perguntaria, se ha medida mais espoliadora que o decreto de 19 de dezembro de 184-6? Então espoliou-se tudo, não se guardaram as regras até entre os particulares, uma medida legislativa alterou, e alterou inteiramente os direitos que havia entre os particulares. Não queiramos agora revolver o passado, nem entrar nestas contestações. E preciso ser justo e entrar neta questão desapaixonadamente, e avaliar o merecimento, e o pezo que ella tem.

A commissão não podia fazer outra cousa diversa do que fez no estado em que está. Por consequencia quanto ás indemnisações das propriedades estamos de accôrdo. A medida do sr. Carlos Bento poderia ser util, se podesse ser exequivel, mas já demonstrei que não se póde executar na presente sessão legislativa. A medida deve emanar do governo mandando elle avaliar os terrenos, fixando por uma vez quaes aquelles que devem expropriar-se, e vindo pedir á camara uma verba para os pagar.

Agora vamos á renda. Quanto á renda ha duas cousas a definir, renda preterita, e renda futura. No que diz respeito á preterita, parece-me que os illustres deputados não apresentam rasão alguma para que se possa fazer desde já uma preferencia desta divida relativamente a todas as outras. Pois será esta divida mais privilegiada, do que a de tantos orfãos que vieram á camara pedir se lhes pagassem os dinheiros, que se tinham levantado dos seus depositos? E que fez a camara a respeito deste pedido? Approvou o parecer da commissão de fazenda, que os remetteu para o governo, a fim de lhes arbitrar o pagamento.

Diz o sr. deputado — têem-se feito algumas excepções. — Admittimos isso, e havemos de faze-lo, mas havemos de ir pagando aquellas dividas, que por sua natureza forem mais respeitaveis, quando não puder-mes tomar a mesma providencia a respeito de todas. Porém acima desta divida de que se tracta as dividas desses orfãos e outras estão em superior cathegoria, para serem solvidas em primeiro logar.

Agora vamos a ronda futura. Quanto á renda futura a commissão não intendeu que devia tomar uma medida decisiva sobre este objecto, porque o governo deve determinar e concluir por uma vez esta questão; deve proceder ao traçado, e fixar por uma vez a linha, se precisa della, ou entregar os terrenos aos proprietarios. Por consequencia não ha necessidade do pagar renda futura. Se o governo intende que esses terrenos lhe são precisos, deve manda-los avaliar immediatamente, e propôr um projecto para se pagarem. Não lemos pois que attender á renda futura, o contrario seria estabelecer o principio de continuar a mesma morosidade, e de não fixar a sorte destes homens.

São estes os fundamentos que guiaram a commissão no parecer; e que ella não podia dar outra solução mais plausivel a este negocio, está a prova nas propostas que se tem apresentado. A do sr. Carlos Bento já demonstrei que não consegue o seu fim, ao passo que o consegue a da commisão na proxima sessão: o sr. Cunha Sotto-Maior mandou outra, mas essa é a olhos vistos inexequivel, a camara não tem direito para se ingerir nas attribuições do governo; póde accusar o governo, mas as attribuições do poder executivo são inteiramente independentes; póde accusar o governo, mas não póde ordenar ao governo que entregue terrenos, que elle reconhece que lhe são necessarios.

Portanto em vista de todas as rasões que acabei de expor, intendo que não póde haver outra solução plausivel, senão aquella que a commissão deu no seu parecer; e a camara resolverá como quizer.

O sr. Presidente: — Como resta pouco tempo para dar a hora, e o sr. ministro do reino pediu a palavra para apresentar uma proposta de lei; e o sr. ministro da marinha para dar por parte do governo algumas explicações com relação ao que se passou na discussão do projecto n.º 34 sobre a fixação da força de mar, por isso fica interrompida a discussão do parecer n.º 25, e darei a palavra aos srs. ministros para o fim para que s. ex. a pediram. Tem pois a palavra o sr. ministro do reino.

O sr. Ministro do Reino: — Sr. presidente, pedi a palavra para apresentar uma proposta de lei, talvez de pouca consideração, mas de necessidade. bibliotheca publica de Lisboa tem sido enrequecida ultimamente com a acquisição de grande numero de obras, para a conservação das quaes se precisa de braços; e o governo intende necessario augmentar o numero dos serventes que são occupados na conservação, arranjo e limpeza dos livros; porque não permittindo a lei até aqui se não um servente para occorrer ás necessidades daquelle serviço, que é de tanta utilidade como outro qualquer, tem sido necessario recorrer muitas vezes ás obras publicas pedindo individuos que dellas vão servir na bibliotheca. Ora esta alteração do serviço, torna para assim dizer, indefinida a necessidade que aquella repartição tem de braços; e é esta a razão porque o governo apresenta a seguinte proposta de lei.

(Leu, e se transcreverá juntamente com o parecer que sobre ella se der quando este se discutir.)

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Foi remettida a commissão de instrucção publica ouvida a de fazenda.

O sr. Ministro da Marinha: — V. ex. sabe, e creio que toda a camara, que hoje é dia de despacho de Sua Magestade; e hontem preveni a v. ex.ª que por esta razão viria hoje um pouco mais tarde: é por isso que eu não pude estar na camara quando se votou o projecto n.º 34 sobre a fixação da força de mar, por que aliás teria respondido a algumas perguntas que me dirigiu o sr. deputado pelo Funchal, ás quaes vou agora responder se a camara me permittir que o faca... (Toses: — Falle, falle.)

O illustre deputado na sua primeira pergunta deseja saber, se eu estou satisfeito com a instrucção militar e scientifica da nossa marinha em Portugal, isto e, deseja saber se os estudos preparatorios que precedem a collocação dos officiaes de marinha, são sufficientes para que elles cumpram com os seus deveres como officiaes instruidos, para poderem satisfazer ao serviço em que entram. Eu creio que os nossos officiaes de marinha, que seguem todos os tramites dos estudos que lhes estão marcados, e que dão boa conta de si em todos esses estudos, devem julgar-se completamente habilitados em tudo que é necessario para serem bons officiaes de marinha theoricos; a practica vem depois =; o esta practica tambem é sufficiente em relação ao tempo que se lhes pede, porque são precisos 3 mezes de embarque para poderem ser segundos tenentes. Isto porém é com relação ao estado de paz, no estado ordinario. A Inglaterra tem sobre este ponto um systema mixto; ha officiaes de marinha a que se exigem maiores estudos, e outros a respeito dos quaes se tem mais em vista a aptidão no serviço de bordo; porque no estado de guerra propriamente dicta, estes officiaes que teem estado a bordo e feito serviço no mar, julgam-se habilitados para entrar na carreira da marinha, fazendo exame de certas theorias pelas quaes mostrem a aptidão necessaria para fazerem navegar os seus navios. Por tanto já vê s. ex.ª que eu não tenho razão alguma para alterar os estudos que estão destinados para os officiaes de malinha de Portugal; mas se por infelicidade nossa apparecer uma guerra, creio que o governo será levado e obrigado a pedir uma auctorisação para encurtar algumas partes dos estudos, quando o numero de officiaes de marinha que houver não fôr sufficiente para os navios que deverem ser armados em guerra, e para satisfazer a todas as necessidades do serviço. E de passagem farei uma pequena observação, e vem a ser, que os nossos guardas-marinhas teem talvez o curso de algumas cadeiras, que são a mais no que elles precisam; a experiencia porém tem mostrado que o curso destas sciencias em que são instruidos, serve-lhes em toda a parte aonde apparecem.

A segunda pergunta que s. ex.ª me dirigiu é — se eu tenho motivos para estar satisfeito com os resultados da ultima organisação dada ás equipagens da nossa marinha de guerra, isto é, se eu estou satisfeito com a ultima organisação dada ao corpo de marinheitos. A este respeito direi, que passar de uma forma regular e estabelecida, que o tempo tem corregido de quasi todos os defeitos, para uma fórma nova, embora seguida noutros paizes, esta mudança traz sempre comsigo algumas difficuldades, porque ha quem tire vantagens e desvantagens da nova organisação; e o governo, qualquer que elle seja, tem de luctar contra as resistencias que sempre apparecem em casos taes, e contra a tendencia que ha sempre para se ver o mal o não o bem em qualquer instituição. Entretanto apezar desses inconvenientes que são inevitaveis em taes occasiões, devo declarar que não tenho motivo para deixar de estar satisfeito com os resultados dessa nova organisação; e até mesmo s. ex.ª observará que no pequeno serviço que os marinheiros militares fizeram nas embarcações que conduziram Sua Magestade Imperial, e Sua Augusta Filha á ilha da Madeira, e no regresso a Lisboa, todas as pessoas que tiveram a honra de fazer o sequito daquellas Altas Personagens, informaram que o serviço feito pelos marinheiros era digno de louvor e de elogios. Por tanto tambem nesta parte não tenho razão para não estar satisfeito dos resultados que se tem colhido deste corpo novamente organisado, e espero que da continuação dos serviços que elle fizer, se hão de tirar maiores vantagens; principalmente quando as equipagens se compuserem de individuos que não tenham pertencido á antiga organisação.

A terceira pergunta que s. ex.ª me fez é — se eu considero que a nossa marinha de guerra actual é sufficiente para dar protecção á nossa marinha mercante.

Esta pergunta é completa, e tomada na accepção generica da palavra não posso responder de outra maneira, senão que a nossa marinha de guerra não é sufficiente para dar protecção á nossa marinha mercante nos differentes, e variados pontos do globo que percorre, isso nem mesmo as nações de primeira ordem o podem fazer. Mas fóra dos casos extraordinarios em que haja guerra, não ha exemplo de nenhum dos nossos navios mercantes precisar do auxilio das nossas embarcações de guerra, nos circulos que fazem de uma para outra parte. Agora esta circumstancia varia desde o momento em que haja alguma guerra, e então dado esse caso sempre que os nossos navios mercantes estejam em parte onde se acharem os nossos navios de guerra, hão de encontrar nelles toda a protecção de que carecerem; mas digo que com os meios que temos, é impossivel satifazer todas as necessidades do serviço. Sr. presidente, a marinha que póde ter Portugal não é a que tem hoje, nem a que deve ler. Segundo intendo é possivel a Portugal ter em armamento maior numero de navios, dependendo isso apenas de que a repartição hoje a meu cargo seja auxiliada com a despeza annual de mais 150 contos do réis por espaço de 6 annos; e a essa marinha deve accrescer aquella que entra já com a força necessaria para navegar e que temos em differentes pontos.

Nós precisamos ter em cada uma das nossas colonias, quanto fôr possivel uma embarcação, e esta em proporção das suas necessidades. Além disso precisamos ter um certo numero de vazos de maior lote para occorrer a qualquer ponto aonde a guerra appareça. Por tanto precisamos ter 2 fragatas do systema mixto; 2 navios mais pequenos, e do mesmo systema que nos permittam fazer a correspondencia regular e tambem para transporte de alguns empregados e generos entre o continente e as provincias ultramarinas, como por exemplo a de Angola, S. Thomé e Principe, Cabo Verde, Açores e Madeira. Precisamos mais de 3 brigues, 5 escunas, e 3 charruas. Logo que isto se obtenha, ficará completo um quadro de embarcações para a nossa marinha de guerra, que julgo sufficiente para poder

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satisfazer ás necessidades do serviço desta repartição, e para proteger os nossos navios mercantes nos pontos em que essa protecção se torne necessaria.

A respeito da nossa legislação florestal que faz objecto de outra pergunta do illustre deputado — Nos estados da India o nobre visconde de Ourem mandou pôr em vigor algumas das leis antigas a respeito de florestas, e ultimamente mandou dar execução a algumas das disposições do codigo florestal que começou aqui a discutir-se em 1850, pelo qual foi organisado esse ramo de serviço. E esta uma das medidas que está sujeita ao exame do conselho ultramarino, e que estou certo ha de ser approvada por que effectiva mente é preciso que estejam alli em vigor essas medidas — Na cosia de Guine não ha florestas nenhumas pertencentes ao estado: alli compra-se a madeira, e lemos para vir para Portugal 30 ou 40 contos de réis nella empregados.

Em 1848 foi submettido ou apresentado ás córtes, um codigo florestal que, creio, entrou em discussão em 1850, mas essa discussão não chegou a concluir se, com tudo o governo intende, e está na firme intenção de trazer na proxima sessão as medidas e regulamentos que julgar convenientes, e que cumprir adoptar a respeito de florestas, a fim dever quaes as mattas que merecem ser conservadas, e então apresentam esse mesmo projecto de regulamento ou um novo. Eu entro nestas explicações como governo e não como ministro da marinha, porque esse objecto pertence hoje ao ministerio das obras publicas.

A outra pergunta é sobre — Quaes Os navios de guerra que estão de todo deteriorados; os que achando-se em estado de não poderem servir activamente, podem todavia ser aproveitados para outros destinos, quaes os promptos e em estado de perfeita navegação, e quaes os que se acham em estado de poderem ser vendidos — Eu tenho aqui um mappa, e manda-lo-hei a s. ex.ª, no qual estão satisfeitos, ou respondidos todos estes quesitos.

A outra pergunta é — Se os guardas-marinhas e aspirantes teem continuado a fazer algumas viagens a bordo dos navios de guerra, se teem tomado parte nos exercicios practicos; e se se espera colher bons resultados. — O anno passado, sr. presidente, intendo eu, que devia mandar os guardas-marinhas na corveta Porto, á Madeira e aos Açôres, fazer uma viagem e tomar parte nos exercicios practicos. Sobre este ponto julgo que o nobre deputado por Macáo já expôz á Camara o que se tinha feito no tempo do sr. visconde de Sa, e só digo, que não fizeram mais outra alguma viagem, porque estou á espera que cheguem as ferias grandes para os mandar continuar nestes exercicios e viagens a pontos mais longinquos. E devo accrescentar, que espero colher bons resultados destes exercicios.

A outra pergunta — Estão pagos em dia os fornecimentos feitos ao arsenal da marinha? — Com muita satisfação leio á camara o estado dos fornecimentos do arsenal da marinha. (Leu) Á vista disto já o illustre deputado vê, que todos os fornecimentos feitos ao arsenal da marinha, estão pagos em dia a todos Os fornecedores em conformidade dos seus contractos.

Felizmente, sr. presidente, a repartição hoje a meu cargo tem credito, e não pode deixar de o ler no estado em que se acham os pagamentos.

A outro pergunta é — Se eu estou satisfeito com o actual systema dos fornecimentos — Direi que não tenho até agora motivo conhecido para não estar satisfeito, não só porque os generos fornecidos ao arsenal o têem sido por um preço de menos 20 e 30 por cento do que eram d'antes, mas mesmo porque não ha queixas a respeito da qualidade desses generos. Isto bastava para satisfazer á pergunta do illustre deputado; mas eu tendo mandado á repartição o theor desta pergunta, e sendo a resposta official no sentido que acabo de explicar, não me contentei só com essa resposta; mandei buscar os nomes dos fornecedores e as quantias dos fornecimentos, e aqui tenho explicadas quaes são as dividas da repartição, não só dos fornecimentos, senão de letras saccadas e não pagas. (Leu)

Sr. presidente, por esta occasião, e de passagem direi, que tenho seguido o systema de que logo que de qualquer parte do ultramar chega algum espolio, mando-o immediatamente para o deposito publico. E a respeito das letras saccadas das provincias ultramarinas para as despezas pertencentes á repartição de marinha, auctorisadas por lei, direi, que assim que são acceitas, exijo logo que o dinheiro appareça para ellas serem pagas na época dos seus vencimentos; por consequencia estão satisfeitas as dividas; e as que forem correndo, hão-de ser igualmente satisfeitas. Ora, sr. presidente, desde 1851 a 1853, são 2 annos decorridos, e esta repartição que consome muitos contos de réis, e que se acha só com a divida de facto e não de direito, porque o contracto a permitte e ordena, tem e deve dizer-se que tem credito.

Quanto á minha opinião sobre o relatorio da illustre commissão de marinha, tenho a dizer que me pareceu sempre vêr expressa alli a idéa de que com os poucos meios que se destinam, julga a commissão não ser possivel elevar a nossa marinha ao estado que eu desejo que ella chegue, e a que espero eleval-a com o apoio da camara. E ouvindo o illustre relator desenvolver mais as idéas expendidas no relatorio, me confirmei na opinião de que a illustre commissão não teve outro fim senão chamar a attenção da camara para este ponto, e talvez dispo-la a votar algum pequeno sacrificio, que o governo julgasse indispensavel.

Sr. presidente, as circumstancias extraordinarias em que se tem achado o paiz, têem sido a causa de eu não haver apresentado nesta sessão as medidas que julgo indispensaveis para que a repartição de marinha se regularise completamente; espero faze-lo na sessão seguinte. Mas digo que a marinha tem ido successivamente diminuindo, provindo essa diminuição da escacez dos meios votados pela camara, e continuando-se assim, não póde haver marinha.

Agora concluirei, expondo a maneira porque se acham distribuidas as embarcações de guerra em estado de serviço, e o que tenciono fazer a respeito das que se estão arranjando.

Tenho na ilha da Madeira o brigue Vouga, para vêr se póde obstar á emigração Tenho em Cabo-Verde a escuna Terceira, que vai ser rendida pela escuna Cabo-Verde. Tenho em Angola alguns navios que lêem feito um grande serviço, e que é necessario alli se conservem para apparecerem nos differentes pontos, onde possa pôr-se em duvida a soberania que lemos naquellas possessões. Em Moçambique espero em breve fazer apparecer um navio de grande lote. Em Goa não ha hoje embarcação nenhuma, mas espero mandar em breve algum navio para alli. Para Macáo tenho a curveta D. João I, que está quazi prompta a fim de intentar a navegação para a

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China, navegação das mais necessarias, porque existindo a China em desordem, ou em guerra civil, todas as nações vão mandando para alli alguma embarcação.

Os vapores de guerra são cinco. O vapor Saldanha, que deve partir para Angola. O vapor Tojal está prompto. Está quazi prompto o Mindello. O D. Luiz vai entrar no dique, e o Terceira está-se em duvida se merecerá o conceito que precisa.

Não sei se tenho respondido ao illustre deputado: vejo que a hora deu, e por isso não quero cançar mais a camara; no entretanto, se quizer continuar, e o illustre deputado se não der por satisfeito com estas explicações, eu continuarei a responder coliforme souber, e segundo os esclarecimentos que tenho diante de mim.

O sr. Silvestre Ribeiro: — Como a hora já deu, se v. ex. e a camara consente, eu fallarei na sessão seguinte.

O sr. Presidente: — Parece-me que a não querer usar agora da palavra, então o logar proprio e quando se discutir o orçamento da marinha.

O sr. Silvestre Ribeiro: — Então se v. ex. dá licença, farei breves observações, visto que a hora está bastante adiantada, e a camara quasi descria. No que tinha a dizer talvez fosse um pouco longo, e por isso restringir-me-hei unicamente a um ou dois pontos em que o sr. ministro locou, reservando-me para outra occasião poder responder mais largamente ao sr. ministro.

Eu, sr. presidente, desejo que fique bem constatado

e bem claro — que não dirigi as minhas perguntas ao sr. ministro da marinha, com sentido hostil — Se as fiz, foi por s. ex.ª até agora não ter apresentado o seu relatorio, porque se o tivesse apresentado, essas minhas perguntas tornar-se-iam desnecessarias; mas na ausencia deste documento, e na presença da fixação da força de mar, eu não podia julgar-me habilitado a votar neste objecto, sem que da parte do governo se dessem esclarecimentos ácerca de diversos pontos, que lêem relação com a repartição de marinha, taes como os que fizeram objecto das minhas perguntas.

Portanto, desejando dizer alguma cousa em resposta ás observações do sr. ministro, e desejando explicar os meus quesitos, peço a v. ex. me conceda a palavra para o fazer em outra occasião — na discussão do orçamento, ou quando v. ex. o intender conveniente, porque, quanto a mim, é-me indifferente faze-lo agora, ou mais tarde.

O sr. Presidente: — Na primeira sessão em que se ache presente o sr. ministro, e na primeira parte da ordem do dia, eu darei a palavra ao illustre deputado, para o fim que acaba de indicar.

A ordem do dia para a sessão seguinte é a continuação da discussão do projecto n.º 25, e depois os projectos n.º 22 e 23, achando-se presente algum membro do governo; e ficam dados tambem os projectos n.ºs 37 e 33. Está levantada a sessão — Eram quasi cinco horas da tarde.

O 1.º REDACTOR

J. B. Gastão.

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