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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 9

EM 25 DE MAIO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marqnez de Sousa Holstein

Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Digno Par Jacinto Candido da Silva refere-se ao concerto de que precisa o cabo telegraphico da Ilha Terceira; pede que seja concluida com rapidez a estrada que liga a freguesia das Aranhas á de S. Salvador, no concelho de Penamacor; apresenta um officio da Associação Commercial de Angra, em que se pede a construcção de uma defesa no muro-caes do porto de Angra; allude á situação precaria em que se encontram os primeiros e segundos contramestres da marinha real; renova a iniciativa de projectos de lei apresentados em 28 de novembro de 1906 e 29 de janeiro de 1902 ; envia para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos pelo Ministerio da Marinha, e por ultimo pede que a publicação dos Annaes se faça com a necessaria regularidade, e que a Camara, tendo a sua dotação propria, a possa administrar, sem dependencia do executivo. - A Camara, previamente consultada, delibera que o officio da Associação Commercial de Angra seja publicado no Summario. - O Digno Par Teixeira de Sousa envia para a mesa dois requerimentos pedindo documentos pelos Ministerios da Marinha e Ultramar. São expedidos. - Responde ao Digno Par Jacinto Candido o Sr. Ministro da Justiça.

Ordem do dia: Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa. - Usa da palavra o Digno Par Francisco José Machado. S. Exa., no decorrer das suas considerações, apresenta uma proposta e um requerimento. A proposta ficou para segunda leitura, e o requerimento foi expedido - O Digno Par Francisco José de Medeiros, que pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão, lê telegrammas de Valpaços e de Villa Real pedindo medidas tendentes a debellar a crise duriense. Pede ao Governo que tome em consideração o que se pede nos telegrammas que recebeu. - O Sr. Presidente lê tambem um telegramma de Villa Real sobre o mesmo assunto. - O Sr. Presidente do Conselho assegura que o Governo não tem descurado a questão a que se reportam os telegrammas que foram lidos, e proseguirá no empenho de que desappareca um mal que todos deploram. - Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, com a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 20 minutos da tarde o Sr. Presidente declara aberta a sessão.

Feita a chamada, verifica-se a presença de 22 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Menciona-se o seguinte expediente:

Officio do Ministerio da Marinha, communicando que no Diario do Governo n.° 111, de 18 do corrente, foram publicados, devidamente rectificados, alguns artigos do decreto de 23 de abril ultimo, que regulou o serviço de emigração dos indigenas de Angola, Guiné e Moçambique e dos estrangeiros para a provincia de S. Thomé e Principe.

Para a secretaria.

Officio do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, communicando que são remettidos 150 exemplares dos fasciculos 4 e 5 do Boletim Commercial.

Para serem distribuidos.

O officio do Ministerio da Guerra, satisfazendo um pedido de documentos do Digno Par Teixeira de Sousa.

Para a secretaria.

Officio do juizo da 2.ª vara, pedindo permissão á Camara para o Digno Par Carlos Maria Eugenio de Almeida depor como testemunha.

Consultada a Camara, deu ao Digno Par Carlos M. Eugenio de Almeida a autorização que se pede no officio que foi lido.

O Sr. Jacinto Candido: - Sr. Presidente: pedi a palavra, na ultima sessão, para me referir a diversos assuntos de interesse publico, que diversas entidades me encarregaram de tratar, instando junto do Governo pelo deferimento das respectivas reclamações.

Peço ao Sr. Ministro da Justiça o obsequio de tomar nota, para transmittir ao seu illustre collega das Obras Publicas, das considerações que vou ter a honra de apresentar a V. Exa. e á Camara.

Sr. Presidente: em primeiro logar refiro-me a um telegramma recebido do
governador civil de Angra sobre o estabelecimento das communicações telegraphicas entre a Ilha Terceira e o continente.

Estou certo de que o Sr. Ministro das Obras Publicas não tardará em providenciar, como melhor possa, para o deferimento d'aquelle pedido.

Depois d'isso o Governo deverá tomar providencias mais reaes.

Aquellas communicações telegraphicas, no dizer do proprio governador civil, que se me dirigiu, eram altamente importantes para o commercio e industria d'aquelle districto insulano, e até para o serviço publico.

Apresento tambem ao Sr. Ministro das Obras Publicas um pedido da Camara Municipal de Penamacor para que com rapidez se conclua a estrada que vae da freguesia das Aranhas á freguesia do Salvador.

A esta estrada, embora adeantada, falta lhe um pequeno troço, do que resulta não estar restabelecida a communicação entre as duas freguesias, o que prejudica as relações commerciaes d'aquelles povos.

Entrego este memorial ao Sr. Minis-

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tro das Obras Publicas, de quem tenho a honra de ser particular amigo.

Insto nesta petição, de uma forma muito especial, perante o Governo e esta Camara, por que este assunto é importante, tanto mais que aquella gente precisa realmente de ganhar a vida e manter-se.

Outra, questão que desejo tratar consta de um officio que vou mandar para a mesa, desejando que se consulte a camara sobre a sua publicação no Summario das nossas sessões, porque a publicação d'este documento é de toda a conveniencia para conhecimento do assunto.

É um officio da Associação Commercial de Angra do Heroismo pedindo ao Governo de Sua Majestade haja por bem attender com urgencia á defesa do muro-caes do porto das Pipas, na cidade de Angra.

Vou mandar este documento para a mesa, juntamente com outro; e ao Sr. Ministro da Justiça peço faça o favor de chamar a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas para este assunto, que me parece importante, pela recommendação que vem feita pelo presidente da associação commercial d'aquella cidade, que tem para isso particular competencia.

Sinto não ver presente o Sr. Ministro da Marinha para poder tratar de um outro assunto mais desenvolvidamente.

Tenho aqui um memorial apresentado por officiaes da armada a respeito da situação especial em que se encontram os mestres e primeiros e segundos contramestres da armada real portuguesa. Como esta petição é um pouco complicada, e eu não quero estar a tomar tempo á Camara, tanto mais que não está presente o Sr. Ministro da Marinha, limito-me a pedir ao Governo que se digne ter em attenção o que se pede.

Na sessão de 6 de abril de 1907, ha pouco mais de um anno, veio publicado no Summario das nossas sessões, a este respeito, um memorial com documentos que o instruiam. O que então se resolveu deixou na mesma situação esses officiaes.

Existem no Ministerio da Marinha 26 requerimentos, em que mestres da armada, primeiros e segundos contramestres pedem que sejam attendidos. Sei que nesses requerimentos se demonstra, de uma maneira inequivoca, o grande absurdo de ficarem com maiores responsabilidades, e ganhando menos.

Basta citar este facto para se ver bem o absurdo da situação; pois ainda ficam ganhando menos do que ganhavam como simples cabos.

Esta situação não é admissivel perante o bom senso e a disciplina militar.

Peço ao Sr. Ministro da Justiça que chame a attenção do seu collega para este assunto. Se S. Exa. quiser ver o tal memorial facilmente o encontra: - vem no Summario das nossas sessões em 6 de abril de 1907. E um diploma que define bem a situação em que esses funccionarios se encontram.

Rogo a V. Exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que seja publicada no Summario das nossas sessões esta petição.

Mando para a mesa a renovação da iniciativa do projecto de lei que tive a honra de apresentar na sessão de 28 de novembro de 1906.

É do teor seguinte:

"Renovo a iniciativa dos projectos de lei que tive a honra de apresentar na sessão d'esta camara em 28 de novembro de 1906, sobre o voto obrigatorio, subsidios a Pares e Deputados não domiciliados em Lisboa e ordenados a Ministros. = Jacinto Candido".

Em 1907, quando veio á discussão o projecto de resposta ao discurso da Coroa, eu disse o que então me suggeria a minha razão acêrca da iniciativa de projectos de lei.

Hoje, essas razões subsistem da mesma forma no meu espirito, e é assim que eu peço a V. Exa. que se digne instar com as commissões respectivas para que elaborem os seus pareceres acêrca dos assuntos que lhes estão affectos.

Quero renovar igualmente a iniciativa de um outro projecto de lei, que tambem dorme o somno dos esquecidos na commissão respectiva.

E do teor seguinte:

"Renovo a iniciativa do projecto de lei sobre autorizações legislativas conferidas ao poder executivo, apresentado nesta camara em sessão de 29 de janeiro de 1902, assinado pelos Dignos Pares D. Luis da camara Leme, Sebastião Baracho, Almeida Garrett, Conde de Bertiandos, e por mim.

Camara dos Dignos Pares, 20 de maio de 1908. = Jacinto Candido".

Eu tive occasião de dizer a V. Exa., ha dias, quando a camara se referiu á morte de El-Rei D. Carlos, que era bom que neste momento, em que nos encontramos em vida nova, ou em que se diz que pretendemos entrar em vida nova, prestassemos a devida attenção aos projectos da iniciativa dos corpos legislativos.

Eu tenho, no intimo da minha crença, e em presença dos factos que se teem desenrolado nos ultimos tempos, que uma das causas primarias de males, que já não podemos evitar, tem sido o desprestigio continuado do poder legislativo, que tem estado submettido a um regime de oppressão por parte do poder executivo.

Esta convicção sobre as causas da nossa decadencia politica deriva do exame attento dos factos occorrentes e dos factos occorridos. Penso que todos os nossos esforços devem tender, no momento actual, para a dignificação do poder legislativo.

Devemos cuidar de robustecer, de lhe imprimir toda a valia e prestigio que lhe compete, toda a força, toda a acção e toda a energia, de maneira a conseguir-se o justo equilibrio entre os diversos poderes do Estado, e a manter-se intemeratamente o principio essencial da divisão dos poderes.

O poder executivo é para cumprir as leis que o poder legislativo decreta.

Sr. Presidente: isto tem sido dito e redito, nesta Camara, e fora d'ella, em conferencias, em reuniões, em comicios, em toda a parte, emfim.

Todos estão convencidos d'esta necessidade, todos proclamam que é indispensavel entrar num terreno pratico, todos apregoam a conveniencia de encontrar o modus faciendi, e abandonar por uma vez as nossas contemplações com o poder executivo, não consentindo que elle subalternize o poder legislativo.

É preciso que o poder executivo, quando compareça perante as Côrtes, reconheça que está em frente de um poder autonomo, que lhe pode tornar contas dos seus actos, apurar as suas responsabilidades, e criticar a sua acção.

É preciso que lhe veja autoridade para o absolver de factos em que porventura tenha incorrido, e para o accusar de desmandos que tenha praticado.

É indispensavel que do espirito de todos desappareça a convicção, que infelizmente, lá se firmou, de que o poder legislativo está submettido ao poder executivo, sendo as camaras um simples elemento de chancella para apoiar tudo quanto lhe propõem, sem iniciativa propria, nem independencia precisa para exercer livremente o seu direito.

Deixemo-nos de confusões e vejamos as cousas como ellas são na realidade, porque o momento ó, não para confusões, mas para a verdade nua e crua, porque assim o exige o país, que hoje não é o mesmo que tem sido até aqui, antes está ancioso por uma verdadeira vida nova.

Sr. Presidente: julguei proveitoso renovar a iniciativa d'este meu projecto de lei, que diz respeito ao aumento de ordenado dos Srs. Ministros, porque não se comprehende que os Ministros

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de Estado com todas as responsabilidades inherentes ao seu elevado cargo, despesas de representação, etc., tenham a miseravel remuneração que as leis actuaes lhes destinam. (Apoiados).

É uma verdadeira vergonha nacional.

Da mesma forma que eu digo que é necessaria a maior parcimonia na applicação dos dinheiros publicos, digo que não é esta medida que desequilibra o Orçamento do Estado ou nos aggrava as crises financeiras. Nem é esta bagatela que faz perigar a nossa situação do Thesouro.

Eu sou insuspeito porque não tenho aspirações a Ministro de Estado.

Já provei d'esse manjar, e fiquei satisfeito.

Não gostei de ser Ministro. Do que gosto é de cooperar nos trabalhos d'esta Camara, de ter aqui ingresso e de, tanto quanto possa, retirar-me dos negocios publicos, para entregar a minha simples vida aos labores agricolas de meu país.

Não falo pro domo mea; mas a gerencia de uma pasta é um pesado sacrificio a que se impõe um homem publico.

É um sacrificio, não só pessoal, como financeiro, porque a remuneração que tem não lhe chega para supprir as necessidades da vida.

Porque é que um Ministro ha de ganhar menos do que um empregado superior do Estado?

O que digo com respeito aos Ministros, digo com respeito aos Deputados e aos Pares do Reino, que não teem residencia em Lisboa.

Ha Deputados que não teem domicilio em Lisboa, e ha muitos até que rejeitam as suas candidaturas, porque não lhes convem vir viver para Lisboa durante o periodo longo de uma legislatura. Priva-se assim o Estado da cooperação de homens que podiam ser de grande competencia e vir trazer ao Parlamento a resolução de intricados negocios publicos.

Eu continuo a achar prejudicialissima a abolição dos subsidios aos Deputados que não teem residencia em Lisboa.

Isto não pode ser, e é indispensavel attender a esta justa reclamação da opinião publica. Convem facultar a vinda á vida publica de individualidades que teem alta competencia para a desempenhar, e que se não entram nella é porque não podem fazer o sacrificio pecuniario de incluir no seu orçamento mais uma verba que a sua vida particular não lhes permitte despender sem comprometter o bem estar da sua familia, qual é a que lhes exige a obrigação de vir residir em Lisboa, seus meios alguns concedidos pelo Estado para aqui poderem sustentar-se.

Sr. Presidente: o projecto de lei a respeito do voto obrigatorio, toda a gente o reclama tambem como uma necessidade.

Eu comprehendo bem que o voto obrigatorio não bastará de per si só para introduzir todas as modificações necessarias nos nossos costumes politicos. Eu comprehendo que essa não é a solução a empregar para conseguir o fim que se tem em vista. Em todo o caso, propus o voto obrigatorio o anno passado, pura e simplesmente, porque tambem é um erro o querermos fazer tudo de uma vez, de um modo completo, e não ir lentamente acudindo áquillo que a todos se impõe para que a representação nacional seja verdadeiramente correspondente á opinião geral do país, de forma que todas as classes, todos os grupos, todas as correntes de opinião, tenham a devida representação.

Sr. Presidente: ainda ha outro projecto de lei, cuja iniciativa eu renovo; é de 1902 e refere-se ás autorizações legislativas conferidas ao executivo.

V. Exa, e a Camara sabem quanto se tem usado e abusado das autorizações legislativas como processo de Governo; sabem como é chaotico o estado da nossa legislação, sobretudo em alguns ramos de serviço publico, designadamente aquelles referentes á administração financeira do Estado.

Eu já tenho, por varias vezes, desde 1900 para cá, feito a critica do Orçamento Geral do Estado, e notando sempre, invariavelmente, que para interpretar e entender os artigos de lei invocados no preliminar do orçamento é preciso ter ao lado a collecção completa e gastar horas a manuseá-la, para ver as disposições de lei que estão em vigor, quaes as que foram outra vez revogadas em parte ou no todo.

V. Exa. lê o orçamento e vê que ha ali uma serie de leis que estão, em vigor umas, e outras em parte ou no todo, revogadas.

V. Exa., que é um jurisconsulto eminente, sabe bem a difficuldade que ha em interpretar e distinguir disposições de lei que estão em parte revogadas e em parte se manteem em vigor e se acham dispersas em muitas dezenas de diplomas.

Eu propus por varias vezes que todas as disposições de execução permanente e que constituiam preliminares de orçamento se codificassem devidamente e formassem uma lei unica para os membros do poder legislativo que quisessem, apreciar o orçamento gera do Estado não tivessem necessidade de compulsar volumes e volumes de legislação.

O Sr. Francisco José Machado: - Pouca gente pode fazer isso.

O Orador: - Nem todos estão em casos de conjugar a lei e estabelecer a verdadeira harmonia e concordancia entre essas disposições.

Ora, Sr. Presidente, o projecto de lei a que me refiro, mirava, portanto, a restringir o uso das autorizações legislativas durante o intervallo das sessões parlamentares.

O Parlamento, numa sessão, confere uma autorização legislativa ao Governo para prolongar tal ou tal acto de administração; o Governo não a praticou, não usou d'essa autorização legislativa até a proximo reunião das Côrtes, e portanto essa autorização caducou.

Depois, se o Parlamento entende que o Governo deve continuar no uso d'essa autorização, deve votá-la novamente nessa sessão legislativa e não ter essa autorização caracter permanente, o que faz que seja impossivel a fiscalização parlamentar.

Os Governos usam e abusam constantemente das autorizações parlamentares, sobre qualquer ramo do serviço publico.

É por isso que muitas vezes somos surprehendidos pelo uso de uma autorização, que tem dez ou vinte annos.

Isto não pode continuar neste regime.

O poder legislativo pode delegar no Governo dentro de um periodo de tempo indicado, e o Governo ha de dar ás Côrtes contas do uso que fez d'essa autorização.

O Governo não procede por autoridade propria, porque é simplesmente mandatario do poder legislativo e, por consequencia, ha de prestar contas ao mesmo poder da forma como usou da autorização dentro de um certo tempo, tal qual como eu indico no projecto de lei cuja iniciativa renovo.

Mando para a mesa tambem um requerimento para que pela Secretaria dos Negocios da Marinha me sejam enviados documentos.

Já que estou com a palavra peço licença a V. Exa. para fazer umas considerações a respeito de um assunto concreto, que parece de uma natureza muito comezinha, mas que tem muita importancia.

É um assunto que tenho sempre seguido no criterio inspirador da minha campanha politica, desde que, desligado do partido regenerador, levantei aqui a bandeira e os principios do partido nacionalista, que tenho a honra de representar nesta tribuna.

É indispensavel elevar a missão do poder legislativo, torná-lo um poder autonomo e independente, com uma organização completamente á parte. É um ponto concreto e limitado a respeito do qual nós todos temos aqui ouvido reclamações e queixas, tendo até difficuldades na apreciação da nossa vida

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intima parlamentar, mercê da mesma organização d'esses serviços.

Refiro-me ao serviço da Imprensa Nacional a respeito dos nossos Annaes e tudo quanto importa ao funccionamento das duas casas do Parlamento.

Eu não sei porque é que não ha de haver uma secção da Imprensa, destacada aqui na Camara, completamente á parte, independente da Imprensa Nacional, fazendo serviço privativo.

Não sei porque a Camara não ha de ter a sua imprensa, a sua dotação propria, para a publicação dos seus Annaes.

Esta dependencia do executivo não se justifica. Nelle se teem concentrado poderes absorventes, com prejuizo do prestigio e bom funccionamento do poder legislativo. É para este assunto que eu chamo a attenção do Governo.

As Côrtes devem ter a sua dotação propria, serem independentes e administradoras d'aquillo que lhes pertence.

Isto não aumentava a despesa geral do Estado, por isso que, funccionando a imprensa neste edificio, se podia abater na Imprensa Nacional o serviço que ella aqui fizesse. E isto em ambas as casas do Parlamento.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

Foi lido e mandado expedir o requerimento do Digno Par, que é do teor seguinte:

"Requeiro que, pela Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha, me seja enviada copia da ordem de serviço, de 9 de agosto de 1905, expedida do Gabinete do Ministro, ao Conselho do Almirantado sobre a missão a desempenhar nas costas de Angola pela divisão naval do commando do capitão de mar e guerra Augusto de Castilho.

Camara dos Pares, 20 de maio de 1908. = Jacinto Candido".

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que deferem ao pedido do Digno Par Sr. Jacinto Candido, para que o officio da direcção da Associação Commercial de Angra seja publicado no Summario das sessões, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - O memorial apresentado pelo mesmo Digno Par o Sr. Jacinto Candido, relativo á melhoria da situação dos mestres e contramestres da armada, vae ser enviado á commissão de marinha.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Mando para a mesa os seguintes requerimentos:

"Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, seja remettida a esta Camara copia de qualquer documento que ratifique a passagem para o Estado da propriedade do yacht D. Amelia, actual.

Sala das sessões, em 25 de maio de 1908. = Teixeira de Sousa".

"Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, seja enviada a esta Camara copia do processo relativo á emissão de estampilhas postaes em Moçambique e do respectivo parecer da Procuradoria Geral da Coroa e Fazenda.

Sala das sessões, em 20 de maio de 1908. = Teixeira de Sousa.

Foram mandados expedir.

O Sr. Presidente: - Eu posso dar a palavra ao Sr. Ministro da Justiça, mas observo a V. Exa. que faltam apenas uns dois ou tres minutos antes da hora de se passar á ordem do dia.

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Esses dois ou tres minutos me bastam para responder ao Digno Par Sr. Jacinto Candido.

O Sr. Presidente: - Tem S. Exa. a palavra.

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Pedi a palavra para responder ao Digno Par, pela muita deferencia que tenho por S. Exa.

Ouvi com a attenção que é devida ao Digno Par as considerações que S. Exa. fez, e que são da maxima importancia, sobre assuntos que correm por diversas pastas; e, embora me não seja licito dar informações precisas acêrca de cada um d'esses assuntos, posso comtudo informar o Digno Par que pelo que respeita ao primeiro ponto, interrupção das communicações telegraphicas entre a Ilha Terceira e o continente, o Sr. Ministro das Obras Publicas já tomou as providencias que julgou necessarias.

Com respeito ao segundo ponto, conclusão de uma estrada entre as freguesias das Aranhas e S. Salvador, não tenho tambem duvida em affirmar ao Digno Par que o meu collega das Obras Publicas se apressará a dar as ordens necessarias para que a referida estrada se construa.

Ainda com relação ao terceiro ponto, assunto tambem importante, que merece a attenção dos poderes publicos, affirmo ao Digno Par que o Governo o não descurará.

Tratando agora dos projectos a que o Digno Par se referiu, sem os apreciar neste momento, direi a S. Exa. que ha um ponto que estamos de acordo: e é que á iniciativa do Governo é preciso juntar tambem a iniciativa parlamentar.

Torno a affirmar a S. Exa. que o Governo acolherá todos os projectos de lei com o maior prazer, e muito desejarei que se reconheça a conveniencia de os converter em leis.

(S. Exa. não reviu).

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa

O Sr. Francisco José Machado: - Sr. Presidente: como disse no fim da ultima sessão, estava tão longe de entrar neste debate, como estava longe de embarcar amanhã para a China, mas o acaso é sempre superior á vontade dos homens, e foi o acaso que faz que eu esteja, neste momento, no uso da palavra para discutir a resposta ao Discurso da Coroa.

Sr. Presidente: na penultima sessão referi-me a alguns assuntos, que deixei pouco esclarecidos por falta de tempo e estar a dar a hora para se passar á ordem do dia, e por isso me inscrevi novamente na sessão seguinte antes da ordem do dia, para explicar e desenvolver mais detidamente alguns d'esses pontos.

Não me tendo então chegado a palavra, por alguns Dignos Pares occuparem todo o tempo antes da ordem do dia, e sendo o assunto em ordem do dia a resposta ao Discurso da Coroa, sendo esse projecto, por assim dizer, o programma do Governo, e onde teem logar todas as discussões, e como os assuntos que tinha a tratar se referiam a actos de administração, e cabiam perfeitamente neste logar, eu não tive duvida em pedir a palavra para os explanar devidamente. Ahi tem V. Exa., Sr. Presidente, e a Camara, o motivo por que vou usar da palavra na resposta ao Discurso da Coroa.

Calculava, porem, que o Sr. Presidente do Conselho não occupasse com o seu discurso todo o tempo da ordem do dia, e me deixaria algum tempo para fazer as considerações que me propunha.

Então seriam muito restrictas as minhas reflexões, porque por pouco tempo poderia usar da palavra; mas como V. Exa. não póde conceder-m'a nessa sessão por ter dado a hora e teve a bondade de m'a reservar para hoje, vi-me obrigado a ir para casa estudar, a fim de tratar mais largamente do assunto que me propunha desenvolver.

Eu sei que não devia entrar neste debate, porque na resposta ao Discurso da Coroa costumam usar da palavra as individualidades mais cotadas na polita portuguesa, pelo menos não me devia inscrever antes d'esses cavalheiros, que são mais graduados, mais competentes, teem mais autoridade para di-

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zerem o que pensam no seu elevado criterio sobre tão variados assuntos.

Eu devia esperar que o Sr. Julio de Vilhena, o Sr. Beirão, o Sr. Arroyo e outros homens de mais autoridade em todo o país se pronunciassem, dissessem da sua justiça, expusessem a sua opinião, para depois de todos elles me inscrever; mesmo que tivesse a veleidade de entrar neste debate, devia ser depois de S. Exas.. Que S. Exas. me perdoem de lhes tomar o logar que tão legitimamente lhes pertence, pois creio que não deixarão de falar como tem sido sempre uso e costume.

Acho-me portanto inscrito por mero acaso, sem querer tirar o direito e a primasia que devem ter todos estes cavalheiros.

Dito isto, e antes de entrar propria mente no assunto para que tinha pedido a palavra, começarei por felicitar o Digno Par, e meu amigo, Sr. Jacinto Candido, pelas considerações sensatas que acaba de fazer e comtanto agracio a Camara toda lhe ouviu.

S. Exa. versou differentes assuntos com a competencia que todos lhe conhecem e com a autoridade que lhe dá o estudo com que se habilita a tratar todas as questões de largo alcance que o vemos tratar no Parlamento.

S. Exa. entrou commigo para o Parlamento em 1887, foi d'ahi a pouco elevado pelo seu partido ao posto de marechal da politica portuguesa; foi relator do orçamento e de varios projectos importantes, e d'ahi a pouco encarregado da pasta da Marinha, que geriu com notavel proficiencia. S. Exa., pelos seus conhecimentos e pelos seus estudos, conhece bem todos os ramos de administração publica, e a todos se refere com notavel elevação e clareza.

Com quasi todas as considerações que S. Exa. apresentou, eu estou de perfeito e completo acordo, especialmente no que diz respeito ao aumento de ordenados aos Ministros de Estado, e neste ponto eu estou tanto mais á vontade que nunca desejei occupar logar tão eminente, por muitos e variados motivos e, sobretudo, pela minha falta de aptidão para tão altas funcções.

E se eu reconheço a minha inaptidão, sou obrigado a reconhecer a competencia em todos os que teem gerido as diversas pastas em todos os tempos e em todas as politicas, e tanto que o país todo reconhece os altos serviços que muitos d'esses cavalheiros, para não dizer todos, lhe teem prestado.

Por isso me sinto tanto mais á vontade, quanto é certo que ninguem poderá dizer que estou advogando em causa propria e tambem porque, dos individuos que fazem parte do. Parlamento desde 1887, fui eu talvez o primeiro que advoguei, com a maior convicção, o aumento de ordenado aos Ministros.

Em 1889, creio eu, na occasião da discussão do orçamento, mandei para a mesa uma proposta para aumento de vencimento aos Ministros de Estado, por julgar esse vencimento muito exiguo, que chega a ser deprimente e uma vergonha nacional!

A minha proposta era para aumentar esses ordenados a 4:500$000 réis; hoje sendo as condições da vida muito mais difficeis, se fizesse essa proposta, seria para aumentar não para 4:500$000 réis, mas para 6 contos de réis.

Naquella occasião estava no poder o meu partido e, para que não se suppusesse que eu era impulsionado por algum dos meus amigos, que queria favorecer os Ministros progressistas, disse que, se a camara approvasse a minha proposta, era para só começarem a receber os Ministros da situação que substituisse aquella.

Veja V. Exa. a isenção com que procedi.

Em 1890 caiu o partido progressista por causa do celebre ultimatum inglês.

Veio uma situação que não era do meu partido, situação genuinamente regeneradora e, portanto, estava completamente á vontade e bem desembaraçado. Renovei a proposta que tinha feito em 1889, declarando que era para ser utilizada pelos Ministros que então estavam no poder. A Camara tambem não approvou.

Isto é uma vergonha nacional: um Ministro ganha menos do que um guarda livros de qualquer casa commercial importante.

Concordo, pois, com a opinião aqui apresentada pelo Sr. Conselheiro Jacinto Candido porque os vencimentos que se dão aos Ministros não chegam para a sua decente sustentação e para manterem a representação condigna de tão elevado cargo. É uma verdadeira vergonha.

Mas mais ainda: em 1902, quando se discutiam autorizações que o Sr. Hintze tinha pedido á Camara para reformar diversos serviços, o Sr. Rodrigues Nogueira, na Camara dos Deputados, propôs, tambem, o aumento de ordenado aos Ministros.

Eu ouvi uns zuns-zuns que me não agradaram, e pedi a palavra para me associar á proposta do Sr. Nogueira, porque estava perfeitamente á vontade. Não era por interesse proprio; não pretendia occupar aquellas cadeiras, não tinha parente proximo ou remoto que estivesse indicado para taes logares e era coherente com as minhas opiniões, manifestadas já em 1889 e 1890, como disse ha pouco.

Apoiei portanto a proposta do Sr. Nogueira, e a Camara estava para a approvar: maioria e minoria estavam dispostas a dar aos Ministros um vencimento condigno das suas altas funcções. Tanto o Sr. Nogueira, como eu, recebiamos calorosos apoiados de todos os lados da Camara.

Era Presidente do Conselho o Sr. Hintze Ribeiro, mas S. Exa. entendeu oppor-se á Camara, dizendo que se fosse approvada aquella proposta elle abandonaria o poder. É claro que a maioria, em face da attitude do Sr. Presidente do Conselho, esfriou nos seus enthusiasmos e a proposta não foi approvada.

A maioria recusou logo, está claro.

Nunca soube os motivos que teve o Sr. Presidente do Conselho de então para proceder assim.

O Sr. Conselheiro Jacinto Candido mostrou-se tambem partidario do voto obrigatorio.

Felicito S. Exa. por essa opinião, que é tambem a minha, já manifestada no importante jornal o Seculo de 4 d'este mês.

Trago aqui uma grande quantidade de apontamentos para versar uma grande quantidade de assuntos, porque o Discurso da Coroa abrange quasi todos os pontos da administração publica.

Mas prometto á Camara não versar todos e não lhe tomar mais que o tempo d'esta sessão.

Tenho opinião bem firme de que não deve haver limite para a palavra; mas prometto não incorrer em tal falta abusando da paciencia da Camara.

Em 1890, na camara dos Deputados, eu levei, creio que cinco sessões completas, a discutir o addicional de 6 por cento sobre todas as contribuições do Estado, unica panaceia que o Ministro da Fazenda d'esse tempo, o Sr. João Franco, encontrou para regularizar as finanças publicas.

Declarei que não deixaria approvar aquelle projecto, que era uma extorsão que se ia fazer ao contribuinte.

Mas o homem põe, e Deus dispõe.

No dia em que declarei isto, horas depois vi me obrigado a dar o dito por não dito.

Perguntaram-me depois como poderia eu impedir a approvação do projecto e como encontraria materia para sustentar a discussão.

A Camara estava já no fim dos seus trabalhos, a sessão já tinha sido prorogada umas poucas de vezes e constava que não teria nova prorogação, porque se estava já no mês de julho.

Tinham chegado ao Parlamento immensas representações de camaras municipaes, juntas de parochia, e outras corporações, todas ellas contra a medida, que se discutia.

Ora bastava que eu analysasse e tratasse separadamente cada uma d'estas

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representações para tomar muitas sessões.

Em vista da minha attitude, mais tarde foi reformado o regimento, limitando o uso da palavra a uma hora e um quarto. Na camara dos Senhores Deputados disse-me o Sr. João Franco que se tinha feito isso era por minha causa.

Prometto, porem, não repetir este facto, não tomar muito tempo e á primeira indicação de V. Exa. calar-me-hei.

O que eu fiz em 1890 não tinha tenção de repetir, embora o regimento não tivesse sido modificado.

Mas, como ia dizendo, é minha opinião que o voto deve ser obrigatorio.

Ainda ha poucos dias, reptado pelo jornal O Seculo, que me pedia para dar opinião sobre uma lei eleitoral, muito franca e sinceramente respondi que, numa lei eleitoral a fazer, devia impor-se o voto obrigatorio.

Fundo-me para isto na razão de que, num país governado pelo systema constitucional, a funcção civica mais importante do cidadão deve ser expressar a sua opinião perante a urna.

Pois se eu não posso eximir-me de ser testemunha, nem membro do conselho de familia, nem membro das corporações administrativas, nem jurado, etc., etc.; porque a isso me obriga a lei, como é que devo eximir-me de votar, que é, a meu ver, a funcção civica mais importante do cidadão de um país livre?

Sou da opinião que na nova lei eleitoral que se fizer deve estabelecer-se que o voto seja obrigatorio. Se o individuo não pode, por doença ou ausencia, votar, faz apresentar um attestado.

Entendo tambem que a lei eleitoral deve ser Immediatamente reformada, porque um individuo eleito por esta lei não é Deputado da Nação.

A lei eleitoral em vigor foi feita em 1901, para expulsar da Camara os ele mentos que então se separaram do Governo.

Eu fui o primeiro a combatê-la na Camara dos Deputados, com a mais profunda convicção, porque entendi que era difficil, se não impossivel, um individuo, só pelo seu esforço, fazer-se ele ger.

Eu costumava entrar na Camara com grande independencia, devendo o meu logar aos meus esforços e aos dos meus amigos, mas com a actual lei não tinha essa satisfação. Não tinha e ninguem a tem, ou raros o conseguirão.

Mas, alem do voto obrigatorio, é necessario fazer o recenseamento por outros processos, e principalmente em Lisboa e Porto, havendo uma só commissão recenseadora. Acho um erro haver muitas commissões de recenseamento, ou tantas quantos são os bairros, por que isso dá em resultado o individuo poder votar em mais de uma assembleia por estar recenseado em muitas freguesias. Tudo isto se evita havendo uma só commissão de recenseamento.

Entendo que deve haver na camara municipal uma secção encarregada de fazer o recenseamento de toda a capital, exactamente como se faz nos outros concelhos, em que ha uma unica commissão de recenseamento.

É necessario tambem que o eleitor esteja munido de um bilhete de identidade porque, com o bilhete de identidade, o individuo quando vae votar apresenta o e na mesa põem-lhe um carimbo, sinal de que já votou, e não pode portanto votar noutra parte, ou lhe cortam um dos cantos do bilhete e, da mesma forma, não pode votar segunda vez porque ahi está a prova de que já votou.

E ainda ha outra vantagem.

Todos os que teem assistido a uma eleição, principalmente em Lisboa, sabem que uma das grandes difficuldades com que se luta é a constituição das mesas.

Agrupam-se á roda da mesa eleitores e não eleitores; agrupa-se á roda da mesa uma quantidade tal de individuos que é impossivel verificar quaes são os eleitores, o que se não daria se houvesse o bilhete de identidade. Os outros nada tinham ali que fazer, e era facil mandá-los sair.

Alem d'isso o presidente da mesa, para fazer eleger os vogaes, carece muitas vezes de empregar meios extremos para afastar esses individuos que não são eleitores, e que não tem meio de verificar.

Ora tudo isto se remedeia com o uso do bilhete de identidade.

Muitas outras modificações se devem introduzir na lei eleitoral para evitar as fraudes que se teem dado até aqui.

Concordo perfeitamente com o voto obrigatorio. As mesas eleitoraes devem ser nomeadas 8 dias antes da eleição, designando a lei quaes as entidades que as devem compor. Todos sabem que grandes lutas se ferem logo á constituição das mesas, e isso evitava-se se no acto eleitoral todos soubessem quaes eram as mesas. Ha poucos dias recebi uma carta de um amigo, pedindo-me para expor a minha opinião sobre o assunto. Aqui fica; muitas outras disposições se devem introduzir na nova lei eleitoral, de modo a facilitar a eleição, e a garantir os direitos dos cidadãos e a pureza do suffragio.

Estou de acordo tambem com quasi todas as outras considerações que o Digno Par Sr. Jacinto Candido fez. S. Exa. é um distincto parlamentar, muito estudioso e observador, sabe bem os pontos que ha de versar para melhorar a nossa administração.

Outro assunto. Ha dias que se sente um zumbido enorme sobre a queda do Governo.

São os zangãos da politica que o fazem. Bem se importam elles que a queda do Governo seja ou não prejudicial ao país.

O que elles querem é pescar nas aguas turvas, a ver se apanham algum peixe graudo.

O Digno Par Sr. Arrojo, falando aqui ha tempo, referiu-se pittorescamente ás abelhas; eu hoje refiro-me aos zangãos.

Ainda hoje recebi um jornal em que se diz que o Governo não se pode aguentar.

Não se pode aguentar, porque? Porque os irrequietos estão com pressa? Não basta isso para o Governo cair.

Estou absolutamente em desacordo com isto, por uma razão muito simples.

Os Governos não devem cair quando isso convem aos irrequietos e aos ambiciosos.

Eu entendo que as ambições prematuras são descabidas e prejudiciaes á causa publica.

Um homem que está na politica e se julga com talento, estudos e conhecimentos precisos, capaz emfim de salvar a causa publica, devia dizer comsigo - vamos primeiro que tudo a salvar o país. A nossa hora chegará, se o país reconhecer em nós competencia, talento e patriotismo para o governar.

O momento e grave, como disse o Sr. Presidente do Conselho.

Tomou conta do Governo numa situação angustiosa e grave, das mais graves de que tenho conhecimento.

Todos que teem estado nas regiões do poder sabem bem qual era o estado da opinião publica, o grau a que chegou o espirito publico, as circunstancias em que todos nós estavamos, o terror que se apoderou de nós todos.

O Governo, tomando conta do poder naquella occasião, fez um grande serviço patriotico e entendo que elle ainda não desmereceu da confiança do país.

Tem o Governo governado com economia, com liberdade, com moderação, e com a lei, que são elementos bastantes para que se conserve no poder.

Eu lembro ao Sr. Presidente do Conselho que S. Exa. é um grande almirante, é um commandante experimentado, tem a bordo magnificos pilotos e patrioticos marinheiros e dedicados; pena é que se deixe ir pela borda fora, que se deixe empurrar. Aguente-se, não se deixe dar á costa nem consinta

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que o atirem pela borda fora para outro ir tomar o commando que está em boas mãos.

S. Exa. conhece bem quem são os zangãos da politica que o querem alijar. Defenda-se que não lhe falta quem o auxilie e o ajude a levar o navio a bom porto.

S. Exa. sabe bem onde estão, na carta nautica da politica, os escolhos; estão bem marcados os cachopos para se desviar, não deixe ir o navio de encontro a elles, previna-se e acautele-se, dê fielmente prova de que é uma pessoa experimentada e sabe navegar no mar furioso da politica como sabe navegar nos oceanos revoltos.

S. Exa. não é do meu partido, mas desejo tanto que S. Exa. se conserve no poder, como se fosse o meu partido que ali estivesse, porque ha muitos annos que pugno por um Governo que salve o meu país, governe com a lei, com liberdade e com moralidade e tenha muita cautela na applicação dos dinheiros publicos, porque o dinheiro do contribuinte é mais do que o seu sangue, é a sua vida, é o seu suor, é o seu labutar de todos os dias, de todas as horas.

Para entrar nos cofres do Thesouro os dinheiros do contribuinte, custam muitas lagrimas, muitos sacrificios, muitos desgostos e muitas inclemencias.

Lembre se S. Exa. que os impostos entram aos tostões e aos mil réis e saem muitas vezes inadvertidamente ás dezenas e até centenas de contos de réis.

O país merece que haja a maior moralidade e economia na administração dos dinheiros publicos, que se trate de desenvolver a sua riqueza, que se proteja a agricultura, que se dê protecção ás artes e industrias, que se mantenha a paz e o socego publico para poder trabalhar sem receio do seu futuro. O Governo, no meu entender, ainda não desmereceu da confiança publica. Conta com todos os elementos constitucionaes para governar. Tem maiorias disciplinadas e enormes nas duas casas do Parlamento, tem a confiança da Coroa, tem a opinião publica a seu lado porque nada tem feito para a perder.

Porque é então que deve cair?

Ainda hoje li um jornal, a - Lucia, - porque eu leio jornaes de todas as parcialidades politicas - não me convencem, mas gosto de os ler, como gosto de ver reunidos em minha casa cavalheiros de todas as parcialidades politicas: republicanos, nacionalistas, regeneradores, progressistas, é claro, e com todos discutimos amavelmente e á boa paz.

O Sr. Conde de Arnoso: - Tambem anarchistas?

O Orador: - Esses não! Os anarchistas são feras, e as feras não entram em minha casa. (Risos).

Mas, como ia referindo, a Lucta de hoje diz:

"Crise - Hontem, por desfastio, falava-se muito em crise ministerial. Os boatos do costume. O Sr. Ferreira do Amaral, que todos os dias se offerece para deixar o Governo, quando todos lhe pedem que fique, é homem para se conservar na Presidencia do Conselho, firme como uma rocha, quando lhe disserem que se vá embora".

Sr. Presidente, até os republicanos entendem que o Governo se deve conservar. E deve. É o seu dever, a sua obrigação.

Um militar brioso quando lhe confiam um posto de honra não o abandona senão na ultima extremidade.

Tomou o Sr. Ferreira do Amaral conta do Governo á queda do Sr. João Franco, que no seu ultimo periodo fez uma politica de odios, de rancores, de perseguições, de violencias, de atropelos, de ameaças e de terror.

Este ultimo periodo do seu Governo foi um verdadeiro sobresalto para o país. Parecia ter resurgido o Governo de D. Miguel Só faltou a força e o confisco aos nossos bens, mas se lhe dessem tempo lá chegariamos.

Na primeira phase da administração de S. Exa. fui eu um seu fervoroso admirador, e bastantes vezes aqui na Camara o defendi com o maior enthusiasmo.

Numa occasião dirigi-lhe palavras de tal louvor, tão encomiasticas, que um dos nossos collegas mais distinctos, que me honra com a sua amizade, e que aliás tem toda a confiança commigo, me disse que tinha pedido lápis e papel para as apontar, e disse para um vizinho do lado: "ainda hei de esfregar o nariz do Machado com as palavras que acaba de proferir".

Pois confesso que, se o Sr. João Franco tivesse continuado no poder, teria de confessar que, para vergonha minha, era verdade tudo quanto aquelle nosso distincto collega affirmava, e que me tinha enganado com as promessas que durante tanto tempo e em toda a parte o Sr. João Franco fizera.

Eu só tive a culpa de suppor que não podia haver um homem que, perante o país, fizesse affirmações tão categoricas para faltar a ellas, sem causa, sem motivo, sem justificação.

O nosso distincto collega tinha razão; eu fui um crente, e elle um vidente.

Mas é preciso confessar que o Sr. João Franco na sua primeira phase governou bem, e foi nesse periodo que eu o apoiei calorosamente.

Logo que elle se lançou na desordenada carreira da ditadura, não era difficil, Sr. Presidente, a quem não fosse leigo em politica, e a quem conhecesse alguma cousa da historia, calcular qual seria o resultado de tantas loucuras.

Havia decerto dar o mesmo resultado que deram, no nosso país e nos outros, processos analogos.

O Sr. Julio de Vilhena, com a perspicacia que todos lhe conhecem, previu os acontecimentos.

Profetisou S. Exa. que, se não se parasse no caminho desordenado por onde o Governo seguia, terminaria, ou num crime ou numa revolução.

Toda a gente de tino previa isso, e aconselhada El-Rei que parasse a tempo, e quando não quisesse que ao menos abdicasse para salvar a sua dynastia e o país de grandes calamidades.

Melhor fôra que o Sr. D. Carlos I tivesse abdicado quando lh'o aconselharam, melhor fora!

Não teriamos a esta hora a lamentar tão tristes acontecimentos!

Mas estava escrito no livro dos destinos que o Sr. D. Carlos havia de perder a vida por causa da teimosia do Sr. João Franco.

Sr. Presidente: eu aprecio os factos conforme o meu criterio, e já vou demonstrar que previ tambem as desgraças que se deram.

Fechou-se a Camara dos Senhores Deputados, abruptamente, quando um illustre membro d'esta casa, o Sr. José de Azevedo, tinha a palavra sobre a questão dos vinhos. Ficou em meio do seu discurso.

Porque foi isto?

Porque na Camara dos Senhores Deputados se quis tratar da questão dos estudantes de Coimbra.

Então se o Parlamento não ha de servir para tratar questões d'esta ordem, o melhor é irmo-nos embora Nas Côrtes devem-se tratar todos os assuntos que interessam á causa publica.

O país estava agitadissimo com a greve dos estudantes de todas as escolas originada por factos academicos succedidos na Universidade de Coimbra e aggravados pela teimosia do Sr. João Franco, que queria levar tudo a golpes de audacia e a actos de força.

A todos os actos de prudencia que lhe aconselhavam, respondia: nada; é necessario um acto de força.

E a final com um bocadinho de paciencia e de cautela tinhamos chegado a bom resultado.

Bastava que o Sr. Presidente do Conselho desse uma sessão para tratar d'este assunto.

Não se lembram V. Exas. d'aquellas celebres sessões de 1886 e 1890, quando o Sr. José Luciano foi pela primeira vez Presidente do Conselho?

Alguma vez S. Exa. pensou em fe-

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char o Parlamento pelo facto das sessões serem muito agitadas?

O Parlamento conservou-se aberto e o Sr. José Luciano só deixou o poder passados tres annos, por causa do ultimatum inglês.

Durante aquelle periodo, as desordens, os barulhos, as questões irritantes, as provocações, os insulteis pessoaes eram de todos os dias, e a Camara não se fechou. Eram interrompidas as sessões muitas vezes, mas o Parlamento continuou com os seus trabalhos.

Folgo muito com as declarações feitas pelo Sr. Ferreira do Amaral, de desejar viver com o Parlamento. É esse o melhor caminho que S. Exa. tem a seguir.

Naquelle periodo de 1886 a 1890, um dos mais bulhentos, um dos maiores arruaceiros era o Sr. João Franco. Partiam-se carteiras por tudo. Nem sequer se procurava um pretexto para fazer barulho.

Pois o Sr. João Franco, que foi o principal heroe das scenas passadas na Camara dos Senhores Deputados durante os annos a que acabo de me referir, não quis que no Parlamento se tratasse da questão academica, que impressionava todo o país.

Foi a sua desgraça.

Se o Sr. João Franco tivesse dado, ao menos, uma sessão para se discutirem aquelles factos, estava salvo. Bastava que a meio da sessão um Deputado requeresse para se prorogar a sessão até se esgotar o incidente.

Os nervos do chefe do Governo prevaleceram sobre um acto de prudencia e reflexão, que teria salvo tudo.

Fechou a Camara abruptamente e d'ahi a pouco dissolvia-a. Para quê, se a Camara estava fechada e não incommodava ninguem?

Depois seguiu se o que todos sabem.

Os actos de loucura succediam-se quasi ininterruptamente, pondo o país em sobresalto continuo. Parecia que uma atmosphera de chumbo pesava sobre a nação portuguesa.

Os mais prudentes, os mais reflectidos estavam alarmados sem saberem para onde os podia impellir o Governo com os seus actos despoticos.

Todos previam graves e tragicos acontecimentos. Toda a gente via que o cataclismo era inevitavel, pois factos analogos, em todos os tempos, produziram resultados semelhantes. Os povos nunca supportaram que os esmagassem sem reagir. Essa reacção tem levado mais ou menos tempo, conforme as epocas e as circunstancias, mas nunca falhou.

Vamos ao tempo da Inquisição, em que se levavam os homens e até mulheres ás fogueiras para serem queimados vivos, em que se emparedava gente, em que se faziam soffrer as maiores torturas aos que por uma simples denuncia não pareciam affectos á seita.

Qual foi o resultado?

Foi os povos reagirem e revoltarem-se, logo que puderam, e acabarem com quem tantos morticinios infligiu aos seus semelhantes.

Por fim acabou.

Levou tempo, mas não houve outro remedio senão exterminar aquellas feras humanas que tanto terror inspiravam á humanidade.

O que faz um individuo que não se pode manifestar e que não pode expor a sua opinião?

O que ha de fazer um individuo que se vê perseguido, que se vê atropelado nos seus direitos e nas suas regalias?

Reclama dentro da lei, protesta por todos os meios, reage como pode até ver se consegue justiça.

E se não consegue, que ha de fazer?

Trata de, por todos os meios ao seu alcance, readquirir os seus direitos. Isto é humano.

Até os proprios irracionaes, quando se vêem maltratados, se revoltam e reagem como podem.

O que aconteceu depois de 1807, quando a familia real embarcou para o Brasil e o país ficou dirigido por uma regencia inspirada pelo general Beresford, que esteve governando Portugal e que por todas as formas tratava de opprimir e de victimar o povo?

Foi obrigado a sair de Portugal depois da revolução de 1820.

Os seus processos despoticos, o seu genio autoritario, as suas constantes perseguições foram taes e tantas que enforcou na esplanada de S. Julião da Barra o eminente general Gomes Freire de Andrade, e os seus companheiros no Campo de Santa Anna, hoje denominado Campo dos Martyres da Patria.

Beresford. ainda não contente com os poderes que tinha, foi ao Brasil arrancar ainda mais poderes a D. João VI. Quando, regressou estava a revolução triunfante, que o não deixou desembarcar, vendo-se o país livre do seu despotismo.

Vem depois D. Miguel, que jurando a Constituição se proclamou pouco depois Rei absoluto.

Não contente com isto, começou a enforcar, a prender, a encerrar nas mais infectas masmorras os mais prestantes cidadãos d'este país, a confiscar os bens dos que não concordavam com os seus actos despoticos, emfim a praticar toda a especie de tyrannia.

O que lhe aconteceu?

Foi obrigado a sair de Portugal para não mais voltar, porque isto anda para deante e não para trás.

Se D. Miguel fosse um Rei liberal, se não fosse um despota, era decerto a sua descendencia que hoje ainda governaria Portugal. Se nesse tempo não tivesse havido Joões Francos não teria aquelle Rei terminado no exilio os seus dias.

Mais tarde apparcce-nos o Governo de Costa Cabral, que tambem quis governar á João Franco.

Qual foi o resultado?

Foi a revolução de 1846, a chamada revolução da Maria da Fonte.

Mas não foi só em Portugal que estes factos se deram e produziram os resultados que tenho apontado.

Em Espanha succedeu o mesmo, a Isabel II.

Em virtude dos processos analogos praticados pelos Ministro d'aquellas Rainha, Narvaes e Gonçalves Bravo, foi desterrada e tambem acabou no exilio os seus dias.

Vamos á França e á Inglaterra.

Porque é que Carlos I foi ao cadafalso?

Porque attentou contra as regalias parlamentares.

Porque é que Luiz XVI foi ao cadafalso?

Porque não tinha iniciativa alguma, e ora recuava, ora avançava.

Porque é que Luiz XVIII, Carlos X e Luiz Filippe foram destronados?

Por cousas analogas.

Pois a historia não é a mestra da vida?

Como era possivel haver uma excepção para um caso semelhante que se passava entre nós?

Não podia ser.

A historia, que é a mestra da vida, não serviu de ensinamento ao Sr. João Franco.

As mesmas causas produzem os mesmos effeitos em toda a parte.

O povo português é bom, amoravel, dedicado e trabalhador, mas é preciso que lhe respeitem os seus direitos e regalias.

A autoridade que for com elle afavel, attenciosa respeitadora e não queira expoliá-lo, que governe com a lei, que lhe dê todas as garantias de liberdade, que os seus maiores conquistaram á custa do seu sangue, não encontra difficuldades e é querida, estimada, respeitada e obedecida.

Não ha povo mais docil, mais submisso do que o povo português, quando lhe respeitam os seus direitos e a autoridade, em vez de ser despotica, é fraternal.

O grande erro do Sr. João Franco foi suppor o povo apathico, narcotizado, incapaz de reagir aos actos despoticos por elle praticados.

Suppôs que podia impunemente cal-

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cá-lo, esmagá-lo, trucidá-lo, que elle não tinha já sangue para reagir.

Esqueceu-se que este povo descende dos heroes de Aljubarrota, dos de 1640, dos que expulsaram os franceses, dos que repelliram os Cabraes. Esqueceu-se das leis atavicas e calculou que o povo que governava tinha perdido o caracter dos seus maiores.

Quando lhe recommendavam prudencia, tino e morigeração, respondia que era necessario um acto de força.

Quem pugnava pela manutenção das leis, das liberdades consignadas na Constituição, tinha menos garantias que o assassino, o incendiario, o ladrão.

Estes eram julgados segundo as leis do reino, aquelles eram submettidos á vontade despotica do ditador; atirados para as masmorras, incommunicaveis, sem poderem defender-se, sem poderem dar testemunhas, sem terem advogados, sem terem nada que lhes garantisse o poderem provar a sua inocencia.

O Sr. João Franco, não contente com o mal que estava causando ao país, desacreditava-nos lá fora e teve a imprudencia de mandar dizer que, quanto maiores fossem as difficuldades que tivesse de vencer, mais brilhante seria o seu triumpho.

Havia por toda a parte um mal estar enorme.

Não havia senão o terror. Nos homens, nas crianças, nas senhoras, em toda a gente. Parecia que uma atmosphera de chumbo pesava sobre todos nós. Eu escrevi em 1 de junho uma carta aberta a Sua Majestade El-Rei, que fiz publicar no Correio da Noite, carta muito respeitosa, e nem outra cousa eu podia nem devia fazer, por todos os motivos, em que expandia a minha alma, com o fim de ver se contribuia, ainda que com uma pequena parcella, para que se entrasse na normalidade, porque previa, como toda a gente, que o final da scena que se estava desenrolando não podia deixar de ser desastrado.

O Sr. Julio de Vilhena, que me está ouvindo, tambem bastantes diligencia empregou. Nada conseguiu, mas cumpriu o seu dever.

O Sr. Julio de Vilhena previu e previu bem que o caminho que as cousas iam seguindo terminava por um crime ou por uma revolução. Era inevitavel.

Na carta a que me estou referindo dizia eu, entre outras cousas, o seguinte:

"Quem toma o pulso ao sentir da nação pode reconhecer o perigo enorme que todos nós corremos; ha de reconhecer a gravidade do caminho em que o Governo se lançou, ha de reconhecer a anarchia que lavra nos espiritos".

Dizia mais, referindo-se ao Sr. João Franço:

"Este homem, que até ha pouco constituia uma esperança, constitue hoje um perigo grave, enorme, se Vossa Magestade não lhe oppuser sua regia autoridade".

Não era só em Lisboa que todos estavam aterrados, nas provincias acontecia a mesma cousa.

E eu, que era amigo dedicado do Sr. João Franco, fazia votos para que elle recuasse no caminho que ia trilhando, que todos viam, menos elle, que lhe havia de ser fatal.

Se S. Exa. se tem retirado na occasião em que viu que não podia cumprir o seu programma estaria em breve 10 poder.

Dizia eu ainda na referida carta:

"O Sr. Presidente do Conselho aniquilou. de repente todo o seu passado; enganou a nação, offendeu a Deus porque faltou ao seu juramento, comprometteu o seu Rei, que é Rei de nós todos, e lançou a perturbação no país, alarmando os espiritos pelo assombro que em todos causou o seu perjurio e repudio das suas affirmações.

A nação está assombrada perante a attitude do Governo, sem saber por onde todos nós caminhamos, que futuro nos espera a todos, Rei e povo, instituições e patria.

Do caminho em que o Governo se lançou pode sair tudo, perda das instituições e aniquilamento da nossa nacionalidade.

O respeito que devo a Vossa Majestade impede-me de ser mais explicito. Quem disser a Vossa Majestade que o país está tranquillo, que a opinião publica está com o Governo, engana-o.

A anarchia dos espiritos é enorme. O receio de futuros e pungentes acontecimentos é aterrador".

Sr. Presidente: o desvairamento do Sr. João Franco era de tal ordem que nem gostava que lhe dissessem a verdade.

Sei de um official do exercito com quem o Sr. João Franco ficou indisposto por o haver prevenido do perigo que corria.

Nada queria ouvir, a ninguem que na attender. Seguia o seu caminho num desvairamento doido, que o havia de precipitar no abysmo. Todos viam isto menos elle.

Sr. Presidente: desculpe-me V. Exa. e a Camara que leia ainda alguns periodos da carta:

"Eu fui dentro do partido progressista o mais fervoroso apostolo do Sr João Franco, fui o mais acerrimo propugnador da concentração liberal, fui na Camara dos Pares o mais enthusiasta pelas suas promessas governativas, porque me convenci que eram sinceros os seus propositos, de que eram leaes as suas palavras, de que era só e unicamente o bem da patria que o impulsionava.

Meu Senhor: - O Governo faltou a todas as promessas que fez a Vossa Majestade e á nação. Nada mais pode fazer de util e proveitoso. Agora, d'ahi por deante, só pode ser prejudicial preparar dias calamitosos á patria.

Assim, pois, Senhor, atrevo-me a implorar a Vossa Majestade que medite sobre a gravidade da situação que está atravessando o país.

Em Vossa Majestade eu confio, como confia o país inteiro, que neste momento solemne anceia pelo regresso á normalidade constitucional, para que os espiritos se tranquillizem e a nação socegue e progrida".

Sr. Presidente, assim finalizava eu esta carta, escrita 7 meses antes da fatal tragedia! Não fui um vidente, apenas traduzi a opinião do país. Não soube ser tão conciso como o Sr. Julio de Vilhena, mas traduzi com muita antecipação o seu pensamento. Sr. Presidente: eu apoiei fervorosamente o Sr. João Franco na primeira phase do seu Governo, com o maior enthusiasmo, não só porque o meu partido assim o determinou, mas tambem porque era esse o meu sentir, e muita pena teria se o partido a que pertenço me não desse liberdade para o poder fazer. Em eu não sentindo, já não sei falar, nem escrever, nem apoiar. Pus nesta carta, Sr. Presidente, toda a minha sinceridade. Estava desejoso de que Sua Majestade tivesse conhecimento do que se passava, e que reflectisse maduramente sobre o sentir da nação.

Estava certo de que El-Rei me não chamaria interesseiro, pois que não era o interesse que me movia, era apenas o amor do meu país, a tranquillidade d'este bom povo o que me impulsionava. Em 26 de junho publicava eu outra carta no Correio da Noite, porque via que as cousas se iam aggravando de dia para dia, e que o Governo caminhava a passos agigantados para a fatal ruina. Arrisquei-me a desagradar ao ditador; era o mesmo, cumpria o meu dever.

Nesta outra carta dizia eu, entre outras cousas, o seguinte:

"Triste gloria é a do Sr. João Franco! Não se lembra de que o seu sup-

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posto triunfo é ephemero, de que o seu poderio é transitorio? E depois? Não prevê o que lhe possa acontecer? Calcula que pode calcar as aspirações de uma nação inteira e que este estado de cousas pode durar muito tempo? E assombrosa a sua ingenuidade, é lamentavel a sua cegueira! Como pode imaginar que ha de governar muito tempo contra a vontade da nação?

Convence-se de que a opinião está a seu lado! Só uma verdadeira allucinação é que lhe não deixa ver o seu erro. Triste gloria a do Sr. João Franco!

Ainda ha pouco, adorado por uns, estimado por outros, indifferente aos restantes, é hoje odiado, escarnecido e execrado pela nação inteira.

Quanto não lhe teria sido mais util se tivesse caido quando não quis cumprir o seu programma.

Voltaria em breve tempo; assim, para viver mais uns dias, enterrou-se para nunca mais resuscitar. Morre politicamente odiado por todos, e nunca mais ninguem o acreditará, faça o que fizer, diga o que disser.

É com a alma repassada de pesar que lamento o seu estado pathologico, pois só com as faculdades alteradas se pode explicar tanta loucura e sem utilidade, nem para si, nem para o país, nem para o Rei".

Eu terminava a carta da seguinte maneira:

"Vá-se embora, já que não sabe governar com a lei, já que não sabe governar com a Constituição. Vá-se embora, já que não sabe governar senão a tiro, já que não sabe governar senão matando. Vá-se embora, porque não tem direito de nos trazer a todos com o espirito sobresaltado e inquieto".

Sr. Presidente: como V. Exa. vê, e a Camara, previ os acontecimentos com sete meses de antecedencia.

O Sr. João Franco devia ter abandonado o poder quando não póde ou não quis cumprir o seu programma.

Mas a sua ambição de mando não lhe deixou ver os perigos que corria, que eram previstos por toda a gente.

Cegou-o o gloria que suppunha ter alcançado e perdeu-se, perdendo o Rei.

Sr. Presidente: não era a ambição politica, que nunca tive, que me fazia escrever d'aquelle modo; era a convicção profunda de que caminhavamos para um precipicio.

A minha ambição unica era chegar a esta Camara, a que muito me prezo de pertencer.

Não é pouco, mas nos tempos que vão correndo vê-se que, quando se attinge a meta que cada um desejava, outra maior logo apparece. É raro que cada um esteja satisfeito.

Ainda bem que ha gente que tem aspirações, que caminha para um fim, que tem um norte, um ponto de mira. Eu já pouco poderei fazer, mas, ainda bem que ha muita gente com aspirações de governar o país, e que se julga com saber e competencia para tão elevadas funcções.

Nas conversas particulares aponta-se muita gente que, dizem, quer ser Presidente do Conselho, que se julga com envergadura para salvar a patria.

Ouço dizer que ha pelo menos oito politicos, não incluindo os chefes dos partidos, que teem a ambição, aliás legitima, de desempenhar tão elevado cargo.

Ainda bem que o nosso país tem tanta gente a tal altura.

O Sr. Arroyo, que fala sempre com muita graça, com muito talento, com muita elevação, dizia no outro dia aqui que os dois partidos não valiam dois caracoes, querendo assim amesquinhar os dois partidos e os pobres caracoes. V. Exa. julga que os caracoes não teem importancia? Engana-se. Teem importancia, e muita.

Valem bastante, são muito succulentos e alimenticios e teem ainda outras propriedades muito apreciaveis.

Eu sou da provincia do Algarve, onde se comem muitos caracoes, e V. Exa. se nunca os comeu não sabe o bom que é.

Mas o Sr. Arrojo, que quando fala tem sempre muita graça, é muito pittoresco, deixou-nos no outro dia encantados com os caracoes.

Eu logo mais alguma cousa direi sobre os caracoes. Agora basta que o Sr. Arroyo saiba que os caracoes não são tão inuteis como S. Exa. suppõe, e portanto o simile que quis fazer dos partidos não tem cabimento.

Se aquelles que pretendem amesquinhar qualquer cousa dizem que não vale dois caracoes, é que não sabem qual o valor d'estes animaezinhos.

Sr. Presidente: Era grande, como disse, o terror que se tinha apoderado dos espiritos. Só o Governo não via o perigo que as suas medidas iam produzindo.

Parecia que todos estavam a viver no Olympo, para poderem continuar indifferentes ao rugir da tempestade que se desencadeava.

Não falei com o Sr. João Franco, e tive pena, mas depois de certo tempo eu não me approximava d'elle. Constava pelos seus amigos que o Sr. João Franco não tratava ninguem bem. Estava muito irrascivel e até se dizia que para os seus collegas e para os seus mais dedicados correligionarios era muito desamoravel.

Eu sou muito cioso da minha dignidade e do meu nome, que me custou o meu trabalho a adquirir e a firmar, e não supporto que ninguem me trate com falta de paciencia. Quando prevejo que isso pode acontecer, afasto-me e não incommodo com a minha presença.

Sr. Presidente: eu tinha muita razão no que profetizava, porque conhecia o estado da opinião. O que eu escrevi não representava má vontade, nem odio ao Sr. João Franco.

Eu não odeio ninguem. Não sinto odio absolutamente por pessoa alguma. Tenho as minhas divergencias de opinião, mas não odeio. Não sei se sou odiado por alguem; se assim é, perdoo-lhe.

Tenho pena de ver um homem d'aquelle valor na situação em que elle se encontra.

Sr. Presidente: ainda varios artigos escrevi no Correio da Noite sem assinatura. Nenhum d'elles chamou á razão o Sr. João Franco nem os seus seis collegas.

Eu, na minha pequenez, empregava todos os meios possiveis para ver se conseguia qualquer modificação naquelle estado de cousas, para ver se conseguia que o Governo se fosse embora para socego de todos nós.

Quando o actual Governo subiu ao poder, estavam os espiritos perfeitamente anarchizados, ninguem sabia para onde se devia dirigir.

Ninguem sabia qual o caminho que devia tomar.

Este Governo tem prestado incontestavelmente grandes serviços á nação.

Tem acalmado os espiritos, que estavam alarmados, tem socegado com muita cautela e com muita brandura e muita ponderação.

Merece o meu applauso, porque é assim que se governam os povos.

O país deve ser governado com a serenidade possivel, com o maior criterio, com a maior circunspecção.

Fontes Pereira de Mello, o illustre chefe do partido regenerador, dizia que a força se representa pela figura de uma mulher de braços cruzados.

Os Governos só devem usar da força em casos excepcionaes, quando for absolutamente imprescindivel.

Sr. Presidente: consta-me que está muita gente zangada commigo, pela maneira porque eu me referi em uma

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das passadas sessões á guarda municipal.

Sr. Presidente: eu não desejo offender nem melindrar ninguem, nem gosto de ir contra a corrente da opinião; mas tambem não gosto de ir contra a minha propria consciencia.

Não gosto de offender ninguem, mas tambem não gosto de ver contrariado o meu modo de ver, desde que eu esteja absolutamente convencido da sinceridade com que aprecio os factos. (Apoiados).

O que eu vejo, Sr. Presidente, é que se faz uma grave injustiça na maneira como se aprecia o procedimento da guarda municipal.

Eu estou absolutamente convencido de que effectivamente se fez uma injustiça a esse corpo de segurança publica, por muitas e variadas razões, de entre as quaes notarei a de ter eu perto de quarenta annos de residencia em Lisboa e nunca, nesse lapso de tempo, ter o menor conflicto com a guarda municipal ou com a policia.

Mesmo quando era estudante, nunca estabeleci o menor conflicto com a força publica, e isto, Sr. Presidente, porque eu respeitei sempre a autoridade constituida e sempre lhe dei força, e lhe respeitei as suas indicações.

Quando eu por vezes tenho militado na opposição, ataco os Governos dentro do Parlamento, mas lá fora aconselho sempre o maximo respeito ás autoridades, para se conseguir a ordem, a paz, o socego e a tranquilidade.

Para se poder governar, a ordem é a primeira base de um Governo bem constituido, e de uma nação civilizada. Quando se apresentava um Governo contrario o meu partido declarava sempre pela voz dos seus homens mais eminentes que estavam ao lado d'esse Governo nas questões de ordem publica e nas questões internacionaes.

Já disse e repito, eu nunca tive o menor conflicto nem com a guarda municipal, nem com a policia, e não me consta que qualquer dos meus illustres collegas se tenha visto igualmente em conflictos com esses agentes da ordem publica.

Como é que se pode conceber um mau procedimento da parte da guarda municipal, quando ella é commandada por um dos coroneis mais distinctos do nosso exercito? (Apoiados). Por um official illustradissimo, disciplinador, instruido, bondoso, dotado de um coração magnanimo, e um verdadeiro patriota. (Apoiados).

Folgo de ter ensejo de prestar aqui a minha homenagem de respeito, e da
mais alevantada consideração a esse brioso militar que é a honra do nosso
exercito. (Apoiados).

A guarda municipal, alem d'isso, é constituida por officiaes, dos mais illustrados, dos mais correctos, dos mais pundonorosos e dos mais disciplinadores.

Pode dizer-se sem offensa que estes officiaes são a élite do exercito.

Pelo que toca aos soldados, tambem são recolhidos para este corpo os de melhor comportamento, os mais disciplinados, os de melhor garbo e os de melhor porte.

Só vae para aquelle corpo a fina flor do soldado português.

Porque é que a guarda municipal, ha de ter rancor ao povo? Porquê?

Seja o povo respeitador da força publica, acate as suas ordens, que são as que recebe dos seus superiores, que já não tem conflictos.

Não comprehendo, Sr. Presidente, o motivo por que a guarda municipal ha de provocar conflictos. O povo é que os provoca e a guarda não pode consentir em ser desrespeitada.

Toda a gente sabe que os soldados da guarda são escolhidos entre os do exercito, isentos de qualquer falta disciplinar.

Basta terem a mais pequena culpa para não serem recebidos na guarda municipal, e se commettem alguma falta depois de lá estar são immediatamente expulsos. Naquelle corpo não está ninguem mal comportado, quer militar quer civilmente.

Pode-se dizer que é um corpo perfeitamente seleccionado.

Ora, Sr. Presidente, eu não gosto de accusar sem provas, desejo provas, mas o que vejo? É que a maior parte da gente faz accusações á guarda municipal, sem bases, e é por isso que redijo um requerimento que vou mandar para a mesa.

Eu não gosto de censurar aquelles que não merecem censura, mas tambem não gosto de louvar aquelles que não merecem louvores, gosto de ser justo.

Pode ser que esteja enganado; se porventura alguns soldados da guarda municipal prevaricaram ou exorbitaram das ordens dos seus superiores, isso não desmerece dos meritos da guarda, porque em todas as classes ha bons e maus.

Numa corporação ou numa classe, porque um individuo se desvie do caminho direito, essa corporação ou essa classe não podem ser responsaveis pelo mau comportamento de um dos seus membros.

Ha d'isto em todas as classes; na ecclesiastica, na militar, na judicial, etc., etc.; portanto pergunto eu: como é que ha tanta má vontade contra a guarda municipal?

Na guarda municipal ha officiaes tão dignos como qualquer de nós.

Ha nesta casa militares que teem commandado tropas, que vendo-se aggredidos não ficariam decerto socegados; haviam de empregar meios suasorios e por fim empregariam a força, como tem acontecido muitas vezes. Foi o que aconteceu com a guarda municipal, certamente, no ultimo conflicto.

Eu lembro-me de uma occasião em que eu andava tratando da minha eleição; era um dia de feira e estava lá, para manter a ordem, um destacamento de cavallaria, que era commandado pelo Sr. Alfredo de Albuquerque, que é ajudante de Sua Alteza o Sr. D. Affonso. Houve um incidente qualquer e a cavallaria interveio, porque tinha sido apedrejada.

Foi mal recebida, avançou e eu á vista d'isso abri os braços, colloquei-me na frente da cavallaria que ia a galope e a cavallaria estacou! Se eu não apparecesse ali o digno commandante fazia pagar muito caro aos que tinham desrespeitado a força.

Alguem pode permittir que a força publica, sendo desrespeitada, não faça respeitar a farda que veste?

Não pode ser, queremos moderação, mas não desacatos á força publica; não queremos a força publica desrespeitada porque isso é uma desgraça para todos

Eu vou mandar para a mesa o meu requerimento, que é o seguinte:

"Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me seja enviada copia do exame directo feito a todos os feridos dos dias 5 e 6 de abril proximo e bem assim copia dos exames directos feitos aos projecteis encontrados nos corpos dos feridos ou no local dos acontecimentos.

Requeiro mais copia das declarações que a imprensa diaria da capital annunciou terem sido feitas pelo eminente clinico Sr. Conselheiro Curry Cabral, enfermeiro-mor do Hospital de S. José, quando, sobre os referidos acontecimentos, foi chamado a depor perante o Juizo de Instrucção Criminal.

Requeiro igualmente que, em occasião opportuna, me seja enviado pelo mesmo Ministerio copia da syndicancia de que está encarregado o Sr. general Leopoldo de Gouveia, sobre o modo de proceder da guarda municipal nos dias 5 e 6 de abril. = F. J. Machado".

Sr. Presidente: eu desejo documentos para fundamentar a minha apreciação, porque vejo que aquelles que estão atacando a guarda municipal não teem por ora elementos com que possam fazer com segurança as suas apreciações.

A mesma apreciação que faço dos officiaes da guarda municipal faço dos officiaes que estão á testa da policia, o distincto coronel Sr. Moraes Sarmento, os Srs. coronel Correia e tenente-coronel Dias, que são uns offi-

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ciaes muito disciplinadores, e outros officiaes que ali estão fazendo serviço e que, tendo todos dado provas da maior cordura, da maior dignidade em todas as commissões de serviço que teem desempenhado, não iriam manchar a sua farda praticando actos menos dignos, nem menos correctos.

Ora, Sr. Presidente, estou convencido que os officiaes, tanto da guarda, como da policia, lamentam como nós os tristes acontecimentos dos dias 5 e 6 de abril e a morte de tantos desgraçados que no seu desvairamento acommetteram a força publica, que se viu na necessidade de se defender para manter a ordem. Os documentos que pedi provarão qual o grau de culpabilidade que todos tiveram em tão lutuosos e lamentaveis acontecimentos.

Sr. Presidente: é possivel que a policia se tenha excedido uma ou outra vez, não digo o contrario, mas esses são logo castigados e vejo serem postos fora individuos por faltas que commetteram. Indague-se os castigos applicados aos policias que não procedam com prudencia e com moderação e ver-se-ha que a disciplina é a mais rigorosa naquella corporação.

Sr. Presidente: dêmos todo o prestigio e toda a força á autoridade publica para ella manter a ordem, que é o principal e indispensavel elemento de uma sociedade bem constituida e de um país civilizado.

Sr. Presidente: as cousas estão de tal ordem que ninguem quer tomar a responsabilidade dos acontecimentos dos dias 5 e 6 de abril, nenhum grupo, nenhum partido, nenhuma agremiação quer para si a responsabilidade. Todos enjeitam os factos succedidos, que não ha ninguem, repito, que não lamente.

Sr. Presidente: tem havido quem censure o Governo por ter sido benevolo e não ter reprimido logo com toda a energia as desordens a que me estou referindo, mas o meu criterio diz-me qual foi o motivo por que o Governo no primeiro momento entendeu não o dever fazer.

Estava a correr a eleição, que o Governo caprichava seguisse com toda a regularidade.

No dia 5 ainda não tinha concluido o acto eleitoral, e portanto não seria bom empregar a força armada para reprimir a desordem, porque diriam os adversarios do Governo e das instituições que se tinha feito isso de proposito para impedir o livre accesso da uma e a maior liberdade no acto eleitoral.

Assim que acabou o acto eleitoral o Governo manteve logo a ordem, no que andou muito bem. Muita gente censurou o procedimento do Governo pela sua brandura.

A anarchia chegou a tal ponto que ninguem andava em segurança nas das da capital, nem mesmo os estrangeiros foram respeitados.

A turba multa atacava as redacções dos jornaes que lhes desagradavam, emquanto que a outras eram feitas manifestações de agrado.

Isto são factos incontestaveis, que todos presencearam.

Foram apedrejadas as redacções do Popular, do illustrado e do Portugal. Ninguem estava em segurança. A cidade esteve á mercê d'essa horda de arruaceiros, que a tudo se abalançou, suppondo que o Governo a temia.

Era possivel por mais tempo deixar uma cidade nesta anarchia, em que houve receio de serem as nossas casas assaltadas, as nossas familias victima das nas das e as senhoras impedidas de sair?

Pode levar-se a mal que se reprima por meios brandos, se isso é possivel, ou por meios mais ou menos, energicos, quando os brandos não dão resultado, estes factos que envergonham uma capital, e que se ponha, termo a este estado de cousas?

Entendo que nós não podemos, nem devemos deprimir a força publica, por que ella empregou os meios que póde para acabar com a anarchia e que lavrou em Lisboa nos dias 5 e 6 de abril.

Queriam que se deixasse a capital entregue á matulagem e a força da municipal e da policia recolhesse a quarteis, para deixar os desordeiros á vontade?

O que podemos, se essas forças estão mal organizadas, é exigir uma nova organização, e se ha alguem que mereça castigo seja castigado, porque eu concordo que quem tem uma arma na mão deve fazer uso d'ella com a maxima prudencia, principalmente contra o povo, e só em ultimo extremo.

Nisto estou eu de acordo. Agora exigir que a força não se defenda, se for aggredida, e que se mio faça obedecer, isso é que excede os ultimos limites.

Ninguem, nem mesmo qualquer membro do partido republicano, tem mais advogado os interesses do povo do que eu.

Toda a minha vida tenho pugnado pelos que soffrem e pelos desvalidos da fortuna, pelos infelizes que não teem protecções. Os que me conhecem sabem bem que a minha maior felicidade é quando posso minorar os soffrimentos dos desgraçados, desvalidos da fortuna.

Tenho tanta segurança no que affirmo que estive já para ir só a um comicio falar ao povo, para lhe dizer que ninguem tem pugnado mais pelos seus direitos, advogado mais os seus interesses do que eu, e queria ver a liberdade que me davam. Desejava dizer que ninguem tem sido mais patriota, nem tem sido mais amigo do povo do que eu. Desejo que elle viva o melhor possivel, que tenha a liberdade ampla a que tem direito, mas dentro da lei, dentro da ordem, com cordura, com moderação. Tão censuraveis são os actos despoticos emanados das autoridades, como a anarchia em que o povo se lance, não querendo obedecer a ninguem e entendendo que não deve haver limites á desordem.

A desordem deve ser reprimida custe o que cultar. Primeiro por meios brandos, suasorios, e se estes não derem resultado é indispensavel ir aos extremos, custe o que custar, da a quem doer.

A condescendencia tem limites, pois alem d'ella não é liberdade, é anarchia.

Sr. Presidente: disse-se que o exercito é mais disciplinado que a guarda municipal; logo que veio para a rua não houve mais desordem nenhuma!

Não me admira. O exercito só casualmente vem para a rua e só accidentalmente é obrigado a manter a ordem publica, emquanto que á guarda municipal ha mais má vontade, porque tem por missão reprimir as desordens e apparece mais vezes para reprimir e tem tido a infelicidade de fazer algumas victimas. As vezes que ella tem feito victimas, não sei se tem recebido superiormente ordem para isso. Mas se não ha tanta má vontade contra o exercito é porque o povo o não aggride e pelo contrario o victoria quando apparece.

Os que apedrejaram a guarda municipal deram vivas ao exercito, por isso este nada tinha a fazer desde que foi obedecido nas ordens que deu. Apedrejem o exercito como apedrejaram a guarda e verão depois o que lhes succede. Façam como eu, que não desobedeço ás ordens que me dão, que já não succede nada. Na noite de 18 de junho, quando o Sr. João Franco veio do Porto, d'aquelle celebre jantar congratulatorio das bonitas obras que praticara, transformando-se em absolutista e faltando a todas as promessas feitas ao país e aos juramentos a Deus e querendo que o recebessem festivamente com palmas e vivas á sua chegada, o que representava uma verdadeira provocação, eu fui á gare do Rocio.

Fui ali no cumprimento do meu dever e do meu direito, que me parecia ninguem poder contestar. Não. ia fazer desordens, nem incitar as desordens, nem associar-me a desordens.

Queria associar-me muito ordeiramente aos que pediam o restabelecimento da Carta Constitucional, que tinha sido rasgada, espezinhada, queria pugnar pelo cumprimento da lei. Tentava o restabelecimento da Carta Cons-

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titucional, que tantas vezes me tinham feito jurar quer como militar, quer em todos os actos da minha vida civil. Como militar a lei impunha-me a obrigação de defender a Carta Constitucional, por isso eu tentava todos os meios dentro da ordem para conseguir o seu restabelecimento.

Fui portanto á estação do Rocio na noite da chegada do Sr. João Franco do Porto, onde todos sabiam que os seus amigos lhe preparavam uma manifestação que não era mais do que acirrar os animos já sobreexcitados por tanta provocação.

Succedeu o seguinte quando eu estava na gare com um grupo de amigos, na maior intimidade:

Chegou-se junto a mim um soldado da municipal, de bayoneta callada, e disse-me:

- Tenho ordem de não consentir pessoa alguma na gare.

A esta frase respondi eu:

- Está aqui gente de ordem. Eu não venho aqui fazer mal a ninguem. Ao que o soldado me respondeu:

- A ordem que tenho é pôr os senhores lá fora.

- A gare - disse eu ao soldado - não pode ser de uma parcialidade politica. Eu só venho aqui para pedir que se restabeleça a Carta Constitucional e o imperio da lei.

O soldado ficou muito atrapalhado, mas eu não queria deixar o soldado em má situação, porque decerto tinha recebido ordena para assim proceder e mesmo porque me tratara com toda a urbanidade.

Dirigi-me então ao Sr. Ministro da Guerra, que estava a pequena distancia, a quem contei o que se passava e perguntando-lhe se a gare era só para os seus partidarios, pois ali havia gente até quasi á boca do tunnel que não era mandada retirar.

S. Exa. respondeu-me que podia sair, porque todos iam sair igualmente. Obedeci immediatamente e sai.

Nessa noite o Rocio parecia um campo de batalha, houve tiros dados pela guarda municipal.

Parece-me extraordinario que a guarda municipal começasse a dar tiros para o povo sem ordem superior.

Não pude averiguar se a guarda foi ou não provocada, mas decerto que a guarda não faria fogo sem para isso. ter recebido ordem muito instante.

São estas cousas que fazem com que o povo tenha má disposição para com a guarda municipal, porque ella é pela sua natureza encarregada de executar as ordens que recebe dos varios Ministros, como succedeu com respeito aos cidadãos que naquella noite estavam pacificamente na gare da estação do Rocio, para contrapor manifestação á manifestação que os amigos do Sr. João Franco lhe queriam fazer na volta da sua provocadora viagem ao Porto, onde tão mal recebido fôra. O Porto, cidade liberal por excellencia, não podia supportar sem protesto que ali se fosse fazer exhibição, do despotismo e pelo seu patriotico procedimento revindicou as suas nobilissimas tradições. Sr. Presidente: era para fazer estas considerações que eu tinha pedido a palavra antes da ordem do dia e como me não chegou pedia-a na resposta ao Discurso da Coroa.

Estas cousas agradam a uns e desagradam a outros, mas não podem deixar desse dizer.

Sr. Presidente: passo agora a referir-me á instrucção primaria, de que já outro dia me occupei, mas muito resumidamente.

Lamento que na resposta ao Discurso da Coroa se não fizesse uma referencia ao assunto. (Apoiados).

A instrucção primaria está num chãos e é preciso dar-lhe remedio pronto. A Camara vae ver que eu não fui exagerado nas considerações que fiz ha dias e ainda não tinha os documentos que hoje possuo, nem o conhecimento completo dos grandes absurdos em que se baseiam os programmas a que já me vou referir.

Eu fiquei admirado com a infinidade de materia que se exige ás crianças com sete, oito e nove annos para fazerem exame do primeiro grau de instrucção primaria.

Disse, e repito: nenhum de nós, se fosse fazer agora exame, ficava approvado.

Eu não gosto de fazer affirmações que não possa provar.

Peço licença á Camara para ler alguns trechos do programma, pois que sem documentos á vista não se acredita.

Isto não pode continuar, a mocidade fica anemica, doente, damos cabo d'ella, e em vez de fazermos sabios como pretendem, fazemos cretinos; pois o cerebro das crianças fica atrophiado com tanta cousa que lhe exigem em tão verdes annos.

Ora ouça a Camara o que se exige o uma criança de sete e oito annos para o exame de instrucção primaria do primeiro grau.

Alem do que se exigia no nosso tempo e que era razoavel pede o programma mais o seguinte:

Rudimentos de agricultura pratica: "Plantas, arvores e arbustos - descrição dos orgãos principaes das plantas. Raizes, caules, folhas, flores e frutos. Exemplos de plantas uteis e industriaes, alimenticias, ferruginosas, texteis, oleaginosas, tintureiras, medicinaes e venenosas".

Ora pergunto: qual é o meio que se proporciona ás crianças para poderem estudar este assunto; haverá algum jardim botanico em cada escola onde se vá estudar tanta especie de plantas? E notem V. Exas. que o programma pede rudimentos de agricultura pratica. Como se ministra esta pratica? Só se podia conseguir mostrando ás crianças esta especie de plantas.

Não ha, nem nas escolas nem proximo, nenhum terreno onde estas plantas existam. Não ha nada.

Mas não é só isso; V. Exas. vão ficar assombrados; ha mais:

"Terra, sua composição. Conhecimentos das diversas especies de terreno, argiloso, calcareo, silicioso e mimoso, por meio de amostras de cada especie, conservadas em frascos. Como se modifica a natureza dos terrenos por meio de adubos e correctivos; diversas especies de uns e outros, e effeitos que produzem".

Imagine V. Exa., Sr. Presidente, como é que com uma pequena porção de terra mettida num frasco os rapazes nesta idade de sete a nove annos hão de saber o que é um terreno arenoso, argiloso, calcareo ou humoso? Mas consta-me que nem esses frascos de terra existem nas escolas.

Ha ainda mais e melhor.

"Sementeira, mergulhia e enxertia, drenagem, afolhamentos, cultura e tratamento do pinheiro, sobreiro, castanheiro, oliveira e outras arvores frutiferas, que abundam no nosso país, dos legumes e cereaes; cultivo da vinha. Cuidados que exige cada uma d'estas culturas, trabalhos essenciaes e epocas em que mais convem fazê-los.

Fabrico e conservação do vinho e do azeite de oliveira".

Sr. Presidente: isto é quasi um curso de agronomia e talvez que alguns agronomos não o saibam.

A este respeito eu vou contar um facto que se deu commigo numa escola agricola.

Sendo eu governador civil de Santarem, e tendo visitado differentes estabelecimentos de instrucção, fui um dia acompanhado por uma senhora visitar a escola agricola de Santarem; não declarei a minha qualidade official, disse apenas que desejava visitar a escola, não encontrei o director, nem nenhum dos professores, por já ser tarde, talvez 5 horas tarde, no verão.

Quem me acompanhou e mostrou a

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escola foi um alumno que tinha acabado o curso.

Faltava lhe só o exame; disseram-me ser o mais distincto da escola.

Depois de me ter mostrado tudo, a senhora que me acompanhava disse-lhe que talvez precisasse de um regente para dirigir as suas propriedades agricolas, e perguntou-lhe como é que elle tratava os terrenos para horta e o que lhe semeava.

Respondeu-lhe que semeava couves e nabos, nabos e couves, e nada mais. Perguntou lhe outras cousas, como por exemplo, para prados artificiaes, o que semeava. Respondeu-lhe que luzerna e trevo, e mais não sabia.

Perguntou-lhe tambem qual era a raça melhor de vacas leiteiras, tambem não lhe soube responder.

Ora isto era um rapaz, que tinha já um curso agricola de tres annos e proximamente 20 de idade; como é que a uma criança de sete ou oito annos se exige tudo isto?

Exigir a uma criança de tão tenra idade tudo isto que aqui está é absurdo; é para fazer idiotas em vez de sabios de nascença.

Mas continuemos.

Exige mais o programma:

"Criação das aves domesticas, sua importancia pela producção e crescente consumo dos ovos, cuidados que reclama; chocadeiras, alimentação e engorda das aves; principaes doenças que as atacam; meios de as evitar e remedios que devem empregar-se.

Serviços que as aves insectivoras prestam á agricultura. Insectos uteis. A abelha e o bicho de seda. Importancia da criação do bicho de seda e das abelhas, como se faz e cuidados que reclama. Metamorphose dos insectos. Insectos prejudiciaes.

O besouro e a sua larva, a lagarta, a borboleta e o gafanhoto, os mosquitos, etc.

Conhecimentos por meio de desenhos dos mais usuaes instrumentos aratorios e diversas machinas de lavrar, ceifar, debulhar, moer cereaes, traçar as forragens para o gado; prensas para a fabricação do azeite e do vinho; bombas para esgoto e regas; machinas aperfeiçadas para o fabrico da manteiga e queijo, etc.".

E por fim termina esta parte do programma com o seguinte:

Este ensino deve ter uma feição tão pratica quanto possivel e pode ser ministrado em lições de cousas".

Fantastico!

Sr. Presidente: isto é uma verdadeira caçoada, uma verdadeira troça.

Não esqueça a Camara que tudo isto é ministrado a crianças, tanto do sexo masculino, como do feminino, em idade inferior a dez annos.

Mas onde existem nas escolas primarias todos os modelos d'essas machinas, que o programma exige, para que este ensino possa ser ministrado praticamente como o programma exige?

Não me consta que haja em parte alguma.

O que eu duvido é que os proprios professores saibam todas as materias do programma e tenham competencia para as explicarem aos alumnos.

E não querem V. Exas. que eu aposte com segurança que nenhum de nós está habilitado a fazer tal exame? E se fossemos submettidos a elle, e exigissem todas as materias, era reprovação segura.

Para terminar a analyse do programma do 1.° grau de instrucção primaria, vamos ao fecho.

Desenho:

"Gonstrucções graphicas muito simples, com auxilio de regua, esquadro, compasso e tira-linhas.

Traçado de linhas rectas, quebradas, curvas e mistas em varias posições.

Angulo recto, agudo e obtuso, rectilineo e curvilineo.

Polygonos regulares e irregulares.

Triangulo equiletero, isosceles e escaleno.

Quadrado, parallelogrammo., losango e trapezio.

Pentagono, hexagono, heptagono, octogono, etc.

Circunferencia, circulo, centro, diametro, raio, sector, arco, corda, segmento, secante, tangente, circunferencias excentricas, tangentes e secantes.

Copia de estampa (continuação), representando objectos de uso commum"

E aqui finaliza o programma para a instrucção primaria do l.º graau, que é feito para crianças antes dos dez annos.

Fantastico, para não lhe chamar criminoso; que não é outra cousa o que se exige a crianças da idade que tenho mencionado.

Eu nunca me atreveria a approvar um programma d'estes.

São inutilidades para crianças de sete e oito annos e que só poderão servir para lhes atrophiar o cerebro.

Eu já fui alguns annos professor de mathematica e introducção e tive de me haver com cada matuto, já velho, que para lhe metter cousas d'estas na cabeça sabe Deus o que me custava. (Risos}.

Calculem agora V. Exas. o quanto não custará a uma criança de sete e oito annos para aprender ou comprehender tudo isto.

É simplesmente assombroso este programma para o 1.° grau de instrucção primaria.

O que se exige no 2.° grau não tem então classificação.

Farei tambem a analyse do programma respectivo, mas antes d'isso permitta-se-me que eu abra um parenthese, para me referir ainda a uma passagem do discurso do Digno Par Sr. João Arroyo.

Isto servirá tambem para amenizar um pouco a exposição dos assuntos que estou tratando.

Disse aqui, nesta Camara, aquelle Digno Par, que os dois partidos monarchicos não valiam dois caracoes.

De certo que S. Exa., para fazer tal affirmação, inspirou-se nas suas proprias observações; fez a critica do que tem ouvido dizer e do conhecimento proprio dos factos.

Eu gostava de saber de onde S. Exa. e os que estão nos seus casos, hoje fora dos partidos, nasceram, cresceram e medraram.

Não foi dentro da casca dos caracoes?

Naturalmente envolveram-se na baba que elles largam e soube-lhes muito bem.

Não veja, porem, o Digno Par Sr. Arroyo nenhum intuito de o melindrar com estas minhas palavras. Nunca desejarei melindrar S. Exa., nem ninguem.

O Sr. João Arroyo quis dizer que os partidos não valiam dois caracoes, evidentemente no sentido de desprestigiar os mesmos dois partidos e mostrar que não tinham força nem valor; não valiam nada, suppondo que os caracoes não teem valor absolutamente nenhum, para nada prestam.

Não é assim. Os caracoes teem algum valor: são muito suculentos, muito alimenticios e teem ainda outras qualidades dignas de apreço.

Reconhecerá S. Exa. que está laborando num engano, se se der ao incommodo de fazer uma viagem pelo Algarve e ali lhe proporcionarem uma refeição de caracoes.

Então verá que elles sempre teem algum valor, porque constituem um petisco de primeira ordem.

Emprega-se muita gente a apanhar os caracoes que se encontram nos troncos das amendoeiras, das figueiras, das oliveiras e das arvores frutiferas, porque são nestes que se encontram os melhores caracoes e se podem comer sem receio.

É um petisco saborosissimo.

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Depois de apanhados lavam-se muito bem lavadinhos (Risos), cozem-se em agua com bastante sal e oregos e obtem-se, como já disse, um petisco de primeira ordem.

Só pode amesquinhar os caracoe quem nunca os tenha comido.

Sr. Presidente: é facil amesquinhar os partidos, como o é amesquinhar qualquer cousa; porem é impossivel mostrar que os dois grandes partidos monarchicos não constituem duas grandes forças politicas que sustentam a instituições.

Nesses partidos, que não valem dois caracoes, estão os homens de mais valor do país, de mais força, de mais prestigio.

São apoiados pela grande força da nação.

A quem sabe mais do que eu, pergunto: como será possivel governar o país com estes individuos que não gostam de caracoes?

Como se poderá governar um pais sem o apoio de qualquer partido?

A Camara dos Senhores Deputados ainda seria possivel arranjá-la á sua feição, usando processos violentos, e que muitas vezes tem sido empregado, com uma lei bem preparada, e ainda assim duvido; mas esta dos Digno Pares? Reformavam-na? Modificavam-na?

Qual era o processo?

Só se a ideia fosse de se fazer logo ditadura para nos exterminar a todos. Do contrario não percebo como os individuos fora do partido se lembram governar sem o apoio de qualquer d'elles.

Duvido que o conseguissem.

É uma utopia semelhante aspiração. Mas se tal succedesse, para desgraça de todos nós, lembro os exemplos que já citei.

Nada ha de peor do que ferir quaesquer individuos ou quaesquer entidades, nos seus interesses, no seu orgulho e na sua dignidade. Ponderem bem os meus illustres collegas da sorte que nos espera se os individuos que não gostam de caracoes chegassem um dia a governar. A Camara dos Pares estava ameaçada de exterminio.

O Sr. Luciano Monteiro: - Isso seria acreditar que foram os caracoes que tiveram a culpa de todas as cousas.

O Orador: - Os caracoes defenderam lealmente e patrioticamente o seu Governo, com uma isenção, com um desinteresse digno de registo e como não ha memoria.

Só o bem do país nos impulsionou. Deram-lhe a mais efficaz cooperação.

O Sr. Luciano Monteiro: - Essa cooperação foi agradecida tão intensamente, tão intimamente, que numa cri se ministerial foram offerecidas quatro pastas aos caracoes progressistas, que as recusaram.

O Orador: - O partido progressista recusou os Ministros que lhe offereciam, como recusou os governadores civis, Pares do Reino, etc., quando se constituiu o Ministerio do Sr. João Franco.

Era mais elevado o seu intento.

O illustre chefe do partido progressista declarou que o partido não que na nem postas nem pastas; que contemplasse o Sr. João Franco os seu amigos e só lhe daria pessoas para desempenhar quaesquer cargos quando S. Exa. as não tivesse no seu partido.

Parece-me que não pode haver maior isenção, a que se não estava muito acostumado na politica portuguesa.

Eu estou habituado a responder V. Exa., Sr. Luciano Monteiro, com muita cortesia.

O partido progressista não é este caracol a que V. Exa. se refere. Sou amigo de V. Exa., não desejo quebrar as relações de amizade que nos ligam ha muitos annos e, se V. Exa. se melindra com as minhas palavras, não continuo.

O meu fim é relatar os factos como elles se passaram, sem acrimonia, seu azedume e para os quaes fui levado pelas observações de V. Exa.

O partido progressista, ou este caracol, desinteressadamente, logo no principio do Governo disse: "nem pastas, nem postas!" e cumpriu honradamente as suas declarações.

Nós estavamos alliados e não fundidos, e alliados continuariamos até o fim, se o Governo tivesse procedido como procedeu até a dissolução da Camara dos Senhores Deputados, sem causa ou motivo que justificasse tal medida e sem nada dizer ao seu alliado que tão nobremente o tinha auxiliado. Quando nos constou que o Sr. João Franco vinha pedir Ministros ao partido progressista eu disse logo que não lh'os deviam dar porque isso era transformar a alliança numa fusão.

É possivel que essa fusão se viesse a fazer mais tarde, mas nós entendemos que era cedo.

Uma noite disse eu, em casa do meu chefe, que não se podia nem devia fornecer Ministros porque estavamos alliados e não fundidos e parecia que nos pediam Ministros para nos absorverem, cousa que o partido progressista não queria.

O Sr. Luciano Monteiro: - Nunca se viu a parte menor absorver a maior.

O Orador: - Nós eramos em maior numero, é facto, mas V. Exas. estavam
em maior força porque estavam no Governo, tinham o poder na mão.

Pois então o Sr. João Franco dirige-se ao chefe do partido progressista e pede-lhe que lhe dê os Ministros que elle julgava necessitar - fulano para a pasta de tal, sicrano para a de tal e beltrano para outra - e nem ao menos deu ao chefe do meu partido a liberdade de os indicar?!...

Esses, ou nenhuns! Era uma imposição formal, categorica. S. Exa. queria já impor-se ao partido progressista, não lhe dando sequer a faculdade de escolher as pessoas que haviam de ser competentissimas para sobraçarem as pastas dos Ministros que saiam.

O Sr. Luciano Monteiro: - Isso ignorava eu.

O Orador: - Isto que digo é a mais absoluta verdade.

O Sr. João Franco esteve em casa do meu chefe em conferencia que durou mais de 5 horas, pedindo nessa occasião, para Ministros, os Srs. Antonio Cabral, Moreira Junior e Conde de Penha Garcia. As pastas eram respectivamente a da Justiça, Fazenda e Estrangeiros.

Dois dos solicitados, principalmente, oppuseram uma tenaz resistencia: o Sr. Antonio Cabral, porque o seu estado de saude lhe não permittia; o Sr. Moreira Junior, por outras circunstancias decerto muito attendiveis.

O Sr. Conde de Penha Garcia não sei que razões apresentou. E houve quem dissesse - mas, Sr. João Franco, dentro do partido progressista não havia mais gente para ser Ministro? "Havia, não duvido, mas eu só quero estes, ou nenhuns"! Era o autoritarismo levado ao extremo.

O Sr. João Arroyo: - Então o partido progressista não recusou a sua cooperação ao Governo regenerador liberal, o que não admittiu foi a indicação de nomes.

O Orador: - Exactamente. O partido progressista, estando alliado com o Governo do Sr. João Franco, não desejava quebrar essa alliança e desejava que esse Governo continuasse; entendia que, visto que elle dizia que não podia governar sem o auxilio do partido progressista, devia auxiliá-lo dentro dos limites possiveis, compativeis som a sua dignidade. Não queria recusar os meios ao Sr. João Franco de continuar a governar.

Mas mesmo por outra razão nós percebemos que nesta exigencia havia pressa de nos absorver. Nós não queriamos fusão. Havia de fazer-se, naturalmente, mais tarde essa fusão, com

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geitos e maneiras, e o processo havia de ser este:

Quando o Sr. João Franco viu que não podia governar com o seu programma o que devia ter feito era demittir-se, devia lembrar-se que tinha feito promessas solemnes ao país a que lhe não era licito faltar, sob pena de se perder.

Querer apanhar peras antes de estarem maduras é sempre mau, e as peras ainda estavam verdes.

O Sr. João Arroyo: - E então que pera! O Sr. José Luciano.

O Sr. Presidente: - Peço ao Digno Par que não interrompa o orador.

O Orador: - Não se incommode V. Exa., nós somos todos amigos e estamos aqui falando á boa paz. Não me incommodam os apartes e até gosto d'elles.

Eu desde já declaro que me sinto muito á minha vontade.

Aos ápartes responderei como souber, puder e entender. Mas o Sr. José Luciano é um homem muito serio, muito leal e cumpre sempre os compromissos que toma, ainda que o Sr. Arroyo imagine que elle é um caracol que nada vale. Vale muito.

Torno a repetir, se S. Exa. quiser dar um passeio ao Algarve recommendo-lhe que não deixe de saborear um petisco de caracoes, que é muito saboroso. Se os comer uma vez fica a chorar por mais.

O Sr. Luciano Monteiro: - O orador o que certamente ignora é a culinaria dos caracoes.

Sabe S. Exa. como os caracoes ficam saborosos?

É deixando-os em salgadeira durante quarenta e oito horas.

O Sr. Presidente: - Peço ao Digno Par que deixe os molluscos e trate de outro assunto.

O Orador: - Isto era uma conversa muito á boa paz, mas acato a advertencia de V. Exa. e assim passo a analysar o programma da instrucção primaria do 2,° grau, que não é menos edificante do que o do 1.°, isto é, para o estudo das crianças com dez annos, porque antes d'esta idade não podem fazer exame do 2.° grau.

Este programma exige o estudo das materias que já eram leccionadas no nosso tempo e mais as que vou mostrar á Camara.

Rudimentos de sciencias naturaes, especialmente applicaveis á agricultura e á hygiene.

"Ideia da materia, corpo e dos tres natureza, animal, vegetal e mineral

Divisão dos corpos em solidos, liquidos e gazosos.

Exposição summaria de alguns effeitos que sobre os corpos produzem, como agentes naturaes, a gravidade, o calorico, a electricidade, o magnetismo, o som e a luz.

Calculem V. Exas. que isto é o estudo para uma criança de dez annos.

Applicação da electricidade!

Aos carros electricos, por exemplo.

Calculem V. Exas. o quanto não será difficil explicar isto a uma criança de dez annos, de maneira a ficar comprehendido por essa criança.

Se se perguntar mesmo á maior parte dos professores de instrucção primaria a explicação respectiva não a darão cabalmente.

(Leu).

Eu proprio não saberei dizer quaes são as prerogativas de que gozo como Par do Reino, porque não tenho tido curiosidade de saber.

Exige mais o programma:

"A queda dos corpos.

A terra e os astros.

Attracção universal.

Combustão e chamma.

Thermometros.

Vapor e suas applicações.

Corpos bons e maus conductores do calor.

Tecidos que devem usar-se no vestuario, conforme as idades, estações e climas".

Mão estão V. Exas. Admirados de que se exija tanto estudo a uma criança.

É preciso que nos unamos todos para salvar as novas gerações porque estão a dar cabo d'ellas.

Continuo na apreciação do extraordinario programma:

"Condensação dos vapores.

Nuvens, relampagos, trovões, faiscas electricas, pára-raios.

Applicação da electricidade, faiscas electricas.

Corpos bons e maus conductores.

Bussola.

Vento.

Chuva.

Orvalho.

Geada.

Gelo e granizo.

A luz.

Corpos luminosos, transparentes e opacos, arco-iris".

"O corpo humano, sua divisão em cabeça, tronco e membros; nomes e situação dos ossos compridos. Os dentes, sua importancia na vida humana, cuidados que deve merecer a sua conservação.

Descrição summaria do apparelho digestivo; alimentos azotados e não azotados; condições a que deve satisfazer uma boa alimentação, conforme o sexo, estação, clima e modo de vida habitual; escolha das aguas potaveis; prejuizos que resultam do uso de aguas impuras; meios de as conhecer e purificar; consequencias funestas do abuso de bebidas alcoolicas".

Sr. Presidente e meus senhores: quem ha ahi que se atreva a responder a todas estas perguntas e ainda ás que se vão seguir?

E ha nesta casa cavalheiros da mais elevada instrucção, do maior saber, mas decerto não se julgariam de pronto capazes de responder a todas estas perguntas, que, repito, são para crianças de 10 annos.

Continuo:

"Importancia do ar atmospherico; sua composição; em que condições é saudavel. Consequencias fataes para a saude que podem resultar por se respirar ar viciado. Asphyxia. Viciação do ar, pela accumulação de individuos, sãos ou doentes, num espaço limitado, pelos gazes e emanações dos canos de esgoto, ou fossas para despejos de immundicies, pelos gazes provenientes de putrefacção de materias organicas, pelas exalações dos pantanos, pelas emanações ou poeiras a que estão sujeitos os individuos que exercem certas profissões, pela combustão ou fermentação de varias substancias. O ar, constantemente renovado, como principal agente curativo de algumas doenças. A tuberculose pulmonar. Cuidados para evitar a propagação d'esta doença. Perigos do contagio por falta de precauções. Doenças contagiosas. Principaes desinfectantes que importa conhecer; quaes os mais faceis de obter, era razão do seu preço diminuto; como se empregam. Variola; necessidade da vacinação.

A respiração pela pelle. Importancia do asseio do corpo e dos vestidos.

Inconvenientes que resultam da falta de limpeza. Banhos geraes.

Principaes effeitos do banho, segundo a temperatura da agua. Precauções que se devem tomar para que não prejudique".

Sr. Presidente: a Camara deve estar cansada de ouvir tanta cousa e deve tambem estar admirada de ver que se exige tantas materias, que constituem umas poucas de sciencias, para um exame de admissão aos lyceus.

Mas consinta-me V. Exa. que eu continue porque ha ainda muito a conhecer.

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Arithmetica: - Alem do que é razoavel que se exija a quem vae fazer este exame, e a que me não refiro, ha mais o seguinte:

"Numero divisivel por outro ou multiplo de outro. Submultiplo ou factor.

Principio em que se fundava divisibilidade de um numero por 9; caracter d'essa divisibilidade e sua applicação nas provas das quatro operações.

Numero complexo com applicacão á medida do tempo e ás divisões da circunferencia. Redacção de um complexo á infima especie. Reducção de um incomplexo a complexo. Reducção de um complexo a fracção e d'esta a numero decimal. Problemas variados".

Geometria pratica elementar: "Noções intuitivas do corpo, volume, superficie, linha e ponto. Superficie curva e plana.

Linha recta, quebrada e curva. Traçar com um fio e um pedaço de giz uma linha recta em qualquer tabua que se pretenda serrar.

Como se tira uma linha recta de grandes dimensões, para a medição de terrenos com a cadeia metrica. Linha vertical e horizontal.

Como se determina a horizontal com um nivel de pedreiro. Nivel de bolha de ar.

Ideia do nivel de agua; como opera.

Linhas parallelas, perpendiculares e obliquas.

Angulos, polygonos, polygonos regalares e irregulares; sua denominação quanto ao numero de lados.

Triangulos equilateros.

Circunferencia, circulo e centro. Meio pratico de traçar uma circunferencia. Raio, diametro, corda, tangente e secante. Arco e sector circular. Divisão da circunferencia em quadrantes e em graus. Transferidor e sua applicação".

Chorographia: "Demonstração intuitiva da forma da Terra.

Movimentos de rotação e translação. Nascimento e occaso do Sol.

O dia solar e o dia civil".

"Razão historica, geographica, industrial ou commercial da importancia das capitaes, cidades e villas mais importantes do país".

Emfim, Sr. Presidente, é um assombro tudo isto. E note V. Exa. que eu não me referi ás materias que constituiam o exame no nosso tempo, porque isso é razoavel. Só me referi ao que acrescentaram.

Pode dizer-se que é um resumo de todas as sciencias, entrando a medicina, a veterinaria, a silvicultura, etc.

Agora, Sr. Presidente, vamos ao clou da peça, que se intitula: Primeiras noções da educação civica.

"Constituição do Estado:

Carta Constitucional da Monarchia. Actos Addicionaes.

Divisão dos poderes do Estado:

Poder moderador: a quem pertence e attribuições que lhe competem;

Poder legislativo: como são constituidas as Camaras dos Pares e Deputados; attribuições que lhes competem e prerogativas de que gozam os seus membros; como são promulgadas as leis;

Poder judicial: em que consiste e a quem pertence;

Poder executivo: suas attribuições geraes.

Ministerios: direcções geraes.

Tribunaes administrativos.

Corpos administrativos: como são constituidos.

Magistrados administrativos e seus delegados.

Divisão militar; exercito e marinha; recrutamento.

Divisão ecclesiastica.

Imposto; necessidade do pagãmente dos impostos e vantagens que disfrutam os cidadãos pelos serviços publicos a que elles são applicados".

Sr. Presidente: isto parece um verdadeiro curso de direito.

Vou finalizar a exposição de tão mirabolante programma:

"Eleições e liberdade de voto.

Deveres que teem os cidadãos de pagar o tributo de sangue para a defesa da patria, de concorrer aos actos eleitoraes, de exercer os cargos para que forem eleitos ou nomeados, de contribuirem quanto possam para o desenvolvimento da instrucção, da agricultura, da industria e do commercio, bases da riqueza das nações, e finalmente de prestaram ao Estado e aos seus concidadãos todos os serviços que possam para o bem commum da grande familia portuguesa, que symboliza a patria".

Sr. Presidente: creio que a Camara deve estar edificada da monstruosidade de taes programmas.

Não é por interesse pessoal que trato d'este grave assunto, pois eu tenho um filho só, que vae fazer exame este anno e deve ficar naturalmente approvado se tiverem complacencia com elle e com os mais que forem fazer exame, pois do contrario nem um só ficará approvado.

Quero porem salvar de tamanho perigo outras crianças que de futuro forem fazer exame.

Isto não pode continuar!

É preciso entrarmos num caminho de reorganização social; é preciso fazerem-se leis com principios adaptaveis á indole do nosso povo.

Não se deve ir á Allemanha (creio que foi o regulamento de estudos na Allemanha que nos serviu de base) buscar elementos para a organização dos nossos estudos, porque elles são para crianças portuguesas e não para crianças allemãs. É como dizer-se que devemos ter uma policia á inglesa.

Ora como querem uma policia inglesa para governar portugueses?

Eu não comprehendo que possamos ter uma policia á inglesa desde que somos portugueses e como taes possuimos outra educação e outro temperamento, que muito concorrem para tornar impossivel o trazer para nós systemas estrangeiros, sem os adaptar á indole do nosso povo.

Na Allemanha pode ser que os estudos, como estão, dêem bons resultados, mas é preciso notar-se que ali as mães de familia teem uma educação muito differente da educação que possuem as mães portuguesas.

Naturalmente na Allemanha a criança vem da escola e pede explicações á mãe do que ouviu ao professor e obtem saber o que deseja.

Entre nós, porem, já não poderá succeder o mesmo e assim a criança fica logo de começo com o cerebro atrophiado por tantas cousas que lhe exigem, improprias para a sua idade. Succederá irem os rapazes para os cursos superiores com mais conhecimentos do que iam os que, como nós, já ha muitos annos completaram os seus cursos?

Não, Sr. Presidente.

Digo isto porque ainda não ha muito tempo, que um distincto professor da Universidade de Coimbra me contou que, estando a explicar economia politica aos seus alumnos do 2.° anno juridico, verificou que, entre dezanove alumnos que interrogou, só o decimo nono lhe soube dizer qual era a metropole da Ilha de Java.

Todos os outros dezoito alumnos ignoravam que era a Hollanda, a metropole d'aquella colonia.

Isto deu-se no 2.° anno da Universidade de Coimbra!

Congreguemo-nos todos para obrigar o Governo a reformar a intrucção publica á altura da indole e temperamento do povo português.

Tenho pena que o Governo não inserisse no Discurso da Coroa uma indicação ou noticia nesse sentido, porque V. Exa. conhece o estado em que está a nossa instrucção secundaria, em que os rapazes vão para as escolas superiores mal habilitados, não podendo comprehender as materias que se professam naquelles cursos, não obstante as minuciosas cousas que lhe exigem.

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Tenho falado com alguns professores do lyceus, dos mais intelligentes, dos mais distinctos, dos mais estudiosos, principalmente com um que fez um curso brilhante na Universidade e dispõe de alto valor intellectual, que me disse que no 7.° anno nenhum dos professores ficava approvado se fosse examinado em todas as materias. Cada um sabe bem da sua cadeira, mas se o obrigassem a responder a todas as materias que se exige ao alumno ficava reprovado.

Neste país ha a mania de reformar tudo, de alterar tudo, e para que todos saibam o que é a nossa legislação, vou mandá-la buscar.

(O orador pede os volumes da legislação, que um continuo lhe apresenta).

São volumes como estes. Quasi que teem de vir a pau e corda. Cada anno faz-se um volume d'estes. Eu não posso com elles.

Cada Ministro que vae ao poder gosta de ver o Diario do Governo cheio de providencias da sua lavra e arranja estas obras!

No nosso país está constantemente a reformar-se tudo, mais de cada vez fica tudo peor.

Na Universidade de Coimbra querem agora que os alumnos do curso de direito façam exames de cada uma das materias professada em cada anno, quando ainda ha pouco se fazia um só exame, de todas as disciplinas.

Entenderam que era naturalmente melhor que de cada materia se faça separadamente o exame, em vez de o fazerem por conjunto de disciplinas.

Então se no curso de direito se fazem tantos exames quantas as materias leccionadas durante esses annos, porque não se ha de fazer o mesmo para a instrucção secundaria?

Pois o que acham mau na Universidade trouxeram para a instrucção secundaria!

Não comprehendo isto.

Se é bom para a instrucção secundaria, tambem o é para a Universidade, onde ha rapazes com mais idade, intelligencia mais desenvolvida.

Já V. Exa. vê que esta questão interessa muito a nossa população academica e tem preoccupado muita gente.

Ha pouco recebi um livro do professor Sr. Antonio Maria de Almeida, regente da escola central n.° 4, de Lisboa, em que analysa com grande proficiencia e com grande copia de conhecimentos o assunto que tenho tratado.

Este livro é muito curioso, muito instructivo, tem dados interessantes.

Para V. Exa. ver tambem como as leis do nosso país são feitas pelos individuos que as redigem e que não dão lustre aos seus nomes, basta mostrar alguns dados que o livro contem.

Sr. Presidente: Quer V. Exa. ver quantas leis se teem publicado para tornar a instrucção primaria obrigatoria no nosso país, que tem ainda perto de 80 por cento de analphabetos?

Tenho aqui a nota de tudo isso, que não desenvolvo para não estar a demorar, mas a que não posso deixar de fazer uma pequena referencia.

O ensino obrigatorio é um preceito que existe consignado nas leis desde 1844 (lei de 20 de setembro de 1844). Repetiu-se na lei de 6 de junho de 1864; na lei de 2 de maio de 1878; na lei de 28 de junho de 1881; no decreto de 22 de dezembro do 1894 e ainda na lei de 24 de dezembro de 1901.

Leis não nos faltam, o que falta é a sua execução. Tenho conhecido muitos Ministros que depois de verem as suas leis publicadas no Diario do Governo desinteressam-se e nunca mais pensam nellas para lhes dar execução.

Portanto, desde 1844 se diz que a instrucção primaria ha de ser obrigatoria, mas estamos em 1903 e temos perto de 80 por cento de analphabetos.

Aqui está de que servem estes grandes volumes de legislação que aqui tenho.

Alem d'isso a legislação é muito difficil de manusear porque quando se revoga uma lei deixam-se em vigor muitas disposições de leis anteriores e isto tambem é muito inconveniente, porque tem de se compulsar muitos volumes da legislação. Qual o motivo por que quando se faz uma lei não se transcrevem as disposições anteriores que se quer conservar?

Isso facilitava mais, e não havia necessidade de recorrer a outros documentos, o que só serve para difficultar o trabalho.

Eu vou ler um periodo do livro do professor Antonio Maria de Almeida, para que V. Exas. vejam a analyse muito proficiente que elle faz da instrucção primaria, dos seus programmas e dos seus compendios.

Na pagina 140 lê-se:

"O livro que em muito rapido escorço temos passado em revista, collocando-nos sempre no ponto de vista da commissão, não corresponde nem aos encomios que prodigamente ella lhe dispensou, nem á reputação literaria de que justamente gozam os seus autores. E poio que nelle se encontram, como cremos ter demonstrado:

a) Linguagem inaccessivel á comprehensão das crianças a que é destinada;

b) Incorrecção de linguagem;

c) Pessima conformação pratica resultante da má escolha e peor distribuição dos trechos;

d) Incoherencias orthographicas;

e) Alguns erros palmares de sciencia;

f) Grande numero de plebeismos e de termos de giria, improprios da conveniencia escolar e domestica:

Devia o mesmo livro, segundo o criterio da propina commissão, ser rejeitado e não approvado".

Sr. Presidente: é assim que se expressa este douto professor com respeito aos programmas da instrucção primaria e aos seus compendios.

Recommendo a SS. Exas. a leitura d'este livro, porque, como acabam de ouvir, aquelle professor faz uma analyse completa e proficua a respeito da instrucção e principalmente dos compendios.

Para aggravar este estado de cousas até os compêndios são mal feitos, incomprehensiveis. Alem d'isso ha mais de um compendio approvado para cada materia. Assim, uma criança que por qualquer circunstancia muda de collegio está sujeita a que para o mesmo estudo lhe exijam outros compendios.

Vejam S. Exas. o quanto é isto inconveniente para o estudo da criança e ainda para a bolsa dos pães, que a maior parte são pobres e assim se vêem em grandes difficuldades para mandarem educar os seus filhos.

São tantos os livros exigidos que a criança não pode transportá los; é quasi preciso um criado para os levar para as aula?.

É preciso pôr cobro a isto.

O Sr. Presidente do Conselho, que está governando, que é de um grande patriotismo, volva a sua attenção para o ensino, que, tal como está, só serve para estragar crianças.

Espero que alguns collegas meus tambem tratem d'este assunto, que é primordial.

Eu tenho aqui umas notas sobre a percentagem de analphabetos, para mostrar o atraso em que estamos, em comparação com os países similares.

A população de Portugal, pela estatistica de 1900, é de 5.423:132 habitantes:

Homens................ 2.091:600

Mulheres...............2.831:532

Mulheres a mais........ 239:932

Analfabetos:

Homens................ 1.850:091

Mulheres.............. 2.406:240

Total..... 4.261:336

Isto não contando ainda com os mancebos até 6 annos, que é a idade escolar. Quer dizer, não sabem ler 72 por cento.

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Sabem ler apenas 28 por cento e não contando, como disse, os mancebos até os 6 annos, que é a idade escolar.

E temos desde 1844 uma lei de instrucção primaria obrigatoria.

A Belgica, pelo recenseamento de 1899, tem 6.693:548 habitantes:

Sabem ler........ . 4.555:506

Não sabem ler..... 2.138:042

ou 32 por cento.

E na Belgica teem arguido o Governo pelo grande numero de analfabetos que existem.

Na Suissa, não tenho presente a proporção dos analfabetos, mas sei que no contingente militar de 1904 apenas 0,09 por cento não sabiam ler, o que quer dizer que em 10:000 recrutas só 9 é que eram analfabetos, e 0,46 por cento não sabiam escrever, ou que em 10:000 recrutas só 46 não sabiam escrever.

Na Suecia os recrutas de 1900 não sabiam ler 0,08 por cento, e não sabiam escrever 0,75 por cento. Quer dizer: em 10.000 recrutas só 8 é que não sabiam ler e 25 não sabiam escrever.

A instrucção primaria é obrigatoria na Suecia e os que não frequentam as escolas officiaes teem de apresentar attestados de que recebem a instrucção nas escolas particulares.

Na Hollanda, em 1904, os recrutas que se alistaram não sabiam ler nem escrever 2,1 por cento, o que quer dizer que em 1:000 recrutas só 21 eram analfabetos. Do numero total de crianças de 7 a 13 annos de idade, que é a idade escolar, em 15 de janeiro de 1904, não recebiam instrucção primaria 5,43 por cento. Quer dizer que era 10:000 crianças 543 é que não recebiam instrucção.

Na Suecia, na Suissa, na Hollanda e noutros países a excepção é de individuos que não saibam ler nem escrever. Entre nós o atraso é vergonhoso.

Assim pois se vê que em toda a parte se dá desenvolvimento á instrucção para acabar com os analfabetos.

Sr. Presidente: vou agora occupar me de um assunto muito importante. A questão dos vinhos. É assunto da mais alta importancia, mas já não tenho tempo de lhe dar o desenvolvimento que tinha em mente, porque a hora vae muito adeantada e eu não desejo levar a palavra para casa.

Reservar-me-hei para outra occasião em que possa ser mais extenso, pois tenho muita cousa a tratar. É o estudo; são os vinhos; é o jogo; é a lei eleitoral; são as estradas, etc., etc.

Eu sei que o Sr. Presidente do Conselho é contrario á regulamentação do jogo, mas embora S. Exa. tenha opinião contraria á que eu tenho, não deixarei de expender a minha opinião, porque ninguem é capaz de reprimir o jogo.

Na França, nem Carlos Magno, nem S. Luiz. nem Francisco I, nem Napoleão I, que empregaram todos os meios para reprimir o jogo, o puderam conseguir. Diz o Matin de 1 de fevereiro de 1907: "A municipalidade de Paris tinha terminantemente perseguido os jogadores, os tribunaes os tinham condemnado, as prisões da Bicêtre e da Salpêtrière estavam abertas para muitas personagens notaveis. O furor do jogo não perdeu nada da sua intensidade".

Se homens de tal envergadura, em todas as epocas e em todos os tempos, nada puderam conseguir em tal assunto, como poderemos nós ter a pretensão de resolver o que em França nunca teve solução?

Nestas circunstancias era melhor regulamentar o jogo e tirar d'elle o devido proveito.

Com isso beneficiava-se muito as terras onde o jogo fosse permittido e o país podia tambem lucrar no excedente da receita, ou então esse excedente podia ser destinado a institutos de beneficencia ou para allivir as classes consumidoras de uma parte do imposto do consumo e real de agua.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): - V. Exa. dá-me licença? Eu ainda não dei a minha opinião...

O Orador: - Vi nos jornaes que V. Exa. era absolutamente contrario á regulamentação do jogo.

Apresentei aqui um projecto, cuja iniciativa hei de renovar.

Se pudesse conquistar a adhesão de V. Exa. ao meu projecto, que apresentei como base de estudo, era um serviço que V. Exa. fazia ao país, ás differentes localidades onde se jogasse, e moralizava, pela facilidade de evitar que varios individuos jogassem.

Sr. Presidente: mando para a mesa o seguinte requerimento:

"Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas, me seja enviada nota das quantidades de aguardente que teem sido depositadas no regimen dos armazens geraes, qual o seu valor, qual a importancia que os depositantes receberam pelo desconto dos warrants, e bem assim a discriminação da aguardente que está no armazem geral de Lisboa e a que se encontra em depositos particulares, indicando a procedencia d'essas aguardentes. = F. J. Machado".

Agora vou occupar-me da questão dos vinhos, a meu ver, muito importante. Lastimo não poder dar o desenvolvimento que é necessario a assunto de tal magnitude.

Reservo-me para outra occasião em que possa dispor de mais tempo.

Ha muitos annos que venho occupando-me no Parlamento e até na imprensa d'este magno assunto.

A crise vinicola vem-se agravando de anno para anno, sem que se tenha procurado dar-lhe remedio condigno.

Sr. Presidente: a crise vinicola é a mais grave que o país atravessa. Os viticultores estão; arruinados.

O commercio e industria estão soffrendo uma gravissima crise.

Os trabalhos agricolas estão paralysados por falta de recursos, pois os proprietarios não vendendo o vinho não teem dinheiro para pagar aos trabalhadores.

Esta questão precisa de pronto remedio e radical.

É difficil, mas alguma cousa se pode fazer para attenuar esta crise enorme que ameaça a ordem publica.

E se o Governo tiver boa vontade pode conseguir, se não resolver completamente o problema, ao menos attenuar a crise.

Faria ao seu país um serviço incontestavel.

Muitas e variadas propostas se teem feito para attenuar a crise vinicola.

Uma cousa, porem, é necessaria e urgente: é que o Governo resolva o problema como puder.

Quando se discutiu o anno passado esta questão, tinha pedido a palavra para discutir largamente o assunto e o projecto do Sr. Malheiro Reymão, que se via que para nada podia servir, nem para o Douro, nem para o sul.

A Camara foi fechada repentinamente, e nós ficámos sem poder dizer da nossa justiça.

Perguntaria eu então se me tivesse chegado a palavra: para que servia o projecto?

Ficou sem solução este assunto porque não resolvia o problema.

Depois de tanto trabalho, tanta discussão, a crise aggravou-se ainda mais. No sul está-se atravessando uma crise dolorosa, de perniciosos effeitos.

Vou ler rapidamente umas propostas, que vou mandar para a mesa, que são as seguintes:

Proposta sobre vinhos:

1.° Estabelecimento da régie do alcool vinico.

2.° Prohibição da falsificação, estabelecendo penas rigorosas para os falsificadores.

3.° Prohibição de plantação de vinha durante tres annos.

4.° Nomeação de uma commissão

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20 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REIXO

que estude o regime dos nossos vinhos, indicando:

a) Qual a producção real e effectiva de vinhos em todo o país;

b} Qual a qualidade d'esses vinhos;

c) Qual a exportação effectiva por mercados, qualidades e regiões;

d) Qual o consumo dentro do país e modo pratico de facilitar e aumentar esse consumo;

e) Quaes os meios práticos de aumentar a nossa exportação, esta commissão não pode durar mais de tres annos para poder apurar a producção das vinhas ultimamente plantadas, que só no fim d'este tempo estão em plena producção;

f) A commissão estudará e proporá a maneira de substituir a receita que o Estado aufere de todos os impostos de consumo e real de agua.

5.° Reducção dos preços das tarifas dos caminhos de ferro e transportes maritimos para a conducção dos nossos vinhos.

6.° Dar uma ração de vinho em vez de café aos nossos soldados, como ha muito se faz aos soldados da marinha e como em França ha muito se faz aos soldados do seu exercito.

7.° Fundação de uma companhia para unificar os typos dos nossos vinhos de pasto, garantindo o Governo o juro de 5 por cento do capital subscrito, que poderá elevar-se até 10:000 contos. Logo que os lucros da companhia permittirem distribuir aos accionistas o dividendo de 6 por cento, o excedente será para reembolsar o Governo do dinheiro que tiver adeantado e juros correspondentes.

8.° Proceder a um rigoroso inquerito industrial para se conhecer quaes as industrias que se hão de continuar a proteger e quaes aquellas a que se devam dispensar a protecção, para termos base segura a fim de negociar tratados de commercio que permitiam a collocação dos nossos vinhos. = F. J. Machado.

Relativamente á formação da Companhia Vinicola não será descabido pedir ao Governo para dar a garantia de juro, pois que isso se tem feito a muitas outras companhias, como demonstro á Camara pelos seguintes algarismos:

Importancias pagas, como garantia de juro, á Companhia Real dos Caminhos de Ferro através d'Africa e juros d'essas importancias vencidos até 3 de junho de 1906 9.822:857$473

Importancias pagas, como garantia de juro, á Companhia do Caminho de Ferro de Mormugão até 30 de junho de 1906.................. 4.090:386$251

1 Do relatorio do Sr. Schroter apresentado á Camara em 1 de fevereiro de 1907.

Importancias pagas pela garantia de juro e juros d'essas importancias á Companhia do Cabo Submarino até 31 de maio de 1905....... 3.697:963$851

Importancias pagas á Companhia Real dos Caminhos de Ferro como garantia de juro de 5.5 por cento á linha da Beira Baixa e juros vencidos até 30 de junho de 1906 7.242:003$107

Da linha de Foz-Tua a Mirandella e jures d'essas importancias vencidos até 30 de junho de 1906, a 5.5 por cento.................... 1.457:227$166

O mesmo da linha de Santa Comba a Vizeu........... 1.207:504$253

Importancias pagas a Companhia Real dos Caminhos de Ferro, como garantia de juro da linha de Torres, Figueira e Alfarellos e juros vencidos até 30 de junho de 1906.................... 2.006:375$461 29.574:317$562

Não contesto a vantagem d'esses subsidios, mas se a estas companhias lhes foi dado tão efficaz auxilio, não é muito que tal procedimento haja para salvar a riqueza mais importante do país, pois ainda hoje a sua exportação annual orça por 10:000 contos de réis.

Conheço que é difficil a resolução da crise vinicola, mas creio que, com boa vontade, alguma cousa se encontrará que attenue o mal. Os projectos que se teem apresentado tendentes a resolver esse problema, são por vezes, maus, e outras vezes inexequiveis,

Tencionava discutir largamente o projecto vinicola apresentado á Camara pelo Governo do Sr. João Franco; mas o encerramento abrupto do Parlamento não permittiu que apresentasse os elementos que, a seu ver, podiam conduzir a uma solução acceitavel.

Aproveito, todavia, o ensejo para dizer que esse projecto nem serviu para o Douro nem para o sul. Depois de tantas lutas, de tantos trabalhos, e de tantissimas canseiras, o Douro encontra-se a braços com uma crise temerosa.

Se estas minhas propostas forem adoptadas a crise seria attenuada.

Sr. Presidente: um dos males de que enferma a viticultura é a fraude. São as falsificações que se devem reprimir principalmente nos grandes centros em que o imposto do consumo e real de agua são muito elevados.

Sr. Presidente: publicou o Governo do Sr. João Franco, em ditadura, a lei de 2 de dezembro de 1907, que determina que o plantio da vinha não se faça nas bacias de certos rios, ou em terrenos que tinham a cota inferior a 50 metros.

Foi um erro enorme não prohibir completamente o plantio.

Por este decreto prohibiu o Governo durante tres annos o plantio da vinha
unicamente nos terrenos situados abaixo da cota de 50 metros e comprehendidos nas bacias hydrographicas dos Rios Minho, Lima, Cavado, Douro, Vouga, Mondego, Liz, Lizandro Tejo, Sado, Mira e Guadiana.

Sr. Presidente: este decreto foi muito prejudicial, porque, não sendo a prohibição geral, incitou os proprietarios dos terrenos não comprehendidos no decreto a plantar mais vinha.

Esta febre de plantações fez com que este anno se esgotassem todos os viveiros, chegando a vender se bacellos por preços elevadissimos, pois estando a 3$000 réis o milheiro, chegaram a vender-se a 12$000 réis e 14$000 réis.

Logo que appareceu o decreto começou a baixar o preço do vinho e da aguardente, ao mesmo tempo que subia o preço do bacello.

Sr. Presidente: depois da publicação d'este decreto é notavel em certas regiões as quantidades de vinha que se plantaram. Foi em tão grande quantidade que se esgotaram os viveiros de bacellos. Foi um mau serviço que prestaram ao país com a sua publicação, e para que se veja o absurdo basta considerar o seguinte:

Todas as vertentes oceanicas do país ficaram com liberdade para serem plantadas, sem uma unica restricção.

Na vertente oceanica que vae de Torres Vedras a Alcobaça, calculada em 12:000 hectares, que ainda não estão plantados, podem plantar-se á vontade.

E como cada hectare pode levar 5 milheiros de bacello, segue-se que nos 12:000 hectares se podem plantar 60:000 milheiros. E como cada milheiro pode produzir, nesses terrenos, tres pipas, segue-se que se chegassem a plantar todos teriamos a cifra de 180:000 pipas de vinho. Isto só nesta região.

A prohibição devia ser geral para evitar estes inconvenientes, e deve nomear-se uma commissão para estudar a questão vinicola.

Sr. Presidente: devia ha muito estar determinada, em precisos termos, qual a quantidade, expressa em hectolitros, que annualmente nós produzimos e até especificadamente para cada especie de vinhos.

Sr. Presidente: lá fora sabe-se com o maior rigor qual é a producção do vinho em cada anno, principalmente em França, e sabe-se qual é mensalmente o movimento do consumo, de lotações, de exportação e de importação e portanto qual o stock existente. Sabe-se qual a quantidade de vinho que ha em cada região, a sua graduação, a sua qualidade, etc.

Cá não se conhece absolutamente nada.

Isto é um assunto muito importante,

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SESSÃO N.° 9 DE 25 DE MAIO DE 1908 21

e que eu desejaria tratar por uma forma mais larga.

É um assunto que constitue uma das maiores riquezas do país.

Basta dizer que essa exportação de vinhos excede a 10:000 contos annuaes.

Sr. Presidente: os lavradores teem as adegas cheias de vinho, que não se vende senão por preços arrastadissimos; elles precisam de dinheiro, pedem-no a juro, depois não o podem papar e ficam arruinados.

Cada anno que passa mais funda vae sendo a sua ruina.

As propriedades estão desvalorizadas, ninguem as quer comprar, porque não rendem e não ha dinheiro.

É indispensavel tratar a serio esta questão, que é vital para o país. Lembrem-se que os viticultores sustentam milhares de bocas, dão trabalho a immensa gente e, se não tiverem dinheiro para lhes pagar, nem tiverem meio de o obter por já estarem empenhados, que hão de fazer?

Eu pedia ao Sr. Presidente do Conselho que influisse no Sr. Ministro das Obras Publicas para que nomeasse uma commissão para estudar este assunto, mas que essa commissão não durasse menos de 3 annos, que é o tempo preciso para se poder apreciar os resultados que a vinha ultimamente plantada produz.

Sr. Presidente: parece-me que o Governo podia dar garantia de juros a uma companhia que se formasse uma vez que tambem tem dado para companhias de caminhos de ferro e companhias telegraphicas, subsidios que são justos, mas tambem podia subsidiar a viticultura que é a primeira riqueza do país.

Sr. Presidente: não desejo levar a palavra para casa, por isso vou terminar.

Isto é um assunto muito importante e eu ainda tinha muito que tratar. Peço desculpa á Camara do tempo que lhe roubei e do meu discurso ser feito por uma forma tão descosida, devido aos muitos assuntos que tive de tratar.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Presidente: - A proposta do Digno Par fica para segunda leitura, e o requerimento vae ser expedido.

Como faltam poucos minutos para dar a hora, natural é que o Digno Par o Sr. João Arrojo não queira começar hoje o seu discurso.

(Sinal de assentimento do Digno Par Sr. Arroyo).

Vou dar, portanto, a palavra ao Digno Par o Sr. José Medeiros, mas peço-lhe que resuma as suas considerações, porque poucos minutos faltam para a hora de encerramento da sessão.

O Sr. Francisco José de Medeiros: - Por poucos minutos occuparei a attenção da Camara.

Na sexta-feira passada, depois de encerrada a sessão, recebi o seguinte telegramma da minha terra, que é Valpaços, concebido nos seguintes termos:

"Crise angustiosa, que atravessamos, tem determinado espantosa emigração. Géneros de primeira necessidade carissimos. Negocio de vinhos paralysado. Continuação da estrada d'aqui para Villa Pouca impõe-se com urgencia, pois daria trabalho a muita gente. Esta estrada, pondo-nos em ligação com caminho ferro, proporcionar-nos-ha meios de exportar nossos productos. Nós, representantes de todos os partidos politicos da localidade, pedimos a V. Exa. quê patrocine esta justa aspiração. = Jacinto Barreira = Luiz Pimentel = Miguel Machado = Narciso Videira = João de Castro = Joaquim Castro Lopo".

Sr. Presidente: este telegramma, que; como disse, recebi na sexta-feira, compungiu-me dolorosamente.

O meu concelho é rico porque não ha ali uma cultura unica.

O concelho produz muito bom vinho, excellente azeite, boa batata, e muitos outros generos de primeira necessidade.

Sendo assim, quando os povos d'esse concelho dizem o que consta do telegramma que li á Camara, é porque a fome lhes bate á porta.

A emigração aumenta espantosamente, e os que ficam teem fome.

Eu peço ao Sr. Presidente do Conselho que se digne transmittir ao seu collega das Obras Publicas o que se diz neste telegramma, o qual descreve a situação afflictiva d'aquella região.

O Governo; attendendo a esta reclamação, cumpre o seu dever e pratica um acto de justiça.

Hoje depois de entrar na sala recebi um telegramma de Villa Real, concebido nos seguintes termos:

Villa Real. - Exmo. Sr. Conselheiro Francisco Medeiros. - Camara dos Pares - Lisboa. - Associação Commercial de Villa Real pede V. Exa. sua valiosa interferencia junto Ministro das Obras Publicas, para apresentação immediata de medidas tendentes debelar gravissima crise, que a protelar-se arrastará á miseria milhares de familias d'esta região. = Presidente Associação Commercial.

Já nesta casa do Parlamento os Dignos Pares Srs. Teixeira de Sousa e José de Azevedo Castello Branco se referiram ao estado em que se encontra o Douro.

A situação é das mais precarias.

As adegas estão cheias de vinho, e este não tem venda, e, não tendo venda, faltam ao agricultor os meios necessarios para o seu grangeio, para o seu trabalho e para a sua alimentação.

Desde que no Douro ha fome, o que eu peço ao Governo é que ordene trabalhos publicos, para ver se por esta forma acode á situação afflictiva d'aquelles povos.

Era o que tinha a dizer.

(S. Exa. não reviu}.

O Sr. Presidente: - Eu tambem recebi um telegramma que vou ler:

Villa Real, em 25. - Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo. - Camara dos Pares. - Lisboa. - Associação Commercial de Villa Real pede V. Exa. sua valiosa interferencia junto Ministro dás Obras Publicas, para apresentação immediata medidas, tendentes debelar gravissima crise que a protelar-se arrastará á miseria milhares familias d'esta região. = Presidente Associação Commercial.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): - O Governo não tem descurado o assunto e dentro das suas faculdades, tem procurado por todas as formas acudir á situação angustiosa do Douro. Neste empenho ha de proseguir nas suas diligencias.

Tem remettido para lá generos alimenticios, para serem vendidos por preços inferiores aos que lhes applicaria qualquer commerciante.

O que é preciso é que todas as pessoas que teem interesses no Douro aconselhem os seus amigos a que tenham prudencia, porque será esta a maneira de facilitar ao Governo o cumprimento da, sua missão.

É preciso por todas as formas aquietar os espiritos e, entretanto, o Governo não descura o assunto e trata de o resolver por todos os meios ao seu alcance.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Está encerrada a sesssão. A seguinte é amanhã e a ordem do dia a mesma que vinha para hoje.

Eram 5 horas é um quarto da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 25 de maio de 1908

Exmos. Srs. Antonio de Azevedo Castello Branco, Eduardo de Serpa Pimen-

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22 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

tel; Marquez Barão de Alvito; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Sousa Holstein; Condes: de Arnoso, do Bomfim, de Figueiró, de Mártens Ferrão, de Monsaraz, de Sabugosa, de Villar Secco; Viscondes: de Asseca, de Tinalhas; Costa e Silva, Teixeira do Sousa, Campos Henriques, Hintze Ribeiro, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos Gusmão, José de Azevedo, José de Alpoim, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Poças Falcão, Bandeira Coelho e Affonso de Espregueira.

O Redactor, JOÃO SARAIVA.

Officio da Associação Commercial de Anqra do Heroismo dirigido ao Digno Par Sr. Jacinto Candido.

Illmo. e Exmo. Sr. - A direcção da Associação Commercial d'esta cidade, a que interinamente tenho a honra de presidir, remette por este vapor Funchal, por intermedio do Exmo. Sr. Governador Civil d'este districto, uma representação a Sua Majestade El-Rei, pedindo a graça de mandar proceder, com a brevidade possivel, aos estudos necessarios para a construcção de um esporão para resguardo das obras do molhecaes do Porto de Pipas, que estão em via de conclusão e cuja utilidade é por todos reconhecida, sendo este melhoramento um dos de maior interesse para esta terra e reclamado por todos em geral.

As obras feitas são já de uma grande utilidade, que aumentará depois de concluidas.

Para que seja, porem, completo o proveito a tirar d'ellas, é para evitar que de futuro algum temporal como os que com frequencia assolam estas plagas destrua um melhoramento de tanta importancia para esta ilha, ficando assim inutilizado o dinheiro gasto e nós privados dos seus beneficios, é que esta direcção pede encarecidamente o estudo referido.

Esta direcção confia na comprovada solicitude de V. Exa. por tudo quanto diz respeito aos interesses d'esta ilha, que lhe foi berço, e espera que V. Exa. junto do Governo, não só como digno membro da Camara dos Pares mas tambem como bom patriota se esforçará para o bom exito da causa que lhe é confiada.

Deus guarde a V. Exa. - Associação Commercial de Angra do Heroismo, 11 de maio de 1908. - Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Jacinto Candido da Silva, Mmo. Ministro e Secretario de Estado honorario. = O Vice-Presidente, Guilherme Martins Pinto.

Memorial a que se refere o discurso do Digno Par Jacinto Candido

Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Jacinto Candido da Silva, Digno Par do Reino. - Um official marinheiro da armada, tendo em consideração o muito que V. Exa. se tem sempre interessado pela nossa marinha de guerra, quer no Parlamento ou fora d'elle, e ainda a forma como na sessão da Camara dos Dignos Pares do Reino, de 6 de abril de 1907, se dignou interessar-se pelos officiaes inferiores das diversas classes da armada, vem mui respeitosamente expor a V. Exa. as precarias circunstancias em que elle se encontra e os seus camaradas, depois de varias melhorias feitas a algumas das classes de officiaes inferiores do corpo de marinheiros.

Com effeito, depois d'aquella sessão, resolveu o Governo em ditadura e pro decreto de 20 de junho de 1907 aumentar as gratificações de readmissão dos officiaes inferiores e praças da armada, aumento que já havia sido concedido pelas Camaras aos sargentos e praças do exercito. Se porem nesta corporação o aumento de gratificação de readmissão beneficiou todos os individuos e que, tendo terminado o tempo legal do seu primeiro alistamento, se readmittam ao serviço, por isso que no exercito todos vencem gratificações de readmissão, o mesmo não succedeu na marinha, onde os officiaes marinheiros, tendo soldos fixos estipulados ainda por uma lei antiquissima (carta de lei de 13 de julho de 1803), não vencendo gratificações de readmissão, nada beneficiaram com os referidos aumentos, do que resultou uma grande desproporção entre os vencimentos dos officiaes marinheiros e sargentos, dando-se até a anomalia de um cabo marinheiro ficar vencendo maior ordenado no quartel do que um 2.° contramestre na mesma situação. Deseja pois o supplicante expor a V. Exa.:

Que depois de posto em vigor o decreto de 20 de junho de 1907 ficou um cabo marinheiro, quando tenha o 2.° periodo de readmissão, o que sempre succede, e quando esteja no 3.° ou 4.°, o que se dá muitissimas vezes e é mesmo o caso geral, respectivamente com 12$000, 12$600 e 135200 réis e que o 2.° contra-mestre continuou vencendo no quartel 12$000 réis.

Que o 2.° sargento.com a 3.ª ou 4.ª readmissão, que são os casos geraes, sendo a 4.ª o mais vulgar, ficou, quer no quartel quer embarcado, com 16$000 réis quando esteja no 3.° periodo de readmissão e com 17$200 réis quando no 4.°, e que o 2.° contramestre continua com 12$000 réis no quartel e com 15$000 réis quando embarcado.

Que o primeiro sargento que tem sempre a 4.ª readmissão, exceptuando actualmente um primeiro sargento artilheiro, ficou vencendo, quer no quartel quer embarcado, 22$500 réis mensaes, e o primeiro contramestre continua, com 18$000 réis quando no quartel, e com 20$000 réis fora d'elle.

Que o sargento ajudante ficou com 24$000 réis sempre no quartel, por não lhe competir serviço de embarque, e o mestre da armada continua, quando na mesma situação, com 20$000 réis por mês.

Que o primeiro sargento tem sempre, quando embarcado, e o segundo, na grande maioria dos casos, uma gratificação de 5$000 réis (gratificação de ensino primario) ou de 6$000 réis (gratificação de fiel de generos e fiel de artilharia), o que torna ainda mais sensiveis as differenças de vencimentos, rebendo os sargentos, em media, mais 8$000 réis por mês que os contramestres dá igual graduação.

Que finalmente, te em sido aumentados todos os salarios, prets e vencimentos de todas as classes sociaes, continuando os officiaes marinheiros com o vencimento que lhes foi estipulado em 1863 e tendo até diminuido em 3$000 réis o vencimento do segundo contramestre, quando é certo que a vida em Lisboa é hoje muitissimo mais cara que naquella epoca.

Tem o supplicante conhecimento de uma proposta enviada em agosto do anno passado á Majoria General da Armada, e na qual o commando do Corpo de Marinheiros propõe que aos mestres e contramestres da armada seja abonado o vencimento correspondente ao dos sargentos de igual graduação e periodo de alistamento e que ao official marinheiro que desempenha as funcções de mestre de equipagem seja abonada uma gratificação correspondente áquella que recebem o fiel de generos ou o fiel de artilharia.

Os meus camaradas acceitam esta proposta com satisfação á falta de melhor. Mas é meu dever, como profissional e profissional que tem desempenhado a bordo todos os cargos, desde os mais humildes até aquelles que pela sua natureza não competem a officiaes marinheiros, para completa elucidação de V. Exa. mostrar as anomalias e desvantagens para o serviço que resultarão da applicação da referida proposta.

Por ella os primeiros contramestres de equipagem da canhoneira Patria e outras ficam vencendo quando fora do Tejo 28$500 réis ao passo que o primeiro contramestre do cruzador D. Carlos, com o decuplo do trabalho, fi-

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cará vencendo apenas 22$5OO réis na mesma situação.

Não é porem este o lado peor. Peor do que a differença de vencimentos é a instabilidade que resultaria para os officiaes marinheiros e a difficuldade que haverá em conservar l.ºs contra mestres a bordo de cruzadores, pois que V. Exa. não ignora que aquelle que por merecimentos proprios ou alheios possa dispor de um pouco de protecção procurará sempre occupar os logares de mestres de equipagem.

Pelo exposto o supplicante por si e pelos seus camaradas respeitosamente pede a V. Exa. se digne interessar-se para que o vencimento dos officiaes marinheiros seja aumentado de 5$000 réis por mês e para que, quando eventualmente prestem serviço no corpo de marinheiros, vençam como embarcados, ou que pelo menos e em ultimo caso lhes seja applicada a proposta formulada em nota que em agosto do anno passado acompanhou os requerimentos de alguns camaradas meus para a Majoria General da Armada e nos quaes pediam melhoria de situação pelo que - E. R. M. - Lisboa, maio de 1908.

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