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N.º 4

SESSÃO DE 18 DE JANEIRO DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios — os Dignos Pares

Visconde de Athouguia
Marquez de Penafiel

Leitura e approvação da acta. — Expediente. — E lida a carta regia que nomeia Vice-Presidente da Camara o Digno Par Frederico de Gusmão Correia Arouca. — Em nome do Sr. Ministro das Obras Publicas é apresentada uma proposta de accumulação de funcções, relativa a alguns Dignos Pares. Foi approvada. — O Digno Par Elvino de Brito refere-se á epizootia da febre aphtosa que actualmente flagella uma parte dos districtos do reino, e analysa a portaria que, sobre este assumpto, foi publicada no Diario do Governo do dia anterior. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho, explicando e defendendo os actos do Governo relativamente á epizootia da febre aphtosa e, em geral, á saude pecuaria. — Os Dignos Pares, Pereira de Miranda, Eduardo José Coelho e Conde de Bertiandos requerem diversos documentos pelas Secretarias de Estado, apresentando o Digno Par Eduardo José Coelho tambem uma nota de interpellação sobre os motivos constitucionaes da dissolução da Camara dos Senhores Deputados em 4 de junho de 1901.

Ordem do dia: discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa. — O Digno Par Camara Leme envia para a mesa uma proposta de additamento, convidando o Governo a apresentar uma proposição de lei sobre responsabilidade ministerial. E admittida á discussão. — O Sr. Presidente do Conselho diz que o Governo já apresentou na sessão do anno passado uma proposta nesse sentido, e que brevemente renovará a sua iniciativa. — Usa da palavra o Digno Par José Luciano de Castro, explicando as razões que teve para assignar com declarações o projecto que se discute. Fica com a palavra reservada. — O Digno Par Conde de Bertiandos apresenta uma proposta para que sejam submettidas á apreciação da commissão de fazenda todas as reformas decretadas em dictadura pelo actual Ministerio e todas as que foram decretadas em virtude de auctorização legislativa. — Por já ter dado a hora, é encerrada a sessão.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde, verificando-se a presença de 32 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e approvada, a acta da sessão anterior.

Mencionou-se o seguinte

EXPEDIENTE

Officio do Sr. Ministro da Marinha remettendo 12 autographos de decretos das Cortes Geraes, constantes de uma relação junta.

Para a secretaria.

Officio do Digno Par o Sr. Visconde de Chancelleiros, communicando que, com sentimento seu, não lhe é possivel assistir desde já ás sessões da Camara.

Para a secretaria.

Officio da Sr.a Condessa de S. Januario, agradecendo a esta Camara a menção de pêsames pela morte de seu marido o Digno Par Conde de S. Januario.

Para a secretaria.

Officio do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros accusando a recepção do officio que lhe foi enviado communicando a organização da mesa d'esta Camara;

Para o archivo.

É lida, e approvada, a seguinte

Proposta

O Governo pede á Camara dos Dignos Pares do Reino licença para que o Digno Par Conselheiro Wenceslau de Sousa Pereira Lima possa exercer durante a presente sessão legislativa as funcções de Governador Civil do districto do Porto, quando assim convenha ao serviço publico.

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, em 18 lê janeiro de 1902. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Para o archivo.

Dá-se conta da seguinte

Carta regia

Frederico de Gusmão Correia Arouca, do meu Conselho e do de Estado, Par do Reino, Ministro e Secretario de Estado honorario. Amigo. Eu El-Rei vos envio muito andar como aquelle que amo.

Tomando em consideração o vosso distincto merecimento, experiencia dos negocios publicos, e mais circumstancias attendiveis que concorrem na vossa pessoa:
hei por bem, tendo em vista o disposto no artigo 1.° do decreto de 27 de janeiro de 1887, nomear-vos para o cargo de Vice-Presidente. da Camara dos Dignos Pares do Reino para a sessão legislativa ordinaria que ha de começar em o dia 2 do proximo mês de janeiro.

Escrita no Paço das Necessidades, em 24 de dezembro de 1901. = EL-REI. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): — Por parte do seu collega das Obras Publicas manda para a mesa a seguinte

Proposta

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo de Sua Majestade pede á Camara permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos empregos ou commissões dependentes do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, os Dignos Pares:

Anselmo Braamcamp Freire.
Elvino José de Sousa e Brito.
Pedro Victor da Costa Sequeira.
Francisco Simões Margiochi.
Conde de Bertiandos.
Luiz Antonio Rebello da Silva.
D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osorio.
Antonio Augusto Pereira de Miranda.
Fernando Larcher.
José Alves Pimenta de Avellar Machado.
Conde de Ávila.
Conde de Samodães.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas,

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Commercio e Industria, em 18 de janeiro de 1902.= Manuel Francisco de Vargas, Foi approvada.

O Sr. Elvino de Brito: — Sente que não esteja presente o Sr. Ministro da Marinha, pois desejava agradecer a fórma prompta e rapida por que S. Exa. se dignou satisfazer a um pedido, d’elle orador, apresentado era uma das sessões anteriores, acêrca de nomeações de commissarios do Governo, junto das sociedades anonymas.

S. Exa. não está presente; mas o summario da sessão far-lhe-ha constar o reconhecimento que expressa.

Vae agora chamar a attenção do Sr. Presidente do Conselho para um facto que reputa de muita gravidade, e que de perto se relaciona com os serviços depene entes das pastas do Reino e das Obras Publicas; mas, antes d'isso, urge dar uma explicação á Camara.

Mandou para a mesa, n'uma das ultimas sessões, quatro notas de interpelação dirigidas ao Sr. Ministro das Obras Publicas. Nesse mesmo dia o Sr. Presidente do Conselho declarou á Camara que o seu collega d’aquella pasta não comparecia, por se achar doente; mas que viria logo que se encontrasse melhor.

Se tivesse presente a declaração a que se refere, não enviaria para a mesa essas notas de interpellação, pois não foi nem é seu proposito inquietar o Sr. Ministro, que se acha enfermo.

Tem a consciencia nitida dos seus deveres, 3 seria incapaz de incommodar ou molestar o Sr. Conselheiro Vargas no periodo de uma doença que, embora não seja de gravidade, é cruelmente impertinente.

Faz sincerissimos votos pelas melhoras do Si. Ministro e pede ao Sr. Presidente que, se ainda não expediu as notas de interpellação, se abstenha de o fazer, aguardando que aquelle membro do Governo se encontre restabelecido, ou que qualquer dos outros Srs. Ministros se declare habilitado a versar os assumptos a que as mesmas notas se referem.

Como disse, vae tratar de um assumpto de muita gravidade, e que está dependente de duas pastas; i do Reino e a das Obras Publicas.

No que vae dizer, não tem em mente ser pessoalmente desagradavel ao Sr. Ministro das Obras Publicas, e só o move o desejo de pedir que se acuda promptamente, com remedio, a um mal de extrema gravidade. Refere se á epizootia da febre apthosa, que neste momento flagella uma parte dos 4istrictos do reino.

Ser-lhe-ha facil demonstrar rigorosamente que a lei de 7 de fevereiro de 1889, que approvou o regule mento geral de saude pecuaria, não foi cumprida nas si: as principaes disposições, no sentido dê evitar a invasão do mal nos territorios portugueses.

Toda a Camara sabe que elle, orador, Tão apresenta asserções que não trate immediatamente de provar.

Não se embrenha em divagações, nem prenuncia palavras vãs.

Disse e repete que a lei de 7 de fevereiro, de 1889, que approvou o regulamento geral de saude pecuaria, lei que não foi modificada e que está em vigor, não foi cumprida nas suas principaes disposições, o que deu logar á invasão da febre apthosa, que neste momento flagella uma grande parte do país.

A primeira communicação official feita ao Governo Português acêrca da existencia .da febre apthosa em diversos pontos de Hespanha, foi de 12 de julho do anno passado.

Pede ao Sr. Presidente do Conselho que se digne tomar nota-- de todos os factos que menciona, já para os avaliar devidamente, já para se acercar de elementos que habilitem S. Exa.; não a evitar a invasão do mal, porque isso, infelizmente, é impossivel, mas a fazer circumscrever os focos de infecção.

Se elle, orador, fizer qualquer referencia que destrua a verdade dos factos, fica o Sr. Presidente do Conselho desde já convidado a vir, em uma das sessões seguintes, apontar essas inexactidões.

A segunda communicação do Cônsul de Barcelona, confirmando completa e absolutamente a primeira, tem a data de 12 de agosto de 1901.

A Camara sabe que ao lado da Secretaria de Estado dos Negocios do Reino funcciona, uma entidade, ultimamente remodelada pelo actual Governo, e que se denomina: Conselho Superior de Hygiene.

Este conselho ou esta entidade tem funcções consultivas e até deliberativas, e a ella compete esclarecer ou aconselhar qualquer Ministro acêrca das providencias que, em dadas circumstancias, hajam de ser adoptadas a bem da saude publica.

Tem tambem o Governo junto á Secretaria das Obras Publicas, Commercio e Industria, a junta consultiva de saude pecuaria, criada por um Governo a que presidiu o Sr. Conselheiro José Luciano de Castro, e á qual devia recorrer dada a invasão de qualquer epizootia.

A invasão do mal, pois, resultou precisamente do facto de se não terem cumprido as disposições claras da lei de 1889, que não foi alterada, que está em vigor, e que se deve a um Governo progressista.

Dispõe essa lei que ao Governo cumpre qualificar o estado sanitario das provincias ou pontos infeccionados.

Pergunta: tratou o Governo, desde julho até hoje, de publicar qualquer aviso declarando infeccionadas as provincias do reino vizinho, onde se manifestaram casos de febre apthosa?

Deu-se cumprimento á disposição clara e peremptoria da lei?

Note a Camara que a junta de saude pecuaria pertence á historia.

O Governo entendeu que devia supprimir essa entidade precisamente entre a data do apparecimento da febre aphtosa no concelho do Crato, districto de Portalegre, e a de hontem, em que appareceu no Diario uma portaria relativa ao assumpto.

Foi entre estas duas datas que o Governo julgou conveniente extinguir um corpo consultivo que tinha junto a si para o aconselhar, e para lhe indicar alguma ou algumas das providencias mencionadas na lei de 7 fevereiro de 1889.

Tendo o Sr. Presidente do Conselho noticia de que o mal se generalizava a todas as provincias de Hespanha e de que já estava quasi totalmente invadido um dos nossos districtos, dirigiu-se ao Ministerio das Obras Publicas, e até, por seu turno, pediu ao da Fazenda que lhe fornecesse uma nota dos pontos fiscaes onde se encontrassem veterinarios.

Pede licença para intercalar aqui uma declaração.

O Sr. Presidente do Conselho disse ha dias que os archivos das secretarias de Estado estavam á disposição d'elle, orador, para examinar quaesquer documentos que ali existissem.

Agradeceu a amabilidade do Sr. Presidente do Conselho; mas, por uma justa deferencia com o Sr. Ministro das Obras Publicas, tem-se abstido cuidadosamente de ir a esta secretaria ou ainda de procurar qualquer dos respectivos funccionarios.

Espera que S. Exa. se restabeleça, e então se utilizará do offerecimento do chefe do Governo.

Proseguindo na ordem de considerações que estava apresentando, perguntará ajuda por que não foi cumprida a lei de 1889.

Publica o Governo no Diario de hontem uma portaria mandando estudar as causas da febre aphtosa.

Para que se mande estudar uma cousa que já está estudada?

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Será esta a occasião azada para se proceder a um estudo scientifico?

Resumem-se as providencias do Governo a essa portaria que a Folha Official, publicou hontem?

Pois é assim que o Governo trata de olhar pelos interesses dá agricultura, avergada ao peso dê tantos males?

A proposito dirá que o decreto dictatorial de julho tio anno preterito referente á crise vinicola, e que está quasi todo por executar, não soffreu a minima alteração por parte da commissão da outra Camara.

Quer o Governo aggravar os males que flagellam a agricultura, permittindo que se arruine à industria pecuaria?

O Sr. Presidente do Conselho, em resposta a um illustre membro da outra Camara, que interpellou S. Exa. acêrca d'este assumpto, disse que fez o mais que podia fazer; mas o certo é que os preceitos salutares da lei de 1889 não foram cumpridos.

Sendo instante o assumpto, e achando-se enfermo o Sr. Ministro das Obras Publicas, pede ao" Sr. Presidente do Conselho que avoque os respectivos processos, e que lance mão de quaesquer providencias tendentes a prevenir o alastramento do mal.

Termina aconselhando o Governo a que evite quanto possivel a perturbação da ordem publica, deixando se de apparatos de torça armada, que poderão fazer que recaia numa classe ordeira a nódoa de qualquer conflicto.

A hora é suprema, e forçoso e indispensavel se torna que todos procedam cautelosamente.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: — Vou dar a palavra ao Sr. Presidente do Conselho, más peço a S. Exa. que resuma as suas considerações, visto que a hora vae adeantada, e é preciso entrar-se na ordem do dia.

O' Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro):—Attendendo á recommendação do Sr. Presidente, será quanto possivel breve e conciso na resposta ás considerações apresentadas pelo Digno Par o Sr. Elvino de Brito.

Referiu-se S. Exa. ás interpellações que annunciou ao Sr. Ministro das Obras Publicas, chegando a sua gentileza ao ponto de dizer que as não teria1 apresentado se soubesse que o Sr. Conselheiro Vargas não comparecia por motivo de doença.

Eftectivamente o Sr. Ministro das Obras Publicas não pode vir já responder a S. Exa. mas fa-lo-ha logo que possa.

Se a demora na realização d'essas interpellações fosse prejudicar os interesses publicos, ou, se o Digno Par assim a qualificasse, pediria então ao Sr. Ministro das Obras Publicas que lhe concedesse a honra de o substituir na resposta a S. Exa.; mas não sendo indicado esse prejuizo, melhor será reservar para o Ministro d'aquella pasta o prazer de dar as explicações que o Digno Par deseja.

Referiu-se S.- Exa. a um assumpto importante: o da epizootia da febre aphtosa que grassa no país.

S. Exa., a este respeito, fez largas considerações, dizendo que o assumpto respeita tanto ao Sr. Ministro das Obras Publicas como a elle, orador.

E certo que a responsabilidade de qualquer Ministro estende-se a todo o Governo; mas a Camara comprehende que um assumpto que particularmente corre por - determinada secretaria, só pode ser minuciosamente debatido pelo Ministro da respectiva pasta.

S. Exa. alludiu a uma resposta dada hontem na Camara dos Senhores Deputados a um illustre membro d'aquelle ramo do poder legislativo.

É certo que n'essa resposta disse elle, orador, que tinha dado instrucções aos Srs. Delegados de saude de Lisboa para exercerem rigorosa vigilancia nos estábulos.

Não descurou nem descura assumpto de tão capital importancia e que se prendo com a saude publica.

É esta a parte que lhe respeita em todas as observações produzidas pelo Digno Par. Tudo o mais que S. Exa. disse, prende com a gerencia da pasta das Obras Publicas. Não se estranhe, pois, que não seja minucioso na resposta a dar ao Digno Par; todavia, assumindo a responsabilidade de todos os actos do Governo, procurará, tão succintamente quanto possa, esclarecer a Camara acêrca do assumpto de que se trata.

Accusa S. Exa. o Governo por ter supprimido a junta de saude pecuaria.

Mas o que fez o Sr. Ministro das Obras Publicas ? Approvou o parecer de' uma entidade composta de elementos experimentados e competentes, e que mereceram ao Digno Par rasgados elogios.

O Sr. Ministro consultou exactamente aquelles que o Digno Par tem na conta de mais abalizados e que melhor podiam aconselhar o Governo.

É este o delicto praticado pelo Sr. Ministro das Obras Publicas.

O outro delicio cifra-se em ter o Governo supprimido a junta de saude pecuaria no intervallo que medeia entre duas datas: a dá chegada da primeira noticia acêrca da invasão da febre aphtosa e a de uma portaria que foi publicada no Diario de hontem.

O Governo supprimiu a junta de saude pecuaria porque na sua ordem de idéas, e nos termos de uma reforma ultimamente publicada, dividiu o Conselho Superior de Agricultura em tres secções, encarregando especialmente uma d'essas secções de tratar dos assumptos de saude pecuaria.

O terceiro delicto do Governo foi o de ter publicado uma portaria mandando estudar as causas da febre aphtosa. Equivocou-se o Digno Par. O Governo nomeou uma commissão, não para estudar as causas da febre aphtosa, mas sim para investigar as determinantes da extraordinaria gravidade da zoonose, e para propor as providencias medicas e de policia sanitaria que as circumstancias aconselhem.

Pediu-lhe o Digno Par que não descurasse o assumpto, que é grave, e que não - hesitasse em adoptar as providencias instantemente reclamadas.

Esse pedido está satisfeito, porque antes de vir para a Camara, e sabendo que estava reunida a commissão a que se refere a portaria inserta no Diario de hontem, encarregou o Sr. Lecocq de consultar essa commissão sobre differentes pontos. Logo quê finde a sessão, tratará de colher as informações que pediu, e adoptará as providencias aconselhadas por aquelles que melhor conhecem o assumpto.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Pereira de Miranda: — Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, seja enviada a esta Camara, nota das quantias pagas pelo Thesouro no estrangeiro ou directamente ou por intermedio dás agencias ou de quaesquer Casas bancarias ou commerciaes, indicando-se os encargos d'esses pagamentos e a que despesas occorreram, isto desde o dia 1 de julho de 1901.

Sala das sessões da camara dos Pares, em 18 de janeiro de 1902. = Pereira de Miranda.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, seja enviada a esta Camara, copia do documento legal pelo qual a Junta do Credito Publico se julgou auctorizada a transferir para a Direcção Geral da Thesouraria francos 358:313, prestação primeira do fabrico do couraçado Vasco da Gama.

Sala das sessões, em 17 de janeiro de 1902. = Pereira de Miranda.

Requeiro, pelo Ministerio da Fazenda, uma nota da totalidade da divida fluctuante, assim interna como exter-

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na, em 31 de dezembro de 1901, com todos os encargos, e, quando haja penhor, a natureza d'elle e onde se acha depositado.

Sala das sessões da Camara dos Pares, em 18 de janeiro de 1902.= Pereira de Miranda.

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha, seja enviada a esta Camara, copia do contrato para as grandes reparações a fazer no couraçado Vasco da Gama.

Sala das sessões, em 18 de janeiro de 1902. = Pereira de Miranda.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda seja enviada a esta Camara, nota dos supprimentos feitos pelo Thesouro á Junta do Credito Publico para occorrer ao pagamento dos juros da divida fundada externa, desde 1 de julho de 1901 até 31 de dezembro ultime, indicando quando esses supprimentos fossem por meio de saques, os nomes dos sacadores e sacados, e quando por meio de transferencias, os nomes das casas que forneceram os fundos no estrangeiro. Em relação a cada supprimento, deve a nota indicar o cambio fixado á Junta, e as condições com que o Thesouro adquiriu os fundos que pós á disposição da Junta.

Sala das sessões da Camara dos Pares, 18 de janeiro de 1902.= Pereira de Miranda.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, seja requisitada ao Tribunal de Contas e enviada a esta Camara, uma nota de todos os vistos postos pelo Tribunal em nomeações para empregos publicos de qualquer ordem, no periodo decorrido de 1 de junho de 1901 até ao presente.

A nota pedida deve ser organizada por ministerios e por meses, indicando-se o nome de cada nomeado e a data do visto.

A referida nota deve ser completada em cada um dos ministerios, indicando-se a importancia total do vencimento que cada nomeado passa a receber, e quando este anteriormente já fosse empregado do Estado, qual o vencimento que percebia.

Sala das sessões da Camara dos Pares, em 18 de janeiro de 1902. = Pereira de Miranda.

Foram mandados expedir.

O Sr. Eduardo José Coelho: — Mando para a mesa a seguinte nota de interpellação e alguns requerimentos.

Desejo interpellar o Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino sobre os motivos constitucionaes da dissolução da Camara dos Senhores Deputados da Nação, por decreto de 4 de junho de 1901, e consequencias politicas e administrativas d'este acontecimento.

Sala das sessões, 18 de janeiro de 1902.= O Par do reino, E. J. Coelho.

Requeiro que, pela Presidencia do Conselho de Ministros e Ministerio do Reino, sejam enviadas a esta Camara:

l.° Copia da acta do Conselho de Estado, que precedeu o decreto de 7 de dezembro de 1893, que dissolveu a Camara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa, ou consulta d'este corpo politico sobre a alludida dissolução.

2.° Copia da consulta do Conselho de Estado que precedeu o decreto de 28 de março de 1895, que dissolveu a Camara dos Deputados.

3.° Copia da consulta do Conselho de Estado que precedeu o decreto da dissolução da Camara dos Deputados de 4 de junho de 1901. = O Par do Reino, E. J. Coelho.

Tanto a nota de interpellação como o requerimento foram mandados expedir.

O Sr. Conde de Bertiandos: — Mando para a mesa

os seguintes

Requerimentos

Requeiro que seja enviada a esta Camara nota de todos os vencimentos, ordenados, gratificações, adeantamentos, ajudas de custo, despesas de jornada e de representação, de todos e quaesquer abonos sob qualquer titulo ou denominação, que tenham sido arbitrados ou concedidos ao embaixador extraordinario á China e a todos e quaesquer outros funccionarios sob a sua dependencia.

Outrosim copia das instrucções e recommendações que foram dadas ao dito embaixador e que representem o fim da sua missão diplomatica, reputada pelo Governo tão importante e urgente. = Conde de Bertiandos.

Requeiro que seja enviada a esta Camara nota de todas as despesas feitas com as manobras militares do ultimo anão. = Conde de Bertiandos.

Requeiro que seja enviada a esta Camara nota de todos os commissarios regios nomeados pelo Governo e de todos os seus vencimentos. = Conde de Bertiandos.

Foram mandados expedir.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa

Foi lido na mesa o seguinte projecto:

Dignos Pares do Reino e Senhores Deputados da Nação Portuguesa. — Abrindo as Cortes Geraes da Nação Portuguesa, cumpro, com satisfação, um dever constitucional, na fé, em que estou, de que o Parlamento honrará a sessão legislativa, que se inicia, com providencias e deliberações adequadas aos vitaes interesses do pais.

Com todas as demais Potencias mantem Portugal, felizmente, relações de amizade.
Registo, com sentida magua, o fallecimento do mallogrado Presidente da Republica dos Estados Unidos ia America do Norte, victima de um attentado que verdadeiramente deploro.

Tendo, na Minha recente viagem ás Ilhas Adjacentes, encontrado, no porto da Horta, navios de guerra que o Augusto Soberano de Inglaterra, Imperador das Índias, e Sua Majestade a Rainha Regente de Hespanha ali, enviaram a cumprimentar-Me, acompanhando-Me, em seguida, alguns d'esses navios até que regressei a Lisboa, gostosa.

A Camara regista com prazer a satisfação com que Vossa Majestade cumpre o dever constitucional de abrir o Parlamento e espera corresponder á confiança de Vossa Majestade, tomando as providencias e deliberações adequadas aos interesses vitaes do país.

A Camara recebeu com satisfação a noticia que Portugal mantem com todas as Potencias relações de amizade.

Com profundo sentimento de magua a Camara deplora o fallecimento do mallogrado Presidente da Republica dos Estados Unidos da America, victima de um attentado que a todos encheu de indignação.

É com prazer que a Camara tomou conhecimento de que Vossa Majestade, na sua recente viagem aos Açores, encontrou no porto da Horta navios de guerra que o Augusto Soberano de Inglaterra, Imperador das Indias e Sua Majestade a Rainha Regente de Hespanha ahi enviaram, para cumprimentar Vossa Majestade, tendo alguns d'esses na-

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mente consigno aqui o Meu reconhecimento por tão penhorantes e obsequiosas deferencias. Por igual agradeço ao Presidente da, Republica dos Estados Unidos do Brasil o ter mandado a Portugal um navio da sua esquadra, em testemunho de fraternal estima entre as duas nações.

Aos povos da Madeira e dos Açores, que Me acolheram e a Sua Majestade a Rainha, Minha muito amada Esposa, com extremos de dedicação e affecto, festejando a nossa visita áquellas formosas terras portuguesas, que tão nobres tradições encerram nos serviços prestados á causa da liberdade, expresso a nossa grata e perduravel recordação. Muito nos captivaram, tambem, as effusivas manifestações que os povos do districto de Leiria nos fizeram quando, ha pouco, fomos assistir, no grandioso monumento da Batalha, á solemne trasladação dos illustres extinctos da Familia Real Portuguesa, cuja memoria veneramos, El-Rei D. Affonso V e a Rainha D. Isabel, El-Rei D. João II e o Infante D. Affonso, que hoje descansam na Capella do Fundador, o Ínclito Rei D. João I.

Perante a guerra travada na Africa do Sul, temos mantido, no districto de Lourenço Marques, a inviolabilidade do nosso territorio e o respeito pela soberania portuguesa, franqueando hospitalidade aos que se acolheram á protecção da nossa bandeira, assim nos dominios de Africa como no continente do reino. As forcas de mar e terra, que se teem assignalado, com risco e sacrificio proprio, no avigoramento do nosso prestigio colonial, merecidos louvores Me apraz tributar.

Um modus vivendi, de manifesto alcance para Lourenço Marques, foi ultimamente celebrado entre o Alto Commissario Inglês e o Governador Geral da provincia de Moçambique, assentando as bases de um acordo aduaneiro e de tarifas ferroviarias, e regendo a emigração de indigenas, da nossa possessão para as minas do interior; na reciprocidade de vantagens, ali estipuladas, ganhará em incremento o trafego da nossa colonia.

Depois de encerrada a ultima sessão legislativa, tomou o Meu Governo providencias extraordinarias, que as circumstancias aconselharam; á vossa consideração as submetterá, dando-vos conta das razões que justificam a responsabilidade assumida.

No uso das auctorizações concedidas na lei de receita e despesa, votada para o corrente anno economico, foram, por differentes Ministerios e em ramos importantes da administração publica, decretadas medidas e reformas tendentes a melhorar os serviços do Estado, que no vosso alvedrio apreciareis, visando ao bem do país.

Tendo sido dissolvidas as Cortes, e publicada uma remodelação do regime eleitoral, com ordem e regularidade se procedeu a nova eleição de Deputados, em que os eleitores de todas as parcialidades manifestaram o seu voto, exercendo o seu direito politico. Com geral tranquillidade se effectuaram, tambem, as eleições dos corpos administrativos, aprazando-se para breve as do districto do Funchal, que factos locaes haviam feito adiar.

Abertas agora as Cortes, na sua epoca normal, asado ensejo tendes de olhar ás questões que mais avultam no momento actual.

Importa sobremaneira attentar na situação de Fazenda, como ella realmente se apresenta. Melhorou a taxa cambial, diminuindo o ágio do ouro, o que reduz encargos 5 elevou-se a cotação dos fundos nas praças estrangeiras, o que mais valoriza os titulos da nossa divida; fecharam-se com superior resultado as contas da ultima gerencia, o que approxima o balanço das receitas e despesas; e a todos os pagamentos necessarios póde o Thesouro occorrer,- sem para isso se ver forçado a alienar valores na sua posse. São factos que registo com satisfação. Mas factos que se, com o incontestavel desenvolvimento da nossa producção e commercio, mostram que a situação melhora, que Portugal trabalha e progride, nos impõe reflexão e aviso, [...]vios acompanhado Vossa Majestade no seu regresso a Lisboa. Igualmente a Camara regista com satisfação o agradecimento de Vossa Majestade ao Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil, por ter enviado a Portugal um navio da sua esquadra, como testemunho de fraternal estima entre as duas nações.

Tambem esta Camara consigna com vivo reconhecimento os testemunhos de affectuosa dedicação com que Vossa Majestade, assim como Sua Majestade a Rainha, foram acolhidos na recente viagem á Madeira e aos Açores, terras estas que tantos serviços prestaram á causa da liberdade, não devendo esquecer as extraordinarias manifestações de affecto dos povos do districto de Leiria, por occasião da solemne trasladação dos illustres extinctos da Familia Real Portuguesa, cuja memoria veneramos, El-Rei D. Affonso V, a Rainha D. Isabel, El-Rei D. João II e o Infante D. Affonso.

Muito agradavel é á Camara o saber que, durante a guerra travada na Africa do Sul, temos mantido sempre a inviolabilidade do nosso territorio e o respeito da nossa soberania, franqueando hospitalidade aos que se acolheram á protecção da nossa bandeira. A Camara associa-se aos merecidos louvores que Vossa Majestade confere ás forcas de mar e terra que, com risco e sacrificio proprio, se teem assignalado em manter o nosso prestigio colonial,

Folga a Camara de que se celebrasse um modus vivendi com o Alto Commissario da Inglaterra, é de que resultem vantagens para a nossa colonia de Lourenço Marques.

A Camara aguarda que o Governo de Vossa Majestade justifique perante ella as providencias extraordinarias que tomou depois da ultima sessão, legislativa; essas providencias, assim como as medida sdecretadas pelo Governo, no uso das auctorizações que lhe foram conferidas, apreciará a Camara devidamente.

A Camara igualmente aguarda que o Governo justifique perante ella a necessidade de uma remodelação da lei eleitoral e folgará de reconhecer que com ordem e regularidade se procedeu á nova eleição de Deputados e com geral tranquillidade ás eleições dos corpos administrativos, devendo realizar-se em breve as do districto do Funchal, que circumstancias locaes tinham feito adiar.

É agora ensejo proprio para estudar as questões que, mais avultam no momento actual, importando attender á situação da Fazenda, e a Camara folgará de reconhecer que melhorou a taxa cambial, que se elevou a cotação dos nossos fundos e que se fecharam as contas da ultima gerencia com bom resultado, e com satisfação fica a Camara sciente de que o Thesouro pode occorrer a todos os pagamentos necessarios, sem para isso se ver forçado a alienar valores na sua posse; mas esta mesma situação nos impõe reflexão e aviso para que se não descure tão importante assumpto.

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para que se consolide e avigore a melhoria alcançada neste labutar de dez annos, após uma crise dolorosa.

A lei de 20 de maio de 1893, que estabele2en o regime de pagamento dos encargos annuaes da divida publica, desde então em execução, tem Portugal dado exacto e pontual cumprimento, garantindo e assegurando, por modo effectivo, a regularidade das funcções da Junta do Credito Publico; aos compromissos resultantes d'essa lei, emquanto vigorar, não faltará certamente; esperando que, em equitativa conciliação dos interesses dos portadores estrangeiros com o recursos proprios do Thesouro, sana quebra da autonomia financeira da Nação, se effectue uma conversão dos titulos da divida externa, que melhore e affirme as condições do nosso credito.

Ao exame do Orçamento, que vos vae ser apresentado, dareis, estou certo, ponderada attenção, a fim de que as exigencias da administração se possam ajustar com os rendimentos do Estado. Nesse intuito vos proporá o Meu Governo providencias que, remodelando o systema de liquidação e percepção de alguns impostos, como os do sêllo, real de agua e industrial, lhes torne mais productiva a cobrança; bem assim vos referirá as modificações, que a evolução das industrias e o parecer dos que irais têem versado estes assumptos aconselham a introduzir nas nossas pautas aduaneiras.

Alem d'essas propostas de lei, outras, e por diversos Ministerios, vos serão submettidas, referentes: a algumas alterações, que a experiencia mostra justificadas, no regime administrativo e judicial; á reforma da policia civil; ao melhoramento do ensino de pharmacia; a um novo codigo de processo penal; á criação de uma casa do correcção de menores delinquentes, na cidade do Porto, ou nas suas immediações; a providencias sobre o armamento do exercito; á remodelação da administração militar; á Escola Naval; á reorganização do corpo de marinheiros; á applicação, á marinha de guerra, dos preceitos que regulam a reforma por equiparação; ao commercio e navegação de cabotagem; ás concessões de obras publicas e de privilegios no ultramar: aos serviços aduaneiros na provincia de Moçambique; á medicina tropical e criação do serviço hospitalar para os funccionarios civis e praças de pret que regressem das colonias; ao ensino agricola superior; ao estabelecimento de camaras de commercio e de agricultura; ao contencioso de obras publicas.

Dignos Pares do Reino e Senhores Deputados da Nação Portuguesa: Em muitas e importantissimas questões se tem de exercer o vosso esclarecido criterio, inspirado na justa comprehensão de que o país reclama do vosso dever patriotico. Espero que a Divina Providencia vos auxiliará no desempenho da alta missão que vos incumbe; tenho confiança em que a sessão legislativa, que vim inaugurar, será, nos seus trabalhos e resoluções, de proveito e beneficio para a Nação.

Está aberta a sessão.

A Camara nutre a esperança- que, para uma equitativa conciliação com os interesses dos portadores estrangeiros, se effectue uma conversão de titulos de divida externa, que melhore as condições do nosso credito, sem prejuizo da nossa autonomia financeira, notando a Camara que, durante a execução da lei de 20 de maio de 1893, lhe tem Portugal dado exacto e fiel cumprimento, assegurando por modo effectivo a regularidade das funcções da Junta do Credito Publico, deveres aos quaes não faltará nunca em quanto a lei estiver em execução.

A Camara estudará com a maior attenção o Orçamento, para que as exigencias da administração se possam ajustar com os rendimentos do Estado, e aguarda do Governo de Vossa Majestade as providencias que remodelem o systema da liquidação e percepção de certos impostos, taes como os do sêllo, real de agua e industrial, tornando mais productiva a sua cobrança e bem assim as modificações que a evolução das industrias e o parecer dos mais versados sobre o assumpto aconselhem a introduzir, nas novas pautas aduaneiras.

Tambem aguarda, para opportunamente apreciar, que lhe sejam presentes as propostas de lei fazendo alterações no regimen judicial e administrativo, reformando a policia civil, melhorando o ensino de pharmacia, fazendo um novo codigo de processo penal, criando uma casa correccional de menores delinquentes no Porto ou nas suas immediações, tomando providencias sobre o armamento do exercito, remodelando a administração militar e a Escola Naval, reorganizando o corpo dos marinheiros, applicando á marinha de guerra os preceitos que regulam a reforma por equiparação, regulando" o commercio e a navegação por cabotagem, regulando as concessões de obras publicas e de privilegios no ultramar, regulando os serviços aduaneiros na provincia de Moçambique, provendo á medicina tropical e criação de serviço hospitalar para funccionarios civis e praças de pret que regressem das colonias, regulando o ensino agricola superior, regulando o estabelecimento das camaras de commercio e o contencioso de obras publicas.

Senhor: No cumprimento do seu dever sobre muitas e importantissimas questões, tem a Camara que se pronunciar, inspirada na justa comprehensão do que o país reclama do seu dever patriotico, e espera que com o auxilio da Divina Providencia se desempenhará da alta missão que lhe cabe.

Palacio das Cortes, em 13 de janeiro de l902. = Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa = José Luciano de Castro (com declarações) — Frederico de Gusmão Correia Ar ouça, relator.

O Sr. Presidente: — Está em discussão.

O Sr. D. Luiz da camara Leme: — Não lhe permittindo o seu estado de saude que tome a palavra na discussão do projecto de resposta á fala do Throno, manda para a mesa uma moção que consubstancia tudo D que tinha a dizer.

Foi lida e admittida d discussão a moção do Digno Par; é do teor seguinte:

Additamento

Espera a Camara que o Governo, antes de encerrar o Parlamento, cumpra a promessa tantas vezes reiterada quantas illudida, submettendo á sua esclarecida apreciação uma proposta de lei sobre responsabilidade ministerial, como exige a moralidade politica e a lealdade do Governo, a fim de ser discutida e votada nesta sessão ordinaria.

Assim, acabará o frivolo pretexto de não estar regulamentado o artigo respectivo da Carta Constitucional, escrita com sangue generoso de cabeças roladas no cadafalso, e de bravos soldados liberaes, nas lutas sangrentas e fratricidas da nação, e manchada com traços indeléveis pelo arrojo de Ministros menos respeitadores das prerogativas parlamentares e de sagrados direitos politicos; Carta tão recommendada pelo seu Augusto Dador na sua proclamação á heroica Ilha Terceira.

Muito folgará a Camara se forem conjuradas as dictaduras, que, sempre ou quasi sempre, ferem profundamente

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SESSÃO N.° 4 DE 18 DE JANEIRO DE 1902 33

a dignidade e o decoro parlamentar e affectam a boa administração publica e não menos a situação financeira já aggravada e muito critica do país, que não pode nem deve absolver taes impurezas da realidade constitucional.

Sala das sessões da Camara dos Dignos Pares do Reino em 18 de janeiro de 1902. = O Par do Reino, D. Luiz de Camara Leme.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): — A moção que Digno Par mandou para a mesa é, pelos motivos que S. Exa. expôs, um discurso escrito. Visa, porem, a um ponto: a apresentação de uma proposta de lei sobre responsabilidade ministerial.

Responde que o Governo já apresentou ao Parlamento na sessão do anno passado, uma proposta relativa ao assumpto. Renovará muito brevemente a sua iniciativa; e 0 resto pertence ao Parlamento.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José Luciano de Castro: — Tendo assignado com declarações o parecer que se discute, corre-lhe o de ver de explicar as razões que a isso o levaram; mas antes, tem a declarar que votará esse parecer, não só come acto de cortezia e deferencia com o- Augusto Chefe d Estado, mas ainda porque, sendo um documento incolor e inoffensivo sob o ponto de vista politico e parlamentar pode ser assignado por todos, sem sacrificio de ideaes politicos e de convicções, quaesquer que ellas sejam.

Tendo-se dado, porem, no interregno parlamentar factos extraordinarios, e tendo sido publicadas pelo Governo providencias de excepcional gravidade, entendeu que não devia assignar sem declarações o projecto que se discute, e que lhe competia aproveitar o primeiro ensejo que se lhe offerecesse para expressar o seu modo de ver e de sentir em relação a esses actos, e para contra elles lavrar o seu protesto.

Tendo sido accusado de concorrer para a conservação da actual situação politica no poder, não pode desaproveitar a primeira opportunidade que se lhe depara para definir claramente a sua situação.

Nos ultimos tempos, se bem que fora do poder, não dispondo da confiança da Coroa, nem do appiodas maiorias parlamentares, tem sido, discutida a sua pessoa, attribuindo-se lhe a responsabilidade da conservação do actuai Ministerio.

É isto o que se tem escrito na imprensa. Diz-se que entre elle, orador, e o Sr. Presidente cio Conselho existe um pacto para se conservar o actual Gabinete, e para contrariar os manejos d'aquelles que o guerreiam.

É chegada a occasião de varrer a sua testada e de declarar em publico o que pensa e até onde chegam as suas responsabilidades.

Os inimigos do Ministerio, venham elles de onde vierem, não o encontrarão a contar-lhes o caminho.

Elles que appareçam; que nos digam qual é o seu programma, que nos patenteem o modo por que esperam realizar as suas aspirações e a maneira por que tentam empenhar-se na obrai da regeneração publica, e creiam que não o verão defender os actuaes Conselheiros da Coroa.

O que não. podem exigir d'elle, orador, é que só, e com os elementos de que dispõe, derrube o Gabinete. Tem sido um adversario intransigente do Governo. É amigo pessoal do Sr. Presidente do Conselho; mas é, politicamente, seu adversario..

Deram-se no interregno parlamentar, factos tão excepcionaes, que não pode deixar de lavrar um protesto contra elles, e de declarar perante q país que nenhuma responsabilidade lhe cabe pelo procedimento do Governo.

Depois de encerradas as Cortes, o Sr. Presidente do Concelho dissolveu a Camara dos Senhores Deputados.

É um acto que não tem rasões que o defendam.

O Sr. Presidente do Conselho assumiu perante o país a gravissima responsabilidade de aconselhar á Coroa a dissolução das Cortes.

Em que país do mundo se viu. que o mesmo Governo propusesse á Coroa duas dissoluções a seguir?

Que razão levou o Sr. Presidente do Conselho a praticar um acto tão violento e tão contrario ás praxes constitucionaes?

Pois não dispunha S. Exa. de 1 õ votos de maioria? Que motivo de ordem politica ou razão plausivel determinou a dissolução da outra Camara?

Sabe que se deu uma ruptura entre o Sr. Presidente do Conselho e o Sr. João Franco; mas nesse conflicto parlamentar o Governo saiu victorioso.

Quando é que a prerogativa regia foi posta ao serviço de um partido contra um dos seus membros, que num dado momento se afasta d'aquelles que acompanhou durante muitos annos?

A prerogativa regia é para acudir aos casos de salvação publica e não para dar força ao Sr. Hintze contra o Sr. João Franco.

Não discute a prerogativa da Coroa. Ella paira muito acima das contendas partidarias, e não quer, nem pode accusá-la; mas o Sr. Presidente do Conselho é que tem de responder por haver aconselhado a Coroa a que usasse da sua prerogativa, não em proveito publico, mas para resolver uma questão interna do partido.

Lavra, pois, o seu protesto contra o decreto da dissolução, tanto mais por ter sido accusado de cumplice nesse attentado constitucional.

Fechado-o Parlamento, o Governo entrou francamente na dictadura e publicou um decreto sobre a questão vinicola.

Pois não seria melhor conservar o Parlamento abei to por mais alguns dias e fazer que nelle se debatesse esse assumpto importantissimo?

Que motivos levaram p Sr. Presidente do Conselho a publicar uma nova lei eleitoral?

Ainda a scisão do partido regenerador.
Pergunta: teem defesa os actos do Governo, que só se inspiraram em conveniencias partidarias? Decerto que não.

Passado o periodo eleitoral, o Governo entendeu que o melhor meio de exprimir o seu respeito ás manifestações do sentir publico era continuar em franca dictadura. O Sr. Ministro ela Guerra, pouco tempo antes da abertura das Cortes, publicou dictatorialmente cinco dos seus projectos que jaziam nos archivos parlamentares.

Que razões de interesse ou de conveniencia publica podem justificar este acto?

Este procedimento do Governo parece apenas denunciar o proposito de exautorar o Parlamento, o desejo intenso de mostrar que o Parlamento não offerece a menor vantagem, que é uma instituição caduca, obsoleta.

O Sr. Ministro da Guerra não se limitou a fazer a reforma do exercita. Foi até á lei do recrutamento, assumpto este que pertence á Camara dos Senhores Deputados. Se ha intenção de amasquinhar o Parlamento, melhor será supprimi-lo, ou então dizer que elle só serve para confirmar os decretos dictatoriaes e para ralhar com os Srs. Ministros.

Tenham a coragem de supprimir o Parlamento, e o Sr. Presidente do Conselho tem para isso precedentes, na sua propria historia politica, visto que no anno de 1895 não funccionaram as Cortes.

Ainda não ha muito que o Governo se lembrou de supprimir os arbitradores judiciaes, apesar d'elles terem pago direitos de mercê. Amanhã podem supprimir o poder judicial e todos aquelles que tenham a seu favor apenas a orça do direito.

Vê praticar em Portugal o que não se pratica em outros paises. Na França, na Inglaterra, na Suissa, na Ita-

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lia, e até mesmo na Hespanha não se fazem dictaduras, não se comprehendem mesmo semelhantes processos.

Não ha lá necessidades urgentes de administração? Não ha lá crises a resolver?

O Sr. Presidente do Conselho vae decerto responder que elle, orador, tem, tambem, graves responsabilidades no systema de dictaduras. É a resposta habitual do Sr. Hintze.

Na sua vida publica, d'elle orador, ha dois periodos:

o do remado do Senhor D. Luiz e o do actual reinado. Naquelle ligou realmente a sua responsabilidade a actos de dictadura. Eram elles o processo invariavel do partido regenerador. O partido progressista tinha de se defender, violando tambem a Constituição.

Mas já então elle, orador, uma vez, em pleno Parlamento, propôs ao chefe, então, do partido regenerador um pacto para não mais se offender a lei fundamental do Estado, a não ser, é claro, em circumstancias gravissimas, naquellas que a propria Constituição admitte. A sua proposta honesta e convicta foi repellida. Mas desde que subiu ao throno El-Rei o Senhor D. Carlos, tem-se mantido fiel áquelles seus principios. Tem, pois, auctoridade para falar.

O Sr. Presidente: — Permitta-me V. Exa. que o interrompa.

Se V. Exa. o deseja, eu reservo-lhe a palavra para a sessão seguinte, porque tenho de dar agora a palavra ao Sr. Conde de Bertiandos, que a pediu para antes de se encerrar a sessão.

O Orador: — Eu não levaria muito tempo com o que me falta a dizer.

O Sr. Conde de Bertiandos: — Se o Sr. José Luciano quer agora concluir o seu discurso, eu cedi da palavra em favor de S. Exa.

O Orador: — Mas eu não tenho duvida em ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte. (Apoiados).

(O Digno Par não reviu as notas do seu discurso).

O Sr. Presidente: — Vou dar a palavra ao Sr. Conde de Bertiandos; mas antes vou ler os nomes de s Dignos Pares que se acham inscriptos sobre a ordem do dia: a Conde de Bertiandos, Jacinto Candido, Sebastião Baracho e Marquez de Pombal».

Fica o Sr. José Luciano com a palavra reservada.

Tem a palavra o Sr. Conde de Bertiandos.

O Sr. Conde de Bertiandos: — Sr. Presidente: se eu disse que desistia agora da palavra para e Digno Par o Sr. José Luciano de Castro concluir o seu discurso, foi pela muita deferencia que tenho por S. Exa.; não porque o assumpto que vou tratar não seja muito importante e urgente; passo a ler a proposta que tenho a apresentar:

«Tendo o Governo decretado no periodo interparlamentar varias reformas dos serviços publicos, umas no uso de auctorização legislativa, outras no exercicio da poderes dictatoriaes que assumiu;

Considerando que de todas essas reformas pode ter resultado augmento de despesa para o Thesouro; e

Attendendo que sempre, e mormente nas actuaes circumstancias da Fazenda Publica, é indispensavel que Camara tenha inteiro conhecimento de qualquer augmento de encargos porventura resultantes d'essas reformas:

Proponho que todas as reformas de uma ou de outra natureza acima indicada sejam enviadas á commissão de fazenda, para que esta dê o seu parecer, restricto a qual quer alteração na despesa proveniente de cada uma d'ellas o que deve constituir o principal criterio para a commissão especial do bill poder dar o seu parecer com relação ás reformas decretadas em dictadura, e será importantissimo subsidio para a Camara formar o seu juizo a respeito do procedimento do Governo com relação a umas e outras reformas.

Sala das sessões da Camara dos Dignos Pares, 18 de janeiro de 1902.= Conde de Bertiandos».

Sr. Presidente: creio que esta proposta não precisa de justificação, pois decerto a conveniencia da sua adopção está no animo de todos, no animo da Camara e no animo do proprio Governo.

Todos, decerto, comprehendem a conveniencia, a necessidade até, de que, antes da discussão do bill a commissão de fazenda seja ouvida; por isso que ella é uma commissão, por assim dizer, technica, os seus membros teem conhecimentos especiaes.

O que todos devemos querer é que a verdade se evidencie.

Creio mesmo que a proposta não terá discussão, porque procurei redigi-la de modo que não ferisse ninguem e que pudesse ser acceita pelo Governo e pela sua maioria.

É uma proposta para que a Camara possa deliberar com conhecimento de causa, porque é o que todos nós queremos.

V. Exa. comprehende tambem que desde o momento em que eu julgo que este estudo da commissão de fazenda é importantissimo para que a commissão especial do bill possa dar o seu parecer com respeito ás reformas em dictadura, isto justifica plenamente a urgencia da minha proposta e, portanto, peco a V. Exa. se digne consultar a Camara sobre se admitte a urgencia da proposta que tenho a honra de mandar para a mesa.

O Sr. Presidente: — Já deu a hora, e, por isso, a proposta que o Digno Par acaba de mandar para a mesa fica para segunda leitura na proximo sessão, antes da ordem do dia.

A seguinte sessão é terça feira, 21 do corrente, sendo a ordem do dia a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 10 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 18 de janeiro de 1902

Exmos. Srs.: Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquezes: de Fontes Pereira de Mello, de Gouveia, de Penafiel, de Pombal, da Praia e de Monforte (Duarte); Condes: de Ávila, de Bertiandos, de Cabral, de Castello de Paiva, de Figueiró, de Mártens Ferrão, de Monsaraz, de Valenças, de Villar Secco, do Bomfim, de Óbidos; Bispo de Bethsaida; Viscondes: de Asseca, de Athouguia; Moraes Carvalho, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Oliveira Monteiro, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Carlos Palmeirim, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Elvino de Brito, Ernesto Hintze Ribeiro, Ferreira do Amaral, Francisco Maria da Cunha, Simões Margiochi, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, Mendonça Cortez, Vasconcellos Gusmão, Avellar Machado, Sebastião Baracho, Sebastião Telles, Moraes Sarmento, Frederico Laranjo, José Luciano de Castro, José Maria dos Santos, Silveira Vianna, Abreu e Sousa, Pimentel Pinto, Camara Leme, Pessoa de Amorim, Pereira e Cunha, Pedro Victor, Polycarpo Anjos.

O redactor = Alberto Pimentel.

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