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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 20 DE JANEIRO DE 1866

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE LAVRADIO

Secretarios, os dignos pares

Jayme Larcher

Conde d'Alva

(Assistiam os srs. ministros de todas as repartições, com excepção do da guerra.)

Ás duas horas e tres quartos da tarde, tendo-se verificado a presença de 39 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. Secretario (Jayme Larcher): — Mencionou, a seguinte correspondencia:

Um officio do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, satisfazendo ao requerimento dos dignos pares visconde de Villa Maior e visconde de Chancelleiros, em que pediam diversos documentos relativos ao juiz de direito, que foi, da comarca de Macedo dos Cavalleiros, Antonio Soares de Albergaria. — Para a Secretaria.

O sr. Presidente: — Como nenhum dos dignos pares pede a palavra, vamos passar á

ORDEM DO DIA

CONTINUA A DISCUSSÃO PENDENTE

O sr. Rebello da Silva: — Chega-me a palavra, sr. presidente, em occasião em que a materia está luminosamente discutida, e se quasi considerar que as rasões mais valiosas e os oradores mais distinctos já se manifestaram de um lado e do outro. Escolhi porém voluntariamente este logar pela modestia que devo guardar em presença de tão elevadas capacidades. Eu não tenho a presumpção de trazer á camara novidades; porque as novidades são sempre custosas de achar, e não são faceis de conceber; portanto, não venho trazer flores á camara, venho unicamente emittir o meu voto, e para isso escolhi um lagar modesto e obscuro. É a primeira vez, que tenho a honra de tomar a palavra n'esta camara, n'esta sala mesmo, depois do acto politico que deu origem ao actual ministerio.

Eu tive, sr. presidente, por varias vezes occasião de lutar com as ultimas administrações que precederam a actual; combati varias medidas suas; houve mesmo um periodo em que não duvidei combater a sua existencia. Seguiu-se depois uma administração em que alguns cavalheiros entraram que me mereceram a confiança da espectativa; esperei portanto os seus actos, que foram poucos, porque essa administração retirou-se da frente dos negocios publicos com muita brevidade; e da alliança rapida das duas grandes opiniões no campo politico, do abraço d'essas duas opiniões resultou o apoio sobre o qual se formou o gabinete, que hoje se acha á frente dos negocios publicos. Eu não tive parte nenhuma n'isso; nem concorri, nem combati; achava-me ausente da capital, e não tomei logo posição, tanto em relação aos cavalheiros que se acham no ministerio, como em relação á sua politica; entendi então que devia esperar pelos actos que qualificassem a politica dos srs. ministros, com que se abria a bandeira de uma nova situação; resolvi-me a apreciar e avaliar, não só pelos homens, mas sobretudo pelas idéas da sua administração pratica.

É escusado dizer, pois estamos n'um paiz onde ha muito tempo felizmente acabaram, não só as grandes lutas, mas até os ressentimentos; escusado é dizer que tenho já ha muito toda a veneração e estima por com as pessoas dos srs. ministros, e especialmente para com o sr. conde de Castro, que ha mais de vinte annos me faz a honra de conceder que eu lhe tribute essa estima e veneração. Para com o sr. Joaquim Antonio de Aguiar basta dizer que é um cavalheiro a quem todos respeitam, não só pelas cans que são sempre veneradas, como pelo seu caracter e intelligencia, mas ainda mais pelos largos e distinctos serviços que s. ex.ª prestou á liberdade (muitos apoiados). Para com o sr. Fontes Pereira de Mello, basta dizer que fomos muitas vezes amigos no campo da politica, e fóra d'ella sempre o temos sido, e por algumas vezes nos achámos militando na opposição; e da minha parte continua a mesma estima e consideração de que s. ex.ª é digno. Em relação aos outros srs. ministros eu não tenho senão desejo vehementissimo de que os seus actos possam merecer, não só o meu apoio, mas o apoio e confiança publica, o que tambem desejo para todos os actos do gabinete em geral, principalmente quando satisfizer as idéas que eu ha pouco tempo tive a honra de sustentar n'esta casa, e sustentei tambem na outra casa do parlamento, que tantas saudades nos deixa dos nossos primeiros annos, pois é onde existe a vida mais activa do paiz.

Sr. presidente, eu não pedirei ao governo, porque não é occasião, que me dê contas do que fez n'esta tregua larga que teve; sabem os srs. ministros, que por isso mesmo que a concessão tem sido grande, a responsabilidade é maior.

Sr. presidente: se ainda outro motivo mais forte do que o convencimento da fraqueza dos meus dotes intellectuaes podesse augmentar o enleio em que me acho, bastava para isso a estreia brilhante que hontem teve logar n'esta casa. Alludo ao discurso do meu amigo o sr. visconde d'Algés.

Todos nós vimos n'elle, a par da facilidade com que produz os seus argumentos, o que só costuma dar um grande tirocinio, a qualidade da imaginação que é admiravel, quando vem córar a phrase do orador; que por isso que tinha de appellar para dois sentimentos, para a rasão e para o coração, não podia deixar de se elevar nas azas do raciocinio, e inflamar-se na chamma impetuosa da imaginação.

Ha n'esta casa um logar que está vago ha muito. Era elle occupado pelo homem unico, cuja eloquencia arrebatava os auditorios. Na ultima questão grave que se agitou, ainda fez admirar a sua eloquencia. Este logar está vago; aquella palavra não teve ainda por em quanto herdeiro; a defeza dos principios espera por um campeão que levante a bandeira que elle deixou enrolada, e por isso folgo sempre que vejo uma estreia, como a que hontem teve logar n'esta casa, porque no governo representativo a palavra é a vida da tribuna, assim como o é no gabinete dos philosophos.

Feito, como devia, o panegyrico ao merecimento do meu illustre amigo e collega, permitta-me s. ex.ª que lhe faça algumas observações em relação ao que hontem avançou. «Combatendo este contrato, combateis os caminhos de ferro» disse s. ex.ª Perguntarei eu agora: combatemos todos? mesmo aquelles que promovemos? mesmo os que obtivemos pela nossa iniciativa, e pelos quaes votamos?

Não era isto de certo que o illustre orador queria dizer. Nós não combatemos caminho de ferro nenhum, porque, ainda mesmo dada a hypothese de ser rejeitada a novação, não ha documento algum que nos leve a suppor que esse caminho se não póde fazer. (Apoiados) A minha opinião é que o contrato de 23 de maio vigora, porque não ha um unico acto da companhia, pelo qual se supponha que ella não póde subsistir.

Sr. presidente: foi de certo um sentimento, que eu respeito muito, o enthusiasmo que deu logar á exclamação do digno par; mas permitta-me s. ex.ª que eu lhe observe que o enthusiasmo vae muitas vezes alem da rasão, vae muitas vezes mais alto do que ella, cria prodigios; mas não é sempre a boa rasão. A fé tambem produziu grandes maravilhas, mas ella não é o fanatismo, porque o fanatismo é o vicio que se lhe oppõe. Por tanto, sr. presidente, deixemos n'este momento a exclamação do digno par que provém de um sentimento de enthusiasmo.

Nós, homens d'esta idade, que temos assistido a todas as reformas realisadas, qual de nós, acostumados a ver as nossas pesadas liteiras, os nossos pesados vehiculos, os nossos antigos meios de communicação, não sentirá o coração arrebatado de jubilo ao sentar-se com todas as commodidades n'essas carruagens, movidas por esse instrumento da moderna civilisação, que nos leva como o anjo do fogo a atravessar immensas regiões?!... A qual de nós se não arrebatará o coração de jubilo ao contemplar este grande feito? Nenhum de nós, pois, se a sorte dos caminhos de ferro dependesse de um grande sacrificio, se negaria a fazel-o. A locomotiva, o caminho de ferro, sabem todos, que é o mensageiro da boa nova do futuro; sabem que não só approxima as cidades e os mercados, arrasando as fronteiras e destruindo os preconceitos que existiam entre os povos; mas que é o admiravel instrumento com que a Providencia prepara os destinos da humanidade, promovendo e desenvolvendo as relações sociaes, origem e fonte de toda a prosperidade, symbolisado no sybilar da locomotiva! Quem não se extasiará diante d'este meio admiravel, d'este facto espantoso, que tem quasi transformado a face da Europa, e que começa a abrir e a rasgar a Asia e a America?!! Qual de nós, homem do seculo XIX, viria commetter o attentado, o sacrilegio, de condemnar os caminhos de ferro?!! Nenhum.

Vozes: — Muito bem.

O Orador: — Sr. presidente, o caminho de ferro é para o seculo XIX, e a telegraphia electrica tambem, o mesmo que foi a imprensa, que preparou a renascença, para os seculos XVI a XVII, e que preparou a transformação social, operada em 1789 que nos trouxe a liberdade civil; é a conclusão do grande feito de Vasco da Gama, dobrando o cabo da Boa Esperança, e abrindo o caminho das communicações com o Oriente; é em fim a destruição dos privilegios, levantando a bandeira da civilisação. Nós não vamos buscar oiro nos penhascos da serra de Monchique; queremo-los rasgados esses penhascos; queremos communicada a provincia do Alemtejo com o Algarve; queremos tudo isto, mas queremo-lo como se querem as grandes cousas, levando de um lado o commettimento, e do outro a sua conselheira prudente, que é a rasão... (não se ouviu).

Sr. presidente, eu peço desculpa á camara, e ao meu amigo o sr. visconde d'Algés, d'esta pequena digressão. Talvez excedesse os limites que são proprios da sisudeza d'este debate; mas emfim, eu creio que na expressão de sentimentos que todos temos, e que são nobres, não póde haver motivo para censura; tanto mais, que tenciono tambem fallar em algarismos, mais tarde, apesar de ser incompetente para isso. Sr. presidente, n'este debate, parece-me que nos temos occupado mais talvez das armas dos nossos adversarios, do que do proprio alcance dos seus golpes. O sr. ministro das obras publicas viu levantados immensos castellos de cifras; contemplou-as, e passou depressa por ellas. Eu tambem hei de passar igualmente depressa por ellas, até porque a, minha vocação não é essa. O sr. visconde d'Algés descreveu em dois campos de batalha os calculos que se tinham apresentado; de um lado poz a arithmetica official, e do outro a transcendente. Confesso que emquanto aos juros compostos a que se referiu o meu illustre amigo o collega (tambem entendo um pouco da arithmetica official, mas talvez me possa afastar do seu calculo) me parece que os juros compostos foram calculados na somma que representa o encargo permanente do contrato de 23 de maio de 1&64. Eu, sr. presidente, direi que nem vejo n'esta questão o