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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
SESSÃO DE 12 DE DEZEMBRO DE 1865
PRESIDENCIA DO SR. ROQUE JOAQUIM FERNANDES THOMÁS
Secretarios o srs.
Lourenço Antonio de Carvalho
J. F. Pinho Vasconcellos coares de Albergaria
Chamada: — Presentes 65 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão — os srs. Affonso de Castro, Fevereiro, Alves Carneiro, Diniz Vieira, Quaresma, Barros e Sá, Salgado A. J. Rocha, Magalhães Aguiar, Faria Barbosa, Barão de Almeirim, Barão de Magalhães, Carlos Bento, Delfim, B. de Barros, F. J. Vieira, Quental, Albuquerque Couto, F. I. Lopes, Gavicho, Sousa Brandão, F. M. da Costa, Paula e Figueiredo, Gustavo de Almeida, Palma, Sant'Anna e Vasconcellos, Baima de Bastos, Reis Moraes, Santos e Silva, João de Mello, Sepulveda Teixeira, Vieira Lisboa, Fradesso, Ribeiro da Silva, J. M. Osorio, Noutel, Faria Guimarães, Costa e Lemos, Infante Passanha, Pinho, Figueiredo Queiroz, Carvalho Falcão, Guedes Garrido, Alves Chaves, Vieira da Fonseca, Costa e Silva, J. M. Lobo d'Avila, Rojão, Sieuve de Menezes, Faria e Carvalho, José de Moraes, José Paulino, Barros e Lima, José Vaz, Julio do Carvalhal Lourenço de Carvalho, M A. de Carvalho, Manuel Firmino, M. J. J Guerra, Sousa Junior, Leite Ribeiro, Lavado de Brito, Gonçalves de Freitas, Placido de Abreu, Ricardo Guimarães, Fernandes Thomás, Lima.
Entraram durante a sessão — os srs. Annibal, Braamcamp, Soares de Moraes, Teixeira de Vasconcellos, Sá Nogueira, Camillo, Correia Caldeira, Gomes Brandão, A. Gonçalves de Freitas, A. J. Seixas, A. Pinto de Magalhães, Fontes, A. Pequito, Sampaio, A. Serpa, Barjona, Falcão da Fonseca, B. de Freitas Soares, Pereira Garcez, Cesario, Claudio Nunes, Achioli Coutinho, E Cabral Faustino da Gama, Fernando de Mello, Fernando Caldeira, F. F. de Mello, Bivar, Namorado Francisco da Costa, Lampreia, F. L. Gomes, Ricardo Correia, Rocha Peixoto, Carvalho e Abreu, Paulo Medeiros, Silveira da Mota, Gomes de Castro, J. A. Sepulveda, J. A. de Sousa, Mártens Ferrão, Assis Pereira e Mello, Costa Xavier, J. J. Alcantara, Aragão Mascarenhas, Tavares de Almeida, Matos Correia, Proença Vieira, J. Pinto de Magalhães, J. A da Gama, Vieira de Castro, Sette, Correia de Oliveira, J. J de Oliveira Pinto, Ferraz de Albergaria, J. M. da Costa, Nogueira, Batalhoz, Mendes Leal, Tiberio, Levy, L. F. Bivar, Freitas Branco, Amaral Carvalho, Alves do Rio M. B. da Rocha Peixoto, Manuel Homem, Marquez de Monfalim, Severo de Carvalho, Monteiro Castello Branco, Visconde da Costa, Visconde dos Olivaes e Visconde da Praia Grande de Macau.
Não compareceram — os srs. Abilio da Cunha, Ayres de Gouveia, Fonseca Moniz, Crespo, Pinto Carneiro, Cesar de Almeida, Barão do Mogadouro, Barão de Santos, Barão do Vallado, Belchior Garcez, Abranches, Pinto Coelho, Carolino, Fausto Guedes, Barroso, Coelho do Amaral, Cadabal, J. A. Vianna, Albuquerque Caldeira, Calça e Pina, Noronha e Menezes, Torres e Almeida, Coelho de Carvalho, Dias Ferreira, Toste, Coelho de Barbosa, Macedo Souto Maior, Paulo de Sousa, M. G. Tenreiro, Pereira Dias, Sousa Feio, Thomás Ribeiro e Teixeira Pinto.
Abertura: — Ao meio dia e meia hora.
Acta: — Approvada.
EXPEDIENTE
1.° Um officio da camara dos dignos pares, remettendo a nota das proposições de leis que foram reduzidas a decretos das côrtes geraes, e subiram á sancção real.
2.° Um officio do ministerio do reino, declarando que os esclarecimentos pedidos pelo sr. Fradesso da Silveira ácerca da receita dos afilamentos, serão enviados á camara logo que se achem colligidos.
3.° Um officio do ministerio da justiça, declarando em satisfação ao requerimento do sr. José de Moraes, que se acha publicado o boletim d'aquelle ministerio, pertencente ao anno de 1863; que se está imprimindo o que pertence ao anno de 1864; e que no principio de janeiro de 1866 deve estar prompto o que pertence ao corrente anno.
Foram remettidos para a secretaria.
EXPEDIENTE
A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA
REQUERIMENTOS
1.° A commissão de fazenda carece, para bem apreciar e resolver ácerca do projecto de lei do sr. deputado João José de Alcantara, pedindo para a camara municipal da villa de Arronches um edificio publico, que pelo governo lhe sejam enviados todos os esclarecimentos possiveis, concernentes a este pedido.
Sala da camara, 9 de dezembro de 1865. = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens — A. Ayres de Gouveia.
2.° Requeiro que se peça ao governo que envie a esta camara o orçamento da despeza que é necessario fazer para a collocação do segundo taboleiro em cada uma das pontes dos caminhos de ferro do norte e leste, e seu completo acabamento, e bem assim os orçamentos de despeza a fazer com todos os trabalhos indispensaveis para terminar todas as obras dos mesmos caminhos = O deputado, Sá Nogueira.
3.° Requeiro que, pelo ministerio do ultramar, seja remettida, com a possivel urgencia, a esta camara uma nota de todas as obras publicas reatadas desde janeiro de 1855, nas ilhas de Barlavento de Cabo Verde, declarando-se as localidades onde foram effeituadas e as importancias n'ellas despendidas; e que ao mesmo tempo seja enviada outra nota da receita geral, entrada nos cofres do estado e procedente das mesmas ilhas. = O deputado por Barlavento, José Maria da Costa.
4.° Requeiro que pelo ministerio da fazenda se remetta a esta camara uma nota do vencimento mensal que têem actualmente as pensionistas do monte pio, superior a réis 100$000, e as que o têem inferior a esta quantia na conformidade da lei de meios d'este anno. = Sieuve de Menezes.
Foram remettidos ao governo.
NOTAS DE INTERPELLAÇÃO
1.ª Pretendo tomar parte na interpellação que o sr. deputado Pedro de Freitas dirigiu ha poucos dias a s. ex.ª o sr. ministro do ultramar sobre as providencias que s. ex.ª julga necessarias para evitar que a fome continue no proximo anno, opprimindo os infelizes habitantes do archipelago de Cabo Verde, e fazendo victimas, principalmente nas ilhas de S. Thiago e Fogo, aonde mais se ha de sentir a falta de subsistencia. = O deputado por Barlavento, José Maria da Costa.
2.ª Pretendo interpellar o ex.mo ministro do ultramar sobre o estado em que se acha ha quasi dois annos, a administração da justiça na comarca de Barlavento de Cabo Verde, aonde se têem dado graves conflictos entre as auctoridades judicial e administrativa; resultando d'ahi tal anarchia que se têem deixado de cumprir os mandados judiciaes por falta de auxilio e força por parte da administração, a qual não tem mesmo duvidado denegar ao juiz e ao agente do ministerio publico a sua competencia para dar ordens ao carcereiro sobre segurança dos presos que andam em plena liberdade, talvez porque um d'elles é irmão do administrador. = O deputado por Barlavento, José Maria da Costa.
3.ª Desejo interpellar o ex.mo ministro das obras publicas sobre os seguintes objectos:
I Sobre a necessidade de mandar dar maior desenvolvimento aos trabalhos da construcção da estrada marginal do Douro, nas secções que estão em construcção e da sua conclusão até á fronteira de Hespanha;
II Sobre a necessidade de mandar collocar o fio telegraphico até á Barca de Alva, estabelecendo estações telegraphicas na Pesqueira e em Villa Nova de Foscôa;
III E sobre a necessidade de mandar construir a estrada do Pocinho até Trancoso, d'onde já segue para Celorico, e do Pocinho para Bragança, a fim de se ligarem as duas provincias com a capital e por causa do commercio que ambas fazem com o Porto, embarcando seus productos no caes do Pocinho.
Lisboa, sala das sessões, 11 de dezembro de 1865. = José Tiberio de Roboredo.
4.ª Renovo a nota de interpellação que tinha annunciado ao sr. ministro das obras publicas, ácerca da necessidade de se construir o caminho de ferro do Porto á Braga, continuando se assim para o norte do reino, como tão urgente é, o de Lisboa á dita cidade do Porto. = O deputado por Monsão, Placido de Abreu.
5.ª Desejo que seja prevenido o ex.mo sr. ministro da fazenda, de que desejo chamar a sua attenção sobre a necessidade de mandar fazer aos escrivães de fazenda do districto da Guarda o serviço da confecção das ultimas matrizes prediaes; e aos respectivos louvados os salarios que a lei lhes manda pagar e que se lhes não têem satisfeito.
Lisboa, sala das sessões dos srs. deputados, 11 de dezembro de 1865. = José Tiberio de Roboredo.
Fizeram-se as respectivas communicações.
SEGUNDAS LEITURAS
PROJECTO DE LEI
Senhores. — Não se tendo concluido a organisação do corpo de engenheria civil, nem se tendo satisfeito as vantagens offerecidas no decreto de 3 de outubro de 1864 aos officiaes das differentes armas e corpos scientificos do exercito que, na conformidade do artigo 65.° § 1.° do decreto de 23 de junho de 1864, optaram pelo serviço do ministerio
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das obras publicas, temos a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Os officiaes engenheiros, os das armas e corpos scientificos, e os mais habilitados com o curso de engenheria, aos quaes até agora não foram concedidas as vantagens o disposições da lei de 3 de outubro de 1864, poderão regressar ás suas respectivas armas ou corpos, nos postos effectivos que teriam se não tivessem optado pelo ser: viço do ministerio das obras publicas.
Art. 2.° Os officiaes supramencionados que continuarem no serviço do ministerio das obras publicas ou no de qualquer outro ministerio, não farão parte dos quadros das respectivas armas ou corpos scientificos, e serão pagos dos seus vencimentos pelo ministerio ao serviço do qual se acharem, sendo promovidos sempre que lhes pertencer promoção no exercito.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das côrtes, 11 de dezembro de 1865. = O deputado pelo circulo 127, M. J. Julio Guerra = Ricardo Guimarães.
Renovo a iniciativa do projecto de lei offerecido por mim á legislatura transacta, que tinha por objecto regular as promoções do corpo do estado maior, o qual está publicado a pag. 596 do Diario de Lisboa n.° 47, de 1 de março de 1864. = Julio do Carvalhal Sousa Telles.
O sr. M. A. de Carvalho: — Tomo a palavra pela primeira vez n'esta casa, e começo por declarar á camara que usarei sempre com a maior parcimonia d'este direito, não só por escrupulisar em roubar á assembléa o tempo que de certo lhe não sobra, attentas as grandes reformas que todos pressentimos e adivinhámos, e cuja necessidade todos igualmente proclamámos; mas tambem, porque estando perfeitamente conscio da pequenez e insufficiencia de recursos oratorios, tanto intellectuaes como physicos, com que a natureza me dotou, sou por isso mesmo obrigado a reconhecer e confirmar a minha completa nullidade oratoria, ten do n'ella a rasão justificativa do meu silencio até hoje, e d'aquelle que provavelmente hei de guardar nas futuras discussões que tiverem logar n'esta casa.
Ainda assim, sr. presidente, casos ha, e este é um d'elles em que, sem pretensões a orador, um deputado, ainda mesmo novel como eu, tem a restricta obrigação de tomar a palavra para defender os interesses dos seus constituintes, não deixando passar sem reflexão algumas asserções menos exactas de interessados, embora o sejam por motivos nobres e justificados, ainda que não justos.
Sr. presidente, entendi dever tomar a palavra no meio da controversia que se suscitou entre os meus illustres col legas, os srs. Sá Carneiro, Julio do Carvalhal e José Julio de Oliveira Pinto, a proposito da directriz que deve ter a estrada do Pinhão a Mirandella, e declaro á camara que dois motivos ponderosos me levaram a isso: o primeiro é porque a directriz d'esta estrada, embora os pontos citados de Pinhão e Mirandella não façam parte do circulo que te nho a honra de representar, importa comtudo muito aos interessados meus constituintes que me cumpre aqui defender; e o segundo motivo é porque o meu illustre collega e amigo, o sr. José Paulino de Sá Carneiro, se referiu a junta geral do districto de Villa Real, á qual tenho a honra de pertencer, alludindo á consulta que ella fez sobre este mesmo objecto.
A opinião da junta foi que a estrada se fizesse pelos pontos a que alludiu o meu illustre collega, o sr. Julio do Carvalhal, todas as vezes que as condições technicas não mostrassem a impossibilidade e inconveniencia de a levar por esses pontos; entretanto devo dizer á camara o alcance que a junta, ou pelo menos eu e alguns collegas meus, dava á opinião que emittiu.
Assistiu a essa sessão o distincto engenheiro, o sr. Eça, director das obras publicas n'aquelle districto, que, e n'isto adopto a phrase do sr. Julio do Carvalhal, é um homem muito competente, e sinto ter de dizer a s. ex.ª que a competencia a que recorreu se manifestou inteiramente desfavoravel á sua opinião, pois elle declarou completamente impossivel o traçado que o sr. Julio do Carvalhal pede. Essa opinião tão auctorisada suscitou duvidas entre alguns dos meus collegas, e então para harmonisarmos as nossas deliberações, e como todos não julgassemos boa aquella diretriz, resolvemos que ella fosse adoptada todas as vezes que os homens technicos a julgassem possivel e acertada, votando eu e alguns collegas na intima convicção de que ella não era possivel, vistas as informações vocaes do director das obras publicas. Este é pois o alcance da consulta da junta, e que repito, tenho muita honra em pertencer.
Emquanto á competencia das juntas geraes em marcar os pontos forçados, tenho a dizer ao meu particular amigo e illustre collega, o sr. Paulino Carneiro, que sou o primeiro a reconhecer a sua incompetencia no que diz respeito á parte technica; julgando-as comtudo competentissimas na parte economica, como perfeitas conhecedoras de tudo quanto diz respeito á commodidade dos povos, á conveniencia da agricultura e ao desenvolvimento do commercio.
Pedi pois a palavra para declarar que me associo á idéa fundamental d'esta estrada, emquanto aos pontos forçados de Pinhão e Mirandella, deixando os outros ao resultado dos estudos de homens competentes, todas as vezes que estes não vão de fórma alguma prejudicar a estrada que deve partir de Pinhão pela margem direita d'este rio a entroncar com a que vae de Mirandella a Villa Real, que é nas actuaes circumstancias da maior importancia, não só em attenção á linha ferrea que se projecta fazer no Douro, mas tambem em attenção aos interesses de grande parte do paiz vinhateiro que é atravessado por este traçado.
Além d'isso, sr. presidente, logo que n'um futuro proximo se antevê uma linha ferrea que ha de ser a arteria principal das communicações d'aquella provincia, é necessario subordinar a essa veia todas as outras veias secundarias, e é tambem debaixo d'este ponto de vista que eu considero sobre maneira importante a estrada de que me estou occupando.
Se estivesse presente o sr. ministro das obras publicas, havia de fazer mais algumas considerações a respeito da viação publica na provincia de Traz os Montes, pedindo que lhe desse o maior desenvolvimento, e especialmente aos pontos que se podem considerar estradas de 1.ª ordem, e que deviam ter sido consideradas como taes quando se discutiu aqui a lei de 1862, e que são o ponto de Villa Real a Amarante, para o qual peço a maior attenção do sr. ministro, e o ponto de Villa Real a Mirandella e a Chaves, que sendo estradas de 1.ª ordem estão ainda muito atrazadas, e deixam antever ainda o praso de quatro annos para o seu completo acabamento.
Tambem se s. ex.ª estivesse presente chamaria a sua attenção e havia de lhe pedir que desse as instrucções convenientes para se proceder aos estudos da estrada que deve ligar Villa Real com Sabrosa, que é de uma importancia I transcendente, attendendo a que ha de seguir ao Pinhão, e para a qual eu estou persuadido que a boa vontade dos particulares e das camaras municipaes dos dois concelhos ha de concorrer eficazmente.
Alargaria mais as minhas considerações se s. ex.ª, o sr. ministro das obras publicas, estivesse presente, mas como não está reservo as minhas reflexões para occasião mais opportuna, tendo fallado agora só para explicar o meu voto na junta geral do districto de Villa Real, sem o que não roubaria á camara este curto espaço de tempo.
O sr. Alves Carneiro: — Sr. presidente, na sessão do dia 9 tive a honra de apresentar n'esta casa uma representação da camara municipal de Guimarães, pedindo aos srs. deputados que não approvassem o contrato feito entre o governo e a companhia dos caminhos de ferro de sueste.
Na sessão de hontem o nobre deputado por Fafe, o sr. Vieira de Castro, apresentou igualmente uma representação de differentes cidadãos de Guimarães, dizendo que confiavam na illustração e sabedoria da camara para resolver, quanto ao contrato em discussão, aquillo que fosse mais justo e conveniente ao paiz. Por esta occasião disse s. ex.ª algumas palavras que eu não posso deixar de considerar como censura não só aquella corporação que representou, mas tambem á minha humilde pessoa, que fez chegar até aqui essa representação.
Na minha qualidade de deputado por Guimarães e de presidente, que tenho a honra de ser, d'aquella camara municipal, corre-me o duplo dever de levantar essa censura, e fa-lo-hei com a dignidade que devo a esta casa, ao illustre deputado e a mim proprio.
Em primeiro logar declaro a v. ex.ª, á camara e mesmo ao governo, sem querer com isto armar á sua benevolencia e boas graças, que não concorri, nem directa, nem indirectamente, para que esta representação viesse á camara.
Faço esta declaração, não só pelo que disse o nobre deputado, mas tambem porque li em um jornal do Porto, que eu tinha escripto d'aqui para os meus amigos de Guimarães, pedindo-lhe que mandassem esta representação. Isto, sr. presidente, é uma falsidade que eu rejeito o estigmatiso.
Respeito muito a imprensa, e presto lhe toda a homenagem quando ella é o instrumento da civilisação; mas desadoro-a quando ella se torna em instrumento da calumnia (apoiados—Vozes: — Muito bem). Posso asseverar a v. ex.ª e á camara, que n'esta parte o Jornal do Porto, a que alludo, foi um calumniador.
Serei franco e contarei lealmente á camara como este negocio se passou.
De Guimarães escreveu-me um particular amigo meu, dizendo me que pelo correio me vinha uma representação da camara municipal, e eu tive a franqueza de responder immediatamente, que melhor seria que não viesse, porque não tinha ainda apparecido nenhuma contra o contrato, e por isso podia por singular taxar-se de suspeita. Entretanto a representação vinha em caminho, recebi-a, e cumpri com o meu dever, como deputado o representante d'aquelle municipio, em manda-la para a mesa. Eis-aqui, sr. presidente, com toda a verdade a parte que eu tomei n'este negocio.
Agora levantarei a censura que o illustre deputado, o sr. Vieira de Castro, dirigiu á camara municipal de Guimarães, que não cede em dignidade á camara de Fafe, de que s. ex.ª faz parte, nem a nenhuma outra do paiz, e falo hei soccorrendo-me á lei fundamental do estado e aos precedentes d'esta casa.(apoiados).
A camara municipal de Guimarães, elevando a sua representação ao parlamento, não fez mais do que usar de um direito consignado e garantido na carta constitucional da monarchia portugueza. Estava portanto no seu direito, e não pôde, nem deve por isso admittir censuras de ninguem, por mais auctorisado que seja (apoiados). Se porém o artigo 145.° da carta é letra morta, e o direito de petição é uma pura ficção no systema constitucional, então diga-se isso mesmo para sabermos a lei em que havemos de viver (apoiados).
Os precedentes d'esta casa auctorisam tambem, como todos sabem, a apresentação d'estas representações. Pois a esta camara não vieram representações assignadas por 50:000 peticionarios contra a projectada operação dos 13.000:000$000 réis? (Apoiados.)
Pois não vieram muitas representações por occasião da distribuição dos 85:000$000 réis a maior da contribuição predial? (Apoiados.) E não têem vindo muitas outras ácerca de differentes objectos? E comtudo nem os parlamentos de então se escandalisaram nem tomaram a sua apresentação como uma offensa á sua dignidade e intelligencia, e agora estou certo que os meus nobres collegas farão a justiça de acreditar que a camara de Guimarães, mandando esta representação, não teve a menor idéa de offender ninguem, e muito menos o decoro da camara, que pôde em sua alta sabedoria resolver e decidir a questão como lhe aprouver e julgar mais justo. Acreditando pois que a camara se não julga offendida, creio tambem que ella não estranha, nem nunca pôde estranhar, que qualquer camara municipal do reino venha aqui representar no sentido que julgar mais conveniente aos interesses do paiz (apoiados).
Sr. presidente, eu voto contra o contrato a que a representação da camara de Guimarães se refere, mas não se pense que o faço por espirito partidario, ou porque a camara municipal de Guimarães representa contra elle, não, senhor; eu não vim para aqui com a minha consciencia hypothecada a ninguem; vim com o proposito firme de votar em todas as questões economicas e de administração, segundo a minha consciencia me dictar, e partam ellas d'onde partirem, porque primeiro que tudo desejo o bem do meu paiz; mas voto contra o contrato em discussão, e permitta-me v. ex.ª que eu toque n'este incidente, ainda que fóra d ordem, porque de duas uma, ou a companhia de ferro de sueste está em circumstancias de cumprir o contrato e satisfazer as condições a que se sujeitou, ou não está; se está, obrigue-a o governo ao seu cumprimento; e se não está, rescinda o antigo contrato e venha ao parlamento propor uma medida que leve a effeito os caminhos de ferro contratados, que eu, que tambem sou apologista dos caminhos de ferro, votarei para que elles se façam em circumstancias aceitaveis e sem prejuizo do paiz. Se porém este contrato em discussão é um emprestimo, como já se tem dito n'esta casa, apresente-se com essa natureza em termos claros, expressivos e aceitaveis, e em fórma que se saiba o que se vota, porque pelo modo que se apresenta, não tendo por base senão calculos incertos e meras probabilidades, não é mais que um contraio de risco... (apoiados).
O sr. Presidente: — Parece-me conveniente o sr. deputado ficar por ahi.
O Orador: — Aceito a advertencia de v. ex.ª, porque bem sei que estou fallando fóra da ordem; mas permitta-me v. ex.ª que eu conclua o que ía dizendo que são muito poucas palavras; a novação em discussão não é mais que um contrato de risco, e eu na minha qualidade de deputado não voto contratos de risco para o meu paiz, porque não quero sobre mim a responsabilidade de votar uma contingencia que se pôde ser boa, pôde tambem ser ruinosa e comprometter o futuro da nação. (Vozes: — Muito bem).
O sr. Sá Carneiro: — Principio por agradecer ao sr. Julio do Carvalhal, meu antigo camarada nos Açores, Mindello e Porto, e sempre meu particular amigo, o enthusiasmo com que zela os interesses dos meus constituintes, sendo para lamentar que elles não tomem, nem considerem esses serviços debaixo do mesmo ponto de vista, e das boas intenções com que s. ex.ª os fez. N'esta parte sinto que elles sejam ingratos, para não reconhecerem os beneficios que lhes tem feito o sr. Julio do Carvalhal.
Foi em virtude do cartas que recebi dos meus constituintes, no memo sentido d'aquellas que recebeu o meu amigo, o sr. Oliveira Pinto, que eu fiz hontem algumas observações ácerca da estrada de Pinhão a Mirandella.
Os meus constituintes não querem mais pontos forçados alem dos tres que já re acham determinados; o que querem é impedir que a influencia do sr. Julio do Carvalhal chegue a alcançar que essa estrada passe de preferencia por um ou outro ponto contrario aos indicados pela sciencia ao engenheiro constructor.
Pelo que respeita ao que o sr. Julio do Carvalhal avançou de que =- s. ex.ª sabe zelar mais os interesses dos meus constituintes do que eu proprio = tenho a dizer que aos meus constituintes, e não a s. ex.ª, é que compete fazer essa apreciação.
Não quero roubar tempo á camara; portanto vou concluir, dizendo que não é da minha intenção discutir nem desaffrontar-me da orgulhos pueris, o que não deve ter logar n'esta casa; o que queria era responder ao que disse o sr. Julio de Carvalhal, com relação á minha humilde pessoa.
O sr. Quaresma: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo, e uma nota de interpellação ao sr. ministro das obras publicas, sobre a falta de execução e reforma da lei de 12 de agosto, que diz respeito ás obras e melhoramentos dos campos do Mondego; vae assignada tambem pelo meu collega e amigo o sr. Sousa Junior.
Sinto não ver presente o sr. ministro das obras publicas, porque queria mostrar a s. ex.ª a urgentissima necessidade que ha em promover a reforma de uma lei que affecta os interesses de todo o campo, desde o Coimbra até á Figueira da Foz, porque é um campo importantissimo e de cujo melhoramento pôde resultar grande proveito para a fazenda publica (apoiados). Está um espaço immenso por cultivar, em consequencia da falta de obras que a lei manda fazer; e isto não só é prejudicialissimo para os proprietarios, porque os não podem cultivar, como tambem o é para a fazenda, que deixa de receber os impostos respectivos.
Uma das causas que concorre para isto, é estar encarregado da direcção das obras publicas de Coimbra, das obras do Mondego, e das da barra da Figueira, um e mesmo engenheiro (apoiados).
As cousas não podem continuar assim, e a prova está em que sendo o actual director um homem habilissimo, que trabalha constantemente, assim mesmo não pôde cumprir com as obrigações que lhe estão impostas. Qualquer d'estas repartições, só por si, dá muito que fazer a um engenheiro; portanto eu desejava que o sr. ministro das obras publicas tratasse de remediar este inconveniente quanto antes, o que
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depende sómente da sua vontade, separando as obrigações de director das obras publicas do districto, das de director dos campos do Mondego e das obras, da barra da Figueira. Qualquer, d'estas repartições deve ter um engenheiro, proprio e privativo com os estudos especiaes (apoiados).
Hei de continuar a repetir a s ex.ª o sr. ministro das obras publicas de agora o que já disse aos srs. ministros anteriores a s. ex.ª sobre a necessidade da reforma, d'esta lei. Nomeou-se uma commissão em que entraram homens technicos, e alguns d'elles. distinctos ornamentos d'esta casa, como os srs. Placido e João Chrysostomo, confeccionou-se um projecto de reforma d'esta lei, o qual foi remettido para a secretaria das obras publicas, mas está lá há dois annos sem que nenhum - dos srs. ministros nem mesmo o proprio sr. João Chrysostomo, tenham apresentado á camara, ou aquelle projecto, se o approva'»,-ou, outro se,acaso aquelle lhe não agrada. O que é preciso é que s. ex.ª torne isto em consideração, porque s. ex.ª sabe perfeitamente os prejuizos que resultam de não se fazer a reforma da lei.
Todas as semanas d'aqui por diante hei de chamar a attenção de s. ex.ª sobre este ponto, até que elle se resolva a trazer á camara o projecto tão urgentemente reclamado.
Peço a V. ex.ª que me conserve a palavra, para quando estiver presente o sr. ministro do reino.
O sr. Paula de Figueiredo: — Pedi a palavra, porque desejava chamar a attenção, do nobre ministro das obras publicas sobre a necessidade da construcção de dois ramaes; um em continuação ao ramal de Gouveia até Mangualde, para ligar estas duas villas muito importantes, e outro para ligar a villa de Ceia com, a villa de Nellas e estradas adjacentes. Mas como não vejo presente s. ex.ª, vou mandar para a mesa uma nota de interpellação n'este sentido, mais com o fim de despertar a attenção do sr. ministro sobre este ponto do que para ser considerada como verdadeira interpellação, porque tenho visto mandar para mesa tão grande numero dellas, que me parece, senão impossivel, ao menos muito difficil que s. ex.ª possa dar-se habilitado para responder a todas com a brevidade que seria para desejar.
Dispenso-me de fazer a leitura d'ella, porque já expuz o seu conteudo; mas do que não posso dispensar-me é de fazer algumas considerações sobre os fundamentos que me levaram a dar este passo.
E muito antiga, nos dois concelhos de Gouveia e Ceia a industria da fabricação de panno de saragoça, mas até 1845 esta industria era exercida em proporções muito acanhada, e em muito pequena escala, porque a força motriz que se empregava no seu exercido, era unicamente a do serviço braçal; n'este anno porém um cavalheiro muito digno a todos os respeitos e bastante emprehendedor e ousado, para superar todas as difficuldades que se oppunham á mudança de systema de fabricação, lembrou se de dar maior desenvolvimento a esta industria, e montou um estabelecimento de fabricação de lanificios, pelo mesmo systema dos então já existentes na Covilhã, aproveitando a força motriz da agua da ribeira que corta a villa de Gouveia pelo centro.
Seguiram-se os acontecimentos politicos e movimentos populares de 1846, nos quaes houve a idéa da parte do povo de incendiar a fabrica, porque diziam lhe ía ferir o serviço braça!
Conheceu-se porém, dentro em poucos annos, a vantagem d'aquella mudança de systema e tornou-se tão geralmente reconhecida, que todos os capitalistas e fabricantes, que poderam dispor de dinheiros, proprios ou de credito trataram de estabelecer novas fabricas nos locaes aonde podia ser aproveitada a força motriz da agua. Mas este desenvolvimento não se limitou só á villa de Gouveia, estendeu se a muitas outras povoações, e passou para o concelho de Ceia com tanta rapidez, que hoje já se contam nos dois concelhos pelo menos vinte e tres fabricas de lanificios, de que eu tenho conhecimento.
E quer v. ex.ª saber qual é a quantidade de materia prima de que estes estabelecimentos precisam?! E a de 46:000 arrobas de lã pelo menos na importancia de 200:000$000 a 300:000$000 réis, a maior importancia da qual os fabricantes vão comprar com grande risco e através de todas j as difficuldades, aos distantes mercados de S. João de Evora e Beja, no Alemtejo, e o producto que resulta d'esta materia prima, depois de fabricada, é o de 400:000 a 500:000 metros de panno, na importancia de réis 400:000$000 a 500:000$000, approximadamente.
Já v. ex.ª vê, que esta industria ainda que nascente, porque realmente o é, se attendermos ao curto periodo do seu desenvolvimento em maior escala e melhores condições, não é de tão pequena importancia para o paiz, que não mereça alguma attenção e protecção dos poderes publicos.
Infelizmente porém, sr. presidente, aquelle ponto não tem sido deslembrado, quando se trata do lançamento e cobrança dos impostos, mas emquanto aos melhoramentos materiaes parece ter jazido em um completo esquecimento e abandono dos governos que têem estado á frente dos negocios publicos. Verdade seja que ali está em construcção a estrada que vae de Celorico ao Alvo. Parece-me porém que esta estrada, ainda que fica um pouco distante dos centros industriaes, e talvez mais do que devia; mas não entro agora n'esta questão, porque é um facto já consumado, nem tenho conhecimentos technicos para entrar n'ella: digo que — esta estrada por se achar ainda interrompida a cada passo, não offerece por ora vantagem alguma á viação, e apenas a qualquer passeio de recreio, que se queira dar de povoação para povoação, pois só os antigos vehiculos podem transitar por ali, com mais difficuldade do que n'outro tempo, porque nos pontos onde era mais conveniente facilitar o transito, é exactamente onde a estrada se acha completamente descurada.
Esta estrada para poder prestar alguma utilidade ao commercio de que fallei é necessario que chegue até Coimbra para então ficar ligada não só com esta importante cidade, mas tambem com o caminho de ferro, pela estação que lhe está proxima.
Eu estou persuadido de que a conclusão d'esta estrada vem muito distante vejo ainda muitas obras de arte por completar, e, muitos trabalhos por fazer, e portanto, não tenho esperanças de que ella vá com brevidade animar aquella industria. Os ramaes de que fallo é que podem com mais brevidade auxiliar aquella industria, assim como tambem á industria agricola, e vinicola em que tanto abundam aquelles terrenos; é a rasão é porque como de Mangualde á Mealhada ha estrada que supporta todo o transito mais accelerado, estes dois ramaes vinham de Gouveia e Ceia entroncar n'ella, facilitando assim o transporte de mercadorias entre aquelles dois pontos e a importação da materia prima, e portanto aqui tinhamos nós supprida a falta de communicação que existe entre aquelle centro commercial e os pontos de consumo.
Parece-me muito facil a construcção d'aquelles dois ramaes, porque não são extensos, e qualquer d'elles não poderá medir mais de 20 ou 30 kilometros, e não serão portanto muito despendiosos, principalmente se na construcção dellas se quizerem e poderem aproveitar as pontes que existem sobre o Mondego, uma nas proximidades da Povoa da Rainha, e outra nas proximidades da Felgueira, entre Paranhos e Nellas.
É sabido que a facilidade da viação torna menos custosa a fabricação e o desenvolvimento da industria, e facilita portanto mais a exportação dos productos para os pontos commerciaes que d'elles podem carecer, e para toda a nação. Vem pois aquelles dois ramaes supprir a falta que ha muito tempo se sente n'aquelles pontos, e que é uma pela que obsta ao maior desenvolvimento d'aquella industria; e S tanto mais era para desejar aquella obra, quanto auxiliava a industria agricola, e muito favoreceria o transporte dos vinhos e aguardentes que ali se fabricam, e que têem de ser levadas com grande risco á Regua e outros pontos onde obtêem consumo.
A construcção do caminho de ferro da Beira tem tambem relação com este ponto. Eu creio que este melhoramento já não está muito longe, principalmente depois que ouvi dizer n'esta casa que se construiria de preferencia aquelle caminho, que ouvi dizer ao sr. ministro das obras publicas que =já se lhe apresentára uma proposta para aquella construcção =; e sobretudo depois que ouvi dizer ao nobre ministro da fazenda que = o caminho de ferro da Beira ha de ser necessariamente um dos da rede de linhas ferreas d'este paiz =. Pois parece-me poder afiançar a v. ex.ª, sr. presidente, que se algum dia se construir o caminho de ferro da Beira, aquella industria a que me tenho referido, ha de animar-se por fórma que estou convencido de que todas as ribeiras que descem da serra da Estrella hão de ver-se povoadas de fabricas de lanificios, porque embora as suas aguas no estio sejam tão escassas que apenas possam ser aproveitadas na agricultura, todavia ha de essa falta n'aquella estação vir a ser supprida para a industria pelo vapor.
Ainda assim, os dois ramaes de que fallei, devem continuar a prestar grande auxilio para o caminho de ferro, quer elle passe pela margem direita do Mondego, quer pela esquerda, questão em que não entro agora, e em que entrarei quando vier á discussão, se acaso se discutir a directriz d'aquella linha ferroa, porque em qualquer d'estes casos aquelles ramaes prestam communicação aos habitantes da margem opposta do Mondego para o caminho de ferro.
São estas as considerações que tinha a fazer ao sr. ministro das obras publicas. Aqui lh'as deixo consignadas, e esporo que s. ex.ª não descurará este assumpto, dando assim mais uma prova da solicitude que tem pelo desenvolvimento dos melhoramentos materiaes do paiz (Vozes: — Muito bem).
O sr. Sieuve de Menezes: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo.
O sr. Manuel Firmino: — Mando para a mesa uma representação do digno parocho, junta de parochia, juiz eleito, e de muitos habitantes da freguezia da Torre de Valle de Todos, na diocese de Coimbra, protestando contra o casamento civil, estatuido no codigo ha pouco apresentado n'esta casa, pedindo que similhante disposição não seja aqui approvada.
Peço a v. ex.ª que se sirva dar-lhe o destino competente. O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Para se poderem confrontar as dados officiaes fornecidos pelos srs. engenheiros, com os que elles andam segredando a quem os quer ouvir, peço a v. ex.ª e peço á mesa, que os dados officiaes mandados pelo sr. Canto, sejam publicados no Diario de Lisboa. O sr. Sá Nogueira: — Apoiado.
O Orador: — Eu vejo aqui no ultimo discurso do nobre ministro da fazenda um esclarecimento dado pelo sr. João Evangelista de Abreu, mas ainda não vejo os documentos dados pelo sr. Canto. Isto é uma questão séria, e que não pôde continuar n'este estado sibylino. É preciso portanto que se publiquem quanto antes os documentos.
O sr. José de Moraes: — Mando para a mesa um parecer da commissão de agricultura, para ser remettido á commissão de fazenda.
ORDEM DO DIA
CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO NA GENERALIDADE DO PROJECTO DE LEI N.° 8 SOBRE A NOVAÇÃO DO CONTRATO DO CAMINHO DE FERRO DE SUESTE
O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Teixeira de Vasconcellos para continuar o seu discurso.
O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Dizia eu hontem, sr. presidente, que me regosijava o estado da fazenda publica, e a prosperidade do reino, descriptos minuciosamente pelo distincto orador que me precedeu.
Regosijava-me a situação prospera do paiz e a circumstancia importante de nos ter sido revelada, por um cavalheiro cujos estudos dão grande força ás suas (asserções; mas não, me, de via, alegrar unicamente por isso devia tambem celebrar outra cousa, que s. ex.ª disse n'esta casa e que, eu ouvi com grande prazer, a qual era consequencia logica da sua convicção profunda ácerca do estado prospero do paiz.
O sr. Gavicho, meu illustre collega, disse que o, paiz pôde pagar mais e que deve, pagar mais. Eu folguei, com esta declararão; de um cavalheiro, que milita nas, fileiras da opposição, mas que apesar d'isso se conforma inteiramente com o que o sr. ministro da fazenda disse ha dias n'esta casa. Vejo com grande prazer, que, nestas, questões, da reorganisação da fazenda, para que se diminua o deficit quanto for possivel e para que venha a equilibrar se a receita com a despeza, haverá harmonia entre os amigos do governo e os que discordam da nossa opinião a respeito d'este contrato ou de outro qualquer ponto.
O caso não é novo n'este parlamento. Antes de se reunirem n'um só os dois partidos politicos que apoiam hoje o governo, em ambos predominou sempre a idéa do progresso e da civilisação, embora o numero favorecesse já uma, já outra d'essas parcialidades, como acontece sempre nas lides politicas; n'esse tempo, digamo-lo para honra de todos, quando se tratava de prestar homenagem ás idéas generosas e grandes não havia dissidencias no partido liberal; os dois grupos constituiam uma só familia (apoiados).
E é isto o que de certo acontecerá — a julgar pelo que disse o illustre deputado que me precedeu e pela auctoridade que a sua illustração lhe deve dar entre os seus amigos politicos—quando o governo apresentar aqui as propostas necessarias para realisar os pensamentos de reforma, que em nome d'elle annunciou n'esta casa o sr. ministro da fazenda. Limito me a estas duas considerações, que nada têem com a questão, mas que têem muito com os sentimentos patrioticos de todos nós.
Direi, sr. presidente... direi que a fallar verdade... eu não devia dizer nada relativamente á questão que se agita.
O governo e a commissão, em relatorios bem elaborados, já disseram muito, como têem testemunhado n'esta casa amigos e adversarios; os_ illustres oradores da opposição, e seja-me permittido chamar-lhes assim — de opposição a este contrato, quero eu dizer; não sei se em outros assumptos concederão ao governo a sua confiança — apresentaram argumentos valiosos e expostos com tal cortezia que lhes dobrava a força; o illustre relator da commissão pronunciou um discurso que causou admiração a todos nós, e em que se não soube qual era mais para louvar, se a facilidade da palavra se o vigor da dialectica; e em fim, entre outros cavalheiros, dois que esta camara está costumada a respeitar muito e que eu venero profundamente, os srs. Mártens Ferrão e ministro da fazenda, expozeram e defenderam o contrato, ou para melhor dizer, fizeram a apologia d'elle com o maior acerto (apoiados), e clareza que é a meu ver a qualidade mais importante em negocios desta ordem (apoiados). Portanto, o que me resta dizer?... Nada.
Sei que a camara não se cansa, deleita-se quando ouve discursos como os que proferiram os oradores que apontei; sei que teria bastante benevolencia para me ouvir longamente, porque costumamos téla sempre uns para com os outros: porém, não devo abusar nem da bondade da camara, nem das suas disposições; embora não esteja cansada, tem ainda que ouvir outros oradores, que melhor do que eu a podem esclarecer. Por consequencia direi poucas palavras, e quasi só em relação ao illustre orador que me antecedeu na discussão.
Um orador quando pede a palavra, tenciona apresentar certa ordem de idéas; mas quando chega a fallar, tem de seguir outro caminho, por estar já dito o que elle havia de dizer, e por lhe competir principalmente responder aos ultimos argumentos, quando pelo que de si valem ou pela auctoridade de quem os apresentou, podem ter causado sensação na assembléa.
O orador e meu amigo, o sr. Gavicho, dizia hontem em eloquente apostrophe: Quem ousaria levantar a voz n'esta casa em 1865 contra caminhos de ferro?!... E foi s. ex.ª quem praticou essa grande audacia, quem se levantou contra os caminhos de ferro, fazendo penitencia publica da opinião contraria que seguira em outras discussões!
Sem apreciar, como aqui se tem feito, se a companhia não pôde continuar, ou se é o governo que precisa d'este contrato, investigação em que não entro pelos motivos referidos hontem por mim, cuido que o governo não faria tal convenio se não fosse necessario: nem a camara estaria, a proposito do mais pequeno incidente, dando a todos os membros do gabinete testemunhos de consideração e de respeito, se não reconhecesse a intelligencia superior d'elles, e a sua consummada experiencia: homenagem que corroboraram os srs. Carlos Bento e Gavicho, nos seus discursos.
Pois com que logica se ha de recusar o senso commum a homens de intelligencia superior, de muitos serviços e experiencia, e se ha de julgar que fizeram um contrato inutil nas circumstancias em que nos achámos?...
O illustre orador, a que estou procurando responder, diz que = rejeita o contrato, mas que não declara guerra aos caminhos de ferro =.
Muito bem, mas eu sempre quero lembrar á camara e ao illustre orador, a que alludo, e de cuja boa fé estou certissimo e nós todos, que se a camara rejeitar este contrato, rejeita os caminhos de ferro que elle assegura. Não haverá meio de achar uma companhia em qualquer parte do mundo que, depois do que se tem dito aqui a respeito dos caminhos de ferro mencionados no contrato, venha tomar conta d'elles pelo duplo da garantia. E luva que se pôde lançar desassombradamente. Ninguem a levanta.
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Nós estamos em tristes circumstancias a tal respeito, porque não temos estatisticas, como ha nos paizes bem organisados, como ha em França, na Belgica e era outros esta dos, de sorte que os capitães não tendo outro meio de estudo, têem de regular se pelas discussões do parlamento. Nos outros paizes as vozes dos oradores podem ser refutadas pela estatistica official; entre nós não porque a não ha.
E estejam certos que não ha ninguem mais intelligente do que o capital; só vae aonde lhe convem e depois de examinar attentamente as circumstancias.
O illustre deputado, o sr. Gavicho, referiu-se á opinião que apresentára em 1861; eu tambem vou referir-me a ella. Não digo que a s. ex.ª não agradem os caminhos de ferro; isso já não é do nosso tempo, mas ha quem não confie n'elles; e ahi está o meu illustre amigo, o sr. Carlos Bento, que não os atacou directamente.
O sr. Carlos Bento: — Não sou inimigo d'elles.
O Orador: — Pois bem, mas não tem tanta confiança como nós temos.
O sr. Gavicho tambem não era inimigo d'este caminho de ferro, e até era amicissimo da companhia e era bem. As companhias não são associações de malfeitores, nem hordas de vampiros que devamos combater por todos os modos; as companhias são reuniões de homens que dão os seus capitães para obterem lucro rasoavel, beneficiando ao mesmo tempo os paizes onde trabalham. Não são outra cousa. Entre as companhias e a nação ha troca de serviços e de vantagens.
Tendo o sr. conde d'Avila proposto em 1860 que se garantisse á companhia o minimo de juro de a 7 por cento, o illustre deputado, o sr. Gavicho, que era amigo da companhia e do seu paiz, n'esta casa na sessão de 27 de abril d'esse anno, propoz 7 por cento sobre réis 24:000$000 por kilometro ou 14 por cento do producto bruto kilometrico. Note a camara que o custo de 24:000$000 réis por kilometro era cousa assentada entre todos, e não se lembrou ninguem de 20:000$000 ou 22:000$000 réis; antes houve quem julgasse que era pouco. A companhia foi muito enganada, dizia o sr. Gavicho n'essa epocha e pedia com rasão garantias para ella.
Mas o nosso collega n'esse tempo estava no caminho de vir ter a este contrato porque não gostava de subvenção. Eu leiu no discurso de s. ex.ª o seguinte:
«Os contratos de subvenção entre nós são sempre de risco que o governo paga e caro.»
Não lhe agradava a subvenção; combatia-a. Agora parece lastimar a ausencia d'ella, e já não quer a garantia do producto bruto, apesar de ter sido proposta por s. ex.ª
Não approvei nem rejeitei contrato nenhum; estou aqui innocente de tudo quanto se fez a tal respeito, e a muitos collegas meus acontece outro tanto (apoiados), mas aceito de boa vontade a responsabilidade d'essas decisões; não me tenho por mais intelligente nem mais patriota do que os homens que n'esta casa têem dado impulso ao progresso do paiz. Estava no caso de qualificar este contrato á minha vontade porque não approvei contrato algum; mas os que approvaram o contrato de 1864, logicamente não podem deixar de approvar este; e se não o approvarem, mal poderão justificar-se de terem approvado o outro. Não posso alargar me ácerca d'este ponto, porque não quero tomar muito tempo á camara.
Dizia o illustre deputado: «Se eu soubesse que por esta novação se realisava toda a rede dos caminhos de ferro, eu votava-a.» Pois pôde s. ex.ª votar com toda a confiança, porque é este o meio de realisar toda a rede dos caminhos de ferro. D'este modo é assegurada a rede do sul e vão completar-se as outras. Para assegurar aquella temos este contrato; para continuar as outras ha a promessa do nobre ministro da fazenda e do governo. O modo de realisar a rede é votar pelo contrato, pois que os encargos não serão maiores do que os antecedentes, e usar da mesma benevolencia para os contratos que succederem a este (apoiados).
Sr. presidente, um dos argumentos que se apresentam contra a garantia do producto bruto é que pôde levar as companhias a não fazerem com as explorações as despezas necessarias. Referiu-se a isto o nosso illustre collega, o sr. Carlos Bento, e o sr. Gavicho tambem manifestou igual receio.
Ha varios systemas para os caminhos de ferro: o da subvenção, o da garantia do producto liquido, o da garantia do producto bruto, e o da construcção por conta do estado.
Não duvido que fazendo-se os caminhos de ferro com garantia do producto bruto, o governo precise de empregar maior fiscalisação para verificar que a companhia não falta ás suas obrigações. Mas n'esse ponto já temos uma garantia, que não partiu do governo nem dos que approvam o contrato; partiu de pessoa muito auctorisada, do sr. Carlos Bento, porque disse que = fazendo justiça a esta companhia, era ella das que têem cumprido os seus deveres com mais efficacia =. É uma garantia moral e de valor para todos nós.
Dirão que não é garantia sufficiente, porque pôde cumprir com os seus deveres mas tratar de se esquivar á despeza.
Eu tenho confiança nos meios de fiscalisação que o governo pôde empregar, mas sem allegar a dependencia em que estão sempre do governo as companhias, direi que tenho maior confiança no zêlo da companhia do sul, não pelos interesses do estado, mas pelas suas proprias vantagens.
A companhia tem interesse em fazer render o caminho para apurar em noventa e nove annos o capital gasto e os seus juros, e se a linha é má são poucos esses noventa e nove annos para tirar o juro do capital e a amortisação d'elle, porque no fim d'esse praso, com perda ou com ganho, tem de entregar o caminho de ferro e ir-se embora.
Prefiro n'este caso, e nunca absolutamente, a garantia adoptada no contrato actual, e prefiro qualquer outro systema ao de fazer os caminhos de ferro por conta do estado.
Visto que a camara tem a benevolencia de me escutar, vou contar-lhe uma historia em abono d'esta minha opinião.
Eu tinha na provincia uma propriedade arrendada, e, quando era inexperiente, tive a idéa de a agricultar por minha conta. Tirei-a ao caseiro e agricultei-a eu. Colhi apenas metade do que o caseiro me dava, e a rasão é esta: o caseiro e a sua familia trabalhavam, e eu não; o caseiro fiscalisava os trabalhadores por ser um d'elles, e eu não. O que eu gastava com a fiscalisação e com arranjar quem trabalhasse em meu logar e no da minha familia era o lucro d'elle, e lucro que chegava para me pagar a renda e para viver durante o anno.
É o que acontece nos trabalhos por conta do estado; e ainda que eu respeite muito a sciencia, que se pronuncia pela vantagem d'esse systema despendioso, não posso seguir as indicações d'ella. A pratica dá n'este ponto lições proveitosas.
O illustre orador a quem tenho a honra de responder, disse, que não lhe agradavam as medias de cincoenta annos; pois não ha outro meio de calcular, para se saber o movimento dos caminhos de ferro, senão procurar a media. Disse-se hontem que essa media de 4 por cento multiplicada por cincoenta annos dava uma quantia enorme de milhões, com que eu não quero assustar a camara. (Uma voz: — São 800 milhões.) Não digo, não digo a somma; não quero aterrar a assembléa; mas isso não significa de modo algum que o caminho de ferro ha de render por força n'essa progressão de 4 ou 10 por cento; nem quer dizer que esse calculo seja para todo o periodo de cincoenta annos. O calculo vae até igualar o contrato actual com o antigo, e em relação ao progresso do rendimento dos caminhos de ferro e ao estacionamento d'esse producto. Ahi pára; nem podia ir mais longe.
I Disse-se aqui tambem que os caminhos de ferro, á proporção que se adiantam, vão dando menor rendimento; porém a experiencia mostra o contrario; mostra que os caminhos de ferro vão progredindo até certo ponto; ás vezes estacionam; depois tornam a progredir; tornam a estacionar, até ficarem em estado normal. Mas isto não é regra, e é por isso que eu dou pouco valor ás comparações com as nações estrangeiras, com as suas linhas e com as redes que ellas formam. Não gosto de comparar cousas inteiramente differentes, como são entre si todas as linhas e redes conhecidas.
Os caminhos de ferro em toda a parte dão ás nações que os pagam, grandissimos resultados e immensa prosperidade. É possivel que ás vezes o estado tenha gasto mais do que devêra gastar, mas a utilidade dos caminhos de ferro offerece largas compensações. A prova é facil. A Europa está coberta de caminhos de ferro, e na Asia ha bastantes, e na America muitos, e comtudo ainda não houve uma linha de caminho de ferro declarada inutil e mandada destruir por esse motivo. As companhias quebram, organisam se outras, ou o estado explora por sua conta; ha grandes perdas, mas a nação que d'esses caminhos recebeu facilidade de communicação e de transportes ganha sempre muito. Caminho de ferro concluido nunca mais se desmanchou, nem se queixou nenhum governo de que o paiz perdia em explora-lo; pois talvez não haja invenção a que tenha succedido outro tanto. Se no futuro se chegar a descobrir algum meio de viação superior aos caminhos de ferro, ainda assim estes não serão desamparados. Antes de haver caminhos de ferro havia estradas, e apesar d'isso ainda se construem e de certo mais do que então. O commercio de cabotagem já existia antes dos caminhos de ferro, e comtudo não morreu, nem ha de morrer.
Alguem suppoz que o sr. ministro da fazenda dissera que os caminhos de ferro tinham morto o commercio de cabotagem; s. ex.ª disse que o commercio de cabotagem tinha diminuido, mas que não se extinguira. Em França o rendimento do commercio de cabotagem diminuiu depois da abertura dos caminhos de ferro 50 por cento; tudo quanto teve interesse em se desviar da via maritima seguiu os caminhos de ferro. Em França, o commercio de cabotagem transporta sal, pedra e carvão; tudo o mais transporta-se pelos caminhos de ferro sem exceptuar o trigo; diminuiu, como, já disse, 50 por cento depois da construcção dos caminhos de ferro, mas não acabou. Tambem diminuiu, sem acabar, o commercio de cabotagem entre o Porto e Lisboa, e succederá outro tanto a respeito da cabotagem do Algarve.
O mesmo illustre deputado tratando de analysar os calculos apresentados pelo governo, disse que aceitava a base dos calculos do sr. ministro da fazenda, mas que os resultados estavam errados. Talvez assim seja, mas emquanto a camara não resolver que se colloque n'esta casa uma pedra para se fazerem as equações, não posso dizer quaes são mais exactas, se as do sr. ministro da fazenda; se as do sr. Gavicho. Eu creio muito no que diz o illustre deputado, mas tambem concedo inteira confiança a tudo quanto expoz o sr. ministro da fazenda, peço todavia licença para dizer que tenho pequenas suspeitas ácerca do acerto dos calculos do sr. Gavicho. E não o offendo com isto, porque s. ex.ª contestando os calculos apresentados pelo sr. ministro da fazenda, tambem de certo o não quiz offender.
E para achar a inexactidão dos calculos, não disse bem, a inexactidão das contas feitas pelo illustre deputado, não preciso de pedra nem de giz; basta-me um pedaço de papel que tenho aqui.
Disse s. ex.ª, fallando da mina de Aljustrel, que os calculos apresentados pelo sr. ministro da fazenda eram exagerados, porque tudo quanto ella podia produzir se reduzia a 24:000 toneladas. E para provar esta asserção leu s. ex.ª um periodo do relatorio a que se referiu o sr. ministro da fazenda.
Confesso, sr. presidente, que fiquei espantado; fui para casa, porque não tinha o relatorio aqui á mão, persuadido de que, se realmente a asserção do illustre deputado era verdadeira, nem a mina valia nada, nem os engenheiros que a examinaram, nem o governo que nos tinha apresentado tal assumpto como cousa muito importante.
Aqui está o que diz o relatorio dos srs. engenheiros João Maria Leitão, Neves Cabral e Kõpke, ácerca da mina de Aljustrel. Não conheço os dois primeiros, mas tenho ouvido fallar d'elles com grande louvor. O terceiro que é o sr. Christiano Kõpke da Fonseca conheci eu em França. E um engenheiro mui distincto e homem honradissimo, como foram sempre todos os Kõpkes do Porto. O relatorio diz:
«Devemos pois contentar-nos durante os primeiros annos com os lucros seguintes:
«Gastos de lavra de 100:000 toneladas de minerio réis 120:000$000.»
Não careço de ler mais. São 100$000 toneladas e não 24:000. D'esta inexactidão principiou a nascer em mim a suspeita contra os calculos do meu honrado amigo o sr. Gavicho.
Noto a inexactidão, sr. presidente, para mostrar em que se fundam as minhas suspeitas ácerca dos calculos apresentados pelo illustre deputado. Estou certo de que estes enganos foram involuntarios, de que s. ex.ª julgando calcular melhor do que o nobre ministro da fazenda, se enganou; mas se aconteceu assim em cousa tão pequena como é uma conta de repartir, e a respeito de um relatorio que está escripto em letra redonda, que posso eu esperar dos outros calculos? S. ex.ª só se referiu a este negocio de minas no fim da sessão, e por isso julgo que este engano de calculo é devido a estar já cansado.
Mas s. ex.ª ainda me deu maiores motivos de suspeita quando calculou o que a mina de Aljustrel renderia ao caminho de ferro. Partindo da base inexacta de 24:000 toneladas multiplicou-as por 12 réis, preço do transporte, e achou 288$000 réis, depois multiplicou esta quantia por 135 que são os kilometros até Faro e deu-lhe esta operação arithmetica 38:880$000 réis, e dividindo esta quantia pelos 514 kilometros da linha, viu que a mina de Aljustrel só daria ao caminho de ferro a insignificante quantia de 7$056 réis! Ahi pediu o illustre deputado a attenção da camara, e não lhe requereu só attenção, excitou a hilaridade de nós todos com os taes mesquinhos 7$056 réis.
Pois, sr. presidente, a conta da divisão está errada. No quociente onde o meu nobre amigo encontrou 7$056 réis, achei eu, e acharão todos, 75$642 réis. Se s. ex.ª tornasse a fazer a conta e se lhe deparasse a quantia de 700 réis, ainda maior seria o seu espanto e a hilaridade da assembléa (riso).
O illustre orador alludiu a um calculo de 10 por cento que apparecêra em um jornal. A camara sabe a obrigação que eu tenho de defender esse jornal. Disse-se: lá está calculada a progressão de 10 por cento, mas não está calculada a media para os pagamentos. Está, e é isso que torna o calculo completo, porque, se não estivesse calculada a media para os pagamentos, o calculo não valia nada.
Aceitou s. ex.ª o calculo do desconto sem admittir o progresso de 50$000 réis; pois devo dizer que aceitou o peior, porque admittindo esta base de 1:314$000 réis, ha de admittir-lhe o progresso indicado pelo sr. ministro da fazenda.
Uma cousa teve de notavel o discurso do sr. Fontes; em logar de exagerar diminuiu. Foi modesto por ser sempre verdadeiro. Assim, por exemplo, disse que das minas de S. Domingos saía tanto mineral que íam 500 navios busca-lo ao porto de Pomarão, quando vão 900, e para o anno estão contratados uns 1:000.
O sr. Carlos Bento: — Foi exacto o sr. Fontes; são 500.
O Orador: — Serão, mas informadores competentes referiram-me o que eu disse. Aqui está o sr. Palma, ali o sr. Mendes Leal que dizem o mesmo que eu referi.
O sr. Mendes Leal e o sr. Palma: — Apoiado.
O Orador: — Portanto, já se vê que vão prosperando essas minas, como tambem prosperarão os caminhos de ferro. De 500 navios passou a 900, e já está em 1:000.
Mas o sr. Fontes não disse uma cousa, e é que no porto de Pomarão acontece estarem os navios muito tempo sem poderem saír; creio mesmo que ha um barco de vapor para os rebocar; cuido pois que não é uma esperança mal fundada a de que feito o caminho de ferro, as minas de S. Domingos aproveitarão este meio para terem saída constante para os seus productos.
Disse-se que adiar encargos para mais tarde era imitar o morgado que administra mal os seus bens. Esta comparação é inexacta. Adiar estes encargos para mais tarde é imitar o homem chamado a administrar casa que estava em desarranjo. E com isto não faço censura aos gabinetes precedentes; o desarranjo é de nós todos; nós todos é que temos desarranjado isto, uns de um modo, outros de outro; e desde que alguem queira pôr termo a esta desordem, o adiar encargos é expediente indispensavel.
Terminou o seu discurso o illustre deputado a que tenho alludido, dizendo que = se não reformavam as finanças com encargos incertos = E uma phrase bonita. E eu tambem acho que é muito melhor ter encargos certos que incertos. Mas a questão é que o governo tem de contratar e de organisar com encargos certos ou incertos segundo as circumstancias o exigirem.
Mais grave de que todos os contratos é a organisação do orçamento, e faz-se com despezas certas e receitas incertas. Vem aqui o ministro da fazenda e diz: «Calculo o rendimento das alfandegas em tanto;» e muitas vezes calcula mal, diz mais: «Calculo tal artigo de receita em tanto; e o calculo falha; emfim calculo toda a receita publica em
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tanto; e nem sempre acerta apesar das medias. Mas o facto é que toda a receita calculada no orçamento é incerta e os encargos são certos. Ora n'este contrato os encargos são incertos como a receita porque dependem d'ella. A condição é melhor.
Creio que é cousa trivial repetir diante de uma camara tão illustrada como esta, em 1865, e no fim de uma discussão tão esclarecida, que os caminhos de ferro dão sempre grandiosos resultados, isto é uma cousa evidente e clara para mim e para todos, como tambem me parece demonstrado para a maioria dos cavalheiros que, se sentam nesta casa que os resultados do caminho de ferro do sul hão de ser tão importantes como os do norte, se não forem maiores.
A linha do norte teve muitos adversarios, e está hoje em estado prospero, como observou o sr. ministro da fazenda. Não sei como está a companhia, desejo que prospere como a linha; mas a prosperidade da exploração é que vem para o caso por desmentir os prognosticos dos que não approvavam o caminho de ferro do Porto (apoiados).
Mas disse-se esta linha (a do norte) teve agora maior rendimento por causa da exposição do Porto. Não é exacto; quiz informar me a tal respeito, e achei que a exposição deu á linha nos mezes de setembro a dezembro 7:660$000 réis; o que é uma bagatella, se attendermos a que a linha está rendendo cerca de 18:000 francos
DVqui o que se deduz, é que a linha do norte tem vida propria, e que apenas teve algum augmento de movimento e pequenos lucros por causa da exposição. Mais lhe deve a exposição do que a linha deve aquelle nobre e generoso pensamento dos meus patricios do Porto; porque, como muito bem disse o sr. ministro da fazenda, se a não houvesse não havia exposição. De certo a não havia. Não me quero alongar mais sobre este ponto.
Fallou-se no Oriente, e isto tem dado occasião aos sarcasmos de differentes oradores. Eu não sei se n'este ponto me darão de suspeito por ser deputado do Oriente. Parece-me que não será grande maravilha, que a linha do Guadiana se ligue á linha de Sevilha; porque no fim de tudo aquella linha terá de ligar-se com a linha de Andaluzia, a do norte com a das Asturias, e partindo de Lisboa até se reunirem em Irun, constituirem assim o caminho de frro circular ou de cintura na Peninsula, que o governo portuguez e hespanhol não podem dispensar porque é de grandissima vantagem e utilidade Vejo com prazer no futuro esse immenso beneficio, e tenho n'elle inteira fé. Mas não sei se o commercio do Oriente irá a Sevilha em logar de vir a Lisboa; não o affirmo, entretanto observo uma cousa que me dá esperanças; noto que as companhias dos caminhos de ferro da Allemanha estão combinando-se para dar subvenções a caminhes de ferro italianos, de modo que a direcção das linhas seja tal, que as mercadorias do Oriente, passando no canal de Suez e entrando no portos de Italia, vão rapidamente para a Allemanha. Tem-se concentrado n'este empenho a attenção das companhias dos caminhos de ferro de Allemanha em proveito do commercio e da industria da Europa central. A França conta com grandes beneficios nos seus portos, e a Hespanha igualmente; é possivel pois que de Sevilha venham a Lisboa as mercadorias do Oriente para evitar a volta do cabo de S. Vicente, volta que não é indifferente. Qualquer homem acostumado á vida do mar conhece os inconvenientes e a demora a que os temporaes obrigam os navios com grande prejuizo directo e indirecto do commercio.
Não sei se as mercadorias do oriente virão de Sevilha para Lisboa, mas o que sei é que o porto de Lisboa está destinado a um futuro immenso. Lisboa não é sé porto de uma grande cidade; Lisboa é a capital do reino, e é o caes occidental da Europa (apoiados). Este é o ultimo porto da Europa para a America. Eu não posso descrever facilmente, nem qualquer espirito pôde presagiar completamente a grandeza e o futuro de Lisboa, que as circumstancias vão dispondo successivamente. Mas esta grandeza e este futuro depende muito de nós. É preciso que Lisboa se prepare não só para ser capital, mas para ser caes; que se prepare para que o seu porto offereça vantagens á navegação e ao commercio, e para exercer as funcções economicas e mercantis a que está destinado, e que hão de dar em resultado grandes beneficios ao paiz (apoiados).
Este futuro depende do governo. Chamo para o assumpto a attenção d'elle. (O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.) Confio na prosperidade de Lisboa, e a minha confiança funda-se tambem na que me inspira o governo (apoiados).
Ouvi dizer ao meu illustre amigo, o sr. Silveira da Mota, cujas opiniões me fazem muito peso, porque sempre me produzem grande sensação as opiniões d'aquellas pessoas que eu muito estimo e venero, e de cujos pensamentos desejara não divergir; dizia o meu esclarecido collega no seu discurso, que se pôde tomar para typo de moderação e cordura, que = este contrato era a vida ou a morte politica de nós e dos nossos vindouros =; e o sr. barão de Magalhães declarou que = o contrato é horroroso, e que tinha ouvido dizer que com elle podia perigar a nossa autonomia =. Este pensamento de perigar a autonomia é cousa mui seria, e que pôde fazer amedrontar alguns espiritos fracos, principalmente quando se trata de uma nação pequena. Pequena é na verdade, mas vale mais ser pequeno em sua casa que ser grande na casa alheia (apoiados).
Mas se a questão é politica e de patriotismo, cumpre ser transferida para este terreno; porém não sei combinar isto com o que disse o sr. Carlos Bento, quando declarou que = a questão era meramente financeira, e que se não podia votar n'ella por lealdade politica =.
A verdade, sr. presidente, é que ainda não foi possivel pôr de accordo dois adversarios d'este contrato. Um diz que temos questão politica e de patriotismo, outro assevera que é financeira e que se não pôde votar por lealdade politica!
Eu entendo que se pôde até certo ponto votar por lealdade politica uma vez que se não esteja convencido da ruindade do contrato, e permitta-se-me que faça algumas considerações olhando a questão pelo lado politico. O primeiro acto d'este governo, depois de subir ao poder, foi dizer que = para o paiz prosperar, para se tratar da reforma das finanças, e para se governar de um modo util e vantajoso, era necessario arredar certos encargos durante quatro annos, ficando assim o governo nos primeiros tempos mais á sua vontade. E com que direito aquelles que o apoiam, em nome de cujas idéas os ministros governam, e com cuja confiança elles se sentam nas cadeiras da governação, lhes hão de dizer: «Não vos damos o que pedis; quereis tempo para governar, quereis tempo para fazer reformas, mas nós não vo-lo concedemos e vós haveis de ficar com a obrigação de governar bem, e sem os meios de realisar o vosso e nosso pensamento.» Confesso que não tem direito quem apoia o governo, de lhe responder por tal fórma; salvo se a cousa que se pede repugna á consciencia d'aquelles que tem de a conceder, mas então a consequencia é separar-se do governo e ir para a opposição (apoiados). É o que eu faria se não podesse votar o contrato.
Mas digo mais: se no contrato houvesse alguns pequenos defeitos, e se eu achasse que os resultados que hão de vir da construcção do caminho compensariam esses pequenos inconvenientes, eu tambem o votava, porque acima de tudo está realisar as idéas em nome das quaes os ministros se sentam n'aquelles logares. Acima de pequenos defeitos que se encontram em tudo está a idéa da civilisação e do progresso, que nós desejâmos ver realisada, e senão não. É senão, não, quer dizer que se os ministros não tomarem a peito certas reformas por elles indicadas, e que nós indicaríamos se elles não as indicassem, nós teriamos bastante independencia para lhe negar o nosso apoio (apoiados). Não é a primeira vez que cavalheiros que têem assento n'esta casa retiram o seu apoio a ministerios com quem estiveram intimamente ligados. Não os censuro por obedecerem á voz da consciencia. Quem faz assim procede muito bem
Não quero deixar passar em claro uma cousa que o meu illustre collega e amigo, o sr. Carlos Bento, disse a respeito da falta de estatisticas a que já me referi.
O que se tem visto n'esta discussão, com toda a franqueza, é que o governo e opposição não possuem os elementos necessarios para appreciar com toda a exactidão este objecto. Não se pôde fazer contrato mau, quando se procuram e se encontram as bases, pelas quaes se deve conhecer a vantagem ou os inconvenientes d'elle. Por isso entendo que a estatistica é cousa indispensavel, sendo rigorosamente feita, e repito, que as sommas que se gastarem n'ella as tenho por gastas productivamente.
A estatistica, sr. presidente, é em negocios d'estes a luz que allumia os governos (apoia tos). Com ella, sr. presidente, seriam mais certos os nossos calculos que devem abranger o espaço de cincoenta annos.
Ora, em toda esta discussão a cousa que mais tem occultado aos impugnadores do projecto a luz da verdade, que sem duvida procuravam, é esquecerem que os calculos que devemos fazer são de cincoenta annos. Toda a gente faz calculos, mas de maneira que o caminho há de produzir logo no primeiro anno lucros. Não pôde ser. E preciso ver que temos cincoenta annos adiante de nós. O calculo ha de estender-se por todo esse tempo, e cincoenta annos é um espaço immenso, cujos resultados podem ser ou enormementes prejudiciaes ou enormemente uteis; mas que em todo o caso é preciso calcular nessa hypothese, visto que todas as circumstancias que constituem elementos para desenvolver a riqueza publica levam muito tempo a produzir resultados efficazes e visíveis.
Ora, nós temos um exemplo bem moderno. Sabemos que durante muitos annos, depois da publicação das leis da dictadura de 1834, que são a fonte da prosperidade actual e a base da nossa reconstrucção social, a prosperidade não se manifestou desde logo; hoje é que vae apparecendo o resultado dos decretos do imperador; é hoje que elles vão produzindo os seus beneficos effeitos.
E evidente que o mesmo ha de acontecer com os caminhos de ferro. O contrato abrange cincoenta annos, é preciso portanto alongar o calculo a todo esse tempo. Este calculo de probabilidades tanto pôde ser desfavoravel para um lado como para outro. Por conseguinte prefiro os calculos do governo aos dos illustres deputados impugnadores do projecto, porque n'aquelles a base é certa, isto é, a prosperidade infallivel das nações que desenvolvem por meio dos caminhos de ferro a sua riqueza natural.
E toda esta confiança que eu tenho nos caminhos de ferro, para realisar os quaes o governo celebrou este contrato, não proveiu unicamente das rasões que já expuz á camara. Foi-me inspirada tambem pelo auctor que o meu antigo amigo, o sr. Carlos Bento, citou em sentido opposto. Adquiri-a lendo Perdonnet. Já disse o sr. ministro da fazenda que = tambem tinha um Perdonnet que lhe era favoravel =, eu tenho um outro, de modo que são já tres Perdonnets. Agora é que podemos chamar-lhe o nosso Perdonnet.
Effectivamente o sr. Carlos Bento expoz que Perdonnet dizia: «Nos paizes pouco adiantados, onde o commercio está por desenvolver, valem mais as estradas ordinarias do que os caminhos de ferro». E Perdonnet diz mais alguma cousa; eu vou ler á camara:,
«Nos paizes pobres onde ha pouco trafico commercial e onde o solo é muito accidentado, é melhor transportar sobre um cavallo ou multa por veredas mal abertas do que abrir estradas e muito menos caminhos de ferro.
«Assim a vantagem do caminho de ferro sobre a estrada ordinaria não é consideravel senão quando o declive é pequeno e as curvas pouco pronunciadas, e por isso as despezas moderadas.
«Se pois o caminho de ferro não tivesse outras vantagens senão vencer com maior facilidade as resistencias de tracção, nas planícies, pouco uso teria, mas só elle possue o privilegio de aproveitar a locomoção a vapor, e n'isso consiste a sua grande superioridade.
«No principio entendeu-se que os caminhos de ferro serviriam unicamente para transportar mercadorias onde era impossivel a abertura de canaes. Depois reconheceu-se que eram o modo mais vantajoso para as viagens de grande celeridade, mas duvidou-se que servisse para transporte economico de mercadorias de pouco valor em concorrencia com as vias navegaveis. A experiencia provou o contrario, e que podem transportar a preço igual ou inferior ao da navegação. Os canaes ainda lutam, porque os seus proprietarios se contentam de rendimento pequeno, mas não se fazem de novo. Em Inglaterra não ha capital que procure tal emprego.»
Esta é a opinião de Perdonnet.
Sr. presidente, antes de concluir queria tocar um ponto, do discurso do sr. Silveira da Motta, o qual me teria obrigado a meditar se não fosse a pequena circumstancia que vou referir.
O sr. Silveira da Mota queria que o governo garantisse á companhia a differença entre os 3:600$000 réis e o que o governo calcula que o caminho ha de render. De maneira que o illustre deputado não acha exagerada a quantia de 3:600$000 réis por kilometro, mas tem receio que o caminho de ferro não renda o que o governo calcula, e queria que não pagassemos senão a differença. Acho que queria muitissimo bem, e tambem eu queria e queriamos nós todos; mas a questão é se o governo acharia com quem contratar sob essa condição.
Se eu compro uma casa por 25:000$000 réis, está claro que melhor faria se a comprasse por 20:000$000 réis, e melhor ainda se a comprasse por 15:000$000 réis. Se o governo encontrasse uma companhia que quizesse aceitar essa condição, era muito bom; mas não havia companhia que a I quizesse aceitar, nem que a podesse aceitar... O sr. Barão de Magalhães: — Não é regra.
O Orador: — Que dissesse isso outra pessoa, muito bem; mas o sr. barão de Magalhães que está acostumado a manusear capitães, não sabe que elles procuram sempre um emprego lucrativo e até muitas vezes lucros de usura? Quer a camara saber um facto que aconteceu ha pouco? O caminho de ferro de Andaluzia perdeu com as ultimas I tempestades cinco milhões de francos; perguntasse aos accionistas quanto valera hoje as acções desse caminho de ferro? Como o dinheiro tem muitos outros empregos, esquiva se a industrias arriscadas. E a prova está em que os caminhos de ferro italianos que têem todas as vantagens que aqui se mencionaram na discussão, custa-lhes a achar capitães.
O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado. _
.0 Orador: — Cito outro facto. Dizem-me que a companhia dos caminhos de ferro da margem esquerda do Tejo perdêra agora com o temporal perto de 100:000$000 réis nos trabalhos para lá de Beja. Não sei se é verdade, mas é possivel, e em todo o caso o capital empregado n'essas emprezas está sujeito a eventualidades que não ameaçam outros negocios, e por isso os capitalistas são timidos a respeito dos caminhos de ferro (apoiados).
O illustre deputado o sr. Carlos Bento disse que os caminhos de ferro rendiam uns 3, outros 6 por cento e que ha um em Inglaterra que teve a temeridade de render 9!
Áparte de um sr. deputado: — As inscripções rendem 3 por cento.
O Orador: — Isso é verdade; mas as inscripções não estão sujeitas senão á eventualidade da ruina do paiz, e os caminhos de ferro estão sujeito) a muitos inconvenientes; como indiquei ha pouco.
O sr. Carlos Bento, dizia eu antes d'esta interrupção, referindo-se ao rendimento dos caminhos de ferro, notou que houve um caminho de ferro em Inglaterra que teve a temeridade de render 9 por cento! Ora eu não acho o caso muito temerario!
Em França e mesmo em Inglaterra ha caminhos de ferro muito mais atrevidos. O caminho de ferro do Norte em França, que foi subsidiado pelo estado, em 1850 rendeu 6 por cento, em 1851 9 por cento, em 1852 10 por cento, em 1853 11 por cento, em 1854 12 por cento, em 1855 15 por cento, em 1856 14 por cento, e em 1857 15 por cento; termo medio 12 1/2 por cento approximadamente. A camara pôde notar a progressão. O caminho de ferro de Orleans rendeu approximadamente 16 por cento. Estes é que são verdadeiramente temerários. E mesmo em Inglaterra os caminhos de ferro de Grand Junction, de Liverpool a Manchester, e de Londres a Birmingham renderam approximadamente termo medio de 12 a 14 por cento.
Estes, sr. presidente, foram de espantosa temeridade!
É muito difficil comparar estes negocios de caminhos de ferro, porque é preciso estar ao facto de todas as circumstancias, de modo que as entidades que se comparam sejam do mesmo genero. Mesmo quando se compara uma rede com outra rede, ou uma linha com outra linha, embora sejam da mesma extensão em kilometros, podem não estar nos mesmos casos com relação ás estradas que alimentam essas linhas que se querem comparar ou a quaesquer outras circumstancias. A comparação difficilmente será exacta,
Eu já disse e repito, que me parece, que se nós não votarmos este contrato, não se faz nunca o caminho de ferro dó sul ou se ha de fazer por conta do estado o que é pessimo, porque todos sabem os resultados infalliveis. Depois d'esta discussão só poderia fazer-se por conta do estado. Ninguem tomaria conta de uma empreza tão amesquinhada. Nós proprios creámos este perigo. Se eu estivesse persuadido de que o contrato era ruinoso e de que não o podia appro-
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var, votaria contra mas não diria cousa alguma pára não desacreditar uma linha ferrea, instrumento de civilisação que não devemos quebrar, e elemento de prosperidade publica que rios cumpre manter. E d'aqui vem a necessidade de auxiliar as emprezas.
Auxiliar as emprezas, sr. presidente, é auxiliar á prosperidade do paiz. As emprezas são similhantes á machina que para andar precisa que lhe deitem carvão; quando o carvão lhe falta, dá lh'o a nação para cuja utilidade a machina está trabalhando.
Eu sou homem mais apaixonado dá iniciativa particular, e o mais rebelde ao auxilio do governo mas isto e pára mim. Ha tres annos que criei n'esta cidade uma empreza, cujo movimento e de 40:000$000 ou 50:000$000 réis annualmente, e nunca me passou pela idéa ser auxiliado pelo governo; nem admittia similhante auxilio, porque não creio senão na iniciativa particular.
Mas n'este paiz, onde, tal iniciativa é debil, onde apenas começa a apparecer agora n'um ou Outro individuo, é impossivel que em certos casos o com certas emprezas como são estas, se possa dispensar o auxilio do governo, mesmo porque em outros paizes, que estão em circumstancias mais adiantadas do que nós e onde é mais poderosa a iniciativa particular, concedem de bom grado os governos essa coadjuvação.
Se eu entendesse, que o governo não devia auxiliar as companhias, talvez mudasse de opinião, attendendo a que pessoas, que eu muito respeito, eram de opinião contraria, e sobretudo a um nome respeitabilissimo, que n'esta Casa é citado com tal frequencia, que a alguns poderá parecer profanação. E o II me de José Estevão.
Não acho profanação em que esse nome seja citado a cada instante. E naturalíssimo, porque a sombra do illustre ora dôr parece, que anda agora pelo meio de nós a inspirar-nos as suas idéas de civilisação e de progresso; e sobretudo a lembrar-nos as suas doutrinas, a constante valentia com que elle pugnava Sempre por tudo quanto era adiantamento do paiz, e a confiança illimitada que tinha no futuro de Portugal (apoiados).
Dizia elle n'um relatorio apresentado em 1860 o seguinte:
«O interesse dos governos é auxiliar as emprezas e nunca arruina-las. No nosso paiz é de maior equidade e justiça, por isso que o caminho atravessa territorio pouco desenvolvido por falta de communicações».
Não é territorio pobre nem sáfaro, é territorio pouco desenvolvido por falta de communicações; exactamente aquillo que este contrato lhe vae dar. Esta era a opinião do sr. José Estevão e do sr. Lobo d'Avila, que tambem está assignado. O illustre cavalheiro que vejo sentado perto de mim, o sr. Palma, igualmente assignou este relatorio.
Agora, sr. presidente, vamos á autonomia. Eu estimo muito a autonomia do paiz; tenho escripto e feito a favor d'ella e hei de continuar a fazer o a escrever tudo quanto um portuguez pôde e deve fazer para que se conserve..
Mas a autonomia do paiz não periga pela votação d'este contrato, periga sim, se não fizermos caminhos de ferro. A autonomia da nação portugueza depende unicamente da posição que ella saiba tomar, depende do seu juizo, depende da sua civilisação, depende do seu progresso. E eu vou citaria camara um exemplo.
Quando se tratou da unidade da Italia, disse a Europa toda: «Une-se Modena e Napoles, pois deixa-los unir, porque de Modena e Napoles não vem senão exemplos de mau governo.» Mas quando se disse: «Une-se a Toscana.» Replicou a Europa: «Vejamos.» E hesitou muito tempo antes de deixar unir o paiz mais civilisado da Italia e que mais concorrera para a civilisação de todo o mundo, a uma nação que não tinha tradicções tão progressistas como a Toscana, comquanto as tenha muito heroicas e muito nobres.
De que vive 5 Belgica e os paizes pequenos? Vivem do seu bom procedimento, vivem ido juizo dos governos e do juizo dos governados. A nossa autonomia está pois no dever que temos de desenvolver a riqueza publica. Está no juizo dos portuguezes (repetidos apoiados).
Nós dizemos que não ha exercito. E como o pôde haver, se não temos os meios necessarios para o sustentar? Dizemos que não ha colonias, e é verdade, porque as colonias são um encargo em vez de serem uma utilidade. Quando digo isto, não quero pedir que se abandonem, mas que se faça o que se fez na Hollanda. Na Hollanda discutiu-se muito sobre se deviam ou não abandonar Batavia, e concluiu-se que não se abandonasse, mas que se gastasse o decuplo do que se costumava gastar com aquella colonia. Gastou-se, e a Hollanda já tem um excedente de receita que vem das colonias, e com o qual ella amortisa a sua divida.
Peço licença ao sr. Carlos Bento para lhe dizer que a Hollanda amortisa d'este modo, que se emendou d'esse defeito a França, e que a Inglaterra amortisa com o excedente da receita annual, procurando no anno seguinte não ter que amortisar porque diminue os impostos.
Hoje já ninguem amortisa senão com o excedente da receita.
O sr. Caídos Bento: — Ainda amortisa a Belgica.
O Orador: — A Belgica amortisa!... Pois se a hora não estivesse tão adiantada podia dizer ao meu esclarecido amigo a vantagem que a Belgica tira de amortisar.
Portanto, se queremos conservar a nossa autonomia, se queremos viver como nação e vencer o obstaculo que parece oppor-nos a extensão do nosso territorio, é preciso que o mereçamos, tratando de desenvolver todos os elementos da nossa prosperidade.
E este esforço que o governo está fazendo, procurando construir caminhos de ferro em toda a parte para o desenvolvimento da riqueza publica, é uma experiencia de que sairemos triumphantes, podendo dizer á Europa: — Nós não perturbámos a vossa vida, não somos origem de guerras nem de calamidades nas differentes nações, temos direito de viver independentes porquê nós sabemos administrar (apoiados), e porque somos citados como exemplo de juizo(porque á questão de autonomia está no juizo de todos como já disse) (apoiados).
Sr. presidente, não quero abusar da bondade dós que me escutam com tamanha bondade. A questão estava esgotada. Eu agradeço á camara a benevolencia com que me animou
Vozes: — Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados e pelos srs. ministros.) Leu se na mesa a seguinte
PROPOSTA
Proponho que no projecto de lei em discussão, se designem os artigos dos anteriores contratos, que são alterados, modificados, declarados ou substituidos por outros no contrato de 14 de outubro. —-Antonio Augusta Teixeira de Vasconcellos.
O sr. Affonso de Castro: — Mando para a mesa um parecer da commissão diplomatica sobre uma proposta do governo.
O sr. Ministro da Marinha (Visconde da Praia Grande).'-—Mando para a mesa uma proposta para que a camara permitta que o sr. deputado José Maria Lobo d'Avila possa accumular, querendo, as funcções de deputado com as que exerce no ministerio da marinha.
O sr. Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Peço a v. ex.ª é á camara permissão para que o sr. deputado Gonçalves de Freitas possa accumular, querendo, as funcções que exerce no ministerio da fazenda com as funcções de deputado.
Ambas estas propostas foram approvadas.
O sr. Faria Guimarães: — Quando pedi a palavra sobre a materia, tencionava mandar para a mesa uma proposta; mas depois pedi-a sobre a ordem, e não o fiz como estrategia parlamentar para que me chegasse a palavra.
Começarei por ler a minha proposta (leu).
Já sé vê que não combato o contrato de 14 de outubro por espirito de partido, por querer fazer opposição ao governo.
O contrato de 14 de outubro, por mais que se diga, não é senão, como disse o sr. Mártens Ferrão, um operação financeira (apoiados); operação que tem por fim habilitar o governo com os meios necessarios para poder occorrer ás despezas publicas.
Se pela substituição, que tenho a honra de mandar para a mesa, se consegue este desejo do governo, a que fica reduzido o contrato de 14 de outubro? Na minha humilde opinião fica reduzido a um favor, um interesse á companhia, interesse que tambem me não era indifferente, se se me demonstrasse que o caminho de ferro não se fazia senão em virtude d'este contrato; mas com outras condições mais rasoaveis.
Tambem não combato o contrato de 14 de outubro por se. inimigo dos caminhos de ferro, sou amigo d'elles, nem essa questão devia ser tratada agora. Na minha opinião não se devia tratar dos caminhos de ferro do sul e sueste, porque já se acham contratados. Votei por elles, e votei pelos caminhos de ferro do norte e leste como foram contratados, em praça; o que não votei foi a novação que se fez depois no gabinete do ministro; votei quando se tratou em Concorrência publica. Votei o caminho de ferro das Vendas Novas a Evora e Beja, votei o anno passado o caminho de ferro de Evora ao Crato, de Evora á fronteira, e de Evora ao Algarve; e note-se bem ao Algarve sem ponto determinado.
Quando se votou o caminho de ferro ao Algarve disse aqui um ministro da corôa que seriam uns 200 kilometros de caminho de ferro, e a final appareceram 321 kilometros.
O sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa disse na sessão de 6 de maio do anno passado, que estes 200 kilometros de caminho de ferro correspondiam exactamente a 200 kilometros de estradas ordinarias que teriamos de fazer, se não se fizesse o caminho de ferro. Esses 200 kilometros importavam em 800:000$000 réis. Entretanto que essas estradas trazem um encargo annual de 12:000$000 réis por despeza de conservação, o caminho de ferro, alem de outras vantagens, traz uma receita proximamente de réis 20:000$000.
O sr. João Chrysostomo calculava portanto como o sr. Fontes em 20:000$000 réis o rendimento kilometrico do caminho; porque suppunha o rendimento total dos 200 kilometros igual a 400:000$000 réis, que é o que a 5 por cento de imposto de transito daria os 20:000$000 réis.
É verdade que o sr. João Chrysostomo não tratava de estabelecer a media de cincoenta anãos; a media que s. ex.ª calculava era de noventa e nove annos. Ponho tambem de parte isto.
Não combato o contrato de 14 de outubro por se ter mudado do systema de subvenção para o de garantia de rendimento; não creio que este systema seja rejeitavel ou aceitavel em todas as condições, mas que pôde ser igualmente vantajoso; posto que em certos casos pôde convir a garantia do producto bruto, e em outros o systema de subvenção.
Não sou competente para tratar d'esta questão na parte technica, mas parece-me que o systema de garantia do rendimento tem seus inconvenientes, tem inconvenientes, porque, como não é provavel, pelo menos segundo o meu modo de pensar, que o rendimento real exceda o rendimento garantido, ao menos durante muitos annos, não ha para a companhia o estimulo de melhorar a exploração de modo que augmente o rendimento. Não ha, como disse o sr. Carlos Bento, aquelle genio inventivo da companhia para estabelecer meios de augmentar a receita; e pelo contrario a companhia lucra tanto mais quanto menos gastar na exploração. Embora a exploração seja má, o que importa á companhia é que seja barata.
Parece-me que o systema da garantia não é aceitavel, pelo minimo em que foi estipulada que me parece excessivo.
O sr. Carlos Bento já declarou que ã apresentação da proposta do contrato não foi cousa nova porque foi feita ao gabinete que os actuaes srs. ministros vieram Substituir, mas então o sr. Carlos Bento estabeleceu como condição para entrar em combinação com a companhia a garantia de 2:000$000 réis que elle calculava que não prejudicaria o estado, como tambem já tinha calculado o sr. João Chrysostomo, embora com outra media.
Portanto é claro que eu não venho reprovai o contrato de 14 de outubro por fazer opposição ao governo.
Lisonjeio-me muito de, ver o ministerio organisado como está, fazendo d'elle parto tres, cavalheiros quasi meus patricios, porque me parece que tres dos seus membros são naturaes do Porto; e alem d'isso rasões de deferência e mesmo de amisade para com alguns dos srs. ministros me levam a não lhes fazer opposição nem pessoal nem politica.
Tambem não combato o contrato, como já disse, por causa da mudança de systema; combato-o porque me parece nocivo:
Não encaro esta questão, como já disse, -pelo lado technico, porque se á encarasse por esse lado; ainda que visse que trazia a exigência de algum sacrificio para o paiz, estava muito resolvido a fazer esse sacrifício, >e >por uma rasão muito diversa d'aquella que, tenho ouvido apresentar a alguns illustres deputados.
Mesmo porque o caminho de ferro atravessa um paiz pouco povoado, pouco cultivado e pouco explorado, é que eu o votaria para que esse paiz fossa povoado, cultivado e explorado. N'esta parte não concordo exactamente com a opinião de alguns illustres deputados. Os caminhos de ferro, no meu modo de entender, não são só para onde ha povoado, são para onde o pôde haver em boas Circumstancias.
O illustre orador que me precedeu causou-me admiração, porque deu como decidido que, se não se approvasse o contrato de 14 de outubro, nós não tinhamos caminho de ferro. Não o posso acreditar, apesar do muito respeito que me merece, porque o governo, sendo convidado pelo sr. Carlos Bento a dizer-nos alguma, cousa a esse respeito, nem por isso formulou a resposta de modo que podessemos chegar a essa convicção, quando mesmo mostrasse que esta companhia não faria aquelle caminho, era necessario saber se se podia contratar com ella ou com outra qualquer empreza em melhores condições.
Em abono da minha opinião, de que nem sempre se deve rejeitar a garantia do rendimento, vem um documento que nos apresentou o nobre ministro da fazenda: é a consulta do conselho das obras publicas sobre a construcção do caminho de ferro do Porto a Braga. Diz o conselho das obras publicas, que, na sua opinião, se podia contratar o caminho de ferro do Porto a Braga, com a garantia de 3:500$000 réis de producto bruto kilometrico: muito bem; estou de accordo com os homens competentes. Se o governo achar quem queira fazer o caminho de ferro do Porto a Braga com a garantia de 3:500$000 réis de producto bruto kilometrico, não tenho duvida em votar esse contrato; porque, de duas uma, ou não ha n'este paiz caminho de ferro nenhum que possa produzir aquella quantia, ou se o ha é seguramente o do Porto a Braga (apoiados). Para que aquelle caminho produza, não é necessario esperar que os terrenos se povoem, se cultivem e explorem; já estão povoados, explorados e cultivados; têem uma população que, alem de ser muita, desloca-se constantemente.
Não está demonstrado que o contrato de 14 de outubro ultimo seja indispensavel, para que se faça o caminho de ferro do sul; vejamos agora quaes os sacrificios que d'esse contrato resultam. Para isto é necessario avaliar os encargos do contrato de 23 de maio do anno passado, e avaliar depois os encargos resultantes do contrato que se discute, e compara-los. Para os comparar é necessario fazer a conta aos encargos do contrato de 23 de maio do anno passado, com relação á epocha de cincoenta e quatro annos, isto é, quatro annos que leva a realisar-se o pagamento até 1870, e os cincoenta annos, que é onde se começa tambem a contar pelo contrato que se discute.
Encargos do contrato de 23 de maio de 1861
Subvenção de 18:000$000 réis por kilometro, que por 321,5 kilometros, que medem os caminhos em construcção importa réis............... 5.787:900$000
Abatendo pelo importe do caminho vendido.................... 1.008:000$000
Fica a subvenção a pagar em dinheiro, reduzida a......... 4.779:000$000
E como esta quantia terá de ser paga em quatro annuidades, ficará sendo cada uma dellas de réis................ 1.194:750$000
Estas annuidades com seu juro composto elevar-se-hão á taxa de 7 por cento, no fim dos quatro annos á quantia de réis 5.304:621$900
Esta quantia com seu juro composto á mesma taxa importará no fim dos cincoenta annos em réis.............. 156.258:379$000
A esta somma se elevam todos os encargos do contrato de 23 de maio no fim do praso marcado para a duração da garantia.
Agora vamos aos encargos do contrato de 14 de outubro, e depois compararemos encargo com encargo.
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Suppondo que o caminho de ferro renderá 2:000$000 réis de producto bruto por kilometro, e já se vê que não fato de amesquinhar os calculos do governo, temos o seguinte:
Calculo baseado no rendimento de 2:000$000 por kilometro
Se o rendimento kilometrico for de réis
2:000$000, terá o governo, a pagar annualmente 823:200$000, réis, e, esta
quantia, com juro composto, eleva-se
no fim de cincoenta annos a... 358.080:437$000 Abatendo lhe a vantagem que resulta da quantia de 2.978:688$000 réis a receber agora, e que em cincoenta e quatro annos faz, com juro composto... 115.013:550$000
Ficará sendo o encargo, feita a compensação..................243.066:887$000
Comparado com o de 23 de maio, que é de.................. 156.258:379$000
Fica sendo a differença contra o de 14 de outubro........... 86.808:508$000
Isto horrorisa.
O governo diz n'uma parte do seu relatorio: «Se o caminho de ferro produzir 1:9500615 réis por kilometro, media durante os cincoenta annos, não terá o novo contrato sido gravoso para o estado.» N'outra parte diz: «Não é preciso que o caminho de ferro do sueste renda 3:600$000 réis por kilometro, mas apenas metade proximamente d'esta quantia para que a nova operação, sem augmentar os encargos do thesouro, produza as outras vantagens que d'elle se derivam».
Portanto já se vê que o governo se contenta com um rendimento inferior mesmo á quantia de 2:000$000 réis por kilometro para igualdade dos contratos.
Mas suppondo mesmo que o rendimento do producto bruto kilometrico será de 2:000$000 réis, ainda assim terá o governo de pagar annualmente a quantia de 823:200$000 réis. Creio que o governo não duvidará d'isto.
Esta quantia com os juros compostos dar no fim dos cincoenta annos a differença de 86.808:508$000 réis, como fica demonstrado, e o governo não acha differença alguma!
Esta differença provém do governo não ter tomado em linha de conta a circumstancia dos juros compostos. O governo tem de pagar, pelos seus proprios calculos á companhia durante os cincoenta annos 823:200$000 réis por anno, isto é, no primeiro anno paga 823:200$000 réis, e tem de pagar os juros d'elles que são 57:624$000 réis e no segundo outros 823:200$000 réis com juros de 1.046:400$000 réis e dos 57:624$000 réis dos juros do anno anterior, e assim terá de ir augmentando de anno para anno.
Aqui tenho, e mandarei para a mesa, para ser publicado e examinado por quem quizer, esse trabalho feito pratica e claramente, de modo que todos comprehendam sem trabalho, de modo que fique ao alcance do publico, porque nós não fallamos só para a camara, fallamos para o paiz, que é quem tem de pagar.
Vejamos quanto o governo paga de juro em cada anno do contrato desde o primeiro até ao ultimo (leu o mappa ou cálculo n.° 1, que vae publicado.)
Dir-me ha o governo: «Mas eu não formo tenção de recorrer a emprestimos para pagar os encargos e equilibrar a receita com a despeza, hei de faze-lo ou por meio do no, vos impostos ou pelo augmento dos actuaes; as cousas não podem continuar assim, é preciso igualar a receita com a despeza. Muito bem; mas em todo o caso vae buscar os meios ao contribuinte, porque o juro composto que o governo não paga vem a paga-lo o contribuinte.
É preciso desenganaram nos, os capitães como muito bem disse o sr. Fontes, não têem nacionalidade, e não têem sobretudo politica, e só são improductivos quando estão aferrolhados e não são representados por valores correspondentes, que girem no commercio. Logo que o capital sáe da mão do contribuinte para directamente ou indirectamente pagar o encargo, torna-se-lhe improductivo; mas desde o momento em que elle der uma quantia o receber o juro d'ella, tem já um novo capital, porque o juro é effectivamente um novo capital.
Tambem se apresentou por parte do sr. ministro da fazenda um calculo de medias de rendimentos. Vejamos quaes serão os encargos de dez em dez annos até aos cincoenta annos (leu o final do mappa n.° 1 em que se acham as medias do encargo por decennios.)
Em vista d'estes calculos feitos com exactidão, por mais amor que se tenha pelos ministros, não se póde votar com elles, porque em primeiro logar está o amor pelo bem do paiz (apoiados).
Mas como saír o governo das difficuldades em que se vê? Pelo projecto que apresento, o governo habilita se para occorrer ás necessidades do thesouro e para pagar os encargos do caminho contratado. Vae é verdade contrahir um emprestimo importante que lhe dá mesmo mais dinheiro; mas ainda assim com menor encargo annual, e que durará menos de metade do tempo do que ha de durar o do contrato de 14 de outubro.
E sabido que um capital qualquer levantado por emprestimo com obrigação de pagar 10 por cento d'elle cada anno para juro e amortisação, se a taxa do juro for do 7 por cento amortisa em dezoito annos, tendo pago 178 por cento, e se for de 8 por cento amortisa em 21 annos, tendo pago 209 16/100 por cento.
Mando para a mesa para ser publicada a tabella praticamente feita que o demonstra (tem o titulo de mappa n.° 2).
Ora se o governo tem de pagar á companhia 823:200$000 réis, por espaço de cincoenta annos, levantando o emprestimo que proponho, paga apenas a quantia de 800:000$000 réis; tem mais dinheiro, fica habilitado para pagar á companhia do caminho de ferro de sul e sueste os encargos contrahidos pelo contrato de 23 de maio de 1864, fica com tres mil e tantos contos para satisfazer aos encargos do thesouro, o paga sómente 800:000$000 réis pelo espaço de dezoito ou quando muito vinte e um annos.
N'estes termos quem dirá, que se, não, deve aceitar de preferencia este meio, que apresento na, minha proposta? Paga-se menos do que aquillo que pela novação do contrato se vae pagar á companhia, e paga se por menor preço e em menos de metade do praso marcado no projecto do governo..4,
Ora diz-se, mas esses emprestimos com juro e amortisação são inaceitaveis, principalmente em nações que têem de recorrer ao credito. Mas isto é segundo a theoria que seguiu o sr. Casal Ribeiro, cujos conhecimentos era quasi to das as especialidades são por todos nós reconhecidos. E uma the ria a que o sr. Fontes se associou era 1860, mas não seguia anteriormente, nem seguiram posteriormente os seus successores.
Em 1852 o sr. Fontes, como ministro da fazenda, foi á cidade do Porto a fim de obter meios para a construcção de estradas; varios capitalistas offereceram a s. ex.ª um emprestimo, e s. ex.ª fez um emprestimo na importancia de 500:000$000 réis fortes a juro de 7 por cento, 1/2 por cento de commissão e 5 por cento de amortização.
S. ex.ª fez um emprestimo com encargos de juro e amortisação. S. ex.ª aceitou é fez bem, esse contrato com a companhia utilidade publica, o eu concorri para a sua realisação, pouco fiz, mas fiz alguma cousa para se levar ao cabo essa operação. (O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.)
Tenho a consciencia que prestei um bom serviço a s. ex.ª e ao meu paiz (apoiados).
Com as condições d'este contrato fez o sr Fontes depois outro com o banco de Portugal, creio que de 600:000$000 réis, e tambem havia o contrato Chabrol com juro e amortisação.
O sr. Casal Ribeiro, sendo ministro da fazenda era 1860, pronunciou-se contra este systema de emprestimos de juro e amortisação, que sendo todavia bons, o não eram, dizia s. ex.ª, para uma nação que precisava de recorrer ao credito; e eu creio que estes contratos tambem têem elementos de credito, mesmo preferíveis aos titulos de renda.
O sr. Casal Ribeiro condemnou portanto a adopção d'este systema pelo estado em que se achavam as nossas finanças; roas depois sendo ministro da fazenda o sr. conde d'Avila, que não partilhava aquellas idéas, em breve contrahiu um emprestimo com a companhia utilidade publica, de réis 1.500:000$000 com encargos de juro e commissão inferiores a 7 por cento e amortisação de 3 por cento. Era o juro de 6 e meio por cento e 1/3 de commissão.
O sr. conde d'Avila aceitou esse emprestimo; realisou o contrato e veiu dizer ás côrtes que tinha feito um bom contrato, e fez, porque tinha contratado 1.500:000$000 réis para estradas o caminhos de ferro com encargos inferiores a 7 por cento.
Esta mesma companhia mais tarde offereceu ao governo mais 300:000$000 réis, e o governo, sendo então ministro da fazenda o sr. Lobo d'Avila, declarou que o governo não tinha precisão d'essa somma, e apenas aceitou a de réis 100:000$000 com as mesmas condições.
Trouxe isto para provar que no paiz não ha falta de capitães.
Ora, o sr. Lobo d'Avila declarou então, que tendo de receber d'esta companhia 200:000$000 réis de inscripções pela amortisação da operação realisada não os recebia, e deixava-os ficar como penhor do emprestimo dos 100:000$000 réis. É preciso advertir que a companhia recebeu as inscripções a 50 por cento.
Portanto parece-me que tenho demonstrado a conveniencia do governo recorrer antes a operações d'esta ordem do que a outras quaesquer.
Mas haverá probabilidade de se realisar um emprestimo nas condições que proponho? Haveria probabilidade de fazer o emprestimo? Estou persuadido de que annunciado o emprestimo não hão de faltar concorrentes.
Nós temos em Lisboa e Porto dez bancos, e em Braga um, o banco do Minho, e se as direcções d'estes bancos comprehenderem bem os seus interesses e o seu dever, combinam-se e fazem uma proposta para este emprestimo. Eu associava-me a esta idéa, e concorria para o emprestimo até onde me permittissem os meus recursos financeiros.
Mas supponhamos que os bancos não podiam tomar esse emprestimo. Haveria receio de que não houvesse alguem dentro do paiz onde o juro é de 3 por cento que não quizesse entrar n'este emprestimo, sendo garantido o juro de 8 por cento? Não me parece.
Poder-se ha dizer que o estado monetario da Europa podia trazer grandes embaraços á realisação d'este emprestimo; direi que a crise monetaria que se tem sentido não era de crer que embaraçasse esta operação, e o que se vê é que esse estado tem melhorado, e essa crise já não está longe do seu termo, porque o banco de França já reduziu o juro a 4 por cento, o banco de Inglaterra a 6 por cento, e com probabilidade de baixar a 5 por cento. O cambio do Brazil que chegou a 23 está hoje a 28; pelo ultimo saque que foi feito pelo governo brazileiro, já se fez o cambio a 28. O cambio subiu de 23 para 28, e desde que o cambio chega a esta altura no Brazil ha facilidade o conveniencia de effectuar remessas.
Por consequencia não havendo receio de que este emprestimo se possa fazer, e talvez em condições mais vantajosas de que 8 por cento, parece-me que o systema que proponho deve ser preferido aquelle que faz o objecto do contrato. Por este meio os encargos d'este emprestimo são menores, menos de metade do que aquelles que o proprio governo calculou terá de pagar, e duram tambem menos de metade do tempo.
Parece-me portanto que não pôde deixar de ser adoptada a minha substituição, e rejeitado o contrato de 14 de outubro.
Pelas rasões que se têem apresentado, não pôde deixar de se admittir a minha proposta: agora se ha outras, diga-as o governo.
Eu não quero tomar mais tempo á camara; mas direi só uma cousa.
No juro composto dos encargos do contrato de 23 de maio de 1864, contei os juros pagos nos fins dos annos até 1869, porque entendo que os pagamentos se não realisarão antes pelo estado em que vão as obras; mas ainda calculando os juros desde o principio, ficaria a differença entre elle e o de 14 de outubro era 75.870:5630000 réis, que é quanto o de 14 de outubro, que se está discutindo, custaria mais ao paiz, como se vê do respectivo calculo.
Mando tambem para a mesa, a fim de ser publicado, este pequeno mappa n.° 3.
E tenho concluido.
Talvez me resolva a mandar para a mesa estes calculos porque estas cousas não se acreditam, senão vendo... Uma voz: — Nem assim.
O Orador: — E talvez que nem assim (riso).
Não fiz um discurso, dei satisfação aos deveres da minha consciencia, declarando a minha opinião com muita franqueza, e mostrando quaes os meios com que o governo possa satisfazer aos encargos provenientes d'este contrato. Tenho dito (apoiados— Vozes: — Muito bem).
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)
Documentos a que se refere o discurso do sr. deputado Faria Guimarães:
MAPPA N.° 1
Tabella demonstrativa de quanto o paiz terá a pagar em 50 annos pelo contrato de 14 de outubro, se o caminho render 2:000$000, réis por kilometro
[Ver diário original]
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[Ver diário original]
MAPPA N.° 3
Calculo dos encargos do caminho de ferro de sueste, com juro composto de 7 por cento até ao fim de 1869, segundo o contrato de 23 de maio de 1864
[Ver diário original]
No primeiro caso o encargo no fim dos cincoenta
annos de garantia será como fica calculado de.. 156.258:379$000 No segundo caso será na mesma epocha de...... 167.196:3240000
Differença................................... 10.937:945$000
Que abatida aos............................ 86.808:508$000
Deixará a differença de encargo contra o contrato
de 14 de outubro em....................... 75.870:563$000
Que repartidos por cincoenta annos vem a dar a
differença media annual de.................. 1.517:411$260
Leu-se na mesa a seguinte
SUBSTITUIÇÃO
Artigo 1.° É o governo auctorisado a levantar por meio de emprestimo a quantia de 8.000:000$000 réis, ao par, obrigando-se a pagar annualmente aos mutuantes 10 por cento d'esta quantia, para juro e amortisação, podendo estipular a taxa de juros até 8 por cento.
Art. 2.° D'este emprestimo será exclusivamente applicada ao pagamento da subvenção do caminho de ferro do sul e sueste a quantia a que o governo se obrigou pelo contrato de 23 de maio de 1864.
Art. 3.º Para garantia e penhor mercantil d'este emprestimo, crear-se-hão as inscripções necessarias, e para o encargo de seus juros será convenientemente dotada a junta do credito publico.
Art. 4.° Este penhor será retirado por centenas de contos de réis nominaes, á proporção que o capital se for amortisando, e as sommas retiradas serão promptamente canceladas e queimadas. = Faria Guimarães.
Foi admittida.
O sr. Sousa Brandão (sobre a ordem): — A minha moção de ordem é a seguinte (leu).
Desejei por algum tempo a palavra para expor as minhas idéas no seio da representação nacional em relação ao contrato; não era porém agora a occasião que esse desejo me assaltasse, porque a materia está longamente discutida (apoiados). Por consequencia não podia vir aqui dizer cousa alguma de novo, não podia de modo algum apresentar um discurso que podesse ser attendido em vista dos brilhantes discursos que outros oradores têem pronunciado sobre esta questão; portanto o meu desejo hoje era, se podesse, desistir da palavra pela rasão que indicou um dos oradores que me precedeu, declarando que o melhor era não dizer nada; entretanto dava-se uma circumstancia a meu respeito que me obrigava imperiosamente a toma-la depois que no centro das commissões reunidas de obras publicas e de fazenda, depois das observações que fiz, e das respostas que ouvi, apresentei, por assim dizer, officialmente, o meu voto contra o contrato.
Não tendo feito um parecer especial, que julguei não dever fazer, porque era eu o unico membro das commissões que votava contra o contrato, e porque revelaria isso uma grande pretensão da minha parte, reservei vir á camara dizer quaes eram as idéas que me tinham dominado para dar um voto que tanto discordava do voto dos meus collegas.
Depois que o contrato se discute na camara, tem-se avaliado bem as rasões que ha pró e centra e o valor dellas. Antes disso porém, já se tinham feito calculos, já se tinham comparado encargos, já se tinham feito apreciações, e de tudo isto já era facil comprehender quaes os resultados que adviriam de um contrato d'esta natureza.
Poucas vezes a imprensa se tem occupado tanto de questões de administração, como se occupou d'esta. Logo que appareceram as bases do contrato, a imprensa avaliou-as e discutiu-as.
Sendo uma operação demasiadamente complicada, porque envolve em si não só um contrato de caminho de ferro, mas um contrato commercial, a operação tem sido olhada quasi exclusivamente como uma operação commercial, e não como um contrato para a construcção de um caminho de ferro. A imprensa occupou-se d'este assumpto talvez mais do que de questão nenhuma, e por esse modo foi esclarecido o espirito publico a ponto de se poder formar um juizo antes da discussão na camara.
E realmente, talvez que só a opinião publica bastante manifestada, me fizesse decidir n'esta questão. Apesar de ter opiniões minhas, e opiniões fixas sobre muitos pontos de doutrina, quando vejo muito pronunciada a opinião publica, instinctivamente me associo a ella.
Examinando os calculos que fez o governo, não posso concordar desde já com os resultados das suas primeiras operações. Isto já foi demonstrado por quasi todos os ma dores que fallaram contra o contrato n'esta camara, manifestado mais ou menos decisiva ente; mas o orador que mais tocou esta questão foi ultimamente o sr. Gavicho, quando pretendeu mostrar que o encargo que pésa sobre o estado, em virtude d'este contrato, é de 2:100$000 réis por kilometro, e não 1:967$615 réis.
Foi este um dos pontos em que os homens mais intelligentes d'este paiz e os homens mais dados ao commercio e ás especulações mathematicas, e a todas as suas applicações, abriram pela imprensa uma discussão que illustrou, não digo esta camara, mas de certo o publico em geral, mais talvez do que o tem illustrado a discussão, que tem havido n'esta camara.
Fallou-se em não se reduzir ao mesmo denominador as diversas quantidades que entraram n'este contrato, para figurarem da mesma maneira, mas parece-me que em parte se reduziram de mais ao mesmo denominador, porque as fizeram figurar de uma mesma fórma, quando não podiam figurar senão diversamente.
A somma dos encargos relativos ao contrato antigo, depois de passados os quatro annos, com as economias que o governo julga realisar durante esses quatro annos, com os dinheiros que recebe da companhia e com os que não paga, monta á cifra de 9.300:000$000 réis, conta redonda. Esta quantia produzindo um juro de 7 por cento dava réis 653:000$000; mas para se compararem os contratos já aqui se disse que era necessario que os encargos de um e outro lado fossem iguaes, e terminassem positivamente dentro de cincoenta annos, e que era por consequencia necessario amortisar o capital em cincoenta annos.
Parece-me que o erro está n'este calculo da amortisação, e já aqui se disse isto mesmo. A operação do governo consistiu em dividir esses 9.300:000$000 réis por cincoenta e quatro annos, e já se vê que cabe a cada anno por cada kilometro 364$000 réis. Ora se se usasse os calculos das annuidades, calculos que eu reputo perfeitamente applicaveis a este caso, e que são o unico correctivo que nos tempos modernos se oppõe aos maus effeitos dos juros, e ao desenfreamento do juro; calculos que se empregam em todas as instituições modernas de credito, e em todas as instituições que dirigem e facilitam a agricultura; calculos applicaveis aos bancos ruraes, e applicaveis a todos os encargos, que se querem melhorar; se se applicassem, digo, a este ponto, os calculos das annuidades, de certo a parte da amortisação era excessivamente menor do que aquella que dá o governo, na rasão de 364$000 por kilometro para 65$000 réis.
Vejamos a historia d'esta operação; o governo é obrigado a dar em cada anno a annuidade respectiva; e só no fim de cincoenta annos terá entrado com o capital competente.
Portanto, se o governo mettesse em um banco o que vae dar á companhia, ali iria crescendo o seu juro, e, quando chegasse o fim dos cincoenta annos, aquella quantia seria dada á companhia, e seria feita a amortisação.
Provém d'ahi resultar uma apreciação diversa emquanto aos encargos que vem ao estado; d'ahi é que procede chegarem uns no fim do calculo a concluir que é necessario haver um conto novecentos e tantos mil réis de renda annual por kilometro, e outros que era necessario que chegasse essa renda annual por kilometro á quantia de réis 2:266$630.
Eu depois mando estes calculos que aqui tenho para a mesa para poderem ser avaliados.
Não quero impor por modo algum a minha qualidade de engenheiro, nem, mesmo que o quizesse, o podia conseguir n'esta questão, porque confesso, como o sr. ministro da fazenda, que ella é mais do que tudo financeira e commercial, e que não é da engenheria.
Ainda assim mesmo soffro uma grande desvantagem, porque de certo se deve esperar que eu aqui revele, deixem-me assim dizer, os segredos da engenheria ou alguma cousa que possa estar occulta e que diga respeito a essa operação, visto que estou na mesma posição em que estão todos os srs. deputados que não são engenheiros, e mesmo n'uma posição muito inferior á d'aquelles que se têem occupado, durante muitos annos, da administração publica, e dos que têem lido com grande proveito os livros de economia politica.
Por consequencia, ainda aqui n'estes calculos não sou eu só que fallo, são os calculos mathematicos que se estão fazendo todos os dias pela imprensa em diversos jornaes por pessoas competentes e distinctos professores.
Tenho lido o Jornal do Porto, e ahi appareceu publicado, por um homem distincto d'esta terra, o calculo de que é necessario que o caminho de ferro renda 2:300$000 réis por kilometro para que os encargos sejam equiparados; e temos aqui o mesmo no Jornal de Lisboa, devido á penna de um distinctissimo mathematico, o mesmo calculo de 2:300$000 réis. Isto em vista da base que eu ha pouco mencionei, de que não é necessario mais do que ter em conta as annuidades.
Ora já se vê que, havendo um augmento d'esta natureza, que é de 300$000 réis por kilometro, sobre a quantidade que o governo apreciava que devia render o caminho de ferro, todos os calculos feitos sobre esta base estão aggravados depois de estabelecer estas bases, que julgo reaes e verdadeiras, segue se saber se a linha de ferro, que entroncar na linha do Barreiro ás Vendas Novas, poderá vir a render.
S. ex.ª, o sr. ministro das obras publicas, fez depender isso do rendimento que se podesse obter da exploração de todas as linhas.
Associo me n'esta parte a s. ex.ª, mas preciso, primeiro que tudo, levantar uma proposição, que me parece um pouco aventurosa, e é — que se não pôde determinar cousa alguma em relação ao rendimento dos caminhos de ferro.
Parece-me que é uma declaração fóra de tempo e de logar o dizer-se, que não é possivel fazer uma approximação justa do rendimento dos caminhos de ferro, quando elles têem base para todos os calculos, e quando é necessario que nós fundemos as nossas idéas em alguma cousa, e que nos sirvamos de alguns dados.
Pois não se fazem estatisticas do movimento dos caminhos de ferro, não se procuram as causas d'esse movimento que se discute?... Pois havemos nós de ignorar isso que está nos livros, que se executa em toda a parte?...
Não posso aceitar a proposição vaga — de que os caminhos de ferro zombam de todos os calculos.
Mas nós ternos muitos dados, e eu sou de certo quem menos tem. Os meus affazeres, até hoje, não me têem levado para o campo das discussões economicas em relação aos caminhos de ferro, têem-me obrigado a fazer traçados, a calcular o seu custo; e raras vezes a calcular o que pôde produzir um dado tracto de terra, para ver se o caminho de ferro deve ser feito a fim de satisfazer qualquer população.
Ha dados. E até ha mais do que dados, ha regras e bases.
A circulação do caminho de ferro depende de duas cousas: ou de novas secções que se abrem, ou da densidade da população. Restrinjo me exclusivamente a estes dois pontos, que são as causas efficientes da circulação dos caminhos de ferro.
Ainda que seja impertinente o apresentar auctoridades, comtudo parece-me que deve ser permittido quando se não abusa dellas.
Mr. Teiwerene, no seu tratado sobre a parte economica dos caminhos de ferro, descrevendo a sua exploração desde o primeiro anno em que se construiram na Belgica, e apreciando os resultados nos primeiros quatro annos da circulação publica, calculou o crescimento da receita, segundo as secções abertas de novo, a população e a extensão das viagens, e para isso considerou o caminho dividido em secções de 25 kilometros...
(Deram quatro horas.)
Vozes: — Deu a hora, deu a hora.
O Orador: — Como a hora acaba de dar, e como tenho de fallar relativamente a um ponto importante a respeito d'este contrato, qual é o determinar principios, e negar para se calcular o rendimento de um caminho de ferro, peço a v. ex.ª me permitta o reservar a palavra para ámanhã.
Vozes: — Muito bem.
O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje, e se houver tempo entrarão em discussão os projectos n.cs 11, 13 e 14, e os pareceres da commissão de petições que se acham publicados no Diario de Lisboa.
Está levantada a sessão.
Eram mais de quatro horas da tarde.