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SESSÃO DE 25 DE MAIO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Conde de Lavradio

Secretarios-os dignos pares
Visconde de Soares Franco.
Conde de Fonte Nova.

(Estavam presentes os srs. ministros do reino e da marinha.}

Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 19 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Lida a acta da precedente julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondencia:

Um officio do ministerio do reino, participando que Sua Magestade El-Rei tem resolvido receber na proxima quarta feira, 26 de maio, pela uma hora depois do meio dia, no paço real de Belem, a deputação da camara dos dignos pares, que ha de apresentar ao mesmo augusto senhor um decreto das côrtes geraes para obter a sua real sancção.

Um officio do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, requisitando, pela presidencia da competente relação, a necessaria licença para que o digno par, José Maria do Casal Ribeiro, possa depor como testemunha, perante o juizo de direito do 3.° districto criminal da comarca de Lisboa, no processo crime instaurado no juizo de direito do 1.° districto criminal da comarca do Porto, a requerimento do digno par, visconde de Seabra, contra o editor responsavel do periodico O Braz tizana.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre a cobrança e arrecadação de uma quota pela alfandega da Figueira da Foz, paga por viagem de cada navio em beneficio do hospital da misericordia da dita villa.

O sr. Conde de Fonte Nova: - Sr. presidente, em virtude da resolução tomada na sessão de hontem, fui desanojar o digno par o sr. marquez de Fronteira, pelo fallecimento de seu cunhado o sr. conde da Taipa. Não encontrei s. exa. em casa, porque poucos instantes antes de eu chegar tinha partido para o paço, para agradecer a Sua Magestade o te-lo mandado desanojar; comtudo encontrei ali os srs. conde da Torre, e D. José da Camara, e pedi-lhes para fazerem constar a s. exa. o fim da minha visita e a commissão de que ía encarregado.

O sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia, antes porem de dar a palavra aos dignos pares que se acham inscriptos, eu, na qualidade de presidente d'esta camara, devo desde já advertir, que é necessario que de ora avante as discussões d'esta camara corram com a ordem e decencia que é devida, e para isso passo a ler algumas disposições do nosso regimento interno, as quaes se não entendem só com os dignos pares, mas tambem com os membros do governo, que houverem de tomar parte nas discussões, os quaes tambem estão sujeitos a observar a lei d'esta casa, que é o regimento interno.

Diz o artigo 10.°: (leu).

O artigo 53.° diz assim: (leu).

Está claro que nas discussões o presidente, não só tem o direito, mas o rigoroso dever de manter a ordem e o decoro da camara. O presidente, logo que qualquer digno par, ou sr. ministro, se desviar da questão, deverá primeiro adverti-lo e chama-lo á ordem se elle insistir em não attender á advertencia. Não procedi hontem com o rigor do regimento por um excesso de tolerancia, que sou o primeiro a condemnar, e por isso hoje e no futuro farei executar rigorosamente o nosso regimento. Sinto-me com força para isso.

Qualquer digno par ou sr. ministro, que se afastar da materia que se estiver discutindo, será primeiro por mim advertido, e se insistir será chamado á ordem.

O sr. Marquez de Vallada: - Apoiado. Chamem-se todos á ordem, e não só os dignos pares, mas tambem os srs. ministros.

O sr. Presidente: - Estas disposições são sobremodo necessarias para a conservação da ordem e da dignidade d'esta casa, que não deve ser uma arena de doestos (apoiados), mas sim o logar destinado para nelle serem tratados os mais altos interesses do paiz.

A camara concedeu a licença que se pedia para um digno par poder servir de testemunha em um processo, em virtude do pedido feito em um officio que acabava de ser lido pelo sr. secretario.

O sr. Presidente: - Os dignos pares, que devem compor a deputação encarregada de apresentar a El-Rei o authographo do decreto ultimamente approvado, são, alem do presidente os seguintes:

Exmos. srs. Visconde de Soares Franco.
D. Antonio José de Mello e Saldanha.
Felix Pereira de Magalhães.
Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.
Francisco Simões Margiochi.
José Augusto Braamcamp.

Eu devo lembrar aos dignos pares a necessidade de comparecerem todos os membros nomeados. Estas deputações são estabelecidas pela carta, que determina que os decretos, que têem de ser levados á real sancção, o sejam por deputações de sete membros; portanto peço aos dignos pares que por qualquer motivo justificado não possam comparecer o façam constar opportunamente, a fim de serem substituidos. Faço esta observação, porque já mais de uma vez tem acontecido faltarem a actos identicos alguns dignos pares nomeados.

O sr. Ministro da Marinha (Latino Coelho): - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - V. exa. pede a palavra sobre a ordem do dia, ou para antes d'ella?

O sr. Ministro da Marinha: - Para antes da ordem do dia.

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. Ministro da Marinha: - Mando para a mesa o Seguinte:

Requerimento

Senhores. - Tenho a honra de pedir a esta camara que na conformidade do artigo 3.° do acto addicional permitia que accumulem, querendo, as funcções legislativas com as dos empregos e commissões que exercem no ministerio da marinha os dignos pares:

Visconde de Soares Franco, intendente da marinha de Lisboa.

Luiz Augusto Rebello da Silva, vogal da junta consultiva do ultramar.

Conde de Linhares, engenheiro naval, director das construcções navaes.

Secretaria d'Estado dos negocios da marinha e ultramar, 25 de maio de 1869.= José Maria Latino Coelho.

Consultada a camara, foi concedida a licença pedida.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da marinha, mas devo dizer a s. exa., usando das minhas attribuições de conciliador, que me parecia mais digno e conveniente, tanto para o digno par, o sr. Casal Ribeiro, como para v. exa., que terminasse este incidente, visto terem-se dado explicações categoricas de parte a parte.

O sr. Ministro da Marinha: - Continuou a usar da pa-

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lavra para dar algumas explicações sobre o incidente que na precedente sessão teve logar entre elle, e o sr. Casal Ribeiro.

(Os discursos de s. exa. n'esta sessão serão publicados na integra quando s. exa. devolver revistas as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - A camara ouviu, as explicações que acabou de dar o sr. ministro da marinha, e de certo as apreciará devidamente.

Pela ordem da inscripção devia ter a palavra o sr. Ferrão para apresentar um parecer de commissão, mas como o sr. Casal Ribeiro a pediu para responder ao sr. ministro da marinha, vou dar a palavra a s. exa.

Tem a palavra o sr. Casal Ribeiro.

O sr. Casal Ribeiro: - Poucas palavras direi, e peço a v. exa. e á camara que as acolham com o sentimento de benevolencia com que me costumam tratar.

Tão habituado ando, não digo á justiça só, mas ao favor dos meus collegas e de v. exa., sr. presidente, que faltaria a mim mesmo se não tivesse sempre presente o desejo, em qualquer discussão dentro d'esta casa, não só de cumprir estrictamente os preceitos regimentaes, e manter o respeito devido a v. exa. e á dignidade do logar, mas ainda de procurar não proferir phrase, ou manifestar idéa, que soe desagradavelmente á camara.

A natureza da discussão afastou-me do verdadeiro campo da minha interpellação. Se algum dos reparos que v.exa. acaba de fazer do alto logar, que tão dignamente occupa, me póde caber, aceito-o sem replicar, venero-o e protesto pela intenção de obedecer sempre a taes preceitos. Se porventura no debate usei de expressões vehementes, foi porque uma provocação nova, no meu modo de ver, se veiu juntar a provocações antigas. Procurarei sempre seguir os conselhos de v. exa., e protesto que não foi, nem era por modo algum, nem podia ser intenção minha proferir palavras ou avançar proposições que escandalisassem os ouvidos de ninguem. Se o não consegui plenamente, pela minha parte me sujeito ás admoestações de v. exa., e me submetto sem reserva, a todas as penalidades que v. exa. e a camara me imponham na legitima jurisdicção, sem me revoltar contra ella. Isto, quanto ás advertencias de v. exa. e pelo que diz respeito á camara.

Quanto ao que acaba desdizer o sr. ministro da marinha, se, como me parece, de algumas das phrases que s. exa. acabou de proferir, se póde inferir que ellas significam a resposta a uma pergunta que eu hontem lhe dirigi no uso do meu direito, e que se limitava a saber se n'uma theoria, que s. exa. na ultima sessão expendeu, houve alguma allusão para mim, se essas palavras importam uma resposta á minha pergunta, eu dou-me por satisfeito com ella, e nada mais digo sobre o incidente (apoiados).

Desejava, pois, repito, que o sr. ministro me dissesse se das suas palavras se infere, como me pareceu, a resposta áquella pergunta que lhe dirigi, se havia alguma allusão a mim na theoria que s. exa. expoz, e que eu não qualificarei, sobre liberdades da imprensa na apreciação da vida particular, e sobre a moralidade privada influindo na moralidade politica.

Dada, a resposta, o incidente está terminado, e não dada terminado está aqui (apoiados).

O sr. Ministro da Marinha: - Disse que, depois das palavras que proferiu, a camara deve ter percebido que o seu fim era dar por terminado este desagradavel debate; mas como assim não acontece, não tem duvida, em declarar que no seu discurso de hontem não fez referencia nenhuma ao digno par.

O sr. Presidente: - Á vista da declaração muito categorica, que acaba de fazer é sr. ministro da marinha, de que não fez referencia alguma á vida particular do digno par, e de que retira toda e qualquer expressão que podesse ser offensiva, parece-me que o digno par se poderá dar por satisfeito.

O sr. Casal Ribeiro: - Não desejo, nem creio util continuar n'esta especie de torneio de palavras. Nestes assumptos não arredondo periodos, nem faço estylo; digo claramente a minha idéa. O que perguntei foi se nas palavras que hontem o sr. ministro proferiu aqui, se n'aquella theoria que expoz sobre a moralidade particular e as suas ligações com a moralidade politica, pretendeu fazer-me alguma allusão pessoal.

O sr. Ministro da Marinha: - Disse que de todas as suas palavras se deprehende que não fez referencia nem allusão a nenhum digno par.

O sr. Casal Ribeiro: - Eu não posso perguntar senão por mim. Não se referiu a ninguem; mas nem alludiu a mim?

Eu gosto das expressões claras. S. exa. não fez referencias, não citou nomes, isso sei eu muito bem, mas podia parecer que havia uma allusão pessoal no que disse o sr. ministro. Se não estava isso nas intenções de s. exa., muito bem, mas diga-o claramente, porque eu pela minha parte dou então por completamente terminado este incidente, e estou prompto a dar todas as explicações sobre as palavras que proferi, e creia o illustre ministro que as hei de dar de maneira que não ha de desagradar a s. exa.

O sr. Ministro da Marinha: - Satisfez á indicação do digno par.

O sr. Casal Ribeiro: - Agora sim, e posso pela minha parte fallar. Desejava ouvir a explicação que acaba de dar o sr. ministro da marinha, que se traduz em que não houve allusão a ninguem nas suas palavras; e por consequencia não houve allusão á minha pessoa, nem o sr. ministro, na theoria que professou, imaginava que se considerasse alludido qualquer membro d'esta casa. Agora posso dar explicação das minhas palavras, e dá-la clara. É muito simples. Quando eu me referi com certos reparos, não com injurias, e nos termos que constam das notas tachygraphicas, áquelles que entravam na imprensa em apreciações desfavoraveis da vida particular, referi-me, como hontem disse, a uns artigos que me tinham aggredido, publicados n'um certo jornal, e que me fizeram impressão desagradavel, porque entendi que se referiam com grave injustiça á minha vida particular. Não tenho motivos para affirmar que esses artigos sejam do sr. ministro da marinha, nem que as intenções fossem offender-me. Continuo a sustentar a minha doutrina de que não é permittido na imprensa, nem na tribuna, tratar da vida particular; sobre isto fiz alguns reparos moderados. Aqui estão as notas tachygraphicas não emendadas, que posso offerecer á apreciação de quem as quizer ler. Hontem disse o sr. ministro da marinha que nunca se tinha occupado na imprensa da vida particular. Depois d'esta affirmativa do sr. ministro, devo acreditar que taes artigos não saíram da sua penna. Portanto, sustentando sã minha doutrina de que não é permittido a ninguem entrar no dominio da vida privada, principalmente com applicação offensiva para alguem, como o sr. ministro declarou que não escreveu áquelles artigos, não posso suppor que o fez, nem applicar a s. exa. os meus reparos. Creio que o sr. ministro tambem ficará satisfeito com esta explicação.

O sr. Presidente: - Muito bem, estão dadas explicações satisfactorias e terminado o incidente de uma maneira conveniente para os dois contendores. Agora tem a palavra o sr. Ferrão antes da ordem do dia.

O sr. Ferrão: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa o parecer da commissão espacial sobre o projecto de lei que veiu da outra camara, relativo ás medidas legislativas tomadas pelo governo na ausencia das côrtes.

O sr. Presidente: - Será impresso, distribuido por casa dos dignos pares, e opportunamente entrará em discussão. Agora vae a camara entrar na ordem do dia.

O sr. Rebello da Silva: - Eu peço a v. exa. a palavra mesmo sobre a ordem do dia.

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O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. Rebello da Silva: - As explicações que acabámos de ouvir, e que eram desejadas pela camara, honrando os cavalheiros que as deram, encerraram o debate, e nenhuma vantagem acho em que elle continue (apoiados).

O fim para que o meu amigo, o sr. Casal Ribeiro, tinha proposto a sua interpellação está preenchido, e creio que seria inutil para a causa publica prolongar-se a discussão para repetir protestos de patriotismo quando nenhum de nós carece de os avivar...

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Isso prova que a interpellação não se devia fazer.

O Orador: - A interpellação nada tinha com isso, tratava-se de um facto occorrido e quiz-se ouvir a explicação d'elle; respondeu o sr. presidente do conselho, a sua exposição foi apreciada, e tudo o que havia de essencial a dizer sobre os factos e a sua significação, está declarado e sabido. O que resta agora? Discutir o patriotismo, de cada um de nós? Porque? O sr. Casal Ribeiro não tinha necessidade de provar que é tão bom portuguez como o melhor portuguez, nem o sr. Latino Coelho precisava de justificar o que escreveu ha quinze annos. Ambos demonstraram que pensam e sentem como os que mais prezam e zelam o seu berço e o lustre do seu nome.

Nenhum de nós felizmente carece, qualquer que seja a sua bandeira politica, de proclamar a lealdade dos seus sentimentos, nem o ardor da sua dedicação.

Ha um facto que responde a todas as insinuações calculadas, que fora do paiz, e não dentro d'elle, se tem procurado avultar com um proposito transparente. E a unanimidade de todas as classes em affirmar o seu odio a uniões incompativeis, em presença das idéas, dos costumes e da historia.

Queremos ser o que fomos, portuguezes e só portuguezes. Satisfeitos com os estreitos limites do nosso territorio, com os brazões que enobrecem a nossa vida como nação, e com o exercicio pleno das liberdades que disfructâmos, não aspiramos a fundar, nem a dilatar imperios.

Estamos bem assim, e não nos cegam miragens loucas para nos precipitarmos pelas sendas perigosas e funestas do incognito, pisando aos pés a velha e gloriosa carta da nossa independencia.

Pois sem fronteiras nacionaes, sem exercitos collossaes, sem grandezas que o escudem e tornem temido, a nossa historia responde por nós, e diz á Europa e ao mundo que desde que nos separámos de Leão, no seculo XIV, no seculo XVII e no principio do XIX, em todas as grandes occasiões em que o dever nos chamou a dar testemunho da fé mais viva nos proprios destinos, fomos e ficámos portuguezes. As invasões recuaram vencidas e se em 1580, em uma hora desditosa, adormecemos e seguimos um sonho em vez da realidade, a lição tão severa dos sessenta annos de governo da casa de Austria, nunca mais se nos apagou da memoria, e com ella responderiamos ás illusões dos que nos suppõe esquecidos... se fosse preciso responder.

As nossas verdadeiras fronteiras estão na força do nosso animo, da nossa vontade e do nosso patriotismo. O que quizemos hontem, queremo-lo hoje, e a serena resolução de um povo firme vale mais do que estrepitosas declamações.

Alliados e amigos da nação vizinha, fazemos votos pela sua prosperidade, saudâmos os seus progressos, e abstemo-nos de tomar parte nos seus negocios internos. Alem d'isto nem mais um passo! Não receiâmos, porque um povo decidido a ser livre e independente é invulneravel, e quando elle vela attento, confiando em si e em Deus, sobre a propria nacionalidade, as nuvens tempestuosas passam-lhe por cima da cabeça, respeitando o.

Descendentes dos antigos portuguezes, não temos necessidade de apregoar o patriotismo, que é a parte mais preciosa da nossa gloriosa herança. O não de 1385 e de 1640 basta. Acreditemos em nós e deixemos á verdade o resto.

Dissemos não ha mais de dois seculos e soubemos manter a palavra heroica. Não queremos, não queremos ser hespanhoes. Não!... (Apoiados repetidos.}

É bella a corôa de Carlos V, grande a gloria da monarchia, que engastou as Indias occidentaes no seu diadema que illuminou dos raios explendidos de um sol sem occaso a sua existencia invejada... mas os restos dos descobridores não fizeram menos, e a pagina que lhes cabe na historia da civilisação do mundo é grande e formosa. Fiquemos com ella. São duas nações irmãs, mas separadas e separadas sempre! (Apoiados.)

É o voto unanime d'esta camara, da casa electiva, do paiz inteiro, voto espontaneo e irrevogavel (muitos apoiados).

Affirmado uma vez, não é preciso está-lo a attestar a todas as horas, como se duvidássemos de nós. Aos que fallam de união á Europa respondemos: não. Aos que esperam de combinações dynasticas a annuencia diremos: não! Aos que nos promettem com uma federação republicana as maravilhas de um poder immenso, desenganamo-los repetindo sempre: não!

Livres e pequenos somos hoje e queremos continuar a existir, e pelas maiores ambições da terra, falliveis, transitorias, não trocariamos a autonomia e a independencia. Somos portuguezes e não seremos hespanhoes. Basta! (Apoiados.)

Feita esta declaração, que agradeço á camara ter ouvido com tanta benevolencia, passo a formular a proposta para que pedi à palavra. Requeiro que se encerre este debate. (Apoiados.)

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Peço a palavra para um requerimento.

O sr. Costa Lobo: - Eu pedia a v. exa. que tivesse a bondade de mandar ler a inscripção antes da votação da proposta do sr. Rebello da Silva.

O sr. Presidente: - Estão inscriptos os srs. marquez de Vallada, conde de Cavalleiros e visconde de Chancelleiros, mas eu não posso deixar de consultar a camara sobre a proposta que se acabou de fazer. A camara resolverá como lhe parecer mais conveniente.

Foi approvada a moção do digno par, o sr. Rebello da Silva.

O sr. Conde de Cavalleiros (sobre a ordem): - Não são sómente as altas intelligencias desta camara que tem direito a dar explicações do seu proceder (apoiados). Eu, por exemplo, estou n'uma posição um pouco excepcional, e se v. exa. e a camara quizerem ter a bondade de ouvir as explicações que eu preciso dar, n'isso me prestarão por certo uma prova de consideração superior ao que eu mereço. Se porem não tiver hoje logar a minha explicação, eu desde já declaro que na sessão seguinte peço a palavra antes da ordem do dia, e usando do direito que me dá o regimento, procuro do mesmo modo conseguir o meu fim (apoiados). O que é verdade é que cousas d'estas, ou não se trazem ao parlamento, ou então permitte-se e deve se ouvir todas as opiniões (apoiados). Uma vez que ha opiniões que divergem do que se tem aqui expendido, e nesse caso estou eu, é necessario, digo, que se não permitia que lá fóra se diga que a camara dos pares seguiu unanime os raciocinios que fizeram os srs. marquez. de Vallada e Casal Ribeiro. Respeito as opiniões de quem fez a proposta que se acaba de votar, respeito-lhe a sua alta intelligencia, mas a verdade é que uma questão de tal importancia como foi esta, não se póde depois limitar a pequenas explicações pessoaes, é necessario que se torne franco o campo para cada um dizer o que entende por verdade, mas nunca, por assim dizer, dar logar a que se julgue que ha unanimidade de opiniões, quando effectivamente tal unanimidade não existe, por isso mesmo que alguem n'esta casa tem uma opinião que diverge muito no modo de apreciar uma similhante questão. Não digo mais nada, porque v. exa. e a camara é que á vista do que expuz hão de determinar o modo de eu

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proceder, para fazer neste caso conhecida a minha opinião, ou seja hoje, ou seja na sessão immediata. Não desistirei do que reputo um direito.

O sr. Rebello da Silva (sobre a ordem): - O digno par e meu amigo o sr. conde de Cavalleiros sabe qual é a fórma das interpelações e podia ter tomado parte n'esta...

O sr. Conde de Cavalleiros: - Como?

O Orador: - Se eu soubesse que o digno par tinha uma opinião especial, differente da que é seguida...

O sr. Conde de Cavalleiros: - Não havia de annuncia-la por cartazes.

O Orador: - Bem sei que a não podia annunciar por cartazes; mas eu tambem não podia advinhar.

(Interrupção do sr. conde de Cavalleiros que não se ouviu.)

Perdôe v. exa. que eu ainda estou fallando, e o digno par tem os meios que lhe faculta o regimento, e sabe muito bem fazer uso d'elles. Havemos de ouvi-lo com toda a attenção que merece. O meu fim unico foi pôr termo ao debate pelas rasões que o digno par e todos percebem de certo (apoiados). Não estou arrependido, e como sobram as occasiões de discutirmos, ninguem póde dar-se por offendido com o que eu propuz. Desejaria tomar parte na questão tambem, e tencionava faze lo até, mas abstive-me pelas considerações que me levaram a apresentar a proposta, que a camara teve por justa dando lhe a sua approvação, e que sinto muito que por infelicidade privasse da palavra o meu illustre amigo n'este momento.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Creio que a camara não quererá reconsiderar, por isso não provoco por nenhum requerimento meu uma outra votação contraria á que a camara acaba de tomar, votando porque o debate se encerre. Uma vez porém que a camara fechou a discussão, não se tendo esgotado ainda a inscripção, não tendo sequer fallado qualquer orador em sentido contrario áquelle em que fallaram os dignos pares interpellantes, resolução esta que a camara não tomava de certo se a não incitasse o desejo de aproveitar melhor o tempo na discussão de assumptos, que mais do que este lhe podessem prender a attenção. Peço a v. exa., para illustração do meu espirito e socego da minha consciencia, que me diga se algum outro assumpto importante, ou que o não seja mesmo, ha hoje dado para a discussão na segunda parte da ordem do dia? Se v. exa. me disser que não ha nenhum, e creio que não irá mui longe da verdade esta supposição, então ha de v. ex. permittir-me que eu ponha em parallelo a larga generosidade com que a camara dispensou a sua attenção a alguns oradores para a negar a outros.

A camara ouviu hontem um largo discurso do sr. Casal Ribeiro em continuação ao que tinha proferido na sessão antecedente sobre a questão que s. exa. havia levantado, e a respeito da qual nem todos de certo aceitâmos como plausiveis os argumentos em que o digno par firmou a sua opinião, da qual em muitos pontos divergimos, e creio que podemos divergir.

Ouviu a camara esse discurso, e sem nenhuma demonstração de insoffrida impaciencia pelo prolongamento da discussão, permittiu até que em diversões alheias ao assumpto a discussão se empenhasse, entre s. exa. e o sr. ministro da marinha, nas condições de um certamen pessoal, alheio por sua natureza ao assumpto, e fóra dos limites em que a praxe e o regimento d'esta casa circumscreve os debates. Fechou-se então a discussão a requerimento meu, mas nem eu suppunha, nem ninguem acreditava, nem por insinuação ou conselho da mesa, ou qualquer demonstração da camara, se poderia antever que serenados os espiritos que o fogo da discussão tornára inquietos, hoje apenas se abrira a sessão para ouvirmos as explicações que reciprocamente se deram os dois oradores da passada sessão, fechando-se sobre ellas a discussão, como se a questão pessoal valesse mais para a camara que a questão principal, enunciada mas não controvertida em duas sessões. Por conseguinte não é insoffrida a minha ambição de fallar; ao proprio digno par que requereu para que se fechasse o debate declarei que nenhum empenho tinha em usar da palavra, mas não sou eu só o inscripto, ha mais oradores que o estavam igualmente, e de certo me não parece regular que em qualquer discussão se não permitia que todas as opiniões se manifestem, sobretudo quando essa discussão se abre com o apparato e solemnidade que apenas devem merecer as grandes e graves questões.

Sr. presidente, com franqueza o declaro, suppuz seria inopportuna esta interpellação, realisada ella nos termos em que o foi, supponho-a mais que inopportuna, inconveniente até; ora se a camara, movida d'estas rasões, é que fechou o debate, associo-me ao seu pensamento, mas não á fórma por que o significou. Hoje mais valia continuar a discussão do que fecha la.

O sr. Presidente: - O digno par fez uma pergunta e um requerimento. A pergunta posso eu responder, que não ha mais negocio algum dado para ordem do dia de hoje; e quanto ao requerimento, a camara é quem lhe poderá responder.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Peço perdão a v. ex., eu não fiz nenhum requerimento...

O sr. Presidente: - V. exa. fez uma pergunta, á qual já respondi; e depois fez um requerimento, que motivou, e a esse requerimento é que a camara ha de responder se quer reconsiderar a sua votação.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Peço perdão a v. exa., mas eu não fiz requerimento algum para que a camara reconsiderasse, porque isso não era possivel; o que fiz foi uma pergunta a v. exa., e era se havia mais algum assumpto dado para ordem do dia de hoje. V. exa. já respondeu dizendo que não. e portanto não tenho senão que agradecer a sua resposta.

O sr. Marquez de Vallada (sobre a ordem): - Sr. presidente, eu tinha a palavra sobre a materia, mas não tinha grande interesse em usar d'ella, porque o meu fim era apenas fazer algumas observações sobre diversos pontos historicos tocados pelo sr. ministro da marinha, visto eu divergir das apreciações feitas por s. exa. Por consequencia não havia interesse em tomar de novo parte no debate; porem, como não só o meu nobre amigo e parente, o sr. conde de Cavalleiros, como tambem o sr. visconde de Chancelleiros, declararam, um claramente e outro dando a entender, que tencionavam fazer varias apreciações sobre o assumpto, eu como estou acostumado a tomar a responsabilidade dos actos da minha vida publica e particular; eu que levo a minha lealdade não só ao ponto de responder pelos actos, nos quaes tive iniciativa, mas tambem de responder pelos actos, nos quaes se não tomei a iniciativa me associei a elles com quaesquer cavalheiros, não posso recusar-me de modo algum a defender as opiniões que sustentei n'esta casa; e digo isto, porque tendo o sr. conde de Cavalleiros declarado, com aquella franqueza que é propria do seu caracter e que eu estou habituado a conhecer, que não concordava com algumas opiniões do sr. Casal Ribeiro e minhas, eu julguei que, desde o momento em que s. exa. pronunciasse as suas opiniões sobre este ponto, e manifestasse a divergencia de opiniões em relação áquellas que tive a honra de apresentar; eu julguei, digo, que não só era obrigação minha, mas que era um dever de honra, lealdade e boa cortezia para com s. exa. e a camara o tomar parte n'esta discussão. Agora porem não o faço, porque a discussão fechou-se sobre o assumpto, e a camara na sua votação a a deu por terminada; poucas palavras pois mais acrescentarei.

Eu, sr. presidente, não levantei esta questão, mas levanta-la-ía se o sr. Casal Ribeiro não tomasse a iniciativa d'ella; e eu, como o poderia fazer qualquer outro membro d'esta casa, tomei parte n'essa questão, e sustentei as minhas opiniões, opiniões que não são novas em mim, e que respondo por ellas. Em consequencia pois do que acabo de dizer, julgo-me no dever, quando for atacado, de mostrar

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a sinceridade e firmeza d'essas minhas opiniões, pois que a minha lealdade me obriga a tomar a responsabilidade d'ellas, e v. exa. sabe que eu sempre respondo por todos os meus actos publicos e particulares, e respondo por elles, porque não tenho receio de qualquer accusação, da qual me não possa defender. Gosto da discussão, estou habituado a ella, e prefiro sempre encontrar-me frente a frente com dois cavalheiros como são aquelles que têem de contrariar algumas das minhas opiniões: refiro-me aos dignos pares conde de Cavalleiros e visconde de Chancelleiros, que costumam sempre combater com toda a lealdade, porque eu gosto da franqueza e amo-a sinceramente; gosto sempre de ver usar da franqueza, repito, no ataque, e abomino aquelles que ferem pelas costas, que não teem a coragem de sustentar o que avançam e que pertencem á classe dos intrigantes rasteiros.

Eu desejava pois tomar ainda parte n'este debate, porem agora já é tarde, porque se fechou a discussão. Guardar-me-hei para quando se encetar uma questão que tenha relação com esta, para então fazer mais algumas considerações.

Peço desculpa á camara pelo tempo que lhe tomei, e remetter-me-hei por emquanto ao silencio.

O sr. Casal Ribeiro: - Sr. presidente, pedi a palavra mais para uma declaração, do que para entrar n'esta especie de post-scriptum da discussão.

Eu ouvi a proposta do digno par, o sr. Rebello da Silva, e que já foi approvada pela camara, bem como as palavras muito lisonjeiras que s. exa. me dirigiu, palavras que ha muito estou costumado a receber da benevolencia do digno par e meu amigo, e as quaes me são sempre extremamente gratas, pela valia e auctoridade da pessoa que as proferiu. Mas na votação não pude associar-me á sua proposta, porque não desejava pela minha parte que se fechasse o debate numa occasião em que se achavam inscriptos alguns dignos pares, cuja opinião não podiamos prevenir qual seria (apoiados), e aos quaes desejaria muito ouvir. Alem d'isso, sr. presidente, visto que eu tinha tido a honra de levantar este debate, e a camara teve a benevolencia de me escutar por tanto tempo, era justo que eu desejasse fosse dada aos meus collegas n'esta casa a faculdade de expressarem as suas opiniões sobre o assumpto.

Foi esta a rasão por que votei contra o requerimento do digno par.

Agora emquanto ao digno par, o sr. visconde de Chancelleiros, que substituiu a sua propria interpretação á interpretação dos sentimentos da camara, que se inferia das palavras do digno par, o sr. Rebello da Silva, permitta-me s. exa. que lhe diga que não posso admittir que seja tambem exacta a interpretação que o nobre visconde dá á votação da camara. Esta votação não podia significar a inutilidade dá discussão que a precedeu, mas sim que a discussão havia chegado ao seu termo natural. Se essa discussão pareceu inconveniente ao digno par, a outros, a muitos de quem tive a fortuna de receber demonstrações de assentimento, pareceu ella conveniente e opportuna. Quanto a mim, que levantei o debate, pareceu-me indispensavel, emquanto se não afastasse do campo altamente politico e nacional em que a tinha collocado, sem lhe querer nunca dar caracter de questão anti-ministerial. Mantive-a no meu campo, mantive as minhas opiniões, sustentei e sustento a opportunidade com as rasões que já expuz, e não repito agora. Isto é opinião minha e de muitos; póde ser que não seja a de todos, e é provavel mesmo que o não seja. Ninguem póde ter a pretensão de que a sua opinião seja a de todos; e era por isso mesmo que eu desejava ouvir a opinião contraria do digno par, ou de qualquer outro dos meus collegas, com a consideração e respeito que me merecem sempre, apesar de que discordemos em qualquer ponto de doutrina.

O sr. Presidente: - Agora parece-me que quem tem a palavra é o digno par o sr. conde de Cavalleiros...

O sr. Conde de Cavalleiros:- Era justamente a palavra que eu esperava v. exa. me d'esse n'esta occasião. Eu apenas quero dar uma simples explicação, visto que não pude tomar parte n'este debate; porque eu estou em desaccordo com as apreciações e reflexões que ouvi fazer aos dignos pares que me precederam. Por consequencia, se a camara me dá licença...?

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - V. exa. tem a palavra.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Hei de limitar-me quanto podér. Não faço nenhum discurso porque os não sei fazer; mas vou fallar com a mais intima convicção, e muitas vezes vale isso mais do que as flores de rhetorica e magnificos ramilhetes que se possam formar n'estas lides.

Sr. presidente, antes de dar a minha explicação, direi ao meu amigo o sr. Rebello da Silva, que eu nunca interrompi orador nenhum, nem fui chamado á ordem por alguem, apesar de ter assistido a muitos debates, tanto n'esta camara como na outra; por isso muito admirado fiquei quando s. exa. me disse: "Então fallo eu ou falla o digno par". Pois póde s. exa. ter a certeza de que, se eu não julgasse a minha interrupção amigavel para com s. exa., não a teria feito. Agora passo a dar a minha explicação.

Sr. presidente, logo que em Hespanha rebentou a revolução de setembro, e que em pedaços foi feito o throno de Izabel II, emitti eu a varios cavalheiros a opinião, que ainda hoje tenho, de que convinha aos dois paizes vizinhos, e á paz da Europa, que o Senhor D. Fernando fosse o futuro Rei de Hespanha. Esta mesma opinião a emitti eu depois fóra do reino a alguns amigos; ora, occupando eu um logar n'esta camara, e ventilando-se uma questão sobre a qual eu me tinha já pronunciado particularmente, não quiz que ninguem pensasse, que por fraqueza politica ou contemplação palaciana eu deixava de manifestar franca e livremente a minha opinião. Não é isto possivel a um homem que tem atravessado uma carreira trabalhosa durante tantos annos, sem nunca occultar o seu modo de pensar.

Sr. presidente, a prova de que a questão se não devia trazer a esta casa é a troca de explicações que dois oradores illustres e de grande intelligencia sé têem mutuamente dado durante duas sessões; e é claro que, se esta questão fosse tão grave que interessasse deveras á causa publica, a camara não teria de certo consentido que a discussão se encerrasse, estando ainda inscriptos tres dignos pares, e tendo dois d'elles dado já a conhecer particularmente que as suas opiniões divergiam d'aquellas apresentadas pelos oradores que já tinham fallado.

Pela parte que me cabe, direi que a minha divergencia começa logo pela increpação feita ao governo, de que tinha commettido um grande erro politico em não se ingerir no negocio das candidaturas.

Eu estava por essa occasião fóra do reino, e estimaria: muito estar ainda, pelos meus poucos desejos de me envolver na questão; porem sempre direi que mesmo lá fóra eu sube que esse negocio era inteiramente particular do Senhor D. Fernando, por certo ainda mais deviam saber os dignos pares que estavam cá em Lisboa. O que eu lá soube era bastante para fugir de trazer ao parlamento esta questão, questão particular e inteiramente despida de caracter politico, ainda que tivesse consequencias importantissimas.

O Senhor D. Fernando não é nosso rei; é senhor da sua vontade, e livre para aceitar ou não aceitar qualquer throno que lhe offereçam.

Comtudo o sr. marquez de Sá tomou cavalheirosamente uma certa responsabilidade sobre sr. O sr. marquez de Sá ainda que Deus lhe de muitos mais annos de vida, ha de ser sempre moco no seu cavalheirismo e moço nas suas idéas.

Talvez que um outro homem, tambem experimentado em politica, como s. exa. é, mas cauteloso em evitar compromettimentos no que pertence a outrem, tivesse fugido de tomar parte n'este negocio; então talvez que os dignos pa-

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52 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

res não tivessem adiado ensejo para uma discussão tão desagradavel ao digno marquez, e tão improficua á causa publica e particular. Discussão que só podia terminar, ou pelo compromettimento de alguem, ou pelo rebaixamento do governo, que nos convem fortificar aos olhos dos estrangeiros, sempre promptos a expiar as nossas faltas politicas ou governamentaes.

Sr. presidente, outra cousa em que eu divirjo de ss. exas., clara e francamente o digo, é nas apreciações do facto da rejeição do Senhor D. Fernando ao throno de Hespanha. Saibam os dignos pares, saiba esta camara, saiba o paiz, que a minha opinião é inteiramente contraria á de ss. exas. Eu entendo que para segurança nossa, para conveniencia d'esta terra, para socego de todos nós, convinha que o Senhor D. Fernando estivesse no throno de Hespanha. (O sr. Visconde de Chancelleiros:-Apoiado). A meu ver, a aceitação d'aquelle throno por Sua Magestade seria um facto que havia de concorrer poderosamente para a formação de uma solida instituição monarchica, no paiz vizinho, e para, que o principio monarchico - constitucional se robustecesse na Europa e escapasse aos vendavaes que vão abalando os thronos e os fazem cair em poucos dias.

Sr. presidente, depois dos acontecimentos, ha muito quem os julgue. Diz-se: ainda que o Senhor D. Fernando não aceitou a corôa que lhe offereciam, a republica não se proclamou. E se se tivesse proclamado? Não valia a pena o sacrificio de um homem para evitar um acontecimento que nos podia ser funesto? Estariamos agora tranquillos? De certo que não. Mas direi mais. Estabelecido o principio monarchico em Hespanha, eu quizera ver um homem das qualidades, do constitucionalismo, da probidade e lealdade do Senhor D. Fernando (apoiados), cingir a corôa d'aquelle reino, por isso que clava todas as garantias, ora um posto avançado da nossa independencia, cccupado por um nosso amigo que viveria em paz e boa harmonia comnosco, sempre independentes. Hoje alguem sabe quem cingirá aquella corôa? Será um principe leal e irreprehensivel, ou alguem que procure lisongear a memoria hespanhola a nosso respeito? As ligações de familia, desgraçadamente, já hoje não prendem ninguem. A educação publica tem fraquejado a ponto que os pães não podem contar com amor dos filhos, conspiram ás vezes uns contra os outros!

Ora, assim como isto acontece nas familias, acontece tambem nos estados. Os pactos de familia não valeir nada hoje. O medo, o phantasma que se apresentou a todos, que indo o Senhor D. Fernando para Hespanha era o principio do iberismo, foi um panico originado por um erro crasso, pois que, se o iberismo tivesse de existir, havia de existir para nós mais fatal, mais subito, não estando no throno de Hespanha o Senhor D. Fernando, o prototypo da lealdade, do que estando lá um outro principe que nos fosse estranho, e talvez contrario.

A rejeição, por parte de Sua Magestade, d'esse throno, como um acto particular de abnegação e de desinteresse, louvo-o; como acto politico, rejeito-o e reprovo-o.

Sr. presidente, alguns que impugnavam este meu modo de ver fallavam-me em Maximiliano. A Hespanha, digo eu, póde derrubar em poucos dias um throno; a Hespanha, hoje não manchava de sangue esse throno, e a prova e a placidez com que tem procedido á formação da sua constituição, embora tenha havido no congresso opiniões que eu reprovo, embora se tenham offendido os mais santos principios da nossa religião, fonte das nossas liberdades sobre a terra, o que não foi senão talvez aberração de duas ou tres cabeças que querem desviar os outros dos dictames da fé, mas é contradiro por 16.000:000 hespanhoes sempre católicos e religiosos. O que faz a propaganda protestante em Portugal ha santos annos? Não faz o mesmo? Não o faz no parlamento, mas distribuo o seu oiro, Deus sabe a quem. Protesto com os dignos pares contra os ataques ali feitos aos dogmas da nossa santa religião. De que serviram esses ataques? De robustecer a fé no peito de quem tinha religião. Pondo de parte as aberrações, louvo o congresso hespanhol na promptidão e serenidade com que tem concluido a sua constituição, dando-nos assim a garantia de que em pouco tempo terminarão a final a organisação do seu governo, e que esse seja de tal ordem cordato para podermos viver em paz e boa harmonia de irmãos, sempre independentes, tendo a nossa autonomia como ponto sagrado em que jamais deixaremos tocar.

Sr. presidente, se os povos se sacrificam e morrem pelos réis, não vejo que seja para admirar que haja réis que se sacrifiquem e morram pelos povos. Foi o que fez Maximiliano.

Se a nobreza obriga, a realeza obriga muito mais ainda; e se nós devemos dar a vida pela patria e pelo rei, o rei deve dar a vida pelo povo, e sobretudo pela patria. Maximiliano morreu como um heroe, e morreu com a idéa de salvar um povo da anarchia. Basta só este facto para se dever reconhecer n'elle um verdadeiro homem de bem; e se entre nós, sr. presidente, se fizesse um sacrificio para preservar a Hespanha de todos os males, seria isso um acto de heroismo que eu não podia deixar de louvar e muito, e commigo a Europa toda, que d'esse acto muito aproveitava. Acto que era uma garantia de paz, socego, e sogurança para Portugal.

Aqui têem pois os dignos pares em que divirjo dos principios que expozeram. Eu, sr. presidente, não faço senão uma breve exposição de principios, e por isso não entro em outras considerações que tinha tenção de fazer.

Vou portanto concluir; antes porém de o fazer, pedirei á camara que me dispense de continuar a concorrer ás suas sessões. Eu não posso discutir, porque as discussões aqui têem uma certa bitola, e todos sabem que em fallando sobre qualquer assumpto um certo numero de pessoas, pessoas que eu aliás muito estimo e respeito, pouco importa que os outros fallem, é isto o que se deu hoje para terminar a discussão; e não entrando nas discussões, nem podendo acompanhar a camara nos seus trabalhos, sou inutil aqui.

Estou doente; cheguei ha pouco de fóra, e peiorei logo; e se persisto em ficar e me vejo forçado a discutir, muito mais peorarei de certo; e portanto espero que a camara não duvidará satisfazer o meu pedido; preciso ir fóra do reino continuar o meu curativo.

Em conclusão, pois, sr. presidente, devo declarar que, se entrei no debate, não foi por julgar que possa ter importancia a minha opinião, mas porque não quiz deixar de a manifestar, pois não desejo desmerecer da estima e consideração que sempre me tem dispensado a camara.

Agradecendo a v. exa. e á camara a benevolencia com que me honrou, permittindo-me dar estas explicações, peço até dos os meus collegas queiram desculpar qualquer frase que manos significasse os sentimentos de estima e respeito que lhes consagro.

O sr. Presidente: - Designando a proxima sexta feira, 28 do corrente, para a immediata sessão da camara, e dando para ordem do dia os pareceres que se apresentassem, levantou a presente sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 25 de maio de 1869

Os exmos. srs.: Condes, de Lavradio, de Castro; duque de Palmella; marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sabugosa, de Vallada; Condes, da Cabral, de Cavalleiros, de Fonte Nova, da Louzã, da Ponie, de Rio Maior; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Algés, do Banagazil, de Chancelleiros, de Condeixa, de Soares Franco, de Villa Maior; Costa Lobo, Barreiros, Silva Ferrão, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Rebelão da Silva, Fernandes Thomás, Ferrer.

1.200 -IMPRESSA NACIONAL - 1869

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