O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 31

N.º 6

Presidencia do exmo. Sr. João de Andrade Corvo

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - Requerimentos dos srs. Aguiar e Francisco Maria da Cunha, pedindo esclarecimentos pelo ministerio das obras publicas e pela camara dos senhores deputados. - Os srs. Baptista de Andrade e Franzini declaram os motivos por que não poderam assistir aos funeraes do sr. visconde da Praia Grande. - Justifica-se a falta do sr. Sequeira Pinto ás sessões da camara. - O sr. Barros e Sá apresenta um projecto de lei ácerca da promoção dos magistrados para as ilhas adjacentes. - O sr. visconde de S. Januario propõe, e é approvado, que se lance na acta um voto de sentimento pela morte do sr. visconde da Praia Grande de Macau. - O sr. ministro da marinha (Mello Gouveia) manifesta o seu sentimento pela perda do sr. visconde da Praia Grande, fazendo o elogio dos seus serviços ao paiz e qualidades pessoaes - O sr. Mello e Carvalho pede para que seja convidada a respectiva commissão a dar com brevidade o seu parecer sobre o projecto de lei n.° 117, para ser concedido um edificio á camara municipal de Bragança. - Justifica-se a falta do sr. Maldonado ás sessões da camara. - Ordem do dia: discussão do projecto de resposta ao discurso da coroa. - Declarações do sr. visconde de S. Januario por parte do partido progressista. - Tomam parte na discussão os srs. Henrique de Macedo, ministro da justiça (Julio de Vilhena),ministro do reino (Thomás Ribeiro), conde de Valbom, visconde de Chancelleiros, presidente do conselho de ministros (Fontes Pereira de Mello) e Miguel Osorio.

Ás duas horas e meia da tarde, sendo presentes 33 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia,

(Assistiram á sessão os srs. presidente do conselho, e ministros do reino, da justiça, da marinha e dos. negocios estrangeiros.)

O sr. Antonio Augusto de Aguiar: - Sr. presidente, mando para a mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que sejam enviados a esta camara, pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, os pareceres da junta consultiva de obras publicas e minas sobre os caminhos de ferro de Mirandella, Beira Baixa e Algarve, bem como os estudos do engenheiro Almeida Pinheiro sobre a ligação do caminho de ferro do Douro com o da Beira Alta.

Sala das sessões, em 23 de janeiro de 1883. = Antonio Augusto de Aguiar.

Leu-se na mesa e mandou-se expedir.

O sr. Francisco Maria da Cunha: - Mando para a mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que seja pedido á secretaria da camara dos senhores deputados o processo que serviu de fundamento ao projecto de lei n.° 125, vindo d'aquella camara, e ao qual se refere o parecer n.° 129 da commissão de marinha e ultramar, da dos dignos pares.

Em 23 de janeiro de 1883. = Francisco Maria da Cunha.

Leu-se na mesa e mandou-se expedir.

O sr. Baptista de Andrade: - Declaro a v. exa. e á camara que não compareci no funeral do nossa prezado collega, sr. visconde da Praia Grande de Macau, porque
a occasião que em minha casa foi recebido o aviso, estava eu fóra de Lisboa, e quando regressei já não era tempo de cumprir com esse dever.

O sr. Presidente: - A camara fica inteirada, o lançar-se-ha na acta a sua declaração.

O sr. Franzini: - Cumpre-me participar a v. exa. e á camara que não me foi possivel comparecer no funeral do digno par, sr. visconde da Praia Grande de Macau, por incommodo de saude.

Fui tambem encarregado, pelo nosso collega sr. Sequeira Pinto, de participar que s. exa. não tem comparecido ás sessões d'esta camara por motivo justificado.

Estas declarações foram mandadas lançar na acta.

O sr. Barros e Sá: - Mando para a mesa um projecto de lei relativo á promoção dos magistrados judiciaes nos Açores e Madeira.

A materia é importante, e por isso peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que este projecto seja publicado no Diario do governo, e mandado á commissão de legislação, á qual naturalmente pertence examinal-o.

Leu-se na mesa o seguinte:

Projecto de lei

Senhores. - A boa administração de justiça depende tanto da illustração e integridade dos juizes como da sua permanencia nos respectivos logares. Esta ultima condição, porém, quasi se não realisa nos logares da magistratura das ilhas adjacentes senão á custa de providencias repugnantes aos juizes.

Poucos são os magistrados que não vão violentados para os logares judiciaes das ilhas, adjacentes, actuando para essa repugnancia causas mui diversas e quasi sempre legitimas, e quando chegam a ir pequena é a sua permanencia nos logares, já por effeito de promoção, já de transferencia ou de licença.

Para evitar estes inconvenientes, que são graves, sem fazer violencia aos magistrados, só ha o meio de os convidar a irem ali servir por um tempo determinado, dando-lhes igualmente outras vantagens especiaes. Dar-lhes maiores vencimentos seria, porventura, o melhor alvitre a seguir, mas isto trazia grande augmento de, despeza que na actualidade cumpre evitar.

Parece-me, portanto, que em accesso mais rapido e a contagem do tempo de serviço em dobro para o effeito da aposentação e do vencimento do terço de ordenado será incentivo bastante para attrahir os juizes a pedirem aquelles logares e a permanecerem n'elles. Este meio não prejudica senão aquelles que voluntariamente não quizerem aproveitar-se das vantagens outorgadas na lei. São as antigas renuncias de facto convertidas em renuncias auctoridas por lei.

Convenço-me que com esta medida se ha de conseguir o preenchimento dos logares judiciaes das ilhas adjacentes, evitando-se ao mesmo tempo todo e qualquer arbitrio e desigualdade.

Por esta rasão submetto á vossa apreciação o seguinte:

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° Os logares de juizes de primeira e segunda

6

Página 32

32 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

instancia nas ilhas adjacentes dos Açores e Madeira serão providos unicamente em magistrados judiciaes que os requeiram nos termos e condições determinadas na Presente lei.

Art. 2.° Os juizes de primeira instancia que pretenderem ser providos nos togares da relação dos Açores devem apresentar na secretaria da justiça requerimento por elles proprios assignado, declarando que em tudo se sujeitam ás clausulas estabelecidas nos artigos seguintes.

Art. 3.° Logo que se verifique alguma vacatura de juiz na relação dos Açores, pelo ministerio da justiça será remettida. ao supremo tribunal de justiça uma relação nominal, e pela ordem da antiguidade, dos juizes que tiverem requerido serem ali collocados, e de entre os nove juizes mais antigos o tribunal proporá em consulta tres, ds entre os quaes o governo nomeará um.

Art. 4.° O juiz que for despachado em virtude das disposições da presente lei, fica obrigado a servir effectivamente o logar pelo tempo de tres annos completos, não podendo antes ser transferido, excepto no caso de, nos termos da legislação em vigor, lhe competir ser collocado em alguma das relações do continente, ou de accesso ao tribunal supremo de justiça.

§ unico. Para o complemento dos tres annos de serviço estabelecidos n'este artigo não será levado em conta serviço algum de qualquer natureza, nem o tempo de licença, nem o de funcções legislativas, nem o decorrido durante doença occorrida fóra do districto ou comarca judicial em que o magistrado exercer funcções.

Art. 5.° Terminado o tempo de tres annos de serviço o juiz será transferido para o primeiro logar que vagar de igual categoria no continente do reino, se assim o requerer.

Art. 6.° O tempo de serviço judicial e do ministerio publico feito nas ilhas dos Açores e Madeira será contado em dobro para os effeitos da aposentação e vencimento do terço do ordenado.

Art. 7.° As disposições dos artigos anteriores são applicaveis ao provimento dos togares de juizes de primeira instancia.

§ unico. Os logares de juizes de 1.ª e 2.ª classes serão providos em juizes da classe immediatamente inferior que o requererem, nos termos dos artigos anteriores; e os de 3.ª classe serão providos, independentemente da consulta, em candidatos legaes á magistratura judicial que tenham, pelo menos, tres annos de serviço effectivo. N'este ultimo caso o governo tomará em consideração para o provimento a antiguidade e o merito dos requerentes.

Art. 8.° Aos magistrados judiciaes e do ministerio publico, quando forem servir nas ilhas adjacentes, quando regressarem d'ali ao continente ou quando passarem a outra ilha por promoção ou transferencia, será dado transporte por conta do estado como passageiros de 1.ª classe para si e pessoas da sua familia, sem prejuizo do disposto no artigo 9.° da lei de 19 de maio de 1864.

§ unico. Não terão togar os abonos referidos quando os magistrados mudarem de residencia por effeito de licença ou de transferencia a pedido seu, salvo o disposto no artigo 5.° anterior.

Art. 9.° Aos referidos magistrados quando mudarem de residencia no continente do reino por motivo de promoção ou transferencia que não seja a requerimento ser., será abonado, para elles e sua familia, um subsidio de transporte igual ao que percebem os deputados da nação.

Art. 10.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da camara dos pares, 23 de janeiro de 1883. = Barros e Sá.

O sr. Presidente: - O projecto que acaba de ser lido será mandado á respectiva commissão.

O sr. Visconde de S. Januario: - Peco a v. exa. que proponha á camara se consente que se lance na acta um voto de sentimento peia morte do nosso illustre collega, o sr. visconde da Praia Grande de Macau, cavalheiro que tão importantes e valiosos serviços prestou ao paiz, tanto no continente como nas provincias ultramarinas. (Muitos apoiados.)

O sr. Presidente: - A camara acaba de ouvir a proposta feita pelo digno par, sr. visconde de S. Januario, á qual de certo se associa. (Apoiados.)

Os dignos pares que a approvam tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada unanimemente.

O sr. ministro da Marinha (Mello Gouveia): - Sr. presidente, achando-me presente na occasião em que um digno par acaba de se referir ao successo infausto da morte do sr. visconde da Praia Grande de Macau, eu, como ministro da marinha, faltaria ao meu dever de consideração pela benemerita corporação da marinha militar, se não manifestasse a viva parte que tomo no seu justo sentimento pela morte d'aquelle sou illustre camarada.

Sr. presidente, o sr. visconde da Praia Grande de Macau, foi para mim o modelo de cidadão e de soldado. A sua vida não foi uma d'essas existencias ruidosas que a vaidade propria ou o interesse alheio expõe triumphante ao applauso ephemero da multidão. Teve honras subidas, que foram bem merecidas, e não fulgiram porque lhe couberam a par e passo dos seus nobres feitos, na sua carreira civil e militar, que o sentimento do dever lhe inspirava e nenhuma especie de orgulho exaltava.

Subordinado ou superior, guarda marinha ou almirante, sua conducta foi sempre a mesma, valorosa nos combates, disciplinado e disciplinador, sabendo mandar e obedecer natural e simplesmente, sem encommendar á fama a noticia dos seus actos.

Nos altos postos da vida civil a que subiu, todos o viram justo, dedicado e prestante cidadão. Os archivos parlamentares e os da marinha e das colonias guardam memorias duradouras da sua dedicação ao serviço publico, do seu saber, do seu zêlo e da sua incontestavel aptidão.

Poucos homens têem logrado encher uma longa vida com uma carreira tão distincta, tão util e ião sinceramente venerada como foi a do nosso finado collega.

Estes dotes de homem publico tinham por força de assentar em qualidades pessoaes de singular apreço; e taes eram as que honraram o caracter do visconde da Praia Grande de Macau, que todos respeitaram como amigo fiel e dedicado, como militar brioso e esclarecido, e como cidadão honesto e patriota.

É mais um dessa já quasi extincta legião de bravos que conquistaram as liberdades publicas, que se some na eternidade.

A patria perde um filho benemerito, a marinha militar um dos seus mais illustres camaradas, e nós todos um collega estimado e respeitado.

Associo-me, portanto, á deliberação da camara para que fique na acta o testemunho do nosso sentimento pela morte d'este nosso collega, cuja vida póde ser apontada ás novas gerações, como um nobre exemplo a seguir e imitar.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Barros e Sá: - Peco a v. exa. que convide a camara sobre se consente que o projecto de lei que ha ha pouco apresentei seja publicado no Diario do governo.

O sr. Presidente: - Devo dizer ao digno par e á camara os motivos da minha hesitação em não apresentar á deliberação d'esta assembléa o pedido de s. exa.

Hesitei porque me pareceu que para se publicar qualquer documento na folha official, seria conveniente que as commissões da camara ou a mesa tivessem conhecimento do assumpto; no emtanto isso não impede que eu consulte a camara se permitte que se publique o projecto que o digno par acaba de mandar para a mesa.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

Página 33

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 33

O sr. Mello e Carvalho: - Peço a v. exa. que tenha a bondade de convidar a commissão de fazenda d'esta camara a dar, com a brevidade possivel, o seu parecer sobre o projecto de lei n.° 117, vindo da camara dos senhores deputados, o qual tem por fim conceder á camara municipal de Bragança o edificio do extincto convento das freiras de Santa Clara da mesma cidade, para n'esse local se construir um mercado.

O sr. Palmeirim: - Participo a v. exa. e á camara que o digno par o sr. general Maldonado não tem podido comparecer ás sessões da camara por motivo de doença.

A camara ficou inteirada.

O sr. Presidente: - A camara sabe que não se pôde realisar na sexta feira passada a sessão que devia ter logar n'esse dia. Por essa rasão mandei annunciar que o projecto de resposta ao discurso da corôa, que no mesmo dia foi distribuido por casa dos dignos pares, faria parte da ordem do dia de hoje. Sendo este assumpto importante e urgente, e tendo passado os dias que marca o regimento para poder entrar em discussão, parece-me regular começar por elle a ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Leu-se na mesa e foi posto em discussão o projecto de resposta ao discurso da corôa.

É o seguinte:

Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza:

Com verdadeiro prazer venho mais uma vez ao seio da assembléa dos representantes da nação, e cumpro gostosamente o dever constitucional de abrira segunda Cessão da presente legislatura.

Continuam sem alteração alguma as nossas relações de amisade com as potencias estrangeiras.

No intuito de aplanar difficuldades, e de affirmar os direitos incontestaveis de Portugal sobre as margens do Zaire e territorios de Cabinda e Molembo, tem o meu governo procurado entender-se com o governo de Sua Magestade Britannica. As negociações encetadas e seguidas, n'este sentido, estão em bom caminho, e é licito suppor que brevemente terminem de uma maneira satisfactoria.

A tranquillidade publica não tem sido alterada em todo o reino e provinciais ultramarinas, tendo sido feita com geral socego e liberdade a; eleição de deputados, para o preenchimento de algumas vacaturas na camara electiva.

Nas circumstancias actuaes da Europa e do paiz, parece oppprtuno ao meu governo apresentar ás côrtes uma proposta tendente a reconhecer a conveniencia da reforma de alguns artigos da carta constitucional da monarchia, nos termos do artigo 140.° da mesma carta. Este assumpto, que pela sua alta gravidade se recommendá muito especialmente ao vosso illustrado patriotismo, será certamente apreciado e resolvido por vós com a madureza e circumspecção que vos são proprias.

Senhor. - A presença de Vossa Magestade, exercendo a suprema magistratura da nação, no seio da representação nacional, ao dar começo á sessão legislativa, é sempre recebida pela camara dos pares com o vivo enthusiasmo que a sua profunda dedicação pela monarchia constitucional inspira aos seus membros.

Na monarchia constitucional, Senhor, que Vossa Magestade felizmente representa, vê a camara a recordação das antigas glorias da nação, e n'ella deposita as suas mais fundadas esperanças da manutenção da paz, da ordem, da prosperidade e da liberdade, que fazem a felicidade dos povos cultos, e a gloria d'aquelles que dirigem os seus destinos.

As boas relações de amisade com as differentes nações considera a camara como o melhor dos empenhes do governo dos estados, que por esse modo asseguram a paz externa, e com ella o desenvolvimento do commercio, que é o meio mais efficaz da prosperidade nacional.

A camara aprecia devidamente que esse estado, de tantos annos mantido sem alteração, continua a ser a norma inalteravel da politica externa do paiz.

A camara, Senhor, considera certo o direito de Portugal nos territorios de Africa, que lhe estão reconhecidos nos tratados, e designados na lei fundamental do estado, mas apreciará com a circumspecção devida as convenções, que, no intuito de aplanar quaesquer difficuldades, o governo de Vossa Magestade negociar com o governo de Sua Magestade Britannica.

Alliada sempre de Portugal, em epochas de diversa fortuna, a Gran-Bretanha de certo mais uma vez firmará essa alliança, assente na tradição de seculos e em tratados solemnes que não perecem.

A sustentação da tranquillidade publica é o melhor bem dos povos e o primeiro dever dos governos; com a paz gera-se a confiança nos recursos da nação, desenvolvem-se e prosperam as suas industrias.

A camara aprecia devidamente que a tranquillidade publica não tenha sido alterada, e que a eleição de deputados para o preenchimento de algumas vacaturas na camara electiva fosse feita com geral socego e liberdade.

Entende o governo de Vossa Magestade opportuno propor ás côrtes, nos termos do artigo 140.° da carta constitucional, a reforma de alguns dos artigos da mesma carta; e confia Vossa Magestade que este assumpto será pela camara apreciado e resolvido com madureza e circumspecção.

A estabilidade dos principios fundamentaes da constituição politica da nação não impede a alteração e reforma das disposições em que elles se desenvolvem. Tão infundada seria a resistencia ás reformas politicas que, para o aperfeiçoamento successivo da constituição do estado, a refletida experiencia mostrar necessarias; quanto prejudicial alterar a indole do codigo politico, a cuja sombra a liberdade foi estabelecida em Portugal, á custa de heroicos sacrificios, e que se acha firmemente estabelecido pelo pacto da nação.

A tão momentoso assumpto a camara applicará todo o

Página 34

34 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Uma lei eleitoral, que tenda a assegurar a liberdade e a independencia do voto, garantindo ao mesmo tempo, dentro de limites rascaveis, a representação das minorias, completará as reformas politicas, para as quaes eu chamo n'esta sessão legislativa a vossa especial attenção.

Continuaram com desenvolvimento notavel em todo o reino as obras de viação accelerada e as das estradas ordinarias, tendo sido concluido e aberto á circulação o caminho de ferro da Beira Alta. Esta grande festa nacional, a que assisti, representa mais um progresso importante nos melhoramentos que asseguram o desenvolvimento da riqueza publica. Por essa occasião nas provincias do norte, em todos os logares por onde passei, recebi eu, a Rainha, minha muito amada esposa, e os Principes, meus queridos filhos, as mais inequivocas provas de dedicação pela minha pessoa e pela minha familia, e de adhesão ás instituições vigentes. Desejo consignar aqui a memoria d'este facto, e o meu reconhecimento.

Para a instrucção publica, e especialmente para a instrucção primaria e secundaria, chamo eu a vossa illustrada attenção. Estes e outros assumptos de administração publica, alguns dos quaes ficaram pendentes na ultima sessão legislativa, merecerão de certo a vossa solicitude. Pelos ministerios da guerra e da marinha vos serão apresentadas, entre outras, algumas propostas tendentes a aperfeiçoar a instrucção do, exercito, a desenvolver as fortificações de Lisboa, e a augmentar a marinha de guerra, dentro de nossos recursos. Todas estas medidas eu recommendo ao vosso estudo e deliberação.

É indispensavel que continuem as obras do caminho de ferro do Douro com a actividade necessaria, para que possa estar concluido no praso fixado na lei. Não é menos urgente a construcção de um porto, que seja o complemento d'este caminho e assegure ás provincias do norte um commercio facil em todas as estações do anno. O caminho de ferro da Beira Baixa, o do Algarve, o do vali e do Tua até Mirancella, e o ramal de Vizeu, são obras reclamadas pelos povos que vão servir, e cuja execução não póde ser adiada por mais tempo, sem notavel prejuizo de muitos interesses legitimos. O meu governo vos apresentará as necessarias propostas de lei para que estas obras possam ser encetadas e levadas a effeito sem perturbação da fazenda publica.

Em virtude da auctorisação concedida ao governo pelo artigo 15.° do acto addicional á carta, foram tomadas no intervallo das sessões algumas providencias legislativas. O ministro respectivo apresentará ás côrtes essas medidas nos termos do mesmo artigo.

O estado da fazenda publica, para o qual eu chamo toda a attenção dos corpos legisladores, se não é tão prospero, como seria para desejar, é cerio que tem melhorado notavelmente, achando-se o thesouro habilitado a satisfazer os encargos nacionaes som recorrer a novos impostos.

Em consequencia das leis votadas na ultima sessão, o orçamento de receita e despeza, que o meu ministro da fazenda vos apresentará, para o anno economico proximo fu seu estudo e o seu concurso, com o patriotismo que lhe é dever.

O aperfeiçoamento da legislação eleitoral, no sentido de assegurar a genuina representação da nação pelos seus eleitos, considera a camara uma das reformas politicas mais importantes, e será o objecto do seu maduro exame e concurso.

Commemora Vossa Magestade o desenvolvimento notavel que continuam tendo os melhoramentos materiaes do paiz.

A camara folga de reconhecer este facto, que desde muito constituo o mais pronunciado empenho dos povos e que, ao passo que assegura á nação um dos mais poderosos elementos da sua prosperidade interna, mais a liga nas suas relações externas com a Europa, devendo d'ahi provir as vantagens que acompanham similhantes melhoramentos.

Indo assistir á inauguração da importante linha ferrea internacional da Beira Alta, Vossa Magestade, Sua Magestade a Rainha e Suas Altezas os Principes foram recebidos pelos povos com o enthusiasmo, que um longo reinado de paz, consagrado todo ao bem da nação, naturalmente inspira aos portuguezes.

Em Vossa Magestade e na dynastia, tão auspiciosamente representada, vêem os povos um seguro penhor das instituições liberaes; e no amor dos pobres e desvalidos, de que Sua Magestade a Rainha é o mais desvelado exemplo, acatam com reverente respeito as altas virtudes que ornam tão excelsa Princeza.

Se os melhoramentos materiaes são um dos primeiros elementos da prosperidade publica, não o são menos os melhoramentos moraes, que elevam as classes pela instrucção e pelos costumes.

A instrucção, Senhor, educa pela cultura do espirito; pela sua illustrada applicação ás artes e ás industrias; pela consciencia do dever que inspira nos povos; e pela alta comprehensão dos seus direitos.

Tão momentoso assumpto espera a camara que será tratado com a largueza que demanda e que as necessidades publicas urgentemente exigem.

A camara apreciará com igual solicitude as propostas que o governo de Vossa Magestade promette apresentar pelos ministerios da guerra e da marinha, para aperfeiçoar a instrucção do exercito, desenvolver as fortificações de Lisboa e augmentar a marinha de guerra.

Com não menor solicitude a camara apreciará todas as propostas que o governo de Vossa Magestade submetter ao exame dos corpos co-legisladores, que se referem a importantes melhoramentos publicos, de que o paiz carece, bem como os meios de lhes occorrer convenientemente, sem perturbação da fazenda publica, consideração esta a que a camara prestará o maior exame e attenção.

A camara, reconhecendo que o desenvolvimento das colonias pela civilisação e pelo commercio é dever patriotico que não póde ser preterido, apreciará as providencias legislativas nesse sentido adoptadas pelo governo de Vossa Magestade, no exercicio da faculdade que lhe confere o artigo 15.° do acto addicional, e as mais que no mesmo intuito o governo tiver que apresentar.

O estado da fazenda publica, que é hoje o mais serio empenho de todas as nações da Europa, será pela camara examinado com devida circumspecção. O equilibrio entre as receitas e os encargos do estado, para o qual devem concorrer o natural desenvolvimento da riqueza publica, as leis de fazenda votadas, a rigorosa fiscalisação e as economias, que as condições dos serviços permittirem reali-sar, é o fim que se deve proseguir com a maior solicitude.

Página 35

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 35

turo, será proximamente equilibrado, embora n'elle vão já descriptos os encargos provaveis da despeza extraordinaria que terá de ser proposta. O credito publico tem-se mantido vantajosamente, e deve-se acreditar que, presidindo aos conselhos da nação o pensamento de uma bem entendida economia, poderemos attingir com brevidade uma situação financeira bastante satisfactoria.

Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza:

Na sessão legislativa, que vae começar, sois chamados a tratar e decidir importantes questões, que affectam grandes interesses e, prendem essencialmente com a sorte do paiz. No empenho de resolver estes assumptos, cooperando com o meu governo, vós poreis de certo a madureza e o espirito patriotico, de que tendes dado tantas provas, e com o favor da Divina Providencia contribuireis efficazmente para a futura prosperidade da nação.

Está aberta a sessão.

A camara cooperará com o governo de Vossa Magestade nesse empenho, que tão instantemente se recommenda aos poderes do estado.

A firmeza do credito, senhor, será o resultado das boas finanças do paiz e do serio conhecimento dos seus recursos.

São graves e importantes os assumptos que o governo de Vossa Magestade se propõe submetter aos corpos colegisladores.

A camara dos pares corresponderá á confiança de Vossa Magestade e da nação, votando-lhes o assiduo, e, serio estudo que demandam, e resolvendo-os, na parte que lhe pertence, com o patriotismo que lhe inspira é seu dever e com a firme confiança de que a Providencia Divina, que vela superiormente pela sorte das nações, continuará a dar a Portugal dias de paz e de concordia, que assegurem á patria a sua prosperidade e independencia.

ala da commissão, 10 de janeiro de 1883.

João de Andrade Corvo.

Augusto Cesar Barjona de Freitas.

João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens, relator.

sr. Visconde de S. Januario: - Sr. presidente, uso da palavra por parte da
opposição progressista n'esta casa do parlamento, para declarar que não discutimos a resposta ao discurso da corôa, e que a votâmos considerando-a como mero comprimento ao soberano, como um acto de deferencia, e como a satisfação de uma praxe constitucional. Esta declaração, porém, não importa, nem significa de modo algum abstenção por parte da opposição a que me refiro, com relação á apreciação e discussão das reformas politicas e mais projectos do governo a que allude o discurso da corôa.

A opposição aguarda a apresentação d'essas propostas, por parte do governo, para as apreciar e discutir; porque entende que a discussão será mais concreta e portanto mais vantajosa, recaíndo sobre determinados assumptos, do que versando sobre generalidades de projectos apenas indicados no discurso da corôa. Entretanto, com relação ás reformas politicas, e lei eleitoral a que se refere aquelle documento, entendemos dever desde já manifestar e consignar a nossa opinião: a opposição deseja e quer as reformas politicas; indicou-as ha muito no seu programma, e desde então tem-nas sempre proclamado; entende, porém, que se as reformas politicas apresentadas pelo governo não forem as que julgâmos necessarias e mesmo indispensaveis na conjunctura actual, a opposição não as approvará e não seguirá assim a opinião das maiorias, embora a maioria d'esta casa do parlamento se manifeste a favor d'ellas; e não as seguirá pela mesma rasão que se não tem julgado obrigada a seguil-as n'outros assumptos com que não tem concordado.

ma cousa é respeitar e acatar as resoluções das maiorias parlamentares, e isso é dever de todos nós, outra cousa é cooperar com ellas ou deixar de as combater, quando o combate é licito no parlamento e a elle nos chamam as nossas aspirações, as nossas convicções e a nossa coherencia politica.

Ainda com relação ás reformas politicas, devo dizer tambem que se ellas não forem fundadas n'uma lei eleitoral que seja acompanhada ou precedida de outras medidas tendentes a annullar a interferencia illegitima da auctoridade nos actos eleitoraes, e formulada de modo que comprehenda todas as condições tendentes a conduzir á legitima e genuina manifestação do suffragio popular, essas reformas não terão valor algum politico, e n'esse caso, não só não as approvaremos, mas havemos de combatel-as.

São estas as declarações que por agora tenho a fazer.

O sr. Henrique de Macedo: - Não pretende reforçar as palavras de um dos chefes do seu partido, mas não póde deixar de dirigir algumas perguntas aos srs. ministros da justiça e do reino, porque julga o momento opportuno.

As perguntas com referencia ao sr. ministro da justiça são as seguintes:

Se tem havido entre s. exa. e o nuncio de sua santidade n'esta côrte conferencias ou conversas relativas ás pessoas que o governo pretende apresentar como bispos eleitos para as dioceses vagas no reino.

Se o governo tem ou procura tomar conhecimento official de alguns factos relatados pela imprensa de todas as cores politicas, pelos quaes se demonstre que o nuncio de sua santidade tem pretendido dar ordens ou indicações a respeito do serviço das respectivas dioceses ou parochias a alguns bispos ou parochos, especialmente com relação aos serviços das dioceses de Lisboa, Coimbra, Evora e Bragança.

Se nas conferencias a respeito das pessoas que devem ser apresentadas, o nuncio enunciou a idéa de que havia de oppor-se a que sua santidade confirmasse alguns bispos, ou se constou ao governo que elle tinha proferido alguma palavra a este respeito.

Quanto ao sr. ministro do reino, pede a s.exa. que supra com algumas palavras o pouco que se diz no discurso da corôa com relação ao importante problema da instrucção publica, problema que elle, orador, considera como um factor indispensavel das reformas constitucionaes.

(O discurso do orador será publicado quando s. exa. o devolver.)

O sr. Ministro da Justiça(Julio de Vilhena): - Vou responder ás perguntas que me fez o digno par o sr. Henrique de Macedo.

Perguntou-me s. exa. se eu tenho conferenciado com o nuncio de sua santidade ácerca das pessoas que o governo pretende apresentar como bispos eleitos para as dioceses vagas.

A esta pergunta respondo que tenho effectivamente conferenciado com o nuncio da santa sé n'esta côrte.

Pergunta-me tambem o digno par se eu tenho conhecimento official de alguns factos, que s. exa. diz pertencerem ao dominio publico, e pede me que declare á camara o que ha de verdade a tal respeito.

Respondo que não tenho conhecimento official de facto algum, em virtude do qual se possa inferir que o nuncio de sua santidade tenha pretendido intervir directamente no governo das dioceses.

Não existe no ministerio da justiça queixa alguma de

Página 36

36 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

cidadão portuguez, ou de auctoridade ecclesiastica ou civil, que accuse o nuncio por esse facto.

Desde que haja uma queixa qualquer, o governo procederá como julgar conveniente, mantendo intemeratas as garantias do episcopado e as prerogativas da corôa portugueza.

Nas conferencias que tenho tido com o nuncio nunca me foi manifestada a idéa de opposição systematica, por parte da santa sé, á approvação das pessoas propostas para o preenchimento das dioceses vagas.

Julgo ter respondido ás perguntas que o digno par me dirigiu.

O sr. Ministro do Reino (Thomás Ribeiro): - Deseja o digno par, sr. Henrique de Macedo, que o governo diga quaes os meios que tenciona empregar para resolver o problema da instrucção publica.

O digno par sabe perfeitamente que antes da resolução dos diversos problemas que apontou ao cuidado especial do governo, incluindo mesmo o problema colonial, está, e disse-o o digno par, a resolução do problema, financeiro.

Sr. presidente, o anno passado apresentei á camara dos senhores deputados, entre outras, uma proposta de lei a fim de preencher uma lacuna grave que ha na nossa legislação, e que resultou de um projecto apresentado pelo meu illustre antecessor o sr. José Luciano de Castro.

Por virtude do artigo 25.° da lei de 11 de junho de 1880 ficou expressamente revogado o § 3.° do artigo61.° da lei de 2 de maio de 1878, e por isso extincto o subsidio de 200:000$000 réis que por aquella disposição revogada era concedido ao ministerio do reino, para ajudar as juntas de parochia na edificação de casas proprias para as escolas de instrucção primaria.

Supponho, sr. presidente, que nenhuma das necessidades da instrucção é superior a esta da instrucção primaria. Eu já reduzia os 200:000$000 réis a 100:000$000 réis, mas tive de ceder diante das rasões de economia ponderadas em conselho de ministros, mais de uma vez. Resignei-me, pois, a deixar para esta sessão aquella proposta.

Sr. presidente, a instrucção publica, como disse o digno par, e com o que eu estou de accordo, carece de um grande auxilio do governo, mas para elle, não nos illudamos, carece de um grande subsidio pecuniario.

É facil fazer-se uma reforma, mas é difficil encontrarem-se os meios para a podermos realisar.

Nós precisamos, antes de tudo, dotar convenientemente o nosso professorado. A camara sabe perfeitamente que na instrucção superior, uma das maiores faltas está na falta de condigna remuneração ao professorado.

A camara sabe que muitos dos professores, e quasi sempre dos mais illustrados, forcejam por sair dos estabelecimentos a que pertencem, e de que são honra, e procuram cuidadosamente outra occupação em que empreguem as suas faculdades. A retribuição pecuniaria que damos aos lentes da universidade e aos dos cursos superiores é insignificante para que, descansados sobre o seu futuro, possam dedicar-se, com verdadeiro amor, ás suas aulas, aos seus livros e aos seus discipulos.

Faltam, porventura, grandes talentos, grandes aptidões e grandes illustrações no nosso professorado superior? Não faltam, por honra nossa o digamos; o que falta é quem se dedique, affectuosa e exclusivamente, ao ensino.

Estará só n'isto a reforma? De certo não; mas isto é essencial.

Ha muitas nações em que a devoção particular ajuda efficazmente os poderes publicos; aqui, em Portugal o estado pouco póde esperar fóra dos seus recursos, isto desculpa, o governo de não emprehender as grandes reformas, que aliás reputa necessarias, quando se tem como primeiro cuidado a resolução do problema financeiro, que é primordial.

Sr. presidente, nós temos um unico instituto ou conservatorio real em Lisboa, cujos professores recebem uma ridicularia. Permitta-me a camara esta palavra; mas não tenho outra que seja, como esta, exacta.

É certo, sr. presidente, que tem sido de grande proveito para o paiz o conservatorio real de Lisboa. Pois bem, nós precisâmos de fundar um estabelecimento identico na cidade do Porto, e pagar condignamente aos respectivos professores.

O curso superior de letras, ainda ha pouco taxado de instituto excentrico por um professor distincto da universidade, carece de nova e mais conveniente organisação. Quizera approximal-o mais da academia real das sciencias e poder conseguir que, alem das disciplinas do quadro dos seus estudos, qualquer dos socios effectivos da academia I podesse abrir cursos diurnos ou nocturnos sobre as disciplinas que fossem mais da sua competencia e gratificar estas prelecções.

Isto elevaria muito o nivel litterario do curso superior e não menos a auctoridade da academia no conceito publico.

Estas prelecções seriam largamente concorridas e, por isso, proveitosissimas, principalmente á capital do reino.

Ha muitissimo a fazer.

Temos nós, porventura, bem dotada a academia das bellas artes?

Temos nós um museu de bellas artes como podiamos e deviamos ter?

Ainda ha pouco tempo, numa exposição que se fez em Lisboa, se mostrou bem claramente quaes as muitas riquezas artisticas que nos restam para guardar e mostrar. (Apoiados.)

Nós precisâmos de bibliothecas, de museus, de observatorios, de laboratorios, de casas para as escolas, emfim de todos os instrumentos de estudo. Portanto, fazer simplesmente uma reforma na instrucção superior, sem que ella tenha as necessarias e harmonicas ligações com a instrucção secundaria e primaria, parece-me que seria fazer uma reforma que não correspondia aos fins que devemos ter em vista. Eu, pela minha parte, desejo muito satisfazer aos desejos de s. exa., que são os meus. O digno par sabe já que eu julgo da maxima conveniencia crear um ministerio de instrucção publica.

Esta opinião não sei se é a do governo, porque eu ainda a não apresentei em conselho de ministros; mas parece-me que com os trabalhos que ha ordinariamente no ministerio do reino, independentemente dos negocios de instrucção publica, é difficil poder-se cuidar d'estas reformas, e que para exclusivamente se occupar dellas é conveniente um ministerio especial.

Nós temos um conselho de instrucção composto de homens distinctos e muito illustrados, mas que não chega para todas as necessidades do serviço da direcção da instrucção publica e que temos de reconstituir o antigo conselho geral.

Aqui tem s. exa. aquillo que eu posso responder n'este momento ácerca da instrucção publica; acrescentarei apenas que as propostas que tenho para apresentar n'esta sessão tendem a melhorar, em muito, algumas disposições legislativas existentes.

Dentro em pouco os projectos sobre a reforma da constituição e da lei eleitoral serão presentes á camara, e n'essa occasião haverá de certo uma larga discussão a respeito d'esses assumptos.

O governo o que deseja é que a eleição seja o mais livre possivel; mas acceitará os conselhos liberaes de todos aquelles que o quizerem coadjuvar, porque o seu desejo não é sophismar, é que se legisle de modo que se assegure, quanto possivel, a genuinidade do voto nacional.

O sr. Conde de Valbom: -Eu não desejo fazer um discurso n'esta occasião, mas pretendo dizer algumas palavras com que fundamente o meu voto, e recordar o que eu aqui disse o anno passado com referencia ao assumpto de que trata o documento que estamos discutindo. Refiro-me ás reformas politicas.

Página 37

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 37

O anno passado, por occasião de se discutir o projecto de resposta ao discurso da coroa, eu proferi um discurso no qual sustentei a necessidade e a opportunidade de se fazer alguma reforma politica, compativel com a indole da monarchia constitucional, que me parecia ser exigida pelas circumstancias, a fim de que o nosso systema representativo podesse funccionar bem, e os partidos alternarem-se no poder.

Vejo com prazer que o governo entrou n'esse caminho, e annunciou a apresentação de algumas reformas politicas, de certo com o intuito de aperfeiçoar as instituições, sem as alterar na sua indole. Não se póde deixar de reconhecer effectivamente que seria para desejar que as nossas instituições tivessem uma applicação genuina e verdadeira.

Eu não pretendo agora tratar toda a questão politica: reservo-me para a occasião opportuna, em que as reformas forem apresentadas. Aproveito, porém, o ensejo para observar que a reforma da camara dos pares tem differentes pontos essenciaes a que attender: é necessario evitar a necessidade de successivas fornadas, fazendo com que uma parte da camara seja amovivel. Póde pois apresentar-se uma reforma que em algumas das suas partes mereça a nossa approvação, sem que no seu todo seja absolutamente aquella de que se carece; porque é preciso que se não vá fazer qualquer alteração contraria á natureza e caracter proprio das nossas instituições.

A reforma d'esta camara, como eu a entendo, deve corresponder unicamente a uma necessidade de governo. (Apoiados.)

No que respeita á reforma da lei eleitoral, essa é essencialissima para que o voto do paiz possa ser livremente manifestado, pois que sem isso não podemos ter a genuina representação nacional; seria para desejar que se podesse acabar completamente com todos os meios de corrupção eleitoral, e que se fosse extremamente escrupuloso nas operações eleitoraes, não só instaurando-se todos os processos de attentados contra a liberdade da urna, mas tambem sendo-se rigorosissimo na applicação das penas correspondentes.

Acabemos com as amnistias repetidas, que, pela impunidade, auctorisam a repetição de crimes desta ordem. (Apoiados.)

É necessario evitar a pressão official, é necessario evitar toda e qualquer pressão, moralisando o acto eleitoral, para que este seja a expressão genuina do voto livre do paiz, porque sem essa expressão o governo monarchico constitucional, o governo representativo, será viciado na sua base. (Apoiados.)

O que acontece quando se dão essas tristes circumstancias, esses abusos, que eu aqui mencionei o anno passado? E que não são os parlamentos que fazem os ministerios, são os ministerios que fazem os parlamentos, o que é a completa inversão dos principios. (Apoiados.)

É necessario que os ministerios saiam da indicação parlamentar, inspirada na opinião publica; é necessario que a lei eleitoral possa produzir este benefico resultado.

Tambem supponho, tambem acredito, e estou mesmo convencido de que é necessario adoptar outras providencias tendentes a alcançar o desideratum de evitar toda a pressão e corrupção nas eleições.

É preciso desarmar a auctoridade de certos meios de influencia, por exemplo, na questão de recrutamento, na questão das execuções fiscaes, e mesmo nas questões de administração municipal, para deixar toda a liberdade ao voto dos eleitores.

Para a reforma eleitoral e parlamentar ser completa, e produzir os resultados benéficos e salutares que todos desejamos, e para o que me parece opportuno empregar desde já todos os nossos esforços, torna-se necessario que haja um complexo d'estas providencias que nos de a esperança de obtermos um bom resultado; mas isto não quer dizer que se for adoptada uma ou outra parte d'este systema, não possa ser já um melhoramento.

Faço votos para que o systema que o governo tem tenção de apresentar ao parlamento seja completo, e traduza exactamente e de um modo satisfactorio as boas intenções em que eu creio elle estar.

Eu disse o anno passado, e repito hoje, que não é com reformas precipitadas e exageradas, não é transplantando para o nosso paiz, e enxertando no nosso systema, instituições de paizes que se regem por systema diverso, e estão em circumstancias muito differentes das nossas, que nós podemos melhorar a nossa organisação politica; entendo que devemos evitar esse escolho, e não provocar com utopias uma reacção. Convem conservar e apreciar devidamente os factos, fazer as reformas a tempo e dentro de certos limites.

Pelo que respeita á questão politica e ás reformas que o governo enuncia, eu não posso desde já dar uma opinião definitiva, porque me reservo para a emittir conscienciosamente quando elle apresente as suas propostas.

Ha outra questão tambem importante e vital para nós, que é a questão de fazenda, a qual não julgo opportuno tratar extensamente agora, e reservo-me para o fazer em outra occasião; mas ainda assim direi que uno obstante eu não ver o nosso horisonte financeiro extremamente carregado de escuro, todavia não o diviso completamente cor de rosa.

Observando que o indicador da divida fluctuante accusa a necessidade de recorrer a essa divida em maior escala, não estou tão propenso a acreditar, como o governo, que o deficit vae desapparecer com a brevidade que se deseja. (Apoiados.)

Eu acredito que, com uma boa fiscalisação e com uma melhor administração dos nossos recursos, poderemos augmentar as nossas receitas; e por esta occasião seja-me permittido dizer que o meu desideratum seria que houvesse um governo n'este paiz que quizesse administrar, que é o que nós mais precisâmos; que não tivesse tanto prurido de theorias, que não ostentasse tanto afan em apresentar leis novas antes de ter mostrado o serio empenho de executar bem as que existem; que fizesse com que as nossas leis tributarias produzissem o que podem produzir, reconhecendo na pratica os seus defeitos, a fim de os corrigir, para tirar d'ellas o maior resultado possivel para a fazenda publica. (Apoiados.)

Administrar é uma das nossas primeiras necessidades. É um papel mais modesto e menos ostentoso, mas mais util para o paiz. (Apoiados.)

Eu estou convencido de que a questão de fazenda se não póde resolver sem harmonisar a fazenda do estado com a fazenda local. É necessario que o estado e as localidades não vão ambos ás mesmas fontes aurir das mesmas receitas, porque essas fontes têem um limite. É necessario que das localidades desappareça a anarchia tributaria que hoje ali existe e a que é urgente pôr cobro. (Apoiados.) É necessario deixar ás localidades os impostos que ellas melhor podem explorar, acabando de uma vez com as desigualdades que deturpam o nosso actual systema de tributação. É necessario deixar principalmente ás localidades a exploração dos impostos directos.

Disse eu que essa é a tendencia natural; e compulsando a estatistica d'estes ultimos dez annos, se vê que o rendimento total das contribuições indirectas locaes não tem augmentado, ao passo que a receita que as corporações, a que me refiro, vão buscar ás contribuições directas tem triplicado. Portanto, não se vae fazer violencia aos povos, mas seguir-se a sua tendencia.

Qual a rasão por que as localidades dão preferencia, desde certa epocha, ás. contribuições directas?

Naturalmente porque sabem que ahi é que ha maior desigualdade e que a materia tributaria está menos explorada.

Mas não é possivel consentir, por exemplo, que as loca-

Página 38

38 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

lidades estejam a aggravar os direitos da pauta, que tem um pensamento economico e fiscal, e, alem disto; garante uma certa estabilidade n'essa especie de tributos, ao abrigo da qual vivem as industrias e com a qual contam as nações com quem temos tratados.

Com esse modo de entender o arbitrio do crear addicionaes, lançando-os até sobre os artigos da pauta, vão perturbar-se completamente não só a economia da mesma pauta, o que é de gravissimo inconveniente, mas tambem as relações commerciaes entre as diversas localidades. (Apoiados.)

N'uma palavra, existe uma grande anarchia na maneira das localidades crearem receitas, e é necessario per cobro a essa anarchia, harmonisando as finanças locaes com as do estado. (Apoiados.) Isto não quer dizer que desejo privar as corporações administrativas dos recursos indispensaveis para gerirem os seus negocios; mas mesmo o pensamento, que aliás reputo racional, de alliviar o orçamento geral do estado de certas despezas, e de as descarregar nas localidades, exige que os meios que só deixem á disposição dos municipios e districtos para occorrer a essas despezas, não sejam procurados nas mesmas fontes onde vae o estado, para que não aconteça tornar-se mais difficil o augmento do rendimento das contribuições geraes.

Portanto, o que digo é que a questão de Fazenda não se póde resolver sem ter por base a harmonia das finanças geraes do estado com as das localidades, e sem fazer uma racional distribuição das despezas, de modo que se possa occorrer a esses encargos de accordo com as boas regras de economia publica, sem que as localidades deixem de ter os necessarios meios de receita, nem o estado veja exauridas as fontes do seu rendimento. (Apoiados.)

A questão de fazenda não depende porém sómente d'este elemento, é necessario tambem que haja economia em todos os ramos de serviço, toda a possivel reducção nas despezas, e mesmo que aquellas que são necessarias sejam melhor e mais productivamente applicadas.

Por exemplo, a respeito da instrucção publica, a que ha pouco se referiu o digno par, o sr. Henrique de Macedo, entendo que a instrucção superior deve ser mais concentrada e menos disseminada, mais intensa e menos extensa, no que haveria uma grande economia.

Nós não temos pessoal competente para ensinar com a devida proficiencia todas as doutrinas. Portanto, uma boa organisação podia dar economia e melhor ensino, com o que ganhava de certo a sciencia. E o que digo a respeito d'este ramo de serviço, posso dizel-o de outros, em que se gastam avultadas sommas.

A nossa divida absorve, é verdade, uma somma, muito importante; metade talvez da nossa receita. O rosto é que fica para as despezas do estado; mas apesar d'isso, com essa mesma, receita, podia fazer-se uma distribuição mais rasoavel e productiva, e tirarem-se mais vantagens do que agora se tiram. Até mesmo alguns serviços podiam ter melhor resultado com mais economia. (Apoiados.)

É necessario que nós tenhamos o proposito firme de não augmentar as despezas ordinarias. Foi assim que a Italia chegou a obter o equilibrio do seu orçamento. Se nós, a par dos nossos recursos formos augmentando successivamente as despezas, como tem acontecido até agora, então nunca desapparecerá o déficit.

Eu não digo que o nosso estado financeiro tenha peiorado; antes está melhor, e muito melhor do que foi.

Não digo tambem que todos os capitães que constituem hoje os algarismos da nossa divida consolidada tenham sido absorvidos por despezas improductivas. Pele contrario, tem sido empregados, na maxima parte, em despezas reproductivas.

As vias de communicação têem tido um grande desenvolvimento; de todos os melhoramentos realisados tem resultado augmentar a producção nacional. Portanto, este augmento da riqueza publica tem habilitado o contribuinte a pagar mais facilmente as suas contribuições, apesar de serem maiores.

O nosso estado de prosperidade é superior ao que foi ha uns poucos de annos; mas isto não nos deve illudir, nem tão pouco fazer-nos acreditar que podemos seguir n'este caminho, sem alguma prudencia e sem muito calculo. (Apoiados.)

Mesmo nas despezas reproductivas é necessario considerarmos até onde podem ir as faculdades do paiz dentro de um certo numero de tempo, porque todas as cousas se fazem, dando-se o espaço necessario para se poderem satisfazer os encargos.

A questão de fazenda, que é a nossa questão principal, entendo eu que será aqui amplamente tratada, o que o governo nos fornecerá todos os esclarecimentos para nós podermos fazer um juizo exacto ácerca do seu actual estado.

Estes são os tres pontos capitães de que só trata na resposta ao discurso da corôa: é a questão politica, a questão de fazenda e a questão dos melhoramentos materiaes. A questão colonial prende essencialmente com a questão financeira, por um lado, e por outro é uma questão administrativa.

Quando tivermos de fazer alguma cousa nas nossas colonias, ou ha de ser por intermedio de companhias, ou então empregando recursos do estado em maior ou menor escala.

Nós vemos as difficuldades que ha na organisação de companhias para ellas tirarem resultados, por isso que uma companhia que tem de estabelecer-se n'aquellas paragens longinquas precisa segurança, e esta custa dinheiro ao estado, precisa moios de communicação, e para estabelecer esses meios é tambem necessario que o estado gaste dinheiro, e nós não estamos em condições de termos um systema colonial como têem as nações mais adiantadas nas industrias, porque essas fazem um commercio differente e mais vantajoso, por isso que levam para as colonias os seus productos industriaes e trazem em troca os coloniaes; não vão fazer vendas, fazem permutação, e por esse motivo as suas contas ficam logo liquidadas, emquanto que nós não temes os productos que ali levam as nações estrangeiras temos por isso que fazer as transacções, ou a credito por prasos, ou a dinheiro, e para obter isto é difficil, pois todos sabem quanto custa obter os pagamentos dos productos que por lá ficam vendidos a prasos, que muitas casas importantes se têem visto embaraçadas, e quasi arruinadas, pela difficuldade era rehaver os seus capitães.

Eu não sou contrario á idéa de que nós exploremos as nossas colonias, nem digo que seja mau ter colonias que nos dão no mundo importancia politica; mas o que digo é que nas circumstancias em que nos achamos é um grande encargo que temos, e devemos andar com todo o juizo na sua administração.

Eu entendo que não devemos tratar só da parte material, mas tambem da parte moral, e já que tive occasião de fallar na instrucção publica direi que na instrucção secundaria ha muito que fazer (Apoiados.) como ha na primaria, e sobre este ponto estimaria eu que o governo trouxesse algumas providencias, melhorando a nossa instrucção, pois é necessario que ella satisfaça a dois fins: uma instrucção que sirva para todos os cidadãos, e a outra para as carreiras especiaes.

A instrucção secundaria boje não satisfaz a nenhuma d'estas exigencias.

Com respeito ás colonias eu não repetirei a celebre phrase do ministro de Luiz Filippe, quando disse "a França é bastante rica para ter um camarote na grande opera das nações"; não digo isto, mas direi que muitos planos que se suppõe deverem dar um problematico augmento da nossa futura riqueza impõe-nos cem certeza largos encargos no presente; e é necessario que a gente se não illuda e não

Página 39

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 39

vá atraz d'essas miragens; porque, se for, no fim póde ser que fiquemos compromettidos.

Tratemos de resolver o problema colonial com tino e prudencia, e não exportemos as nossas utopias para o ultramar; em parte nenhuma ellas deixam de produzir as decepções.

Sr. presidente, vou terminar com poucas palavras.

Entendo que nos governos representativos não ha vantagem nenhuma em fazer desapparecer os partidos, porque elles são a vida deste systema, e que é necessario que cada um dos partidos tenha as suas idéas, doutrinas e praticas, de governo de accordo com as instituições, e empregue para triumphar os meios licitos, decorosos e constitucionaes; são esses os unicos que podem dar vida a um partido.

Julgo tambem que é de grande inconveniencia para o systema constitucional e para a monarchia que não haja esta separação de partidos, d'estas entidades politicas, de maneira que possam alternar-se no poder, para que não aconteça consubstanciar-se a vida publica, a vida politica do paiz e a sorte da monarchia n'um ou n'outro individuo, que não é eterno, que ha de desapparecer.

Creio que as instituições têem a sua principal garantia no funccionamento regular do systema representativo. (Apoiados.)

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente: - O digno par, sr. visconde de Chancelleiros, pediu a palavra sobre a materia e sobre a ordem.

Tem s. exa. a palavra.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Combateu a opinião dos que consideram a resposta ao discurso da corôa como, um mero comprimento ao chefe do estado. Admira-se de que o governo, que não julgava opportuna, o anno passado, a apresentação de reformas politicas, as promettesse este anno na falla do throno. Pergunta se a reforma da lei eleitoral havia ainda de ser approvada n'esta sessão, para serem por ella eleitas as novas côrtes, e se o sr. presidente do conselho tinha duvida em dizer o que tencionava fazer da camara dos pares.

Deseja saber tambem porque vem só citado nos periodos do discurso da corôa, e do projecto de resposta que se referem ás reformas politicas, o artigo 140.° da carta constitucional, e não vem tambem os seguintes, que respeitam ao mesmo assumpto.

Não vê que o estado da Europa e do paiz hajam mudado do anno passado para cá, de modo que justifiquem a mudança de opinião do sr. presidente do conselho.

As reformas politicas só podem ser proficuas se forem adaptadas á educação constitucional do paiz.

Nós não tinhamos eleitores, mas portadores de listas. Se o paiz pedia a reforma da camara dos pares, é porque desconhecia os serviços que esta camara lhe tinha prestado.

Se não houver uma lei eleitoral em harmonia com a educação constitucional do paiz, accommodada ás suas condições, e que possa produzir a representação nacional conforme a vontade do paiz, genuinamente manifestada na urna, todas as reformas politicas de nada servirão.

Entende que a reforma da camara dos pares não póde ser feita por quem contribuiu para o estado em que a mesma camara se acha.

(O discurso do orador será publicado quando s. exa. o devolver.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Sinto que o digno par e meu amigo, o sr. visconde de Chancelleiros, não achasse o documento que está em discussão redigido de harmonia com as suas idéas. Nas luctas da tribuna parlamentar temo-nos encontrado juntos muitas vezes, e eu, apreciando em muito, como aprecio, as altas qualidades e talento de s. exa. não posso ter em menos conta o desejo que me anima sempre de estar de accordo com o digno par em tudo que diz respeito aos negocios do estado.

Portanto, causa-me sentimento que ao digno par não agradasse o pensamento do governo consignado no periodo do discurso da corôa a que s. exa. se referiu.

O digno par não reconhece a resposta ao discurso da corôa como um mero e simples comprimento para com o augusto chefe do estado. Vê n'esse documento mais alguma cousa do que isso, e julga conveniente discutil-o. Não póde ser minha intenção, como não é do meu direito, circumscrever de modo algum o debate. Sei perfeitamente que compete a cada um dos membros d'esta e da outra camara discutirem os assumptos como entenderem e pôrem as questões como lhes parece; o governo é que não póde collocal-as n'este ou n'aquelle terreno, acceita-as como foram estabelecidas pelos differentes oradores.

Por muitas vezes se tem entendido que a resposta ao discurso da corôa é um simples comprimento para com o augusto chefe do estado. Ha umas certas formalidades constitucionaes entre as quaes figura o discurso da corôa e o projecto de resposta, e d'ahi tem talvez vindo o considerar-se por aquella fórma este documento. Outras vezes tem-se discutido como um thema para apreciações politicas.

Os exemplos de parlamentos estrangeiros e os da nossa propria essa podem justificar um ou outro d'estes expedientes: o de acceitar a resposta como simples comprimento, ou como terreno e base de uma larga discussão politica.

É evidente que o digno par julga mais conveniente entrar em desenvolvidas considerações, tomando por thema o projecto de resposta ao discurso da corôa; ao governo cumpre acceitar a questão no terreno em que s. exa. a collocou.

O digno par occupou se principalmente, quasi exclusivamente, de um periodo do discurso da corôa, discurso, escusado é dizel-o, que é da responsabilidade dos ministros, e da parte correspondente do projecto de resposta ao mesmo discurso, projecto que é da responsabilidade da commissão, mas com a qual está de accordo o governo, que a acceita completamente.

S. exa. chamou principalmente a attenção da camara e do governo para o periodo do documento em questão, que se refere ás reformas politicas.

É claro que na posição que o governo adoptou e n'aquella que acaba de adoptar o digno par não ha harmonia possivel. O governo propõe a reforma da carta constitucional, e o digno par oppõe-se a toda a reforma n'esse sentido.

N'esta parte estamos, pois, em desaccordo completo, o que me leva a crer que por mais que eu faça, e por mais que queira, não poderei chegar a estar conforme com s. exa. em tal assumpto.

Preciso, porém, explicar á camara qual o pensamento do governo e quaes as rasões que o decidiram a entrar no caminho das reformas politicas, e justificar a mudança que até certo ponto eu proprio fiz em relação ao modo por que me pronunciei no anno anterior, vindo agora propor com os meus collegas a reforma de alguns artigos da carta constitucional, e tendo-me opposto n'aquella epocha a essa reforma.

Sr. presidente, é certo que o estado da Europa e o estado do paiz são duas condições que eu reputo indispensaveis para poder deliberar sobre assumpto tão grave e momentoso.

É uma questão conjugada, não é uma questão isolada.

O estado da Europa é pouco mais ou menos o que era o anno passado; porém, quanto ao estado do paiz ha alguma differença, não em relação ao estado material, mas quanto ao estado da opinião dos diversos partidos politicos que se me afigurou achar-se então em condições menos favoraveis do que hoje para se chegar-a uma solução.

Por consequencia, sendo o estado da Europa o mesmo, é claro que só póde justificar-se o procedimento do gover-

Página 40

40 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

no pelas circumstancias actuaes do paiz, sob o ponto de vista em que eu acabo de as considerar.

Eu vou explicar á camara qual o meu pensamento e o do governo a este respeito.

Nós tinhamos questões importantes a resolver antes de tomar em mão reforma da carta constitucional, e n'esta parte não faço senão dizer o que tinha sido dito peles meus antecessores, que tendo um largo programma de reformas constituo ionaes não poderam realisal-as quando estiveram no poder, porque julgaram conveniente occupar-se primeiro das reformas financeiras, e não lhes chegou o tempo para levar a effeito as reformas politicas.

Não venho aqui discutir os partidos, nem o seu procedimento, mas justificar o meu proprio procedimento, com o dos meus adversarios. Tambem eu na sessão passada, que foi a primeira que tive a honra de me apresentar n'estas cadeiras depois de organisado o gabinete actual, julguei que era mais indispensavel e util occupar-me quasi exclusivamente da questão de fazenda, deixando as reformas politicas para occasião mais opportuna. Effectivamente propuz ás camaras uma serie de providencias, as quaes foram convertidas em leis, e que, qualquer que seja a opinião que se forme sobre a sua proficuidade, contribuiram todas ellas indubitavelmente para que melhorasse o estado da fazenda publica, o qual se não é tão côr de rosa como o sr. conde de Valbom disse que o julga o governo, comtudo é certo que melhorou consideravelmente, como terei occasião de mostrar, quando se discutir a questão de fazenda ou o orçamento geral do estado.

Occupando-se, pois, o governo como se occupou da questão de fazenda, não podia levar de frente na mesma sessão duas questões tão importantes como é esta e a das reformas politicas.

Alem d'isso não se me afigurou então, como agora se me afigura, opportuna a occasião, encarada sob o aspecto do estado do paiz para apresentar a questão das reformas politicas.

Pareceu-me que as circumstancias em que hoje estamos obrigavam os poderes publicos a tomar em mão este assumpto, e não deixar adiar indefinidamente a sua resolução.

Não é um facto novo para o partido a que tenho e, honra de pertencer a proposta de reformas politicas; mas eu direi que reformas de tal ordem são sempre de alta gravidade; não se póde estar todos os dias a reformar a constituição do estado, e quando haja de se alterar as suas disposições, é necessario fazel-o muito pensadamente e muito maduramente, não precipitar os acontecimentos, espreitar as tendencias da opinião, a fim de que não sejam contrariadas, o que seria um grande mal; emfim proceder com a maior cautela.

Em 1872 apresentei ás côrtes uma proposta para a reforma da carta constitucional, dentro dos limites da mesma carta, esperando, a exemplo do que tinha acontecido em 1802, que os diversos partidos que fraccionavam a familia liberal portugueza se prestariam a trabalhar de commum accordo com o governo para se levar a effeito essa reforma, e que qualquer que fosse a resolução dos poderes publicos, todos elles se prestariam a acatal-a, como uma bandeira de paz, á sombra da qual se podiam juntar os diversos partidos.

Não aconteceu, porém, assim, e cada uma das parcialidade s politicas veiu á camará apresentar a sua proposta de reforma de constituição, propostas que differiam profundamente d'aquella que tinha sido apresentada pelo governo.

Desde esse momento entendi que não devia insistir em levar por diante o projecto de reforma da carta, annunciada no discurso da coroa, porque receiava que os partidos politicos, não ficando satisfeitos com CSGÍI reforma, fossem suscitar uma questão que de certo daria origem a pugnas apaixonadas que podiam ser perigosas; cada um conservaria a sua bandeira levantada e viria pedir successi-vamente novas reformas.

Tinha eu rasão para suppor que no momento actual não se daria esse caso? Assim o presumi, e o discurso pronunciado na camara dos senhores deputados, pelo chefe de um dos partidos politicos, veiu confirmar essa minha supposição, porque vi que pelo menos um d'elles não ficaria com a sua proposta de reforma na mão para a oppor tenaz e successivamente áquella que o governo apresentava.

Pelo que respeita ao partido progressista não sei o que elle fará, nem mo cumpre indagar; os acontecimentos é que o hão de mostrar. Em ambas as camaras tem esse partido representantes illustres que manifestarão opportunamente a sua opinião com relação a essas reformas; confio, porém, muito no seu elevado criterio e patriotismo para não acreditar que qualquer que seja a sua opinião, depois da reforma votada, hão de reconhecel-a e acatal-a.

N'estes termos é claro que as circumstancias mudaram, e mudaram, note-se bem, não porque eu tivesse feito qualquer accordo nem combinação de especie alguma, digo-o clara e terminantemente, aqui no seio da representação nacional; mas porque a attitude dos partidos é a meu ver mais favoravel á realisação d'essas reformas.

Outra circumstancia quero ainda notar. Eu não podia furtar-me á influencia da opinião formada dentro dos proprios amigos do governo e que os levava a instar por que se propozessem reformas politicas.

A organisação dos partidos politicos não significa o capricho de qualquer homem por mais elevada que seja a sua posição, nem póde resultar mesmo da reunião de alguns homens que se imponham por circumstancias que não sejam provenientes da natureza das cousas. A organisação dos partidos politicos é determinada por causas mais elevadas, e é absolutamente indispensavel no systema constitucional que elles existam, mas tambem é preciso que as idéas que cada um professa sejam sustentadas por um grupo bastante forte que as possa fazer traduzir em factos, convertendo-as em leis do estado; que haja disciplina o união entre os homens que compõem esses partidos e que elles tenham a força necessaria para que a sua passagem pelo poder possa ser proficua ao paiz e não signifique unicamente a satisfação de vaidade ou de orgulho de qualquer especie.

A mira dos homens publicos não deve ser outra senão a realisação dos melhoramentos que carece o seu paiz, e todo aquelle que não é capaz, ou não tem vontade de realisar esses melhoramentos, deve apressar-se a sair do poder, ou antes deve ter a prudencia de não occupar n'elle inutilmente um logar.

Disse eu que dentro do proprio partido a que tenho a honra de pertencer se levantara a opinião que os levava a pedir reformas politicas.

Já o anno passado se haviam levantado por essa causa attrictos e difficuldades, que eu venci pela influencia que a benevolencia dos meus amigos me concede; a idéa porem não fóra posta de parte, e este anno parecendo-me, como disse, que as circumstancias eram mais favoraveis, e que os partidos estariam mais dispostos a acceitar as reformas que o governo propozesse ou pelo menos a acatala-s depois d'ellas feitas, tomei a resolução de as propor, consultando primeiramente os meus amigos.

Aqui tem pois a camara explicado o meu procedimento, que eu bem sei ha de ser alcunhado de contradicto-rio.

Mas a verdade é que p pensamento de reformas constitucionaes nunca foi um pensamento que me repugnasse, todas as vezes que tenho reconhecido a sua necessidade e a opportanidade de as fazer. A camara sabe-o muito bem.

Em 1872 enunciei esse pensamento, primeiro que ninguem, depois de 1852, e agora não faço mais do que pro-

Página 41

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 41

curar tornar uma realidade a proposta que então apresentei.

Eu, sr. presidente, não posso ter duvidas nem escrupulos a este respeito, porque em uma epocha mais afastada, tendo a honra de fazer parte do governo, liguei o meu nome a uma reforma da carta. A origem foi um pouco revolucionaria, é verdade, porque o governo estava em dictadura, e ordenou que os eleitores trouxessem poderes constituintes para se fazer essa reforma; mas a reforma realisou-se, e não foi só de alguns poucos artigos da constituição, porém foi uma reforma completa, e se as circumstancias eram outras, e mui diversas, é innegavel que foi um facto muito importante, senão tanto pelo que elle ora em si, como porque trouxe comsigo o agrupamento em volta d'ella de muitos homens importantes d'este paiz, poz um cravo na roda das revoluções, e contribuiu poderosamente para a paz publica.

Sé nós podessemos conseguir agora, depois de decorridos trinta annos, o apoio de todos os homens pbliticos do paiz, embora se modificasse, alterasse ou refundisse a proposta que o governo apresentar, para que se fizesse um trabalho completo que acabasse com este constante prurido de reformas constitucionais, que não se devem effectuar senão o mais raramente possivel, teriamos prestado um bom serviço ao paiz.

Foi exactamente esse o intuito do governo, foi esse pensamento- que o levou a declarar, pela boca do augusto chefe do estado, que apresentaria uma proposta para a reforma de alguns artigos da carta.

Sr. presidente, disse já que hei de ser taxado de inconsequente por fazer hoje o que não queria fazer hontem; os meus adversarios politicos hão de accusar-me de contradictorio, não de certo os meus amigos, porque estes não costumam accusar.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Mas têem-n'o feito.

O Orador: - É possivel, e a prova é que v. exa. o está fazendo, sendo aliás meu amigo...

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Amisade pessoal de certo que a tinha pôr v. exa.; mas a amisade politica resalvei-a quando v. exa. subiu ao poder.

O Orador: - Parece que os amigos não deviam accusar-se, mas é certo que se está vendo isso todos os dias, e é bom que se veja.

É necessario que cada um apresente desassombradamente a sua opinião, porque é do encontro das opiniões que sáe a luz e a verdade.

Portanto, todas estas discussões são boas e vantajosas.

Sr. presidente; o governo não póde ser accusado de não dizer quaes hão de ser os termos da reforma constitucional que prometteu apresentar, nem se póde estar a discutir um assumpto que ainda não foi presente ao parlamento.

Creio que seria: mais conveniente esperar que o governo apresentasse a sua proposta para ser. então devidamente apreciada.

Eu seria accusado de .precipitado, se viesse antecipar essa discussão.

O digno par pareceu-me, não direi preoccupado, mas desejoso de saber as condições em que seria feita a reforma da camara dos pares, e até me parece que declarou, não direi directamente, mas indirectamente e com aquella delicadeza que é propria do seu caracter, a minha incompetencia para a propor.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Observou que declarara que quem tinha levado esta camara ao estado em que se acha, não podia fazer a sua reforma, e sublinhara a phrase para pôr bem em relevo que tomava plena responsabilidade da sua asserção.

O Orador: - Se o digno par se refere aos homens publicos que têem estado á frente dos negocios publicos, que são os que têem aconselhado a nomeação dos pares, e eu sou um d'elles sem duvida, tomo a responsabilidade que me pertence; se porem o digno par se refere a outro poder mais alto, direi que todas as nomeações têem sido feitas sob a minha responsabilidade, e de todos os homens publicos que se têem sentado n'estas cadeiras, (Apoiados.) quaesquer que sejam as situações politicas a que hajam pertencido; essa responsabilidade creio que todos elles a tomam.

Se queria dizer que eu, era um dos ministros que tinha aconselhado mais de uma vez a nomeação de pares, responderei que tambem outros o têem feito em maior ou menor escala, e é exactamente para evitar esse facto que to; dos condemnam, é para dar a esta camara uma organisação de accordo com a sua indole conservadora e politica, que se pretende reoarmal-a.

Mas essa reforma que o governo deseja fazer ha de salvaguardar os direitos adquiridos, de modo que os seus membros actuaes não tenham de ir solicitar o voto eleitoral em nenhum collegio.

É indispensavel acabar com essa necessidade imperiosa que se impunha aos partidos e os tinha adstrictos á realisação de um facto quando, subiam ao poder. É pois necessario, para que esse estado não continue, que se faça a reforma.

Ha pontos em que eu creio que mais ou menos todos estão de accordo, por exemplo, no principio da hereditariedade, é necessario acabar com esse principio, para modificar o qual se tem feito leis sobre leis, e algumas por iniciativa da propria camara, o que lhe faz honra; mas essas leis não podiam ultrapassar um certo limite, porque encontravam a barreira invencivel que lhes oppunha a disposição da carta. Tem havido até opiniões de que se poderia subdividir a camara em pares hereditarios e pares vitalicios, mas outras opiniões e muito auctorisadas têem mostrado a impossibilidade d'essa solução sem ferir o principio constitucional.

O que é preciso portanto fazer, qual a necessidade urgente que se apresenta quando se reconhece que é indispensavel realisar n'este corpo do estado uma reforma de accordo com principios differentes em parte d'aquelles em que foi organisado? É remover o óbice constitucional que impede o fazer-se essa reforma, que se não é do desejo de todos, é o comtudo do desejo do maior numero. N'esse intuito é que o governo pensou em apresentar o seu projecto de reforma.

Já vê o digno par que a idéa do governo não é revolucionaria, mas constitucional e liberal, e tem por objecto arganisar os poderes publicos em harmonia com as idéas modernas do direito publico actual.

Isto não é fazer a condemnação da carta constitucional, que é um monumento de sabedoria para a epocha em que foi feita, e contem o que é preciso para fazer a felicidade publica; mas a successão das idéas, a acção do tempo exercem nos espiritos, uma influencia que não é conveniente contrariar. As idéas de hoje levam fatalmente a fazer certas alterações ha constituição, as quaes as proprias leis organicas saídas do seio do parlamento têem mostrado necessarias, sem terem podido attingir o desideratum dos seus auctores.

Creio que a reforma é conveniente se for prudente, moderada e liberal, e poderá ser um elemento de ordem e de paz entre os partidos.

Confio muito nos homens publicos do meu paiz, e se divirjo das idéas politicas e administrativas dos meus adversarios, comtudo tenho em todos plena confiança, debaixo do ponto de vista de patriotismo, e acredito que quando venham á discussão as reformas politicas, todos se hão de collocar n'este terreno para as apreciar e discutir, sem que por isso faltem aos seus compromissos nem ás suas idéas, nem mesmo ás suas aspirações, e cooperarão com o governo para que se faça a melhor obra que poder ser .Se eu conseguir isto, considerarei, que pela minha parte torci prestado um bom serviço ao paiz, trazendo ás côrtes uma

Página 42

42 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

proposta de lei para a reforma constitucional. (Apoiados.)

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Miguel Osorio: - Tendo-se levantado n'este debate questões importantes, nas quaes não tinha tenção de tomar parte, coube-me infelizmente a palavra, que tinha pedido para fazer uma simples declaração de voto, em hora tão adiantada da sessão, que me parece extraordinariamente difficil entrar com vantagem na discussão, se não estivesse habituado á benevolencia d'esta camara, que desculpa sempre a minha incorrecta fórma de dizer, não me atreveria a fallar em seguida a oradores tão distinctos e competentes como os que me precederam.

Tinha, sr. presidente, vontade de desistir da palavra, mas precisando dizer alguma cousa em relação á politica, e que me diz respeito, não me posso eximir a usar d'ella n'este momento, pedindo á camara me desculpe occupar-lhe a sua attenção por algum tempo com a minha pessoa, aliás insignificante; porém é infelicidade inherente aos paizes pequenos darem na vista mesmo entidades de pouca valia como a minha; não posso, pois, furtar-me ao dever de occupar uma posição politica, nem tão pouco ao de explicar a minha posição, ainda que modesta e cada vez mais retrahida.

Tomando parte, neste debate, depois das declarações do sr. visconde de S. Januario, é me indispensavel dizei duas palavras ácerca da posição politica em que estou.

Essa, posição, com relação ao programma do partido progressista, programma vulgarmente chamado da Granja, é absolutamente a mesma em que eu estava quando o sr. presidente do conselho de ministros, discutindo aqui commigo, dizia que era detestavel ou que detestava aquelle programma.

Ainda me conservo abraçado á mesma bandeira e convicto defensor das doutrinas daquelle programma. ha porem uma circumstancia que desejo tornar conhecida.

É preciso que a camara saiba que, ainda que me conservo adstricto aquelle credo politico, não estou, comtudo, ligado a partido algum; e, fazendo minhas todas as idéas do partido progressista, não fallo em nome d'elle, nem arvoro n'este momento a sua bandeira. Estou afastado de trabalhos politicos, não estou afastado em doutrina. Esta minha abstenção não tem por motivo nenhuma questão pessoal, pois que nunca recebi das pessoas que compõem esse grupo politico senão provas de deferencia e de consideração, ás quaes correspondi com dedicação e lealdade; mas a minha vida actualmente acha-se presa a cuidados domesticos e a interesses particulares que não posse nem devo abandonar, acrescendo ainda que, na minha opinião, o partido progressista, nas circumstancias actuaes do paiz, não póde luctar contra a inercia das massas, a descrença nas instituições e forças vivas do paiz; não pôde, finalmente, luctar dentro da orbita legal, e fóra d'ella, nem elle quer luctar, nem conviria ao paiz que o fizesse.

São estas as circumstancias que me não permittem que eu desafogadamente tome uma parte activa nos trabalhos collectivos d'aquelle honrado partido, onde por tantos annos collaborei, se não com vantagem, ao menos com dedicação.

Fallando, pois, n'esta camara, não o faço como entidade partidaria; as minhas palavras não são o echo das opiniões do partido a que pertenço, em nome do qual tantas vezes levantei aqui a minha voz. Emitto apenas uma opinião individual, que á sincera, e que procura ser cordata. As considerações que tenho a fazer levaram-me um pouco mais longe do que ao ponto aonde tencionava ir, quando pedi a palavra. E já que fallei em partidos, direi que me acho inteiramente de accordo com o meu illustre amigo o sr. conde de Valbom; os partidos politicos, como s. exa. muito bem disse, são indispensaveis para a boa harmonia do systema constitucional que nos rege; mas é preciso que esses partidos tenham principios definidos e reconhecidos como bons para o progresso rapido da civilisação; são precisos partidos que não abracem hoje o que engeitaram hontem, partidos que tenham um programma claro, na sustentação do qual se mantenham sempre firmes e invariaveis. Essa vantagem assiste incontestavelmente no partido progressista. Infelizmente não acontece o mesmo ao sr. Fontes, que reconhece hoje a necessidade dag reformas politicas, e acceita até a parte mais importante do programma progressista, contra o qual se indignava, e do qual disse cousas bem pouco lisonjeiras. S. exa. ha um anno não reconhecia a opportunidade de se tratar de quaesquer reformas politicas, e era totalmente adverso aos que tivessem em vista a realisação desses melhoramentos; e decorridos alguns mezes manifesta uma opinião contraria á do então, e até se apresenta como advogado da representação das minorias, base do programma do partido progressista.

Não felicito s. exa. por este reviramento de opinião, porque o systema politico que nos governa tem necessidade de partidos fortes com principios solidamente estabelecidos, partidos que tenham a coragem das suas affirmações e da manutenção severa das suas idéas; a personificação d'esses principios e d'essas idéas está, ou deve estar, principalmente nos chefes dos partidos; se estes mudam de opinião e o seu partido com elles desauctorisam-se ambos; se só um muda desconcerta-se a unidade partidaria, o que é funesto á politica geral.

O sr. Fontes acaba de confirmar isto mesmo, dizendo que emprehende as reformas politicas a instancias de alguns dos seus amigos; e um pouco contra sua vontade, viu-se na necessidade de não poder recusar, a não ser que quizesse violental-os pela força da sua auctoridade ou pela deferencia que merece a todos os seus correligionarios.

Ora, desde o momento em que s. exa. não póde disciplinar uma parte dos seus correligionarios, parece que o bastão de chefe lhe foi roubado.

Esse indicio de fraqueza depõe muito contra a marcha politica de s. exa.

As differenças de situação não foram de tal modo sensiveis que podessem fazer mudar de opinião o sr. presidente do conselho, que pensa hoje como pensava noutro tempo. Muito positivamente nos diz s. exa. que se viu forçado pelos seus amigos a emprehender a reforma da carta. Portanto, qual outro Egas Moniz, vem ao parlamento, não de corda ao pescoço, mas hasteando o pendão das reformas que combateu e que era levantado pelos seus adversarios.

Se a conversão é sincera acceitemol-a; se não podemos ter tudo, obtenhamos alguma cousa em beneficio do paiz; perde s. exa. muito na sua auctoridade, embora, isso pertence-lhe deploral-o o seu partido, nós aproveitemos o que se nos dá. Era esta a disposição politica em que eu me encontrava ainda ha pouco, mas as palavras, aliás francas, do sr. presidente do conselho fizeram-me duvidar. Parece-me que s. exa. vindo violentado e não convicto ás reformas politicas, não só as não ha de fazer efficazes, mas talvez até proucure illudil-as. Essa posição será triste para s. exa. e peior para o paiz, que nada ganha com o desprestigio dos seus homens publicos. Oxalá que assim como o sr. presidente do conselho tem uma grave responsabilidade em ter querido assumir o poder em circumstancias em que o partido progressista não tinha grande rasão de o abandonar; oxalá que assim como s. exa. tem a grave responsabilidade de ter entregado pastas quando quiz e como quis, sem indicações parlamentares, não vá tambem agora ficar n'uma posição de inferioridade que ao paiz não póde convir e que ninguem lhe deseja, muito menos eu, que respeito os seus dotes, as suas qualidades e os incontestaveis serviços que tem prestado á republica. Republica, entendamo-nos, com isto não quero dizer que o sr. Fontes haja feito grandes serviços ao partido republicano, como por ahi tem affirmado a imprensa algumas vezes, eu tomo a palavra republica na sua accepção latina, res publica. Não é meu intento empregal-a n'outro sentido.

O digno par visconde de Chancelleiros alludiu a um

Página 43

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES Do REINO 43

ponto efectivamente melindroso; e é: que a bandeira das reformas politicas tendo apparecido n'um dado momento, erguida pelo partido regenerador, retrocedera quando todos esperavam que se apresentasse mais alterosa; depois vieram categoricas declarações de não se dever reformar a carta, e agora não direi como negaça, mas como estimulo a allianças, torna a apparecer finalmente, não sabemos se para sumir-se ainda outra vez surge de novo, quando a todos nos lembra o que hontem dizia o chefe do partido regenerador e outros dos seus mais conspicuos correligionarios: "não queremos as reformas politicas nem reconhecemos a sua necessidade".

"Percorrendo o paiz inteiro", affirmava o illustre chefe do gabinete actual, "todos nos pedem caminhos de ferro, todos nos pedem estradas, ninguem nos falla em reformas politicas".

Mas, sr. presidente, o governo tem em projecto muitas estradas e muitos caminhos de ferro.

Na occasião do sr. presidente do conselho, correr as provincias, dizendo ao povo: "aqui tendes estradas e caminhos de ferro ao menos em projecto."

Mas a verdade não é essa, sr. presidente, o sr Fontes não póde ser superior á sua tendencia natural para a franqueza como homem franco e sincero. S. exa., respondendo ao sr. visconde de Chancelleiros, disse: "O meu intuito foi em primeiro logar satisfazer a alguns amigos politicos e em segundo captivar alguns adversarios, e por ultimo ver se era possivel acabar com este prurido de reformas". Eis a rasão de decidir. Perdoe-me s. exa., isto é franco, mas este procedimento não é legitimo em politica. Reforma-se quando se esta convencido de necessidade da reforma, mas para illudir uma necessidade publica ou para adquirir-se adhesoes de algum adversario, não só não é licito, mas é perigoso; desauctorisam-se uns e outros, e mais se desorientara, o s partidos, que todos estão conhecendo a necessidade de fortificar-se.

Eu lembro n'esta occasião a s. exa. o que um sincero, leal e antigo amigo de s. exa., que occupava com dignidade aquella cadeira, da presidencia: refiro-me ao sr. Mártens. Ferrão, quando o sr. presidente do conselho se deixava arrastar por alguns dos seus amigos anciosos do poder em occasião não muito opportuna, o sr. Mártens Ferrão, do alto d'essa cadeira, disse-lhe com desusada, energia: governe, se quer governar, mas governe com as suas idéas; anteponha a sua auctoridade, e não se deixe arrastar ou governar com as idéas dos outros. Foram estas as palavras, pouco mais ou menos, de s. exa.

Eu, infelizmente, n'essa occasião estava num leito, quasi ás portas da sepultura; não as ouvi, mas soube-o depois.

Fallando do meu amigo o sr. Mártens Ferrão, permitta-me v. exa., sr. presidente, que me associe ao voto de louvor que esta camara lhe deu, quando s. exa. largou o logar cate v. exa. occupa, pois que o exerceu com uma dignidade e uma imparcialidade que lhe fazem honra; e, posto que s. exa. nos faça muita falta pela sua muito prudencia e pelas maneiras dignas com que sempre desempenhou aquelle logar, folgo de o ver substituido tão dignamente por quem estou certo ha de seguir, no desempenho d'essas altas funcções, as tradições dos seus antecessores, o que não é de admirar em pessoa que se tem desempenhado sempre honrosamente das missões de que tem sido encarregado.

Sr presidente, deu a hora. A camara acha-se fatigada e eu não o estou menos. Sinto não poder limitar-mo ao pouco que disse. Peço, portanto, a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte.

O sr. Presidente: - A seguinte sessão será. amanhã, sendo a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas.

Dignos pares presentes na sessão de 23 de janeiro de 1883

Exmos. srs.: João de Andrade Corvo, Duque de Loulé; Marquezes, de Ficalho, de Penafiel, de Vallada, de Sabugosa; Condes, de Alta, de Bertiandos, do Bomfim, de Castro, da Louzã, de Margaride, de Valbom; Viscondes, de Alves de Sá, da Arriaga, de Chancelleiros de S. Januario, de Moreira de Rey, de Soares Franco, do Villa Maior; Barão de Ancede; Ornellas, Aguiar, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Machado, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira, de Mello, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Palmeirim, Carlos Bento, Fortunato Barreiros, Costa e Silva, Francisco Cunha, Henrique, de Macedo, Mártens Ferrão, Abreu e Sousa, Gusmão, Gomes Lage, Baptista de Andrade, Pinto Basto, Castro, Reis e Vasconcellos, Ponte Horta, Mello Gouveia, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Bocage, Camara Leme, Seixas, Pires de Lima, Vaz Preto, Franzini, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho e Ferreira de Novaes.

Página 44

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×