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N.º 11

SESSÃO DE 31 DE JANEIRO DE 1881

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama.

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Francisco Simões Margiochi

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino. - Ordem do dia. - Discussão e approvação dos pareceres da commissão de verificação de poderes sobre as cartas regias que elevaram ao pariato os srs. Ferreira Lapa e Mendes Pinheiro. - Requerimento do digno par o sr. Vaz Preto. - Discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa. - Considerações do digno par o sr. visconde de Chancelleiros e do sr. presidente do conselho (Anselmo Braamcamp). - O digno par o sr. Barros e Sá manda para a mesa o parecer da commissão de guerra approvando o projecto de lei ácerca do bill de indemnidade concedido ao governo em um projecto de lei apresentado pelo sr. Camara Leme. - Discursos dos dignos pares os srs. visconde de Seabra, visconde de Chancelleiros e do sr. ministro do reino (Luciano de Castro).

Ás duas horas da tarde sendo presentes 23 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio do ministerio da fazenda, remettendo copia dos documentos, em virtude dos quaes se fez a nomeação de Joaquim Tavares da Rocha para fiscal do real de agua no concelho de Castello Branco, satisfazendo por este modo ao requerimento do digno par o sr. Vaz Preto.

Ficou sobre a mesa.

Outro do ministro da guerra, remettendo as duas notas originaes sobre venda de polvora, ficando assim satisfeito o requerimento do digno par Sousa Pinto.

Ficou sobre a mesa.

Outro do mesmo ministerio, remettendo copia do parecer da commissão de defeza de Lisboa e seu porto, ácerca do traçado do caminho de ferro de Lisboa a S. Martinho, unico documento que sobre o assumpto existe na repartição competente, ficando por este modo satisfeito o requerimento do digno par D. Luiz da Camara Leme.

Ficou sobre a mesa.

Outro do ministerio da fazenda, remettendo 120 exemplares das contas das despezas do ministerio da fazenda comprehendendo a gerencia do anno economico de 1879-1880, e a conta do exercicio findo de 1878-1879.

Mandaram-se distribuir.

Outro do ministerio do reino, remettendo copia da correspondencia trocada entre o governo e o governador civil de Faro, e entre este e o administrador do concelho de Portimão, ácerca da eleição do compromisso maritimo da mesma villa, satisfazendo assim ao requerimento do digno par visconde de Bivar.

Ficou sobre a mesa.

Outro do ministerio dos negocios estrangeiros remettendo alguns exemplares do mappa estatisco do ensino universitario em Hespanha, que o governo de Sua Magestade Catholica offerece á camara dos dignos pares do reino por intermedio do respectivo representante acreditado n'esta côrte.

Teve o competente destino.

(Entraram durante a sessão os srs. presidente do conselho e ministros do reino, justiça, guerra, marinha e obras publicas.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 151, Sobre a carta regia que eleva á dignidade de par do reino o sr. João Ignacio Ferreira Lapa.

É do teor seguinte:

PARECER N.° 151

Senhores. - Á commissão de verificação de poderes foi presente a carta regia de 7 de janeiro corrente, pela qual foi elevado á dignidade de par do reino o cidadão João Ignacio Ferreira Lapa, comprehendido na categoria de lente proprietario do instituto geral de agricultura, com exercicio effectivo no professorado por mais de dez annos.

A carta regia está passada em conformidade das disposições da carta constitucional. O agraciado mostra que é maior de trinta annos de idade, que é cidadão portuguez, por nascimento, sem haver interrompido a nacionalidade, que tem mais de dez annos de serviço com exercicio effectivo de professor regendo cadeira no instituto agricola.

N'estes termos está nas condições legaes para poder ser admittido a prestar juramento e a exercer as funcções do pariato.

Lisboa, 21 de janeiro de 1881. = Conde de Castro = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho, Mártens = Vicente Ferreira Novaes = José de Sande Mexia Salema = A. Barros e Sá.

Carta regia

João Ignacio Ferreira Lapa, do meu conselho, director geral do instituto geral de agricultura, e lente proprietario do mesmo instituto. Amigo. Eu El Rei vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos distinctos merecimentos e qualidades, e attendendo a que pela vossa categoria de lente proprietario do instituto geral de agricultura, com exercicio effectivo de mais de dez annos, vos achaes comprehendido na disposição do artigo 4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878: hei por bem, tendo ouvido o conselho d'estado, nomear vos par do reino.

O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e devidos effeitos.

Escripta no paço da Ajuda, em 7 de janeiro de 1881. = EL-REI. = José Luciano de Castro.

Para João Ignacio Ferreira Lapa, do meu conselho, director geral do instituto geral de agricultura, e lente proprietario do mesmo instituto.

Documentos

Senhor. - Diz João Ignacio Ferreira Lapa, director e lente do instituto geral de agricultura, que, precisando provar a sua qualidade de lente d'esta escola com mais de dez annos de serviço effectivo de magisterio, com certidão passada pela respectiva repartição do ministerio das obras publicas, commercio e industria, em que se lhe atteste a data da sua nomeação para aquelle cargo e a effectividade que n'elle tem tido. - P. a Vossa Magestade a graça de ordenar que se lhe passe o dito documento aos termos em que requer. - E. R. M.cê.

Lisboa, 10 de janeiro de 1881. = João Ignacio Ferreira Lapa.

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Passe do que constar, não havendo inconveniente. - Ministerio das obras publicais, commercio e industria, em 11 de janeiro de 1881 = O director geral, R. de Moraes Soares.

Certifico, em cumprimento do despacho retro, que o requerente, o sr. conselheiro João Ignacio Ferreira Lapa, foi nomeado por decreto de 8 de janeiro de 1856 para o logar de lente da oitava cadeira do instituto agricola e escola regional de Lisboa; e bem assim que tem mais de dez annos de effectivo serviço n'aquelle cargo.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 11 de janeiro de 1881. = O secretario do ministerio, Viriato Luiz Nogueira.

Senhor. - Diz João Ignacio Ferreira Lapa, do conselho de Vossa Magestade, director e lente do instituto geral de agricultura, e recentemente elevado por mercê de Vossa Magestade á dignidade de par do reino, que para justificar a sua categoria perante a camara dos dignos pares lente com mais de dez annos de exercicio effectivo de professorado n'uma escola superior, precisa que pela secretaria do mesmo instituto se lhe certifique que desde a sua nomeação de lente em 16 de janeiro de 1856 até ao presente tem sido constante no exercicio do magisterio, menos nos periodos em que esteve impossibilitado por doença ou pelo desempenho de outros serviços publicos ordenados pelo governo. Pelo que - P. a Vossa Magestade a graça de ordenar que se lhe certifique como requer. - E. R. M.cê.

Lisboa, 18 de janeiro de 1881. = João Ignacio Ferreira Lapa.

Passe do que constar, não havendo inconveniente. Paço, em 18 de janeiro de 1881. = Saraiva de Carvalho.

Henrique Stephen de Wild, agronomo, secretario do instituto geral de agricultura.

Em cumprimento do despacho retro certifico que revendo os livros de assentamentos dos exames finaes nos differentes annos lectivos e cadeiras d'este instituto geral de agricultura, e bem assim os livros de exames parciaes, as contas das faltas dos alumnos, e as relações das lições dadas pelos lentes, consta d'estes documentos que e exmo. sr. conselheiro director geral d'este estabelecimento, João Ignacio Ferreira Lapa, tendo sido despachado lente proprietario do instituto agricola em 8 de janeiro de 1856, regeu primeiramente e só n'este anno a cadeira de anatomia e physiologia comparadas; que no anno lectivo de 1856 a 1857 e nos seguintes até 1860 passou a reger a cadeira de physica, chimica e meteorologia applicadas á agricultura; que de 1860 até 1864 regeu a cadeira de chimica agricola, technologia rural e meteorologia; e que finalmente de 1864 até ao presente tem regido a cadeira de technologia rural, chimica e analyse agricolas; tendo portanto a sua effectividade no exercicio do magisterio sido constante e seguida, menos nos seguintes periodos:

1.° Quando foi por ordem do governo em 1858 examinar em Portalegre as propriedades de Ayres de Sá Nogueira, para n'ellas se estabelecer uma coudelaria nacional, serviço em que gastou quinze dias, de 15 a 30 de abril d'este anno.

2.° Quando foi por ordem do governo á exposição agricola do Porto em 1860, serviço em que se demore-a dezeseis dias do mez de novembro.

3.° Quando foi por commissão do governo á exposição universal do Porto em 1865, em cujo serviço se demorou desde 18 de setembro a 7 de outubro do mesmo anno.

4.° Quando em 1862 foi por commissão do governo a París, em que se demorou desde 15 de agosto a 16 de dezembro do mesmo anno.

5.° Quando foi commissionado á exposição universal de París de 1878, deixando por causa d'este serviço de reger todo o anno lectivo de 1877-1878.

6 ° Finalmente, desde 9 de novembro de 1880 até ao presente, em que tem estado impossibilitado de reger cadeira por incommodo de saude.

A presente por mim sómente assignada vae firmada com o sêllo d'este instituto.

Secretaria do instituto geral de agricultura, em 18 de janeiro de 1881. = Henrique Stephen de Wild, secretario.

Passou-se á votação por meio de espheras e findo este acto disse:

O sr. Presidente: - Convido os dignos pares visconde de Seisal e Luiz de Campos a servirem de escrutinadores.

O sr. Fortunato Barreiros: - Declaro que por engano deitei uma esphera preta na uma da approvação, quando a minha intenção era approvar o parecer.

Correu-se o escrutinio.

O sr. Presidente: - Entraram na urna da approvação 34 espheras, sendo brancas 32.

Na urna da contra prova entraram tambem 34 espheras, das quaes 32 pretas; por consequencia, confere inteiramente o numero de espheras entradas n'uma e n'outra urna, e o parecer foi approvado por grande maioria.

Agora, para informação da camara e tranquillidade da consciencia de um digno par que se enganou na votação, devo declarar que o sr. general Barreiros, tende intenção de approvar o parecer que acaba de ser votado, lançou por engano na urna da approvação uma esphera preta.

Por mais de uma vez têem acontecido factos identicos em votações similhantes, sem que d'esse engano tenha felizmente resultado a rejeição do parecer; entretanto, peço aos dignos pares que tenham muita cautela na occasião da votação em verem primeiro qual é a uma da approvação, que é sempre a uma do lado direito da presidencia.

Agora, passa-se á discussão do parecer n.° 152, sobre a carta regia que elevou ao pariato o sr. Abilio Maria Mendes Pinheiro.

Leu-se na mesa o parecer n.° 152 que é do teor seguinte:

PARECER n.° 152

Senhores. - A vossa commissão de verificação de poderes examinou a presente carta regia de 7 do corrente mez de janeiro de 1881, pela qual foi elevado á dignidade de par do reino o conselheiro Abilio Maria Mendes Pinheiro, presidente da relação de Lisboa, e o adjunto documento apresentado pelo agraciado.

Este documento prova estar o nomeado par do reino na categoria 14.ª das marcadas no artigo 4.° da lei de 3 de maio de 1878, em que foi comprehendido, tendo exercicio de juiz de segunda instancia só no tribunal da dita relação, de que é actual presidente, por decreto de 20 de agosto de 1879, desde 2 de julho de 1870; e bem assim prova, por presumpção d'ahi resultante, que tem mais de trinta annos, é cidadão portuguez sem interrupção da sua nacionalidade, e está no goso dos seus direitos civis e politicos.

E como a carta regia está em devida fórma, segundo os artigos 74.°, § 1.°, e 110.° da carta constitucional, e o artigo 4.° da citada lei de 3 de maio de 1878, julga verificados todos os requisitos legaes.

Portanto, é de parecer a vossa commissão que o conselheiro Abilio Maria Mendes Pinheiro seja admittido a prestar juramento, e tomar assento na camara.

Sala da commissão de verificação de poderes, 25 de janeiro de 1881. = Vicente Ferreira Novaes = Conde de Castro = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = A. Barros e Sá José de Sande Magalhães Mexia Salema.

Carta regia

Abilio Maria Mendes Pinheiro, do meu conselho, presidente do tribunal da relação de Lisboa. Amigo. Eu El-Rei vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos distinctos merecimentos e qualidades, e attendendo a

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que, pela vossa categoria de juiz de segunda instancia, com exercicio por mais de cinco annos, vos achaes comprehendido na disposição do artigo 4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878: hei por bem, tendo ouvido o conselho d'estado, nomear-vos par do reino.

O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e devidos effeitos.

Escripta no paço da Ajuda, em 7 de janeiro de 1881. = EL-REL = José Luciano de Castro.

Para Abilio Maria Mendes Pinheiro, do meu conselho, presidente do tribunal da relação de Lisboa.

Documento

Illmo. e exmo. sr. - Diz o conselheiro Abilio Maria Mendes Pinheiro que precisa que, pela secretaria da presidencia da relação de Lisboa, se lhe certifique a data em que o supplicante tomou posse na qualidade de juiz da mesma relação, e se tem sido effectivo no exercicio d'este logar, bem como desde que tomou posse como presidente do mesmo tribunal. - P. a v. exa. se sirva deferir-lhe como supplica.

Lisboa, 15 de janeiro de 1881. = E. R. M.cê = Abilio Maria Mendes Pinheiro.

Passe. - Lisboa, 15 de janeiro de 1881. = Guardado, vice-presidente.

José de Menezes Toste, bacharel formado em direito pela universidade de Coimbra, commendador da ordem de Nossa Senhora da Conceição de Villa Viçosa, guarda-mór e secretario da relação de Lisboa, etc.

Certifico que, examinando o livro onde se lavram os termos de juramentos e posses dos exmos. srs. juizes d'este tribunal, do mesmo consta que o exmo. sr. conselheiro Abilio Maria Mendes Pinheiro prestou juramento e tomou posse de juiz d'este tribunal em 2 de julho de 1870; e

Dignos pares do reino e srs. deputados da nação portugueza:

Abrindo a segunda sessão da actual legislatura, congratulo-me com o paiz por me ver de novo no seio dos seus representantes.

Continuam as nossas boas relações com as potencias estrangeiras.

Tem-se mantido inalteravel a ordem publica em todo o reino. As eleições de deputados nos circulos vagos realisaram-se com perfeita tranquillidade.

Depois do encerramento da ultima sessão deu o meu governo execução a algumas das importantes leis ultimamente publicadas. Alem das de ordem financeira, que ou estão executadas ou em via de execução, acham-se já em vigor as que reformaram os serviços telegraphico-postaes e a instrucção secundaria. Para se executar a lei que reorganisou a instrucção primaria, a que creou a caixa economica nacional, e a que auctorisou o estabelecimento de uma colonia agricola, procede-se á elaboração dos indispensaveis regulamentos e a outros trabalhos preparatorios.

No mez de junho commemorou o reino o tricentenario de Camões com o ferveroso e viril enthusiasmo dos povos que sabem associar as glorias do seu passado ás vigorosas affirmações da sua vitalidade presente, e aproveitar os momentos solemnes da sua historia para reivindicar perante a civilisação o logar que lhes designa o seu amor ao trabalho e á liberdade.

N'essas unanimes manifestações de regosijo publico foi a nação portugueza bizarramente acompanhada pelos nossos irmãos de alem mar que, fieis ás suas nobilissimas tradições, não esqueceram que lhes tocava o seu quinhão nos jubilos, como tantas vezes lhes ha cabido a sua parte nos soffrimentos da patria.

Aos nossos briosos compatriotas, bem como aos povos, governos e corporações estrangeiras, que de longe se associaram ás festivas solemnidades com que a nação celebrou tendo sido nomeado presidente do mesmo tribunal, por decreto de 20 de agosto de 1879, tomou posse em 23 do mesmo mez e anno, tendo sido, até ao presente, effectivo em ambos os logares.

Por ser verdade se passou a presente, sem que leve cousa que duvida faça, pois havendo-a, ao proprio livro me reporto.

Lisboa, 15 de janeiro de 1881. = José de Menezes Toste.

Poz-se em discussão, e, não tendo nenhum digno par pedido a palavra procedeu-se á votação do parecer.

O sr. Presidente: - Convido para servirem de escrutinadores os srs. marquez de Penafiel e Henriques Secco.

Correu o escrutinio, e findo este acto disse:

O sr. Presidente: - Entraram na urna da approvação 52 espheras brancas e uma preta, e na urna da contra prova entraram 52 espheras pretas e uma branca, por consequencia está approvado o parecer por grande maioria.

O sr. Vaz Preto: - Mando para a mesa o seguinte requerimento, pedindo esclarecimentos, pelo ministerio das obras publicas, porque os que me remetteram d'aquelle ministerio são incompletos.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, se maneie a esta camara copia de toda a correspondencia do actual delegado do thesouro, Feio, ácerca da nomeação do fiscal do real de agua, Joaquim Tavares da Rocha, e bem assim copia de qualquer telegramma que haja a este respeito. = Vaz Preto.

Mandou-se expedir.

O sr. Presidente: - Continua a ordem do dia e vae entrar em discussão o projecto de resposta ao discurso da corôa.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

Senhor. - A camara dos pares aprecia devidamente a congratulação de Vossa Magestade abrindo a segunda sessão da actual legislatura no meio das côrtes geraes, que são com o Rei os representantes da nação. A identidade de sentimentos é uma segurança de estabilidade.

É muito agradavel á camara saber que são boas as nossas relações com as potencias estrangeiras.

A manutenção da ordem publica é sempre um bom symptoma que convem registar, assim como a eleição tranquilla de deputados é um bem quando coexiste com a liberdade.

Foi igualmente grato á camara ouvir que se acham executadas algumas das leis ultimamente publicadas, achando-se já em vigor as que reformaram os serviços telegraphico-postaes, e trabalhando-se na elaboração dos regulamentos indispensaveis para a completa execução das outras. A camara examinará se esses regulamentos correspondem ao pensamento benefico das leis.

O reino, commemorando o tricentenario de Camões pela briosa iniciativa da imprensa, pagou uma divida de gratidão ao cantor das nossas glorias; nossos irmãos de alem mar acudiram á festa da patria que tambem é d'elles; povos, corporações e governos estrangeiros, associaram-se á solemnidade que foi um triumpho para a civilisação; e Vossa Magestade, agradecendo a todos tão altos testemunhos de benevolencia exprimiu os sentimentos da nação, no que a camara dos pares o acompanha e a que affectuosamente se associa.

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a memoria do seu grande epico, agradeço os testemunhos de affectuosa benevolencia que por essa occasião recebemos.

No meio de espontaneas demonstrações de affectuosa hospitalidade se effeituou em Lisboa a reunião dos dois congressos anthropologico e litterario, que fazendo concorrer ao reino tantos sabios illustres e distinctos escriptores, attrahiram sobre nós a sympathica attenção da imprensa europea, e permittiram que fosse apreciado por insuspeitas e competentissimas auctoridades o modo como entre nós se exerce e pratica a liberdade, e se cultivam as sciencias e as letras.

Na exposição, que vos será apresentada pelo meu ministro da fazenda, e particularmente no orçamento da receita e despeza do estado para o futuro anno economico, encontrareis os subsidios necessarios para bem se examinar a situação da fazenda, e se poder apreciar a influencia, que no seu melhoramento produziram as novas leis tributarias e o espontaneo desenvolvimento da receita publica.

Cumpre não esmorecer no caminho encetado, proseguindo com inalteravel persistencia nos indispensaveis esforços para alcançar o nivelamento das despezas com as receitas, moderando aquellas até onde o permittirem as exigencias inadiaveis da civilisação e do progresso, e promovendo o desenvolvimento d'estas por meio de acertadas reformas nos serviços fiscaes, que assegurem o exacto cumprimento das leis tributarias.

Estão pendentes da vossa approvação algumas propostas que com este intuito vos foram apresentadas na sessão passada, como são as da reforma da contabilidade publica e do tribunal ds contas, de execuções fiscaes e melhoramento do serviço das alfandegas. Para todas essas e para outras novas, que pelo meu ministro da fazenda vos serão apresentadas, chamo mui particularmente a vossa attenção.

No uso da auctorisação que lhe haveis concedido, realisou o governo e emprestimo destinado a pagar a divida fluctuante, e a satisfazer outros encargos do estado. Confiando nos recursos do paiz, e na inquebrantavel lealdade com que tem honrado os seus compromissos, acudiram os capitaes nacionaes e estrangeiros ao appello da nação, effeituando-se com pleno exito e incontestavel realce do credito publico aquella importante operação.

Estão submettidas ao vosso exame algumas propostas que reclamam a vossa esclarecida attenção. Entre estas avultam as que versam sobre reforma administrativa, instrucção publica, responsabilidade ministerial e organisação judicial.

Alem d'estas, outras vos serão apresentadas sobre reforma eleitoral, beneficencia publica, emolumentos judiciaes, organisação do pessoal technico dependente do ministerio das obras publicas, e do serviço da commissão geodesica, divisão judicial do territorio, o trabalho dos menores nas fabricas, ás quaes poderá proveitosamente applicar-se o vosso desvelado estudo.

Não descura o meu governo os melhoramentos materiaes do paiz. Com esse intuito vos apresentará o meu ministro das obras publicas algumas propostas de lei tendentes a desenvolver a viação accelerada, sem aggravar os encargos do thesouro.

Para melhorar a situado do exercito vos foram apresentadas na sessão passada as propostas de lei sobre o recrutamento o instrucção militar. Com iguaes intentos vos serão pelo meu ministro da guerra, depois de maduro exame sobre a applicação das sommas destinadas ás despezas do seu ministerio, propostas as convenientes providencias para aperfeiçoar e elevar as nossas instituições militares.

A corrente da opinião tem-se fixado ultimamente e com singular persistencia nos territorios de alem mar, e é principalmente o continente africano que desperta no paiz mais legitimo interesse e aviva maiores esperanças. Corresponde

A reunião dos dois congressos anthropologico e litterario em Lisboa foi de incontestavel vantagem para o paiz, porque deu testemunho das condições da nossa vitalidade e da competencia dos homens que entre nós cultivam as sciencias e as lacras; e Vossa Magestade, concorrendo para a affectuosa hospitalidade a tão illustres hospedes mostrou a intima e cordeal alliança entre o povo portuguez e o seu Rei.

A camara dos pares examinará as propostas de fazenda, tanto as já apresentadas como as que tiverem de o ser, e folgará de ver que os impostos são cobrados sem vexame, e fiscalisados como convem para que o sacrificio dos contribuintes reverta em beneficio do thesouro.

A camara folga de ouvir que os capitaes nacionaes e estrangeiros acudiram ao appello da nação, confiados nos recursos do paiz e na sua inquebrantavel lealdade, para a realisação do emprestimo destinado a pagar a divida fluctuante e a satisfazer outros encargos do estado. É grato á camara reconhecer que o desenvolvimento da riqueza publica e o credito que temos mantido e sustentado habilitaram o governo a effectuar o referido emprestimo com bom exito, ficando assim reconhecidas por menos exactas algumas apreciações desfavoraveis da nossa situação financeira e economica. A camara examinará os documentos que lhe forem apresentados relativos a esta operação, e folgará de ver que foi realisada dentro das prescripções legaes.

Examinará a camara com a devida attenção as propostas que ficaram pendentes da sessão passada, e bem assim as que forem apresentadas sobre a reforma eleitoral, beneficencia publica, emolumentos judiciaes, organisação do pessoal technico dependente do ministerio das obras publicas, do serviço da commissão geodesica, trabalho dos menores nas fabricos e desenvolvimento da viação municipal, e folgará, de encontrar n'ellas as providencias que a experiencia tenha mostrado necessarias, sem o perigo de mudanças que contrariem os habitos dos povos.

Com igual solicitude apreciará a camara as propostas que depois de maduro exame sobre, a applicação das sommas destinadas ás despezas do ministerio da guerra apresentar o ministro respectivo, e desejará poder convencer-se de que o mesmo maduro exame tenha precedido todos os actos administrativos publicados por aquelle ministerio.

As nossas provincias ultramarinas merecem todo o desvelo e cuidado, e a camara examinando as propostas do governo aproveitará gostosa a occasião de concorrer para o desenvolvimento da civilisação n'aquellas regiões

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dendo a tão justificado empenho tem a administração colonial continuado a merecer ao meu governo a mais desvelada attenção.

No periodo decorrido desde a ultima sessão legislativa tem o governo, pela auctorisação que lhe é conferida pelo acto addicional á carta constitucional da monarchia, decretado numerosas providencias tendentes a melhorar varios ramos de administração nas provincias ultramarinas, e a crear novas e valiosas receitas, principalmente nas possessões africanas.

Na presente sessão ser-vos-hão apresentadas differentes propostas de interesse colonial, e entre ellas não deixarão de merecer a vossa especial attenção as que têem por fim habilitar o ministerio da marinha e ultramar com os meios necessarios para dar vigoroso e largo impulso aos melhoramentos de que mais carecem as nossas possessões ultramarinas, no intuito de facilitar o seu progresso economico, sem que por isso venha a ser aggravado com sacrificios novos o thesouro da metropole.

O meu governo comprehende quanto ha a esperar de acertados emprehendimentos nas provincias de alem mar, e mediante o vosso sabio concurso ha de empenhar-se em dar zeloso cumprimento ás obrigações que a urgencia e a importancia d'este serviço lhe impõem.

A marinha de guerra não póde desde já ser augmentada como compete a uma nação maritima e colonial, e como corresponde ás suas gloriosas tradições, mas ser-vos-hão presentes propostas de lei no sentido de preparar os principaes elementos do seu futuro desenvolvimento.

Dignos pares e srs. deputados da nação portugueza:

Ardua e trabalhosa foi a tarefa que vos coube na passada sessão. Penoso encargo é o de exigir novos sacrificios a todas as classes de cidadãos para occorrer a impreteriveis necessidades publicas. E todavia, perante qualquer hesitação, grandes teriam sido as vossas responsabilidades. Adiar não seria resolver; seria apenas multiplicar as difficuldades, aggravando-as. Felizmente soubestes elevar-vos á comprehensão dos vossos deveres, e acceitar nobremente diante do paiz as consequencias da vossa dolorosa missão. Por sua parte a nação, compenetrada da gravidade das circumstancias, e persuadida da inevitavel urgencia de acudir pelo seu credito e de solver os seus compromissos, sujeitou-se tranquilla e resignada ás provações, que em nome do bem publico lhe foram impostas. O paiz e os seus representantes cumpriram briosamente os seus deveres.

Espero que na sessão, que vae abrir-se, proseguireis com igual vigor no estudo dos graves assumptos que serão submettidos ao vosso exame, e de cuja acertada solução depende em grande parte o progressivo melhoramento das condições economicas do reino e a indispensavel consolidação da sua situação financeira.

Está aberta a sessão.

O sr. Presidente: - Está em discussão o parecer que acaba de ser lido.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Acaba v. exa. de sujeitar á discussão d'esta camara o projecto de resposta ao discurso da corôa, que eu julgava dever ser thema de larguissimos debates para apreciação de todos os actos do governo. Como, porém, nenhum membro da camara pediu a palavra sobre elle, creio que ha um certo accordo entre os membros da opposição de não abrir debate n'este momento, julgando talvez que não é conveniente discutir o projecto de resposta ao discurso da corôa, e reservando para outra conjunctura provocar debates especiaes sobre cada uma das questões que agora se poderiam ventilar.

Francamente declaro a v. exa. e á camara que me era muito facil deslocar a questão e mandar para a mesa uma longinquas, bem como para quaesquer melhoramentos administrativos de onde possa provir gloria para a patria e a satisfação de interesses physicos e moraes para os cidadãos. Do mesmo modo se associará a camara a tudo o que possa concorrer para preparar os principaes elementos do futuro desenvolvimento da marinha de guerra, instrumento e testemunho de nossas passadas grandezas.

Pelo que toca aos nossos melhoramentos coloniaes registará com jubilo, a promessa de que em virtude d'elles não será aggravado com sacrificios novos o thesouro da metropole.

Senhor. A camara dos pares cooperando com o governo de Vossa Magestade na sessão passada para melhorar as nossas condições financeiras, cumpriu o seu dever, e o paiz acceitou com resignação e patriotismo a parte dos sacrificios votados que estão em via de execução. Na presente sessão legislativa a camara, fiel ás suas tradições, empregará todo o seu zêlo em desempenho das altas funcções que a lei fundamental lhe commetteu, velando na guarda da constituição, cooperando com o governo para promover o bem geral da nação, correspondendo assim á alta confiança de Vossa Magestade. E inspirando-se nos sentimentos de lealdade e dedicação que deve ao throno e á dynastia, tão identificados com o povo e com as instituições liberaes, a camara faz ardentes votos pela prosperidade de Vossa Magestade, de Sua Magestade a Rainha e de toda a real familia.

Sala da commissão, em 21 de janeiro de 1881. = Duque d'Avila e de Bolama = José de Mello Gouveia = Antonio Rodrigues Sampaio, relator.

nota de interpellação ao sr. presidente do conselho, a fim de saber de s. exa. qual a rasão constitucional da nomeação de novos pares. Assim não discutiria a resposta ao discurso do throno, como aliás o poderia fazer no exercicio pleno dos meus direitos, reservando-me para, na occasião de verificar essa interpellação, fazer valer todos os argumentos que posso formular contra uma tal nomeação. Dir-me-íam depois que essa questão vinha deslocada, porque tinha o seu logar natural na discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa.

Sr. presidente, eu não posso votar a resposta ao discurso da corôa como um mero cumprimento á corôa.

Na crise difficilima em que nos encontrâmos não satisfaz o meu espirito o tomar como uma demonstração, aliás banalissima, de respeito pelo chefe do estado, essa resposta; entretanto, eu não queria encetar o debate, esperava que

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seria da parte do governo que elle fosse levantado, porque o documento que está em discussão é uma significação do espirito da opposição d'esta camara aos actos politicos do governo. É certo que eu estou preparado para a discussão, mas não era meu intento tomar a iniciativa d'elles. Esperava que no decurso do debate eu tivesse ensejo ás pedir ao governo as explicações que d'elle desejo obter.

Sr. presidente, desejava saber do sr. presidente do conselho, ou do sr. ministro do reino, qual a rasão constitucional, entenda se bem, da nomeação de novos pares, qual a rasão que determinou a escolha dos cavalheiros nomeados, e qual o motivo que determinou o governo a faz d'essas nomeações na conjunctura em que as effectuou.

Depois da resposta do sr. presidente do conselho eu tomarei de novo a palavra se o julgar conveniente, ou mandarei para a mesa uma nota de interpellação.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - Sr. presidente, o governo acceitou e acceita o projecto de resposta ao discurso do throno, que está sujeito á approvação da camara dos dignos pares, como uma manifestação de deferencia para com a corôa, conforme o costume seguido desde alguns annos em ambas as casas do parlamento; e não podia o governo consideral-a de outra fórma, vendo que este documento é assignado pelo digno presidente d'esta camara o sr. duque d'Avila e pelo sr. José de Mello Gouveia. O governo, pois, entende que esta resposta é um mero cumprimento á corôa; mas se os dignos pares lhe quizerem dar outra significação e pretenderem por esta occasião discutir a resposta e apresentar quaesquer considerações sobre alguns actos de responsabilidade do governo, elle não deixará de responder.

O digno par, o sr. visconde de Chancelleiros deseja que o governo explique as rasões que o levaram a pedir á corôa a nomeação dos novos pares; procurarei satisfazer a s. exa.

Não posso deixar de relembrar a s. exa. os factos que se deram n'esta casa durante a ultima sessão legislativa, e que os dignos membros d'esta casa não terão de certo esquecido. Foi em virtude do que então occorreu que e governo julgou dever pedir á corôa a nomeação de um certo numero de novos pares, convencido de que assim, sem faltar á consideração e respeito que lhe merece esta camara, poderia fortalecer a sua acção e contar desassombradamente com a cooperação da mesma camara.

N'isto não excedeu o governo os limites constitucionaes, nem offendeu os direitos e as prerogativas d'esta casa do parlamento.

E na realidade custa-me a crer que o digno par venha pedir explicações dos motivos que actuaram no animo do governo para aconselhar a corôa a dar este passo.

Não póde s. exa. ter esquecido a situação insustentavel em que o governo se encontrava, e foram esta situação e as circumstancias que se deram nas ultimas sessões do anno passado, que o constrageram a lançar mão d'este meio. Não vejo nem posso encontrar motivo para, que os dignos pares queiram ou possam considerar aquella nomeação como um acto menos digno, como um insulto feito a esta casa do parlamento.

Das rasões que obrigaram o governo a submetter essa proposta á corôa, só elle póde ser juiz. O governo atendeu que não podia dignamente occupar estas cadeiras sem que lhe fosse concedida a nomeação de alguns pares pela corôa, a qual, apreciando todas as circumstancias que aconselhavam esta providencia, houve por bem annuir ao pedido do governo. Desde esse momento o governo toma e não póde deixar de receitar toda a responsabilidade de um acto que elle aconselhou e sustenta.

Não devo, n'este momento, acrescentar mais considerações algumas com relação ás perguntas que o digno par se limitou a enunciar, ainda na duvida de proseguir na discussão, ou de se reservar para tratar do assumpto em uma interpellação.

Se, porém, s. exa. quizer fazer mais algumas observações, estou prompto para responder mais detidamente a s. exa.

O sr. Barros e Sá: - Mando para a mesa o parecer da commissão de guerra ácerca do bill de indemnidade concedido ao governo, e apresentado pele sr. camara Leme.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Visconde de Seabra: - Peço a palavra sobre a ordem para depois de fallar o sr. visconde de Chancelleiros.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Se v. exa. permitte, eu cedo agora da palavra, e fallarei depois do sr. visconde de Seabra.

O sr. Presidente: - Visto que v. exa. não quer fallar agora, então tem a palavra o sr. visconde de Seabra.

O sr. Visconde de Seabra: - Fallou sobre o projecto em discussão e concluiu mandando para a mesa um additamento ao mesmo projecto.

(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver.)

Leu-se na mesa o seguinte:

Additamento

Finalmente, Senhor, a camara dos pares entende que faltaria ao impreterivel dever que lhe é imposto pela lei fundamental de estado (artigo 15.°, § 7.°) de velar pela sua guarda e pelo bem geral da nação, deixando de manifestar a Vossa Magestade, que, compromettida a liberdade e independencia do corpo legislativo, ou seja por violado da liberdade eleitoral, ou seja pela invasão numerosa e repetida de elementos partidarios adversos as poderes que, segundo a nossa lei fundamental reconhece, é a melhor garantir, da liberdade, tornar-se-ha um sophisma, uma ridicula mentira, como desejam e pretendem os adversarios da monarchia constitucional. = Visconde de Seabra.

Foi admittido á discussão, conjunctamente com o projecto, o additamento proposto pelo sr. visconde de Seabra.

O sr. Presidente: - Eu devo declarar á camara que sobre o projecto de resposta ao discurso da corôa, costuma haver uma só votação; e parece me que o digno par, o sr. visconde de Seabra, e a camara, concordarão em que, a ser approvado este additamento, deverá ser collocado depois do paragrapho respectivo. (Apoiados.)

O sr. Visconde ao Chancelleiros: - Sr. presidente, tinha eu cedido da palavra e pedido a v. exa. que antes de m'a conceder de novo, permitisse ao digno par, o sr. visconde de Seabra, o usar d'ella, intercalando-se assim s. exa. entre mim e o illustre presidente do conselho de ministro a quem me cabe responder agora.

Ainda bem que, levado por uma consideração de deferencia que toda a camara comprehenderia facilmente e sobre a qual ou não insisto, porque está de sobejo justificada pelo alto apreço em que todos temos as distinctas qualidades do digno par, ainda bem repito, que assim precedi. Em boa hora o fiz, podendo trazer em abono das considerações que apresentei e d'aquellas que vou ter a honra de apresentar a camara, a palavra auctorisada do digno par e o concurso valioso do seu apoio.

Aqui tem v. exa. ao meu lado defendendo com tanto enthusiasmo e vigor de convicto, como aquelle que me anima, os principios liberaes o homem que, sustentando-os hoje com a palavra, os affirmou primeiro com valor igual á convicção de hoje, nas luctas apertadas que se feriram n'este paiz para implantar n'elle o regimen da liberdade.

Sr. presidente, acceito o pensamento da proposta de additamento mandada para a mesa pelo digno par. Digo que acceito o pensamento, mas não acrescento que acceito a redacção d'elle, porque encontra essa redacção formulada já por uma fórma talvez mais incisiva, pelo menos tão vi-

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gorosa e por certo não menos eloquente nos paragraphos d'este folheto, cuja importancia o titulo apenas significará á camara.

Eil-o; é a Exposição justificativa e programma do partido progressista, lido em assembléa geral do mesmo partido na noite de 16 de dezembro de 1876. Devo a leitura d'elle á generosa benevolencia do illustre ministro do reino, que m'o offereceu um d'estes dias.

«A camara dos deputados, eleita não pelo paiz, mas pelos agentes do poder executivo, mercê dos mais ominosos processos de corrupção, exprime, na sua grande maioria, a vontade dos ministros, a cegueira dos interesses individuaes, a immolação da justiça, o desprestigio da administração, a indifferença publica e a decadencia do espirito nacional.

«A camara dos pares, nascida da prerogativa real, dirigida e aconselhada pelos ministros (tome a camara nota d'estas palavras) ou da cega designação da hereditariedade, não representa nenhum elevado interesse nacional, nem póde ter, em principio, a independencia e a auctoridade necessarias para conter as demasias, ou reprimir as funestas tendencias dos governos.»

É ou não, é eloquente a citação?

(Continua lendo.)

«Pois, apesar de compostas por esta fórma as duas camaras legislativas, ainda a constituição armou a prerogativa real com a faculdade amplissima de nomear pares sem numero fixo, e com o terrivel direito de dissolver e adiar a camara dos deputados.

«Assim viciada o deturpada a eleição, constituidas as camaras ao sabor dos governos, modificadas ou dissolvidas as suas maiorias pelo uso arbitrario das prerogativas, do poder moderador, que na pratica se não differença do executivo, com o qual vive em intimo consorcio (perguntariamos agora, desde quando? Até quando vão dizel-o o proprio folheto) até que as explosões do sentimento popular o advirtam da imminencia do perigo, o regimen constitucional, exceptuada a liberdade de escrever e de fallar, de que amplamente gosâmos, é a mais custosa burla... (vejam se não é incisiva e eloquente a expressão) com que póde illudir-se uma nação livre, que conquistou nos campos de batalha a sua alforria politica e o direito de reger-se a si propria.»

Não tinha eu rasão de affirmar que, sendo no fundo da idéa o mesmo o pensamento da proposta do sr. visconde de Seabra, não tem a redacção d'ella, nem mais vigor de eloquencia, nem mais importancia do momento do que a que inculcam e definem por si todos os citados trechos? O que lhes tira, porém, auctoridade, é a circumstancia da occasião; exactamente o contrario do que acontece com a proposta do digno par, que vem aqui hoje com um accento de convicção, que lhe faz honra, affirmar a mesma doutrina que o governo proclamou e que hoje renega.

Repito, sr. presidente, honra ao digno par, para cujos serviços á causa da liberdade fôra inutil appellar, para que a sua palavra tenha a auctoridade que lhe derivar da sua illustração, do seu passado e das suas condições. É auctorisado o seu voto, é competentissima a sua opinião, e deve-nos ser insuspeito o seu zêlo pela pratica sincera do systema representativo. Falla o soldado das campanhas da liberdade, o parlamentar distincto, o jurisconsulto abalisado, o auctor do codigo civil portuguez. E em defensão dos principios liberaes podemos dizer, applicando, a s. exa. o que de si proprio diz o famoso epico portuguez:

«N'uma mão prompta a espada e n'outra a penna.»

Não lhe abate o animo o cançasso da idade e talvez na ultima hora da vida, porque aos oitenta annos, como s. exa. disse, é curto o horisonte que temos diante de nós, veiu e apparece aqui defendendo e sustentando, com rara energia de espirito e vigor de convicção os principios que triste é ter de fazer relembrados, porque depois de cinconta annos de vida constitucional nunca se deviam ter por esquecidos.

Voltêmos, porém, de novo a este evangelho politico; (mostrando o folheto) evangelho, sim, ou antes catechismo de boa politica, por onde eu prometto dirigir-me sempre na minha vida de opposição. Aprende-se n'elle como se deve conduzir e guiar o espirito do publico e do proprio partido quando se combate o poder, como ali nos actos d'aquelle gabinete se desaprende e se deixam esquecidos os principios que este catechismo professa; como se deixam tambem preteridas e perfeitamente obliteradas todas as praxes de bom governo.

(Continua lendo.)

«A reforma da carta, tomando por base os projectos já apresentados ás côrtes, nos quaes se inclue, alem da ampliação das liberdades e direitos individuaes, a reforma essencialissima... (ouça, ouça bem a camara) da camara hereditaria, com intervenção directa do paiz na sua composição, completará o quadro das alterações e melhoramentos que se nos afiguram urgentemente reclamados nas instituições politicas do reino.»

Oh! sr. presidente; pois o illustre presidente do conselho de ministros, de cuja honradez e de cuja lealdade de caracter nós todos damos testemunho, s. exa., que tem nas mãos as redeas do governo, que tem a suprema direcção do partido que esse mesmo governo representa, deixa tão afrouxados os laços de disciplina, ou traz tão esquecidos os artigos de fé do seu programma politico, que, não só os não cumpre e não obriga os seus collegas a respeital-os e a cumpril-os, e o proprio partido a exigir e a insistir pela satisfação d'elles, mas até, o que é verdadeiramente extraordinario e incrivel, vem ao seio do parlamento protestar por meio de declarações explicitas contra a doutrina que s. exa. acceitou e referendou com o seu nome? Tão obliterados traz s. exa. a affirmação da doutrina do partido a que preside e os compromissos d'elle e seus para com o paiz?

Como póde s. exa. contrapor a affirmativa com que. hoje respondeu ás minhas perguntas á idéa claramente definida e formulada no trecho cuja leitura acabo de fazer á camara?

Pois s. exa. perante a assembléa geral do seu partido (e não commento nem defino a significação do termo) promette a reforma essencialissima da camara hereditaria, e assevera hoje que a nomeação de novos pares prova o respeito que ao governo merece esta camara, fazendo em termos claros a apologia d'esta instituição? O que vale para nós? O que vale para o paiz? O que vale para o partido que s. exa. representa? É a declaração que acaba de fazer, ou aquella que em nomeias exigencias do partido, e todos pensarão que com a annuencia e accordo do seu chefe, fazem na tribuna da outra casa do parlamento aquelles dos oradores que o governo assevera ter como o mais prestante apoio da sua politica e como a mais eloquente affirmação das suas idéas?

Se somos incompativeis com o espirito do seculo, como pretendem governar comnosco?

Se guardâmos no nosso seio o monstro horrendo do privilegio, porque pretendem e procuram antes viver com elle n'uma paz accommodaticia do que tentar esmagal-o em lucta apertada e intransigente, como tão energicamente apregoaram no seu programma?

Sr. presidente, de tudo se tem accusado esta camara, accusaram-na até, de ter reflexos vermelhos na palavra da sua tribuna. Eu não os vi nunca, nem sei que nenhuma palavra os tenha; mas se alguma vez, sem illusão optica, se póde affirmar que um reflexo vermelho veiu contrastar com a monotonia das côres sombrias d'esta sala foi de certo quando o governo, esquecendo o que devia á dignidade do episcopado portuguez, trouxe a esta casa em occasião solemne, na ultima hora de um debate renhido e apertado, em uma questão a que não estava vinculado nenhum inte-

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resse grave para a igreja nem nenhum principio de salvação publica para o estado, um venerando prelado, cujas vestes prelaticas tinham com effeito reflexos vermelho, como os tem sempre a purpura cardinalicia.

Voltemos, porém, sr. presidente ao ponto importante sobre o qual eu provoquei, ha pouco, a resposta do sr. presidente do conselho. Nem se estranhe que seja tão grande a minha insistencia, ou, direi melhor, a nossa insistencia em pedirmos ao governo que nos diga qual a rasão constitucional da nomeação dos novos pares. E sinceramente confesso que me parece singularmente extraordinario (e da mesma opinião já a camara sabe que é tambem o sr. visconde de Seabra) que, sendo a resposta ao discurso da corôa uma como que revista politica de todos os factos sociaes e de todos os actos do governo e de todos os successos politicos que se tenham dado no intervallo das duas sessões, nenhuma referencia se faça ao importante acontecimento politico da nomeação de novos pares!

E mais extraordinario se torna ainda o silencio do discurso da corôa a tal respeito, quando não deixou de expor e commentar o facto de que as eleições de deputados nos circulos vagos se realisaram com perfeita tranquillidade.

Sr. presidente, creio que é mais regular e normal que se proceda ás eleições supplementares nos circulos vagos do que se nomeiem novos pares sem rasão constitucional que justifique essa nomeação. Diga-nos, pois, o illustre presidente do conselho o que o discurso da corôa não nos póde explicar. Perguntei já a s. exa. qual a rasão da nomeação de novos pares? S. exa. não a deu; qual a rasão da escolha d'elles, s. exa. não a disse; qual o motivo por que preferiu para a nomeação esta conjunctura, e nem uma palavra, nem uma syllaba o illustre ministro proferiu a tal respeito!

Oh! senhores, pois não vale a pena conhecer a rasão de todos estes factos? Pois o governo não deve ter todo o interesse em os explicar, em procurar que essa explicação seja a justificação d'elles? E se o governo o não quer dizer, que o digam áquelles sobre quem recaíu a graça da prerogativa real.

Digam-nos, senhores, o que vem aqui fazer? (Hilaridade.) São o cavallo de Troia, como figuradamente disse o sr. visconde de Seabra? Trazem no bojo, sob e costado de madeira, preparados e apparelhados todos os elementos de guerra? Diga-se e saiba-se isso. Se é a guerra o que o governo quer, eu de mim confesso que com ella conto e para ella venho preparado, tanto quanto o podem permittir os fracos recursos de que disponho.

E aqui permitta-me v. exa. que eu abra um parenthesis e que eu diga porque conto com a guerra e porque me preparei para ella. Respondo assim áquelles dos meus amigos e áquelles dos meus collegas, que tambem o são, e aos que, não o sendo, nem por isso deixam de ter commigo as relações de uma boa camaradagem politica, a todos respondo sobre um facto que me diz respeito e sobre um ponto que parece interessal-os: se dada a nomeação de novos pares eu estava resolvido a continuar no exercicio das minhas funcções n'esta camara. Agradecendo por esta fórma o cuidado e interesse de que lhes sou devedor, e que os mal intencionados poderiam confundir com o desejo de me verem pelas costas, (Riso.) respondo a taes perguntas com a seguinte explicação.

Revi, de caso pensado o fiz, o discurso em que na passada sessão me referi á nomeação de novos pares. Vem essa referencia intercallada nas considerações que apresentei sobre uma proposta do governo que eu não rejeitei. E, diga-se a verdade, em mais de uma occasião votei, ou antes votámos os membros da opposição n'esta casa, mais de uma das propostas do governo.

Dizia eu então, e chamo sobre este ponto a attenção da camara, para que ninguem me accuse de renegar hoje o que eu disse hontem, para que se não diga que sou hoje contradictorio com aquella minha declaração, o que do certo feriria dasagradavelmente a minha susceptibilidade, dizia ou então: «Se por desgraça d'este paiz, depois de tantos annos de pratica do systema parlamentar, eu visse, esquecidos as boas praxes parlamentares, invertidos todos os principios do systema, que na mesma sessão em que entraram aqui vinte e seis pares, nomeados pelo poder moderador, sob a responsabilidade do governo que aconselhou essa nomeação, ainda para assegurar o apoio d'esta camara, o mesmo governo pedia e aconselhava á corôa a nomeação de novos pares, eu, firmemente o declaro, não me conservarei n'esta casa senão o tempo necessario para verberar com as objurgatorias merecidas (é o que estou fazendo agora), com toda a insistencia de energia e de animo (é o que continuarei fazendo depois) uma tão violenta offensa á independencia de opinião d'esta camara, e um tão imprudente attentado contra todos os principios do nosso regimen politico.

«O sr. Conde de Rio Maior: - Apoiado, apoiado.»

(Sinto que não esteja presente o digno par. Continuaria s. exa. a apoiar-me ainda, se um pertinaz soffrimento, com sentimento meu e da camara, o não impedisse hoje de estar assistindo aos nossos debates.

(Continua lendo.)

«Affirmo mais: esse acto será uma ameaça dirigida ás nossas instituições, affrontando a dignidade d'ellas e pondo em riscos os mais sagrados interesses do paiz. (Apoiados.)

«Não creio que isto se tento mas se, desgraçadamente, tal facto se désse, eu sei o que o meu dever me impunha, e sei que não havia de deixar preterido o cumprimento d'elle.»

Aqui tem v. exa. o que eu disse n'aquella sessão. Se eu quizesse recorrer a essas interpretações e evasivas, por onde muitas vezes politicamente, sobretudo nos bancos do poder, se escoa toda a responsabilidade da palavra, nem citava o que disse, nem interpretava o que pensei então.

Como a camara ouviu e como algum dos membros d'esta casa se lembrará de certo, eu dizia:

«Se na mesma sessão em que entraram aqui vinte e seis pares o governo aconselhasse á corôa ainda a nomeação de mais outros...»

Visivelmente eu não me referia nem podia referir senão ao boato, que então corria, de que seriam nomeados ainda novos pares no fim da sessão passada para que e contrato do caminho de ferro de Torres Vedras, cuja approvação encontrava, segundo se dizia, uma grande reluctancia de opinião n'esta casa, podesse ser approvado. Ora, os novos pares foram nomeados n'esta sessão e não na passada. Não e de crer que mesmo, discutindo-se o contrato de Torres, o venham votar n'esta camara depois de o terem já approvado na outra. Fallo, bem entendido, dos novos pares que tinham assento na outra casa do parlamento. Portanto, a conjunctura, é outra, a hypothese a que eu me referia na minha declaração não se deu; ainda assim, porém, torna-a extensiva ás circumstancias em que nos encontrâmos e mantenho-a para todos os effeitos, affirmando hoje o que sustentei então. Nem póde deixar de ser assim. A nomeação de novos pares é tão offensiva dos principios constitucionaes hoje como hontem. Então como hoje constitue uma sophismação dos principios do systema representativo e tende apenas, como muito bem disse o digne par que me precedeu, a converter esta camara n'uma chancella.

Sr. presidente, recebi a investidura do pariato, não da attribuição do poder moderador, mas do preceito da carta, que constitue para o pariato e direito hereditario. O meu logar n'esta casa devo-o á constituição e não a nenhum dos poderes constituidos. Estou, pois, completamente independente com relação a elles e recebo apenas da minha consciencia e do cumprimento do meu dever a inspiração que determina os meus actos na vida publica. Pretende o governo converter esta camara n'uma chancella? Bem, pois eu hei de estar n'esta camara, e assim o affirmei aos srs. ministros antes da nomeação dos novos pares, tanto

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tempo quanto seja necessario para provar ao governo que depois ainda d'essa nomeação a camara ficou como estava e o governo por esse facto não logrou obter um mais firme apoio para a sua politica.

E não vae n'isto o desejo de satisfazer qualquer capricho de vaidade. Impuz-me esta obrigação em cumprimento de um dever politico. Na minha carreira parlamentar, com vinte e tantos annos de vida politica, trabalhei sempre e pugnei sempre pela pratica sincera e leal do systema representativo, tal qual os principios o definem, tal qual as prescripções do nosso codigo politico o constituem. Tive sempre a responsabilidade da minha opinião, procuro fazel-a valer diante das situações que combato, ou mesmo em face d'aquellas que tenho apoiado; porque não é verdade, e folgo de o declarar, que eu não apoiasse nunca nenhuma situação politica. Pois não apoiei a do sr. bispo de Vizeu emquanto a vi inspirada do desejo sincero de fazer economias e de procurar restabelecer o equilibrio do nosso orçamento, entre outros meios pelo da reducção das despezas?

Desgraçadamente, sr. presidente, até esse mesmo artigo de fé do seu credo politico o partido reformista riscou do seu catechismo depois do casamento hybrido d'esse partido com o partido historico pelo pacto que deu logar a que se publicasse o programma de que resa este folheto. Continuarei, pois, occupando n'esta camara a posição que tenho occupado constantemente n'ella diante de todos os governos, emquanto me não convencer de que é inutil e esteril todo o zêlo que possamos empregar em servir assim a causa da liberdade e os interesses do paiz, pugnando pela verdade do systema constitucional. E faço mais serviço ao governo combatendo os seus actos n'este logar do que accusando-o e aggredindo-o em outro qualquer.

Dão-nos por suspeitos a nós, os que estamos aqui por direito de successão, por procedermos do direito hereditario, do monstruoso privilegio que não inventámos e que achâmos definido na constituição do estado. O meio, porém, de combater esse privilegio não é de certo o da nomeação de novos pares, a quem elle aproveita ainda. Não imagino que o governo julge extinguir o privilegio da hereditariedade pelo exercicio da attribuição do poder moderador nomeando todos os annos novos pares. Por isso perguntava ha pouco ao illustre presidente do conselho de ministros a rasão d'essa nomeação.

Não quer, não póde crer s. exa. que eu a interprete pelo modo singular por que a voz publica deu rasão d'ella. Affirma-se, e muitos dos meus collegas dão de certo testemunho d'essa affirmativa, que o governo tivera o intuito de equilibrar umas certas resistencias politicas que encontrava n'esta casa, com elementos que lhes eram antinomicos, e por isso mesmo as podiam corrigir. Assim dizia-se que procurava oppor ao animo irrequieto e á bilis um pouco irascivel do digno par o sr. Vaz Preto, o sr. Pereira Dias, que, sob a influencia da inspiração de uma politica diversa, tinha tambem o condão de deixar que o seu animo se exaltasse facilmente na defeza dos principios da sua escola. Não sei se o boato tem fundamento. A tel-o, pedirei ao novo par que quando tomar posse do seu logar se vá assentar ao lado do digno par o sr. Vaz Preto. (Riso.)

Para se oppor ás verduras do meu espirito, pouco compativeis na verdade com a idade já avançada a que cheguei, não sei de quem o governo se podia lembrar... talvez por espirito de antithese se lembrasse do sr. dr. Secco. (Riso.)

Tem-se dito e asseverado muitas vezes, de palavra e por escripto, com responsabilidade d'este governo e do partido que elle representa, que esta camara é incompativel com o espirito do seculo. Oh! senhores! mas se o espirito do seculo nos não illumina e não vive tambem entre nós, onde está este espirito do seculo? Está nas academias? Está nas escolas superiores? Está na universidade? Pois não tem sido nas academias, nas escolas superiores e na universidade onde, na sua grande maioria, se tem ido recrutar os novos pares? E nem com esses entraria n'esta casa o espirito do seculo?

Se os novos pares nos não trazem, pois, a inspiração do espirito do seculo, trarão comsigo um argumento contra a hereditariedade? Tambem não, porque par de sua natureza vitalicio, e a quem, portanto, não aproveite o principio da hereditariedade, entre os novos pares só vejo um: o sr. Pires de Lima, que está nas condições em que se encontra n'esta casa o episcopado portuguez.

Posso, pois, perguntar ainda e com a mesma insistencia: qual a rasão da escolha dos novos pares? A que vem s. exas. aqui? E qual o intuito sincero do governo propondo ao poder moderador a nomeação d'elles?

Sr. presidente, formulo de novo a mesma pergunta, mas arreceio-me já de que ella fique sem resposta por parte do governo.

O mesmo aconteceu, e acontecerá ainda, com a interrogação que dirigi ao governo sobre a rasão da conjunctura que elle aproveitou para pedir ao poder moderador a nomeação de novos pares. O illustre presidente do conselho nada me respondeu a esse respeito, e se s. exa. o sr. ministro do reino quizesse substituir o seu collega e dar-me em logar de s. exa. as explicações que pedi, eu deixava que ellas se intercallassem agora, entre as palavras que estou proferindo. Quer s. exa., por um favor de deferencia pessoal, dar com effeito essas explicações agora?

(Pausa.)

Não quer, pois ganhava com isso a discussão. Vamos, pois, á rasão da conjunctura.

Sobre esta, repito, nada disse o sr. presidente do conselho. S. exa. envolveu-se nas questões de generalidade. Disse que o governo desejava manter a sua dignidade e que não podia, insistiu ainda s. exa., occupar aquellas cadeiras (apontando para as do ministerio) sem propor e obter da corôa a nomeação de novos pares. Não disse, porém, s. exa., qual era a rasão d'essa humilhação para o poder que representa. E seria essa em parte a explicação do facto que convem saber e conhecer.

Se o governo quer significar pela sua declaração, como aliás á podemos interpretar pelas declarações feitas na outra casa do parlamento pelo illustre ministro do reino, que a humilhação a que agora allude lhe resultava do facto de para a approvação de alguma das suas propostas, ter de entrar, segundo tambem declarou, em transacções com a opposição d'esta casa, convem declarar: 1.°, que essas transacções estão na indole do systema, porque o systema representativo é da sua propria natureza um systema de transacção, e em segundo logar que, se s. exa. achou conveniente o transigir com a opposição no periodo da sessão passada, poderia ter continuado a transigir da mesma fórma, na sessão cujo periodo começa agora. A indole accomodaticia do sr. Fontes é bem conhecida. Como homem de governo e estadista distincto transigiu muitas vezes sendo governo, e transigiria sempre na opposição, quando não soffresse com isso o decoro do seu partido nem os principios da sua escola. Se o governo colheu d'essas transacções o resultado lisonjeiro de fazer passar n'esta camara as suas propostas (e todas as que se discutiram foram approvadas, mesmo as que soffreram maior opposição, como a que dizia respeito á arrematação do real de agua) continuasse seguindo o mesmo systema. Se não queria transigir, provocasse agora, ou tivesse provocado na sessão passada o conflicto.

Dado elle, propozesse ao poder moderador a alternativa ou a nomeação de novos pares, ou a demissão do governo.

Que vale dizer agora que as transacções com a opposição eram ignominiosas para o governo? Que vale citar a phrase attribuida a s. exa. o sr. Fontes, de que só apoiaria esta situação emquanto... (direi a phrase, que não é no

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seu rigor uma phrase parlamentar) fizesse isso arranjo a s. exa.? Pois se estas palavras eram offensivas dos brios ministeriaes de s. exas. porque não provocaram, logo que d'ellas tiveram conhecimento, o conflicto parlamente? Pois a susceptibilidade do governo considera hoje indigno o que ha um anno era licito e decoroso?

Sr. presidente, não senhor, não foi esta a rasão da nomeação de novos pares, alem dos vinte e seis nomeações na sessão passada, era necessario propor este anno a nomeação de mais dezeseis. E sabe v. exa. porque e para que? Porque, alterada na fórma a condição do programma, não investindo contra o rei, era necessario investir contra esta camara.

Fôra curioso conhecer a rasão constitucional e as rasões politicas que o governo teria empregado para convencer o poder moderador da necessidade impreterivel da nomeação de novos pares. E creio que são estas mesmas rasões as que o governo devia, produzir perante o parlamento e perante o paiz. Porque as não diz? por que as não confessa? Pois basta dizer: propozemos ao poder moderador a nomeação de novos pares, porque sem essa nomeação não podiamos conservar dignamente o poder? Foi isso o que se disse? Foi isso apenas? ou mais do que isso? ou nem isso mesmo se disse?

Sr. presidente, as relações do poder executivo com o poder moderador não se estabelecem, creio eu, nem se determinam por conversas particulares, e se os srs. ministros a quem cabe a responsabilidade do pedido da nomeação de novos pares, tomam tambem sobre si a responsabilidade do acto do poder moderador, comecem por nos dizer o que allegaram perante elle.

Não invocarão, creio bem, como rasão justificada do seu pedido o contrato de Torres Vedras ao qual o governo não dá a importancia de uma questão politica. Não foram dizer que tinham tido um conflicto com esta camara, porque estava encerrado o parlamento. Que disseram pois, ou que diriam ainda se essa responsabilidade que dizem assumir se lhes podesse tornar effectiva?

Sr. presidente, não disseram nada. O que porém s. exas. não querem dizer dizem-nos os factos que fallam bem alto, dizem-no as circumstancias que se deram e que justificam a rasão da occasião que eu pedia ao illustre presidente do conselho que dissesse e confessasse. S. exa. não quiz ou talvez mesmo não o possa fazer, mas o que s. exa. não diz digo-o eu, que posso e quero dizel-o.

A nomeação de novos pares deu-se porque o governo necessitava de uma rasão de força artificial para poder viver.

Expliquemos o facto.

O governo, como a camara sabe, como sabe todo o paiz, e como o proprio governo o não póde negar, deixou de cumprir todas as condições do seu programma. Peior ainda, não só não compriu o que prometteu, como continuou seguindo na pratica do governo todas as praxes que tinha condemnado na opposição. Disseram que o seu fim principal, que a sua missão providencial era organisar a fazenda publica, equilibrar a receita com a despeza, tirar a ordem do chaos e nem sequer aliás poderam tirar partido das questões favoraveis que deviam ter protegido a iniciativa de tal regeneração. Encontraram cerca de 4.000:000$000 réis nos cofres do thesouro; 25.000:000:000 de francos no Comptoire d'escumpte; a subida do cambio do Brazil permittiu que por fortes remessas se melhorassem as condições economicas do paiz, na instituição da caixa gora dos depositos, cuja apologia eu não insiste em fazer agora com, quanto me não cance nunca de a celebrar, encontraram o mais prestante de todos os concursos, recebendo d'ella fortes sommas com emprego na divida fluctuante e obtendo sob a sua concorrencia com os outro prestamistas do estado uma reducção importante nos encargos da mesma divida. Alem d'isto as condições externas influiam tambem favoravelmente em Portugal. A crise industrial o mercantil, que por tanto tempo se fizera sentir na Europa, chegára ao seu termo e o proprio sr. ministro na fazenda confessa no seu relatorio que se sente bafejado pela aura bemfazeja que hoje sopra na Europa.

E como aproveitaram tão favoraveis condições?

Crearam pela falta de espirito pratico, de prudencia e de tino, na apreciação do estado economico de paiz, da sua justificada reluctancia ao imposto que temos sempre procurado desacreditar, tornando-o impopular pelos vexames inuteis que lhe temos sempre dado por cortejo; crearam, repito, uma fatal reacção que está dando já elementos de uma agitação compromettedora, que a menor imprudencia póde aggravar. O governo sabe bem o que se está passando no norte do paiz, e póde avaliar desde já que reluctancias terá de vencer na execução do regulamento do imposto de rendimento, cujas disposições eu ainda hontem li, e cuja leitura tão desfavoravelmente me impressionou o espirito.

Em taes condições a prudencia aconselha a que se não irrite a opinião, a que se não affrontem as opposições parlamentares exaltando se lhes o espirito com actos injustificados e injustificaveis, como o da nomeação de novos pares.

A opposição n'esta casa do parlamento faz o seu dever apreciando esse acto como um acto de politica violenta, por isso mesmo que vale tanto como um acto de politica facciosa contraria ao espirito do systema parlamentar. Combatendo-o com energia, a opposição d'esta casa faz ainda, um bom serviço ao governo e ao paiz. Abre, por assim dizer, um a valvula de segurança á força expansiva do espirito de opposição que agita e move o espirito publico. E, com confiança o declaro, sr. presidente, e desassombradamente sustento e affirmo, que se a opposição saísse d'esta sala e deixasse o ministerio entregue a si mesmo, elle não podia ter, não póde dizer que teria, força para garantir a ordem publica.

Isto constitue já de si uma situação difficil para o governo. Tentou elle desaffrontal-a de tão graves difficuldades? Imprudente e dir-se-ía quasi, se não fosse absurdo, que, intencionalmente, veiu ainda complicar mais essa situação, praticando actos irreflectidos, cuja responsabilidade procurou evitar por meio de evasivas e expedientes contradictorios, que ainda mais o comprometteram perante a opinião do paiz e até mesmo perante o seu proprio partido.

Fallo da chamada questão dos coroneis. Refiro-me aos decretos pelos quaes foi concedida para os effeitos da reforma a antiguidade retroactiva a uns certos officiaes militares. Eu não trato, não quero tratar, não é a occasião propria de tratar de similhante assumpto. Ninguem levanta um corpo morto para o interrogar; se o levantam e tomam em mão é para com o escalpello fazer a dissecção d'elle; e eu dispenso-me de tão repugnante trabalho anatomico. Esta questão é de tal modo desgraçada que o governo não tem senão um unico meio a que se soccorrer para a sustentar e defender; é o de resar contricto o penitet me e pedir a absolvição das suas culpas. Graças, porém, a esta questão deu-se um conflicto entre os membros de governo, e s. exas. resolveram não assumir a responsabilidade do decreto que fôra o pomo da discordia e atirar ás feras o seu collega que lhes offerecêra com elle tamanhas rasões de divergencia.

Tendo saído do ministerio o sr. João Chrysostomo de Abreu,, foi suspenso o decreto. Tiveram igual sorte o decreto e o ministro que o referendára; o decreto foi suspendo e o ministro foi guindado, sim, foi elevado ao pariato. N'esta questão ha duas cousas notaveis: a benevolencia, do ministro demissionario para com o governo acceitando a nomeação de par; e o espirito conciliador do governo offerecendo a s. exa. nomeação.

(Áparte do sr. Vaz Preto e de outros dignos pares.)

Bem, se a não acceitou, tanto melhor. Procedeu s. exa. perfeitissimamente bem e d'aqui declaro a s. exa., que sabe quanto aprecio o seu caracter e qualidades, e que deve fazer justiça á franqueza d'esta declaração, que tenho pena

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que não caiba agora na minha iniciativa propor um voto de louvor por tal resolução. Se pelo contrario, porém, s. exa. acceita a nomeação de par, estranhando o facto, não posso deixar de dizer que sinto que elle se dê.

Ponho ao lado da estranheza que a acceitação provocaria no meu espirito o justo louvor que n'elle determina a resolução contraria.

Foi, pois, sr. presidente, suspenso o decreto, assumindo o novo ministro da guerra a responsabilidade d'esta suspensão. Passado pouco tempo foi depois posto em vigor o mesmo decreto assumindo ainda o novo ministro a responsabilidade d'esta resolução. Tomada ella, começam para explicar todas estas contradicções a brigarem entre si as declarações do sr. ministro do reino e do sr. ministro da guerra com as explicações que sobre o mesmo facto deu o ministro dimissionario.

A gravidade e a importancia d'esta questão foi tal, que os primeiros protestos de indignação, que se levantaram contra ella e com que accordaram a indifferença publica, partiram, creio eu, dos proprios jornaes do Porto affectos á actual situação politica. E já v. exa. vê que este grito de alarme levantado no seio do proprio partido, que todas estas divergencias pronunciadas no seio do proprio gabinete, bem longe de serem um symptoma de força e de vitalidade para o ministerio eram o prenuncio seguro de uma queda fatal. Pois bem, foi esta exactamente a conjunctura que o governo achou mais facil e propria, para propor á corôa a nomeação de novos pares. E isto porque? Porque faltando ao governo rasões de força propria, queria ganhar, como já disse, uma rasão de força artificial.

É esta a rasão da conjunctura que o sr. presidente do conselho não quiz definir nem acceitar e que foi com effeito aquella em que se deu e que provocou, o acto politico que estou apreciando.

A camara comprehende, de certo, o meu pensamento. Eu digo que o governo, sem o apoio da opinião publica, porque o não merecia pelos seus actos, não podendo demittir-se sem comprometter talvez a existencia do seu partido, procurou o apoio da força, que eu chamo artificial, porque não é a resultante dos elementos de ponderação do systema representativo, e que por ella procurou substituir aquella que vivifica o espirito de iniciativa no regimen parlamentar, isto é, a força das maiorias com uma relação de afinidade proxima com o paiz que representa.

Este elemento de apoio valia tanto mais quanto mais difficil fosse o conquistal-o. E se a palavra se recusa ás vezes a traduzir fielmente o pensamento na expressão rapida em que elle se exprime e significa, sobretudo para quem falla, embora com convicção, sobre a inspiração do momento, permitta-me a camara que eu inculque a minha idéa e a faça comprehender por meio de uma imagem que eu em preguei já n'outra occasião creio eu, com referencia ao partido historico, em tempo em que tinha a direcção d'elle o sr. duque de Loulé, a cuja memoria eu presto o respeito que me mereceram sempre as suas distinctas qualidades. Imagine a camara que tomamos de duas lanças e armâmos com ellas uma força caudina, digamos a alguem que passe por baixo d'ella. Se é ignominioso o passar de pé e do collo erguido, mais custará a qualquer o passar curvando-se, dobrada a cerviz. Isto aconteceria com o ministerio. Era humilhante para elle, perante o paiz e perante os poderes publicos constituidos, o propor ao poder moderador a nomeação de novos pares em condições mais lisonjeiras do que aquellas em que o governo se encontrava; mais humilhante era; com effeito, o fazel-o n'aquellas em que elle de facto se encontrou.

Se, porém, a humilhação era maior, tambem a força que a impoz e determinou devia ser, o era maior; portanto, o sacrificio dos principios e da dignidade do poder ás exigencias do partido deve ser mais efficaz, e deve tambem ser tido por elle em maior conta. O partido, pois, que o agradeça ao governo que tem. O paiz e o credito das instituições é que lh'o não podem nem devem agradecer. Vale muito para credito do systema representativo e influencia d'elle a auctoridade e a respeitabilidade dos poderes constituidos, e n'esta questão, desgraçadamente, não foi sacrificada apenas a dignidade do puder executivo. Que quer o governo? Deseja inculcar que temos governo pessoal, aquelle governo que tanto combateu com o seu partido, quando eram opposição, e ao lado de s. exas. estava eu tambem quando na chamada, restauração do governo passado o combatemos como symptoma e prenuncio do governo pessoal? Então inculquei eu como um gravissimo erro e não menos grave perigo, a tendencia funesta de inverter-as boas praxes parlamentares, de impedir a rotação natural dos partidos, e a de dar azo a que, ferida a susceptibilidade d'aquelles que se consideravam systematicamente excluidos do poder, as demasias de linguagem, irrompessem n'aquelles excessos que todo lastimâmos. Vim aqui de proposito e caso pensado protestar contra esse facto, e trabalhei por mostrar tanto quanto cabia nos fracos recursos da minha palavra, a que graves perigos nos conduzia a infracção dos principios e das praxes seguidas no systema representativo.

Estas minhas opiniões mantenho-as intactas, e, hoje como hontem, condemnei e condemno todo o governo pessoal, seja qual for a fórma sob que elle se quer impor, sejam quaes forem as circumstancias com que o pretendam justificar.

O digno par o sr. visconde de Seabra fallou com grande entono de convicção dos perigos que a demagogia nos traz imminentes. Permitia me, porém, s. exa. que eu lhe diga que o julgo assoberbado por um terror que eu não partilho. Pelo menos, essa idéa não me preoccupa o espirito, nem influe sobre elle como uma preoccupação seria e atterradora. Não temos por ora, creio, as condições que se dão em outros paizes. O meio em que se encontra o nosso povo não o prepara, de certo, para uma tal exageração e exaltação de opiniões politicas. Não temos a demagogia, como não temos tambem o proletariado. E já em outra epocha escrevia o nosso chorado collega Fernandes Thomás que em Portugal o proletariado trajava casaca, porque proletarios eram os empregados publicos quando lhe não pagassemos o que lhe devemos. Não creio, pois, que tenhamos por ora a temer os excessos da demagogia. Se os nossos erros lançaram já á terra aquella semente, as condições economicas do paiz e as suas condições de civilisação não permittiram ainda que ella vingasse e se desenvolvesse.

(Interrupção do sr. visconde de Seabra que se não ouviu.)

Se o digno por não quiz definir, por prudencia, o que entendo por demagogia, eu seguirei o seu exemplo, e conter-me-hei nos limites d'essa mesma prudencia guardada pelo meu illustre collega. Direi só que não temos demagogia, já se vê nas condições de partido militante, com quanto seja, com effeito, muito democratico o espirito da nossa sociedade.

E, diga-se a verdade, trabalham os governos, pelos seus erros, para que elle se desenvolva. Sob este ponto de vista, a nuvem calliginosa de que fallou o digno par está, com effeito, nos limites do nosso horisonte politico. Se ella se condensará e se tornará prenhe de tempestades, não o sei o que sei e affirmo é que, se por um lado os erros politicos podiam importar um auxilio efficaz aos adversarios do systema dynastico, por outro lado hão de incutir-lhos uma certa hesitação e constante receio. Todos dirão que, se a republica triumphasse n'este paiz, por desgraça d'ella, teria immediatamente, na sua primeira hora de triumpho, ao seu lado todos aquelles que têem contribuido para desacreditar as nossas instituições e para comprometterem com esse descredito a monarchia.

Esta é a verdade, sr. presidente. Temos feito com relação aos principios politicos o que faremos com relação ao systema politico, o que temos feito já com referencia aos poderes publicos que elle constituiu. Serão bons ou maus,

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segundo a occasião. Pois não vemos o governo ter esquecido os principios do seu programma, ir de encontro a elles quasi que em todos os actos da sua vida politica, e começar a proclamados agora, na hora da crise e do desalento do seu partido, para tentar reanimal-o, acalentando-o com a idéa de novas reformas? Lá só accende do novo o apagado pavio da reforma da camara dos pares. Já se pedem e já se proclamam as reformas politicas, senão pela bôca do governo, pelo menos pela voz da extrema esquerda do partido que elles representa no poder. Seja. Venha a reforma eleitoral dando representação ás minorias, como se todas as leis e systemas eleitoraes que temos tido lhes não dessem essa representação! O que tem faltado ao paiz é um systema eleitoral que lhe garanta a representação no parlamento da sua grande maioria, que é a que podo governo bem differente do que tem tido. Querem dar-lh'o? Accommodem o systema eleitoral á educação do nosso povo. Substituam o systema de eleição directa pela indirecta. Vale a pena modificar n'este ponto o programma, o celebre programma da noite de 16 de dezembro, cuja data deve ficar memoravel, como a da noite de 4 de agosto em França.

Tem graça, sr. presidente, ouvir faltar da representação das minorias quem confessava abertamente que até hoje a camara dos senhores deputados não tem significado, nem exprimido, senão a vontade dos ministros! Pois os srs. ministros não affirmaram isto no relatorio do seu programma? Não ouviu a camara ler isto mesmo?

Quando a gente se lembra, sr. presidente, do que é, do que tem valido para o povo o direito de votar! Saiam dos grandes centros de população, vão lá, vão ás povoações ruraes e perguntem aos eleitores, ou antes aos portadores de lista, quantos vexames, quantas arbitrariedades elles têem soffrido sob a pressão das influencias que os levam á urna!

Já alguem disse que para o povo o direito de votar significava apenas a obrigação de perder algum dia do trabalho. Disseram-no em França. Em Portugal sáe-lhe mais caro.

Mas emfim, vamos á reforma do nosso systema eleitoral. Eu sou por ella. Oxalá que seja accommodada, repito, á educação constitucional do paiz. Desconfio de que o não seja. Arreceio-me das garantias de liberdade da urna dadas por iniciativa de um governo ao qual devemos a arrematação do real de agua, as commissões de parochia no imposto de rendimento e outras bellezas de igual jaez,

E a este respeito me lembra, sr. presidente, um facto que, entre muitos, vem provar a firmeza de opinião dos nos nossos homens publicos.

Em 1874 dizia o sr. ministro da fazenda, que sinto não ver presente, no seu relatorio sobre o estado da fazenda do municipio de Lisboa, que era triste ver que de um imposto pesado, exclusivamente pago pelo povo de Lisboa, apenas o seu municipio recebesse, e a titulo de concessão ou subsidio, uma somma relativamente pequena. Annos depois vem o annuario estatistico da direcção geral das contribuições directas provar que o que Lisboa paga está em tal desproporção com o que pagam de imposto todas as outras terras do paiz, que chega essa desproporção a tocar as raias da iniquidade! Bem. Que fez o illustre ministro da fazenda para corrigir tamanhas monstruosidades? Applica-lhes como correctivo o imposto de rendimento! E a capital supporta isto? Supporta, e faz muito bem em supportar.

Sr. presidente, não desejo abusar da paciencia da camara, e limito-me a apresentar estas considerações, esperando ter o prazer de ouvir o sr. ministro do reino, e tendo talvez de tomar ainda a palavra no decurso d'este debate.

(O orador foi muito comprimentado.)

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Sr. presidente, eu pedi a palavra para dar algumas explicações que se exigem do governo.

Ouvindo as declamações tetricas, e as violentas censuras, que acabam de ser pronunciadas, eu devia suppôr que Catilina bate ás portas de Roma, ou que pelo menos muito funesta tem sido a gerencia do actual governo!

Em presença de tão sombrio quadro, como o que a caprichosa imaginação dos dignos pares desenhou aos olhos da camara, e em face de tão violentas o graves accusações, eu interrogo friamente a minha consciencia, consulto a historia, da nossa administração, examino as arguições, com que havemos sido flagellados, e não chego a descubrir os fundamentos do libello accusatorio, que contra nós é deduzido.

Sr. presidente, violámos nós algumas leis? Apontem-nas. Atacámos alguns artigos da constituição? Digam quaes foram, e formulem claramente a nossa accusação. Fizemos derramar o sangue do povo? Digam onde e como perturbámos o socego publico. Indiquem os factos em que podem firmar taes accusações. Declarem os nomes das victimas, e refiram as datas e os logares em que foram commettidos os attentados. Alterámos a paz interna, ou arriscámos as relações externas, que aliás temos diligenciado estreitar e desenvolver?

Apontem os factos, em que se apoiam, e formulem claramente as suas arguições. Desbaratámos a fazenda publica. Denunciem os nossos desperdicios, accusem as nossas prodigalidades, e censurem as estravagancias, com que havemos aggravado as despezas do thesouro.

Mas, se não violámos nenhuma lei, se não ofendemos as liberdades publicas, se não perturbámos a paz interna, ou externa, se não desbaratámos a fazenda, qual é a rasão d'esse estranho furor, com que se aggride o governo, e das vehementes instancias com que se pede a cabeça dos ministros? Qual é a accusação formidavel, grave, irrespondivel, que se faz ao governo? Em que se resumem todos os capitulos d'essa tremenda e assombrosa accusação? Na nomeação de dezeseis pares e na questão dos coroneis! Nada mais e nada menos!

O governo deve cahir, porque teve a audacia de propor á corôa a nomeação de dezeseis pares, e porque a questão dos coroneis foi resolvida, como a camara sabe, respeitando-se os direitos creados á sombra das decisões dos poderes legalmente constituidos!

Eis-aqui as rasões graves, solemnes, irrefragaveis, pelas quaes o ministerio deve caír, para dar satisfação á camara dos pares, justamente indignada, porque a corôa, no pleno uso das suas prerogativas, nomeou mais dezeseis pares!

Sr. presidente, não se diz quaes foram os crimes praticados pelo governo, quaes as leis calcadas aos pés, quaes os esbanjamentos, os desperdicios, as larguezas consentidas ou auctorisadas pelo gabinete.

Não se trata dos interesses vitaes do paiz; nem da solução dos mais serios problemas de administração, apenas se cuida de desaggravar a camara dos pares ultrajada e offendida porque a corôa se attreveu a usar dos seus direitos nomeando dezeseis pares, do mesmo modo que os nomeara no tempo das anteriores administrações!

Grande crime!

Como procederia a camara dos pares se um governo qualquer violasse a constituição ou attentasse contra os direitos dos cidadãos? N'esse momento solemne, n'essa gravissima conjunctura, como e em que termos viria ella pedir contas ao governo dos excessos e violencias da sua administração?

Não sei o que mais se poderia dizer para fulminar o governo pela ousadia dos seus attentados do que o que agora se diz em linguagem tribanicia, e em phrases inflammadas, porque o governo propoz á corôa a nomeação de mais dezeseis pares.

Pois realmente, por tão leves faltas, por tão vaniaes culpas, quer-se expulsar o governo das suas cadeiras?! Este

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proposito sem que se levante uma grave questão de principios, ou de administração, e no momento em que o governo empenha todos os seus esforços na restauração da fazenda e no melhoramento dos outros ramos da administração do paiz é na verdade inexplicavel. É n'esta occasião, em que o ministerio mais assignalados serviços está prestando á causa publica, que a opposição da camara do pares, esquecendo-se da missão moderadora que está confiada a esta camara, vem levantar uma questão politica, e accusar o governo por haver proposto á corôa a nomeação de dezeseis pares! Grande attentado constitucional!

E não haverá n'este paiz nenhum partido que procedesse da mesma fórma? Será este o primeiro?

(Interrupção do sr. visconde de Chancelleiros, que não se ouviu.)

A theoria constitucional firma-se nos precedentes. São elles que a explicam e lhes servem de commentario.

Mas voltemos á questão.

Eu pergunto: Qual foi o crime do governo? Foi o propor á corôa a nomeação de novos pares sem se ter travado nenhum conflicto com esta camara?

É necessario desconhecer completamente a nossa historia contemporanea para ousar affirmar aqui que já alguma vez n'este paiz se fez nomeação de pares em condições differentes d'aquellas em que este governo as tem aconselhado.

Tenho aqui, sr. presidente, uma relação de todos os pares, e entre elles figura n'uma das maiores fornadas - sirvo-me d'esta phrase porque já está admittida nos usos parlamentares - o digno par que ha pouco fallou, o sr. visconde de Seabra.

S. exa. não se envergonhou então d'esse facto, e não deixou, qual outro Cincinato, a rabiça do arado, as suas flores queridas, as suas dilectas plantas e a sua amantissima familia, para vir no ultimo quartel da vida dar á patria o seu conselho e a sua inspiração, e condemnar em phrases doloridas esse violentissimo attentado!

O digno par não achou então offensivo dos principios, constitucionaes, nem entendeu que atacava a constituição, a nomeação de vinte e cinco pares do reino, tendo havido outra de quinze no anno anterior! Não se lhe afigurou n'esse momento que perigasse a liberdade! Agora, é que ha perigo! Agora é que as nuvens se acastellam no horisonte! Agora é que estremecem as liberdades publicas! Agora é que a constituição, sacudida nos seus fundamentos, está ameaçada de imminente ruina!

E por isso o digno par vem da sua mansão obscura, do seio da sua tranquilla aldeia, abandonando com pungente saudade as suas arvores, em cuja plantação tanto se deliciava, como s. exa. aqui nos referiu, deixando a sua familia, a sua casa e a venturosa cultura dos seus amados campos, para condemnar o governo por ter proposto á corôa a nomeação de mais dezeseis pares do reino, feita em condições iguaes ás que se têem feito anteriormente.

Aqui está o grande crime do governo: aconselhar á corôa a nomeação de mais dezeseis pares do reino quando todos os governos têem aconselhado a mesma nomeação!

E entre elles avultam os ministerios regeneradores, não digo só o ultimo que acabou em 1879, mas o que anteriormente presidíra á gerencia dos negocios publicos, chegando o gabinete regenerador de 1852 a propor tres fornadas, das quaes só duas se realisaram, porque a corôa não concordou com a terceira, tendo por isso aquelle ministerio de largar o poder. E todas essas fornadas foram propostas antes de se haver manifestado conflicto com a camara dos pares. Entretanto só o governo actual é que offendeu a constituição por propor á corôa a nomeação de novos pares antes de se manifestar conflicto entre, elle e esta camara.

Portanto ás accusações feitas ao actual gabinete por esse motivo - peço licença para o dizer - não são serias, porque carecem de fundamento. Nós usámos dos mesmos direitos de que têem, usado os nossos antecessores. Não se póde dizer que o governo offendeu os principios e as praticas constitucionaes. Se for preciso citar n'esta camara a opinião de um homem eminente que me está ouvindo para defender a doutrina que estou sustentando, não hesitarei em fazel-o, não para condemnar os meus antecessores, mas para auctorisar o procedimento do governo.

Peço agora licença para fazer uma rectificação a respeito de uma asserção do sr. visconde de Seabra, que me pareceu ter sido apoiada pelo sr. Fontes. Disse s. exa. que sempre pertenceu ao partido regenerador, e que quando saíu do ministerio em 1852 foi com bastante sentimento dos seus collegas e até contra vontade d'elles.

Permitta-me o digno par que lhe avive a memoria, citando-lhe um facto que é do dominio da historia contemporanea. Não me referiria ao assumpto se s. exa. o não trouxesse para a discussão.

O sr. visconde de Seabra fez parte do ministerio que referendou o decreto de 7 de agosto de 1852 sobre agravos. S. exa. pediu a sua exoneração a 19, e após ella o decreto foi suspenso por outro de 21 do mesmo mez. A rasão por que s. exa. saíu do gabinete foi a divergencia com os seus collegas, os quaes alias tinham assignado o referido decreto de 7 de agosto de 1852, que foi suspenso após a saída de s. axs. Aqui está a rasão porque s. exa. deixou os conselhos da corôa.

A historia é recente, e não póde facilmente ser alterada.

Accentuo do proposito o facto da assignatura de todos os seus collegas, porque provavelmente terei que referir-me a elle quando tratar da questão dos coroneis.

Admirou-me, porém, bastante, confesso, um apoiado dado pelo sr. Fontes ao sr. visconde de Seabra, quando s. exa. disse que havia saído do gabinete, muito contra vontade dos seus collegas, que o rogavam e instavam para permanecer entre elles. Admirou-me o apoiado, porque a historia e os registos publicos dizem exactamente o contrario, como posso provar com um trecho do discurso pronunciado pelo sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães em fevereiro de 1863, na sessão em que se discutiu a saída do sr. Seabra do ministerio.

Disse s. exa.

(Leu.)

Eis-aqui sr. presidente, como o sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, então ministro do reino, explicava que a saída do sr. visconde de Seabra tinha sido motivada em divergencia com os seus collegas.

É isto o que affirma a historia.

Sr. presidente, quiz o sr. visconde de Chancelleiros saber do governo, com a maxima insistencia, para que foram nomeados os novos pares. A resposta é facil. Para fazer aqui, n'esta camara, o mesmo que o digno par está fazendo, para usar dos mesmos direitos de que s. exa. usa, para exercer um direito que a constituição e a prerogativa real lhes conferiram. Se s. exa. quer resposta mais categorica não lh'a posso dar, nem é a mim que cabe dar-lh'a.

Quer s. exa. saber a rasão por que o governo nomeou os novos pares, e porque aconselhou a corôa a usar da sua prerogativa?

Porque entendeu, bem ou mal, que não podia fazer triumphar n'esta camara as providencias de sua iniciativa sem que fossem nomeados mais pares.

Nem mais, nem menos.

Quando o poder moderador, usando do seu direito, faz uma nomeação de pares, nem a camara, nem nenhum dos dignos pares póde considerar offensivo o uso d'esse direito. Aliás ficaria annullada a prerogativa real.

Não foi intenção do governo atacar esta camara, que elle respeita, nem podia deixar de respeitar, e cujos direitos acata, tendo por elles a maior consideração.

O governo entendeu que podia propor a nomeação de mais dezeseis pares, como tantas vezes fizeram os seus antecessores, e não julgou, nem julga, que esse facto seja

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offensivo dos principios constitucionaes, nem dos direitos d'esta camara.

O governo convenceu-se de que carecia ter aqui a maioria indispensavel para fazer passar as suas medidas, que estão dependentes da discussão parlamentar, e outras que tenciona apresentar.

N'estes termos pareceu ao governo, que tendo, por si o apoio de uma grande maioria na camara da senhores deputados, não podia deixar de propor a nomeação de novos pares. E desnecessario é dizer que o governo toma perante o parlamento e perante e paiz inteira, e indeclinavel a responsabilidade d'este acto.

Fallou o digno par em contradicções do partido progressista com o seu programma e leu varios trechos do relatorio que precede esse programma, procurando extrahir d'elle intenções que naturalmente nunca teve, e por esse modo accusar o governo de ter faltado ás suas promessas, não propondo as reformas politicas que se compromettêra a apresentar.

As propostas que o governo tem até hoje submettido á consideração do parlamento mostram bem que não esqueceu o seu programma; mas nós não podiamos, chegados ao poder, effectuar, desde logo e de um só lanço, todas as reformas a que aspira o partido progressista. Leia o digno par, desprevenidamente e com madura reflexão, o programma, e verá que não se encontra ali o que s. exa. disse. As reformas que ahi se consignam, como preliminares a todas as outras, são a reforme, eleitoral e a de instrucção primaria. Pela minha parte, desde que estou no ministerio, tenho empenhado todos os meus esforços e todas as diligencias para realisar, tanto quanto possivel, essas reformas. Procurei tornar exequivel a lei, referendada pelo sr. Sampaio, que diz respeito á instrucção primaria, e, alem d'isso, tenho empregado todos os meios que cabem nas minhas forças, para vulgarisar essa instrucção.

Com relação á reforma eleitoral, tenho tambem procurado chegar ao fim a que aspira o nosso partido. Não basta simplesmente reformar a lei eleitoral; é preciso tambem afastar do eleitor todas aquellas influencias que podem coagil-o ou leval-o a votar menos livremente. N'esse intuito já o governo apresentou, no anno passado, a reforma administrativa, a da lei do recrutamento e a reforma das execuções fiscaes, tendendo todas ellas a formar um conjuncto de medidas harmonicas que, alem de outras vantagens tocantes á administração publica, conduzam a emancipar os eleitores da tutela da auctoridade, de modo que possam exercer livremente o direito de suffragio.

Aqui tem v. exa. como nós temos procurado realisar as promessas do nosso programma. Nós não dissemos que assim que chegassemos ao poder haviamos de realisar logo a reforma da carta e todas as reformas politicas que com essa se ligam.

Pelo contrario. Expressamente se diz n'essa exposição do programma, lida por s. exa., que a reforma da carta, que a reforma essencialissima da camara dos pares, deveriam completar as reformas financeiras e administrativas que nós entendiamos necessarias para emancipar o eleitor da pressão das auctoridades fiscaes e administrativas.

É o que diz o programma; e eu respondo pelas promessas n'elle contidas, mas não posso tomar a responsabilidade das idéas que lhe attribuem e que ali não estão expostas.

Fique, pois, bem consignado que o partido progressista não prometteu fazer desde logo a reforma da carta constitucional e a da camara dos pares sem primeiramente haver emprehendido e realisado reformas administrativas e fiscaes que devem ter como consequencia a liberdade eleitoral.

E, quanto a economias, diga-me e digne par: Onde é que estão os nossos esbanjamentos? Onde os nossos desperdicios? Onde viu s. exa. as nossas prodigalidades? Estamos ha vinte mezes no governo e, se o sr. visconde de Chancelleiros quizer, com desprevenção, com amor da justiça e da verdade, examinar a nossa administração, ha de convencer-se de que os membros do gabinete, cada um na sua repartição, têem empenhado todos os esforços para realisar, não só o que no programma se tinha promettido com relação a economias, mas fazer ainda mais.

Quando subimos ao poder, achámos que nas repartições dependentes dos differantes ministerios se distribuiam largas gratificações. Para que podessemos diminuir essa despeza, publicámos um decreto fixando o maximo das gratificações que se podiam dar, não por serviços ordinarios, mas por serviços extraordinarios. Depois publicaram-se portarias por todos os ministerios, determinando o maximo da quantia que para esse fim era destinada em cada ministerio, e até hoje o maximo das gratificações, que se fixára, não foi excedido. Sabe s. exa. o contrario d'isto?

N'esta administração não ha segredos; os archivos publicos estão sempre abertos; dão-se todos os esclarecimentos a quem os pede; e, quando s. exa. quizer, póde dirigir-se ás differentes repartições e verificar se effectivamente o governo faltou ás suas promessas de economias, ou se excedeu o maximo da quantia fixada para gratificações. Se, depois, d'isso, o digno par ainda achar fundamento para arguir e governo, então venha formular a sua accusação contra nós e apontar-nos á indignação publica como réus confessos.

Mas nós effectuámos uma reducção de 100:000$000 réis nas gratificações que se recebiam por todos os ministerios; cumprimos religiosamente a promessa que fizemos no decreto de 1879 e realisámos importantes economias.

A camara sabe - e isto que vou dizer consta de documentos officiaes e do relatorio apresentado ao parlamento pelo meu illustre amigo e collega, a quem um doloroso acontecimento não permitte comparecer hoje n'esta casa -, a camara sabe que o governo póde gerir a fazenda publica, effectuando 3.500:000$000 réis de reducção na despeza, comparativamente com a do anno anterior.

Quando se alcança este resultado, e se empregam todas as diligencias para governar com economia, é na verdade doloroso que venha aqui um digno par, cuja intelligencia, caracter e rectidão de principios sou o primeiro a apreciar, accusar violentamente o governo porque elle, no exercicio das suas funcções, fez mais que os seus predecessores, emendou erros por elles praticados, reparou as suas faltas, e procurou desempenhar as promessas feitas no seu programma e no do seu partido.

É doloroso ver s. exa., cedendo á disposição pouco sympathica e benevola que tem para com o governo, accusar sem rasão, nem fundamento, sem trazer nas mãos as provas, um ministerio que no primeiro anno da sua gerencia fez reducções de despeza superiores a 3.500:000$000 réis, comparativamente com a gerencia do anno anterior, sacrificando a sua popularidade á necessidade de pedir ao paiz novos impostos para pagar despezas que não tinham saído da sua iniciativa, para honrar a firma nacional o acudir ao credito publico, para pagar dividas que não tinha contrahido, e contra as quaes havia combatido na opposição. Um governo que procede d'esta maneira, se não merece louvores, pelo menos tem direito a que lhe façam justiça.

Diga s. exa. quaes são os nossos esbanjamentos. Se malbaratámos a fazenda publica, peço-lhe que formule os capitulos de accusação contra nós, mas fundados em provas. Requeira para esse fim os precisos documentos, que lhe não serão recusados, e então, vindo aqui com a auctoridade da sua palavra, e firmado em provas documentadas, fulmine-nos; condemne-nos, esmague-nos.

Nós estão, envergonhados, humildes, réus confessos das nossas culpas, teremos que abandonar estas cadeiras diante das intimações eloquentes de digno par, e da indignação do paiz.

Disse s. exa. que o que mais o offendeu e o obrigou a dirigir contra o governo todos os raios da sua eloquencia,

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todos os arremessos da sua rhetorica, por vezes acerba, mas sempre elegante e primorosa, foi a nomeação de novos pares.

Ora, antes de nós termos incorrido n'este attentado já s. exa. não nos poupava invectivas e aggressões duras. Portanto quero crer que a nomeação de novos pares poderia realmente aggravar mais a disposição já pouco benevola do digno par para com o governo; mas é verdade que s. exa. já antes não deixava de mover ao gabinete a mais crua, insistente e porfiada guerra.

Sinto realmente que o digno par não encontre nos actos do gabinete um unico sequer que mereça ao menos a sua bemquerença; todavia o governo tem a consciencia de ter cumprido o seu dever, e póde apresentar-se de cabeça levantada perante o paiz, cuja confiança crê não ter desmerecido.

Sr. presidente, o digno par fez uma insinuação a que eu careço de responder promptamente.

S. exa. disse que houve quem pensasse que a nova nomeação de pares tinha por origem fazer passar o contrato do caminho de ferro de Torres Vedras.

Sr. presidente, o governo já declarou mais do que uma vez, que nunca fez nem fará questão politica d'este assumpto.

O governo pensou e ainda está hoje persuadido que fez um contrato vantajoso para o paiz. Por isso o sujeitou, como devia, á apreciação do parlamento. Acha-se affecto a esta camara.

Se ella entender que não deve merecer a sua acceitação, o governo sentil-o-ha de certo, porque está ainda hoje convencido que fez um bom contrato, mas não fará questão politica, como nunca fez, e hoje ainda muito menos. Creio que a insinuação do digno par fica rebatida com esta declaração.

S. exa. tambem se referiu ao imposto de rendimento, mas tão ligeiramente, que eu me dispenso de lhe responder com muita extensão, até pela altura em que está a discussão e pelo adiantado da hora.

Direi apenas, que o imposto de rendimento não vae aggravar as classes pobres. É o contrario. Allivia-as, o que não succede com o imposto de consumo, que as sobrecarrega, beneficiando as classes mais abastadas.

A opposição está fazendo um pessimo serviço, procurando insurgir contra o imposto de rendimento as classes menos abastadas. Mais tarde se arrependerá, mas serão já sem remedio as consequencias da sua funesta propaganda.

Esta questão é do paiz, não é do governo. É do credito da nação. É de todos os partidos.

Eu não desejo cansar mais a camara, até porque já deu a hora, e peço me desculpem de ter-lhe tomado tanto tempo.

O sr. Presidente: - A primeira sessão terá logar ámanhã, e a ordem do dia é a que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão,

Eram pouco mais de cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 31 de janeiro de 1881

Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duques, de Loulé, de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Monfalim, de Penafiel, de Sabugosa, de Vallada; Arcebispo de Evora; Condes, dos Arcos, de Avilez, de Cabral, de Castro, de Fonte Nova, de Paraty, da Ribeira Grande, da Torre, de Valbom; Bispos, de Lamego, de Vizeu; eleito do Algarve; Viscondes, de Almeidinha, de Alves de Sá, de Bivar, de Borges de Castro, de Chancelleiros, de S. Januario, das Laranjeiras, de Ovar, de Portocarrero, da Praia, da Praia Grande, de Seabra, de Soares Franco, de Villa Maior; Barão de Ancede, Ornellas, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Quaresma, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Secco, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Magalhães Aguiar, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Braamcamp, Pinto Basto, Castro, Reis e Vasconcellos, Manços de Faria, Amaral, Mello Gouveia, Ponte e Horta, Mexia Salema, Luiz de Campos, camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Pires de Lima, Vaz Preto, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Seiça e Almeida, Franzini.

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