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N.º 9

SESSÃO DE 30 DE JANEIRO DE 1878

Presidencia do exmo. sr. Visconde de Villa Maior

Secretarios — os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Conde da Ribeira Grande

As quatro horas e vinte minutos da tarde, achando-se reunido numero legal de dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Approvou-se a acta da precedente sessão sem reclamação.

Deu-se conta da seguinte

Correspondencia

Um officio da presidencia do conselho de ministros, participando, para conhecimento da camara dos dignos pares do reino, que tendo Sua Magestade El-Rei, em attenção ao que lhe representou o ministerio presidido pelo conselheiro d’estado Marquez d’Avila e de Bolama, exonerado, por decretos datados de 29 do corrente, o mesmo ministerio, houve por bem, por decretos da mesma data, nomear para os cargos de presidente do conselho de ministros e ministro da guerra, o conselheiro d’estado Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello; para o ministerio do reino, o deputado da nação, Antonio Rodrigues Sampaio; para os negocios da justiça, o par do reino, Augusto Cesar Barjona de Freitas; para os negocios da fazenda, o conselheiro d’estado, Antonio de Serpa Pimentel; para os negocios da marinha, o deputado da nação, Thomás Antonio Ribeiro Ferreira; para os negocios estrangeiros, o par do reino, João de Andrade Corvo; e para os negocios das obras publicas, commercio e industria, o deputado da nação, Lourenço Antonio de Carvalho.

Ficou a camara inteirada.

O sr. Presidente: — Como o novo ministerio se acha na outra casa do parlamento, convido os dignos pares a esperarem por algum tempo, porque s. exas. tencionam apresentar-se ainda hoje n’esta camara.

O sr. Barros e Sá: — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda. Peço a v. exa. queira dar-lhe o devido destino.

Lido na mesa, mandou-se imprimir.

(Entrou o novo ministerio.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, em virtude de uma votação que teve logar na outra casa do parlamento, o meu illustre amigo, sr. marquez d’Avila e de Bolama, que dignamente presidia á situação transacta, representou a El-Rei a incompatibilidade que b avia entre essa administração e a mesma camara, e Sua Magestade houve por bem encarregar-me de formar novo ministerio, exonerando o nobre marquez e os seus illustres collegas das altas funcções que desempenhavam.

Tendo, por este modo, a confiança da corôa, e esperando merecer o apoio das duas casas do parlamento, tenho a honra de apresentar hoje á camara o ministerio ultimamente formado.

Eu, como já disse na outra camara, não julgo necessario fazer programma politico, porque o meu passado, e o de todos os meus collegas, é já conhecido; e, exceptuando a minha pessoa, os seus dotes intellectuaes, a sua capacidade nos negocios publicos e os serviços por elles prestados ao paiz, são programma sufficiente para. garantir á camara as nossas intenções, procurando, quanto caiba em nossas forcas, promover o desenvolvimento dos melhoramentos materiaes e intellectuaes do paiz, governando com liberdade, com tolerancia, mantendo a ordem publica, e envidando todos os esforços para que esta nossa aspiração possa ser uma verdade.

V. exa. e a camara sabem que ha varias questões que prendem a attenção publica, e entre ellas avulta a questão de fazenda, a qual está ligada com outros ramos da publica administração. Sem boas finanças não podem os melhoramentos materiaes e intellectuaes, de que o paiz carece, ter o necessario desenvolvimento, e por isso havemos de procurar desenvolver a riqueza publica, dotando o paiz com os elementos de progresso de que elle carece.

Existe pendente n’esta casa do parlamento uma proposta de lei sobre instrucção primaria; o governo opportunamente apresentará outras propostas necessarias para desenvolver mais a instrucção, principalmente a secundaria. E emquanto aos melhoramentos publicos, a camara sabe quanto eu e os meus collegas, e todos os que têem apoiado o partido a que me honro de pertencer, temos contribuido para fazer dos melhoramentos publicos não só um elemento para desenvolver as forças vitaes do paiz, como para que a, fazenda publica tenha uma boa organisação. Esta idéa não é errada. As despezas publicas têem augmentado, é verdade, mas tambem é certo que hão crescido consideravelmente as receitas da estado, independente de novos impostos; e seria prolixa qualquer demonstração que eu quizesse fazer sobre o que está no espirito de todos, e o paiz reconhece.

O nosso fim é contribuir, quanto em nossas forças caiba, para que o paiz alcance os melhoramentos materiaes e intellectuaes de que carece.

Alem da questão de fazenda, e de outros assumptos tambem importantes, temos de nos occupar de reformas militares.

O exercito não carece só de uma reforma; para estar á altura das nossas forças, riqueza e posição, é necessario mais alguma cousa.

Não podemos ter um exercito tão numeroso, que exceda os, limites das nossas faculdades: mas dentro d’estas devemos esforçar-nos para que elle esteja na altura em que deve estar. N’este sentido já o ministerio transacto tinha apresentado algumas propostas, algumas das quaes acceito; outras, porém, carecem de modificação, e talvez mesmo terei de apresentar ainda outras.

O governo espera, pois, que ha de achar nos corpos legislativos, e especialmente n’esta camara, o apoio necessario para que possamos trabalhar com a boa vontade que nos caracterisa, a fim de podermos realisar alguns dos melhoramentos que por todos são reclamados.

O sr. Visconde de Seabra: — Sr. presidente, ha muito tempo que estou afastado das lides politicas e parlamentares. Motivos ponderosos me tem afastado, mas n’este momento não posso deixar de usar da palavra, cumprindo assim um imperioso dever.

Entre as rasões que me obrigam n’este momento a pedir a palavra, figuram as minhas intimas ligações com o ex-presidente do conselho, com o qual muitas vezes me tenho associado, dando-lhe inteiro apoio, sem sacrificar de fórma alguma a minha consciencia.

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Achâmo-nos presentemente em uma situação nova.

O conflicto levantado ha camara dos senhores deputados por uma grande maioria, deu em resultado que o chefe do estado usasse da prerogativa que a carta lhe confere chamando aos conselhos da corôa o novo gabinete.

Eu, sr. presidente, não direi uma só palavra sobre o modo por que o poder moderador exerceu a sua real prerogativa, porque primeiro que tudo sou cartista, tenho sido cartista toda a minha vida, isto é, amigo e defensor da carta constitucional.

Sei quaes são os direitos que a nossa constituição confere ao chefe do estado, e sei que a cada direito corresponde um dever, e o meu n’este momento é respeitar o modo por que o chefe do estado usou das suas attribuições.

O chefe do estado entendeu dever nomear os ministros, que tenho a satisfação de ver presentes, em face do conflicto que se deu na outra casa do parlamento, demittindo o ministerio transacto, que havia perdido a sua maioria, obtendo apenas o apoio de insignificante minoria.

Dado, portanto, o casus billis, isto é, a separação da maioria que apoiava o ministerio, que foi substituido pelo actual, eu tenho que definir a minha posição, pois que a nenhum homem é licito o ser indifferente na questão politica. Eu entendo, sr. presidente, que na questão politica todos os que se não decidem por um partido são criminosos. Era a lei de Athenas, e eu passo desde já a definir a minha posição para escapar a este estygma, que as leis antigas lançavam sobre todo aquelle que no meio das lutas civis cruzassem os braços deixando que os cidadaos se digladiem e assassinem reciprocamente.

Declaro, pois, sr. presidente, que estou disposto a dar o meu fraco apoio ao ministerio actual, e seguir com a possivel assiduidade os trabalhos parlamentares, e explicarei as rasões que me impellem a tomar esta resolução.

O conflicto occorrido na outra camara tem uma significação de grande alcance, delimitaram-se os campos dos dois partidos, que se achavam confundidos n’um só partido pelo seu apoio commum prestado ao ministerio transacto. De um lado o partido que se denominou sempre regenerador, do outro lado o partido que outrora se chamou historico, e que fundido com o denominado reformista se intitula hoje progressista. O que é o partido regenerador sei eu, pois nasci no seu seio, e tive a honra de pertencer ao ministerio formado pelo sr. duque de Saldanha, e de que fez tambem parte o illustre presidente do conselho actual. (O sr. Presidente do conselho: — Apoiado.)

Circumstancias individuaes, quasi insignificantes, fizeram então com que eu pedisse a minha demissão de ministro, sem que por isso abdicasse os principies que esse partido professava, e que eu tenho sempre partilhado, (Vozes: — Muito bem.) ainda que me haja afastado um pouco das lides politicas. N’estes termos eu não podia faltar á minha consciencia, para unir-me ao partido chamado progressista alistando-me sob a bandeira, que nunca segui e menos poderia hoje seguir. Devo dizer, comtudo, sr. presidente, uma parte das rasões que para isso imperam no meu animo com relação a esse partido que arvora de novo a sua bandeira.

Sr. presidente, é publico e todos conhecem o larguissimo programma do partido historico reformado, reformista ou o quer que seja. Ora eu, sr. presidente, não posso acceitar esse programma na sua maior parte. Não é esta a occasião opportuna para entrar na demonstração especial do juizo que formo dos numerosos capitulos d’esse programma, nem isso me seria necessario no momento em que se trata de uma questão de consciencia; mas se me restasse alguma duvida ou hesitação com relação ao caminho que devia tomar, bastaria ver como os arautos d’esse partido, no dia seguinte aquelle em que o rei usou livremente da prerogativa que lhe concede a carta constitucional, apreciaram o acto do poder moderador, atacando violentamente o chefe do estado! Desde esse momento eu não podia ter mais hesitações. Isto me bastaria sem nenhuma outra consideração para me afastar completamente d’esse partido.

Sr. presidente, digo com franqueza o que sinto. Cada um tem o direito de pensar como quizer, não estranho, nem levo a mal que encare as cousas a seu modo, mas tenho o direito de pedir que se me conceda a mim o que eu concedo aos outros.

Era talvez escusado pedir a palavra para declarar que presto o meu apoio á situação presente, a minha qualificação havia de nascer do meu voto; todavia, entendi, como já disse, dever fazer esta declaração pelos motivos particulares que se davam a meu respeito com relação ao illustre ex-presidente do conselho de ministros, e me obrigavam a dizer a rasão porque me separei da sua politica.

Devo tambem dizer á camara n’esta occasião, que o meu apoio ao actual gabinete não póde significar uma cega subserviencia, nem assim o entendem os illustres cavalheiros que occupam os bancos do governo. (Apoiados dos srs. ministros.) S. exas. não poderiam acolher de bom grado um compromisso da minha pessoal dignidade, como da sua. (Apoiados dos srs.- ministros.)

O sr. Costa Lobo: — Não tinha a menor tenção de pedir a palavra na presente occasião, nem, tomando-a agora? tenho por fim exprimir a minha opinião com relação á maneira por que a crise politica, que se deu nos ultimos dias,, "foi resolvida.

Concordo com o digno par, que acaba de fallar, que não devemos entrar na discussão do uso que o poder moderador fez da prerogativa que a carta lhe concede.

Respeito as decisões do poder moderador, e acho mesmo uma superfluidade esta minha declaração. Nada, pois, tenho a dizer n’esta parte.

O meu intuito unico n’este momento, e isso me levou a pedir a v. exa. que me inscrevesse, é responder ao digno par, que me precedeu, o qual, sem provocação de qualidade alguma, entendeu que devia escolher esta occasião para atacar, n’uma linguagem violenta e acrimoniosa, não o partido que agora aqui se apresenta investido do poder, depois de o ter exercido por cinco annos com grave prejuizo da causa publica, mas aquelle que ha muito tempo está afastado dos conselhos da corôa...

O sr. Visconde de Seabra: — Eu não ataquei o partido progressista.

O Orador: — S. exa. não atacou o partido progressista!? S. exa. não só o atacou, mas pretendeu estigmatisal-o, attribuindo-lhe a responsabilidade da linguagem deploravel de certos jornaes..

Como sabe o digno par que a linguagem d’esses jornaes fosse auctorisada pelo partido progressista?

Se o procedimento da partido progressista na parlamenta estivesse em harmonia com os artigos d’esses jornaes, então tinha o digno par rasão em atacar esse partido.

Ainda que eu não tenho a honra de estar fillado n’esse partido, comtudo tenho sempre entendido que os seus principios na questão financeira são os verdadeiros. É essa questão é a unica que eu na actualidade julgo de momento para o nosso paiz. Por isso o tenho apoiado.

E quaes são n’este assumpto os principios do partido regenerador?

O artigo primeiro e fundamental do seu programma é a recurso ao credito. Quanto mais emprestimos, melhor. Não ha que pensar nos meios de satisfazer os encargos. A divida publica absorve já ametade da nossa receita. Pois para que a receita augmente, mais emprestimos. A divida fluctuante paga-se hoje com um emprestimo, e d’aqui a tres ou quatro annos está outra vez nas mesmas proporções. Pois para a saldar, outro emprestimo. Este emprestimo vence juros. Para pagar esses juros, outro emprestimo. Com todos estes emprestimos é impossivel extinguir o deficit. Não imporia, o deficit ha de acabar por si á força de emprestimos.

É n’estas proposições que se resolve o grande princi-

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pio do programam regenerador, quando se despe da verbiagem em que geralmente o envolvem. Em que paiz, em que sciencia, em que profissão de estadista se viu jamais o credito arvorado em principio de governo?

Pois, sr. presidente, a crença do partido regenerador é que o paiz se regenera contrahindo dividas e pagando o juro d’essas dividas com outras dividas.

Este é o primeiro principio do partido regenerador. O segundo é incutir no espirito publico a idéa de que, em consequencia da sua admiravel administração, a fazenda publica está quasi a attingir as raias da ultima perfeição. E para dar á camara uma amostra de como isto se faz, vou ler-lhe um trecho de um relatorio do sr. ministro da fazenda.

(Leu.)

De maneira que o sr. ministro da fazenda entende que a nossa situação financeira é uma das mais prosperas na Europa!

Isto escreveu o sr. ministro da fazenda em 1876, quando os financeiros dos bancos proclamavam o mesmo em relação á, situação economica do paiz.

Houve muito pobre de espirito que acreditou n’estas asserções do governo e dos especuladores que mutuamente se confirmavam.

O resultado foi uma tremenda crise monetaria que apoucou as posses de muitas familias, se é que não reduziu tambem outras á miseria.

O terceiro principio do programma do partido regenerador é a isenção constante da fiscalisação parlamentar, o desprezo das prescripções do orçamento, e o levantar creditos extraordinarios sem os trazer ás côrtes para os legalisar.

De maneira que as despezas publicas são feitas inteiramente ao bom ou mau arbitrio do governo.

São estas as rasões por que na questão de fazenda eu me separo radicalmente do partido regenerador, cujo programma financeiro é o avesso dos principios do partido que suscitou as iras do digno par, principios que são os unicos que eu entendo serem capazes de collocar a nossa fazenda publica em situação regular.

Sr. presidente, concluo repetindo que tomei a palavra obrigado pela invectiva do digno par que me precedeu, invectiva que entendeu dever dirigir, ao partido progressista, e fil-o simplesmente na duvida de que estivesse presente n’esta casa algum membro d’esse partido para responder a s. exa., e tendo eu muita vez dado o meu voto a favor d’esse mesmo partido, podia em certo modo considerar-me envolvido na accusação.

O sr. Visconde de Seabra: — Sr. presidente, o digno par que acabou de fallar abraçou a nuvem por Juno.

Eu não disse uma unica palavra que podesse offender Individualmente, nem o chefe, nem nenhum dos membros do partido que se chama agora progressista; o que disse foi o seguinte: que não podia approvar o seu programma, e se me restasse alguma duvida a respeito da posição que eu devia tomar, em relação a esse partido, ella se desvaneceria completatamente em vista dos ataques violentos dirigidos pelos arautos d’esse partido, sobre o modo por que usou da sua real prerogativa.

Todo o mundo sabe quaes os jornaes reconhecidos como orgãos d’esse partido; ninguem o ignora, e parece-me escusado entrar em mais explicações a este respeito.

Sr. presidente, o digno par tambem disse, que eu não estava auctorisado para dizer que o que se escreve n’esses jornaes é com a approvação d’esse partido, e a isso respondo eu, que desde o momento em que esse partido retirar essas expressões mal cabidas, eu retirarei a proposição que avancei.

O meu officio é de juiz, e juiz tenho sido toda a minha vida; e a unica força que me póde vencer é o poder irresistivel da justiça.

Retirarei, portanto, essa proposição, que eu julgo lealmente fundada na prova que indiquei.

Sr. presidente, aqui acaba o que me diz respeito no discurso do digno par.

Depois s. exa. convolou para a questão de fazenda. Não é agora occasião opportuna de discutir essa materia; quando o for, eu verei se posso responder a s. exa., mas agora não me é permittido fazel-o; porque a questão de fazenda não está na tela da discussão.

O sr. Ministro (ia Fazenda (Serpa Pimentel): — Pedi a palavra unicamente, porque O digno par e meu amigo, e o isto se faz, vou sr. Costa Lobo, pareceu dirigir algumas censuras á politica financeira do partido a que tenho a honra de pertencer, ao ministerio do que ultimamente fiz parte, e a mim proprio.

Creio que as arguições de s. exa. são injustas quando diz que as idéas do meu partido, as do ministerio actual, e as minhas especiaes a respeito de finanças, contrariam os principies da sciencia. Sinto muito divergir da opinião de pessoa tão illustrada, mas de modo nenhum posso conformar-me com ella.

Menos prevenidamente, o digno par de certo acharia na sua muita lição que os principios do partido que s. exa. defende poderiam considerar-se n’aquelle caso.

O que o partido regenerador tem sustentado, o que o governo passado sustentou, o que a experiencia dos factos tem sanccionado como doutrina excellente, é que um paiz não consegue restaurar as suas finanças, quando em estado precario, não attinge o grau de civilisação a que deve chegar, senão desenvolvendo a riqueza publica.

Se o digno par, que é tão illustrado, quizer ler uma excellente obra, que acaba de ser publicada sobre finanças, escripta por um auctor distinctissimo, lá verá que na Inglaterra, nos fins do seculo XVIII, todos os homens serios e graves suppunham que aquella nação estava á beira da ruina e chegaria inevitavelmente á bancarota, pois viam crescer consideravelmente a sua divida, e persistir continuadamente o deficit. «Estes receios, diz o auctor a que me refiro, seriam muito patrioticos, porém não eram nada scientincos». Os meios de acabar com aquelle terrivel desequilibrio não consistiam em cortar a despeza. Na realidade, sr. presidente, é obrigação de todos os governos fazerem economias, porém que um paiz, depois de adquirir certo desenvolvimento, possa restringir sensivelmente a sua despeza, é problema completamente impossivel, porque as necessidades da administração, que são as necessidades da civilisacão, augmentam todos os dias.

A despeza entre nós tende a augmentar, é verdade, como em toda a parte; mas felizmente tambem tende para augmentar, e nos ultimos annos em mais larga escala, a receita publica.

O digno par sabe que em 1852 a nossa divida era muito menor do que é hoje; tem-se duplicado, triplicado n’estes vinte e tantos annos; e porventura entende s. exa. que estamos hoje em peiores circumstancias do que n’aquella epocha?

É muito maior a divida, mas são tambem muito maiores recurso que temos para pagar os seus encargos.

Durante cinco annos, a receita publica crescer 6:000 contos, sem que fosse necessario lançar novos impostos. Porque cresceu a receita? Porque se desenvolveu a riqueza publica? Pois não é melhor que a receita do estado augmente por desenvolverem os recursos da paiz, sem a necessidade de sobrecarregar os contribuintes com novos encargos?

O digno par fez-me a honra de se lembrar de um relatorio que eu publiquei ha dois annos, e disse: «Aqui está o que diz o relatorio, aqui estão estas palavras optimistas, e d’ahi a pouco tempo tinhamos a crise».

Pois a crise de 1876 teve alguma cousa com as finanças do paiz? Pois o digno par não sabe que a crise que em 1876 se deu n’este paiz, já tinha apparecido em muitos

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outros em 1873, onde foi muito mais prejudicial, e de muito mais funestas consequencias?

Não sabe s. exa. que, quando ella appareceu, o que nos valeu para ella não ser entre nós tão terrivel como noutros paizes foi exactamente o estado de prosperidade relativa em que nos encontrou, depois de cinco annos de paz e de desenvolvimento crescente da riqueza publica? E no momento do cataclysmo não sabe que os unicos titulos que tinham valor, e que o conservaram completos, eram os titulos do governo? O que teve, pois, a crise bancaria com as finanças do estado ou com o optismismo do meu relatorio?

Disse tambem o digno par, que não approva a politica d’estes ministros, porque elles não trazem os creditos extraordinarios ao parlamento, para elle os sanccionar. A censura póde ser cabida em absoluto, mas como podo s. exa. justificar o facto de apoiar outros governos que procederam sempre da mesma forma? Esta differença é que eu não comprehendo.

Sr. presidente, quem foi o ministro que primeiro apresentou a necessidade de estabelecer na lei, que os creditos extraordinarios abertos no intervallo das sessões, em virtude das disposições legaes, deviam, antes de terminar o exercicio, ser apresentadas ás camaras juntos com o orçamento?

Parece-me que se o digno per consultasse os registos parlamentares d’este paiz, veria que não tinha motivo que justificasse a sua predilecção politica sobre este ponto, entre os diversos partidos.

São apenas estas pequenas observações, que julguei do meu dever apresentar á camara, visto que o sr. Costa Lobo procurou arguir o gabinete, alcunhando de ruinoso o systema financeiro do partido que elle representa.

A opinião de s. exa. é uma opinião muito respeitavel; entretanto ha de permittir-mo que lhe diga, que a julgo contraria aos principios da sciencia, e que julgo ter por mim todos os homens competentes em assumptos financeiros, não pelos meus actos que pouco valem, mas pelos principios que professo, e que são aquelles cuja pratica nos tem levado ao estado em que nos achâmos, que é extremamente melhor do que aquelle em que estavamos ha trinta suinos, antes que elles tivessem sido admittido na governado do estado.

O sr. Mártens Ferrão: — Eu não pensava pedir a palavra n’esta occasião. Não está já em costume vir fazer o elogio dos homens que são elevados ao poder, nem eu uso da palavra para lhes dirigir comprimentos na presente conjunctura; de sobejo é conhecida a sua elevada competencia, comprovada na vida publica e nas pugnas da palavra. A minha longa carreira politica feita no partido que é representado pelo gabinete, a conformidade e é opiniões e de trabalhos, e o concurso constante e firme que tenho prestado áquella politica (O sr. Presidente do conselho: — Apoiado.), dispensavam-me de qualquer declaração d’este momento, quando mesmo o meu afastamento de ha tantos annos da politica não m’o estivesse indicando.

Mas o digno par que me precedeu referiu-se tão desfavoravelmente ao partido politico representado no poder, que não me permitte o animo deixar de oppor-lhe algumas considerações, porque me parece que, sem o desejar, de certo, foi injusto.

Antes d’isso, porém, como se referiu á constituição do gabinete, devo declarar que considero o novo gabinete genuinamente parlamentar. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu acato, como devo, as prerogativas e attribuições do poder moderador, mas não considero o seu exercicio isento da responsabilidade constitucional, que abrange todo o systema representativo, e que lhe é base. Os ministros são, porém, os unicos responsaveis pelos actos do poder moderador (Apoiados dos srs. ministros.) e quem diz responsabilidade diz tambem apreciação constitucional. Largamente sustente: esta opinião na outra casa do parlamento, quando tinha a honra de lhe pertencer.

Respeito os actos do poder moderador, mas entendo que podem ser constitucionalmente apreciados, porque no systema representativo ha os ministros para responderem por elles, como representantes legitimos de todas as responsabilidades constitucionaes pelos actos do poder.

Conforme os verdadeiros principies de direito publico, não ha actos indifferentes na governação e na marcha politica dos estados, nem tão pouco nenhum poder póde tudo; aquelle determina a responsabilidade, este a limitação e é equilibrio dos poderes do estado.

Não podem considerar-se fóra da apreciação politica quaesquer actos que influam ou possam influir poderosamente no movimento constitucional; a constituição por isso de um gabinete contrario aos principies e ás indicações constitucionaes está sujeita á apreciação dos corpos legislativos, e a sua responsabilidade torna-se effectiva pela negação da confiança politica indispensavel para a vida constitucional dos governos. Este é o complexo do systema e a doutrina em que se funda. Sempre assim o tenho sustentado.

No momento actual não tenho que apreciar os debate que precederam a crise politica, que acaba de terminar, qualquer que fosse ou seja a minha opinião a respeito d’elles, aprecie só o facto parlamentar que teve logar. Esse facto foi o rompimento do accordo politico entre a camara e todo o gabinete.

Não tenho que referir-me á administração que se retirou; se tivesse de o fazer seria unicamente para significar o meu respeito pelo illustre estadista que a presidio, a quem o, paiz deve longos e valiosos serviços.

Em presença dos factos como elles se deram não havia senão duas soluções unicas: ou a dissolução da camara dos senhores deputados, ou a exoneração do gabinete. Não havia soluções intermedias, isto, e só isto, é o que se acha registado na historia parlamentar de todos os paizes verdadeiramente constitucionaes, quando se dão factos com igual j significação e valor. Nenhuma outra solução constitucionalmente podia ser apresentada ao poder moderador, nenhuma outra podia ser por esse poder adoptada, no escrupuloso respeito poios principios constitucionaes.

Qualquer d’aquellas duas soluções era constitucional, o se ellas. Mas se isto é assim, sr. presidente, é tambem certo que o uso das dissoluções não podo ser arbitrario perante os principios.

Eu creio que o peior mal do sytstema representativo é, o largo uso das dissoluções; nós já conhecemos o que ellas produzem. E a descrença dos povos, é a pressão moral sobre os parlamentos e o enfraquecimento por isso do systema.

Larga e desassombradamente sustentei esta opinião na outra casa do parlamento; não tenho hoje outra.

Mantenho-me firme no estatuto como sobre uma outra dizia o monarcha italiano na occasião de uma crise politica, não recorrendo a dissolução, mas seguindo as indicações parlamentares.

As dissoluções são uma arma perigosa de que só em casos mui raros e graves se deve lançar mão, como quando uma camara, pelas suas resoluções, não dá indicação politica possivel, e a partidos definidos investidos no poder.

Mas não era nas condições actuaes que esse estado se dava, e isso mesmo parece entender-se quando esse meio se não propunha, embora fosse o que se tinha annunciado.

Não havia a maioria das duas casas do parlamento negado o seu apoio á situação que antecedeu a demissionaria,; não a havia derrubado; aquelle gabinete retirara-se do poder tende o apoio das duas camaras. A maioria das duas; camaras podia assim dar agora, como deu, um governo tão rigorosamente parlamentar, como o que alli se acha representado. (Apodados.)

Os membros do actual gabinete saíram da grande maioria das. duas casas cio parlamente, e ahi occupavam logar; distincto, tinham as suas idéas claramente manifestadas.

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e representam completa homogeneidade de pensamento e de doutrinas. (Apoiados.)

As situações assim constituidas são em todos os paizes genuinamente parlamentares e por isso constitucionaes.

Sr. presidente, o digno par viu ali representado o partido regenerador, e considerou nefasta a sua nova ascenção ao poder; mas os precedentes d’esse partido, tanto politicos como nos outros ramos da administração, affirmam o contrario da proposição do digno par, e affirmam o vantajosamente.

Em politica o partido regenerador nunca representou o principio da exclusão, nem dos homens, nem das idéas, e por isso progrediu e póde manter-se firme e atravessar epochas difficeis, lutando por largos annos afastado do poder, retemperando-se na opposição, que é onde os partidos se constituem com força.

Na politica representa o acto addicional, a reforma eleitoral de 1802 e de 1859, a tolerancia e a liberdade politica; estes são os seus precedentes politicos, e não são nejastos. (Apoiados.) Estes tambem são os meios, e só estes por que se tem mantido e atravessado uma existencia de quasi trinta annos fiel ás suas idéas e alargando sempre o seu ambito.

O digno par disse que a gerencia do partido regenerador tem sido nefasta ao paiz. É uma opinião, e as opiniões são completamente livres, mas no seio das assem bicas deliberantes não são livres perante a logica, que é mister que ahi presida, carecem de que as rasões convençam da sua justiça.

Nas finanças do estado o systema que quasi duplicou a receita publica foi o que elaborou a alta e privilegiada inteligencia do meu particularissimo amigo o sr. conde do Casal Ribeiro. (Apoiados.)

Depois disso sempre que o partido regenerador tem sido chamado ao poder tem apresentado importantes reformas financeiras, e ellas constituem em grande parte o nosso systema de fazenda actual.

Se no desenvolvimento progressivo de todos os melhoramentos publicos todas as administrações têem tomado empenho, não pertencerá de certo o menor quinhão ás situações de que tem feito parte o sr. presidente do conselho. (Apoiados.)

Como é pois que n’este momento se póde com justiça fazer tão desfavoravel juizo de um partido politico que tem assignalado a, sua passagem no poder por factos tão honrosos na governação do estado, seja no largo desenvolvimento dos seus melhoramentos materiaes, seja na organisação das suas finanças, seja no aperfeiçoamento das leis organicas do estado e na larga reforma da codificação?

As situações que assim assignalam a sua passagem no poder não são nefastas ao paiz.

Eu não entro aqui na apreciação da vida dos outros partidos politicos, nem discuto o que se diz na imprensa. A imprensa responde a imprensa, tem ahi o seu campo e a sua tribuna, que tanto mais livre tanto melhor para a verdade do systema representativo. Os excessos da imprensa é ella mesma e a opinião que os corrige; o que digo agora tem sido a expressão constante do meu voto e do meu conselho. Os partidos têem no parlamento os seus naturaes representantes, é com elles que aqui se discute, e as suas manifestações n’esta tribuna em nada offenderam os principios, folgo de o poder dizer, embora divirja das suas apreciações.

Concluo, pois, sr. presidente, entendendo que a solução da crise foi perfeitamente constitucional e que o gabinete tirado dos membros mais notaveis em politica da maioria das duas casas do parlamento, é, como disse, genuinamente parlamentar, e tanto basta para mostrar que a sua organisação foi perfeitamente constitucional. (Apoiados.)

O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Fez diversas considerações para demonstrar que a crise foi resolvida do modo mais accorde com os principios liberaes e parlamentares,

porque o governo exonerado não tinha maioria na camara electiva, e todos os indicios faziam acreditar que lhe faltava n’esta.

O orador concluiu perguntando aos srs. ministros se entendiam opportuno augmentar a influencia do parlamento, aperfeiçoando a lei eleitoral e a organisação da camara dos pares dentro dos limites marcados na constituição do estado.

(O discurso de s. exa. será publicado quando o devolver.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Permitta-me a camara que, em poucas palavras, agradeça aos dignos pares e meus amigos, que tomaram parte no debate, as palavras de extrema benevolencia que me dirigiram, e ao gabinete a que tenho a honra de presidir. Estou tão acostumado ás provas da sua amisade, que já não me admiro; mas, seria injusto, se deixasse passar sem agradecimento esta nova manifestação de s. exas.

Agora, respondendo precisamente á pergunta feita pelo meu antigo amigo, o sr. conde do Casal Ribeiro, direi a s. exa., que o governo já declarou na outra casa do parlamento, que estava disposto a promover a discussão da lei eleitoral, juntamente com a respectiva commissão, acceitando como base o projecto que ali se acha, que contem doutrina sanccionada em um outro projecto, que em tempo foi tambem apresentado ás côrtes.

Asseguro, pois, á camara, que o governo, como já declarou na outra casa do parlamento, não tem duvida em que se discuta a reforma eleitoral.

Emquanto á reforma da lei que regula a successão do para ato, apresentada n’esta camara pelo meu illustre amigo, já durante o ministerio transacto, não este ultimo, «mas aquelle em que tive igualmente a honra de ser presidente do conselho, declarei que não duvidava ir á commissão e acceitar por base de discussão o projecto do digno par, todas as vezes que as disposições n’elle consignadas estejam dentro dos limites da constituição.

Creio que tenho satisfeito á pergunta do digno par e meu amigo, e que não lhe póde restar duvida sobre o procedimento do governo a este respeito.

(O orador não reviu as notas dos seus discursos.)

O sr. Costa Lobo: — Occuparei á camara apenas cinco ou seis minutos, porque a hora vae muita adiantada. Limito-me a responder poucas palavras ao sr. ministro da fazenda.

S. exa. citou uma obra.(esqueceu-lhe o titulo), na qual se demonstra que no seculo XVIII a Inglaterra não se livrou das suas difficuldades senão recorrendo ao credito para pagar os encargos da sua divida.

Se s. exa. for capaz de me provar que esse principio foi jamais um elemento da politica financeira da Inglaterra, dou-me por convertido ás doutrinas do actual governo.

Contrahir um emprestimo para uma obra reproductiva é muita vez conveniente. Mas contrahir novo emprestimo para pagamento dos juros do primeiro, é pratica que nunca vi senão condemnada como burla ou loucura.

Em resposta ao digno par que me precedeu direi apenas, que n’um celebre parecer da commissão de fazenda em que s. exa. subscreveu o seu nome, este governo era convidado, em termos pouco menos que ásperos, a emendar-se da sua largueza nos gastos e da sua incuria pelas prerogativas do parlamento em negocios d’esta ordem. E como agora ouço repetir que se vae proseguir no mesmo caminho, tanto me basta para eu definir a minha situação.

Mas, sr. presidente, eu reconheço que não é esta a occasião propria para se discutir convenientemente a questão de fazenda. E se o fiz foi insensivelmente e por uma involuntaria associação de idéas.

O sr. Presidente: — A seguinte sessão será na proxima segunda feira, 4 de fevereiro. A ordem do dia é a apresentação de pareceres de commissões.

Está levantada a sessão.

Eram quasi seis horas.

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28 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Dignos pares presentes na sessão de 30 de janeiro de 1878 Exmos. srs. Visconde de Villa Maior; Duque de Palmella; Marquez de Fronteira; Condes, das Alcáçovas, de Avilez, de Cabral, do Casal Ribeiro, de Cavalleiros, do Farrobo, de Linhares, de Rio Maior, da Louzã, de Paraty, da Ribeira Grande; Viscondes, de Algés, de Alves de Sá, dos Olivaes, de Ovar, da Praia Grande, de Seabra,

de Soares Franco, da Villa da Praia, do Seisal; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, Fontes Pereira de Mello, Paiva Pereira, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Barreiros, Larcher, Martens Ferrão, Pinto Bastos, Franzini, Serpa Pimentel, Andrade Corvo.

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