O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 57

N.º 6

SESSÃO DE 25 DE JANEIKO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Segunda leitura do projecto apresentado na sessão antecedente pelo digno par bispo conde de Coimbra. - Correspondencia. - O digno par D. Luiz da Camara Lema manda para a mesa uma moção. - Falia o sr. presidente do conselho. - É rejeitada a moção.

Ordem do dia. - O digno par o sr. conde de Lagoaça pede ao cr. presidente umas elucidações sobre materia regimental, ao que o sr. presidente corresponde, referindo as disposições do regimento. - O digno par o sr. conde de Magalhães manda a sua moção para a mesa, e faz largas considerações. Responde o sr. presidente do conselho. - O digno par o sr. conde de Thomar acompanha a moção, que manda para a mesa, de varias considerações. - Trocam-se algumas palavras entre o sr. conde de Lagoaça e o sr. ministro da marinha ácerca da peste. - E designada ordem do dia para a seguinte sessão, e encerrada esta.

(Estavam presentes os srs. presidente do conselho, e ministros da marinha, estrangeiros e obras publicas, entrando durante a sessão os srs. ministros da guerra} da justiça e do reino.)

Ás duas horas e quarenta minutos da tarde, achando-se na sala 20 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida e approvada, sem reclamação, a acta da sessão anterior.

O sr. Presidente. - Vae ter segunda leitura o projecto de lei apresentado na ultima sessão pelo sr. bispo conde.

Leu-se na mesa, e foi admittido á discussão.

O sr. Presidente: - Tendo sido admittido á discussão este projecto de lei, vae ser remettido á commissão de negocios externos, ouvida a de administração.

Vae ler-se o expediente.

Mencionou-se a seguinte correspondencia:

Officio da sra. viscondessa de Condeixa, agradecendo á camara o voto de sentimento em homenagem a seu esposo, o sr. visconde de Condeixa.

Para o archivo.

Officio do sr. ministro das obras publicas, remettendo os documentos pedidos pelo digno par sr. Julio de Vilhena.

Foram mandados entregar ao digno par.

O sr. Presidente: - Como ninguem se inscreve, vae passar-se á ordem do dia.

O sr. Conde de Thomar: - Peço a palavra sobre a ordem.

O sr. Conde de Magalhães: - Peço a palavra sobre a ordem.

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - Peço a palavra para uma questão previa.

O sr. Conde de Lagoaça: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tendo pedido a palavra, para uma questão previa, o digno par sr. Camara Leme, tem s. exa. a palavra, antes dos outros dignos pares inscriptos.

O sr. D. Luiz da Camara Leme (para uma questão previa): - Sr. presidente, não desejo tirar a palavra aos dignos collegas que a pediram, e por isso desde já prometto ser o mais breve possivel.

Contra os precedentes d'esta casa, pelo menos desde o tempo em que a governavam homens como Fontes Pereira de Mello, Rebello da Silva, conde de lavradio, Rodrigo da Fonseca Magalhães e muitos outros, não ha memoria de que uma moção de um digno par, por mais humilde que elle seja, como eu, não fosse admittida á discussão.

Então o governo lamenta não ter discussão no parlamento?! Tem-a aqui. Vamos discutir. Vamos ver se a resposta ao discurso da corôa é a expressão da verdade, porque nenhum governo, nem o actual nem nenhum, tem direito de illudir o Rei.. Ora este discurso da corôa é uma ficção, é um engano.

O estado da fazenda publica não é o que o sr. presidente do conselho quer fazer acreditar ao paiz. Já o provei aqui, e por isso não quero alongar-me mais sobre esse ponto.

A resposta ao discurso da corôa diz que a camara folga em tudo. Está folgazã! Pois eu tambem quero folgar. Póde a camara rejeitar todas as minhas moções; está no seu direito e eu acato as suas resoluções. Tenho, porém, o direito de vir discutir aqui esse procedimento.

Não querem discutir?! Alguem porventura póde negar que 2 e 3 são 5?! E quer o governo dizer, e a maioria provar, que 2 e 4 são 5?! Não póde ser. O que é, ó.

Eu só desejo que se discuta; não quero mais nada.

Como todos nós, segundo a resposta ao discurso da corôa, estamos folgando, eu desejaria que o paiz tambem folgasse. Deixe o actual governo que o paiz folgue.

Os dignos pares que apoiam o governo sabem que a idéa contida no meu additamento, para que o governo seja rigorosamente economico, está no espirito publico em toda a parte. Portanto, se votarem a favor d'esse additamento, teem todo o paiz a seu lado; se, porém, votarem contra, o paiz não os acompanhará.

É necessario que sejam logicos. Então, ha um digno par que apresenta uma moção, e v. exas. não querem admittil-a á discussão?! Tiram-me o direito de defeza?! N'esse caso discutam esta nova moção, que vou mandar para a mesa.

Nada mais direi, e desculpe-me a camara o não ler a moção, mas peço a v. exa., sr. presidente, que a mande ler em voz alta, pelo sr. primeiro secretario.

É lida na mesa a moção do digno par sr. D. Luiz da Camara Leme.

Moção

A camara dos pares, considerando que o discurso da corôa não tem obrigação de ser a expressão rigorosa da verdade, e bem assim que todo e qualquer governo tem o

Página 58

58 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

direito de illudir o augusto chefe do estado, passa á ordem do dia.

Sala da camara, 25 de janeiro de 1897. = D. Luiz da Camara Leme.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, o digno par sr. D. Luiz da Camara Leme veiu queixar-se amargamente de não ter sido admittida á discussão uma das suas moções, apresentada na sessão passada.

A camara é soberana nas suas resoluções; e se é licito a qualquer digno par entender, no seu alvedrio, que alguma resolução foi injusta, o que não é licito a ninguem - pelo, menos eu o digo, porque, alem de ministro, sou membro d'esta camara - e discutir, desacatar uma resolução já tomada e protestar contra ella.

É do interesse do digno par, como de todos nós, que as resoluções, uma vez tomadas pela camara, sejam absolutamente respeitadas, para que ella tenha a auctoridade e o prestigio, que obrigação é de todos manter.

O digno par formulou duas propostas, uma que significava que a resposta ao discurso da corôa ou, talvez antes, que o proprio discurso da corôa era a inversão da verdade; a outra, convidando o governo a olhar com attenção para os negocios da fazenda publica.

Esta segunda foi acceita; eu até votei por ella, não para que fosse approvada, mas para que se podésse entrar na sua discussão, porque entendi que desde que o digno par convidava a discutir-se a questão de fazenda, era obrigação do governo prestar-se a essa discussão.

O voto que eu dei não implicou o reconhecimento da rasão do digno par ao formular essa proposta, mas teve em vista facilitar a discussão, se a questão de fazenda fosse posta em termos de se lhe responder por parte do governo.

Emquanto á primeira proposta votei contra a sua discussão, não como ministro, mas como membro d'esta camara, porque entendi que não devia sequer ser admittida uma proposta concebida em taes termos.

Eu tomo a responsabilidade dos meus actos e, com o mesmo direito que o digno par, entendi que não era proprio d'esta camara, que em nada levantava a sua auctoridade, o seu prestigio, suppor que o discurso da corôa era uma mentira e outra mentira a sua resposta.

Aqui tem o digno par a rasão por que, pela minha parte, não foi admittida á discussão a sua primeira proposta. Isto não quer dizer que eu não acceite todas as responsabilidades dos actos do governo.

Desde que se abriu a camara aqui tenho estado, dia a dia, hora a hora, prompto a responder pelos seus actos, não fugindo á discussão em qualquer campo, porque, respeitando o caracter, a illustração do digno par, a sinceridade das suas convicções, tenho tambem o direito a exigir de s. exa. o respeito pelas intenções do proprio governo.

Creia o digno par que nunca lhe faltará a replica a qualquer das suas asserções.

É para se justificar que o governo aqui vem, e não me parece que uma unica vez tenha deixado de cumprir este seu dever parlamentar.

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - Vamos a discutir.

O Orador: - Quando o digno par quizer. É para discutir que estamos aqui.

Repito, a rasão por que votei contra a discussão da sua proposta, foi por entender que ella em nada levantava a auctoridade e o prestigio d'esta camara, se fosse admittida á discussão.

Emquanto aos actos do governo, quaesquer que sejam, em qualquer campo que os queiram discutir, encontram sempre a resposta por parte do governo.

Dito isto, aproveito o ensejo para ir um pouco mais longe na minha resposta ao digno par.

O digno par comprehendeu de certo a rasão por que, ao seu discurso politico de outro dia, eu não respondi, mas sim o sr. ministro da marinha.

O digno par tinha apreciado o governo sob differentes pontos de vista: o ponto de vista politico, o ponto de vista diplomatico, o ponto de vista financeiro e o ponto de vista moral; e, como questão de moralidade do governo, referira-se a um unico facto, ao que se relacionava com o monopolio do alcool decretado em Angola.

Desde que s. exa. visava a moralidade do governo n'este terreno, referindo-se a um facto que mais propriamente respeitava ao ministerio da marinha, o digno par comprehende que era logico e coherente que fosse o proprio sr. ministro da marinha quem se levantasse para lhe responder.

Isto, porém, não quer dizer que eu me julgasse desprendido da deferencia de que devo usar, dando resposta a rasões de outra ordem, politicas e financeiras, em que o digno par se espaçou.

Simplesmente permitia-me s. exa. que lhe diga, e tanto mais sinceramente que eu tenho pelo digno par não só o repeito que se deve a um antigo parlamentar, mas a estima que se consagra a um homem que toda a sua vida tem illustrado o seu nome n'um caminho de probidade e de boa vontade; permitta-me que lhe diga, como antigos companheiros que temos sido nas estacadas d'esta camara, que eu, quando o vi levantar-se, cheio de enthusiasmo, ardente de paixão, para aggredir o governo, declarando que ia expor a verdade através de tudo, sem embargo de quaesquer difficuldades ou tropeços, sujeitando-se a todas as responsabilidades, até á de ir para a cadeia, perguntei a mim mesmo:

Que pavorosas cousas vem dizer o digno par D. Luiz da Camara?

Não me arreceiei, pois quem tem a consciencia dos seus actos não se arreceia das arremettidas dos adversarios, mas em todo o caso confesso que o digno par despertou n'um alto grau a minha curiosidade, para ouvir as revelações pavorosas que s. exa. vinha apresentar ácerca dos actos do governo.

Não me leve a mal o digno par, digo-o á boa paz; simplesmente lamento que para se referir a assumptos do governo do paiz, o digno par fosse buscar referencias a factos occorridos n'uma outra nação, a que nós somos e devemos ser absolutamente estranhos.

Quizera até que s. exa., por muitos vehementes que fossem as suas apostrophes contra o governo, se não tivesse lembrado de estabelecer parallelo com factos que nem são da nossa alçada, nem da nossa apreciação, pelo melindre que encerram, visto respeitarem a uma nação vizinha e amiga.

Mas, emfim fiquei á espera para ver quaes eram as accusações tremendas que s. exa. ia formular, no interesse da verdade, como justificação de uma moção que mandára para a mesa, e confesso que me tranquillisei quando, ouvindo o digno par dividir as suas accusações em quatro capitulos: capitulo politico, capitulo diplomatico, capitulo moral e capitulo financeiro, vi qual era a ordem...

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - E o orçamento com um saldo positivo?!

O Orador: - Eu julgava que o orçamento estava comprehendido na parte financeira. Só se o digno par dividiu o capitulo financeiro em duas partes; unia, a do orçamento e outra a financeira.

Dizia eu que fiquei tranquillo por ver que, sob o ponto de vista politico, o digno par não encontrava senão uma cousa porque arguir o governo.

Página 59

SESSÃO DE 25 DE JANEIRO DE 1897 59

O discurso do digno par foi um discurso de resuscitado. S. exa., que por muito tempo esteve ausente d'esta camara, como só agora aqui voltou (e folgo muito que voltasse) veiu occupar-se de questões já liquidadas e até esquecidas.

A arguição do digno par foi por eu ter dito aqui em tempo que o governo não dava ordens ao Rei; mas do chefe do estado as recebia para as executar.

Ora vejam como são graves as arguições que o digno par tem a dirigir ao governo!

E só por uma phrase que o digno par acha o governo digno das suas criticas, e isto depois de quatro annos passados.

Se isto foi um aggravo constitucional para os ouvidos do digno par; eu direi a s. exa. que creio não ter proferido uma heresia, pronunciando essa phrase absolutamente rigorosa sob o ponto de vista da constituição do paiz.

Eu direi ao digno par que todas as formulas de documentos em que se invoca o chefe do estado ou d'elle são emanados, são formulas imperativas; tanto as que se referem ao Rei exercendo o poder moderador e o executivo, como sanccionando os diplomas legislativos.

Se o digno par abrir a carta constitucional, no que respeita, por exemplo, ao poder legislativo le no artigo 61.° a formula promulgatoria das leis que é "as côrtes geraes decretaram e nós queremos a lei seguinte; mandamos portanto", etc.

Qual é aqui, pois, a formula constitucional?

É a da vontade do Rei; é imperativa. O Rei quer, mas póde deixar de querer.

Quanto ao exercicio do poder moderador, os actos relativos a este poder constam de decretos, e o mesmo succede com o exercicio do poder executivo, cujas formulas são tambem as de decretos. Vejamos, por exemplo, a formula do decreto que concedeu certas regalias aos dignos pares; diz-se: "o ministro e secretario d'estado dos negocios do reino assim o tenha entendido e faça executar" contem uma fórma imperativa.

Emfim, todas as formulas constitucionaes, referindo-se ao Rei, são imperativas; exprimem a sua vontade.

O sr. D. Luiz da camara Leme: - V. exa. faz o favor de ler o artigo 100.° da carta.

O Orador: - Lá vou já. As côrtes, por exemplo, podem votar e o Rei não querer, usando então do direito do veto.

Quanto aos actos do poder executivo, que constam de portarias, qual é a formula?

"Manda Sua Magestade El-Rei pela secretaria d'estado ..." e depois a assignatura do ministro. Outra formula imperativa.

Por consequencia, constitucionalmente, todas as formulas emanadas do chefe do estado no que toca ao exercicio dos poderes, são todas imperativas.

O digno par quer que eu leia o artigo 105.°?

O sr. D. Luiz da camara Leme: - Pedi a v. exa. por favor.

O Orador: - Mas leio-o com muito prazer.

"Artigo 105.° Não salva aos ministros da responsabilidade a ordem do Rei vocal ou por escripto."

As ordens do Rei vocaes ou por escripto são uma cousa e a faculdade de dar essas ordens é outra, mas a responsabilidade por essas ordens dadas pertence aos ministros porque o chefe do estado é irresponsavel.

No fundo e na verdade o Rei não dá ordens aos ministros e, pelo contrario, entre o chefe do estado, chefe do poder executivo, e os ministros no exercicio das suas funcções faz-se uma cooperação, absolutamente differente e digna para o Rei, que é o chefe da nação, e para os ministros, que o ajudam no seu governo.

Supponho que o digno par ficará mais tranquillo com respeito áquella phrase horrorosa que eu tive occasião de pronunciar n'esta camara.

Com respeito aos actos politicos do governo, a revelação, pois, do digno par cifrava-se em repetir a phrase dita, respondida e justificada n'uma das sessões do anno passado.

Agora o lado diplomatico.

O digno par levantou-se e disse que o discurso da corôa ou a sua resposta não era rigorosamente a expressão dos factos, querendo assim atacar o governo sobre o ponto de vista diplomatico.

Porque?

Porque os jornaes estrangeiros não diziam bem ácerca das cousas de Portugal. De resto o digno par não apresentou um só facto.

Mas s. exa. comprehende que eu não posso responder pelo que dizem os jornaes estrangeiros sobre questões diplomaticas nem sobre o modo como ellas se resolvem.

Pelo lado financeiro eu queria discutir com o digno par, mas o digno par começou por dizer que não trazia para aqui cifras por não querer cansar a attenção da camara, e, portanto, não me deu ensejo de entrar n'esse caminho.

E como é que o digno par se referiu á questão de fazenda?

S. exa. referiu-se á questão de fazenda citando o almanach Hachette.

O digno par póde exigir muito de mim, tem direito a isso como par do reino, tem direito a isso pela sua auctoridade e pela respeitabilidade do seu nome; mas ha uma cousa para que o digno par me não leva: é discutir questões de fazenda pelo almanach Hachette.

Ao ponto de vista moral a que s. exa. se referiu respondeu já o meu collega, o sr. ministro da marinha, com a hombridade que caracterisa todo o homem honrado e de bem.

Nada mais tenho a responder, pois, ao digno par.

Se era por estes motivos que o digno par accusava o governo de ter faltado á verdade no discurso da corôa, justificada está a camara por não ter admittido á discussão a moção do digno par.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção, que, a titulo de questão previa, mandou para a mesa o sr. D. Luiz da camara Leme.

Leu-se na mesa.

Os dignos pares que a admittem á discussão tenham a bondade de se levantar.

Não foi admittida.

O sr. D. Luiz da camara Leme: - Não ha meio de se discutir.

O sr. Presidente: - V. exa. quando mandou para a mesa a sua primeira proposta, declarou que já sabia que ella não seria admittida.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Presidente: - Estavam hontem inscriptos sobre a materia os srs. conde de Lagoaça e conde de Thomar hoje inscreveram-se sobre a ordem os srs. conde de Magalhães e conde de Thomar. Vou portanto dar a palavra ao sr. conde de Magalhães, que está inscripto sobre a ordem, depois ao sr. conde de Thomar, e em terceiro logar ao sr. conde de Lagoaça, que está inscripto sobre a materia.

O sr. Conde de Lagoaça: - Quando pedi hontem a palavra não declarei se era sobre a ordem, ou se sobre a materia, e não conheço qual o motivo por que se ha de dar de preferencia a palavra aos que a pedem sobre a ordem.

O sr. Presidente: - Seguindo as disposições do regimento tenho de conceder primeiramente a palavra aos dignos pares que se inscreverem sobre a ordem, e quando

Página 60

60 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

se pede a palavra sem esta declaração, entende-se que é sobre a materia.

O sr. Conde de Lagoaça: - Não comprehendi bem o que v. exa. disse. Peço a v. exa. para me dar mais alguns esclarecimentos.

O sr. Presidente: - É o artigo 60.° do regimento, que diz o seguinte:

(Leu.)

Tem a palavra sobre a ordem o sr. conde de Magalhães.

O sr. Conde de Magalhães: - Sr. presidente, cumprindo as prescripções do regimento, começarei por ler a minha moção de ordem; é a seguinte:

"Proponho que em additamento ao paragrapho da resposta ao discurso da corôa, que diz: "Sobreleva na verdade a todas as outras questões", etc., se acrescente o seguinte:

"A camara, porém, não confia no regimen economico e financeiro do governo, para com elle debellar a crise que nos assoberba, todavia aguarda animosa as propostas que sobre assumpto tão importante e tão urgente o governo tiver por conveniente submetter-lhe, e concorrerá quanto em si couber para que se possa chegar á solução desejada; mas fallecer-lhe-ia o animo e a esperança de poder levar a cabo tão difficil emprehendimento se não confiasse, como confia, em que Vossa Magestade, pela sua solicitude e pelo seu acrisolado amor ao paiz, lhe ha de facilitar a tarefa, removendo o obstaculo que a torna difficil, se não impossivel."

"Sala das sessões da camara dos pares, 25 de janeiro de 1897. = O par do reino, Conde de Magalhães."

Sr. presidente, no discurso da corôa diz o governo, que a questão de fazenda sobreleva hoje, como sempre, a todas as outras questões.

O sr. Presidente: - A proposta é lida depois.

O Orador: - Eu direi que hoje mais que nunca é a questão de fazenda a questão vital para o paiz, e não obstante ser questão altamente importante e mui difficil de tratar, aventurar-me-hei a fazer sobre ella, não um discurso, porque os meus dotes oratorios não o permittem, mas algumas considerações tendentes a justificar a minha moção.

Sr. presidente, ha cerca de quatro annos que o actual governo tomou conta da administração do estado, e em todo este tempo não têem dotado-o paiz com qualquer medida de utilidade publica nem de salutares effeitos economicos ou financeiros.

Os srs. ministros são todos dotados sem duvida de muito talento e elevada intelligencia, mas têem dedicado os seus trabalhos e esforços principalmente a questões politicas tendentes a coarctar as liberdades publicas, os direitos e garantias constitucionaes, a reprimir e amordaçar a imprensa, a infundir e diffundir por toda a parte o terror para por estes meios se conservar mais tempo no poder.

Isto, sr. presidente, é tanto mais para censurar quanto é certo que o governo tem sido bafejado por um conjuncto de circumstancias tão favoraveis que, se as tivesse aproveitado, como devia, teria combatido efficazmente a crise financeira, e talvez a podesse ter dominado.

Sr. presidente, antes de proseguir nas considerações que me proponho apresentar á camara, permitta-me v. exa. que eu mencione as circumstancias a que acabo de referir-me.

Em primeiro logar, o governo não tem tido de luctar com difficuldades nem attritos que podesse embaraçar a sua acção administrativa. Alem d'isso, quando este governo assumiu a direcção dos negocios publicos, succedendo ao ministerio do sr. Dias Ferreira, tinha este notavel homem de estado feito uma redacção nos encargos do thesouro de mais do 10:000 contos de réis, reducção obtida não só por meio de uma rigorosa e severa economia, mas tambem pela chamada lei de salvação publica, que elle teve a coragem de promulgar. Por ultimo, tambem o governo encontrou da parte do chefe do estado a maior benevolencia, a mais illimitada confiança e uma protecção tão decidida, por não dizer excessiva, que toca as raias da parcialidade, chegando a tomar sobre si responsabilidades que melhor fôra tivesse declinado, e que, em todo o caso, o governo devia ter-lhe poupado, a fim de que a corôa se conservasse sempre intangivel e irresponsavel.

Ora. sr. presidente, com taes elementos, e circumstancias tão favoraveis, o governo poderia de certo ter conjurado a crise financeira sem para isso carecer de lançar mão das receitas que o aggravamento dos impostos tem produzido" Estas receitas devia o governo tel-as applicado á amortisação da divida fluctuante e habilitar assim o banco de Portugal a reduzir a sua circulação fiduciaria.

D'esta fórma o cambio não teria subido nem teriam baixado os nossos fundos, e gradualmente chegariamos ao restabelecimento da circulação metallica, o que seria, positivamente, a salvação do paiz.

Então, e só então, é que o nobre ministro da fazenda poderia dizer com verdade nos seus relatorios primorosamente redigidos que a crise era passada.

Mas, para isso, era necessario que o governo seguisse o caminho encetado pelo sr. Dias Ferreira, caminho de uma rigorosa economia; que os srs. ministros tivessem menos, apego ás pastas e mais amor ao paiz; que ás suas conveniencias politicas e partidarias antepozessem o bem geral da nação; e que com desprendimento, abnegação e desinteresse servissem fielmente o paiz. E d'este modo firmariam em bases mais solidas e seguras as instituições que nos regem.

Não quiz, porém, o governo seguir este caminho e entendeu que garantia e segurava melhor as instituições e se conservaria por mais tempo no poder augmentando consideravelmente e com grande dispendio a guarda municipal e a policia.

Ora, sr. presidente, é preciso que o governo saiba que no seculo presente os thronos não se sustentam só com bayonetas, é necessario tambem que á testa da administração do estado estejam homens intelligentes, como aliás são incontestavelmente os actuaes ministros, mas ainda que pelo seu procedimento correcto, justo, consciencioso, e pela sua dedicação aos interesses do paiz, possam conquistar a opinião publica, e ter a seu favor e não contra si a maioria do paiz.

Os ministros de Luiz Filippe reuniram em volta de Paris um corpo de exercito de mais de 100:000 homens para o sustentarem no throno e a elles no poder; ao mesmo tempo asseguravam ao rei que podiam reprimir e esmagar qualquer tentativa de revolução. O rei confiou nas bayonetas, acreditou nos ministros e permittiu que elles, violando a constituição, atacassem as liberdades publicas. Todos sabem quaes foram as consequencias d'este erro.

Foi o rei Luiz Filippe ter de abandonar a França para sempre.

É certo, sr. presidente, que a historia, depois da experiencia, é a melhor mestra da vida, mas, infelizmente, poucas vezes aproveitámos as suas lições.

O nobre presidente do conselho e ministro da fazenda, que á sua elevada intelligencia e ao seu bom criterio, reune conhecimentos profundos de assumptos economicos e financeiros, que tem alem d'isto um longo tirocinio de administração financeira, teria de certo adoptado medidas consentaneas e adequadas á gravissima situação em que nos achamos, se não estivesse submettido inteiramente, e se não houvesse subordinado todos os actos do governo ao seu collega do reino, a quem as paixões politicas, a ambição do poder e o desejo de se conservar no governo parece ter obcecado o espirito e offuscado a intelligencia, aliás de subido quilate. S. exa. predomina nos conselhos da corôa e a sua opinião prevalece em todas as resoluções do governo, e por isso tudo quanto d'elle dimana vem eivado do vicio da sua origem.

Página 61

SESSÃO DE 25 DE JANEIRO DE 1897 61

É esta a rasão por que o governo não tem promulgado 1 lei alguma util e benefica. É por isso tambem que tendo exercido durante dois annos, ou para melhor dizer durante todo o tempo que tem governado, uma dictadura absoluta, despotica, arbitraria e prepotente como jamais houve em Portugal, não fez reforma alguma das que o paiz carece para vencer as difficuldades que o cercam, mas occupou-se em decretar reformas inuteis, desnecessarias e altamente despendiosas e que tem acarretado gravissimas consequencias.

Sr. presidente, não sou politico, não faço da politica profissão, não tenho nenhuma pretensão, nem espero nada da politica, não tenho aspirações a ser ministro, e devo declarar bem alto que não desejo ser ministro, e faço esta declaração porque se espalhou o boato, e alguns jornaes chegaram a publicar, que eu faria parte do ministerio que succedesse a esta situação. Sr. presidente, declaro solemnemente á camara e ao paiz que não quero ser ministro, não porque eu desdenhe das honras d'esse alto cargo, mas porque me não sinto com forças nem competencia e aptidões para exercel-o, sobretudo na presente conjunctura. Dito isto, sr. presidente, fico mais á vontade para proseguir no que tenho a dizer. Não sou politico, mas interesso-me pelas cousas publicas porque me corre esse dever na qualidade de membro d'esta camara, e porque como contribuinte que sou dos que não concorrem com menor quantia para as despezas do estado, tenho o direito de vigiar os actos do governo. Tenho seguido, pois, passo a passo a marcha governativa e, com profundo pezar o digo á camara, receio muito que por este andar caminhemos para uma grande catastrophe, ou para uma nova bancarota que póde trazer senão a perda da nossa independencia, pelo menos a das nossas melhores colonias.

Sr. presidente, o regimen economico e financeiro de que o governo faz tanto alarde no discurso da corôa está em completa antinomia e discordancia com as doutrinas dos melhores economistas.

A sciencia economica tem duas ou tres escolas, mas ha certos pontos em que todos os economistas, pelo menos aquelles de que tenho conhecimento, estão de accordo.

Poderia citar muitos, mas para não cansar a camara citarei apenas dois ou tres e porei em confronto os preceitos que elles estabelecem com os actos do governo para demonstrar quanto é errada e nociva a sua administração. Estão inscriptos outros oradores que hão de tratar esta questão mais proficientemente do que eu e não quero privar a camara do prazer de os ouvir.

Garnier, nos seus Elementos de finanças, diz que em materia de imposto se deve preferir aquelle cuja cobrança e fiscalisação seja menos dispendiosa, a fim de que o dinheiro do contribuinte entre na sua quasi totalidade nas arcas do thesouro para ser applicado, note bem a camara, em despezas uteis e indispensaveis.

Pois o governo, em vez de simplificar, tem complicado cada vez mais o systema tributario; assim é que para a cobrança e fiscalisação do imposto temos um verdadeiro exercito de empregados e guardas fiscaes que absorvem uma parte importante do imposto.

E quanto á applicação do producto que se colhe do imposto pensa a camara que o governo segue rigorosamente o preceito de Garnier, que o sr. ministro da fazenda devia ter sempre em vista não gastando senão o absolutamente indispensavel?

Não é assim. Tem gasto prodigamente sem lhe importar, sem querer saber se custa ao contribuinte pagar o imposto; e tem gasto não só prodigamente, como inutil, improficuamente.

Tambem Jean Baptiste Say diz que o melhor de todos os planos financeiros é gastar pouco, e o melhor de todo os impostos, o menor e que menos custe ao contribuinte pagar.

Pois, sr. presidente, o governo tem seguido exactamente a theoria contraria: gasta muito, loucamente, sem utilidade alguma, e gasta tanto que já as despezas publicas attingiram a cifra em que estavam antes da reducção dos juros; e temos os mesmos encargos que tinhamos antes da lei chamada de "salvação publica".

Ora, eis ahi o caminho que o governo trilha; veja v. exa. como elle segue á risca os preceitos economicos e as boas doutrinas.

E a respeito de saber se custa ou não custa ao contribuinte pagar, com isso é que elle absolutamente se não preoccupa: que pague e que gema, mas que pague.

Pois talvez chegue tempo em que elle não possa e não queira pagar.

O governo não attende sequer a que o imposto, quando ultrapassa o limite da moderação, produz effeitos negativos. Succedeu isto na Hollanda, na Inglaterra antes da reforma de Robert Peei e tem succedido em diversas nações.

Pensa o governo que o imposto é elestico, que póde gastar largamente, esbanjar, locupletar os amigos e que o contribuinte ha de pagar todas essas despezas, todos esses desperdicios, todos esses actos de má administração e de loucura?

Pois não é assim, engana-se.

Um outro economista, Victor Bounnet diz que algumas vezes o imposto custa mais do que produz e que o melhor caminho para chegar ao equilibrio financeiro é parar no caminho das despezas superfluas e improductivas e não lançar impostos que possam crear difficuldades ao augmento da riqueza publica, porque d'ahi surgem consequencias funestas, sendo uma d'ellas esgotar o manancial onde o estado vae haurir as suas receitas.

Mas o sr. presidente do conselho, importa-se pouco com isso.

Sr. presidente, lançar impostos a esmo e á toa sem um estudo previo, profundo e pausado, ácerca da incidencia d'esses impostos, sem maduramente pensar se elles vão affectar a materia collectavel e porventura destruil-a ou diminuil-a consideravelmente, é um gravissimo erro.

Alem d'isso, não se deve só recorrer ao imposto para obter o augmento da receita publica. O melhor meio de conseguir esse augmento é promover o desenvolvimento e prosperidade do commercio, da industria e da agricultura, é auxilial-as, quanto possivel seja, e não lhes lançar impostos que possam obstar ao seu desenvolvimento.

N'isto está tambem o melhor meio de obstar á emigração não só de braços mas de capitães, porque é preciso que o governo saiba, se o ignora ainda, que os capitaes têem emigrado porque não encontram aqui emprego seguro e remunerador, e porque não ha estabilidade, as leia fiscaes estão-se alterando constantemente e ninguem quer empregar nem na industria, nem na agricultura, nem no commercio capitães, com receio de que o fisco lhos venha cercear. Assim tem acontecido porque já chegámos a ponto de se lançar o imposto de rendimento ou de industria onde não ha nem rendimento nem lucros.

Existem companhias que tendo prejuizos, pagam imposto de industria como se tivessem lucros.

Sr. presidente, o que é certo é que, como disse na ultima sessão o meu illustre amigo e digno par o sr. D. Luiz da Camara Leme, o governo está agarrado ao poder como a ostra ao rochedo, não o quer largar por cousa nenhuma e tudo sacrifica a esse apego. Para esse fim tem lançado mão até da corrupção politica, que já está arvorada em principio de governo, tem gasto mal e indevidamente sommas enormes, emquanto que outras despezas necessarias e productivas para o paiz não se fazem.

As estradas estão abandonadas e arruinando-se constantemente. Temos bons marinheiros e bons officiaes de marinha, mas navios actualmente é que não ha, só agora se vão construir alguns; veremos depois o resultado.

O exercito é mal pago são mal remunerados os servi-

Página 62

62 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ços relevantes que elle tem prestado ao paiz nos nossos dominios africanos, defendendo a integridade do nosso territorio e mantendo o prestigio e brilho da nossa bandeira e das nossas tradições religiosas.

O soldado que vae a remotas regiões, a climas inhospitos, expor a sua vida em defeza do paiz, sujeitando-se ás maiores inclemencias, a privações de toda a ordem, trabalhos e fadigas, arrostando até com a fome e a sede, volta estropiado, doente e vem encontrar-se no paiz sem amparo, sem protecção, sem recursos nenhuns que galardoem ou recompensem os seus serviços. Emquanto que os amigos e protegidos do governo, sem trabalho nenhum, sem risco nem cansaço, usufruem grossos ordenados e vivem vida principesca.

Sr. presidente, esta situação é insustentavel, não se póde manter, e não podemos prever quaes sejam as suas consequencias, se porventura, a Providencia não illuminar o chefe do estado, para que elle, fazendo uso das prerogativas que a lei fundamental lhe concede, ponha termo a uma administração tão nefasta, funesta e prejudicial ao paiz e ás instituições.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta que o digno par, o sr. conde de Magalhães, mandou para a mesa.

Leu-se na mesa e foi admittida, ficando em discussão com o projecto a seguinte

Proposta

Proponho que em additamento ao paragrapho da resposta ao discurso da corôa, que diz:, "Sobreleva na verdade todas as outras questões", etc., se acrescente o seguinte:

"A camara, porém, não confia no regimen economico e financeiro do governo, para com elle debellar a crise que nos assoberba, todavia aguarda animosa as propostas que sobre assumpto tão importante e tão urgente o governo tiver por conveniente submetter-lhe, e concorrerá quanto em si couber para que se possa chegar á solução desejada; mas fallecer-lhe-ia o animo e a esperança de poder levar a cabo tão difficil emprehendimento se não confiasse, como confia, em que Vossa Magestade, pela sua solicitude e pelo seu acrisolado amor ao paiz, lhe ha de facilitar a tarefa, removendo o obstaculo que a torna difficil, se não impossivel."

Sala das sessões da camara dos pares, 25 de janeiro de 1897. = O par do reino, Conde de Magalhães.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, serei brevissimo na minha resposta ao digno par o sr. conde de Magalhães, e tanto mais quanto colligi, pelas declarações que s. exa. fez, que o seu intuito foi muito menos combater os actos do governo, do que aproveitar o ensejo para declarar publicamente que não era concorrente ao ministerio.

O sr. Conde de Magalhães: - Apoiado.

O Orador: - O apoiado do digno par quasi que me dispensa de proseguir, porque, como eu nada tenho com as declarações que o digno par entenda dever fazer para definir a sua posição presente ou futura, só me cabe defender os actos do governo e para me desempenhar d'essa tarefa vou fazel-o simplesmente por minha conta, como membro de um governo dedicado á causa publica.

Ha umas palavras no discurso do digno par a que eu não posso deixar de responder, independentemente de que s. exa. me solicitasse ou não uma resposta, porque essas palavras representam e traduzem um grave attentado aos interesses do paiz.

O digno par fallou no meio do silencio da camara, attenta, é claro, como está sempre que falla um membro d'ella, mas por forma que o echo das suas palavras não é n'esta sala que retumba.

Vae mais longe, tem outro alcance, alcance que é um aggravo para o paiz.

Q digno par disse aqui, no meio da indiferença quasi geral, que nós caminhamos para uma catastrophe, a breve praso, para a completa ruina, que trará, se não a perda da nossa autonomia, a perda das nossas colonias.

Ora, estas palavras não quero eu que fiquem registadas sem protesto nos annaes parlamentares.

Póde o digno par, sr. conde de Magalhães, que foi ministro da corôa, que é membro d'esta camara, julgar que as diz impunemente, no seio da camara, sem que com isso aggrave a situação do paiz; mas s. exa. esqueceu-se de que as palavras não têem fronteiras; e de que quando forem repercutir-se em jornaes estrangeiros, como sendo proferidas por um digno par e antigo ministro da corôa, essas palavras têem significação. Por isso reclamam ellas um protesto vehemente da minha parte.

O sr. Conde de Magalhães: - O que era preciso, era empregar os meios para que não se dessem as consequencias que se estão dando.

O Orador: - Era tambem necessario provar que eu tão procedi d'esse modo, e n'esse caso s. exa. tinha direito de assim fallar.

Não é qualquer, que tem responsabilidades graves e passado, que póde servir-se indiferentemente d'estes ou d'aquelles termos, para apreciar os actos de um governo. Quem tem as responsabilidades do seu cargo, as responsabilidades do seu passado, a responsabilidade da sua posição, não pôde, na camara dos dignos pares, referir-se á situação do paiz, como se refere qualquer foliculario na imprensa mais livre da nossa nação.

O sr. Conde de Magalhães: - Não pôde, é um pouco forte.

O Orador: - Não póde - aqui, é synonymo de - não deve.

O sr. Conde de Magalhães: - Isso é mais correcto.

O Orador: - Se não é correcto, fica a incorrecção por minha parte, porque até d'isso tomo a responsabilidade.

É necessario que não sejamos nós os causadores d'essa ruina de que fallava o digno par.

Creia s. exa., creia a camara - diz-lh'o quem tem a experiencia e observação dos factos - não ha nada que nos prejudique mais, que traga um aggravo mais fundo ao nosso credito, ao prestigio do paiz, do que são essas palavras menos bem pensadas proferidas pelos representantes do paiz na camara dos pares, no sentido de dizer que Portuga] é um paiz de tal maneira achacado de vicios, de erros fundamentaes, de tal fórma compromettido no seu futuro, que não tem diante de si senão a perspectiva de uma ruina completa. E se s. exa. não disse - a perda da nossa autonomia - o que é um assumpto para duvidas, pelo menos disse - a perda das nossas colonias.

Ora, na situação em que nos achâmos, com respeito ao nosso dominio colonial, veja a camara o alcance que teriam estas palavras, se não houvesse da minha parte, como ha, o rigoroso dever de contra ellas lavrar o mais solemne protesto. (Apoiados. - Vozes: Muito bem.)

Não appellemos para o estrangeiro, nem façâmos o jogo dos inimigos do paiz.

Dito isto, podemos discutir a questão de fazenda.

Disse o digno par. que o governo não tinha aproveitado as circumstancias felizes que se deram, em beneficio da fazenda publica. Simplesmente, porém, s. exa. esqueceu-se de cital-as; disse apenas que a situação anterior a esta tinha reduzido em 10:000 contos de réis os encargos do estado, e que apesar d'isso as despezas eram já tão grandes como antes da crise se pronunciar.

Sr. presidente, isto não é exacto, nem é exacto tambem que a situação anterior tivesse diminuido em 10:000 contos de réis as despezas do estado e que as actuaes sejam tão avultadas como antes da crise se abrir. Em breves palavras o vou comprovar.

Da situação passada veiu a lei de 26 de fevereiro de 1892, que deu o seguinte;

(Leu.)

Página 63

SESSÃO DE 25 DE JANEIRO DE 1897 63

Tambem não é exacto que as despezas tenham augmentado por fórma a serem superiores ao que eram antes da crise.

Em 1891 e 1892 a totalidade das despezas com os serviços dos ministerios era de 29:167 contos. Na ultima gerencia de 1890 e 1896 foi de 26:922 contos. Computadas todas as despezas com os serviços dos ministerios, encargos da divida publica, despezas extraordinarias com expedições, dá, em 1891 a 1892, 54:947 contos, e em 1895 e 1896 54:578 contos, contando com os juros na posse da fazenda publica, juros que importam actualmente em 3:997 contos, havendo cerca de 4:000 contos a descontar d'aquella somma.

As receitas foram, em 1891-1892, 38:643 contos, e, em 1895-1896, 53:220 contos.

O digno par tambem arguiu o governo por não ter feito diminuir a circulação fiduciaria.

Eu desejava que o digno par me dissesse como se poderia isto fazer, quando a nota do banco é moeda corrente e nós temos tido despezas a fazer como, por exemplo, os encargos do nosso dominio no ultramar.

O digno par esqueceu-se que essa mesma circulação fiduciaria, pela proposta do governo anterior, se calculava em 72:000 contos para 1893-1894, e que ainda hoje não passa de 60:000 contos.

A tributação, diz o digno par, tem sido tão exagerada que ninguem quer collocar cá os seus capitaes. É tambem uma bella phrase para convidar os estrangeiros a empregarem os seus capitães em emprezas lucrativas para o nosso paiz.

Mas, como unica rasão d'isto, dizia o digno par que se tributavam companhias mesmo quando não tinham lucros, e esquecia-se de acrescentar que se encontrava isso prevenido na lei da contribuição industrial, que é uma fórma de tributação acceita em outros paizes, nomeadamente na França, e que é aquella que a experiencia tem mostrado ser mais productiva e sobretudo mais justa na equiparação do tributo que pesa sobre estrangeiros e nacionaes, para que uns e outros, quando trabalham no nosso paiz, tenham a mesma fórma de pagar e a mesma contribuição para o thesouro.

Por ultimo teve s. exa. uma phrase que deploro profundamente, e é - que, ao passo que os nossos soldados, os heroes das nossas campanhas de Africa, vão lá fóra expor a sua vida, derramar o seu sangue para defender a causa augusta e sagrada da patria, ao passo que esses voltam doentes e extenuados e não encontram aqui protecção nem amparo, os amigos do governo passam vida folgada. Quizera que o digno par me dissesse quaes foram aquelles dos mantenedores da causa da patria que, voltando extenuados e doentes ao seu paiz, não encontraram nem amparo nem protecção.

Até agora não ouvi em todo o paiz senão o retumbar de vivas enthusiasticos por esses heroes; um affecto, um acolhimento o mais dedicado, o mais sincero, o mais expansivo lhe tem sido prodigalisado; nunca ninguem os deixou morrer de fome. (Apoiados.}

E pelo que toca aos amigos do governo, queria que me dissessem quaes eram os que passavam essa vida folgada.

O sr. camara Leme: - Os commissarios regios que v. exas. crearam, com ordenados fabulosos. Diga-nos o sr. presidente do conselho que lei auctorisa o governo a crear commissarios regios.

O Orador: - Ainda bem que ouvi accusar um facto.

Então o confronto está entre os commissarios regios e os soldados que foram defender a sua patria lá fóra com a sua vida e o seu sangue? São então os commissarios regios aquelles que passam vida folgada, em detrimento dos interesses do paiz?

Quem foi o primeiro commissario régio? O sr. Antonio Ennee.

Alguem póde porventura dizer que ao sr. Antonio Ennes não cabem sinceros e grandes louvores pela maneira por que, dia a dia, dedicadamente, se esforçou pelo bom exito da campanha onde aquelles bravos se nobilitaram, pelo triumpho da nossa causa em Lourenço Marques? Pois esse foi o primeiro commissario régio. E quando elle passava os dias acabrunhado e cheio de preoccupações, arriscando a sua vida, empenhando em tão ardua tarefa a sua reputação de homem d'estado, para salvar a honra da bandeira do seu paiz, haverá quem diga que os commissarios regios vivem uma vida folgada em detrimento dos interesses da nação?

O sr. camara Leme: - Quem é que dirigiu as operações? Quem é que foi para a campanha?

O sr. Conde de Lagoaça: - O sr. Neves Ferreira é que passa vida folgada, folgadissima.

O Orador: - Oh! sr. presidente, quando são difficeis as nossas circumstancias na India, quando, apesar dos esforços briosos dos nossos soldados que lá foram para restabelecer a ordem, ainda ha bandos de malfeitores que põem a ordem publica em perigo, sem respeito á vida e liberdade dos cidadãos, o commissario regio, que representa o governo e que se esforça por sustentar a auctoridade e o prestigio do nome portuguez na India; esse funccionario que, como militar, tem vida honrada e briosa, que foi nos seus feitos de armas exaltado aqui publicamente por todos, como testemunho de um dos nossos mais benemeritos da armada, o Br. almirante ... esse é o alvo dos apodos do digno par!

(Áparte do sr. conde de Lagoaça, que não se ouviu.}

Quando foi governador geral de Moçambique, teve, pela firmeza e energia das suas resoluções, o applauso dos seus compatriotas; depois foi chamado aos conselhos da corôa e soube ser ministro honrado.

E este então que passa a vida folgada e que não é digno das altas funcções de commissario regio?

Passam vida folgada os commissarios regios, elles que vão para longe de suas familias, para as remotas provincias do ultramar, onde os factos mais melindrosos, as circumstancias mais graves, exigem que quem dirige o governo da provincia desenvolva toda a sua actividade, toda a sua vigilancia e todo o seu saber?

São estes os amigos do governo que passam vida folgada?!

O sr. camara Leme: - O que eu peço é que o governo diga a lei em que se fundou para crear esses logares e que o auctorisou a fixar-lhes tão fartos ordenados?

O sr. Conde de Lagoaça: - Apoiado.

O Orador: - Pergunta o digno par qual foi a lei em que o governo se fundou para nomear commissarios regios?

Foi uma lei suprema, da defeza do paiz.

É necessario ser cego para não ver as circumstancias excepcionalmente graves em que se encontravam as provincias ultramarinas, a situação economica de Angola e principalmente os perigos de outra ordem que corriam a India e Moçambique.

Tornou-se necessario que, quem presidisse ao governo d'essas provincias, tivesse largos meios de acção, faculdades que o habilitassem a superar de prompto e energicamente as difficuldades que a cada instante surgiam. Do maior ambito das suas attribuições nasciam tambem maiores responsabilidades do que as que tinham os governadores geraes.

Dando o governo maiores faculdades a esses funccionarios, não podia deixar de os dotar com vencimentos superiores, não para gosarem vida folgada, mas para passarem vida honrada e honesta.

A nomeação de commissarios régios significa que, apesar da relativa rapidez e facilidade das communicações, o governo da metropole não póde occorrer com providen-

Página 64

64 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

das promptas e acertadas a todos os perigos que no ultramar embaraçam por vezes a missão do governador.

Isto não prejudica, porém, de nenhum modo, as attribuições que são da competencia das camaras e do governo.

E para esses altos cargos o governo escolheu aquelles que, pela sua competencia e serviços, pela sua capacidade e energia, lhe mereciam a confiança mais absoluta.

E quanto á vida folgada dos commissarios regios, porque não citam os dignos pares tambem o sr. Mousinho de Albuquerque?

O sr. Camara Leme: - Eu não citei ninguem. Perguntei a lei.

O sr. Presidente: - Peço ao digno par que não interrompa o orador; poderá, pois, querendo, a seu tempo usar da palavra.

O sr. Camara Leme: - Fallarei em occasião opportuna.

O Orador: - O digno par perguntou-me como é que eu justificava a nomeação dos commissarios regios e eu ia respondendo.

A nomeação dos commissarios regios justifica-se peias circumstancias especiaes...

O sr. Camara Leme: - Eu quero saber a lei.

O sr. Presidente: - Eu peço ordem ao digno par.

O Orador: - Acabou o digno par?

Estava eu dizendo a rasão por que o governo nomeou, os commissarios régios.

Agora sobre o ponto da legalidade respondo ao digno par que o governo tem pelo acto addicional á carta, no intervallo das sessões parlamentares, a faculdade de promulgar decretos de caracter legislativo, submettendo depois ás côrtes as providencias tomadas. É uma faculdade do governo constitucional, e é, em virtude d'essa faculdade, que o governo, para actos que não póde praticar por si proprio, delega essas funcções em pessoas da sua confiança, tomando sobre si a responsabilidade d'essa delegação e d'esses actos como fossem praticados pelo proprio governo, os quaes podem depois ser ou não ser approvados pelas côrtes.

Sob o ponto de vista da legalidade não sei se o digno par está satisfeito.

(Pausa.)

O silencio de s. exa. para mim é alguma cousa.

Sr. presidente, levantei-me para responder ás aggressões que se fizeram ao governo e que achei injustificaveis, e levantei-me ainda mais para que não ficassem sem um protesto, sem uma resposta vehemente mas sincera as palavras do digno par, o sr. conde de Magalhães, cujo effeito mais no estrangeiro que no paiz eu julgo póde ser absolutamente nocivo aos interesses da nação e attentatorio da auctoridade e do prestigio do nome portuguez.

Tenho dito.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra sobre a ordem o digno par, o sr. conde de Thomar.

Já está admittida á discussão a proposta do digno par, o sr. conde de Magalhães.

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, eu estava longe de tomar a palavra n'esta discussão se não fossem alguns incidentes que se deram na sessão de sabbado e as declarações do sr. ministro da marinha, com as quaes não posso conformar-me.

Antes de tudo direi que foi para mim objecto de muita tristeza não ouvir da parte dos srs. ministros nem da parte da maioria d'esta camara um apoiado, quando aqui se lembrou o anniversario dá morte de Fontes Pereira de Mello e se exaltaram as suas virtudes em phrases sentidas.

Esse facto, sr. presidente, foi a demonstração viva de que nem os homens que se sentam n'aquellas cadeiras nem os cavalheiros que fazem parte da maioria constituem o partido regenerador, porque, se pertencessem a esse partido, de certo não deixariam de fazer alguma allusão ao chefe que tanto deviam honrar.

Eu, sr. presidente, não estava filiado no partido regenerador, mas acompanhei-o por algum tempo, e sabia que o lemma d'esse partido era a moderação levada talvez ao excesso, e por isso ganhou a sympathia de uma grande parte do paiz.

Essa moderação desappareceu, e é por isso que nem da parte das cadeiras do poder nem da maioria d'esta camara se ouviu um unico apoiado, quando o digno par, o sr. conde de Lagoaça, exaltou a memoria do sr. Fontes Pereira de Mello.

Sr. presidente, obedecendo ás prescripções do regimento, eu vou mandar para a mesa a minha moção, que e do teor seguinte.

(Leu.)

Sr. presidente, o nobre presidente do conselho acaba de expor á camara as rasões que teve o governo para nomear os commissarios régios, e eu, servindo-me das palavras e dos argumentos de s. exa., vou demonstrar a indispensabilidade do governo pedir á camara um bill pela nomeação d'estes commissarios regios.

Acresce que certas apreciações apresentadas pelo nobre ministro da marinha na questão do alcool, que não discuto n'este momento, porque s. exa. já deu explicações, como tambem não quero saber se esse monopolio foi resolvido é tratado na rua dos Capellistas, nem quero saber do decreto do sr. commissario regio de Angola, porque é uma questão finda, digo se não fossem as explicações que me não satisfizeram não teria agora de tirar tambem as consequencias das contradicções do nobre ministro da marinha, que declarou que tomava inteira e completa responsabilidade do acto do seu delegado. Direi que o nobre ministro não póde dizer isto, porque desde que o governo o nomeou commissario regio com attribuições do poder executivo, todos os actos d'esse commissario são tão validos como os emanados dos srs. ministros.

Como é que o governo delega as suas attribuições, onde foi buscar essa auctorisação; estes principios não se encontram na carta, nem em lei alguma, ou disposição legislativa.

Tenho aqui a carta e o acto addicional, e em todas as attribuições do poder executivo não encontro um unico paragrapho que de direito ao governo de transmittir os seus direitos seja a quem for.

Pois se um ministro para tratar da sua saude precisar de se ausentar de Lisboa, não póde transmittir as suas attribuições a outrem, nem mesmo a um proprio collega, e tem de haver um decreto pelo qual fica encarregado interinamente um outro ministro da gerencia d'essa pasta; se se não podem transmittir as attribuições de ministro para ministro, como póde o sr. ministro da marinha transmitil-as a uma terceira pessoa?

Onde foi s. exa. buscar estas attribuições?

Deu-lh'as o poder moderador?

Não, porque nem o poder moderador o podia fazer, mas diz o nobre presidente dó conselho, é a lei suprema.

Pois então se é lei suprema mais uma rasão para haver um bill de indemnidade, porque esses commissarios foram nomeados em virtude de um acto de dictadura.

Na carta não ha lei suprema. Diz s. exa., os commissarios regios eram precisos para que tivessem todos os meios de acção para poderem remediar de prompto a todos os males. Tudo isso está prevenido no acto addicional.

O illustre ministro da marinha fez hontem n'esta camara as declarações que lamento não tivessem sido feitas por s. exa. na outra casa do parlamento, porque feitas ellas com lealdade e franqueza teriam evitado a s. exa. as accusações que aqui lhe foram feitas.

Contou s. exa. que a questão de fazenda se impunha na

Página 65

SESSÃO DE 25 DE JANEIRO DE 1897 65

provincia de Angola, e que era preciso arranjar recursos. Disse mais s. exa. que .º sr. Gomes Coelho que tinha sido encarregado de estudar o monopolio do álcool lhe lera uma memoria a este respeito, e que mais tarde fôra essa memoria apresentada ao sr. commissario regio que, não se conformou com as idéas n'ella emittidas, promulgou o decreto do monopolio no Boletim official de Loanda.

Então tinha o illustre ministro da marinha perfeito conhecimento do que se passava em Angola!

O commissario regio publicou um decreto, e o sr. ministro da marinha, ou porque a opinião publica se impoz, ou por motivos ou rasões que não conheço, disse-lhe: - Suspenda o decreto.

Com que direito disse s. exa. ao commissario regio que suspendesse o decreto?

De duas, uma: ou sáe o sr. ministro da marinha, ou se demitte o commissario regio.

S. exa. disse que tinha inteira e completa confiança no commissario regio; o commissario regio é que não póde ter confiança no sr. ministro da marinha.

Portanto, ou um ou outro; mas, desgraçadamente, pelas declarações de s. exa., tudo parece indicar que se chegou a accordo.

Não póde ser!

Sr. presidente, nós estamos aqui recapitulando ou discutindo os actos de todos os ministros e, portanto, não se deve estranhar que eu deixe um bilhete de visita a cada um dos membros do governo.

E não se julgue que, por eu estar fallando alto, estou zangado; é este o meu habito, que, aliás, me não faz esquecer a deferencia que devo ter por s. exas.

Sr. presidente, na resposta ao discurso da corôa, a commissão entende que nós devemos folgar desde o primeiro paragrapho até ao ultimo; confesso, porém, que ha mais rasão para a gente se entristecer do que para folgar. Tenho de me referir ao nobre ministro da marinha, e, conjuntamente, ao meu amigo o sr. ministro dos negocios estrangeiros, ácerca da solução que teve o conflicto com a Allemanha.

Tencionava pedir ao sr. ministro dos negocios estrangeiros me facultasse o exame dos documentos referentes a esse assumpto; mas, vendo o que se passou na outra casa do parlamento, achei inutil pedil-os, porque se declarou ali que toda a negociação tinha sido verbal.

Esta questão, tem duas partes: uma externa e outra interna.

Diz a commissão:

"A camara folga de que o incidente das desagradaveis occorrencias que se deram em Lourenço Marques com o representante consular do imperio germanico, tenha terminado por fórma a satisfazer os melindres d'aquella nação, sem offensa do nosso decoro."

Sr. presidente, desde que o sr. ministro dos negocios estrangeiros declarou que as negociações foram verbaes, devo acredital-o; mas porque foram estas negociações verbaes sobre assumpto tão grave, como são os factos que occorreram em Lourenço Marques?

Não existem quaesquer documentos com relação a esses deploraveis acontecimentos?

Das duas uma. Ou o governo allemão foi tão exigente que abusou da sua força contra uma potencia fraca, o que me custa a acreditar, ou então houve precipitação da parte do governo em dar todas as satisfações, as mais humilhantes para uma nação, sem que tivesse chegado ao seu conhecimento o relatorio que o elucidasse de como os factos se passaram.

Sr. presidente, ou as auctoridades portuguezas cumpriram o seu dever e então a Allemanha não tinha o direito de exigir satisfações tão humilhantes, ou não cumpriram, e n'esse caso pergunto eu quem é que commetteu a falta e qual foi o castigo que recebeu por a haver commettido? Nada se sabe, sr. presidente, parece todavia que os funccionarios portuguezes, no conflicto que só deu, cumpriram o seu dever; se assim procederam, para que tal afan em satisfazer os melindres da Allemanha que, ao facto da verdade, não seria tão cruel nas suas exigencias?

É preciso que esta questão se esclareça, não basta que o governo diga que se apressou em dar as satisfações £ Allemanha.

As satisfações dão-se quando ha culpas, quando se tem commettido uma falta, mas sem nenhum motivo não se comprehendem. Discriminemos responsabilidades. Todos os governos têem um jornal no qual se dão o que se chama notas officiosas e o que appareceu na Gazeta da Allemanha do Norte foi o seguinte:

"Logo que os acontecimentos de 3 de dezembro foram conhecidos os jornaes mais considerados de Lisboa escreveram, que Portugal devia, no interesse da sua honra e da sua dignidade, dar uma satisfação á Allemanha, ainda que a Allemanha a não pedisse.

"Quanto ás responsabilidades que possam ter as auctoridades portuguezas neste negocio, são exclusivamente dos funccionarios locaes de Lourenço Marques."

Dão-se estes acontecimentos em Lourenço Marques, acontecimentos deploraveis, e a final não se sabe se houve falta do consul ou erro da parte das auctoridades locaes. O documento que citei attribue todo o mal aos funccionarios portuguezes e elogia os jornaes que aconselhavam uma prompta satisfação. Até aqui a questão interna, chegamos á externa.

O sr. ministro da marinha precipitadamente endossou a letra á vista ao seu collega dos negocios estrangeiros, dizendo: "Os meus homens em Lourenço Marques comprometteram-me, mas o collega dos estrangeiros componha as cousas com pouco desaire para nós".

O sr. ministro dos negocios estrangeiros corre para um lado, corre para outro; veiu de Villa Viçosa e arranjou o que pôde, não digo que fosse lisonjeiro para nós, e de toda esta negociação, que é gravissima, parecia que devia ficar algum vestigio, mas não ficou nada. Foi como o fumo das salvas que se deram em Lourenço Marques á bandeira allemã. Tudo desappareceu para nossa satisfação.

D'aqui a um seculo se quizerem saber porque demos uma satisfação á Allemanha não o poderão saber, porque não existem, documentos. Tudo foi verbal sobre assumpto tão grave, e se alguem quizer escrever este triste episodio irá buscar elementos aos archivos de Berlim.

O sr. Conde de Lagoaça: - Nem um telegramma? (Riso.}

O Orador: - Continúa a camara a folgar, porque diz a resposta ao discurso da corôa:

"A camara folga de que esteja restabelecida a ordem e assegurada a administração na India, e presta homenagem aos serviços feitos n'aquella colonia por Sua Alteza o senhor Infante D. Affonso."

Eu não tenho animosidade de qualidade alguma ao sr. Neves Ferreira, ou a qualquer dos outros commissarios régios, mas a camara deve estar lembrada de que no anno passado, quando aqui se discutiu a questão da India, eu disse algumas palavras talvez menos agradaveis para s. exa. O que admira, porém, é ver o governo prestar uma homenagem justissima a Sua Alteza o senhor Infante D. Affonso, e ver, a par d'esses elogios merecidos, o procedimento do commissario regio a seguir á saida de Sua Alteza da India. O commissario regio não tratou senão de desfazer tudo quanto o senhor D. Affonso fizera.

Deixando Sua Alteza o seu nome vinculado a uma amnistia, a essa amnistia seguiram-se os fuzilamentos. (Apoiados.)

O governo devia ter pensado n'isso, visto conhecer o commissario regio, e não devia ter collocado um principe da casa de Bragança n'esta deploravel situação.

Por um lado, o governo elogia os actos praticados por Sua Alteza durante a sua administração; exalta o seu pa-

Página 66

66 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

triotismo, e por outro lado, o commissario regio manda fuzilar sem processo. Chama a uma cilada uns homens, que não sei se são ou não salteadores, e fuzila-os!

Aquella colonia, sr. presidente, está a ferro e fogo. Está peior do que nunca; entretanto diz-se que a provincia está pacificada! Isto não é serio.

O sr. Conde de Lagoaça: - Apoiado.

O Orador: - Eu vejo nos jornaes e correspondencias da India que os taes chamados ranes têem apanhado diferentes individuos, como refens, cortam-lhes o nariz e as orelhas, e enviam-os ao commissario regio, para elle ver o pouco caso e medo que têem d'elle.

Pois, sr. presidente, quando se dão factos d'esta ordem, vem dizer-se ao paiz que a India está pacifica! Francamente, se tivessemos aqui essa santa paz, ficavamos bonitos! Nem estariamos talvez aqui conversando!

Sr. presidente, o governo está manifestamente em contradicção com as suas proprias declarações. Pergunto ao sr. ministro da guerra, se s. exa. mantem as reformas militares feitas pelo commissario regio. Temos na Índia um caso analogo ao de Angola. Respeita o que fez o commissario com poderes iguaes ao executivo, ou suspende como fez para o monopolio do alcool: Espero a resposta de s. exas.

O sr. Conde de Lagoaça: - Ouça, sr. ministro da guerra.

O Orador: - Comprehende-se a posição que tomou o digno par sr. Pimentel Pinto, quando no anno passado se tratou de dar um posto de accesso a Mousinho de Albuquerque. S. exa. entendia que não se devia dar o posto de accesso, mas parte da camara sustentava que se devia dar o posto. Em todo o caso, s. exa. manteve-se até ao fim firme na sua resolução. Nunca estarei nas cadeiras do poder, mas se estivesse, procederia como s. exa.

S. exa. foi coherente com as suas idéas. Circumstancias que é inutil referir, obrigaram-no a ceder, nomeou Mouzinho e saiu d'aquellas cadeiras. Muito correcto o seu procedimento.

Portanto, pergunto eu ao sr. ministro da guerra: mantem s. exa. as reformas militares feitas pelo commissario regio? Ou reconhece-lhe poderes iguaes aos seus, ou não. Sc reconhece, já devia ter-se afastado das cadeiras do poder, porque a sua posição é insustentavel; se não reconhece, pergunto tambem: em que situação ficam aquelles officiaes, quando voltarem para o reino?

Sr. presidente, vou dirigir-me ao sr. ministro do reino e ao sr. ministro da justiça.

Diz o relator da commissão:

"No paiz folga a camara que se tenha mantido a ordem publica."

Isto de manter a ordem publica tem muitas interpretações; não é só a desordem na rua, que é falta de ordem publica, ha mais alguma cousa.

Já n'uma das sessões passadas, antes da ordem do dia, eu chamei a attenção do sr. presidente do conselho para a deploravel explosão que teve logar na companhia do gaz de Lisboa, de que resultou a morte de tres homens e varios feridos. O sr. presidente do conselho naturalmente n'essa occasião não estava habilitado a responder-me, e disse me que informaria os seus collegas do reino e da justiça das minhas observações.

Sr. presidente, eu trago este facto não para ser desagradavel á direcção da companhia, que se tem alguns portuguezes que são directores, ella é de facto estrangeira, mas para me referir ao modo de proceder da policia. A policia não é só para prender e perseguir, é tambem para proteger. Parece impossivel que tendo-se dado aquelle desastre a policia se não apresentasse a saber como os factos se tinham passado. Em qualquer terra sertaneja isto não succederia. Haja visto o que se passou com o sr. conde de Gouveia, contra quem se instaurou um processo, que foi julgado na camara dos pares, pelo facto de uma locomotiva de uma companhia de que elle era director ter morto um homem que atravessava a linha ferrea.

Pois então para um facto d'esta ordem intervem o ministerio publico e em Lisboa, onde está o sr. ministro da justiça não ha um tribunal que tome contas e levante um auto? Porque? Quem se impoz? Foi medo pelo facto da companhia ser quasi estrangeira?

Sr. presidente, entre intervenção e administração ha uma grande differença. Sinto não ver presente o nobre bispo conde que tanto se insurgiu e com rasão contra a idéa da intervenção estrangeira. Esta não virá, que ninguem a quer, nem mesmo os estrangeiros, mas a administração essa já cá está.

Hoje em quasi todos os estabelecimentos e companhias do paiz ha estrangeiros. Não censuro o governo por isto. Já o grande marquez de Pombal o tinha feito por não ter no paiz homens habilitados para certos serviços. E assim que a companhia do gaz tambem tem directores technicos estrangeiros, talvez por essa rasão o tribunal não tomou conhecimento da explosão que se deu na companhia do gaz.

Não se levantou um simples auto, como era de dever da auctoridade, e todavia a propria direcção dimittiu o engenheiro, e porque? É que reconheceu que havia responsabilidades. Em todo o caso o responsavel, se o era, saiu do paiz e agora o sr. juiz que corra atraz d'elle.

A par d'este procedimento do juiz da instrucção, procura-se um jornalista que escreveu um artigo, é ouvido o seu depoimento, e porque melindrou ou o juiz de instrucção suppimha que o tinha melindrado, mette-se esse jornalista n'um calaboço cheio de vermes, e em companhia de bebados. E isto só por ter commettido o crime inaudito de censurar ou fazer uma referencia ao juiz instructor!

Em que paiz estamos nós? Diz-se que n'um paiz liberal. Entretanto, por um facto, que devia ser sujeito a um tribunal especial, pega-se n'um jornalista e mette-se n'uma enxovia!

Oh, sr. ministro do reino, por dignidade do governo, pela propria dignidade de v. exa., aquelle juiz não póde continuar a occupar aquelle logar.

O anno passado, n'esta mesma casa, insurgi-me contra esse tribunal, e os factos vem confirmar completamente que eu tinha rasão; quem usa e abusa do seu poder por esta fórma não póde continuar em exercicio; quem não tem criterio, bom senso, desprendimento e sangue frio para apreciar os factos, não póde continuar a presidir a um tribunal de que estão dependentes a honra e a dignidade de qualquer cidadão.

Se v. exa., sr. ministro do reino, deixar ámanhã de ser ministro, e entrar no governo outra parcialidade politica, póde v. exa. ir á noite para um calabouço sem saber por que e sem ter commettido a mais leve falta. Basta que o juiz instructor diga que foi detido para averiguações. Isto é peior do que a inquisição, isto revolta todos os homens de bem.

O redactor com quem se deu o caso a que me refiro, pertence a um jornal que nem sempre tem sido justo nas apreciações que tem feito a meu respeito, mas acima d'essa circumstancia está a minha consciencia, á qual repugna que um homem limpo, um homem de bem possa ser mettido n'uma enxovia pelo facto de ter escripto um artigo que desagrade ao juiz de instrucção.

Estou cansado e vou concluir, dirigindo algumas observações ao nobre presidente do conselho. Peço desculpa de o não ter feito em primeiro logar, como era talvez do meu dever, mas a rasão é porque tenho seguido passo a passo os paragraphos do projecto de resposta ao discurso da corôa.

Peço ainda licença para dizer duas palavras com relação ao paragrapho em que se folga com o resultado do cum-

Página 67

SESSÃO DE 25 DE JANEIRO DE 1897 67

primento das novas leis de recrutamento e remissão de recrutas.

Eu desejava que o nobre ministro da guerra me dissesse onde está o fundo das remissões. Ha muitos annos que ouço fallar no producto das remissões, no cofre das remissões; mas o que nunca se sabe é a applicação que se deu a essa receita.

Sr. presidente, a camara comprehende que a rasão que me leva a fazer esta reflexão não póde affectar moralmente os ministros. Toda a gente comprehende que os ministros se não locupletam com os fundos de estado; mas convem saber-se qual a applicação que se tem dado ao fundo das remissões.

Pelo que toca ás questões de emigração e passaportes deve-se fazer o parallelo, a comparação entre a maneira por que se procede no continente e nas provincias ultramarinas, e ver-se-ha que hoje é muito melhor ser subdito portuguez preto do que branco.

E assim que o preço dos passaportes para um preto seguir para o Transvaal é inferior ao que paga qualquer branco que vae para a Africa.

Occupando-me do recrutamento, direi que se reconhece que augmentam os effectivos do exercito com os resultados da nova lei do recrutamento e da de repressão da emigração, se os effectivos são maiores, porque se conservam nas fileiras individuos que depois de terem acabado o serviço tem direito a irem para suas casas; e para que são precisos maiores effectivos quando antes d'estas leis se licenciavam por vezes os que não tinham acabado o tempo?

Vou dirigir ao sr. presidente do conselho uma pergunta e é: se o projecto das execuções fiscaes, que não chegou a ser discutido n'esta camara, será discutido n'esta sessão.

Ainda tenho a dizer que não concordo em que haja rasão para nos regosijarmos com a situação cambial, não me parece que os cambios tenham melhorado e que a situação da nossa praça tenda a melhorar. Como póde ella melhorar quando toda a gente sabe a concorrencia que o governo faz no mercado com a compra do oiro.

Disse o nobre presidente do conselho que para pagar em oiro no estrangeiro só tem dois meios: um augmentar a divida fluctuante lá fóra, outro comprar oiro no mercado de Lisboa.

Ora, como as receitas do estado são insufficientes para acudir ás despezas, o governo vae buscar notas ao banco de Portugal e com essas notas compra o oiro, e assim deprecia de uma maneira muito sensivel o valor d'esse papel.

Não será para admirar que dentro em pouco tempo possamos ter uma crise como se deu em 1846, em que uma nota de moeda era recebida apenas por 2$400 réis, e como consequencia de depreciação do papel fiduciario a baixa cada dia mais sensivel do cambio.

Não me parece que a camara possa folgar com este estado de cousas que tendem aggravar-se dia a dia e que nos collocará, não direi á beira do abysmo, como disse o meu digno collega o sr. conde de Magalhães, mas collocará qualquer governo em serios embaraços, porque de certo não poderá resolver essa crise sem grande abalo, e não me parece tambem que o paiz esteja no caso de poder supportar novos sacrificios, porque já são grandes aquelles que soffre.

Mando, pois, para a mesa a minha moção, que me parece perfeitamente justificada e logica.

Disse.

O sr. Presidente: - Como a hora está a dar, vou dar a palavra ao digno par, o sr. conde de Lagoaça, que a pediu para antes de se encerrar a sessão.

Faltam apenas dois minutos.

Tem o digno par a palavra.

O sr. Conde de Lagoaça: - Pedi a palavra unicamente para dirigir de novo uma pergunta ao sr. ministro da marinha, a que s. exa. não respondeu na ultima sessão por ter dado a hora de se passar á ordem do dia. Essa pergunta respeita ás medidas que o governo porventura tenha adoptado para evitar a invasão da peste bubonica.

O sr. Ministro da Marinha: - Tenho a declarar ao digno par que o sr. commissario regio na India já adoptou as providencias que o caso reclama, destinando para esse fim a precisa dotação; que, em consequencia d'isso, já se acham estabelecidos na India dois lazaretos.

Igualmente telegraphei para o sr. commissario regio em Moçambique recommendando-lhe empregasse todos os meios ao seu alcance e tomasse as medidas que julgasse mais efficazes para conjurar a invasão d'aquelle mal.

(S. exa. não reviu).

O sr. Presidente: - Como désse a hora, vou levantar a sessão.

A proxima sessão é amanhã e a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e tres minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 25 de janeiro de 1897

Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquez da Praia e de Monforte (Duarte); Arcebispo de Evora; Condes, da Azarujinha, de Bertiandos, de Gouveia, de Lagoaça, de Magalhães, de Thomar; Visconde de Athouguia; Moraes Carvalho, Antonio de Azevedo, Serpa Pimentel, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Sequeira Pinto, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Costa e Silva, Jeronymo Pimentel, Gomes Lages, Baptista de Andrade, José Maria dos Santos, Julio de Vilhena, Pimentel, Pinto, Camara Leme, Thomaz Ribeiro.

O redactor = Alves Pereira.

Página 68

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×