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N.°3

SESSÃO DE 14 DE JANEIRO DE 1896

Presidencia do exmo. sr, luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Entram na sala, prestam juramento e tomam assento os srs. conde de Carnide, Alberto Antonio de Moraes Carvalho e conde de Restello. - O sr. presidente declara que as deputações nomeadas na sessão de 8 do corrente mez desempenharam a sua missão. - É lida a carta regia que nomeia supplente á presidencia o digno par Cau da Costa. - Dá-se conta da correspondencia. - São approvadas tres propostas de accumulação de funcções legislativas. - O digno par Sequeira, Pinto participa que está installada, a commissão de verificação de poderes.-E lida uma proposta de lei vinda da outra camara. - O sr. presidente propõe que na acta se consigne um voto de profundo sentimento pela morte de João de Deus, e propõe mais que, dispensado o regimento, a proposta de lei que foi lida entre immediatamente em discussão. - O digno par Antonio de Serpa apresenta uma proposta no mesmo sentido, que é tambem assignada pelo digno par o sr. Agostinho de Ornellas. E admittida á discussão. - Associam-se a estas propostas o sr. presidente do conselho de ministros e o digno par arcebispo-bispo do Algarve.-O digno par Agostinho de Ornellas declara que faltou á sessão antecedente por motivo justificado, e conclue mandando para a mesa uma proposta, que tem por; fim submetter immediatamente á votação da camara a proposta de lei que concede uma pensão á familia de João de Deus, a nomeação de uma deputação que a apresente á sancção real e a de uma outra que assista ao funeral representando esta camara, É admittida á discussão. - São approvadas por acclamação a proposta de lei e as propostas dos dignos pares Antonio de Serpa e Ornellas, e nomeadas as deputações. - O sr. presidente do conselho diz que prevenirá o sr. presidente do dia e da hora a que Sua Magestade se digna receber a deputação, e o sr. presidente diz que avisará conformemente os dignos pares. - Encerra-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Ás duas horas e tres quartos da tarde, verificando-se a presença de 19 dignos pares, foi aberta a sessão.

Leu-se a acta da sessão antecedente, que foi approvada sem reclamação.

(Assistiram á sessão o sr. presidente do conselho de ministros e o sr. ministro dos negocios estrangeiros.)

O sr. Presidente: - Constando-me que se acham nos corredores da camara os dignos pares ultimamente nomeados, os srs. conde de Carnide, conde de Restello e Moraes Carvalho e tendo decorrido cinco dias depois que a camara teve conhecimento da sua nomeação, sem haver impugnação, estão no caso de entrar na sala é prestar juramento.

Convido os dignos pares os srs. Ornellas e Baptista de Andrade a introduzirem s. exas. na sala.

Os dignos pares foram introduzidos na sala> prestaram juramento e tomaram assento.

O sr. Presidente: - Tenho a participar á camara que a deputação encarregada de cumprimentar Sua Magestade El-Rei, a Rainha a Senhora D. Amelia e a Rainha a Senhora D. Maria Pia desempenhou a missão de que fora encarregada, e que Suas Magestades receberam a mesma deputação coma costumada affabilidade e responderam agradecendo com palavras mais do que benevolas as felicitações da camara. A deputação tambem participou a Sua Magestade El-Rei que a camara estava installada para a sessão do corrente anno.

Vae dar-se conhecimento á camara da nomeação do digno par o sr. Cau da Costa para supplente á presidencia d'esta camara.

Leu-se na mesa a carta regia, que é do teor seguinte:

Carta regia.

Augusto Cesar Cau da Costa, do meu conselho, par do reino. Amigo:

Eu El-Rei vos envio muito saudar como aquelle que amo.

Tomando em consideração o vosso distincto merecimento e consummada experiencia que tendes dos negocios publicos: hei por bem nomear-vos para presidir á camara dos dignos pares do reino, nos termos da carta de lei de 15 de setembro de 1842; o que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e effeitos devidos.

Escripta no paço das Necessidades, em 4 de janeiro de 1896. = EL-REI. = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

Para Augusto Cesar Cau da Costa, do meu conselho, par do reino.

O sr. Presidente: - Vae agora dar-se conta á camara de propostas mancadas para a mesa pelo governo sobre a accumulação de alguns dignos pares com as attribuições que exercem em varias repartições do estado.

Foram lidas e são do teor seguinte:

Propostas

Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara permissão para que possam accumular, querendo, o exercicio das funcções legislativas com as dos seus empregos ou commissões os dignos pares:

Antonio Emilio Correia de Sá Brandão, presidente da commissão nomeada por decreto de 28 de junho de 1894.

Antonio de Serpa Pimentel, presidente do tribunal de contas.

Augusto Cesar Barjona de Freitas, vogal do mesmo tribunal.

Arthur Hintze Ribeiro, vogal do mesmo tribunal.

Alberto Antonio de Moraes Carvalho, vogal da junta do credito publico.

Conde de Restello, presidente do conselho de fiscalisação da caixa geral de depositos e economica portugueza.

Julio Marques de Vilhena, governador do banco de Portugal.

Thomás de Carvalho, presidente da commissão administrativa da loteria nacional.

Visconde de Asseca, sub-inspector dos tabacos.

Visconde de Athouguia, recebedor chefe da 3.ª secção da repartição de arrecadação e fiscalisação de Lisboa.

Ministerio dos negocios da fazenda, 14 de janeiro de 1896. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

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26 DIARIO DA CAMABA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo de Sua Magestade pede á camara permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos empregos ou commissões dependentes do ministerio das obras publicas, commercio e industria, que exercem em Lisboa, os dignos pares:

Francisco Simões Margiochi.

Conde de Bertiandos.

Conde de Ficalho.

Luiz Antonio Rebello da Silva.

Conde de Valbom.

Secretaria d'estado dos negocios de obras publicas, commercio e industria, em 14 de janeiro de 1896. = Arthur Alberto de Campos Henriques.

Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos dignos pares do reino permissão para que o membro da mesma camara, Eduardo Montufar Barreiros, secretario geral do ministerio dos negocios estrangeiros, accumule, querendo, o exercicio do seu emprego com as funcções legislativas.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 9 de janeiro de 1896. = Luiz Maria Pinto do Soveral.

Estas propostas foram successivamente approvadas e em seguida mencionou-se mais a seguinte:

Correspondencia

Officio do ministerio do reino, incluindo duas cartas regias pelas quaes Sua Magestade El-Rei houve por bem nomear os dignos pares Augusto Cesar Cau da Costa e Francisco Joaquim da Costa e Silva para, nos termos da carta de lei de 15 de setembro de 1842, presidirem á mesma camara.

Para a secretaria.

Officio do mesmo ministerio, agradecendo um outro da presidencia d'esta camara, de 8 do corrente, em que se lhe communicava a installação da mesa.

Para a secretaria.

Officio do ministerio dos negocios estrangeiros, acompanhando 100 exemplares das contas de despeza do mesmo ministerio na gerencia dos annos economicos de 1891-1892, 1892-1893 e 1893-1894, para serem distribuidos pelos dignos pares.

Mandaram-se distribuir.

Officio do ministerio da guerra, acompanhando as relações dos contratos celebrados pelo mesmo ministerio no anno de 1894-1895.

Para a secretaria.

Officio da presidencia da camara dos senhores deputados, incluindo a proposição de lei que tem por fim auctorisar o governo a fazer as despezas do funeral do grande poeta João de Deus Ramos e a conceder uma pensão a sua viuva e filhos,,

Ficou sobre a mesa.

O sr. Presidente: - Parece-me que o digno par o sr. Sequeira Pinto tinha pedido a palavra por parte da commissão de verificação de poderes.

Tem s. exa. a palavra.

O sr. Sequeira Pinto: - Eu desejo participar á camara que está installada a commissão de verificação de poderes e que nomeou para seu presidente o digno par o sr. Cau da Costa, e para secretario o digno par o sr. conde de Thomar, reservando para depois a nomeação de relatores para os differentes processos que lhe forem presentes.

O sr. Presidente: - Vae dar-se conta de uma mensagem que acompanha uma proposta de lei vinda da camara dos senhores deputados.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Mensagem

Senhores. - As clamorosas demonstrações de jubilo nacional pelo triumpho das nossas armas foram subitamente interrompidas pela dolorosa noticia da morte de João de Deus. Ainda não decorreu um anno, depois que, desde o mais humilde cidadão até ao augusto chefe do estado, a nação toda se associou na memoravel e solemne glorificação do insigne poeta e indefesso apostolo do ensino do povo. Do que fôra hontem acclamado pelas multidões e celebrado pelos homens mais eminentes na sciencia, na litteratura e na arte, resta apenas hoje a memoria de um nome estremecido e ao mesmo tempo uma gloria nacional. Se não foi mister que batesse a hora sagrada da morte e que este homem illustre entrasse no repouso silencioso do tumulo para ter a justa consagração do seu raro merecimento e virtudes, se em vida logrou essa singular ventura, como se a posteridade se antecipasse a glorifical-o, a nação não deve por isso considerar-se desobrigada de prestar ainda novas homenagens áquelle que, homem de genio e de coração, tanto honrou a litteratura patria e tamanhos esforços empregou para promover o progresso intellectual e moral do seu paiz.

Como todos os espiritos superiores, João de Deus con siderava o talento um dever e por isso fora por muito tempo dominado pela aspiração suprema de derramar n° alma do povo os clarões do ensino elementar, dedicando-sa a esta humilde cruzada civilisadora com um trabalho ase siduo, incessante e desinteressado.

E, pois, justificado que o dia do seu passamento seja um dia de luto geral e que a nação preste á memoria saudosa do grande poeta e infatigavel apostolo da instrucção popular as merecidas homenagens da sua dôr e do seu reconhecimento.

Senhores. - Se a historia das nações se illustra com o esplendor do nome dos seus grandes homens, os povos nobilitam-se, tambem, quando lhes assignalam o valor com demonstração de excepcional apreço. N'esta conformidade, pois, o governo, interprete fiel dos sentimentos da nação, tem a honra de apresentar á approvação das côrtes a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Em reconhecimento dos relevantes serviços prestados ás letras patrias e á instrucção popular pelo grande poeta João de Deus Ramos, o benemerito auctor da Cartilha maternal, serão pagas pelo thesouro publico as despezas do seu funeral e é concedida á sua viuva D. Gruilhermina Bataglia Ramos e a seus filhos e filhas, D. Maria Izabel Ramos, José do Espirito Santo Bataglia Ramos, João de Deus Ramos e D. Mathilde Bataglia Ramos, a pensão annual de 1:000$000 réis.

§ 1.° Esta pensão é isenta do pagamento de quaesquer impostos, será abonada desde o dia 12 de janeiro de 1896, e continuará a ser paga ás pessoas agraciadas seja qual for o numero, emquanto vivas forem.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Presidencia do conselho de ministros, 13 de janeiro de 1896. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Antonio d'Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = Jacinto Candido da Silva = Luiz Maria Pinto do Soveral = Arthur Alberto de Campos Henriques.

O sr. Presidente: - Em vista da natureza especial do assumpto de que a camara acaba de ter conhecimento, parece-me que podemos prescindir do regimento e dispensar as formalidades n'elle marcadas para que o projecto de lei possa entrar desde já em discussão.

N'esta occasião devo confessar que, sendo natural do

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Algarve, sinto um justificado orgulho de ter sido aquella formosa e bella provincia berço de João de Deus, sublime e glorioso poeta, uma gloria nacional, que a morte infelizmente nos veiu arrebatar. Ainda no anno passado a sympathica e briosa mocidade academica lhe iniciou e realisou em vida a mais brilhante apotheose, á qual se associou El-Rei, galardoando o eminente poeta por modo tão distincto e affectuoso que elle, extremamente reconhecido, soube sempre agradecer a Sua Magestade com a gratidão que era tão propria do seu coração nobilissimo e bondoso.

O governo, correspondendo á manifestação geral de sentimento por tão infausto acontecimento, apresentou na camara dos senhores deputados uma proposta, agora convertida em projecto de lei em discussão, na qual alem de conceder uma recompensa á familia de João de Deus, que nasceu e morreu pobre, ao mesmo tempo prestou uma homenagem de justiça á memoria do poeta que com o seu genial talento honrou as letras patrias e prestou os maiores, serviços á instrucção popular.

Eu creio que a camara não deixará de resolver que na acta das suas sessões se consigne um voto de profundo sentimento e que este voto seja communicado á familia do illustre extincto.

O sr. Antonio de Serpa: - Sr. presidente, trata-se do mais popular e mais sympathico dos modernos poetas portuguezes.

De accordo com as considerações que v. exa. acaba de fazer, mando para a mesa a seguinte proposta.

(Leu.)

O sr. Presidente: - Vae ser lida na mesa.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Proposta

A camara dos pares resolve lançar na acta da sessão de hoje um voto de profundo sentimento pela morte do grande poeta João de Deus, que tanto se desvelou pela instrucção popular.

Sala das sessões, 14 de janeiro de 1896. = Agostinho de Ornellas = A. de

O sr. Presidente: - Os dignos pares decerto admittem á discussão esta proposta. (Apoiados.)

Em vista da manifestação da camara está admittida á discussão.

Tem a palavra o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente "to Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, o sentimento do governo pela morte de Joio de Deus está expresso na proposta de lei que hontem apresentou á camara dos senhores deputados; não é um sentimento exclusivamente do governo, porque este não foi mais do que o interprete do sentimento geral.

Todos tinham por João de Deus estima e consideração especial. Desde o chefe do estado, que lhe deu disso brilhante testemunho, até ás creanças que lhe abençoam o nome quando aprendem as primeiras letras, todos enaltecem e louvam aquelle que foi pelo talento um grande poeta, e pelo coração o melhor dos homens.

Não ha ainda um anno que o paiz lhe fez a consagração mais solemne, cordial e enthusiastica que me parece tem sido tributada até agora aos mais benemeritos da patria. Viu-se então acordar o sentimento vivo, espontaneo, sincero, de fórma que não restou duvida que para todos João de Deus era verdadeiramente um homem querido, estimado, idolatrado até.

A esta consagração entendeu o governo poder corresponder agora com a proposta de lei que a camara dos dignos pares tem diante de si.

João de Deus foi um grande poeta. Ninguem como elle interpretou o sentir do coração portuguez, ninguem na nossa epocha reflectiu com mais verdade os cambiantes da alma meridional, tão meiga como ardente na manifestação das suas paixões.

Propugnador acerrimo da instrucção popular foi elle que, lembrando-se do preceito do Evangelho sinite parvulus ad me venire, chamou a si as pobres creancinhas, amparando-as nos primeiros passos, guiando-as no primeiro caminho da illustração do espirito.

Foi um bemfeitor da humanidade infantil!

A par d'isto, João de Deus era homem de tanta honestidade, de tão rectas intenções, de uma modestia tão grande que a sua vida, pobre, é verdade, mas honrada, póde servir de exemplo.

Parece-me, pois, que a camara dos dignos pares, votando por acclamação a proposta que o sr. Antonio de Serpa acaba de apresentar, assim como a proposta de lei do governo, se- engrandece, porque o parlamento engrandece-se sempre que recompensa aquelles que prestam tão grandes serviços ao paiz.

(O orador não reviu.)

O sr. Arcebispo-bispo do Algarve: - Ha pouco tempo ainda, sr. presidente, que a provincia do Algarve, de que v. exa. é um dos filhos mais illustres e respeitaveis, e a cujos interesses religiosos eu tenho a honra de presidir, se associara com o mais entranhado jubilo ás manifestações de ferveroso enthusiasmo, ás homenagens respeitosissimas com que, como v. exa. tão eloquentemente acaba de dizer, o paiz inteiro saudava um nosso concidadão, que, sobre evidenciar-se talento brilhante, distinctissimo litterato e poeta mimosissimo, consagrava as suas privilegiadas faculdades a bem da instrucção da infancia, da instrucção popular, de que elle fôra obreiro infatigavel e prestigioso. Foi essa, sr. presidente, uma expansão ruidosa, mas justissima, de gratidão e de lealdade, dois sentimentos preciosissimos, que, mercê de Deus, não fallecem nos corações portuguezes, sempre inclinados a patentear seu estremado affecto por todos os que, de uma ou outra fórma, ou qualquer das variadissimas applicações da actividade humana, chegam a bem merecer da patria.

N'este caso estava o chorado poeta João de Deus. O Algarve, que lhe fôra berço e testemunha tambem dos eminentes dotes do seu espirito e coração bondosissimo; essa região encantadora, onde elle déra os primeiros passos na senda da vida, o seu espirito, principiara de expandir-se em clarões de luz, que mais tarde haviam de levantal-o ás culminações da gloria, cumpriu então o dever que lhe impendia, manifestando o seu reconhecimento e juntando os seus applausos, os seus louvores aos que echoavam e irrompiam espontaneos por todo o paiz em honra de João de Deus, que, na galeria immensa de varões illustres nas sciencias, nas letras, na magistratura e nas armas, com que o Algarve justamente se ufana, occupa logar especialissimo, inconfundivel, como de direito pertence aos que, por seus altos talentos e relevantes serviços, conseguem sem estrépito, sem reclamos espectaculosos, mas modestamente, com serenidade imperturbavel e pacientissima, assumir as proporções de uma verdadeira gloria nacional.

João de Deus, esse grande homem, não existe já entre nós. Do invólucro, que lhe viera da terra e á terra brevemente volverá, desprendeu-se, para voar aos seios de Deus, a sua alma formosa; morreu, mas desce ao tumulo estimado e querido de todos; baixa á sepultura sem que após de si fique uma voz a amaldiçoar-lhe o nome.

Vivo, conquistou affectos e respeitos; morto, lega-nos saudades, tristezas e máguas. E hoje, como ha apenas alguns mezes, o Algarve com o seu pastor reunir-se-ha ao paiz inteiro, não para celebrar com alegres e festivos hymnos o anniversario natalicio do grande poeta, mas para, consternado e entristecido, prantear a perda irreparavel que acaba de soffrer, e orvalhando com sentidas lagrimas as cinzas ainda quentes d'aquelle que tanto estremecêra e amaára, dirigir aos céus piedosas e ardentes preces pelo

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28 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES no REINO

eterno descanso da sua alma profundamente religiosa e crente.

Tenho dito.

O sr. Agostinho de Ornellas: - Sr. presidente, eu tinha pedido a palavra antes da ordem do dia para declarar que não assisti á ultima sessão por motivo justificado, mas se estivesse presente ter-me-ía associado ás manifestações de sentimento da camara pela perda dos nossos illustres collegas ultimamente fallecidos. Teria tambem votado a moção apresentada pelo digno par o sr. Jeronymo Pimentel.

Agora desejo mandar para a mesa uma proposta que se refere ao importante assumpto de que esta camara se tem occupado e formulal-a-hei nos seguintes termos:

Sr. presidente, não é das attribuições das assembléas politicas fazer apreciações litterarias, e a mim falta-me a competencia para aquilatar o merito litterario do grande poeta que hoje unanimemente choramos.

Posso unicamente dizer, sem elegancias de phrase, mas com aquella verdade secca, breve, com que costumo fallar, que ha muito admirava as poesias de João de Deus pela suavidade inexcedivel da fórma, pela singeleza seductora da idéa e que o considerava - e n'este ponto creio que sou acompanhado por todo o paiz-o primeiro poeta lyrico de Portugal e actualmente talvez da Europa.

Elle teve a rarissima fortuna de ter sido em vida glorificado com um tão grande enthusiasmo e uma tal unanimidade como jamais a alcançaram os maiores dos nossos poetas.

Não é necessario recordar a sorte de Camões para sentirmos quanto foi mais feliz João de Deus, quanto melhor apreciado pelos seus contemporaneos.

Quando a opinião e o enthusiasmo geraes se manifestam com tanta unanimidade e intensidade e tributam uma justa homenagem a uma gloria nacional, força é aos poderes publicos acatarem-lhe e consagrarem-lhe as decisões. Foi o que acertadamente resolveu o governo pela forma que em palavras eloquentes nos expoz o sr. presidente do conselho, exaltando o poeta e o homem, e dando-nos da elevação de caracter e do nobre desinteresse que o distinguiram a mais viva e enternecida descripção.

A camara dos pares, como v. exa. com tanta auctoridade indicou, deve acompanhar o paiz e o governo honrando tambem uma tão illustre memoria. Julgo, portanto, dever acrescentar á proposta que mandou para a mesa o digno par o sr. Antonio de Serpa, aquellas que ha pouco li e que rogo a v. exa. queira submetter á decisão dos nossos collegas.

Foi lida na mesa e é ao teor seguinte:

Proposta

Proponho que, dispensadas todas as formalidades do regimento, seja immediatamente submettida á approvação da camara a proposta de lei vinda da camara dos senhores deputados e que, approvada ella, v. exa. nomeie uma deputação que a leve á real sancção. Tambem proponho que v. exa. nomeie uma deputação que represente esta camara no funeral de João de Deus, e em seguida se levante a sessão em demonstração de sentimento.

Sala das sessões, 14 de janeiro de 1896. = O par do reino, Ornellas.

Foi admittida á discussão.

O sr. Presidente: - Como não ha mais nenhum digno par inscripto, vão ser lidas as propostas e o projecto de lei.

(Leram-se na mesa.)

O sr. Presidente: - Em vista da resolução da camara, tanto as propostas como o projecto de lei serão approvadas por acclamação. (Apoiados geraes.)

Eu vou nomear as duas deputações, uma que ha de levar o autographo á assignatura real, outra para assistir ao funeral. A primeira será composta dos srs.:

Francisco Simões Margiochi.

Frederico Arouca.

Luiz Candido Pessoa de Amorim.

Marquez de Penafiel.

Marquez de Pombal.

Conde de Bertiandos.

Marquez de Fronteira.

E a segunda dos srs.:

Marquez das Minas.

Conde da Azarujinha.

Conde de Lagoaça.

Augusto Ferreira de Novaes.

Carlos Augusto Palmeirim.

Carlos Augusto Vellez Caldeira Castel-Branco.

Eduardo Montufar Barreiros.

A primeira deputação será avisada do dia e hora que Sua Magestade recebe.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Logo que receba as ordens de Sua Magestade communical-as-hei a esta camara.

O sr. Presidente: - O funeral sairá da igreja da Estrella ámanhã, 15 do corrente, pelas onze horas da manhã.

A proxima sessão será na sexta feira 17 do corrente, e a ordem do dia a continuação da de hoje, eleição de commissões.

Está levantada a sessão.

Eram tres horas e meia da tarde.

Dignos pares presentes á sessão de 14 de janeiro de 1896

Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquez de Fronteira; Arcebispo de Evora; Arcebispo-bispo do Algarve; Condes, da Azarujinha, do Bomfim, de Carnide, de Lagoaça, do Restello; Visconde de Athouguia; Agostinho de Ornellas, Moraes Carvalho, Sá Brandão, Serpa Pimentel, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Palmeirim, Sequeira Pinto, Ernesto Hintze Ribeiro, Costa e Silva, Margiochi, Jeronymo Pimentel, Gomes Lages, Baptista de Andrade, José Maria dos Santos, Pessoa de Amorim.

O redactor. = Urbano de Castro.

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