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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.º 2

EM 7 DE MARÇO DE 1910

Presidencia do Exmo. Sr. Conde de Bertiandos

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - A Camara, previamente consultada, autoriza o Digno Par Sr. Julio de Vilhena a depor em juizo, como testemunha. - O Digno Par Sr. Sebastião Baracho dispensa a leitura de documentos que enviou á Presidencia, respectivos ás suas immunidades parlamentares. - O Sr. Presidente propõe que na acta se exare um voto de sentimento pela morte do Presidente da Republica do Panamá D. José Domingo Obaldia. Esta proposta é approvada, por acclamação, depois de a ella se associarem o Sr. Presidente do Conselho (Veiga Beirão) e os Dignos Pares Srs. Sebastião Telles, Teixeira de Sousa, Ayres de Ornellas e João Arrojo. - O Digno Par Sr. João Arroyo pergunta se é mantida a resolução que esta Camara adoptou em 10 de março do anno passado, regulando o uso da palavra no final das sessões e antes da ordem do dia. O Sr. Presidente responde affirmativamente. - Os Srs. Ministro do Reino (Dias Costa), da Justiça (Arthur Montenegro), da Fazenda (Soares Branco) e da Guerra (Mathias Nunes) apresentam propostas que tendem a permittir que alguns Dignos Pares possam accumular com as funcções legislativas, as que desempenham nos respectivos Ministerios. Estas propostas, são approvadas. - O Digno Par Sr. Sebastião Baracho declara que, dispensando a leitura de documentos que enviou para a mesa, se reserva o direito de os fazer publicar, na integra, no Summario e nos Annaes, sob sua unica e exclusiva responsabilidade, para todos os effeitos. Em seguida accentua que mantem a attitude politica de absoluta autonomia que assumiu em outubro de 1901, e recorda os motivos que o levaram a afastar-se dos trabalhos parlamentares em 7 de setembro de 1908, e da razão do seu regresso aos mesmos trabalhos se evidenciará no decorrer d'elles, e, por ultimo, mostra a imprescindivel necessidade que tem dos documentos que pediu na sessão anterior. - O Digno Par Sr. Francisco José de Medeiros pergunta ao Sr. Ministro da Justiça se lhe permitte, na respectiva secretaria, o exame dos documentos respeitantes ao caso de Beja. O Sr. Ministro responde affirmativamente. - O Digno Par Sr. José de Azevedo, estranhando que este Governo não tivesse feito a sua apresentação, pergunta se estão publicados no Diario do Governo todos os documentos relativos ao caso da receita eventual, e conclue mandando para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo Ministerio das Obras Publicas. O Sr. Presidente do Conselho diz que, tendo formulado o seu programma no Discurso da Coroa, se julgou dispensado de uma outra apresentação pessoal. - O Sr. Ministro da Fazenda promette verificar se estão publicados todos os documentos a que se referiu o Digno Par Sr. José de Azevedo e declara-se desde já habilitado a responder a qualquer aviso previo sobre o caso da receita eventual. - O Digno Par Sr. José de Alpoim reporta-se ás palavras do Sr. Presidente do Conselho, quanto á não apresentação do Ministerio, occupa-se da questão do Bispo de Beja e, por ultimo, de compendios adoptados nos Seminarios que haviam sido rejeitados pelo Conselho Superior de Instrucção Publica. Respondem a S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho e os Srs. Ministro do Reino e da Justiça. - O Digno Par Sr. Eduardo José Coelho manda para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo Ministerio da Justiça. - O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa apresenta requerimentos pedindo documentos pelos Ministerios da Marinha, Obras Publicas, Reino e Fazenda.

Ordem do dia. - É eleito o Digno Par Sr. Antonio Angusto Pereira de Miranda para adjunto á commissão administrativa e eleita depois a commissão de verificação de poderes. - O Digno Par Sr. Eduardo José Coelho, que pedira a palavra para antes de encerrar a sessão, renova a sua interpellação annunciada na sessão de 23 de agosto do anno passado. - E encerra-se a sessão, aprazando-se a seguinte.

Pelas 2 horas e 30 minutos da tarde o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 36 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio da Exama. Sra. D, Maria Emilia Brandão O'Neill Pereira Palha, participando o fallecimento de seu pae, o Digno Par Antonio Emilio Correia de Sá Brandão.

Officio da Sociedade Protectora das Cozinhas Economicas, convidando a Camara a assistir ás exequias por alma da Sr.ª Duquesa de Palmella.

Officio de Monsieur Beernaert, Ministro de Estado na Belgica, acompanhando 155 exemplares de um manifesto para ser distribuido pela Camara.

Mensagem do Senado da Belgica, agradecendo á Camara a manifestação de pesar pela morte do Rei Leopoldo II.

Officio do Bispo de Portalegre, pedindo que lhe seja consentido prestar juramento como Digno Par do Reino.

Officio do Sr. Presidente do Conselho, participando a exoneração do Ministerio presidido pelo Sr. Conselheiro Wenceslau de Lima e a constituição do seguinte novo Ministerio:

Presidente do Conselho, Francisco Antonio da Veiga Beirão; Ministro do Reino, Francisco Felisberto Dias Costa; da Justiça, Arthur Pinto de Miranda Montenegro; da Fazenda, João Soares Branco; da Guerra, José Mathias Nunes; da Marinha, João Antonio de Azevedo Coutinho Fragoso de Siqueira; dos Estrangeiros, Antonio Eduardo Villaça; das Obras Publicas, Manuel Antonio Moreira Junior.

Officio do Ministerio do Reino, remettendo o programma para a Sessão Real da Abertura das Côrtes.

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Officio do Ministerio do Reino, enviando o decreto que adia as Côrtes geraes até o dia 2 de março inclusivamente.

Officio do Ministerio da Guerra, remettendo os documentos pedidos pelo Digno Par Sr. Francisco José Machado.

Officio do Ministerio da Guerra, remettendo cinco autographos de decretos das Côrtes Geraes já convertidos em leis.

Dois officios do Ministerio da Marinha, remettendo outros tantos autographos de decreto das Côrtes Geraes já convertidos em leis.

Officio do Ministerio da Marinha, satisfazendo ao requerimento do Digno Par Sr. Conde de Avillez e enviando a correspondencia trocada entre a Direcção Geral do Ultramar e o Governo de Timor acêrca do assassinio do capitão Carvalho Pinheiro.

Officio do Ministerio da Fazenda, satisfazendo ao pedido do Digno Par Sr. Francisco José Machado, e remettendo copia do relatorio dos trabalhos executados pelo encarregado dos serviços das execuções fiscaes no segundo trimestre de 1909.

Officio do Ministerio dos Estrangeiros, remettendo a Mensagem do Senado Brasileiro agradecendo á Camara as manifestações de pesar pelo fallecimento do Presidente Affonso Penna.

Copia de uma representação de varios residentes em Damão, dirigida ao Sr. Ministro da Marinha, e distribuida pela Camara, expondo varios factos praticados pelo administrador de Pragana capitão Lindorfo Pinto Barbosa.

Officio do Ministerio do Reino accusando a recepção do officio d'esta Camara em que se communicava a installação da mesa.

O Sr. Presidente: - Consulta a Camara sobre se autoriza o Digno Par Julio Marques de Vilhena a ir depôr, como testemunha, em juizo, isto em virtude de um officio recebido do Ministerio da Justiça.

A Camara autorizou.

O Sr. Presidente: - Estão sobre a mesa uns documentos enviados pelo Digno Par Sebastião de Sousa Dantas Baracho á Presidencia d'esta Camara.

O Sr. Sebastião Baracho: - Peço que seja dispensada a leitura dos documentos que estão sobre a mesa, referentes ás minhas immunidades parlamentares.

Logo me referirei á forma por que a Camara ha de ter conhecimento do assunto.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Na ultima sessão duvidara-se ainda da exactidão de uma noticia que, infelizmente, se sabe hoje ser verdadeira. Refiro-me ao fallecimento do Presidente da Republica do Panamá D. José Domingo Obaldia. Certamente a Camara quererá que na acta da sessão de hoje se exare um voto de sentimento por tão lamentavel successo, e que d'essa resolução da Camara se façam as devidas communicações. (Apoiados).

Communico á Camara que a deputação encarregada de participar a Sua Majestade a constituição d'esta Camara, foi recebida pelo Augusto Chefe do Estado com as maiores demonstrações de agrado.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Francisco Beirão): - Associo-me, em nome do Governo, ao voto de sentimento que S. Exa. acaba de propor pela morte do Presidente da Republica do Panamá.

O Sr. Sebastião Telles: - Por parte do partido progressista, associo-me á proposta que V. Exa. acaba de submetter á consideração da Camara.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Em nome do partido regenerador, associo-me ao voto que V. Exa. acaba de propor.

O Sr. Ayres de Ornellas: - Em nome do partido regenerador liberal, que tenho a honra de representar nesta casa, associo-me igualmente ao voto de sentimento pela morte do Presidente da Republica do Panamá.

O Sr. João Arroyo: - Tambem me associo á proposta de V. Exa. Aproveitando a occasião de estar com a palavra, pergunto a V. Exa., Sr. Presidente, se considera em vigor uma resolução, tomada no dia 10 de março do anno passado, regulando o uso da palavra no final das sessões.

O Sr. Presidente: - Sim, senhor.

O Orador: - Pergunto mais se é mantida a resolução da Camara quanto ao uso da palavra antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Será mantida a resolução, emquanto a Camara não resolver o contrario. Creio que a Camara approva por acclamação a minha proposta de ha pouco (Apoiados geraes).

O Sr. Ministro do Reino (Dias Costa): - Mando para a mesa propostas que tendem a permittir que, alguns Dignos Pares, dependentes do meu Ministerio, possam accumular, querendo, as funcções, que ali exercem com as parlamentares.

Lida na mesa, foram, approvadas as propostas que são do teor seguinte:

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo de Sua Majestade pede á Camara dos Dignos Pares do Reino a necessaria permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos empregos, dependentes do Ministerio do Reino, que exercem em Lisboa os Dignos Pares:

Conselheiro Augusto Cesar Cau da Costa, presidente, e

José Luciano de Castro e Julio Marques de Vilhena, vogaes effectivos do Supremo Tribunal Administrativo.

Conselheiro D. João de Alarcão Vellasques Sarmento Osorio, vogal extraordinario do mesmo tribunal e effectivo do Conselho Superior de Beneficencia.

Conselheiro Joaquim de Vasconcellos Gusmão, vogal extraordinario do mesmo tribunal

Conselheiro José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, ajudante do Procurador Geral da Coroa e Fazenda junto do mesmo tribunal.

Conselheiro José de Azevedo Castello Branco, bibliotecario-mor do reino e vogal do Conselho Superior de Instrucção Publica.

Conselheiro Antonio Augusto Pereira de Miranda, provedor da Santa Casa da Misericordia de Lisboa.

Conde de Bertiandos, vogal do Conselho Superior de Beneficencia; Visconde de Athouguia, inspector da Academia de Bellas Artes.

Conselheiro Augusto José da Cunha, lente da Escola Polytechnica.

Conselheiro José Estevam de Moraes Sarmento, vogal do Conselho Superior de Instrucção Publica.

Conselheiro Antonio Candido Ribeiro da Costa, vogal do mesmo conselho.

D. Antonio Maria de Lencastre, vogal do Conselho Superior de Hygiene Publica.

Marquez de Avila e de Bolama, vogal do Conselho Superior de Beneficencia.

Conde do Cartaxo, presidente da commissão administrativa do Asylo de D. Maria Pia.

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, em 7 de março de 1910. = Francisco Felisberto Dias Costa.

Senhores. - O Governo de Sua Majestade pede á Camara dos Dignos Pa-

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res do Reino permissão a fim de que o Digno Par do Reino Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral possa exercer, querendo, as funcções de reitor da Universidade de Coimbra, quando assim convenha ao serviço publico.

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, em 7 de marco de 1910. = Francisco Felisberto Dias Costa.

Senhores. - O Governo de Sua Majestade pede á Camara dos Dignos Pares do Reino a necessaria permissão para que o Digno Par do Reino Venancio Jacinto Deslandes Correia Caldeira possa exercer, querendo, na presente sessão legislativa, as suas funcções de secretario geral do Governo Civil de Beja, quando assim convenha ao serviço publico.

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, em 7 de março de 1910. = Francisco Felisberto Dias Costa.

O Sr. Ministro da Justiça (Arthur Montenegro): - Mando tambem para a mesa uma proposta de accumulação de funcções legislativas, referente ao meu Ministerio.

Lida na mesa e foi approvada a proposta que é do teor seguinte:

Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, pede o Governo á Camara dos Dignos Pares do Reino a necessaria permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos seus logares, dependentes do Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, os Dignos Pares do Reino:

Antonio de Azevedo Castello Branco.
Antonio Candido Ribeiro da Costa.
Arcebispo de Calcedonia.
Arthur Alberto de Campos Henriques.
Carlos Augusto Vellez Caldeira Castello Branco.
Eduardo José Coelho.
Eduardo de Serpa Pimentel.
Francisco José de Medeiros.
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.
Luis Fisher Berquó Poças Falcão.

Secretaria de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, em 3 de março de 1910. = Arthur Pinto de Miranda Montenegro.

O Sr. Ministro da Fazenda (Soares Branco): - Mando para a mesa uma proposta que tem por fim permittir que alguns Dignos Pares, que exercem funcções no meu Ministerio, as possam accumular com as legislativas.

Lida na mesa foi approvada a proposta, que é do teor seguinte:

Senhores: Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo pede a Camara permissão para que possam accumular, querendo, o exercicio das funcções legislativas com a dos seus empregos, ou commissões, es Dignos Pares:

Alberto Antonio de Moraes Carvalho, conselheiro presidente da Junta do Credito Publico.

Antonio Maximo da Costa e Silva, inspector da Alfandega de Lisboa.

Antonio Teixeira de Sousa, conselheiro administrador geral das Alfandegas.

Arthur Hintze Ribeiro, conselheiro vogal effectivo do Tribunal de Contas.

Augusto José da Cunha, conselheiro vice-governador do Banco de Portugal.

Fernando Mattozo Santos, conselheiro inspector geral do serviço technico aduaneiro.

Henrique da Gama Barros, conselheiro presidente do Tribunal de Contas.

João Marcellino Arrojo, conselheiro vogai do Tribunal de Contas.

Jacinto Candido da Silva, conselheiro vogal effectivo do Tribunal de Contas.

José Adolfo de Mello e Sousa, conselheiro governador do Banco de Portugal.

José Freire Lobo do Amaral, conselheiro vogal effectivo do Tribunal de Contas.

osé da Silveira Vianna, conselheiro vice-presidente da Junta do Credito Publico.

Manuel Affonso de Espregueira, conselheiro vogal da commissão revisora de contas.

Marquez do Lavradio, vogal supplente da Junta do Credito Publico.

Visconde de Asseca, commissario regio dos tabacos no circulo do sul.

Visconde de Athouguia, recebedor do 3.° bairro de Lisboa.

Ministerio da Fazenda, em 7 de março de 1910 = João Soares Branco.

O Sr. Ministro da Guerra (Mathias Nunes): - Envio tambem para a mesa uma proposta em que se pede a esta Camara que permitta que alguns Dignos Pares dependentes do meu Ministerio possam accumular as funcções que ali desempenham com as legislativas.

Lida na mesa foi approvada a proposta, que é do teor seguinte:

Senhores. - Na conformidade do disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo pede á Camara dos Dignos Pares do Reino permissão para accumularem, querendo, o exercicio das funcções legislativas com o das suas commissões de serviço os membros da mesma Camara abaixo designados:

Conde de Bomfim, general de divisão, Presidente do Supremo Conselho de 0Justiça Militar.

Conde de Tarouca, tenente-coronel de cavallaria, ajudante de campo de Sua Majestade El-Rei, vogal da commissão consultiva da Inspecção das Fortificações de Lisboa.

Ayres de Ornellas e Vasconcellos, capitão do serviço do estado maior, secretario da 1.ª secção de estudos do conselho general do exercito.

Carlos Roma du Bocage, coronel de engenharia, vogal da commissão de aperfeiçoamento da referida arma.

Fernando Larcher, major de cavallaria.

Francisco de Serpa Machado Pimentel, capitão de artilharia, ajudante de campo de Sua Alteza o Senhor Infante D. Affonso.

Frederico Ressano Garcia, lente da Escola do Exercito.

José Estevam de Moraes Sarmento, general de divisão, vogal do Supremo Conselho de Justiça Militar, Presidente do Conselho Superior de Promoções, e vogal da secção do exercito do Supremo Conselho de Defesa Nacional.

Luiz Augusto Pimentel Pinto, general de divisão, commandante da Escola do Exercito.

Manuel Rafael Gorjão, general de divisão, commandante da 1.ª divisão militar.

Sebastião Custodio de Sousa Telles, general de brigada, director geral da Direcção Geral do serviço do estado maior, vogal do Conselho Superior de Promoções.

Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, 7 de março de 1910. = José Mathias Nunes.

O Sr. Sebastião Baracho: - Referi-me, ha pouco, aos documentos que ma são respeitantes, dispensando-lhes a leitura na mesa. Neste momento, procedendo similarmente, tambem os não leio. Poupo com isso tempo, e reservo-me para os publicar, na integra, como é meu direito, e sob minha unica e exclusiva responsabilidade, para todos os effeitos, no proximo Summario, e nos Annaes correspondentes1.

Quando, em 1908, interrompi os trabalhos parlamentares, d'esse facto dei

1 Adeante vão inscritos os oito documentos a que acima se faz referencia.

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conhecimento á Camara por um officio, cuja linguagem caustica affirmava bem a minha impressão acêrca do estado tumultuario em que se encontrava o viver representativo.

O Presidente de então, o Digno Par Antonio de Azevedo Castello Branco, depois da leitura do meu officio, determinou, amoldando-se pela minha indicação, que esse documento fosse inserido no Summario, e bem assim nos Annaes, segundo consta da sessão de 7 de setembro do anno referido.

Então, como agora, assistia-me esse direito, alem de os usos consuetudinariamente seguidos me serem igualmente favoraveis; e então, como noutras occasiões, e como agora, procedo sob a minha unica e exclusiva responsabilidade, para todos os effeitos, - consinta-se-me a insistencia.

Por esses documentos, a Camara avaliará a questão nos seus differentes aspectos e procederá como julgar conveniente.

Pela parte que me respeita, regulo o meu procedimento pelo que teve o Digno Par Conde de Arnoso, quando foi molestado nas prerogativas parlamentares.

Descreveu elle o que lhe succedera no Juizo de Instrucção Criminal, consoante constatam os Annaes de 8 de março de 1909; e a Camara pronunciou-se, seguidamente á narrativa, por que se acatassem e respeitassem, em todo o ponto, as regalias dos representantes da nação.

No assunto que me é concernente, sem a menor duvida, muito mais complexo, prudentemente andará a Camara, se aguardar a publicação dos documentos que o instruem, para formar o seu juizo.

Por meu turno reservo-me para dizer da minha justiça sempre que o julgar de utilidade.

Posto isto, e tendo reatado os trabalhos parlamentares, de que andei alheado, no anno preterito, cumpre-me certificar á Camara que esse meu acto voluntario não modificou, na mais minima parcela, o culto de que tenho dado repetidas provas pelos mais avançados preceitos liberaes, e bem assim a attitude politica de absoluta autonomia, que assumi, em outubro de 1901, quando me separei do partido regenerador.

Correspondendo a este meu antigo programma, conservo-me em manifesta opposição, mantendo-me, demais, em completo afastamento de facções, cooperativas e partidos politicos existentes, a despeito de a formula latina, sintetizante dos versiculos 9.° e 10.° do capitulo IV do Ecclesiaste, condemnar o isolamento individual por estas expressivas palavras: - Vae soli, ai do só.

O proprio texto dos versiculos alludidos ainda mais caracteriza a materia, conforme resulta da seguinte transcrição:

Versiculo 9. - Mais valem dois juntos do que um só, porque teem a vantagem de constituir sociedade.

Versiculo 10. - Se um escorregar, o outro o amparará. Desgraçado do que se encontra sósinho, porque, se cair, não tem quem o levante.

Ao Ecclesiaste, cuja paternidade - aliás modernamente contestada - é attribuida no versiculo 1.° do capitulo I ao filho de Dama, Rei de Jerusalem, isto é, a Salomão, ao Ecclesiaste repito, não occorreu:

1.° Que os dois juntos, longe de se ampararem, se mortificam frequentemente, se acabrunham e até se entrematam. Mesmo entre parentes proximos se encontram d'estes funestos exemplos. Haja em vista o succedido entre Eteoclo e Polynicio, - para recordar apenas a occorrencia classica dos dois irmãos inimigos.

2.° Não falta quem escorregue e que por si exclusivamente se ampare. Não escasseia tambem quem cáia, e que por si unicamente se levante. Constituem, indubitavelmente, o maior numero os que estão nestas condições, por assim dizer, triviaes.

Alem das observações, colhidas na lição da experiencia, a sabedoria das nações patenteia-se cautamente, em contradição com o Ecclesiaste neste salutar conceito: Mais vale só do que mal acompanhado, conceito que, nas minhas circunstancias especiaes, modifiquei para meu uso proprio, nestes precisos termos: Mais vale só do que mal ou bem acompanhado.

Consignada esta minha preferencia, e affirmada peremptoriamente, mais uma vez, a minha coherencia de principios e de processos politicos, lembrarei que os motivos determinantes do meu afastamento, durante a transacta sessão parlamentar, desenvolvidamente se encontram no officio, a que já alludi, de 7 de setembro de 1908. As circunstancias que me aconselharam a regressar ás pugnas do parlamentarismo, evidenciar-se-hão com o decurso dos trabalhos encetados na anterior sessão, em que prometti explicar - convem recordá-lo- a origem do meu minucioso e extenso requerimento, pedindo informações ao Governo.

O meu requerimento é, na verdade, assás avolumado. O nocivo e esterilizador exercicio do engrandecimento do poder real, sem ao menos haver o correctivo de uma lei de responsabilidade ministerial, conduz ao abuso perenne, incessante, cuja estigmatização conscienciosa demanda a accumullação de esclarecimentos adequados. D'ahi nasce a imprescindivel necessidade de obter documentos, muitos documentos, porque muitas são tambem as exorbitancias commettidas.

Outra feição caracteristica do absolutismo bastardo dominante tem sido esta: fornecer aos representantes da nação o menor numero possivel de elementos, attinentes a poder realizar-se a apreciação fundamentada dos desmandos ministeriaes.

A respeito d'essa indesculpavel abstenção, appareceu, num dos ultimos dias, uma nota officiosa na imprensa, asseverando que o Sr. Presidente do Conselho lhe ia pôr termo.

Oxalá assim succeda, porque, como facilmente se verificará, nos esclarecimentos por mim solicitados, alguns contam duas, tres, quatro e mais edições, tal é a relutancia do executivo, do absorvente executivo, em ser fiscalizado. Não admitte contestação que o segredo, alem de ser a alma do negocio, segundo o proverbio mercantil, é tambem apanagio autenticado dos criminosos e delinquentes.

Mas, com ou sem documentos officiaes, a feição reaccionaria e clerical do Governo evidencia-se a cada passo.

Quando a questão politica passar de ser tratada em ligeiras escaramuças, e for versada a fundo, verificar-se-ha a propriedade d'esta minha asserção.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Francisco José de Medeiros: - Sr. Presidente: pedi a palavra para perguntar ao Sr. Ministro da Justiça, se porventura S. Exa. convem em que eu vá á sua Secretaria examinar alguns documentos relativos ao caso de Beja, que deu logar á sua portaria de 11 de fevereiro.

Não faço a respeito d'esse caso outras perguntas. Eu sei, como é natural, o que lá está, mas para usar officialmente nesta Camara dos documentos que tenho sobre esse caso ecclesiastico, desejava que S. Exa. me autorizasse a ir á sua Secretaria para ver e examinar esses documentos. Assim não careço de pedir copia d'elles - copia que só tarde e em más horas eu viria a obter, em virtude do numero e extensão dos documentos em questão.

E porque desejo falar sobre esse assunto com a brevidade que o caso reclama, -pois foi elle que deu logar á crise que teve por fim a minha saida do Ministerio - é que eu peço a S. Exa. que me autorize a ir examinar esses documentos, de que não occuparei por muito tempo os seus empregados, nem impedirei que elles satisfaçam os requerimentos que teem sido feitos, como por exemplo os do Digno Par Sr. Baracho.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Ministro da Justiça (Arthur Montenegro): - Pedi a palavra para

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participar ao Digno Par o Sr. Medeiros que do melhor grado ponho á disposição de S. Exa., não só os documentos relativos á questão de Beja, como quaesquer outros.

Estimo muito a deliberação de S. Exa., porque, isso facilita a consulta d'esses documentos, que de outra maneira seria difficil.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Francisco José de Medeiros : - Agradeço a V. Exa.

O Sr. José de Azevedo: - Sr. Presidente: pedi na ultima sessão ao Sr. Presidente o favor de communicar ao Sr. Ministro da Fazenda que desejava o comparecimento de S. Exa. nesta Camara, na primeira opportunidade.

Antes, porem, de me dirigir ao Sr. Ministro devo notar que era velho costume parlamentar, quando um Ministerio se apresentava pela primeira vez nas Camaras, o seu chefe dizer aos Dignos Pares e aos Senhores Deputados qual o objectivo d'esse Ministerio, qual o pensamento politico que tinha presidido á sua organização, alem de fazer a historia da crise que determinara a substituição de um Ministerio por outro; emfim, era costume fazer-se o que se chamava, a apresentação do Governo.

Porque este Governo se constituiu ha dois meses e entendesse o Sr. Presidente do Conselho que a apresentação feita hoje se assemelharia a um caldo requentado, ou pela circunstancia de S. Exa., que está agora arvorado em reformador, entender dever principiar por reformar os costumes parlamentares, ou ainda - o que para mim é quasi inadmissivel - porque S. Exa. queira manifestar pelo Parlamento Português aquelle desprezo que pelo Estado costumava manifestar Luis XIV, ou finalmente porque S. Exa. abdicasse da sua tradição democratica e liberal, o facto é que não apresentou o Governo; e eu não posso, por isso - o que seria uma injuria - fazer-lhe cumprimentos. Apenas mostrarei a minha satisfação por ver o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros restabelecido de um ataque de grippe, fazendo votos para que S. Exa. se retire do Governo antes que este caia em grippe da opinião publica.

Se foi a falta de consideração pelo Parlamento o que determinou o procedimento do Sr. Presidente do Conselho, devo dizer...

O Sr. João Arroyo: - Pondero ao Digno Par que é injusto com o Sr. Presidente do Conselho.

O motivo é outro. O Governo não tem que se apresentar, porque está para retirar-se. (Riso).

O Orador: - Elle dirá da sua justiça.

Pedi a comparencia do Sr. Ministro da Fazenda para lhe fazer uma pergunta.

Entre os actos praticados por S. Exa. durante o periodo do adiamento, ha um que, por muitas razoes, carece de ser nitidamente explicado, porque contende, por um lado, com aquillo a que eu chamo a seriedade do Governo e, por outro, com os interesses de um funccionario publico. Refiro-me ao castigo inflingido ao escrivão da Receita Eventual.

Vi na gazeta official publicados alguns documentos referentes a esse caso, mas vi igualmente, numa gazeta officiosa, a noticia de que os documentos não estavam ainda todos publicados, porque o Sr. Ministro da Fazenda andava estudando o assunto para proceder conforme entendesse de justiça.

Pergunto, portanto, se os documentos referentes a esse processo são os que estão publicados no Diario do Governo; se ha mais, se o Sr. Ministro da Fazenda tem duvida em mandá-los á Camara; e se o seu procedimento, com relação ao assunto, está completo. Se assim for, examinarei esses documentos e, em tempo opportuno, mandarei para a mesa um aviso previo ao Sr. Ministro, a fim de tratar esta questão.

Mando ainda para a mesa o seguinte requerimento:

Requeiro que seja enviado com urgencia a esta Camara o ultimo contrato do Governo com a Cooperativa União dos Vinicultores de Portugal effectuado em 11 de dezembro de 1909.

Desejava que qualquer dos Srs. Ministros me dissesse se haverá inconveniente em serem enviadas á Camara todas as communicações de caracter official ou reservado que o fiscal do Governo junto da Companhia deve ter mandado antes da referida Companhia se ter lançado em contratos que brigam com a letra da lei, com os intuitos e com as explicações fornecidas ao Parlamento pelo Ministro que patrocinou a criação da Companhia.

S. Exa. A não reviu.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Francisco Beirão): - Pedi a palavra para dar uma simples explicação ao Sr. José de Azevedo.

S. Exa. estranhou que o Governo não fizesse aquella apresentação que é de uso em circunstancias analogas ás actuaes; e, entre as razoes que apontou como sendo as que o Governo teria para não fazer essa apresentação, citou a falta de consideração para com as Côrtes Geraes.

Não quero deixar passar sem resposta tal supposição. Nunca esteve no meu espirito, nem no dos meus collegas, o faltar á consideração devida ás Côrtes Geraes da Nação.

Ninguem respeita e considera mais o Parlamento do que eu, e não era numa hora adeantada da minha vida politica que praticaria um acto de menos cortesia para com as Côrtes.

Tanto não tive tal ideia, que um dos primeiros actos do Governo foi convocar as Côrtes para o dia em que a lei determina que ellas se abram.

O Governo entendeu que, tendo formulado o seu programma no Discurso da Corôa e tendo assistido á Sessão Real, bem podia dispensar-se de uma e outra apresentação pessoal, que parecia ser mera redundancia.

Isto porem não impede que em qualquer occasião, e, designadamente, na de se discutir a resposta ao Discurso da Coroa, o Ministerio dê todas as explicações acêrca da responsabilidade que tomou, acceitando o poder nas circunstancias em que o fez e acêrca dos traços geraes do seu programma.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Ministro da Fazenda (Soares Branco): - Sr. Presidente: o Digno Par Sr. Conselheiro José de Azevedo formulou umas perguntas ás quaes eu vou dar resposta.

Disse S. Exa. que não entrava neste momento na apreciação do assunto a que as suas perguntas se referiam porque se reservava para o fazer quando apresentasse sobre o caso da Receita Eventual o seu aviso previo.

Por esse motivo S. Exa. me relevará que eu não lhe responda a algumas considerações que já hoje fez. S. Exa. sabe que, quando fizer o seu aviso previo, eu lhe darei todas as explicações precisas.

É certo que foram publicados no Diario do Governo varios documentos acêrca d'este assunto.

A noticia que S. Exa. viu, numa gazeta officiosa, de que a publicação não estava concluida, era verdadeira. Hoje porem, posso dizer ao Digno Par que a minha convicção é de que estão publicados todos os documentos; todavia, para fazer uma affirmação mais categorica, irei verificar se faltou publicar algum.

Com respeito ao aviso previo, desde já me declaro habilitado a responder a elle.

Não estando presente o Sr. Ministro das Obras Publicas, posso dizer ao Digno Par que o Governo não tem duvida alguma em fornecer a S. Exa. copias de todas as communicações (sejam quaes forem, anteriores, ou posteriores ás negociações a que o Digno Par se referiu) do fiscal do Governo junto da Cooperativa Vinicola.

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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O mesmo direi com respeito a outras quaesquer questões pendentes.

S. Exa. não reviu.

O Sr. José de Alpoim: - Não desejo envolver-me no incidente, se assim se pode chamar, suscitado entre o Sr. Beirão e o Sr. José de Azevedo Castello Branco. Creio na sinceridade das palavras do Sr. Beirão acêrca do seu respeito pelo Parlamento. Faço ao Sr. Beirão, que por todos os titulos considero, essa justiça. Mas, infelizmente, os factos atraiçoam as boas intenções. Não pode respeitar o Parlamento, querer levantar-lhe o prestigio, um Governo que deu ao país o espectaculo, a um tempo triste e comico, de abrir o Parlamento - para o fechar no dia immediato! Este facto é um verdadeiro arremedilho, no regime parlamentar. O país inteiro viu, com magua, repetirem-se os factos classicos da velha politica rotativa, politica de expedientes e habilidades que levou á ruina moral, economica e financeira do país. E, posto isto, vou occupar-me, Sr. Presidente, do assunto para que pedi a palavra, assunto que já teve, em parte, resposta no que disse o Sr. Ministro da Justiça ao Sr. Medeiros.

Quero occupar-me, Sr. Presidente, da chamada questão do Bispo de Beja. Julgo isso obrigação da minha honra politica e pessoal. Estava no estrangeiro quando rebentou esse conflicto. Troquei telegrammas e cartas com os meus companheiros. Não pude vir, porque me achava a meio do meu tratamento e não faria nada o meu regresso, pois, entre cairos motivos, não chegaria a tempo. Telegraphei aos meus correligionarios, julgando o Sr. Julio de Vilhena fora de Lisboa e sabendo achar-se aqui o Sr. Teixeira de Sousa, meu querido amigo pessoal, a pedir-lhes que se entendessem com elle, defendendo a doutrina liberal da supremacia do poder civil.

Existia então ainda o bloco, que os dissidentes julgaram dever terminar, como explicarei no debate politico. Regeneradores e dissidentes manifestaram-se contra o Governo do Sr0 Wenceslau de Lima, ao qual haviam apoiado com toda a honra e lealdade, sem nenhum egoismo ou interesse, sem jamais se haverem maculado com uma perfidia pessoal ou vergonhosa transacção. A questão do Bispo de Beja foi a causa da queda d'esse Governo, que, a meu juizo sacrificou um homem de bem como o Sr. Medeiros, - tão combatido pelo seu partido, que largos annos, e brilhantemente serviu! - ás condescendencias que deslustraram a Coroa, prestando-a, ao papel de não defender a lei nem as historicas e tradicionaes regalias do poder civil. Agora, sairam duas portarias que não pretendo, neste momento, analysar. Apenas friso, que um prelado commetteu uma illegalidade, que affrontou o poder civil recusando-se a reconhecer os seus direitos, que procedeu com arbitrio e despojou dos seus cargos, reduzindo-os porventura a miseria, a dois padres que, contra a lei, com o maior desdem pelo Governo, expulsara do Seminario.

Esses padres não tiveram apoio; o Bispo não soffreu sequer uma censura; está triumphante, feliz na sua prosperidade, mirando orgulhosamente a cruz de ouro peitoral - que não refulgia odios nem soberbas quando era de madeira humilde e pesava sobre os hombros d'aquelle que ensinou a piedade e o perdão. Não conheço todas as peças do processo, preciso d'ellas? para tratar demoradamente esta questão, não somente sob o ponto de vista de politica geral, mas sob a feição restricta do incidente entre o Bispo de Beja e os dois ecclesiasticos expulsos.

Não peço copia do processo, porque se consumiria um tempo enorme em tirá-la.

O Sr. Ministro da Justiça já disse ao meu collega, e querido amigo Sr. Medeiros, que podia ir á secretaria examinar o processo. Usarei d'essa per missão.

Outro assunto:

Li no Imparcial, folha dirigida por um membro do Conselho Superior de Instruccão Publica, Sr. José de Azevedo Castello Branco, cuja amizade muito prezo, que fôra rejeitado por aquelle conselho um livro de ensino, destinado ao Seminario de Beja. Esse livro é um compendio de historia ecclesiastica. Pois consta-me, Sr. Presidente, que já nesse Seminario se está dou trinando por elle, e que semelhante livro é usado noutras casas de educação! Não encareço, Sr. Presidente, a gravidade d'este facto. Qual a razão por que o Conselho Superior de Instrucção Publica entendeu dever ser expurgado do ensino dos seminarios semelhante livro? Di-lo o Imparcial: - "por contrario á verdade dos factos e nocivo ao conhecimento imparcial dos factos historicos". Já isto é muito. E veja-se como tem sido a educação nos seminarios, pois esse livro é de ha annos o adoptado.

Mas as minhas informações vão mais longe. Dizem-me que não foi um, mas dois, os livros condemnados, não só por aquelles motivos, mas porque inseriam doutrina opposta aos direitos do poder civil e ás liberdades e immunidades da igreja portuguesa, tão defendidas por grandes theologos portugueses, sabios professores, eminentes e Santos Bispos como Cenaculo e outros.

E sabe o Sr. Presidente, quem me consta ter sido relator no processo condemnando esses livros? Alguem, que não pode ser suspeito para os conservadores.

m ecclesiastico, um lente de theologia na Universidade, pessoa a quem me vou referir com toda a isenção, porque milita num partido retintamente conservador, e já lhe censurei actos orientados nas paixões d'essa politica.

Refiro me ao Sr. Dr. José Maria Rodrigues, que a Familia Real escolheu para professor do mallogrado Principe D. Luis Filippe.

É elle o relator d'esse processo. Espirito illustradissimo, como logo no começo da sua vida academica se manifestou numa famosa luta com Camillo Castello Branco; escritor cheio de erudição e de um alto espirito critico, como acaba de manifestar-se no seu interessantissimo livro Camões e a Infanta D. Maria, onde surge, era toda a sua enamorada ternura, a alma do grande poeta e em todo o esplendor da sua belleza feminina e graça intellectual e moral, o vulto da doce e intelligentissima Princesa; a opinião do Sr. Dr. José, Maria Rodrigues, theologo abalisado e lente da Universidade, é do maior alcance.

Não me repugna fazer estes elogios aquelle professor, de reputado caracter, porque não soffro de odios e jamais desmereci o valor intellectual de quem quer que seja que o possua; não tenho com o Sr. Dr. Rodrigues relações, e até mas não deixa ter, para o futuro, o que acabo de dizer.

Chamo a attenção do Sr. Ministro da Justiça para os factos que aponto, pergunto se teem sido submettidos á approvação do Governo - como manda a lei e como seria repugnante que se não fizesse após a portaria ultima, que passaria de outra forma, a ser uma irrisão e uma mentira - os compendios dos seminarios.

Peço ao Sr. Ministro do Reino que mande immediatamente, para a Camara dos Dignos Pares, copia de quaesquer pareceres do Conselho Superior de Instrucção Publica, sobre os livros consagrados ao ensino dos seminarios: ou, se o tirar essa copia consome dias e sobrecarrega empregados da secretaria, que me permitta ou a outro qualquer membro da camara o ir examiná-los.

Com estes pedidos, e com a minha, firme resolução de versar a questão de Beja e outros assuntos referentes á igreja portuguesa, cumpro o meu dever parlamentar. Não ataquei, jamais, no Parlamento a igreja catholica; pelo contrario, inexoravel com as congregações religiosas e com a Ordem de Jesus, introduzida subrepticiamente no país, sempre defendi os privilegios e regalias da igreja portuguesa, sempre defendi

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os interesses legitimos do seu clero - d'esse clero secular, parochial, que vê abandonadas legitimas reclamações, ás quaes me hei de referir, quando tratar da questão das congregações e outros assuntos.

O que eu combato é a introducção, cada vez mais accentuada, do clericalismo ultramontano. Ha poucos annos, quando se apresentou na Camara o Governo do partido regenerador-liberal, patrocinado pelos progressistas que então com elle se confundiram, a minha voz ecoou, Sr. Presidente, attenta a politica que se accentuava, em vaticinios de desgraça. Foi, predizendo dias de combate e de luto, que abri uma minha oração, em resposta ao Discurso da Coroa. Faço agora, por causa da questão reaccionaria alimentada em Portugal por elementos estrangeiros, aqui refugiados e em Espanha após a expulsão das congregações religiosas de Franca, iguaes presagios. Terei cuidado de que elles fiquem nos registos parlamentares. Mal irá á Coroa, se o país não vir que as instituições monarchicas não dão, dia a dia, testemunho publico de se identificarem com a democracia e se arredarem do papel repugnante de protectores da reacção politica e clerical.

O Sr. Presidente: - Vae-se entrar na ordem do dia.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Francisco Beirão): - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - V. Exa. poderá falar depois, se houver tempo, salvo se forem brevissimas as suas considerações.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Francisco Beirão): - Eu quero ser brevissimo.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara, tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Francisco Beirão): - A minha resposta será muito resumida, mas não quero que nenhum Digno Par saia da Camara com a impressão de que, por qualquer acto meu, tenha faltado á consideração devida ao Parlamento.

Já respondi ao Digno Par Sr. José de Azevedo, e o mesmo vou fazer com respeito ao Digno Par Sr. José de Alpoim

O Digno Par Sr. José de Alpoim disse que as minhas palavras estavam em contradição com os meus actos, por isso mesmo que no dia seguinte á abertura do Parlamento o Governo adiava as Côrtes.

Direi que, procedendo como procedi, estou em muito boa companhia, pois estou na d'esse grande homem de bem, e grande liberal, que se chamou João Chrisostomo de Abreu e Sousa e de cujo Ministerio fizeram parte Antonio Ennes e Antonio Candido. Esse Ministerio abriu as Côrtes em 2 de janeiro e m 3 adiou-as, não para março, como agora, mas para abril.

O Sr. José de Azevedo: - Era um Ministerio de noctambulos. (Riso).

O Sr. João Arroyo: - Era um Ministerio de nephelibatas. (Riso).

Orador: - Não invoco o precedente senão como recordação historica, mas, continuando, vou dizer a rasão por que solicitei da Coroa o adiamento no dia seguinte áquelle em que as Côrtes se abriram.

O Governo tinha no seu programma, visto ser este o ultimo anno da legislatura, uma reforma eleitoral e constitucional. Entendi eu, como já ha muito tempo entendia, que taes reformas não interessavam só a este Governo, mas que eram de todos e para todos. Portanto, empenhado em conseguir um entendimento patriotico entre todos os agrupamentos politicos sobre as bases para fazer essas reformas, para isso era necessario tempo e não era, certamente, com o Parlamento aberto que tal emprehendimento se podia conseguir. Assim, formuladas as bases d'essas reformas, dirigi-me a cada um dos representantes dos diversos agrupamentos politicos, sem distincção, e foi para esse fim que pedi o adiamento das Côrtes.

Considerei um dever patriotico dirigir-me a todos os representantes dos diversos agrupamentos parlamentares com o fim de se poder chegar a um acordo. Do que se conseguiu, e do que se não conseguiu, terá o Parlamento conhecimento em occasião opportuna. Antes de terminar não quero deixar de, em primeiro logar, agradecer ao Digno Par Sr. José de Alpoim as palavras, mais que amaveis, lisonjeiras, que S. Exa. me dirigiu, e em segundo logar dizer que o Governo persiste no mesmo proposito que o guiou ao tentar esse patriotico emprehendimento, e não desespera de poder chegar a um acordo entre todos, de forma a conseguir-se uma lei eleitoral de todos e para todos. (Apoiados). S. Exa. não reviu.

O Sr. Ministro do Reino (Dias Costa): - Pedi a palavra unicamente para declarar ao Digno Par Sr. José de Alpoim que a consulta a que S. Exa. se referiu fica á sua disposição, não porque entenda que seja conveniente que os pareceres das juntas consultivas tenham publicidade, pois esse facto pode prejudicar a liberdade de voto dos membros d'essas commissões, mas porque, no caso sujeito, parece-me de toda a conveniencia, de grande utilidade publica, que se não faça reserva d'essa consulta.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Ministro da Justiça (Arthur Montenegro): - Não estava na sala quando o Digno Par Sr. José de Alpoim começou a falar, mas, pelo que ouvi da continuação do discurso de S. Exa., creio tratar-se da questão do Bispo de Beja.

Tenhoo a dizer ao Digno Par, como a todos, que não terei senão prazer em o ver no meu Ministerio, e desde já me declaro habilitado a discutir o assunto.

Acêrca dos livros, entendo que elles devem ser approvados pelo Conselho Superior.

Não conheço ainda a consulta, mas logo que a receba, estudá-la-hei e, pela proficiencia com que essa corporação resolve os assuntos que são submettidos ao seu exame, é natural que me conforme com o seu parecer, que farei executar.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Envio para a mesa os seguintes requerimentos

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, sejam remettidos a esta Camara, com urgencia, os seguintes documentos e informações:

1.° Nota dos rendimentos dos direitos de importação na provincia de Angola;

2.° Nota da importancia correspondente aos tecidos de algodão e importados da metropole em negocios de exportação do reino ou de exportação. = Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, sejam remettidos, com urgencia, a esta Camara, os seguintes documentos e informações:

Copia de toda a correspondencia trocada entre a Secretaria do Ultramar, a Inspecção Geral de Fazenda do Ultramar e o Governo Geral de Moçambique e a inspecção de fazenda da mesma provincia sobre o excesso do orçamento d'essa colonia para os exercicios de 1909-1910 e 1910-1911. = Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, sejam remettidos a

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esta Camara, com urgencia, os seguintes documentos:

1.° Nota da producção do açucar na provincia de Moçambique (ultima producção) distinguida por productores;

2.° Informação sobre o destino d'esse açucar e sobre a parte que se presume conservada na provincia;

3.° Qual o grau de preparação do açucar em Moçambique. = Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, sejam remettidos a esta Camara os seguintes documentos e esclarecimentos:

1.° Informação sobre as forças militares de occupação do sul de Angola, seu numero e collocação;

2.° Sobre os trabalhos para delimitação material da fronteira do sul de Angola, conforme o tratado de 1886;

3.° Trabalhos executados para a delimitação material a leste de Angola conforme a arbitragem do Soberano da Italia;

4.° Correspondencia trocada entre o Governo Geral de Angola e a Secretaria do Ultramar sobre expedições militares ao sul de Angola, a partir de 12 de dezembro de 1909. - Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, sejam remettidos a esta Camara, com urgencia, os seguintes documentos e esclarecimentos:

1.° Reducção das fabricas de alcool durante os annos civis de 1908 e 1909, venda e lucro provavel d'esta.

2.° Importancia do imposto do alcool cobrado em Angola, por annos, a partir de 1900;

3.° Fabricas adaptadas á producção do açucar e quantidades produzidas nas duas ultimas ceifas;

4.° Quaesquer estudos que existam e tenham servido de base para a commissão especial incumbida de estudar a questão do alcool calcular em 3:500 contos de réis a indemnização a pagar aos agricultores pela prohibição do respectivo fabrico;

5.° Quantidade de vinho importada do reino na provincia de Angola nos annos de 1908-1909. = Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, sejam remettidos a esta Camara, com urgencia, os seguintes documentos:

1.° Importancia pedida ao credito para o caminho de ferro de Swazilandia;

2.° Quantia applicada;

3.° Em que cofre existe o saldo;

4.° Extensão da linha ferrea construida;

5.° Extensão da parte por construir, parte em que foi interrompida a construcção, motivo da interrupção. = Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, sejam remettidos a esta Camara os seguintes documentos e esclarecimentos:

1.° Informação sobre o desembarque de soldados chineses nas ilhas de S. João e Coloane;

2.° Copia da representação apresentada ao Vice-Rei de Cantão pelo governador de Macau, e resposta d'aquelle;

3.° Informação sobre qualquer projecto do contrato para obras no porto de Macau e respectivo pagamento, relacionado com um subdito francês em Macau estabelecido. = Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, sejam enviados, com urgencia, a esta Camara os seguintes documentos e esclarecimentos:

1.° Numero de serviçaes entrados em S. Thomé e Principe nos annos civis de 1908-1909;

2.° Importancia das quantias já enviadas ao cofre da repartição de S. Thomé;

3.° Quantidade de aguardente produzida em S. Thomé e no Principe no anno de 1909;

4.° Quantidade de vinhos importados da metropole na provincia no referido anno de 1909. = Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, sejam mandados a esta Camara os seguintes documentos e informações:

1.° Copia de toda a correspondencia, postal e telegraphica trocada entre a Secretaria do Ultramar e o Governo Geral de Moçambique, relativa á execução da Convenção feita entre o Governo de Moçambique e o Transvaal;

2.° Informação sobre as modificações já feitas nas tarifas para o transporte de mercadorias de Lourenço Marques para o Transvaal, relacionadas com a percentagem no respectivo trafego garantida á colonia portuguesa;

3.e Copia de toda a correspondencia trocada entre a Secretaria do Ultramar e o Governo Geral de Moçambique, entre si, e cada com o negociador da referida Convenção, desde o inicio das negociações até a assinatura do tratado;

4.° Percentagem do trafego pertencente a Lourenço Marques, media por meses, desde 1 de abril de 1908 até 21 de fevereiro proximo passado;

5.° Numero de trabalhadores de Moçambique que trabalharam nas minas do Transvaal em 31 de dezembro de 1908;

6.° Numeros estatisticos representando o recrutamento de indigenas de Moçambique, a sua existencia no Transvaal e repatriados até 31 de dezembro de 1908. = Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar sejam remettidos a esta Camara, com urgencia, os seguintes documentos:

1.° Quantias que, por meses, teem sido enviadas para a provincia de Angola pela metropole, ou seja por transferencia, ou pela remessa de prata, até 28 de janeiro proximo passado e desde 1 de janeiro de 1905;

2.° Quantias transferidas de quaesquer colonias para a provincia de Angola;

3.° Debito da provincia ao fundo do caminho de ferro de Malange e a diversos cofres onde por lei se fazem depositos;

4.° Informações que houve na secretaria do Ultramar sobre o debito de Angola aos fornecedores e a funccionarios, referida a 31 de dezembro de 1909;

5.° Cobrança e despesas feitas na provincia de Angola no anno economico de 1908-1909;

6.° Nota das despesas feitas com as forças militares de Angola no referido anno de 1908-1909;

7.° Nota das despesas pagas na provincia e em Lisboa por motivos de guerras e occupação do sul de Angola, a partir de 1 de julho de 1904;

8.° Importancias em cofre com applicação especial aos caminhos de ferro de Malange e de Mossamedes, referidas a 21 de dezembro de 1909;

9.° Copia da autorização que deu curso como moeda ás contas de fornecedores, quando visadas pelas repartições de fazenda de Angola. = Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, sejam remettidos a esta Camara os seguintes documentos e esclarecimentos:

1.° Extensão do caminho de ferro construido de Ambaca para Malange;

2.° Custo medio da parte construida por kilometro;

3.° Informações sobre os estudos e seguimento da construcção de Malange para o Cubango;

4.º Nota das receitas e despesas de exploração do troço do caminho de ferro entre Ambaca e Malange, comprehendendo as de administração;

5.° Importancia dos creditos do Estado sobre a Companhia dos Caminhos de Ferro através de Africa, por adeantamentos, e importancia das reclamações feitas pela companhia = Teixeira de Sousa.

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Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, sejam remettidos a esta Camara, com urgencia, os seguintes documentos e informações:

1.º Extensão já construida do caminho de ferro do Lobito e respectivo custo;

.° Extensão contratada e em construcção e o respectivo custo;

3.° Extensão já estudada e respectivo custo;

4.° Nominal das acções que o Estado possue do referido caminho de ferro, em execução do contrato de concessão;

5.° Rendimento da Alfandega de Benguella nos annos de 1902, 1903 e seguintes;

6.° Informações sobre quaesquer trabalhos para o aproveitamento da restinga do Lobito para edificações;

7.° Informações sobre quaesquer trabalhos e estudos para a colonização do planalto pela raça branca, servido pelo caminho de ferro do Lobito = Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas, sejam remettidos a esta Camara os seguintes documentos e esclarecimentos:

1.° Importancia despendida com soccorros ás victimas das ultimas inundações e detalhada applicação;

2.° Copia de correspondencia trocada entre o Ministerio das Obras Publicas e a União dos Viticultores de Portugal sobre a emissão de obrigações;

3.° Copia do todos os contratos para a compra de armazens e traspasse de casas commerciaes, realizados pela União dos Viticultores de Portugal;

4.° Copia da escritura em que outorgou a União dos Viticultores de Portugal, relativa ao estabelecimento e renumeração da sua gerencia;

5.° Informação sobre o quantitativo das obrigações já emittidas sob a responsabilidade do Estado e qualquer correspondencia relativa ao saldo de obrigações a emittir até o limite maximo de 2:000 contos de réis;

6.° Nota do numero de analyses feitas officialmente em vinhos destinados a serem exportados para as colonias. = Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, seja enviada a esta Camara, com urgencia, copia de toda a correspondencia de quaesquer propostas ou requerimentos relacionados com a demissão dos juizes auxiliares do Juizo de Instrucção Criminal, Srs. Dr. Sebastião Sampaio e Dr. José Maria de Moraes Sarmento. = Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministro do Reino, seja remettida a esta Camara copia do auto de recepção dos sanatorios da Madeira e informação sobre o seu valor e applicação resolvida. = Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelos Ministerios da Fazenda, Reino e Obras Publicas, sejam remettidas a esta Camara, com urgencia, copia de quaesquer reclamações de fabricantes de açucar e alcool da Madeira, importancia e fundamento da reclamação. = Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, sejam remettidos a esta Camara, com urgencia, os seguintes documentos:

1.° Nota da divida fluctuante interna e externa, referida a 31 de janeiro proximo passado, com designação dos credores, da taxa de juro e dos respectivos penhores;

2.° Nota dos titulos vendidos desde 30 de junho de 1909 a 31 de janeiro de 1910;

3.° Copia de toda e qualquer correspondencia trocada entre o Ministerio da Fazenda e a União dos Viticultores acêrca da emissão de obrigações;

4.° Copia de toda a correspondencia trocada entre a Direcção Geral da Thesouraria e a Junta do Credito Publico sobre o fornecimento de cambiaes;

5.° Nota de todos os supprimentos feitos aos Ministerios da Marinha e Ultramar e das Obras Publicas no anno de 1909. = Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, seja remettida a esta Camara, com urgencia, copia de quaesquer documentos sobre que assentou a ordem de syndicancia aos actos do escrivão de fazenda de Carrazeda de Anciães, Antonio do Carmo Torrado. = Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, seja enviada a esta Camara, com urgencia, uma nota da moeda de prata cunhada na Casa da Moeda e entregue á circulação, quer no reino, quer nas colonias, nos annos de 1908 a 1909, e tendo em vista o custo da prata e as despesas de amoedação e respectivo lucro de cunhagem. = Teixeira de Sousa.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - É chegada a occasião de entrar na ordem do dia. Vae proceder-se á eleição de um membro adjunto á commissão administrativa d'esta Camara.

O Sr. José de Alpoim: - Então não se usa hoje da palavra?

O Sr. Presidente: - Agora mio; porque se vae tratar de eleições.

O Sr. José de Alpoim: - Mais nada?

O Sr. João Arroyo: - Depois das eleições ainda se fala?

O Sr. Presidente: - Já disse que se vae proceder á eleição de um membro adjunto á commissão administrativa.

O Sr. José de Alpoim: - E depois d'isso ninguem mais fala?

O Sr. Presidente: - Veremos; mas tudo se ha de regular devidamente.

O Sr. José de Alpoim: - Mas não posso deixar de estranhar que se abrisse uma excepção para os membros do Governo, permittindo-se que elles falassem.

O Sr. Presidente: - A Camara pronunciou-se a esse respeito. E note V. Exa. que, se não entrássemos já na ordem do dia, só lhe caberia a palavra depois de falarem outros Dignos Pares, que se inscreveram anteriormente. Vae, pois, entrar-se na ordem do dia, que é, em primeiro logar, a eleição de um vogal da commissão administrativa. Convido os Dignos Pares a formularem as suas listas.

Feita a chamada, corrido o escrutinio, e tendo servido de escrutinadores os Dignos Pares Srs. Condes da Ribeira e Galveias, verificou-se ter sido eleito por 37 votoso Digno Par Sr. Antonio Augusto Pereira de Miranda.

O Sr. Presidente: - Vae agora eleger-se a commissão de resposta ao Discurso da Corôa.

Feita a chamada, corrido o escrutinio, tendo servido de escrutinadores os Dignos Pares Srs. Francisco José Machado e Conde das Alcaçovas, verificou-se terem entrado na uma 35 listas, sendo 1 branca, e eleitos por 34 votos os Dignos Pares Srs. Sebastião Custodio de Sousa Telles e Antonio de Sousa e Silva Costa Lobo.

O Sr. Presidente: - Como a hora está muito adeantada, vou dar a palavra ao Digno Par. Sr. Eduardo José Coelho, que a pediu para antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Eduardo José Coelho: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma declaração, na qual renovo a interpellação que ao Governo dirigi em uma das sessões do anno passado, sobre a situação anormal, cada vez mais violenta, quasi revolucionaria em que se encontra a diocese de Bragança.

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Mando tambem para a mesa um requerimento pedindo documentos attinentes ao assunto, e de que preciso para realizar a minha interpellação.

Não sei se já vieram alguns dos documentos que requisitei. Se não vieram, peço a V. Exa., Sr. Presidente, que inste para que me sejam remettidos com a maior brevidade.

O requerimento e a declaração são do teor seguinte:

Requeiro que, pelo Ministerio da Justiça, seja enviado a esta Camara com urgencia:

1.° Copia da sentença proferida pelo Reverendo Bispo de Bragança no processo em que era era arguido o Reverendo Adrião Martins Amado, escrivão do Juizo Apostolico, proferida em 16 de dezembro de 1909;

2.° Copia da petição dos moradores da freguesia de S. Genesio de Cellas, do concelho de Vinhaes, dirigida ao Governo, pedindo a revisão do processo e annullação do despacho que apresentou naquella freguesia o parocho de Lamas de Podence, do concelho de Macedo de Cavalleiros, com a resposta do Bispo de Bragança; designadamente data da entrada d'aquella petição no Ministerio da Justiça, data da remessa ao Bispo e data da resposta já dita, dada pelo Bispo;

3.° Copia do relatorio enviado ao Governo pelo governador civil de Bragança com a data de 7 de abril de 1905 sobre o encerramento do Seminario e reabertura d'elle e sobre os factos que com este acontecimento se ligam naquelle momento historico, consequencias e previsões para o futuro que d'elles resultariam para a diocese de Bragança com a permanencia nella do respectivo Bispo. = Eduardo José Coelho.

"Declaro que renovo a minha interpellação, annunciada na sessão n.° 24, de 23 de agosto do anno proximo findo, aos Srs. Presidente do Conselho, Ministro do Reinos da Justiça, dos Negocios Estrangeiros e da Guerra, sobre o estado anormal da diocese de Bragança e conflictos permanentes, com alteração da ordem publica, provocados pelo reverendo Bispo, e com invasão constante e successiva das prerogativas, nos precisos termos da respectiva nota publicada no referido Diario das Camaras. = Eduardo José Coelho".

O Sr. Presidente: - Na mesa não estão nenhuns documentos para V. Exa., mas vão fazer-se as devidas instancias, conforme os desejos do Digno Par.

A proximo sessão será na sexta feira 11, e a ordem do dia a eleiçãoda commissão de verificação de poderes.

Está levantada a sessão.

Eram 4 horas e 20 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 7 de março de 1910

Exmos. Srs.: Conde de Bertiandos; Eduardo de Serpa Pimentel; Marquez Barão de Alvito; Marquezes: de Avila e de Bolama, Pombal, de Sousa Holstein, de Tancos; Condes: das Alcaçovas, de Arnoso, de Avilez, do Bomfim, do Cartaxo, de Castello de Paiva, das Galveias, da Ribeira Grande; Viscondes: de Algés, de Balsemão, de
Soares Franco; Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Eduardo Villaça, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Bernardo de Aguilar, Carlos Palmeirim, Vellez Caldeira, Eduardo José Coelho, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Ressano Garcia, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Telles de Vasconcellos, Vasconcellos Gusmão, José de Azevedo, Moraes Sarmento, José de Alpoim, José Vaz de Lacerda, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho e Venancio Deslandes Caldeira.

O Redactor,

JOÃO SARAIVA.

Documentos mandados para a mesa, nesta sessão, pelo Digno Par Sr. Sebastião Baracho.

Documento n.° 1

Questões de honra

Correspondencia trocada entre os Srs. Dantas Baracho e Wenceslau de Lima, e entre os Srs. Dantas Baracho e de Elvas Canteira.

Não tendo assentido os Srs. Wenceslau de Lima e de Elvas Cardeira em liquidar, sem delongas, a questão que teem pendente com o Sr. Dantas Baracho, resolveu este, consoante está na sua justa iniciativa, dar publicidade; aos documentos concernentes a esse assunto.

Por este modo, deixa de haver margem para os boatos que teem circulado, e fica-se formando juizo seguro acêrca do occorrido, sem prejuizo, que não pode existir, de o Sr. Baracho fazer valer, em tempo util, os seus direitos incontroversos, em conformidade com os documentos cuja inserção segue:

1.ª CARTA DE BARACHO A WENCESLAU

Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Wenceslau de Sousa Pereira Lima. - Em novembro de 1906, foi castigado, com trinta dias de prisão correcional, no forte da Graça, por affixar ideias republicanas, no jornal o Mundo, o tenente-coronel reformado, da administração militar, Joaquim, Zeferino Sequeira de Moraes.

Em outubro de 1908, foi punido, com seis meses de inactividade, que cumpriu na praça de Elvas, o capitão de infantaria, lente da Escola Polytechnica, Thomás Antonio da Guarda Cabreira, por ter, em dois comicios, defendido a sua candidatura a vereador da Camara Municipal de Lisboa.

No corrente mês de setembro, foi castigado, com trinta dias de prisão correccional, no forte da Graça, o coronel da reserva, João Maria Lopes, por ter assistido a uma conferencia e a um jantar, de caracter republicano.

Ao invez do succedido com estes tres officiaes, disfruta a mais acentuada immunidade o capitão reformado, por incapacidade moral, Francisco Manuel Homem Christo, que ha annos exibe o nome, como proprietario e director de um semanario aveirense que se intitula republicano.

Attentos os meus principios sinceramente liberaes, sou tão contrario a que tenham sido punidos os tres officiaes mencionados, como o seria igualmente, se ao desqualificado pelo Conselho Superior de Disciplina do Exercito coubesse sorte analoga.

Isto, porem, não obsta a que registe, para os correspondentes effeitos, a odiosa excepção em beneficio do exautorado, a qual nitidamente caracteriza a situação de V. Exa. e dos seus collegas no Ministerio, como comparticipantes, na qualidade de consentidores - que fica demonstrada - nas responsabilidade adstrictas ás tristes façanhas em que o desqualificado é fertil.

Pela parte que me respeita, fui por elle aggravado, assacando-me falsidades, que tive de rectificar, e vituperando-me com insolencias, a que dei a mais caustica e compativel correcção.

No afastamento politico em que me achava, fui, sem provocação de especie alguma, malevolarnente alvejado pela imprensa. Por ella me desforcei, até onde me era stisceptivel fazê-lo, por intermedio do Mundo, a cuja inesgotavel hospitalidade tenho, por vezes, recorrido, em circunstancias similares áquellas em que me encontro actualmente.

Mas é de facil intuição que não posso proseguir, perante a insistencia difamatoria, numa orientação, sem desenlace final adequado, - plausivel. Pelo meu sentir, não me é licito appellar para os tribunaes, nem tão pouco para a acção dos superiores hierarchicos do irresponsavel calumniador, a quem, de; resto, está vedado, aos homens de honra, enviar ou d'elle receber cartel de desafio.

Nestes termos, tenho de procurar entre os consentidores officiaes a satisfação que o autor me não pode dar.

Tem V. Exa., sem a menor duvida, logar preferente, entre elles; e é por isso que, desde já, lhe declaro que, logo que V. Exa. for exonerado do alto cargo que hoje occupa lhe exigirei, como é meu direito, no campo da honra, a reparação que me é devida.

Se V. Exa., porem, julgar que pode, sem dilação, acceitar este meu repto, enviar -lhe-hei, sem demora, as minhas testemunhas.

Amoldando-se pela resposta de V. Exa., regulará o seu procedimento.

Belem, 9-909. = Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Par do Reino.

P. S. - Por dever de lealdade, declaro que de toda a correspondencia que houver, acêrca d'este assunto, farei o uso que entender. = S. B.

CARTA COMPLEMENTAR DE BARACHO A WENCESLAU

Turf-Club - Lisboa, 27-9-909. Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Wenceslau de Sousa Pereira Lima. - Por lapso, deixei

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SESSÃO N.° 2 DE 7 DE MARÇO DE 1910 11

de indicar o dia na data da carta lia pouco enviada a V. Exa. É de hoje, 27.

Cumpria fazer esta aclaração. - Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Par do Reino.

N. B. - Identica missiva expedi, na mesma occasião, ao Conselheiro José Manuel de Elvas Cardeira. = S. B.

1.ª CARTA DE BARACHO A CARDEIRA

Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro José Manuel de Elvas Cardeira. - Pela adjunta copia, na parte que mais lhe interessa, da carta que nesta data envio ao Sr. Conselheiro Weneeslau de Sousa Pereira de Lima, V. Exa. ficará inteirado da sua compartilha no assunto de que se trata e em que, demais, V. Exa. tem responsabilidades peculiares, perante as funcções especiaes, que transitoriamente exerce.

Em taes circunstancias, exigirei de V. Exa. a reparação a que tenho jus, assim que V. Exa. deixe de exercer o cargo eventual, em que está investido.

Se V. Exa., porem, entender que o exercicio d'elle o não inhibe de regular immediatamente esta questão, receberá, sem delongas, os meus padrinhos, consoante as praxes consagradas, reguladoras da materia.

Nestas condições, aguarda a resposta de V. Exa., para pautar por ella o seu procedimento.

Belem, 27 de setembro de 1909. = Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Par do Reino.

P. S. Por dever de lealdade, declaro que de toda a correspondencia que for trocada, acêrca d'este assunto, farei o uso que me aprouver. = S. B.

1.ª RESPOSTA DE WENCESLAU A BARACHO

Presidencia do Conselho de Ministros. - Illmo. e Exmo. Sr. - Recebi as cartas de V. Exa., ás quaes respondo:

Nem como particular, nem como Presidente do Conselho de Ministros, qualidade em que V. Exa. a mim se dirige, devo assumir a responsabilidade de artigos de jornaes aos quaes sou completamente estranho.

Hotel Bragança, 28 de setembro de 1909. = Wenceslau de Lima.

1.ª RESPOSTA DE CAEDEIRA A BARACHO

Illmo. e Exmo. Sr. - Respondendo á carta que V. Exa. hontem me enviou, direi que não devo acceitar qualquer repto que V. Exa. pretenda formular por aggravos ou offensas feitas por um terceiro, ás quaes sou inteiramente estranho.

Lisboa, 28 de setembro de 1909. = José Manuel de Elvas Cardeira.

2.ª CARTA DE BARACHO A WENCESLAU

Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Wenceslau de Sousa Pereira Lima. - Não é somente responsavel o autor pelas acções que pratique. É-o tambem o consentidor, e por vezes, exclusivamente, quando o autor não tem capacidade moral, como na sujeita questão de honra.

Em presença d'estes preceitos salubrizadores, que são intangiveis, não tem cabimento a affirmação, nua e crua, de V. Exa., concernentemente a não dever assumir a responsabilidade de artigos a que é completamente estranho.

Nada de dogmatismos, que podem ser commodos, mas que, segundo acontece agora, estão em plena discrepancia com os bons principios, e até com a verdade autenticada do occorrido.

Destruiu V. Exa., porventura, os factos por mim adduzidos, demonstrativos do seu
consentimento, e, portanto, da sua responsabilidade?

Nem uma palavra, sequer, lhes dedicou, o que os deixa, em todo o ponto, intactos, produzindo os seus naturaes effeitos, reconhecidos na minha precedente carta.

Pois aos mencionados factos incontestaveis, ha a addicionar:

Que, a despeito de estar vedada aos jornaes republicanos a entrada nos quarteis, em alguns d'estes circula, á vontade, o do irresponsavel calumniador aveirense, que se intitula d'aquelle matiz.

Consigne-se, porem, em preito do exercito, que poucos são os leitores da gazeta cujo director, officialmente sem imputação, distrata, pela complacencia de V. Exa. e dos seus collegas de Gabinete, mormente do Sr. Cardeira, immunidades e privilegios excepcionaes, que lhe facilitam a divulgação, das infamias, por elle a esmo editadas.

Attentos os acontecimentos que se teem succedido, seja-me permittido persistir, neste momento, em que não é licito, aos homens de honra, enviar cartel de desafio ao desqualificado por incompetencia moral, nem tão pouco d'elle o, acceitarem. Tenho, por isso, para minha legitima desaffronta de me dirigir aos consentidores das miserias em que elle é fecundo, entre os quaes V. Exa. tem, pelo seu elevado cargo eventual, logar prevalecente.

Neste proposito, insisto na minha anterior communicação, que, ciadas as circunstancias occorrentes, é inabalavel. Ei-la:

Enviarei a V. Exa. as minhas testemunhas, logo que V. Exa. deixe de exercer as funcções em que provisoriamente está investido, visto que, pela sua carta de hontem, não posso esperar que V. Exa. se preste a ventilar, desde já, a questão, no campo da honra, onde tem de ser ultimada.

Belem, 29 de setembro de 1909. = Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Par do Reino.

2.ª CARTA DE BARACHO A CARDEIRA

Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro José Manuel de Elvas Cardeira. - Da carta que acabo de dirigir ao Sr. Conselheiro Wenceslau de Lima envio a V. Exa., na parte que lhe aproveita, a adjunta copia.

Ao que vae transcrito, apenas tenho de acrescentar, em conformidade como que disse na minha carta de 27:

Em seguida á exoneração de V. Exa. do logar que transitoriamente occupa, enviar-lhe-hei os meus padrinhos, a fim de obter a reparação, a que tenho direito, pelas diatribes em que V. Exa. é responsavel, como consentidor nas repulsivas proesas do desqualificado, por covarde, pelo Conselho Superior de Disciplina do Exercito. E, se reservo para essa epoca a ultimação d'este assunto, é porque, pela resposta de V. Exa. á minha carta de ante-hontem, não posso suppor que V. Exa. anima a liquidar, sem demora, esta questão de honra.

Belem, 29 de setembro de 1909. = Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Par do Reino.

TELEGRAMMA DE WENCESLAU A BARACHO

Porto, 30, ás 9 h. e 45 m. noite. - General Dantas Baracho, calçada do Galvão, 27, Belem-Lisboa. - Chegando a Lisboa responderei á carta que de V. Exa. recebi no Porto, onde estou. - Wenceslau Lima.

2.ª RESPOSTA DE CARDEIRA A BARACHO

Illmo. e Exmo. Sr. Sebastião de Sousa Dantas Baracho. - Accuso recebida a carta de V. Exa. de hontem e mantenho o que disse na minha carta de 28 do corrente.

Lisboa, 30 de setembro de 1909. = José Manuel de Elvas Cardeira.

3.ª CARTA DE BARACHO A CARDEIRA

Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro José Manuel de Elvas Cardeira. - Persiste V. Exa. na sua antecedente declaração, a qual absolutamente nada tem que ver com as immunidades e regalias em beneficio de um desqualificado, por mim arroladas nas minhas cartas anteriores, e indubitavelmente comprovadas, até pelo significativo silencio de V. Exa., a tal respeito.

D'ellas são consentidores officiaes, o que avoluma a gravidade da situação, V. Exa. e os seus collegas de Ministerio, nomeadamente o Sr. Conselheiro Wenceslau de Lima. D'ellas lhes derivam, portanto, as responsabilidades que não podem ser exigidas a quem o Conselho Superior de Disciplina do Exercito negou a capacidade moral, e que é useiro e vezeiro na pratica das mais miserandas façanhas. Não ha sofismas que prevaleçam, perante a inatacavel genuinidade d'estas asseverações.

Foi sempre neste terreno, e só nelle, que, para meu legitimo desaggravo, colloquei, desde a primitiva, a questão a que fui provocado, e cujo desenlace, no campo da honra, a despeito de quaesquer evasivas ou tergiversações, se ajustará pelo que deixou exposto precedentemente.

Belem, 1 de outubro de 1909. = Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Par do Reino.

2.ª RESPOSTA DE WENCESLAU A BARACHO

Lisboa, 3 de outubro de 1909.

Presidencia do Conselho de Ministros. - Illmo. e Exmo. Sr. - Confirmo o telegramma que do Porto dirigi a V. Exa. Mantenho o que disse na minha carta anterior.

Insiste V. Exa. em annunciar-me que me enviará as suas testemunhas quando cessem as minhas funcções de Presidente do Conselho.

Quando tal facto se der eu procederei então como tiver por conveniente.

Não é agora que posso ou devo discutir esse assunto. - Wenceslau de Lima.

3.ª CARTA DE BARACHO A WENCESLAU

Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Wenceslau de Sousa Pereira Lima. - Hontem á noite, recolhendo a casa, encontrei a carta de V. Exa., datada de 3, e que só hontem, 4, me foi remettida, conforme declaração nella inserta, sendo entregue ás 4 horas da tarde, na minha residencia.

Esta carta corresponde á que lhe dirigi em 29 do mês preterito, e tinha-me sido annunciada do Porto, por V. Exa., em telegramma de 30, á noite, nestes precisos termos:

"Chegando a Lisboa, responderei á carta que de V. Exa. recebi no Porto, onde estou".

No dia immediato, V. Exa. regressava, á noite, do Norte, segundo noticiou a imprensa periodica.

Registadas estas peripecias, cuja lembrança não é indifferente, chamo a attenção de V. Exa. para a adjunta copia da carta que, em 1 do corrente, enderecei ao Sr. Conselheiro Cardeira, e que apropriadamente põe bem patente a inanidade da insistencia de V. Exa. na sua anterior declaração.

De resto, na carta de V. Exa., moldada pelo escolastico e facil magister dixit medieval, a que ainda é de uso abordoarem-se os hodiernos, á falta de argumentos, - nessa carta, repito, apenas ha mais a notar que V. Exa. consigna o facto de eu persistir em lhe enviar as testemunhas, quando findem as transitorias funcções de V. Exa., como Presidente do Conselho.

Com verdade, porem, indiscutivel podia V. Exa. ter acrescentado que, se não lh'as mandei já, foi porque V. Exa. não annuiu á

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12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

minha primitiva proposta, nesse sentido formulada.

Belem, 9 de outubro de 1909. = Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Par do Reino.

(Transcrição feita do jornal "O Mundo", de 9 de outubro de 1909).

Documento n.° 2

"Ordem do Exercito" n.° 23 (2.ª serie) de 12 de outubro de 1909.

Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra - Direcção Geral. - 1.ª Repartição. - Tendo o general de divisão Sebastião de Sousa Dantas Baracho enviado cartas de desafio ao Presidente do Conselho de Ministros e ao Ministro da Guerra, as quaes se acham publicadas no jornal O Mundo, n.° 3:210, de 9 do corrente mês;

Vendo-se das mesmas cartas que o referido general Dantas Baracho travou polemica jornalistica com o semanario O Povo de Aveiro, respondendo no jornal O Mundo por forma a constituir, segundo à, sua propria declaração, a mais caustica e compativel correcção aos artigos publicados naquelle semanario, por elle attribuidos ao capitão reformado Francisco Manuel Homem Christo;

Vendo-se ainda das ditas cartas que o mencionado general accusa todos os Ministros, e mais directamente os já referidos, de comparticipantes na qualidade de consentidores das tristes façanhas e repulsivas proesas que attribue ao citado capitão, o que tudo constitue allegação sem fundamento e com manifesta falta de respeito ás autoridades superiores;

Considerando que o general Dantas Baracho aggravou ainda estas faltas pela publicidade que lhes deu no já mencionado numero do jornal O Mundo;

Considerando que todo o acima exposto constitue infracção dos deveres militares previstos nos nos. 2.°, 19.°, 20.°, 23.°, 26.° e 42.° do artigo 3.° do regulamento disciplinar do exercito, com as aggravantes do n.° 4.° do § 1.°, e do § 2.° do artigo 79.°;

Usando das attribuições que me confere o artigo 60.° do mesmo regulamento:

Determino que ao general de divisão Sebastião de Sousa Dantas Baracho seja imposta a pena de um mês de inactividade temporaria, que cumprirá na praça de Elvas.

Secretaria de Estado dos Negocios da guerra, em 12 de outubro de 1909. = José Manuel de Elvas Cardeira.

ANNOTAÇÃO

Provocado intencionalmente por um autentico desqualificado a quem a portaria supra-transcrita não se peja de erguer nos escudos officiaes, e calumniado com a aggravante de o ter sido no exercicio da minha profissão, restabeleci a verdade dos factos, no Mundo, correspondente a 19, 21 e 23 de setembro derradeiro.

Satisfeito este salutar e indeclinavel dever, nem mais uma palavra escrevi sobre a materia, continuando a votar ao mais completo desprezo o que o exautorado pudesse e possa propalar a meu respeito, com seguro applauso dos gafados e traficantes que o lêem: - todos ejusdem furfaris

De 23 de setembro a 12 de outubro em que veio a lume a truculenta portaria, decorrem vinte dias, durante os quaes as estações superiores se mantiveram no mais expressivo silencio e na mais significativa quietação. Tudo indicava, pois, que a causa estava definitivamente julgada e arrumada.

Não succedeu, porem, assim.

A colera ministerial explodiu com a autorizada publicação que realizei, da correspondencia trocada com os Srs. Cardeira e Wenceslau Lima, e a longa incubação havida denunciou evidentemente o preconcebido proposito de fazer do desqualificado, á falta de melhor, anteparo numa questão, em que elle não tinha, nem podia ter, cabimento de especie alguma.

Não offerece duvida que o extemporaneo e indesculpavel derivativo que foi empregado, para dirimir o delicado assunto controvertido, é não só original, mas absolutamente inedito e iniquo, mais lhe pondo ainda a descoberto a incontestavel perversidade, as circunstancias seguintes:

1.ª Eu ter procedido unica e exclusivamente como Par do Reino, conforme o comprovam as minhas cartas.

2.ª Ser completamente estranho ao serviço militar o assunto que nellas se ventila;

3.ª Nem ao menos eu ter sido ouvido, antes de castigado.

Nos subsequentes documentos se caracteriza, com a inexoravel autenticação do acontecido, o alcance da iniquidade que me attingiu. Agora limito-me a consignar que, alem de outros incommodos e contrariedades que adeante se constatam, a pena de inactividade importa sensivel cerceamento de honorarios. Assim, pelo que me respeita, eu que vencia 240$000 réis mensaes, sendo 150$000 réis de soldo e 90$000 réis de gratificação pelas commissões que desempenhava, passei a cobrar apenas 90$000 réis no mês que estiver na inactividade. Depois, ficarei a vencer simplesmente o soldo de 150$000 réis, visto ter sido exonerado, pela Ordem do Exercito n.° 25 (2.ª serie), de 30 de outubro de 1909, das commissões que exercia como vogal do Supremo Conselho de Justiça Militar e como Presidente do Conselho Superior de Promoções.

Elvas, 10 de novembro de 1909. = Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Par do Reino.

Documento n.° 3

Illmo. e Exmo. Sr. Presidente da Camara dos Dignos Pares do Reino. - Chega-me aqui o eco, transmittido pela imprensa, de que V. Exa., Sr. Conselheiro Poças Falcão, interviera officiosamente junto do Chefe do Governo, a fim de que a injustificada pena que estou cumprindo, fosse suspensa até que a Camara dos Dignos Pares do Reino tomasse conhecimento do que abusivamente comigo tem occorrido.

Se V. Exa. tivesse praticado o acto que lhe é attribuido, teria procedido com incontestavel duplicidade, e acentuadamente teria colaborado com o Governo, na perseguição de que sou objecto. A titulo de zelar os direitos e as imunidade s parlamentares, em mim tão patentemente calcados, teria apenas facilitado a bastarda e draconeana missão governativa, intervindo, diminuido com a sua fragil acção officiosa, quando o podia, e devia fazer, investido officialmente, na alta e potente magistratura presidencial.

Desde já lavro, pois, o meu protesto, se V. Exa., em vez de intervir officialmente, pugnando pelas legitimas regalias parlamentares, indicadas nas leis, procedeu officiosamente, com prejuizo dos meus legitimos interesses, - que são os de todos os Dignos Pares, - facilitando simultaneamente, com tão arrevezado expediente, o insolito procedimento do Governo. A V. Exa., como Presidente da Camara Alta, era o unico membro d'esta casa a quem estavam interdictos os bons officios, officiosos, quando, após, o mal logro d'elles, não fossem elles seguidos immediatamente da interferencia official, determinada pela legislação vigorante. É intuitivo.

Posto isto, começarei por consignar que, propondo-me a fazer publicar, no Summario e nos Annaes da Camara, esta exposição, vou dar-lhe caracter definitivo, nella recopilando as observações consubstanciadas na minha correspondencia relativa a 14 do corrente, ampliada com a analyse á abjecta portaria, repositorio de verdadeiras, monstruosidades, que me detem por trinta dias, neste recinto fortificado, sem eu ter sido, sequer, previamente ouvido !...

Nesse proposito iniciarei o meu trabalho pelo exame da portaria na qual - util é precisar - a verdade e a rectidão, que a deviam instruir, cedem impudente e cinicamente o logar á mais revoltante injustiça e ao mais entranhado rancor, consoante se reconhecerá na sequencia das considerações que vou formular.

Ei-las:

1.° Nunca entabolei polemica com o indecoroso jornal aveirense, cujo director, sem imputação, é um reformado, por incapacidade moral, attenta a deliberação do Conselho Superior de Disciplina do Exercito. As suas objurgatorias de pacotilha, cuja repercussão só pode encontrar adherentes entre os degenerados do mesmo jaez, longe de me affectarem, são-me essencialmente honrosas.

Tive, sim, de desmentir as calumniosas noticias que me attingiam no exercicio dos meus deveres profissionaes, e bem ainda de elucidar o publico, acêrca dos meus honestos propositos, corrigindo simultaneamente o desqualificado, que tão despropositada e miseravelmente me alvejara.

Cumprida esta salubrizadora missão, imprescindivel, recolhi-me ao mais absoluto e dignificativo silencio, nem sequer passando pela vista o orgão do desprezivel exauctorado, como, de resto, praticava anteriormente a serem-me apontadas as torpezas, cujo desmentido, por indispensavel, effectivei.

Ao invés de que affirma a embusteira portaria, não travei polemica jornalistica com tão repugnante criatura. Nunca tão baixo desceria. Os numeros do Mundo de 19, 21 e 23 de setembro, em que exclusivamente me occupei do assunto, o comprovam á exuberancia, reforçando, em todo o ponto, as categoricas asserções que deixo exaradas.

Disse apenas o indispensavel, para consolidar as responsabilidade s em quem de direito.

2.º Regista a miseranda portaria a minha asseveração de que os Ministros, pelas suas condescendericias, fossem comparticipantes, na qualidade de consentidores, das tristes façanhas e repulsivas proesas, em que é fecundo o desqualificado.

E de que derivou este meu bem fundado reparo? De tres officiaes terem sido punidos disciplinarmente por affixarem principios republicanos, e constituir excepção o reformado por incompetencia moral, apesar de elle se declarar d'aquelle matiz, no frontespicio do jornal que dirige. E ainda, porque, estando vedada a entrada das folhas republicanas nos quarteis, nalguns d'estes circula livremente a do desqualificado, não obstante elle atacar com acrimonia, alguns generaes do exercito, nomeadamente os que o julgaram, e, diga-se de passagem, com a maxima benevolencia, no conselho de disciplina.

Estes factos, por mim aduzidos, não os contradita a portaria; e, em logar de cumprir este elementar preceito de seriedade, limita-se a assegurar dogmaticamente, excathedra, que eu faltei ao respeito ás autoridades superiores!

Em quê? Em dizer a verdade, na minha qualidade de Par do Reino?

Elias é que faltaram ao respeito publico, - em cujo cultivo deviam timbrar -mantendo excepcionalmente immunidades e re-

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galias, em proveito de quem officialmente está desqualificado, para todos os effeitos. E são ellas ainda que ulteriormente se encarregaram de comprovar a sua cumplicidade, castigando, contra meu expressado parecer, com um mês de prisão correccional, o reformado por covarde.

3.° Com analogos caracteristicos de parcialidade e acinte, reputa a portaria a minha situação aggravada pela publicidade que dei no Mundo, á correspondencia trocada, na questão sujeita.

ois não declarei eu, o mais explicitamente possivel, que d'essa correspondencia faria o uso que me aprouvesse?

Houve, por ventura, alguma objeção, por parte das pessoas a quem foi feita esta declaração clara e terminante?

Nenhuma, absolutamente nenhuma, consoante se verifica pelas respostas, que correm impressas, ás minhas cartas.

Tacitamente annuiram, portanto, á publicação, que foi determinada para pôr termo a insistentes boatos, malevolamente intencionaes, com retumbancia na imprensa, e que me prejudicavam nos meus brios e dignidade.

4.° Accusa-me a portaria, iniciando o seu descaroavel libello, que eu desafiei os Srs. Presidente do Conselho e Ministro do Guerra. Furta-se, porem, com refalsada fé punica, a alludir, pelo menos, aos termos discretos e cavalheirosos em que o fiz.

Se os meus correspondentes não fossem os mantenedores da situação privilegiada do exautorado, a quem não é licito nenhum homem de honra enviar ou d'elle receber cartel de desafio, e se d'essa indubitavel complacencia lhes não resultasse a condição, que ficou demonstrada, de consentidores, os quaes teem de responder pelo autor, completamente extincto de idoneidade, eu não os teria desafiado. Mas, alem das allegações que deixo exaradas, os codigos de duelos marcam prazos que não podem ser ultrapassados, para o inicio de pendencias d'essa natureza.

Obedecendo a estas consagradas praxes, avisei os meus dois contendores de que lhes enviaria as minhas testemunhas, assim que elles deixassem de exercer os altos cargos que transitoriamente desempenham. Frisando bem a circunstancia de os tornar arbitros, acêrca da opportunidade para a liquidação do assunto, informava-os conjuntamente de que, sem delongas, estaria á disposição d'elles, quando entendessem que a ultimação poderia antecipar-se.

Nada oppuseram, porem, ás minhas leaes propostas, guardando expressivo silencio, que eu traduzi, e lhes fiz patente, no sentido de que nenhum d'elles queria, sem dilações, regular a materia.

Identica abstenção correspondeu a esta minha advertencia, por parte do Conselheiro Cardeira. apesar de posteriormente me ter escrito. E concernentemente ao Conselheiro Wenceslau, que, sendo Ministro, - a propoposito vem patenteá-lo -teve um duello; textualmente me replicou em carta de 3 do corrente, entre outras poucas coisas, o seguinte :

"Insiste V. Exa. em annunciar-me que me enviará as suas testemunhas quando cessem as minhas funcções de Presidente do Conselho.

Quando tal facto se der eu procederei então como tiver por conveniente.

Não é agora que posso ou devo discutir esse assunto".

A esta dubia attitude, contrapus a franca declaração, constante da pronta resposta que dei, e de que destaco apropositadamente estes trechos:

"... na carta de V. Exa., moldada pelo escolastico e facil magister dixit medieval, a que ainda de uso abordoarem-se os hodiernos, á falta de argumentos, - nessa carta, repito, apenas ha mais a notar que V. Exa. consigna o facto de eu persistir em lhe enviar testemunhas, quando findem as transitorias funcções de V. Exa., como Presidente do Conselho.

Com verdade, porem, indiscutivel, podia V. Exa. ter acrescentado que, se lh'as não mandei já, foi porque V. Exa. não annuiu á minha primitiva proposta, nesse sentido formulada".

Isto posto, para notar é que o Conselheiro Wenceslau, a quem o regulamento disciplinar não reserva a mais minima regalia, entrincheirava-se, nove dias decorridos sobre a sua carta, por detrás d'este perverso diploma, e, de braço dado com o Conselheiro Cardeira, proseguia pelos mais desusados processos, na questão de honra, em que se reconhecera engajado comum representante da nação.

Não carece de commentarios semelhante procedimento, qualquer que seja o aspecto por que elle for encarado.

E passemos adeante.

5.° A portaria, que tão reservada e escassa fora em produzir argumentos, é prodigamente abundante em me attribuir infracções, que ella considera puniveis pelos n.ºs 2.º, 19.º, 20.º, 23.º, 26.° e 42.° do artigo 3.° do regulamento disciplinar do exercito, com as aggravantes do n.° 4.° do § 1.° e do § 2.° do artigo 79.° do citado regulamento. Attenuantes não existem, segundo a mesma conspicua portaria, nem uma para amostra.

-Pelo n.° 2.° invocado, todo o militar deve respeitar sempre os superiores, tanto no serviço como fora d'elle.

Para os Pares do Reino, nesta exclusiva qualidade procedendo, como succedeu commigo, e demais em assunto estranho ao serviço militar, não tem applicação essa doutrina. Mas se ella mais lembrada andasse pelo firmante da portaria, eu não teria tido de me. desforçar das calumnias de que fui alvo. Não teriam ellas sido propaladas.

- O n.° 19.° determina que se deve viver bem com os camaradas.

A portaria considera, como camarada, um desqualificado official, e demais provocador.

Não a felicito por essa condescendencia, que não se justifica, nem mesmo se explica, a não ser para me ser feita, como vulgarmente se diz, a parte mais carregada.

Eu penso por maneira diametralmente opposta, jactando-me de cultivar a convivencia mais harmonica com os camaradas dignos d'esse nome, e não com os reformados por incapacidade moral.

- Recommenda o n.° 20.° que se seja moderado na linguagem; e é a portaria, desbragada, na essencia e na forma, que se faz porta-voz d'esse preceito, a que eu nunca falto -a despeito de vehemente -, até quando a indignação, como no caso em litigio, me não abandona um momento, nem pode abandonar. A compostura na linguagem!...

- Conforme o n.° 23.°, devem os inferiores ser tratados com moderação. Apenas a portaria não menciona qual o tratamento a haver, partindo os aggravos systematicamente dos intitulados inferiores, como tem succedido commigo.

Consoante se observa, a portaria, verdadeiramente famosa, paralellamente com os raios com que me procura fulminar, acoberta protectoramente, tanto quanto lhe é possivel, o desprezivel e desprezado, causa ostensiva do que está acontecendo. Nessa visivel protecção, não ha desfallecimentos, ao que se apura.

- No desempenho da seu bem ingrato papel, a portaria menciona tambem o n.° 26.°, que manda castigar immediatamente as infracções, o que teria applicação, se. ellas se ; tivessem commettido, e os Pares do Reino ; estivessem sob a jurisdição do regulamento disciplinar.

-Não menos fora de proposito é recordado o n.° 42.°, que prohibe a propaganda do ideias contrarias á constituição politica ou ás instituições militares do Estado, offensivas dos superiores, dos iguaes e mesmo dos inferiores. Em que pese á portaria, em ponto algum me attinge esta doutrina, e designadamente porque eu não considero hierarchicamente o desqualificado, como meu
inferior. Não o pode ser, dentro da illustre familia militar, quem, por ignominia, foi expulso da effectividade do serviço. Só a insolente portaria o não entende assim.

- Estatuo o artigo 79.º que as punições devem ser proporcionadas ás infracções, acrescentando o n.° 4.° do § 1.°, com feição de aggravamento : - quando "causando compromettimento da honra, do brio e do decoro, ou transtorno á subordinação, á ordem ou ao serviço".

Quem falta a esses elementares preceitos? Eu que, a descoberto, na minha qualidade de Par do Reino, exijo reparação condigna pelas affrontas recebidas, ou os que se soccorrem, por abuso do poder, ao regulamento disciplinar, como resposta aos meus fundados emprazamentos?

Sou eu quem perturba a subordinação e a ordem no serviço, ou quem mantem escandalosamente, em posição excepcional, um exautorado?

- Não é mais feliz a portaria, lembrando, em virtude do § 2.° do artigo 79.°, que a falta é tanto mais grave quanto mais elevada é a graduação d'aquelle que a pratica. E que falta praticou o Par do Reino, que, exclusivamente, como tal procedeu, e, de resto, em assunto alheio ao serviço militar?

Nenhuma, mais uma vez o recordo.

- Esqueceu, porem, aportaria tão accommodaticia para o exautorado, que o artigo 80.° preceitua que "em geral, só se applicarão os castigos mais severos depois de impostos os menos severos". E que o artigo 79.° estabelece que, na imposição das penas, deve ter-se em consideração o comportamento anterior do punido.

Como se procedeu para commigo, é patente e manifesto. Comquanto nunca tivesse sido castigado durante os quarenta e oito annos, já feitos, de serviço no exercito, foi-me applicada a segunda pena na gradação disciplinar, e a primeira das que o Ministro pode infligir, no exercicio da sua isolada competencia. Consiste ella num mós de inactividade temporaria, que a iniqua portaria determina que seja cumprido dentro do recinto fortificado da praça de Elvas, o que equivale a prisão nesse recinto.

Concluida a apreciação d'aquelle desastrado diploma, no qual o exautorado apparece como commoda, comquanto, forçada, cobertura, versarei agora, para que só possa avaliar como está sendo tratado um membro da Camara Alta, versarei agora, repito, a questão do arbitrio e violencia praticados, seguramente esmagadores das immunidades e regalias parlamentares.

Como, porem, ás más causas nunca faltam maus defensores, houve quem invocasse o artigo 117.° da Carta Constitucional, como restrictivo da doutrina regalista, comprehendicla no artigo 41.° e seu § 1.°, da Carta, e nos artigos 3.° e 4.° do 2.° Acto Addicional de 24 de julho de 1885. Vejamos, pela ordem supra - indicada, o que contem a legislação alludida :

" Artigo 117.º da Carta. Uma ordenança

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14 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

especial regulará a organização do exercito, suas promoções, soldos e disciplina, assim como da força naval.

Artigo 41.º da Carta. É da attribuição exclusiva da Camara dos Pares :

§ 1.° Conhecer dos delictos individuaes commettidos pelos membros da Familia Real, Ministros de Estado, Conselheiros de Estado e Pares, e dos delictos dos Deputados, durante o periodo da legislatura.

Artigo 3.º do 2.º Acto Addicional. Nenhum Par vitalicio, ou Deputado, desde que for proclamado na respectiva assembleia de apuramento, pode ser preso por autoridade alguma, salvo por ordem da sua respectiva Camara, menos em flagrante delicto, a que corresponda a pena mais elevada da escala penal.

Igual disposição é applicavel aos Pares temporarios, desde a sua eleição até que termine o mandato.

Artigo 4.° do 2.º Acto Addicional. Se algum Par ou Deputado for accusado ou pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva Camara, a qual decidirá se o Par ou Deputado deve ser suspenso e se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções do accusado ou indiciado".

Segundo se observa, o artigo 117.° da Carta não restringe, na mais minima parcela, as immunidades parlamentares, cujo mantenimento, sem excepções, se encontra regulado pelo artigo 3.° do 2.° Acto Addicional, o qual estatue que nenhum Par ou Deputado pode ser preso por autoridade alguma...

Se restricções houvesse para os membros do exercito ou da armada, teria igualmente de havê-las para todos os outros funccionarios do Estado, cujo julgamento, por certos delictos, está sujeito tambem a foro e regulamentos proprios.

Mas tal não succede, nem podia succeder. O artigo 41.° e seu § 1.º da Carta Constitucional clara e explicitamente estabelecem que é da attribuição exclusiva da Camara dos Pares conhecer dos delictos individuaes dos Pares... Dos delictos, note-se bem, os quaes abrangem o mais amplo significado, visto ser esta a sua definição, que se encontra em qualquer diccionario : Infracção á lei, ao dever.

Nestes termos, nenhuma infracção minima ou avultada, disciplinar ou de outra qualquer natureza, praticada pelos representantes da nação, pode ser punida sem a previa interferencia da Camara dos Dignos Pares, constituida em tribunal. A conjunccão da retroinvocada legislação constitucional, com a autentica definição de delicto, evidencia que só, por petulante abuso do poder, um parlamentar é castigado pela acção unica do executivo.

E, todavia, do respeito pelas imunidades legaes não resulta a impunidade para ninguem. O artigo 4.° do Segundo Acto Addicional providencia adequadamente, indicando as regras e formalidades a seguir, no processo dos delinquentes, ou suppostos taes.

Estabecidos estes principios, cuja genuinidade não admitte contestação, reconhece-se nitidamente que se accummularam arbitrariedades sobre arbitrariedades, na questão que me é referente. Assim, não obstante eu não poder ser preso por autoridade alguma, fui condemnado a detenção, durante um mês, no recinto fortificado da praça de Elvas. Toda a insistencia sobre esta iniquidade não é demasiada.

Não ha subtilezas, nem sofismas, que possam contraditar essa asserção, que dimana, sem tergiversações, da realidade inexoravel dos factos, - da prisão que estou cumprindo. Se tivesse delinquido, que não delinqui, deveria ter sido processado, segundo o que preceitua a legislação em vigor, mormente o artigo 4.° do Segundo Acto Addicional. Nenhuma outra conclusão, que não seja esta, pode admittir-se, attentas as cartas que sirviram de pretexto, para as violencias contra mim commettidas, serem por mim assinadas como Par do Reino, e unicamente nessa qualidade.

Demais, não me foi contestado esse exclusivismo, pelos meus contendores, cujo expressivo silencio, neste ponto, correspondia, sem a menor duvida, á sua tacita conformidade.

Como ella, porem, se exteriorizou, poucos dias decorridos, patenteia-o a inqualificavel portaria de 12 do corrente.

A que extremos conduz a incongruencia, conjugada com o abuso do poder!

Condensadas, em meu primeiro officio de 14, as occorrencias que deixo expostas, protestei, perante a Camara a que pertenço, conforme era meu direito, pelas violencias praticadas, respondendo-me V. Exa., em 14, nos seguintes termos :

"Em resposta ao officio de V. Exa., com data de hoje, cumpre-me dizer a V. Exa. que, não estando a funccionar actualmente a Camara dos Dignos Pares do Reino, eu me julgo sem competencia, por não m'a dar a lei, para em nome da mesma Camara reclamar officialmente as providencias que V. Exa. de mim solicita".

Em presença de tão peregrina jurisprudencia, estava naturalmente aconselhada a renovação do meu protesto, e assim aconteceu.

Tambem datado de 14, enderecei a V. Exa. novo officio, d'este teor:

"Apesar do abandono em que V. Exa. me deixa, por um recurso de casuistica, que nem sequer se desculpa, mas que bem se comprehende, eu continuarei protestando contra a violencia que me é feita, e de que - com magua o reconheço - V. Exa. compartilha de hoje em deante, com a sua injustificavel abstenção.

É o que sucintamente tenho a objectar, neste momento, ao officio de V. Exa., datado de hoje."

Após a transcripção d'estas duas peças de processo, impõem-se incontestavelmente, os seguintes reparos :

Não é a mesa, e mormente o seu presidente, que representa a Camara, quando esta não está funccionando ?

Não se tem dado isto sempre, correntiamente, como um dever indeclinavel para a mesa, na evolução de acontecimentos imprevistos, da mais variada especie ?

Entende, porventura V. Exa. que, para intervir, carecia de que a lei especificasse que a tanto era V. Exa. obrigado, quando abusivamente fosse applicado aos Pares do Reino o regulamento disciplinar do exercito ?

V. Exa. deveria ter comprehendido que; da resposta que me deu, era licito tirar illacções, como a ultima supramencionada e outras não menos absurdas, que o assunto não comporta, dada a sua indiscutivel gravidade. De resto, o motejo e os expedientes facetos não teem cabimento em questões d'estas.

orque não se identificou V. Exa., consoante lhe cumpria, com o artigo 41.° e seu § 1.°, da Carta Constitucional, e com os artigos 3.° e 4.° do Segundo Acto Addicional, os quaes não admittem nem proximo, nem remotamente, solução de continuidade para as regalias parlamentares ?

Trilhando por esse recto caminho, não se teria lamentavelmente evidenciado, conformo se evidenciou, como demolidor autenticado do que lhe pertencia, a mais do que a ninguem, sustentar intemeratamente, em plena integridade.

rocedendo pela maneira anormal como procedeu, collocou-se V. Exa. em completo antagonismo com a resolução concordante da Camara a que eventualmente preside, adoptada no anno em decurso. Eis resumidamente como se deram os acontecimentos :

Um Sr. Deputado da nação foi intimado, no intervalo parlamentar, para comparecer no Juizo de Instrucção Criminal. O intimado não se prestou, com motivo legal, a condescender com a ignavia ostentada pela policia judiciaria.

Em consequencia d'isto, levantou-se-lhe auto, que foi remettido á Camara electiva, para seguimento do processo.

A Camara Alta alarmou-se, e com razão, perante a violencia commettida, e versou o assunto, sendo votada por unanimidade, se a memoria me não falha, uma moção cujo autor foi o Digno Par Julio de Vilhena, e em que se afirmava o respeito pelas imunidades ininterruptamente garantidas aos representantes da nação.

A tropelia dera-se - convem frisá-lo bem - no interregno parlamentar. A Camara dos Dignos Pares considerou esta circunstancia, e, rio conhecimento d'ella, insurgiu-se contra a arbitrariedade perpetrada, afirmando simultaneamente o respeito pelas prerogativas parlamentares, sem reservas nem restricções de genero algum. Nada de intermitencias.

E é precisamente em condições d'estas que V. Exa. se aventura a alegar que não se julga com competencia para oficialmente reclamar, visto a Camara não estar funccionando !...

Se a Camara estivesse reunida, era ella que tinha de resolver, não era V. Exa. que tinha de reclamar.

Este encargo-o da reclamação Presidencial- redunda em todo o ponto, de a Camara não estar funccionando. Não são admissiveis duas opiniões a tal respeito.

Pode crê-lo V. Exa., com o seu anomalo e erróneo procedimento, excedeu até a sinistra autocracia de 1907 e 1908, que, para privar da liberdade os membros do Parlamento, suspendeu as regalias parlamentares.

O actual Governo ultrapassou, na questão sujeita, o da nefasta e macabra dictadura. Rasgou cinicamente .as immunidades que sempre foram respeitadas, e fê-lo não só com menoscabo immediato dos meus legitimos direitos, o que é o menos, mas tambem com transparente ameaça aos respeitaveis direitos dos outros parlamentares, o que é mais.

V. Exa., attento o modo pungentemente significativo como se conduziu, exibe-se como efficaz collaborador nos destinos que pus em relevo.

Na cultura de tão notorio desvario, eu fui repulsivamente tratado por V. Exa. °, isto é. por quem me devia acolher com dedicação, nos termos taxativamente inilludiveis da lei.

Em taes condições, entendi que só me restava o recurso de lavrar mais um protesto, e de obedecer ás ordens illegaes [...] nadas da Secretaria da Guerra. Traduzindo praticamente esta minha deliberação, enviei á Direcção Geral d'aquella Secretaria de Estado, uma nota datada de 14, e expedida em seguida á resposta que dei ao officio de V. Exa. Ei-la :

"Para os effeitos devidos, declaro que, indo partir brevemente para Elvas, no cumprimento das ordens recebidas, é meu dever consignar que o faço, por ser a isso compellido.

"Não foram respeitadas as garantias par-

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SESSÃO N.° 2 DE 7 DE MARÇO DE 1910 15

lamentares e dá-se, demais, esta circunstancia para com quem não delinquiu, consoante succede commigo.

"Para comprovar esta minha categorica asseveração, reclamei perante o Exmo. Presidente da Camara dos Dignos Pares do Reino, na qual reside a unica jurisdição para que, no meu sentir, me é licito appellar, no caso sujeito".

Vae longa a exposição, e tudo tem um termo, até os justos protestos contra iniquidades e violencias, que chegam a ser inconcebiveis, tão inquinadas se mostram de ruim paixão e de retinta pusilanimidade. Facil seria prová-lo, neste momento, circunstanciadamente. Não é, porem, opportuno dar agora maior desenvolvimento a este thema, que imprime manifestamente caracter á mediocracia ministerial. Limito-me, portanto, para concluir as minhas reflexões, a protestar, ainda uma vez, contra o esbulho que, por parte do Governo, experimentei nas immunidades parlamentares, e bem assim contra a conformidade, para não dizer approvação, com que V. Exa. se associou á vexatoria espoliação, que tão injustificadamente me attingiu.

Creia V. Exa. que bem dolorosa e sentidamente registo a estranha e compromettedora attitude de V. Exa., neste assunto.

Deus guarde a V. Exa. - Elvas, 25 de outubro de 1909. = Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Par do Reino.

COMPLEMENTO NECESSARIO AO DOCUMENTO N.° 3

Illmo. e Exmo. Sr. Presidente da Camara dos Dignos Pares do Reino. - Como necessario complemento do meu officio de 25 do mês derradeiro, cumpre-me lealmente consignar que, segundo eu receára, num ponto atraiçoou, de facto, a memoria.

Confirma-o a narrativa, que tenho agora presente na sessão da Camara Alta, de 8 de março ultimo, e na qual se menciona que foi o acontecido com o Digno Par Conde de Arnoso, no Juizo de Instrucção Criminal, que originou a moção do Digno Par Julio de Vilhena, assim concebida:

"A Camara dos Pares, affirmando as prerogativas que as leis em vigor conferem a cada um dos seus membros perante o poder judicial, quer no exercicio das funcções de julgamento, quer na instrucção dos processos, passa á ordem do dia".

Não foi, pois, o succedido com um Sr. Deputado da Nação, e sim o que arbitrariamente se deu com um Digno Par, que promoveu a manifestação da Camara Alta, sem a menor duvida imponente, pela categorica corroboração de principies, ali produzida.

Somente nessa parte originaria .da questão, ha a modificar o expendido no meu officio anterior. Porque, pelo que respeita ás reflexões nelle contidas, todas ellas subsistem, por se integrarem completamente com a materia controvertida, reforçadas, demais, com estes dois factos, por todos os motivos, dignos de serem especializados :

"1.° A moção do Digno Par Julio de Vilhena foi approvada, em votação nominal, por 35 votos contra l;

2.° Um dos Dignos Pares que a approvou, foi V. Exa., Sr. Conselheiro Poças Falcão".

É o caso de recordar Virgilio, com elle dizendo : Quantum mutatus ab illo!

Com effeito, em 8 de março de 1909, denunciou-se V. Exa., pelo seu voto regalista, estrénuo paladino, sem restricções, das imunidades parlamentares. Sete meses decorridos, em 14 de outubro, sob o futil e vão pretexto de não estar funccionando o Parlamento, como não estava, diga-se de passagem, na vez anterior, V. Exa., dada a sua irreductivel abstenção, collaborava com o executivo, nas exorbitancias e violencias Constantes da truculenta portaria de 12 do ultimo citado mês, em que os privilegios parlamentares foram impudente e affixadamente menosprezados.

A intermitencia, que as leis constitucionaes não admittem neste importante assunto, cultivou-a V. Exa., com singular teimosia, a despeito de lhe pertencer desempenhar, por coherencia e por dever de officio, papel diametralmente opposto ao que desempenhou. - Mais uma vez o assinalo, com verdadeiro sentimento.

Deus guarde a V. Exa. - Elvas, 1 de novembro de 1909. - Illmo. e Exmo. Sr. Presidente da Camara dos Dignos Pares do Reino. = O Par do Reino, Sebastião de Sousa Dantas Baracho.

Documento n.° 4

Illmo. e Exmo. Sr. Presidente da Camara dos Dignos Pares do Reino.- No proposito de ter ao corrente a Camara a que pertenço, das inauditas violencias exercidas para commigo, com menoscabo incontroverso das immunidades parlamentares, formulei o meu officio de 25 do mês preterito e seu adstricto complemento de 1 de novembro, ambos datados de Elvas.

Com essas duas peças do processo parlamentar que ha de seguir seus tramites, esta que vou elaborar, destino-a igualmente a ser publicada, a seu tempo, no summario e nos Annaes, para pleno conhecimento e edificação de todos quantos teem de imparcialmente apreciar o assunto, do qual, pelo que anteriormente expus, resalta em synthese :

1.° Que foram impudentemente postergadas as regalias dos representantes da nação, consubstanciadas no artigo 41.° e seu § 1.° da Carta Constitucional, e nos artigos 3.° e e 4.° do Segundo Acto Addicional de 24 de julho de 1885.

2.° Que, em flagrante desacato d'essa natureza, o Governo presidido pelo Sr. Conselheiro Wonceslau de Lima excedeu o da sinistra ditadura, consoante o comprova o decreto de 31 de janeiro de 1908, que suspendeu as immunidades parlamentares, procurando cohonestar, por essa maneira, o arbitrario procedimento empregado contra os mandatarios do país.

3.° Que, sem eu ter praticado delicio algum, isto é, infracção alguma á lei ou ao dever, fui abusivamente punido como general do exercito, por materia alheia ao serviço militar, sem ser tomada em consideração a minha qualidade de Par do Reino, ao abrigo da qual exclusiva e correctamente procedi, e sem ao menos ter sido ouvido, conforme as regras mais elementares da justiça e da rectidão claramente aconselhavam.

Condensadas, segundo o que deixo exarado, as reflexões constantes das minhas anteriores reclamações, é de opportunidade registar outras circunstancias que se salientam com o cumprimento da pena que me foi imposta, e que são comprovativas de que, alem de não poder ser castigado pelo executivo, a punição a que draconiamente fui submettido, não me podia ter sido applicada.

Na verdade, sob a epigraphe - Dos effeitos das penas, o capitulo v do regulamento disciplinar do exercito estabelece :

"Artigo 41.° A pena de inactividade importa a transferencia do official para outra divisão e inhibe-o de ser collocado durante tres annos na divisão, e, durante seis, n o corpo e na localidade onde lhe tiver sido aprlicada a pena.

§ 1.° O tempo do cumprimento da pena de inactividade desconta-se, para os effeitos da reforma, no tempo de serviço do official.

§ 2.° O official, que for punido com a pena de inactividade, descerá na escala do acesso tantos logares quantos forem designados no valor x, desprezadas as fracções, da formula :

x = n m
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em que n representará a media de promoção relativa ao posto e arma em que servir o official punido, durante os ultimos dez annos civis, e m o numero de meses de castigo".

Nenhum dos effeitos correspondentes á pena de inactividade me pôde attingir.

Não dependendo os generaes, na minha situação, das divisões, e sim directamente da Secretaria da Guerra, em ponto algum experimentei os effeitos indigitados no texto do artigo 41.°, porque de facto os não podia experimentar.

Outro tanto succede com os §§ 1.° e 2.° do mesmo artigo. E senão vejamos:

Contando eu mais de quarenta e cinco annos de serviço, que tantos são os exigidos para se obter a maxima reforma, o desconto que se realizasse ao obrigo do invocado § 1.°, não teria consequencias de especie alguma;

Elevado ao generalato, em 19 de outubro de 1900, ha mais de nove annos que não pertenço a nenhuma arma; e tendo eu ascendido ao mais alto grau da escala hierarchica, não é suscetivel de nella descer, para o effeito de promoção, quem se encontra em taes condições. De resto, ainda mesmo que a formula regulamentar me pudesse ser applicada, que não pode, eu não descia nenhum grau naquella escala.

Outros artigos do regulamento poderia citar, nomeadamente o n.° 146.°, que, dada a sua letra expressa, não são apropriados aos generaes.

Afigura-se-me, porem, ociosa a insistencia em adduzir maior numero de minuciosidades d'essa indole, perante a demonstração que fica solidamente assente. Limito-me, portanto, a chamar a attenção de V. Exa. para os seguintes factos:

1.° Ao invés do que acontece com o Codigo de Justiça Militar, designadamente nos seus artigos 308.° e 377.°, no regulamento disciplinar em parte alguma se faz a mais ligeira e especial referencia a generaes, até quando lhes não podem ser applicadas as providencias preceituadas para officiaes, e apenas sobre esta rubrica geral agrupadas.

2.° Desde que vigora o regulamento disciplinar, cuja data é de 12 de dezembro de 1896, sou eu o unico general punido com a pena gravissima, pela sua significação, de inactividade temporaria.

Posto isto, e para concluir, seja-me licito consignar que o tumultuario procedimento havido para commigo é por tal modo odiento e odioso, qualquer que seja o prisma por que for encarado, que eu julgo desnecessario accentuar, neste momento, essa patente nota de pestilentas miserias e de revoltantes iniquidades.

Deus guarde a V. Exa. - Belem, 30 de novembro de 1909. - lllmo. e Exmo. Sr. Presidente da Camara dos Dignos Paras do Reino. = O Par do Reino, Sebastião de Sousa Dantas Baracho.

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16 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Documento n.°5

Antecedentes

Um caso tipico de atropello das immunidades parlamentares deu-se em 1833, com o Conde da Taipa, Par do Reino, e que, tendo ascendido até coronel de cavallaria, figura, na sua qualidade de militar, fazendo em parte, a campanha da Peninsula, a campanha de Montevideu, e a campanha da Liberdade, entrando em Lisboa no dia 24 de julho de 1833, encorporado na expedição do cominando do Duque da Terceira. Áquella peripecia se referem:- Alberto Pimentel, no seu livro - A Côrte de Dom Pedro IV, a pag. 215; e Barbosa Colen, mais circunstanciadamente, na Historia de Portugal, nono volume.

Originou a estranha occorrencia uma carta que, a proposito do monopolio do tabaco, o Conde da Taipa dirigiu a D. Pedro IV, e de i que destacamos o seguinte trecho :

"O contrato foi dado camarariamente a una individuo pelo preço de 1.200:000$000 réis annuaes, e pelo prazo de 12 annos, havendo em Lisboa pessoas que offereceram 1.400:000$000 réis, de onde resulta uma delapidação de seis milhões de cruzados á Fazenda publica, delapidação da qual nem o credito de Vossa Majestade fica illibado na opinião d'aquellas pessoas, que menos do que eu conhecem a elevação e grandeza das qualidades moraes de Vossa Majestade..."

A esta primeira carta, que passara incólume e que teve até reproducção por parte do Governo - com a adequada resposta - na Chronica Constitucional de Lisboa, seguiram-se outras que determinaram o processo, em virtude do qual o Conde da Taipa foi pronunciado, e contra elle passado mandado de captura, a cujo cumprimento o arguido se esquivou, por forma ardilosa, que ocioso seria especificar neste momento.

Perante o desacato commettido, alvoroçaram-se os signatarios da representação, adeante transcrita da Chronica Constitucional de Lisboa, n.° 118, de terça feira, 10 de dezembro de 1833. A representação aludida e o competente despacho, encontram-se por este modo agrupados :

Secretaria de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça - Bipartição da Policia Judiciaria.

Representação

Senhor. - Os abaixo assinados teem a honra de representar a Vossa Majestade Imperial e Real que esta manhã foi intimada ao Conde da Taipa, Par do Reino, uma ordem de prisão, assinada por um dos ministros criminaes d'esta cidade, a qual se intentou levar a effeito; e como este facto lhes pareça envolver manifesta infracção do artigo 26.° da Carta Constitucional, visto não se apresentar caso de flagrante delicto de pena capital, unico caso exceptuado no sobredito artigo que se expressa d'esta maneira: - Artigo 26.° Nenhum Par, ou Deputado, durante a sua deputação pode ser preso por autoridade alguma, salvo por ordem da sua respectiva Camara, menos em flagrante delicto de pena capital. - Julgam-se os abaixo assinados na necessidade de rogar a Vossa Majestade Imperial e Real, a fim de manter a immunidade da Camara dos Pares, que se digne mandar-lhes declarar se os artigos da Carta Constitucional, que garantem a inviolabilidade dos Pares, se acham suspensos pelo decreto de 10 de julho de 1832, para que a mesma declaração lhes possa servir de regra. Deus guarde a Vossa Majestade Imperial e Real. - Lisboa, 7 de dezembro de 1833. = Duque da Terceira, Par do Reino = Duque de Palmella, Par do Reino = Marques de Fronteira, Par do Reino = Marques de Ponte do Lima, Par do Reino = Marquez de Loulé, Par do Reino - Marquez de Santa Iria, Par do Reino = Conde de Lumiares, Par do Reino = Conde de Ficalho, Par do Reino = Conde de Paraty, Par do Reino.

Despacho

A ordem de prisão dada pelo corregedor do crime do Bairro Alto contra o Conde da Taipa, e por este reconhecida, teve logar em consequencia de pronuncia. Se o pronunciado tem que allegar em seu favor, ou algum dos Dignos Pares se julga lesado em seus direitos, pode usar dos meios que as leis permittem. A sua inviolabilidade marcada no artigo 25.° da Carta Constitucional, ser-lhes-ha inteiramente guardada. Quanto ao decreto de 10 de julho de 1832, como não faz distincção de pessoas, comprehende a todas: porque segundo o artigo 145.°, § 12.°- a lei é igual para todos, quer proteja, quer castigue.- Paço das Necessidades, 9 de dezembro de 1833. = José da Silva Carvalho.

Não se conformaram, porem, os signatarios com o despacho á representação, e recalcitraram endereçando ao regente um protesto, que appareceu a lume na Chronica Constitucional de Lisboa, n.° 124, de 17 de dezembro de 1833.

Eis o

Protesto

Senhor.- Tendo sido publicada na Chronica de 10 do corrente mês, debaixo do titulo de requerimento, a representação que alguns Pares do Reino levaram á presença de Vossa Majestade Imperial em data de 7 do mesmo mês, por occasião da ordem de prisão expedida pelo corregedor do Bairro Alto contra o Conde da Taipa, e em seguida á dita representação um despacho, assinado pelo Ministro e Secretario de Estado encarregado dos Negocios da Justiça; os Pares abaixo assinados se vêem na dura necessidade de protestar perante Vossa Majestade Imperial, tanto contra a alteração essencial da Representação, pela denominação de Requerimento, que lhe foi dada, como contra a forma de despacho ordinario por que foi respondida, como final e principalmente, contra a doutrina, quanto a elles, errónea e perniciosa, que no dito despacho se contem.

Protestam contra o titulo de requerimento dado á representação : porquanto os requerimentos são supplicas ao poder executivo sobre objectos da sua competencia, e o decidir sobre assuntos constitucionaes, qual a violação das immunidades dos orgãos, seja permanentes, seja electivos, do poder legislativo, não pode ser attribuição de um poder a que elle não é subordinado. Foi portanto a Vossa Majestade Imperial que, como Regente, em nome da Rainha, exerce o poder moderador a quem pela Carta pertence velar sobre a manutenção da independencia dos mais poderes politicos (titulo V, capitulo I, artigo 71.°) que os Pares tiveram recurso na representação, impossibilitados, como se achavam, de submetter este objecto á consideração das Côrtes.

Protestam contra a resposta por despacho ordinario, pelas mesmas razões pelas quaes o fazem contra o titulo de requerimento dado á representação.

Protestam finalmente contra a doutrina inserta no despacho, porquanto o decreto de 10 de junho de 1832 não fez, nem podia fazer mais do que pôr em execução a prerogativa que, em casos extraordinarios, é concedida ao Governo pelo § 34.° do artigo 145.° do titulo VIII da Carta; o qual paragrapho permitte a suspensão por tempo determinado, de algumas das formalidades que garantem a liberdade individual. Ora a liberdade de Pares e Deputados, não é garantia de liberdade individual; mas sim de independencia do poder legislativo, e a sua suspensão nada menos importa do que a escravização d'este poder. Isto é, total anniquillação do Governo representativo, embora sofisticamente se indique no despacho, como para fazer ver que a liberdade representativa não periga, que se guardará aos Pares a inviolabilidade de opiniões emittidas, determinada no artigo 25.°, titulo IV, capitulo I. Esta só não basta para a independencia do poder legislativo, porque o Governo que quiser opprimir os orgãos d'elle, o poderá fazer debaixo de qualquer pretexto, que não seja o de opiniões emittidas em exercicio de suas funcções, e por isso o sabio autor da Carta estabeleceu como paládio da liberdade constitucional dos portugueses a immunidade dos membros de ambas as Camaras no artigo 26.° do mesmo titulo e capitulo.

Não são, Senhor, os privilegios de um individuo, não são as prerogativas legaes annexas a uma dignidade, e ainda menos as pretensões de uma classe, que os Pares abaixo assinados defenderam perante Vossa Majestade Imperial na sua representação, e de novo sustentam no presente protesto.

Se de taes objectos se tratasse, se a questão fosse estranha á, liberdade legal de todos os portugueses, os Pares guardariam o silencio e fariam voluntarios mais este sacrificio, a bem da harmonia interior. São, porem, as condições fundamentaes, sem as quaes o Governo representativo, pelo qual tanto sangue tem sido derramado, se tornaria um simulacro vão, que elles se vêem na rigorosa obrigação de sustentar e defender.

Os Pares abaixo assinados, na fatal ausencia da Camara electiva, que, com Vossa Majestade Imperial e com a outra Camara, completaria a representação nacional, não conhecem recurso algum legal que não seja o de que lançaram mão, recorrendo ao chefe do Governo, em quem reside o poder moderador; nem vêem qual seja esse recurso legal a que no despacho se lhes diz recorrerão, se algum d'elles se sentir aggravado; não podendo admittir, para a decisão de questões fundamentaes de liberdades publicas, nenhuma outra autoridade, alem do poder legislativo, e na sua ausencia forçada, o poder moderador, a quem recorrerão.

Os Pares abaixo assinados não fariam afoitamente a representação da data de 7 do corrente, nem o presente protesto (apesar da sua importancia) se tivessem o menor receio de que a publicidade d'elle pudesse ser nociva ao progresso feliz da importante causa nacional; mas elles teem a plena convicção de que jamais a expressão respeitosa e franca do seu pensar em favor do regime constitucional e da liberdade legal dos portugueses poderá ser favoravel aos inimigos da mesma liberdade, os quaes, pelo contrario, só podem medrar e regozijar-se com as invasões do poder, com a violação das garantias da liberdade que combatem e com a anniquillação do regime da Carta Constitucional, pelo qual a parte sã da nação tantos sacrificios tem feito, e está pelejando ainda hoje com o mais louvavel enthusiasmo e admiravel perseverança.

Os Pares abaixo assinados, reclamando de Vossa Majestade Imperial, como chefe do poder moderador, a Carta inteira e religiosamente observada, teem a nobre confiança de que exprimem o voto da Nação que pela mesma Carta se sacrifica e combate.

Lisboa, 11 de dezembro de 1833. = Duque da Terceira, Par do Reino = Duque de Palmella, Par do Reino = Marquez de Fronteira, Par do Reino = Marquez de Ponte de Lima, Par do Reino = Marquez de Loulé, Par do Reino = Marques de Santa Iria, Par do Reino = Conde de Lumiares, Par do Reino = Conde de Ficalho, Par do Reino = Conde de Paraty, Par do Reino.

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SESSÃO N.° 2 DE 7 DE MARÇO DE 1910 17

O protesto formulado poios nove recalcitrantes teve a seguinte

Resposta

".III. e Exa. Sr.- De ordem de Sua Majestade Imperial, o Duque de Bragança, Regente em nome da Rainha. Communico a V. Exa. para que o faça constar aos seus collegas, assinados no protesto que em 11 d'este mês, e por mão de V. Exa., levaram à presença do mesmo Augusto Senhor:

"1.° Que Sua Majestade Imperial leu com toda a attenção o protesto feito e assinado em 11 do corrente por V. Exa. e por mais alguns Dignos Pares do Reino, em numero de nove, quatro dos quaes ainda não tomaram assento na Camara,

"2.º Que ao poder moderador não compete, mesmo na ausencia forçada do poder legislativo, interpretar a Carta Constitucional da monarchia; porem, se taes circunstancias sobreviessem, que forçassem Sua Majestade a dar qualquer esclarecimento sobre algum ou alguns artigos da Carta, Sua Majestade Imperial, não como autor ou como dador d'ella, mas como encarregado da nobre missão de salvar a Patria que o viu nascer, e com ella o trono de sua Augusta filha, o faria, buscando conciliar a independencia dos poderes politicos do Estado e os interesses dos membros das Camaras, com a indispensavel satisfação da justiça devida á sociedade.

"3.° Que o dito protesto será levado á presença das Côrtes, logo que tenhamos a fortuna de as ver reunidas para que decidam á vista d'elle e do despacho dado pelo Ministro da Justiça se a Carta Constitucional foi ou não violada.

"4.° Que Sua Majestade Imperial folga muito de ver que os Dignos Pares assinados no protesto nutrem nobres sentimentos de respeito para com a sua imperial pessoa, e de adhesâo á Carta, pela qual, e pela Rainha, o mesmo Augusto Senhor tanto desvello tem mostrado, e tantos sacrificios tem feito.

"Deus guarde a V. Exa. Palacio das Necessidades, em 16 de dezembro de 1833.- lllmo. e Exa. Sr. Duque da Terceira, Joaquim Antonio de Aguiar".

Decreto

O decreto de 10 de julho de 1832, retrocitado, é d'este teor:

"Hei por bem, em virtude do artigo 145.° da Carta Constitucional, determinar em nome da Rainha o seguinte :

"Ficam suspensas algumas das formalidades, que garantem a liberdade individual, emquanto durarem as operações militares necessarias para derrubar o usurpador.

"Os Ministros e Secretarios de Estado o tenham entendido e façam executar.

"Paço no Porto, em 10 de julho de 1832.= D. Pedro, Duque de Bragança. = Marquês de Palmella".

Para considerar é que o Marques de Palmella, que referendou este decreto, figura, elevado a Duque, entre os nove signatarios do requerimento, que necessitavam ser elucidados acêrca da interpretação do Governo concernentemente ao mesmo diploma, verdadeiramente occasional, isto é, de circunstancia, e cujo fundamento se encontra no § 34.° do artigo 145.° da Carta, o qual estatue :

"§ 34.° Nos casos de rebellião, ou invasão de inimigos, pedindo a segurança do Estado que se dispensem por tempo determinado algumas das formalidades, que garantem a liberdade individual, poder-se-ha fazer por acto especial do poder legislativo. Não se achando, porem, a esse tempo reunidas as Côrtes, e correndo a patria perigo imminente, poderá o Governo exercer a mesma providencia, como medida previsoria e indispensavel, suspendendo-a immediatamente cesse a necessidade urgente que a motivou, devendo num e noutro caso, remetter ás Côrtes, logo que reunidas forem, uma relação motivada das prisões, e de outras medidas de prevenção tomadas e quaesquer autoridades que tiverem mandado proceder a ellas, serão responsaveis pelos abusos que tiverem praticado a esse respeito".

Outros interessantes pormenores

Convem não esquecer, attentas as referencias produzidas nos documentos antecedentes, que as Côrtes não funccionavam, quando se deu a occorrencia em que o Conde da Taipa foi protagonista.

Com effeito, após a outorga da Carta, em 29 de abril de l826, a primeira legislatura decorreu de 31 de outubro do mesmo anno a 14 de março de 1828, sendo presidente da Camara Alta, o Duque de Cadaval. Desde então, até 15 de agosto de 1834, esteve suspensa, em virtude de motivos varios, a acção parlamentar, tendo nessa data começado a segunda legislatura, que se prolongou até 4 de junho de 1836. A correspondente eleição da Camara dos Deputados, annunciada por diplomas de differentes datas, realizou-se de facto em 27 de junho de 1834. Em 14 de agosto do mesmo anno, recaiu a nomeação de presidente da Camara dos Pares, no Duque de Palmella, que foi quem, depois da campanha intitulada da Liberdade, exerceu primeiro aquella alta magistratura, cujo vitalicio exercicio se prolongou até 12 de outubro de 1850.

No decurso do episodio com o Conde de Taipa, a Camara Alta compunha-se, incluindo este prócere, de dezasete membros, que tantos eram, alem dos fallecidos, os que se conservaram fieis á causa constitucional, dos setenta e tres nomeados em 30 de abril de 1826. D'esses dezasete, quatro, que eram o Duque de Palmella, Marquez de Loulé, Marquez de Ponte de Lima e Conde de Ficalho, não tinham ainda, por circunstancias eventuaes, tomado assento na Camara, o que não os privava da dignidade de Par, nem tão pouco os impedia de exercer as correspondentes funcções, visto a doutrina restrictiva, a tal respeito, só apparecer comprehendida no artigo 7.° da lei de 3 de maio de 1878.

ara o assunto que estou versando, convem de preferencia registar que, excluindo o Conde da Taipa, como directamente alvejado, dos outros dezaseis Pares apareceram nove immediatamente em campo, a protestar contra a violencia commettida para com um collega, è simultaneamente a pugnar, com insistencia, pela intangibilidade das prerogativas parlamentares. Agora, na questão que principalmente me affecta, nem com insistencia, nem sem ella, se exibiu officialmente na liça um unico Par dos da multiplicidade compacta - nem menos de cento e quarenta e tres - que compõem a actual Camara; e, todavia, não obstante do acto do Conde da Taipa redundar desdouro afixado para o Regente do reino, o incriminado nem preso chegou a ser, e nenhumas outras consequencias penaes teve o feito por elle praticado. Demais as imunidades dos representantes da nação, dada a anormalidade da composição e existencia da Camara a que elle pertencia, não foram então, nem podiam ser, tão patentemente calcadas, como o estão sendo na actualidade.

osto isto, vejamos como se passaram os acontecimentos parlamentares, nessa remota epoca.

Presidiu o Duque de Palmella á sessão preparatoria de 16 de agosto de 1834, cujo autentico extracto se encontra no n.° 43 da Gazeta Official do Governo de terça feira 19 do mesmo mês e anno. A essa sessão assistiram doze Pares, incluindo o Conde da Taipa, e nella se deu conhecimento, emanante do executivo, do expediente incompleto acêrca d'aquelle membro da Camara, o que deu margem a discussão, em que falaram, a começar pelo Presidente, o Marquez de Loulé, Marquez de Fronteira, o Conde de Lumiares, o Duque da Terceira e o Conde da Cunha, cujas affirmações foram, sem discrepancias, em todo o ponto favoraveis á manutenção das regalias parlamentares. Assim, o Conde da Cunha, por exemplo, expressou-se nestes precisos termos :

"Para que o Digno Par Conde da Taipa seja suspenso das suas funcções é necessario que á Camara seja presente a sua accusação; mas esta, segundo a Carta, não provem senão da Camara dos Deputados, ou do Procurador da Corôa; portanto não ha accusação, porque este acto vem do Ministerio e um Ministro não tem direito a accusar nenhum de nós."

Por seu turno, o Conde de Lumiares lembrou o precedente de 1827, succedido com quatro Pares, dos quaes tres se achavam, naquelle momento na sala. A Camara contraditando então as exigencias do Governo, opôs-se a que esses quatro Pares fossem extemporaneamente suspensos das suas funcções, e esta orientação prevaleceu, seguindo o processo os tramites regulares, de que resultou a absolvição dos quatro accusados.

Concernentemente ao Conde da Taipa, devia aguardar-se a remessa da pronuncia cujo exame caberia a uma commissão; e, á vista do parecer que fosse elaborado, a Camara decidiria se o Digno Par devia ou não continuar em suas funcções, conforme se julgasse que a pronuncia procedia ou não.

Concordou o Duque da Terceira com este alvitre, por entender que devia constituir norma de procedimento, o que em caso semelhante se praticou já outra vez, tanto em harmonia com o que a sã razão aconselha.

E submettida á votação a proposta do Conde de Lumiares, foi ella approvada por todos os Pares que assistiam á sessão, excepto pelo Conde da Taipa, que se conservou sempre estranho ao assunto; e não admira que d'esse modo se conduzisse, visto ter encontrado nos seus collegas, sem divergencia de especie alguma, os seus melhores procuradores.

Nessa briosa e salubre manifestação, - bom é pô-lo em relevo - irmanaram-se, sem distincção de principios politicos, desde o ultra-conservador Duque da Terceira até o proximo setembrista Conde de Lumiares.

Dos annaes parlamentares d'esse tempo, não consta que o despacho judiciario de pronuncia chegasse a ir á Camara, cuja attitude não era, sem a menor duvida, animadora para a persistencia na perseguição. De resto, pouco mais de um mês decorrido, em 24 de setembro de 1834, houve modificação ministerial, ascendendo á Presidencia do Conselho o Duque de Palmella, um dos intrépidos campeões a favor da causa do Conde da Taipa. A despeito de Palmella ter, como companheiros de gabinete, respectivamente nas pastas da justiça e da Fazenda, Joaquim Antonio de Aguiar, exonerado do Ministro do Reino em 23 de abril de 1834, e José da Silva Carvalho, exonerado na mesma data, de Ministro da Justiça, predominou a antiga opinião do Chefe do Governo e o Conde da Taipa saiu completamente illeso da escabrosa e movimentada aventura em que pontificara.

Dos documentos e factos produzidos util lição ha a colher, que resulta das seguintes

onclusões

1.ª O Conde da Taipa, Par do Reino e militar, atacou directa e causticamente o Regente do reino, isto é, a mais importante in-

Página 18

18 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

dividualidade da epoca, ficando indemne por esse feito;

2.ª O Governo que primitivamente o quis envolver no decreto de circunstancia de 10 de julho de 1832, teve de recuar em seguida, promettendo levar a questão ao Parlamento, e depois teve de capitular, perante a unanimidade com que a Camara dos Pares se patenteou, pelo acatamento devido ás immunidades dos mandatarios do país.

3.ª Este desenlace foi funcção indiscutivel da pertinacia e do vigor com que os membros d'aquella Casa, sem Presidente nomeado, mas constituindo maioria, se dirigiram digna e altivamente ao Chefe do Estado, sustentando os direitos do perseguido, que eram os de todos os parlamentares;

4.ª Apesar da quadra de convulsões poliliticas que se atravessava, campeando a guerra civil, e sem se poder prever quando reuniriam as Côrtes, encerradas desde 14.de março de 1828, os manifestantes souberam por tal maneira impor-se, que as regalias parlamentares foram acatadas, em homenagem á lei e á imprescindivel independencia do poder legislativo, e as reclamações e os protestos engendrados appareciam a publico, o que muito é para considerar, á medida que eram redigidos;

5.ª Sete annos antes, em 1827, na alvorada da vigencia da Carta Constitucional, a Camara dos Pares, estabelecendo salubrizadora doutrina, soubera fazer respeitar as prero-gativas de quatro dos seus membros, as quaes o Governo de então procurou facciosa e truculentamente lacerar;

6.ª Oitenta annos transpostos sobre esta ultima data, com a mesa da Camara dos Pares funccionando, e o respectivo Presidente e assessores em exercicio, e sem haver travão algum legal na engrenagem do constitucionalismo, ninguem até hoje, entre os 143 membros d'aquella corporação, acudiu a pugnar official e abertamente pelas imunidades parlamentares, retinta e cinicamente esmagadas pela grosseira e infecta portaria de 12 de outubro de 1909, com desdem incontroverso da solemne imponencia da lei, e com desprezo indiscutivel da necessaria independencia dos legisladores, representantes da nação.

A differença havida de procedimentos, consoante a epoca em que em elles se deram, merecia ser aproveitada, e é, como peça do processo que eu tenho procurado instruir com accentuada minuciosidade e escrupulosa exactidão.

Belem, 10 de dezembro de 1909. = Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Par do Reino.

Documento n.° 6

Antecedentes

Cartas trocadas entre Sá da Bandeira e Antonio Bernardo da Costa Cabral, á epoca Ministro do Reino.

1.ª CARTA

De Sá da Bandeira a Costa Cabral. - Publicada na "Revolução de Setembro-" n.º 463 de 14 de junho de 1842.

Cruz do Tabuado, 13 de junho de 1842.- Illmo. e Exmo. Sr. - Lendo o ultimo numero do Diario do Governo, vejo ali affirmado que a opposição tem o projecto traiçoeiro de entregar a nação ao sceptro de ferro ou tyrannia de D. Miguel.

A redacção do Diario acha-se sob a particular inspecção de Vossa Exa., como Ministro do Reino, e ella não se permittiria publicar e repetir por vezes, como tem feito tão grave asserção, sem o consentimento de V. Exa. Consentiu, pois, V. Exa. que se publicasse essa accusação, e V. Exa. sabe que lia é uma pura calumnia.

Tanto tem presentemente as pessoas que formam a opposição, com um folheto publicado em Londres por A. Ribeiro Saraiva, em que aconselha que se chame D. Miguel
ao trono, como tinham em 1837, em igual proposta feita por cartas pelo mesmo escritor, ás numerosas pessoas a quem então se dirigiu, sendo algumas d'estas das mais influentes do partido cartista.

O objecto para que se reuniram os partidos da opposição é publico, e está mesmo consignado nas circulares que a commissão entrai de eleições dirigiu aos eleitores.

Estas circulares estão assinadas por um numero consideravel de cidadãos, grande parte dos quaes teem feito á causa do trono da Rainha e das liberdades publicas, servi-os importantes, e entre os sinatarios achara-se nomes, que tiveram a honra de ser Ministros de Sua Majestade e de seu Augusto Pae.

Quem tem empregado muitos annos da sua vida, quem muitas vezes se tem arriscado para fazer triumphar esta causa, tem dado o penhor mais seguro que poderia dar de que ha de continuar a defendê-la, não só contra D. Miguel, mas contra outro qualquer usurpador do direiro que ao trono Sua Majestade a Senhora D. Maria II e a sua dynastia, ou d'aquelle que ás instituições liberaes tem o povo português. Asseverar o seu respeito é calumniar. Imprimi-lo e repeti-lo na Folha Official do Governo, é fazer-se o Governo cumplice da calumnia.

Depois da revolução effectuada este anno Dor V. Exa., os partidos da opposição, unidos entre si, consideram fazer um serviço eminente ao país, combatendo por todos os meios constitucionaes, a uma administração cuja politica é dirigida por um homem, o qual sendo Ministro da Coroa, abusou do nome augusto da soberana, para fazer revoltar uma parte do exercito contra a autoridade de Sua Majestade, e contra a constituição do Estado, que elle mesmo, como Deputado, havia concorrido a fazer, e que, como Ministro, tinha especial obrigação de defender,- o qual pelo seu exemplo e pelos seus agentes, fez que nesta capital se praticasse o mais escandaloso acto de insubordinação militar, desobedecendo As ordens vocaes e terminantes da Soberana, - o qual depois de demittido por Sua Majestade do cargo de secretario de Estado por se haver rebellado contra a sua autoridade, voltou a ser admittido nos Conselhos da Coroa, como meio unico de evitar que elle fizesse uma nova revolução - a qual tem buscado por todos os meios fazer acreditar á nação, e aos países estrangeiros, que a Coroa tinha approvado a revolta; procedimento que tende a alienar da dynastia os sentimentos de confiança, de respeito e de adhesão, que somente podem considerar-se, quando a nação se acha convencida que as promessas do principe reinante são guardadas com religiosa fidelidade; procedimento que é tanto mais merecedor de severa censura, que V. Exa. sabe que a Coroa reprovou o mais explicitamente que era possivel, a revolta de V. Exa., como V. Exa. o soube durante a mesma revolta pelo coronel Sarmento enviado expressamente para desenganar os illudidos; como asseguram, alem de muitas outra pessoas, todos os Ministros que foram collegas de V. Exa., sob a presidencia de Aguiar; os que compuseram a administração do Duque de Palmella e os que formaram a do Sr. Duque da Terceira, e que foram demittidos, para que V. Exa. voltasse ao Ministerio.

Em presença d'estes factos praticados por V. Exa., não é possivel acreditar que uma administração em que V. Exa. seja membro mais influente queira executar com fidelidade a Carta Constitucional. O que se tem passado nas presentes eleições deve tirar todas as duvidas.

As fraudes executadas pelos agentes do Governo aos recenseamentos eleitoraes : - o roubo feito aos empregados publicos da liberdade dos seus votos, distribuindo-se a muitos d'elles listas marcadas para lançarem na urna : - os espancamentos praticados na cidade de Lamego e na do Porto, e em outras povoações, com o fim de afugentar da uma os eleitores da opposição; as violencias praticadas em alguns logares Dela força armada com o mesmo objecto, tudo denuncia a existencia de um plano Concertado pelo Governo para levar ás Cores, não verdadeiros eleitos do povo, mas somente os escolhidos pelo Governo.

É evidente que semelhante proceder conduz a estabelecer em Portugal uma verdadeira tyrannia ou poder absoluto, debaixo das formas do systema representativo ; cumpre pois a quantos desejam que em Portugal estabeleça a verdadeira liberdade, e que as leis sejam rigorosamente executadas, opporem-se por todos os meios legaes a uma administração que, pelos seus actos, se tem mostrado inimiga d'esta liberdade e infractora das leis.

A asserção do Diario, folha official de V. Exa., que a opposição conspira contra o Trono da Rainha e contra os direitos da nação, me colloca na necessidade de escrever esta carta a V. Exa., que será publicada, a fim de, pelo que me toca, expor a calumnia, como ella merece.

Illmo. e Exmo. Sr. A. B. da Costa Cabral.- De V. Exa., muito venerador, Sá da Bandeira.

2.ª CARTA

De Costa Cabral a Sá da Bandeira.- Publicada na "Revolução do Setembro" n.º 464 de 15 de junho de 1842.

Rua das Trinas do Mocambo, 13 de junho de 1842.-Illmo. e Exmo. Sr.- Acabo de ler a carta de V. Exa. datada de hoje. Confesso que fiquei admirado da linguagem de que V. Exa. se serve na referida carta. Ella é impropria de V. Exa., e somente ditada pelo dissabor, de que a coalisão de que V. Exa. faz parte recebeu pela extraordinaria derrota que soffreu nas eleições para Deputados, quasi todos os nomes dos candidatos da coalisão para eleitores da provincias.

Foi esta a ultima prova que a nação entendeu e quis dar do pouco apreço e nenhuma consideração em que tem uma coalisão monstra, da qual uma pequena parte pode não querer tirar e roubar a coroa a Sua Majestade a Rainha, mas que é formada, na maxima parte, dos sectarios do usurpador, que tiraram e roubaram a Coroa á filha do grande Pedro, que enforcaram os nossos parentes e amigos, que nos condemnaram ao exilio, e fizeram expirar de mingoa e á força de tormentos milhares de subditos fieis da mesma Augusta Senhora, e obram debaixo das instrucções de Fr. Fortunato e de Ribeiro Saraiva, e que, finalmente, tem declarado pelos seus jornaes, uma e muitas vezes, que reconhecem como principio inscrito na sua bandeira o absolutismo e a legitimidade de D. Miguel.- Uma parte da coalisão, portanto, pode não querer D. Miguel, mas o general de D. Miguel, membro da coalisão, e todos os mais sectarios do usurpador, que pela coalisão foram apresentados como candidatos para eleitores - o general que commandou a batalha da Asseiceira, em que se cobriu de gloria o actual Presidente do Conselho de Ministros - o general e todos os que debaixo das suas ordens se debateram contra V. Exa. e contra os fieis subditos da Rainha, não podem querer nem D. Maria II, nem a Carta Constitucional.

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SESSÃO N.° 2 DE 7 DE MARÇO DE 1910 19

Tem V. Exa. sido Ministro e sabe por experiencia propria que os artigos não officiaes do Diario do Governo são dos seus redactores : esta questão, como V. Exa. não pode ignorar, tem por muitas vezes sido explanada em Côrtes, não quero no emtanto, em uma questão a mais grave que se pode apresentar, deixar de fazer conhecer bem a V. Exa. qual é a minha opinião acêrca d'ella.

Estou convencido de que uma parte da coalisão não quer D. Miguel, e que só se uniu aos sectarios do tyrano, para assim melhor chegar ao poder que ambiciona; mas tambem estou convencido de que a maxima parte da coalisão, os sectarios do usurpador, só querem D. Miguel e o absolutismo.

Não o teem elles declarado nos seus jornaes ? Não o declaram muitos no acto da votação ? Não são nesta parte conformes as peças officiaes de todas as administrações passadas, mesmo d'aquellas de que V. Exa. fez parte ?

Já eu havia sido prevenido de que ia ser publicado um escrito da coalisão, que, segundo affirmavam alguns colligados, mudaria a face da eleição pelo menos em Lisboa. Confesso que nunca presumi que este escrito fosse a carta de V. Exa. Considero, portanto, a carta de V. Exa. como o ultimo acto de desesperação da coalisão e como uma estratégia eleitoral, tendente a ganhar o voto de alguns eleitores que, porventura, incautos, poderiam deixar-se illudir, o que não é de esperar.

Permitta V. Exa. que eu lhe diga que a sua carta não é mais que um resumo de tudo quanto contra mim, e contra à restauração da carta tem escrito o Nacional, a Revolução de Setembro, o Constitucional, e sobre tudo o Portugal Velho.

Não tema V. Exa. o restabelecimento do absolutismo na nossa patria: este só pode vir dos sectarios do usurpador e do tyranno com os quaes V. Exa., com magoa minha e de todos os subditos fieis á Rainha, se ligou.

Por estes motivos e outras fortes considerações, não entrarei na analyse de differentes periodos da carta de V. Exa. e guardarei profundo silencio sobretudo quanto V. Exa. diz relativo ás pessoas e pensar de Suas Majestades: estes sagrados objectos estão sempre fora das discussões dos partidos; direi somente que não se achando V. Exa. habilitado para asseverar que eu abusei do nome augusto de Sua Majestade, para fazer triumphar o movimento em favor da restauração da Carta, ha de V. Exa. permittir que eu declare falso e calumnioso tudo o que V. Exa. refere na sua carta a tal respeito.

A restauração da Carta estava no coração de todos os portugueses, e só me coube a gloria, com outros amigos, de dirigir um movimento eminentemente nacional e patriotico.

Peço perdão a V. Exa. de não escrever esta carta com o meu punho ; os meus muitos affazeres, em parte destinados a embaraçar que os sectarios do usurpador renovem as scenas de 1828 e 1833, e sobretudo a molestia que soffro
Ha uns dias não permitte ter a honra e o prazer de assim o praticar.

Illmo. e Exmo. Sr. Visconde de Sá da Bandeira.- De V. Exa. muito venerador.- Antonio da Costa Cabral.

3.ª Carta

De Sá de Bandeira a Costa Cabral. - Publicada na "Revolução de Setembro" n.° 464, de 15 de junho de 1842.

Cruz do Tabuado, 14 de junho de 1842.- Illmo. e Exmo. Sr. - A carta de V. Exa., que recebi hontem á tarde, justifica o motivo que tive para escrever a V. Exa., attribuindo ao seu consentimento a accusação feita pelo
Diario do Governo á opposição, de conspirar contra o trono da Rainha; pois que V. Exa., em sua carta, fazendo apenas pequena excepção, apresenta como sua a mesma accusação; nem o artigo do Diario poderia deixar de ser a expressão de V. Exa., por que apesar das explicações que se teem dado, o facto é que, em artigos importantes de politica, a redacção d'aquella folha não publica senão o que pode ter a sancção do Ministerio do Reino, como o sabem quantos teem estado no Ministerio.

V. Exa. para fortalecer a sua accusação, fala dos seus muitos affazeres, em parte destinados a embaraçar que os sectarios do usurpador renovem as scenas de 1828 e 1833.

Que um jornal escrevesse isto, poderia explicar-se ; mas que V. Exa., Ministro do Reino o faça, é admiravel. -V. Exa. que sabe que nenhuma revolução pode ir avante em Portugal que não tenha por si a cidade de Lisboa ou a do Porto, ou o exercito, e que não haveria um unico homem, a não ser louco, que ousasse levantar um grito em favor de D. Miguel, em qualquer d'aquellas cidades, ou entre as tropas.

Do que V. Exa. escreve a respeito da candidatura a eleitor do official que na batalha da Asseiceira commandava as tropas de D. Miguel, parece ser a doutrina de V. Exa. que são réprobos, e que obram segundo as instrucções de sr. Fortunato, todos os antigos realistas que se uniram ao partido da opposição, embora tenham elles, depois da convenção de Evora-Monte jurado fidelidade á Rainha e á Carta Constitucional, embora se tenham considerado desde então como cidadãos pacificos; e que são dignos dos mais elevados empregos e dignidades todos aquelles que se uniram ao partido de V. Exa., embora tivessem elles feito serviços eminentes ao usurpador, embora haja apenas tres annos, que alguns d1 elles, empregados por V. Exa. se achassem em correspondencia e recebendo instrucções de sr. Fortunato. Não mencionarei os nomes; mas em meu poder existem as provas d'isto que devem tambem estar nas Secretarias de Estado.

Quanto ao paragrapho da carta de V. Exa. que se refere ao seu prodeder na restauração da Carta, não responderei aqui.

Illmo. e Exmo. Sr. A. B. da Costa Cabral. = Sá da Bandeira.

Nota

Após a correspondencia retro-transcrita, apropositado é apurar como foi liquidada a pendencia que transparece do ultimo periodo da segunda carta de Sá da Bandeira.

A esse lance faz referencia Barbosa Colen, no decimo volume da Historia de Portugal, certificando que o Visconde de Sá, dando-se por offendido, nomeou o Conde de Bomfim para o representar. Pela sua parte, Costa Cabral encarregou de missão identica o Duque da Terceira.

Conferenciaram os dois escolhidos, cuja orientação permittiu que a correspondencia epistolar continuasse entre Sá da Bandeira e Costa Cabral, a qual, tendo principiado em 13 de junho de 1842, ainda durava em 21 de julho.

Não se chegou, porem, ao desafio, que os negociadores evitaram com os demorados desabafos, entre os dois antagonistas, e de que se constituiram condescendentes transmissores.

Pelo succinto extracto que fica feito, dos factos narrados por Barbosa Colen, e bem assim, pelas tres cartas mencionadas, reconhece-se :

1.° Que Sá da Bandeira publicou, mediante mero aviso, a sua primeira carta, e deu depois á publicidade a carta de Costa Cabral e competente resposta, sem ao menos, para isso, se autorizar previamente.

2.° Que Sá da Bandeira não se limitou a cautamente informar Costa Cabril de que lhe enviaria os seus padrinhos, quando este deixasse de ser Ministro. Mandou-lhe, sem delongas, o seu representante, a fim de que a questão pudesse ser ventilada no campo da honra, e nelle seguisse consoante é de uso em casos taes.E seguiu effectivamente.

3.° Que o todo poderoso Ministro Costa Cabral não se acobertou, na resposta dada ao Par do Reino e general seu contendor, com os Artigos de Guerra, então vigorantes, ainda muito mais severos e apertados do que o Regulamento Disciplinar do Exercito, e do que toda a outra legislação penal militar da actualidade. Pela nomeação do seu representante, acceitou cavalheirosa e immediatamente a questão no terreno em que ella lhe era posta, e que proseguiu até se ultimar, segundo as praxes consagradas.

Conforme se observa, os tempos eram outros, e os Ministros tambem.

Belem, 15 de dezembro de 1909.= Sebastião de Sousa Dantas Bar acho, Par do Reino.

Documento n.° 7

No assunto em debate, alem da questão official, que segue os seus tramites, achava-se em aberto a questão pessoal, cujo resultado convem, por todas as considerações, aqui registar, precedido d'estes succintos e adequados esclarecimentos

O Diario do Governo n. 291, de 23 de dezembro de 1909, publicou a exoneração do membros do gabinete presidido pelo Sr. Wens ceslau de Lima.

Nestas condições, correspondendo ás affirmativas consignadas nas minhas cartas, constantes do Documento n.º l, enviei nesse mesmo dia, as minhas testemunhas aos Srs. Cardeira e Wenceslau de Lima, a fim de proseguirem as duas pendencias em que me engajara, e cujas actas seguem :

Pendencias

Acta

Aos 24 de dezembro de 1909, na casa do terceiro signatario, reuniram-se Affonso Costa, Antonio França Borges, Sebastião Custodio de Sousa Telles e João Martins de Carvalho, os primeiros por parte do Exmo. Sr. Sebastião de Sousa Dantas Baracho, e os segundos por parte do Exmo. Sr. José Manuel de Elvas Cardeira.

Verificados os plenos poderes de parte a parte, pelos primeiros signatarios foi dito que o seu constituinte se considerava aggravado pelos factos referidos nas suas cartas de 27 e 29 de setembro e de 1 de outubro de 1909 dirigidas ao constituinte dos segundos signatarios, e ainda pelo que ulteriormente succedeu. Com effeito, o Sr. Dantas Baracho, Par do Reino, assinalou naquellas cartas' que, em contraposição com diversos castigos disciplinares applicados só por motivos politicos, disfrutava a mais acentuada immunidade um capitão reformado por incapacidade moral, que num semanario aveirense, intitulado republicano, lhe assacara falsidades e vituperios a que dera a mais cáustica e compativel correcção.

Não lhe sendo licito, pelo seu sentir, appellar para os tribunaes ou para os superiores hierarchicos, nem podendo enviar cartel de desafio a um individuo em tal situação, tinha de procurar entre os consentidores officiaes a satisfação que não podia exigir do autor, e, por isso, annunciara ao Sr. Elvas Cardeira que com elle seguiria a pendencia de honra, quer desde logo, quer quando deixasse de ser Ministro. E como o Sr. Elvas Cardeira não explicou nem destruiu nas suas respostas os factos em que se baseava a exposição do Sr. Dantas Baracho, nem accei-

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20 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

tou desde logo o seu repto, antes confirmou e aggravou a presunção da sua responsabilidade pela expedição de um diploma official, em que, salva a essencia, que não é para discutir aqui, se revela, na forma e pela occasião, o proposito de insistir no aggravo ao Sr. Dantas Baracho, era evidentemente legitimo por parte d'este o direito de reclamar, dos representantes do Sr. Elvas, Cardeira uma explicação cabal ou uma reparação pelas armas.

Pelos segundos signatarios foi dito que não viam razão para o seu constituinte ser responsavel pelos artigos publicados por um terceiro, aos quaes o Sr. Elvas Cardeira accentuadamente affirma, na sua carta de 28 de setembro de 1909, ser inteiramente estranho, o que está de acordo com os preceitos que regem as questões de honra.

A mesma declaração de ser inteiramente estranho ao que foi praticado pelo autor dos artigos publicados no semanario de Aveiro provava á evidencia que o seu constituinte, Sr. Elvas Cardeira, não era consentidor de taes escritos.

Sendo indiscutiveis em pendencias d'esta natureza os actos officiaes praticados pelo Sr. Elvas Cardeira como Ministro da Guerra, os respondentes absteem-se de apreciar o diploma a que se referem os dois primeiros signatarios, relativo ao Sr. Dantas Baracho, assim como, igualmente, a opportunidade do procedimento official do seu constituinte contra o autor dos artigos, não podendo comtudo deixar de accentuar que este procedimento provava tambem cabalmente que o Sr. Elvas Cardeira não era consentidor dos mesmos artigos.

Nestes termos affirmam os dois ultimos signatarios não ter havido da parte do Sr. Elvas Cardeira offensa ao Sr. Dantas Baracho, julgando, portanto, não existir motivo para explicações ou reparação pelas armas.

A estas considerações objectaram_os_primeiros signatarios que o seu constituinte, Sr. Dantas Baracho, não pediu ao Sr. Elvas Cardeira explicações ou reparação pelos artigos do semanario, mas sim pelo consentimento, que ao respectivo autor, insusceptivel de imputação, assegurava o tratamento de excepção de que elle era objecto e no qual o Sr. Elvas Cardeira tinha responsabilidades peculiares pelas funcções officiaes que transitoriamente desempenhava. E esta responsabilidades subsistem, já porque o Sr. Elvas Cardeira não tinha repellido nas suas cartas os factos que significavam aquelle consentimento, limitando-se a não assumir a responsabilidade directa de artigos cuja paternidade o Sr. Dantas Baracho não lhe attribuira, já porque publicou muitos dias depois uma portaria ou disposição official, que até podia ser uma razão para o Sr. Dantas Baracho não proseguir nesta pendencia, e em cuja forma e epoca de publicação houve proposito de aggravo para o Sr. Dantas Baracho, o que nem sequer é abertamente excluido pelas palavras dos segundos signatarios. Alem d'isso os primeiros signatarios não podem contentar-se com a declaração referente ao procedimento official contra o autor dos artigos, porquanto, se esse procedimento era licito e necessario, devia ter sido adoptado mais cedo, salvo se o Sr. Elvas Cardeira, então Ministro da Guerra, não o julgasse preciso, por se tratar de um official do exercito, banido do serviço activo por decisão do Conselho Superior de Disciplina, em consequencia de incapacidade moral, razão que, aliás, o Sr. Elvas Cardeira não produziu em nenhuma das suas cartas. Por estes fundamentos, os primeiros signatarios insistem em que as explicações recaiam especificadamente sobre cada um d'estes pontos, ou que, na falta d'ellas, se dê ao seu constituinte a reparação pelas armas a que elle tem incontestavel direito.

Os segundos signatarios observaram que a declaração da carta do seu constituinte de 26 de setembro, de que é "inteiramente estranho aos aggravos ou offensas feitas por um terceiro", exclue a ideia de consentimento e de toda a outra forma de participação nos artigos do periodico de Aveiro e na sua publicidade.

Quanto aos termos da disposição official referente ao Sr. Dantas Baracho, repetem que não podem discuti-los, vistas as prescrições que, pelo consenso geral, regulam as pendencias de honra, alem de que. em taes disposições, nunca devem existir aggravos, nem de facto existiram no caso de que se trata, tanto mais quanto é certo que o Sr. Elvas Cardeira tem sempre reconhecido o caracter e dignidade do Sr. Dantas Baracho. E por aquelle mesmo criterio fica excluida a apreciação da opportunidade do procedimento official do Sr. Elvas Cardeira contra o autor dos artigos, os quaes, aliás, o seu constituinte só conheceu posteriormente á recepção das cartas do Sr. Dantas Baracho.

Manteem, pois, os segundos signatarios a. sua afirmação de que da parte do Sr. Elvas Cardeira não houve offensa ao Sr. Dantas Baracho, não subsistindo, portanto, motivo algum para se manter a reclamação dos primeiros signatarios.

Em face do exposto, os quatro signatarios reconhecem unanimemente que fica terminada esta pendencia.

Feita em duplicado.

Pelo Exmo. Sr. Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Affonso Costa e Antonio Franca Borges.

Pelo Exmo. Sr. José Manuel de Elvas Cardeira, Sebastião Custodio de Sousa Telles e João Martins de Carvalho.

Acta

Aos 25 de dezembro de 1909, reuniram-se em casa do terceiro signatario Affonso Costa, Antonio França Borges, Sebastião Custodio de Sousa Telles e Conde de Paçô-Vieira, os primeiros como representantes do Exmo. Sr. Sebastião de Sousa Dantas Baracho, e os segundos como representantes do Exmo. Sr. Wenceslau de Lima.

Verificados os plenos poderes de parte a parte, pelos primeiros signatarios foi dito que tinham sido encarregados pelo seu constituinte de pedir uma explicação, ou uma reparação pelas armas, ao constituinte dos segundos signatarios pelos motivos expostos nas cartas enviadas ao Sr. Wenceslau de Lima em 27 e 29 de setembro e 5 de outubro de 1909. Antes, porem, apresentavam uma questão previa. Tendo naquellas cartas o Sr. Dantas Baracho perguntado ao Sr. Wenceslau de Lima só podia acceitar desde logo o seu repto, para neste caso lhe enviar immediatamente as testemunhas, o constituinte dos segundos signatarios não respondeu affirmativamente, antes deu a entender, na carta de 3 de outubro de 1909, que só acceitava o envio de testemunhas, quando cessassem as suas funcções de Presidente do Conselho. Como o Sr. Wenceslau de Lima procedeu de maneira diversa numa pendencia anterior, sendo Ministro dos Estrangeiros, desejavam saber qual a razão da nova attitude de S. Exa.

Pelos segundos signatarios foi dito que a razão por que o seu constituinte não acceitou logo o cartel de desafio do Sr. Dantas Baracho foi a de ser Presidente do Conselho de Ministros e os seus actos serem, portanto, de maior influencia no Ministerio.

Declararam então os primeiros signatarios que o seu constituinte, Sr. Dantas Baracho, se considerava aggravado pelos factos constantes das suas referidas cartas, das quaes lhe resultara o convencimento de ser o Sr. Wenceslau de Lima consentidor official,como chefe do Governo, nas offensas que lhe havia dirigido, numa folha de Aveiro, um ex- capitão do exercito, reformado por incapacidade, moral, que desfrutava a mais accentuada immunidade em contraposição com diversos castigos disciplinares infligidos, a officiaes do exercito só por motivos de ordem politica.

Esta presunção das responsabilidades do Sr. Wenceslau de Lima foi confirmada pela circunstancia de, em resposta ao Sr. Baracho, se haver elle declarado apenas estranho aos artigos do alludido semanario, sem repudiar os factos expostos pelo Sr. Dantas Baracho nas suas duas primeiras cartas. Por estas razões os primeiros signatarios reclamam que ao seu constituinte se dê a explicação cabal a que tem incontestavel direito ou, na falta d'ella, uma reparação pelas armas.

Pelos segundos signatarios foi respondido que não viam razão para o seu constituinte poder ser considerado consentidor na publicação dos referidos artigos, pois que logo na sua carta de 28 de setembro de 1909 declarou accentuadamente que lhes era "completamente estranho".; e, de facto, esta declaração, nos termos em que está feita, exclue a ideia de consentimento e de toda a outra forma de participação nos artigos do periodico de Aveiro e na sua publicidade, os quaes artigos, aliás, o Sr. Wenceslau de Lima só conheceu, posteriormente a recepção das cartas do Sr. Dantas Baracho, Concluem, pois, os segundos signatarios que da parte do seu constituinte não houve offensa ao Sr. Dantas Baracho, não subsistindo portanto motivo algum para se manter a reclamação dos primeiros signatarios.

Em face do exposto, os quatro signatarios reconhecem unanimemente que fica terminada esta pendencia.

Pelo Exmo. Sr. Sebastião de Sousa Dantas Baracho. = Affonso Costa = Antonio França Borges.

Pelo Exmo. Sr. Wenceslau de Lima. = Sebastião Custodio de Sousa Telles = Conde de Paçô- Vieira.

(As actas acima inscritas são copiadas de documentos autenticos em meu poder).

Belem, 27 de dezembro de 1909.= Sebastião Baracho.

Documento n.° 8

A reparação official

Depois da reparação pessoal que tive, constatada pelas actas que compõem o documento n.° 7, era meu proposito tornar do conhecimento publico, pelo conducto da Camara a que pertenço, os documentos comprovativos da iniquidade que, sob todos os aspectos, me colheu.

Como, porem, o Parlamento fosse adiado por dois meses, fui compellido por esta anormalidade a approveitar mais uma vez, no interesse da rectidão e da justiça, as quaes não admittem delongas, a cavalheirosa hospitalidade do jornal O Mundo, que, no numero correspondente a 14 de janeiro, publicou, dos documentos alludidos, os indispensaveis precisamente para, na occasião, se formar seguro parecer acêrca do estado em que a questão se encontrava.

Sintetizando as allegações então explanadas, convem ter presente:

1.° Que eu não commetti delicto algum, isto é, qualquer violação do direito, consoante o abalizado e douto juizo juridico, diffundido pelo Larousse, affirmado em codigos e em diccionarios, sem discrepancias, e de que até não destoa o proprio Regulamento Disciplinar do Exercito de 12 de dezembro de 1896, em cujo artigo 52.° é citada a palavra delinquente como synonimo de infractor.

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SESSÃO N.º 2 DE 7 DE MARÇO DE 1910 21

2.° Que ainda quando tivesse praticado qualquer delicio - que não pratiquei - quer dizer, qualquer infracção à lei ou ao dever, a Camara dos Dignos Pares era a unica instituição idonea para apreciar e julgar do acto levado a effeito. De outro modo, a independencia dos parlamentares, indispensavel para a desafogada elaboração das leis, estaria sempre á mercê do arbitrio do Executivo.

A tão nocivos ataques, nitidamente oppõem o preservativo necessario o artigo 41.° e seu § 1.° da Carta Constitucional, e os artigos 3.° e 4.° do 2.° Acto Addicional de 24 de julho de 1885, reforçados pelo artigo 379.° do Codigo de Justiça Militar e pelo artigo 1026.° da Novissima Reforma Judiciaria.

3.° Que só por abuso autenticado do poder eu fui punido, e por abuso não menos caracterizado foi-me imposta uma pena que não é susceptivel de ser applicada aos generaes, designadamente aos que não exerçam commandos, a qual, de facto, nunca incidiu sobre o estado maior-general, e cujos draconianos effeitos não foram, por absoluta impossibilidade, tornados effectivos commigo, mesmo pelos proprios que a ella se soccorreram desastradamente.

No Documento n.° 4 se evidencia, em doutrina, a affirmativa comprehendida no n.° 3.° do articulado anterior. No campo pratico, porem, temos hoje de citar factos em abono d'ella, começando por transcrever o artigo 41.° do regulamento disciplinar, que é d'este teor:

"Artigo 41.° A pena de inactividade importa a transferencia do official para outra divisão e inhibe-o de ser collocado durante tres annos na divisão, e, durante seis, no corpo e na localidade onde lhe tiver sido applicada a pena."

Se houvesse alguma duvida, que não pode haver, referentemente aos generaes, na minha situação, estarem unicamente adstrictos á Secretaria da Guerra, cuja alçada se amplia a todo o reino, e nunca submettidos ás divisões, sob o ponto de vista territorial, basta, para desapparecer qualquer hesitação, attentar no seguinte :

a) Que a Ordem do Exercito n.° 25, de 30 de outubro de 1909, que me exonerou de vogal do Supremo Conselho de Justiça Militar e de presidente do Conselho Superior de Promoções, regista as duas exonerações, como emanantes do livre alvedrio ministerial. Se ellas representassem a consequencia da pena imposta, teria de ser citado, que não foi, na Ordem do Exercito mencionada, o artigo 41.°, devendo simultaneamente indicar-se, nesse mesmo diploma, a minha transferencia de residencia, que era obrigatoria, segundo a etra expressa do alludido artigo.

Mas tal não succedeu, porque não podia succeder, visto os generaes de divisão, nas condições em que eu me encontrava, não esestarem territorialmente restringidos a esta ou áquella divisão, por dependerem - permitta-se-me a insistencia - somente da Secretaria da Guerra, cuja jurisdicção territorial abrange todo- o reino.

b) Em virtude das ponderações exaradas, regressei, cumprido o castigo, de Elvas a Lisboa onde continuei a ter residencia official e a depender directamente da Secretaria da Guerra, fazendo parte do quadro do Estado Maior General, com dois impedidos e dois cavallos praças, que me pertenciam segundo a lei, e que só deixei de ter, quando transitei ultimamente para o Ministerio dos Negocios Estrangeiros.

c) Á falta de razões que tal nome merecessem, segredava-se que essa situação deriva da minha qualidade de parlamentar.

Mas esta estolida desculpa não teve cotação, porque, na verdade, não era crivei que não tivesse havido susceptibilidades para infligir o castigo, o que representa o mais, e as houvesse para lhe effectivar os effeitos, o que era o menos. - Profundamente original, esse processo de respeitar as immunidades parlamentares e de garantir a pureza dos actos praticados !...

É certo, porem, que não se quedaram por aqui as manifestações do antecedente Ministerio, demonstrativas de que não me podia ser applicado o castigo de inactividade. E senão, continuemos a folhear o regulamento disciplinar do exercito até se deparar o artigo 146.° Eil-o:

"Artigo 146.º O militar que concluir o tempo pelo qual lhe houver sido imposta uma punição, apresentar-se-ha não só aos superiores a quem tiver por dever fazê-lo segundo as prescrições do regulamento geral para o serviço dos corpos do exercito, mas tambem ao superior que lhe tiver imposto a pena".

omo a apresentação tem de se verificar em conformidade com as prescrições do regulamento geral para o serviço dos corpos do exercito, e como este regulamento contem apenas preceitos a empregar até ao posto de coronel, reconhece-se mais uma vez que a pena de inactividade não é de molde a incidir sobre os generaes, mormente sobre os de divisão. E tanto que esta interpretação é a prevalecente, que eu, recolhendo de Elvas, limitei-me a enviar por officio, para os effeitos adequados, á Direcção Geral da Secretaria da Guerra, a minha guia de marcha; e a ninguem me apresentei, sem que este meu procedimento motivasse qualquer reparo ou objecção official.

Por essa e pelas outras ocorrencias que deixo apontadas, a propria Secretaria da Guerra e respectivo Ministro de então reconheceram tacitamente a exorbitancia do castigo imposto. De resto, esse é -repito, o criterio geral; e tanto assim que, em 29 de dezembro derradeiro, eu era convocado, como membro nato do Conselho da Ordem de Avis, para a reunião que se realizou no Paço das Necessidades, em 1 de janeiro.

Actualmente, com a minha transferencia para a Secretaria dos Negocios Estrangeiros, continuo a ter residencia na capital, não obstante o artigo 41.° retro-transcrito impor, ao punido, com inactividade temporaria, a transferencia de divisão, e inhibi-lo de ser collocado, durante seis annos, na localidade onde lhe tiver sido applicada a pena, sem distinguir, nesta imposição, se a collocação é de caracter civil ou militar. Ao Ministro da Guerra caberia, no caso sujeito, apurar, antes de annuir á requisição - quando esta não primasse por explicita- se as funcções da missão a desempenhar, quaesquer que ellas fossem, se exerciam na circunscrição vedada ao requisitado, negando, quando isso se verificasse, a autorização solicitada. E não pode haver a menor duvida de que, sob a caracteristica territorial militar, a Secretaria de Estado dos Negocios Estrangeiros se encontra na area da 1.ª divisão.

Esta circunstancia, porem, conjugada com o mais que fica adduzido, exclusivamente confirma a inaniçao, ou antes a impropriedade com que se procedeu primitivamente, para todos, depois, sem excepção dos exorbitantes reconhecerem, pelos seus actos, que a pena de que fui alvo representa o indiscutivel producto da mais evidente injustiça.

Posto isto, vejamos em que condições transitei para a Secretaria dos Negocios Estrangeiros.

Poucos dias após a publicação, no dos documentos instructivos da causa que a Camara Alta tem de apreciar, recebi em minha casa a visita do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, o Conselheiro Eduardo Villaça, que, interpretando o sentir do Governo, me convidou para ir desempenhar, no Ministerio em que superintende, uma commissão de caracter diplomatico-militar, a qual a portaria de 5 do corrente especifica por este modo:

"Tendo-se apresentado hontem na Secretaria de Estado dos Negocios Estrangeiros o general de divisão Sebastião de Sousa Dantas Baracho, incumbido de estudar e informar questões que ali se suscitam com frequencia e que, por se relacionarem com os serviços do exercito, demandam conhecimentos das leis militares e normas que regem a sua applicação: manda Sua Majestade El-Rei que o referido general fique ás ordens do respectivo Ministro e Secretario de Estado, de quem receberá directamente instrucções para o exercicio da commissão de que foi encarregado.

Paço, em 5 de fevereiro de 1910.= Antonio Eduardo Villaça".

Conforme se observa, a commissão constante da portaria transcrita importa confiança profissional e não confiança politica no nomeado, cuja attitude opposicionista é conhecida e foi lealmente corroborada na entrevista a que venho fazendo referencia, conservando naturalmente o nomeado as antagonicas posições, que politicamente occupam e os separam.

O facto de a commissão ser em Ministerio estranho ao da Guerra maior relevo imprimiu á reparação official que tive; e foi esta seguramente uma das circunstancias que imperaram para a minha acceitação. O Ministerio da Guerra, se eu não acceitasse o convite para servir na Secretaria dos Negocios Estrangeiros, teria indubitavelmente de me proporcionar destino official reparador. Esse acto, porem, nunca attingiria, na sua resonancia, o significado que o outro accentuadamente ostenta, e que a violencia commigo usada reclamava no mais subido grau possivel.

Relatados os acontecimentos preliminares da minha nomeação num país em que os corruptos e os devoristas superabundam, avaliando por si os honestos e os parcimoniosos, impõe-se, sem a menor duvida, o appello a minucias de feitio a esmagar todas as calumnias, sem restricção das mais perversa e jesuiticamente urdidas.

Nestes termos, lembrarei que os generaes de divisão, sob a acção directa do Ministerio da Guerra, auferem, alem de 150$000 réis mensaes de soldo, gratificação que pode ser de 90$000, 110$000 e 150$000 réis, tambem mensaes. Todos teem direito a impedidos e vencem cavallos praças, e os que exercitam commandos usufruem, demais, moradia, luz, agua, etc. O Director Geral da Secretaria da Guerra, embora general de brigada, cobra 100$000réis de gratificação por mês, e tem dois impedidos e dois cavallos praças.

Na Secretaria de Estado dos Negocios Estrangeiros, os officiaes, não attingidos pelo limite de idade, vencem como se estivessem no serviço activo do Ministerio da Guerra. Assim, aos coroneis servindo na commissão de delimitação de fronteiras com a Espanha são attribuidos mensalmente o soldo de 80$000 réis e a gratificação de 40$000 réis, exactamente como se commandassem.

Similarmente, foram-me arbitrados, por

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22 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

mês, 150$000 réis de soldo e 110$000 réis de gratificação, e nada mais absolutamente. Não tenho, pois, retribuição superior á mais escassa, desfrutada pelos generaes da mesma graduação, em serviço no Ministerio da Guerra, e recebo muito menos do que percebem os melhores remunerados.

A verba para satisfazer a importancia dos meus vencimentos consta da tabella da distribuição da despesa extraordinaria do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, no anno economico de 1909-1910, e que, sobre a epigraphe - Para missões extraordinarias de serviço publico, figura com a dotação de 8 contos de réis. Com esta ingrata, comquanto indispensavel e indestructivel pormenorização de cifras, fica bem patente a legitimidade e o legalismo, em todos os seus aspectos, da expressiva reparação official que me foi dada, com a minha transferencia do Ministerio da Guerra para o dos Negocios Estrangeiros.

Belem, 21 de fevereiro de 1910. = Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Par do Reino.

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