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N.º 12

SESSÃO DE 5 DE FEVEREIRO DE 1892

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
Visconde da Silva Carvalho

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - O sr. presidente indica os nomes dos dignos pares que hão de constituir a commissão para dar parecer sobre o projecto de responsabilidade ministerial. - O sr. D. Luiz da Camara Leme requer que esse projecto da iniciativa do fallecido par o sr. Adriano Machado, e contido na sua proposta, seja publicado no Diario do governo. A camara approva.- O digno par o sr. Thomás Ribeiro requer que á commissão de instrucção publica sejam aggregados os srs. Luiz de Lencastre e Jeronymo Pimentel, em substituição dos srs. visconde de Chancelleiros e Costa Lobo, e passa depois a fazer varias considerações sobre assumptos coloniaes.-Responde-lhe o sr. ministro da marinha. - O digno par o sr. Luiz de Lencastre discreteia ácerca do artigo 5.° do acto addicional, da restauração do conselho ultramarino e da emigração - Responde-lhe o sr. ministro da marinha.- O digno par o sr. Bernardino Machado usa largamente da palavra e advoga a conservação do ministerio de instrucção publica.-Responde-lhe o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que manda para a mesa uma proposta de accumulação.-Tem segunda leitura a proposta enviada para a mesa na sessão anterior pelo sr. Marçal Pacheco.- O sr. presidente esclarece este assumpto. - Usa sobre elle da palavra o digno par o sr. Luiz Bivar. - Em seguida é approvada a primeira parte do artigo 9.º, ao qual se refere a proposta; e rejeitada a segunda. - Procede-se depois á eleição do relator do processo, segundo a primeira parte do referido artigo, e suspende-se a sessão a fim de organizarem os dignos pares as suas listas. - Reabre-se dez minutos depois, e o sr. presidente, corrido o escrutinio, declara haver sido eleito o sr. Tavares Pontes por 36 votos.-Desistem da palavra os dignos pares os srs. conde de Thomar e Luiz de Lencastre por não estar presente o sr. ministro da marinha.-Usa ainda da palavra o sr. Bernardino Machado. - Levanta-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Ás duas horas e quarenta minutos da tarde, achando-se presentes 26 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da ultima sessão.

Não houve correspondencia.

O sr. Presidente: - Vou desempenhar-me da missão de que a camara me encarregou.

A commissão que ha de dar parecer sobre o projecto de responsabilidade ministerial será composta dos dignos pares:

Conde de Ficalho.
José Vicente Barbosa du Bocage.
Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.
Henrique de Barros Gomes.
Thomás Antonio Ribeiro Ferreira.
D. Luiz da camara Leme.
Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa.

Peço a commissão que se reuna e se installe para dar o seu parecer.

Tem a palavra para um requerimento o sr. Camara Leme.

O sr. camara Leme: - Sr. presidente, como o projecto de lei do sr. Adriano Machado, a que se refere a minha proposta, não é conhecido de muitos dignos pares, porque foi publicado ha muitos annos, e como é um trabalho digno de merecer attenção, peço a v. exa. que consulte a camara sobro se permitte que seja publicado ámanhã no Diario do governo, não só para conhecimento dos dignos pares, mas para conhecimento publico.

O sr. Presidente: - O digno par requer que o projecto apresentado na outra casa do parlamento pelo sr. Adriano Machado e que o digno par fez seu seja publicado no Diario do governo.

Os dignos, pares que approvam este requerimento tenham a bondade de se levantar.

(Pausa.)

Está approvado.

Tem a palavra o sr. Thomás Ribeiro.

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, na commissão de administração publica d'esta camara faltam os srs. visconde de Chancelleiros e Costa Lobo, por motivo de estarem hoje no ministerio, e os srs. Quaresma e Mártens Ferrão, um por doença e outro por ausente.

Em vista disto. proponho que sejam aggregados á referida commissão dois dignos pare" que vou lembrar a v. exa. e á camará: o sr. Luiz de Lencastre e o sr. Jeronymo Pimentel. V. exa. tomará em consideração esta minha proposta.

Já que estou com a palavra e para não incommodar a v. exa. segunda vez, queria chamar a attenção do governo sobre pontos que me parecem essenciaes. O governo não está presente, mas está v. ex.1 e estão os meus dignos collegas, por consequencia, eu vou dizer duas palavras.

Trago aqui o Jornal de Mossamedes, o ultimo que recebi; publica este jornal uma correspondencia de S. Thomé e Principe, em que vem uma petição de muitos proprietarios d'aquellas terras, dizendo ao governo que é uma desgraça para elles a concessão que fez o governo portuguez e se recrutarem na nossa provincia de Angola trabalhadores, ou sabe Deus o quê, que nem elles mesmo sabem, para o Estado Livre do Congo. Ponderam que em S. Thomé e Principe não ha os braços suficientes para o trabalho e que o governo tem obrigação de lhes acudir.

Nestas circumstancias, não lhes restando mais do que a provincia de Angola para poderem recrutar os seus trabalhadores, o contrato que o governo portuguez fez com o Estado Livre do Congo tornou-lhes quasi impossivel o arranjar gente para os trabalhos de que necessitam.

Entretanto, o que elles pedem não é que se annulle o contrato a que acabo de referir-me; é que o governo portuguez seja menos prodigo de concessões d'essa ordena, não só em relação ao Estado do Congo, mas tambem a respeito de outras nações que têem possessões vizinhas das nossas e que tambem têem carencia de braços.

Eu tive occasião de me referir á concessão que foi feita ao Estado do Congo pelo meu amigo o sr. Julio de Vilhena, quando s. exa. era ultimamente ministro da marinha o ultramar; mas elle, embora não achasse descabidas as minhas observações, não via, por achar aquella concessão quasi platonica, os inconvenientes que eu receiava. Hoje, porém, está demonstrado que os meus receios não eram infundados.

E a proposito de Africa, sr. presidente, lembrarei que todos as dias os jornaes de Lisboa e do Porto vem cheios de listas numerosas de emigrantes que se destinam ao

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Brazil, o que aggrava a falta de braços de que podiamos dispor, e que na Africa tanto se faz sentir.

Essa corrente de emigração tinha nos ultimos tempos affrouxado um pouco, mas já recrudesceu outra vez. Ora, eu desejava que uma das economias que o governo promovesse fosse a dos nossos braços, a qual seria seguramente importante.

(Entrou o sr. ministro da marinha.}

Ainda bem que chega o sr. ministro da marinha, com quem eu desejava trocar algumas palavras a respeito dos assumptos para que pedi a palavra,

Dizia eu que no ultimo correio de Africa recebi o Jornal de Mossamedes, um dos jornaes mais serios e mais bem redigido nas nossas colonias.

N'este jornal, que s. exa. de certo viu, e se não viu eu dou-lhe o numero que recebi, vem uma petição que foi enviada ao governo pelos proprietarios de S. Thomé e Principe, relativa aos embaraços que lhes póde causar o engajamento de serviçaes feito pelo Estado Livre do Congo, na nossa provincia de Angola.

Elles não pedem que o governo desfaça o que se fez; eu pediria que o fizesse, caso o podesse fazer; vou por isso mais longe do que elles no meu pedido.

Ainda ha um outro ponto para que desejo chamar a attenção do nobre ministro, e é para o augmento que novamente vae tendo a emigração para o Brazil.

Ora, sr. presidente, eu entendo que a nossa primeira obrigação é ver se procurâmos collocar esses braços no continente, onde não ha os bastantes, o que se prova pela grande quantidade de terrenos incultos.

Não quero recommendar ao exame do sr. ministro da marinha uma tentativa que eu tive em mente quando geria a pasta das obras publicas a respeito da emigração, tentativa em que fui acompanhado por todos os cavalheiros que eram então meus collegas.

Não quero recommendar essa tentativa, repito, porque sei que, na gerencia dos negocios publicos, ha competencias que facilmente sobrepujam as que então se sentaram nos bancos do poder; mas em todo o caso digo que me parece que nós deviamos empregar no continente os braços que ainda nos restam; e, só isto fosse totalmente impossivel, deveriamos então fazer derivar a corrente de emigração para as nossas possessões de Africa.

Nós carecemos lá de gente. Nem em toda aparte o branco póde trabalhar; mas ha sitios onde póde viver, negociar e explorar, e d'entre elles cito o planalto de Mossamedes.

No planalto de Mossamedes póde perfeitamente acclimar-se a raça branca, e isto que eu digo não é uma novidade para o governo, e muito menos o é para o sr. ministro da marinha.

Quando v. exa. entrava neste sala, estava eu dizendo que não bastava só poupar os dinheiros publicos, e que havia muitas cousas serias a attender e entre ellas está a questão dos braços trabalhadores.

Espero do esclarecido zêlo do sr. ministro da marinha, que ha de fazer quanto em si caiba no infuito de ver se consegue dirigir a nossa emigração para a Africa.

Uma outra cousa eu vou pedir ao governo.

Peço-lhe que seja extremamente parcimonioso na distribuição de graças e condecorações. (Apoiados.)

Na concessão de titulos e condecorações estamos a tornarmos extremamente ridiculos. (Apoiados.)

Dizem que essas concessões são uma fonte de receita para o thesouro, visto que, a cada graça; corresponde uma certa somma que dá pelo nome de direitos de mercê.

Não sei a quanto ascende essa receita, nem mesmo se ella tem sido integralmente paga; mas eu peço ao governo que despreze esses direitos de mercê, e que não conceda facilmente essas graças, mesmo porque nem todos as acceitam.

Quando fui ministro da marinha nunca concedi uma graça que podesse ser rejeitada, e agora vejo todos os dias as columnas do Diario do governo cheias de nomes de individuos, que recusam as mercês que lhes foram concedidas, mercês que damos ás rebatinhas.

Sinceramente, desejo que este governo de tambem um exemplo da maxima moderação, agora que estamos cerceando todos os pagamentos, porque temos necessidade, e estimo que elle consiga o seu fim.

Entre nós temos grandes defeitos.

O homem portuguez que se preza não quer outra carreira senão a das armas ou a das letras.

Isto faz o bacharelado que corre para as arcadas do Terreiro do Paço, e muitos homens que desejam ter dragonas e banda não fazem sentinellas nem destacamentos.

Oxalá que o governo d'este paiz consiga que, com os maximos sacrificios, possamos pagar a quem se deve como paiz fidalgo que temos sido. Depois sejamos honrados, mas menos fidalgos.

Sr. presidente, é preciso que entre todas as economias não esqueça a das mercês, porque temos estado a dar titulos a pessoas, fóra e dentro do paiz, que muitas vezes encontrâmos em sitios em que nos envergonhâmos de lhos ter dado.

Sr. presidente, vou terminar pedindo a v. exa. o á camara que me perdoem o tempo que lhes tomei com estas considerações.

Tenho dito.

(O orador não reviu.)

O sr. Presidente: - O digno par o sr. Thomás Ribeiro requer que sejam aggregados á commissão de administração publica os dignos pares srs. Luiz de Lencastre e Jeronymo Pimentel, por faltarem na mesma commissão alguns dignos pares, uns porque estão no estrangeiro desempenhando commissões de serviço publico e outros no ministerio actual.

Os dignos pares que approvam o requerimento do sr. Thomás Ribeiro tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da marinha.

O sr. Ministro da Marinha (Ferreira do Amaral): - Começa por corroborar o elogio que ao orador que o precedera, lhe havia merecido o Jornal de Mossamedes, e se bem não tivesse lido o numero a que s. exa. se referira, vae, comtudo, responder ás ponderações do digno par.

Quanto ao recrutamento de serviçaes para o Estado Livre do Congo, lembra que, quando o governo actual subiu ao poder, existia já uma portaria que facilitava esse recrutamento.

Sem, pois, fazer um aggravo, por meio de um acto violento, o governo não podia contrariar o que já estava determinado; mas o que promette é fazer todo o possivel para que esse recrutamento se possa fazer em condições mais favoraveis.

Quanto á emigração para o Brazil, o unico processo que julga possivel e pratico para a fazer derivar para Africa, é a construcção de caminhos de ferro. Pois que enviar para qualquer possessão nossa africana colonos, sem ali haver obras para os empregar, não só isso augmenta a despeza, mas tambem concorre para o descredito das nossas provincias ultramarinas, porque esses individuos acabam por esmolar ou morrer de fome e miseria.

Se, portanto, em vez d'esta emigração, nós podessemos equilibrar os orçamentos do ultramar e construir caminhos de ferro que fizessem entrar no litoral os productos do interior, conciliando assim os interesses dos colonos com os do paiz, fôra isso de uma grande vantagem, o então, e só então, o estado devia por todas as fórmas auxiliar os interesses do paiz, promovendo a emigração.

Com relação ao que dissera tambem o digno par, sobre a liberalidade que ultimamente tem havido na concessão de graças e mercês, póde affirmar ao sr. Thomás Ribeiro que emquanto este governo gerir os negocios publicos, mais

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facilmente será elle accusado de avaro que liberal na distribuição de titulos honorificos.

Quanto, por ultimo, ao modo estranho como entre nós enxameava o bacharelado e as dragonas, apenas tem a ponderar que os homens que estão hoje no poder têem todos seguido a sua carreira sem favor, e, se não são por isso merecedores de grande consideração, merecem, comtudo, o respeito de todos.

(O discurso ao sr. ministro será publicado na integra, logo que s. exa. restitua as notas tachygraphicas )

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Luiz de Lencastre.

O sr. Luiz de Lencastre: - Já ha alguns dias desejava trocar algumas palavras com o sr. ministro da marinha.

Está no ministerio da marinha um cavalheiro que conhece e tem obrigação de conhecer bem as nossas provincias ultramarinas, por isso que passou por ellas e sabe quaes as suas necessidades. Por isso espera da capacidade, intelligencia e pensar do nobre ministro que o futuro responderá pelo seu passado.

Dirá hoje a s. exa. o que já tem dito a alguns dos seus antecessores.

Acha inconvenientissimo para a administração publica, não a disposição que se encontra no artigo 5.° do segundo acto adicional, de que as provincias ultramarinas poderão ser governadas por leis especiaes, mas sim o uso que dessa disposição têem feito os governos e os governadores das provincias.

E se o actual sr. ministro da marinha recommendar aos governadores do ultramar todo o cuidado no uso d'essas attribuições, terá prestado um bom serviço ao paiz.

Deseja igualmente chamar a attenção de s. exa. para a restauração do conselho ultramarino, porque tinha elle a vantagem de ser a tradição administrativa do ultramar.

Relativamente ao que disse o digno par sr. Thomás Ribeiro, entende que no estado actual em que se acham as duas Africas, ainda hoje pensa que seria mais conveniente que não houvesse para ali emigração, sendo mais util a dos colonos, porquanto o branco não póde trabalhar no ultramar.

(O discurso do digno par será publicado na integra, logo que s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.}

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da marinha.

O sr. Ministro da Marinha (Ferreira do Amaral): - Declara que o artigo l5.° do acto addicional, exercido, segundo o digno par, o sr. Lencastre, pelo governo e approvado pelos governadores do ultramar, não póde ser derogado, nem proposta a sua revogação pelo governo, convindo lembrar a par d'isto que as faculdades conferidas n'esse artigo estão reguladas pelo decreto de 2 de dezembro de 1860, e que, alem de poderem ser exercidas pelos governadores essas faculdades, estão ellas ainda restrictas, com relação ao governo, pelo voto posterior do parlamento, o qual póde approvar ou reprovar os actos do governo.

Não entrará agora na apreciação de ter feito o parlamento o seu dever ou de terem deixado os governos de cumprir o seu. O digno par poderá fazer isso; ao orador, porem, não lhe é permittido.

Comtudo, a fim de prevenir os desejos do sr. Lencastre, brevemente apresentará ao parlamento as pautas da India, de Angola, de Cabo Verde e de S. Thomé, e uma organisação da provincia da Guiné, em dados mais modestos, e que permittem, não extinguir o deficit da provincia, porque seria illusorio promettel-o, mas pelo menos attenuar consideravelmente o que hoje existe em perto de 200 contos de réis.

No lapso approximado de quinze dias espera apresentar este projecto, para cuja feliz conclusão espera muito da cooperação do digno par e de todo o parlamento.

Recommendára-lhe o sr. Lencastre a mais escrupulosa escolha nos funccionarios para o ultramar, e a esta advertencia só tem a responder que, em sua opinião, mais vale um bom governador que muitos volumes de legislação, e tão bastos são já elles, que chega a ser pasmosa tanta fecundidade.

Tem por certo que da boa interpretação das leis e da respeitabilidade dos governadores depende a satisfação do intuito do legislador, e que, portanto, é obvio que da sua parte ha de haver o maximo escrupulo na escolha d'aquelles funccionarios.

Não lhe falta a materia prima de governadores; faltam-lhe, porém, pessoas nas condições exigidas, o que prova com a recusa frequente d'aquelles que para taes cargos são convidados.

Em geral, quem tenha servido como governador no ultrama e ali prestado serviços, volta de Já com a saude arruinada e com tanto maior numero de despeitados, que melhor haja desempenhado as suas funcções. Por isso poucos acceitam nova nomeação.

Louva, o governador que ultimamente nomeou para a india, porque, de avançada idade e com a sua carreira já feita, acceitou aquelle logar, sem lhe proporcionar vantagem. Reputa por isso um benemerito este homem.

Referentemente ao restabelecimento do conselho ultramarino, não é muito adverso á idéa do digno par, porém, julga que nas circumstancias actuaes o restabelecer-se uma repartição extincta não seria muito sympathico á opinião publica, e o governo tem em muita consideração essa opinião.

O orador tem no entanto uma idéa, que lhe parece dever tornar menos sensivel a falta do conselho ultramarino, qual a de se dar á junta consultiva do ultramar attribuições mais latas, no intuito de facilitar o apuramento das contas do ultramar.

A fim de demonstrar a difficuldade que tem havido n'esse apuramento, cita o facto de que quando era governador de Angola se deu um atrazo de quatro mezes nas contas d'aquella provincia, só por faltar a relação de uma pequena despeza feita em Malange.

E, com a sua costumada franqueza, dirá mais que, se agora lhe perguntarem pelas contas do ultramar, apesar de ser ministro da marinha, não poderá responder com exactidão.

Portanto, se vier a saber ao menos o que se gasta e o que se recebe no ultramar, ficará muito satisfeito, o que de certo deverá conseguir pelo alargamento das funcções da junta ultramarina.

(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.}

O sr. Presidente: Tem a palavra o sr. Bernardino Machado.

O sr. Bernardino Machado: - Sr. presidente, já ante-hontem, como v. exa. sabe, eu tencionava falar, mas a ausencia, aliás perfeitamente curial do gabinete, impossibilitou-me de o fazer.

Sr. presidente, as noticias dos jornaes a respeito da sessão de sabbado são tão contradictorias que, embora eu me deva guiar, pelo extracto d'esta camara, entro em duvida sobre o verdadeiro sentido das palavras que nesse dia se trocaram aqui entre o sr. presidente do conselho é o nosso collega, o sr. Oliveira Monteiro. Quero crer que s. exas., pondo em questão o ministerio da instrucção publica, condemnaram, não a propria existencia do ministerio, mas a interinidade em que as nossas hesitações politicas já por demasiado tempo o têem deixado jazer. Se assim foi, dou-lhes inteira rasão, por tudo e até porque não é licito ao poder executivo addiar indefinidamente uma lei do estado.

Talvez mesmo que o actual gabinete, não obstante o passado do seu chefe, precise de se ver apoiado pelo par-

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lamento para resistir á onda de malquerenças que ameaça subverter o novo ministerio.

O parlamento não se renega, sr. presidente. Está hoje, como hontem estava, convencido do que a nossa questão vital é a da educação, e de que para a resolver é indispensavel pôr á frente dos negocios docentes um ministro que se lhes consagre exclusivamente.

O ministerio da instrucção publica não foi só saudado com alvoroço por todo o professorado portuguez; quando nas duas camaras se discutiu a sua organisação, teve. por si, alem do voto da maioria parlamentar, a franca adhesão de varios dos mais illustres oradores opposicionistas. O sr. José Dias Ferreira declarava: "Tinha ouvido fallar muito na instrucção publica e na creação d'este ministerio. A este respeito pouco tinha a dizer. A camara já tinha votado o bill e por consequencia a creação do ministerio da instrucção publica; mas ainda havia outra circumstancia que Q obrigava a não tocar na questão fundamentai; era que, tendo a sua responsabilidade politica ligada á creação de um ministerio da instrucção publica, não havia de vir combater hoje o que havia pouco acceitára". O chefe do partido republicano, o sr. José Elias Garcia, dizia: "Ha muitos annos que se falla entre nós na criação de um ministerio da instrucção publica, e eu não sou opposto, como mais de uma vez tenho dito d'este logar, á creação d'esse ministerio. Já se creou em 1870; por essa epocha estava eu n'esta casa e, se os meus esforços podessem lograr os resultados que eu desejava, o ministerio da instrucção publica ter se-ía salvado então. E, na mesma occasião, outro republicano de grande reputação, o sr. Bernardino Pinheiro, accentuava calorosamente a importancia da instrucção.

Então todos os espiritos Incides comprehenderam que a nossa fraqueza provinha da miseria economica e do abatimento moral a que chegaramos. E era precisamente para fomentar a riqueza e a moralidade da nação que se apellava para a educação. Reclamavam-n'a a um tempo os particulares, as corporações administrativas e o estado.

Viu-se ultimamente que o nosso mal ainda é mais profundo. Mas o remedio não é outro!

A nossa feita- é sobretudo de homens. Faltam-nos na politica, na industria, no commercio, em todos os campos da actividade. Faz-se, pois, mister que nós, que valemos pouco, tenhamos ao menos a virtude de preparar uma geração melhor do que a nossa. Só assim mereceremos que raiem de novo para a nossa cara patria dias felizes.

O estado actual do paiz, sr. presidente, não é do desesperada que não possamos sobreviver ao esforço necessario para nos resgatarmos dos nossos compromissos.

As propostas financeiras do gabinete são, elle proprio o espera, de salvação não de aniquilamento.

Evidentemente a nossa primeira obrigação é saldarmos as nossas dividas; e por isso as propostas financeiras do gabinete, quaesquer que sejam as modificações que convenha introduzir-lhes, devem ser votadas na sua essencia, como a demonstração que damos aos nossos credores de que supportaremos todos os sacrificios para lhes pagar. (Apoiados.) Esta é a necessidade mais urgente; mas é tambem necessario olharmos desveladamente pelos serviços publicos para, reorganisando-os com solidez, operarmos a concentração, das forças nacionaes. Não vamos nós arrebatadamente, embora levados dos mais honrosos impulsos, para acudir ao presente esquecer tudo o mais. Se não extirparmos de raiz o parasitismo que suffoca o nosso trabalhador, e ao mesmo tempo nos não unirmos na mais completa assistencia mutua, poderemos de momento fazer face á adversidade, mas não tardará que nos achemos irremissivelmente perdidos.

O paiz pede e quer vida, vida nova! Ora, o ministerio que principalmente lh'a ha de dar, é o da instrucção publica, que é o ministerio do futuro.

A educação é para o progresso das sociedades como a gestação para a evolução do mundo biologico. Suspensa a gestação, produz se um monstro sem condições de viabilidade. Pois não se torna menos monstruosa nem menos precaria a existencia dos povos que descuram a educação dos seus filhos!

E quanto mais decaída se acha uma sociedade, tanto mais necessita de cultura para se elevar ao nivel da civilisação contemporanea.

Vejam a Prussia. Com os seus campos talados e a capital occupada pelos exercitos napoleonicos, com a sua administração superintendida por funccionarios francezes, poz toda a sua fé e todos os seus esforços na instrucção, e do meio das suas ruinas ergueu a universidade de Berlim. Ahi a têem, que sustenta nas suas mãos a hegemonia da Europa. E ainda neste instante no apogeu da gloria, a agita apaixonadamente uma questão escolar.

Mas para que citar-lhes exemplo estranhos? A este respeito são eloquentissimos os nossos fastos domesticos. E não serei eu que os refira. Irei pedir esta lição de historia patria ao homem pratico por excellencia, HO grande estadista Pombal. Elle escreveu em nome d'El-rei D. José o seguinte textual preambulo de lei: "Faço saber a todos que esta carta virem que, havendo eu considerado que da boa e regular instrucção da mocidade é sempre tão dependente o bem espiritual e a felicidade temporal dos estados, para a propagação da fé e augmento da igreja catholica, e para o serviço dos soberanos e utilidade publica dos povos que vivem debaixo do seu governo, como nestes reinos testificaram os gloriosos e fecundos progressos com que, por effeito dos estudos e da companhia que o memoravel infante D. Henrique estabeleceu e fundou na villa de Sagres e na cidade de Lagos para a astronomia, geographia, navegação e commercio maritimo, se formaram os muitos sabios e famosos varões que, depois de haverem dilatado com os seus illustres feitos os dominios desta corôa na Africa occidental, os achou o reinado do Senhor Rei D. Manuel tão graduados e tão experimentados não só naquellas utilissimas disciplinas, mas tambem na mais sã e solida politica christã com que em poucos annos por mares até então desconhecidos descubriram e conquistaram duas tão grandes porções da Ásia e da America etc.."

Pombal, revolvendo desde os fundamentos a sociedade portugueza, assentou a sua portentosa obra sobre a reforma dos estudos. Seja tambem esse hoje o terreno de apoio dos nossos trabalhos de regeneração!

Bem sei, sr. presidente, que lavra certo preconceito contra o ministerio dá instrucção publica; mas o dever dos governos não é ceder aos desvairamentos da opinião, é esclarecel-a e dirigil-a.

A pasta da instrucção effectivamente não foi bem sorteada. Sobraçou-a um titular que havia sido um dos mais fogosos caudilhos da opposição, e facil era de prever que os seus adversarios, por desforço, não duvidariam atacar a nova secretaria d'estado. Assim aconteceu. Não se podendo negar a vantagem do ministerio, lançaram-se suspeitas sobre a sinceridade da sua creação. Tanto bastou para logo á nascença provocar contra elle a desconfiança publica. O que eu por isso aqui instei para que houvesse o maximo discernimento na sua organisação! Infelizmente os meus avisos não foram escutados. Fizeram-se despesas de installação que impressionaram mal. Mas, se a nova secretaria tem vivido menos que modestamente na casa das velhas repartições, que culpa terá ella desses desmandos? Depois, em vez de se promoverem os antigos funccionarios da direcção geral transformada em ministerio, e de se abrir concurso para o provimento dos cargos restantes, permittiram se esperanças a toda a gente, e só tardiamente, quando a banca do ministro já não podia com o peso dos requerimentos, é que se annunciou a exigencia do concurso. Sabe v. exa. quantos eram os pretendentes? Consta-me que para cima de seiscentos. Imagine-se que celeu-

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ma! É essa legião de interessados quem clamorosamente faz a campanha contra o ministerio da instrucção publica. Mas nem o momento se presta ao alargamento dos quadros, nem e, quando se pretende cohibir a nossa emprego-mania, que se ha de começar por lhe satisfazer os despeitos. Extingam o ministerio, na certeza de que todos que vêem claro no nosso meio, ficarão attestando que elle morreu, não em sacrificio da causa publica, que implorava a sua conservação, que morreu miseravelmente ás mãos de quantos incapazes tinham pretendido explorai o em seu proveito.

Não venho pedir, sr. presidente, que se gaste mais com o ensino official; peço simplesmente que o não decapitem.

É apoucada a dotação que lhe pertence, e n'outras circumstancias eu me esforçaria por alcançar o seu acrescentamento; n'este transe angustioso em que nos achamos, deve-se ser parcimonioso em tudo, indutivamente na instrucção publica. O que cumpre, não é tanto desenvolver, como consolidar a organisação dos serviços.

Affirmo mesmo a v. exa. e á camara que se podem fazer reducções de despesa apreciaveis em materia de ensino, porque o pouco que se gasta ainda é em grande parte desperdiçado. Mas, para que taes reducções se façam sem prejuizo, antes cota utilidade publica, a direito, e não a torto e a direito, julgo de capitai importancia que o governo do paiz tenha um ministro competente, que sem cessar vele pelos serviço da educação.

A experiencia da absorpção da instrucção publica pelo ministerio do reino já durou demais, sabe-se com que perniciosos effeitos. O ministro do reino nem tempo tem para o despacho do simples expediente dos negocios do ensino, e, quasi sempre, quando olha para elle, melhor não olha-se, porque vae solicitado pelas influencias do egoismo, que entre nós se acoberta com a denominação de politica. Des-ta situação subalterna tem resultado a anarchia do ensino portuguez.

Eu sou radical. A continuarem algumas instituições docentes como estão, pretiro que se destruam. Durante toda a minha vida publica tenho advogado a causa do nosso progresso collectivo por meio do aperfeiçoamento harmonico das faculdades individuaes; entendi sempre, comtudo, e entendo que antes nenhum do que mau ensino.

Ao mesmo tempo, quantos talentos esmorecem ao desamparo por essas escolas! Eu que tenho podido, conhecer cada vez mais o nosso magisterio, afianço a v. exa. que ha entre nós um nucleo de professores de incalculavel prestimo. O ponto é aproveitai-os. Sentissem elles sobre si a direcção zelosa de um chefe auctorisado que os pozesse em communhão intima com a nação, orientando-lhes os esforços pelo bem geral, e animando os com o apreço publico...

Nós não estamos sem haver já feito tambem a boa experiencia d'essa direcção. Nos poucos dias que foi ministro o sr. D. Antonio da Costa fallecido outro dia para o apostolado da educação, a nossa instrucção publica e particular recebeu o mais vigoroso impulso. O sr. José Dias Ferreira sabe muito bem a serie de providencias que então ao seu lado se elaboraram; em algumas collaborou mesmo s. exa. Essa actividade fecunda representa um flagrante contraste com a negligencia habitual dos outros periodos.

Por isso eu que devo, crer no sr. José Dias Ferreira só ministro da instrucção publica, não creio no mesmo sr. José Dias Ferreira ministro conjunctamente dos negocios do reino e da instrucção publica, nem em s. exa. nem em ninguem, para mais nesta crise que atravessámos, de graves preoccupações politicas.

Receiam, sr. presidente, a despesa com mais um membro do gabinete? Elle saberá compensal-a por quantiosas economias. Mas nem essa despesa é preciso fazer.

Em 1886 exprimi na outra camara a opinião de que se podiam reunir o ministerio da guerra e o ministerio da marinha, cujas funcções são analogas, e bem assim o ministerio do ultramar e o ministerio dos negocios estrangeiros, visto que as nossas questões diplomaticas, dolorosamente o temos sentido nos ultimos tempos, são quasi sempre questões coloniaes. Esta mesma opinião reforçou mais tarde o sr. presidente do conselho actual. Ou essas combinações, ou a fusão dos dois ministerios do reino e dos estrangeiros, entregando-se a um unico personagem a direcção da politica tanto interna como externa do gabinete Em qualquer dos casos, ficaria desembaraçado para o governo especial do ensino, o sr. Costa Lobo, provavelmente; e, apesar de s. exa. não ser professor, tenho a certeza de que todo o magisterio folgaria de ver á sua testa um estadista de tão notavel illustração e tão intemerata dignidade.

Conta-se que o ministerio da instrucção publica creado em 1870 succumbiu a uma conspiração de intrigas mesquinhas. Não sei. Repugna-me acreditar. Seja ou não verdade, porem, espero que tal não succeda agora.

For sem duvida que. os poderes publicos do meu paiz, n'esta hora solemne, hão de inspirar-se nos elevados interesses da patria e não nas pequenezas das nossas tristes discordias

Tenho dito, sr. presidente.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Costa Lobo): -Sr. presidente, em primeiro lugar agradeço ao digno par o sr. Bernardino Mandado as palavras que me dirigiu, o que de certo são devidas mais á sua benevolencia do que ao seu espirito de justiça.

Agradecendo a s. exa. as expressões do seu sentimento, não posso, comtudo, acceitar a idéa que s. exa. expoz com respeito á reunião do ministerio dos negocios estrangeiros com o da instrucção publica.

O sr. Bernardino Machado: - Creio que v. exa. não ouviu bem o que eu disse, e por isso, se v. exa. me dá licença, eu repito o meu pensamento.

O que eu disse foi que se poderia reunir o ministerio dos negocios estrangeiros com o do ultramar, ou o ministerio dos estrangeiros com o do reino, ficando assim um dos actuaes ministros, provavelmente v. exa., o sr. ministro dos negocios estrangeira, livre para o governo especial dos negocios da instrucção.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Costa Lobo): - Agradeço ao digno par a sua explicação.

Accumular mais serviços é que não me é possivel;

O digno par sabe muito bem que o sr. ministro da fazenda tem estado incommodado por excesso de trabalho, e eu, embora a minha saude não se tenha resentido muito com o excesso de trabalho, confesso que não estou em boa disposição.

Ora, se aos negocios a meu cargo se viessem juntar ainda os de outra pasta, sabe Deus o que aconteceria.

Creio tambem que os desejos do digno par não seriam satisfeitos, se eu fosse nomeado ministro da instrucção publica, porque de certo seria eu o individuo menos competente para gerir aquella pasta, e ainda porque sobre instrucção publica tenho idéas extravagantes.

Como o digno par sabe, o governo tem toda a sua attenção consagrada ás medidas financeiras, e não póde tratar ainda de outros serviços, aliás importantes, como são, por exemplo, os da instrucção publica.

Eu não nego que a instrucção é, como se diz vulgarmente, o pão do espirito,.

O espirito não se alimenta senão pela instrucção, mas eu creio que os modernos pedagogistas dão demasiada importancia á instrucção, e não a dão sufficientemente á educação.

O que é instrucção?

Para que serve a instrucção?

Para desenvolver a intelligencia. Mas o digno par sabe perfeitamente que a instrucção não tem o minimo influxo sobre o caracter.

Ha tempos que o ministerio da justiça não tem publi-

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6 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

cado estatisticas criminaes; mas na ultima, que eu vi, notava-se que A proporção de criminosos entre os homens era muito superior á dos criminosos entre os aNalphabetos.

Peço desculpa ao digno par de estar dizendo estas heresias, na sua opinião. Declarou s. exa. que desejava Ver-me á frente do ministerio da instrucção publica, mas Creio que já me desabone, que desmereci do seu conceito e que por isso me retira agora o seu voto para esse cargo.

A minha primeira idéa, talvez extravagante, é que modernamente se tem dado á instrucção demasiada importancia, pondo de parte a educação.

A instrucção fórma e desenvolve a intelligencia; a educação fórma e aperfeiçoa o caracter, o que para mim tem uma importancia muito mais alta.

A minha segunda idéa extravagante é que eu não acredito nos methodos modernos, inventados para a facilidade da instrucção. Tenho disto uma desgraçada experiencia. O pouco allemão que sei, principiei a aprendel-o pelo methodo Ollendorf. Estudei o primeiro volume d'esse methodo, e lamento com sinceridade o tempo que perdi, porque, se houvesse seguido o antigo systema de traduzir com o diccionario á vista, tinha aproveitado incomparavelmente mais no estudo d'essa lingua.

Este antigo systema, tambem preferido por mr. Renan, é o verdadeiro methodo. Torna-se mais trabalhoso, mas todos sabem que o trabalho, em primeiro logar moralisa, e em segundo logar desenvolve as faculdades da attenção e da reflexão, o que não succede com um methodo de ensino rapido.

Convem, portanto, que a instrucção, a gymnastica do espirito, seja em condições de o tornar robusto e forte para facilmente poder comprehender todos os assumptos. Mas ha mais. Façam os methodos que quizerem, adoptem a organisação que julgarem melhor para o ensino, se não houver um bom mestre, tudo será baldado.

Tendo um bom mestre, um homem habil para ensinar, vale elle mais do que todos os methodos. Alem disso ha ainda uma outra rasão: o que é a boa instrucção? É uma questão de dinheiro. Não se obtem um homem com todas as condições para instruir, que não seja bem pago. O digno par conhece bem o aphorismo latino: primum vivere, deinde philosophare, para saber que nós o que precisâmos primeiro de tudo é viver.

Disse o digno par que ha um preconceito contra o ministerio de instrucção publica. Ora s. exa. está enganado; não ha tal preconceito. O que me parece é que ha a convicção de não haver sufficiente que fazer n'esse ministerio e no ministerio do reino, e que portanto a um póde perfeitamente estar ligado o outro.

Se as nossas circumstancias financeiras fossem muito prosperas, então o ministerio de instrucção publica estava perfeitamente justificado. Mas então, pela mesma rasão, porque se não havia de crear um ministerio de agricultura e commercio?

Todos sabem o enorme desenvolvimento que têem tomado as obras publicas, e eu supponho que o sr. ministro respectivo está sempre assoberbado com grande trabalho; portanto, porque não se havia de crear esse ministerio, que é a fonte de todos os elementos da nossa vida physica e espiritual?

São estas as considerações que eu sujeito ao illustrado espirito do digno par, reiterando-lhe os meus agradecimentos pelas expressões amaveis com que houve por bem honrar-me. Se s. exa. entende que agora deve retirar-me o seu voto para ministro da instrucção publica, humildemente me sujeito; mas a verdade é que estas são as minhas idéas, e provavelmente s. exa. não concorda com ellas.

Por parte do sr. ministro da guerra, mando para a mesa uma proposta de accumulação.

(O orador não reviu Q seu discurso.}

Leu-se na mesa a proposta. É do teor seguinte:

Proposta

Senhores. - Em conformidade do disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara dos dignos pares do reino para que os seus membros abaixo mencionados accumulem, querendo, o exercicio das funcções legislativas com o das suas commissões:

João Chrysostomo de Abreu e Sousa, general de divisão, presidente da commissão superior de guerra;

José Joaquim de Castro, general de brigada, lente da escola do exercito;

Conde de S. Januario, coronel do corpo do estado maior;

José Bandeira Coelho de Mello, coronel de engenheria, chefe do estado maior do commando geral da mesma arma;

Conde do Bomfim, coronel de cavallaria, promotor de justiça no tribunal superior de guerra e marinha;

Carlos Augusto Palmeirim, tenente coronel de artilheria, tenente governador da praça de Monsanto;

Marino João Franzini, major do corpo do estado maior;

Marquez de Fontes Pereira de Mello, capitão de engenheria, membro da commissão de defeza de Lisboa e seu porto;

Antonio José de Barros e Sá, juiz relator do tribunal superior de guerra e marinha.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, 19 de janeiro de 1892. = Jorge Candido Cordeiro Pinheiro Furtado.

O sr. Presidente: - Estas propostas são sempre consideradas urgentes.

Os dignos pares que a approvam tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Estão ainda inscriptos para antes da ordem do dia alguns dignos pares; mas, em vista do adiantado da hora, conservando-se essa inscripção, vae-se passar á discussão da proposta mandada para a mesa na ultima sessão pelo sr. Marçal Pacheco.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vae ter segunda leitura a proposta mandada para a mesa na ultima sessão pelo digno par o sr. Marçal Pacheco.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

Proposta

Proponho que na prosecução do processo relativo ao digno par Mendonça Cortez se cumpra a disposição contida no artigo 9.° do regulamento interno da camara constituida em tribunal de justiça.

Sala das sessões, em 3 de fevereiro de 1892.= Marçal Pacheco.

O sr. Presidente: - Devo observar á camara que o artigo a que se refere a proposta que vem de ser lida tem duas partes. A primeira, que se refere á nomeação do relator, tem sido seguida na organisação dos processos crimes e não tem offerecido duvida sobre que seja perfeitamente compativel com o segundo acto addicional; a segunda, sobre a procedencia ou improcedencia da pronuncia, é que tem sido julgada incompativel com o que dispõe o segundo acto addicional. (Apoiados.}

Portanto, para pôr a proposta á votação, dividil-a-hei em duas partes. (Apoiados.}

Está em discussão.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Luiz Bivar.

O sr. Luiz Bivar: - Pertencendo á commissão de le

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N.° 12 DE 5 DE FEVEREIRO DE 1892 7

gislação, precisa, antes de dar o seu voto sobre esta proposta, dar uma explicação á camara.

Adopta o pensamento dessa proposta; está plenamente de accordo com a opinião manifestada na ultima sessão, pelo digno par sr. Marçal Pacheco, e que foi manifestada pelos dignos pares srs. Julio de Vilhena e Firmino João Lopes.

Não expõe as rasões por que concorda com essa opinião, por não estar presente o auctor da pi oposta, e pelo adiantado da hora.

Em todo o caso, concordando com o pensamento da proposta, não a approva por duas rasões:

l.ª Porque é contraria á praxe seguida nesta camara em todos os casos que se têem julgado depois da promulgação do segundo acto adicional;

2.ª Porque a acha inopportuna.

Desde que está pendente um processo contra um digno par seria inconveniente alterar agora ou modificar o regulamento, alem do que seria isso um precedente perigosissimo.

(O discurso do digno par será publicado na integra, logo que s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto.

Vae ler se a proposta.

Leu se na mesa.

O sr. Presidente: - O artigo a que esta proposta se refere tem duas partos, uma que se tem seguido por não ser incompativel ou hão estar derogada pelo segundo acto addicional, e outra que se refere á ratificação da pronuncia e que se tem considerado revogada.

A primeira parte diz o seguinte:

(Leu.)

Esta é a primeira parte que se tem seguido e se julga applicavel ao processo crime pendente.

Os dignos pares que approvam esta primeira parte tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - A segunda parte diz o seguinte:

(Leu.)

Os dignos pares que approvam a segunda parte d'esta proposta tenham a bondade de se levantar.

Não foi approvada.

O sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição do relator, como determina o artigo 9.° na primeira parte.

Convido os dignos pares a formularem as suas listas.

Suspendo a sessão por dez minutos.

Eram quatro horas e dez minutos do tarde.

Reaberta ás quatro horas e vinte minutos da tarde.

O sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Vae fazer se a chamada.

Fez se a chamada.

O sr. Presidente: - Convido os dignos pares os srs. conde da Folgosa e Firmino João Lopes para servirem de escrutinadores.

Corrido o escrutinio verificou-se ter obtido 34 votos o digno par o sr. Ferraz Pontes, e mais 1 voto cada um os dignou pares srs. Mexia Salema e Luiz Bivar.

O sr. Presidente: - Foi eleito relator do processo o digno par o sr. Ferraz Pontes.

Tem a palavra o digno par o sr. conde de Thomar.

O sr. Conde de Thomar: - Visto não estar presente o sr. ministro da marinha, desisto da palavra.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par O sr. Luiz de Lencastre.

O sr. Luiz de Lencastre: - Eu desisto da palavra, visto não estar presente o sr. ministro da marinha.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par o sr. Bernardino Machado.

O sr. Bernardino Machado: - Sr. presidente, quero dizer ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que mantenho com muito gosto o voto que lhe dei para ministro da nossa instrucção.

Na doutrina pedagogica estou de acôrdo com s. exa. Se desejo o ministerio da instrucção publica, é sobretudo por amor á educação moral, que constituo o coroamento de toda a educação. S. exa. não pretendeu de certo negar es progressos realisados modernamente nos methodos de ensino; dos methodos chamados fáceis, como o que s. exa. citou, isso sim, ha rasão para desconfiar, mas ninguem os adopta nas aulas, onde o esforço será sempre a alma do verdadeiro saber.

Ás affirmações politicas e administrativas do illustre ministro é que tenho que fazer alguns reparos. S. exa. applicou á politica o antigo preceito: primum vivere, deinde philosophari; ora eu peço licença para lho interpretar pela expressão de que s. exa. mesmo se serviu, quando lembrou tambem que a instrucção é o pão do espirito. Sem duvida o homem precisa de viver, mas vive principalmente pelo espirito. As sociedades não se eximem ás necessidade materiaes, mas têem de as satisfazer pela sua industria, pela sua illustração. Quanto á presumpção em que o sr. ministro está de que os negocios da administração do ensino não sobrecarregam um titular, basta me advertir-lhe a delicadeza das funcções educativas, e a diversidade e multiplicidade das instituições docentes, tão numerosas e variadas como as relações sociaes. A este respeito, s. exa. se desenganaria de prompto pela experiencia propria a que o convido.

O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto.

A primeira sessão será na segunda feira e a ordem do dia a apresentação de pareceres.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 5 de fevereiro de 1892

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Marquezes: de Pombal, de Vallada; Condes: de Alem. tem, d'Avila, de Bertiandos, do Bomfim, de Castello de Paiva, de Ficalho, da Folgosa, de Paraty, de Thomar, de Valbom; Viscondes: da Silva Carvalho, de Sousa Fonseca; Agostinho do Ornellas, Braamcamp Freire, Sousa e Silva, Antonio Candido, Oliveira Monteiro, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Augusto José da Cunha, Bernardino Machado, Palmeirim Sequeira Pinto, Hintze Ribeiro, Firmino Lopes, Gusmão, Gama, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Ferraz de Pontes, Ponte Horta, Bocage, Julio de Vilhena, Luiz de Lencastro, Camara Leme, Pessoa de Amorim, Bivar, Vaz Freto, Mathias de Carvalho, Placido de Abreu. Polycarpo Anjos, Rodrigo Pequito, Sebastião Calheiros, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho, Franzini.

O redactor = Ulpio Veiga.

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