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N.º 13

SESSÃO DE 18 DE MAIO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa

Secretarios - os dignos pares

Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - Tomam assento na camara os dignos pares os srs. Coelho de Carvalho, conde da Folgosa e Antunes Guerreiro. - O digno par Antonio Augusto de Aguiar e o sr. presidente fazem o elogio do novo livro Estatisticas e biographias parlamentares, do conselheiro Clemente José dos Santos. - O &r. José Joaquim de Castro manda para a mesa o parecer relativo á eleição do sr. Antonio dos Santos Viegas. - O sr. marquez de Rio Maior declara que o sr. Barros e Sá não póde comparecer ás sessões. - Ordem do dia: continuação da discussão ácerca do incidente Ferreira de Almeida.- Sobre este incidente usam da palavra os dignos pares visconde de Moreira de Rey, marquez de Rio Maior e Vaz Preto. - Levanta-se a sessão e designa-se a immediata e a respectiva ordem do dia.

Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 22 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio do sr. conselheiro Clemente José dos Santos, offerecendo á camara dos dignos pares do reino um livro de que é auctor, e que tem por titulo Estatisticas e biographias parlamentares.

Para o archivo.

Outro do ministerio da fazenda, remettendo 16 autographos dos decretos das côrtes geraes, que, depois de sanccionados por Sua Magestade El-Rei, foram convertidos em lei do estado.

Para o archivo.

(Estava presente o sr. presidente do conselho de ministros.}

O sr. Presidente: - Lançar-se-ha na acta que esta valiosissima offerta, feita pelo sr. Clemente José dos Santos, foi recebida pela camara com especial agrado.

O sr. Presidente: - Acha-se no edificio da camara o digno par eleito, o sr. Coelho de Carvalho.

Convido os dignos pares os srs. Thomás Ribeiro e Pereira Dias a introduzirem s. exa. na sala.

Introduzida na sala prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: - Acha-se tambem nos corredores da sala o digno par eleito, o sr. conde da Folgoza.

Convido os srs. visconde de Moreira de Rey e conde de Penha Longa a introduzirem s. exa. na sala.

Em seguida foi introduzido na sala, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Antonio Augusto de Aguiar (o orador não reviu): - Sr. presidente, acabo de ser agradavelmente surprehendido com a publicação de uma obra, que deve ser de grande utilidade para o parlamento portuguez, intitulada Estatisticas e biographias parlamentares, por Clemente José dos Santos.

Este trabalho, que fora em parte publicado no Commercio do Porto, e que chamou a attenção do publico pela novidade que apresentava, foi agora publicado em volume, muito acrescentado com documentos e estatisticas de immensa valia.

Tenho uma predilecção especial por todos os trabalhadores, por todos aquelles cuja contensão de espirito os leva a continuas e indefessas vigilias, e principalmente pelos homens que, como Clemente José dos Santos, teem prestado ao parlamento portuguez, e conseguintemente ao seu paiz, relevantes e importantissimos serviços.

N'este livro, cujos capitulos formam uma contestura de palpavel utilidade, acham-se alguns que sobrelevam aos demais pela sua absoluta novidade, pois que, n'este genero de trabalhos, Clemente José dos Santos attinge aonde ninguem chegou.

Deriva isto de possuir em sua casa uma verdadeira bibliotheca e documentos rarissimos, alem de uma tão fiel e copiosa memoria, que este como que vivo archivo tem sempre sido o guia seguro de todos governos, quando surge alguma questão em que é mister recorrer a dados estatisticos.

Ha sobretudo um capitulo, muito curioso, para o qual chamo a attenção da camara, é o que se refere a todos os documentos que possam esclarecer a celebre lei de 19 de dezembro de 1874. Esta questão interessou-me sempre.

Procurei muitas vezes esclarecer o meu espirito a respeito deste decreto; mas infelizmente, com grande pezar meu, nunca isso me foi dado, senão quando ao termo de muitos annos, pela leitura do livro d'este incansavel trabalhador, consegui finalmente ter uma idéa clara das condições especiaes em que foi promulgado aquelle decreto.

Este livro deve ser de grande auxilio para todos os meus collegas, que desejem esclarecer-se sobre qualquer dos assumptos de que elle trata.

Não ha nada mais difficil, e v. exa., sr. presidente, sabe-o melhor do que eu, para os homens de estado d'este paiz, quando se encontram no poder, do que tomarem deliberações acertadas, sem esclarecimentos estatisticos.

Houve uma epocha em que Portugal não conhecia a estatistica. Depois veiu um periodo em que se procedeu á organisação de uma estatistica para satisfazer os pedidos de alguns membros do parlamento. Porém, só agora, ha muito poucos annos, é que começaram a apparecer trabalhos estatisticos de verdadeiro valor, comquanto não abranjam todos os ramos d'esta sciencia.

Não comprehendo, não, como o governo de um paiz possa fazer leis justas, sabias e bem pesadas, sem ter á sua disposição todos os esclarecimentos estatisticos completos. E, se é permittido referir-me á minha especialidade, direi que o homem de estado, por falta de dados estatisticos, tem tantas difficuldades para bem governar, quantas o chimico, á mingua de reagentes, para devidamente fazer as suas analyses.

Mas outro ponto ainda.

Eu estava persuadido de que as despezas com o parlamento haviam augmentado successivamente, mas qual não foi o meu espanto quando em um dos capitulos d'este livro li que a legislatura de i834 importou em 200:000$000 réis,

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a seguinte em 400:000$000 réis, e que a de 1878 só custou ao estado 178:000$000 réis. De maneira que temos feito sobre isto castellos no ar, consoante a expressão popular, por falta de documentos estatisticos, por falta de bases, elementos indispensaveis para as sociedades modernas progredirem.

O cavalheiro a que me refiro é um antigo empregado das camaras portuguezas, e hoje é director graduado da repartição da tachygraphia da camara dos senhores deputados.

Esta camara encarregou-o já de publicar um livro de documentos para a historia das côrtes geraes portuguezas.

Este trabalho, tambem sobremodo interessante, já vá e muito adiantado ,e tem sido recebido com bastante satisfação; mas o que tenho agora presente, não é feito por ordem do governo, nem de nenhuma das camaras: foi apenas patrocinado por um dos mais bem escriptos jornaes, do paiz, O commercio do Porto.

Sr. presidente, gosto de elogiar os que,6 ao laboriosos, os que pelos seus serviços se elevam acima do commum, e, portanto, eu n'esta occasião faltaria a um dever se não levantasse a minha voz para prestar homenagem de louvor ao sr. Clemente José dos Santos, e este incansavel obreiro que acaba de prestar, ao paiz mais um serviço relevante.

Terminando, portanto, direi que seria muito util e muito para desejar que aquelle Cavalheiro encontrasse nos poderes publicos o apoio que merece a obra que emprehendeu, a fim de poder proseguir e completal-a, deixando á sua patria e ás instituições o fructo do seu prestimoso trabalho.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Eu associo-me ás palavras de louvor do digno par; e já propuz, e a camara approvou, que na acta se lançasse um voto de reconhecimento pela offerta importante do sr. conselheiro Clemente. (Apoiados.)

O sr. Marquez de Rio Maio: - Participo a v. exa. e á camara que o sr. conselheiro Barros e Sá não pode comparecer á sessão por incommodo de saude.

O sr. José Joaquim de Castro: - Tenho a honra de remetter para a mesa o parecer da primeira commissão do verificação de poderes sobre o diploma do digno par eleito o sr. Antonio dos Santos viegas.

O sr. Conde de Alte: - Eu tinha pedido a palavra,; mas era para fazer a respeito do digno par o sr. Barros e Sá a declaração que já foi feita pelo sr. marquez de Rio Maior.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão sobre a prisão do sr. deputado Ferreira de Almeida

O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia e continua com a palavra o digno par o sr. visconde de Moreira de Rey.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Não se dá por satisfeito com as declarações do sr. presidente do conselho, mas tambem não lhe exige melhores, ponderado haver chegado ao seu termo a questão que se debater

Faz-lhe a justiça de crer que não repetirá o procedimento seguido agora, se de futuro surgir incidente igual ao que moveu esta discussão, e parece-lhe tambem que por parte de s. exa. houvera mais precipitação do que proposito em offender a lei fundamental do estado.

Mas para credito d'essa lei e a bem da sua argumentação, importa-lhe insistir ainda sobre que nenhum deputado póde ser preso, senão por ordem da sua respectiva camara, salvo se tiver logar o caso de flagrante delicto, a que corresponde a pena mais elevada da escala penal. Dando-se, porém, mesmo esta excepção, com o parlamento aberto, urge que o delinquente seja immediatamente posto á disposição da sua camara, por ser a unica auctoridade competente a resolver se elle ha de continuar sob custodia, ou se antes ella se deve adiar, bem como todo o processo, para quando encerrada a sessão legislativa. Segundo o seu modo de ver, que se lhe afigura consentaneo com a disposição generica da carta, a faculdade que tem cada uma das camaras para decretar ou suspender a prisão de qualquer dos seus membros é completamente arbitraria e não tem limites ou restrições de especie alguma.

Em face d'esta doutrina, reitera que quando qualquer governo queira prender um deputado ou par delinquente, deve solicitar auctorisação da sua respectiva camara, ou pelo menos do seu presidente, quando ella não esteja reunida.

Da estricta observancia da lei, em taes casos, não sómente resultaria logo para o seu, quando preso, um inicio de castigo ou penalidade, como principalmente se evitaria tel-o alguem por uma victima da illegalidade.

Tres meios tinha o governo para deixar de fazer que fez: ou reunir a camada para esta ordenar a prisão, ou effectual-a por ordem do seu presidente, ou emfim, tendo-a realisado o governo, apresentar logo o preso á camara e impetrar d'ella a prompta resolução do caso, isto é, se esse deputado devia ou não continuar preso, se devia ou não ficar suspenso das suas funcções.

Pondo por obra. qualquer d'estes meios, o ministerio illibar se ia de toda e qualquer responsabilidade e a um tempo affirmaria a incompetencia do poder executivo para prender um dos membros do legislativo.

Comtudo, a tendencia para antepor a arbitrarieda e o proprio capricho aos verdadeiros, principios do systema representativo não é de agora e tão pouco privativa do governo actual, mas bem mais antiga e extensiva a outros governos.

E dito isto, confessa não poder deixar de levantar uma expressão do sr. presidente do conselho na sessão anterior. Dissera s. exa. que o criminoso estava entregue a um tribunal independente e que o governo não tinha recursos para accelerar nem retardar o processo.

O orador contrapõe a isto que não ha tribunal nenhum legalmente constituido, excepto se algum se creára clandestinamente, onde o governo não tenha os seus representantes e onde, não só possa, como tambem deva, Acompanhar o processo, ordenando ao seu agente que requeira quanto for de justiça e interponha os recursos que a bem d'ella entenda necessarios.

De modo nenhum pretende converter para o campo politico uma questão que unicamente deseja tratar nos termos juridicos e ainda os mais insipidos.

Entretanto ha uma disposição expressa no artigo 4.° do ultimo acto addicional da carta, que diz:

«Se algum par ou deputado for accusado ou pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva camara, a qual decidirá se o par ou deputado deve Ser suspenso e se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funções do accusado ou indiciado.»

Julga, pois, que seja qual for o tribunal ou o juiz do processo, necessariamente ha de ter conhecimento do artigo 4.° da lei fundamental do estado, e bem ao revez do que ella preceitua conserva preso, por seu unico abitrio, um deputado da nação portugueza.

Refere-se depois ao digno par o sr. Barros e Sá, o qual estranhará na redacção d'aquelle artigo a promiscuidade das palavras accusado e pronunciado, mas que sem rasão, visto como póde succeder que se accuse e não se pronuncie um dos membros do parlamento.

Nos processos correccionaes é natural dar-se esse caso.

Recorda em seguida que o sr. presidente do conselho tambem se defendia, objectando que não violara nenhuma garantia individual ou civica.

Impugna a verdade d'esta asserção, por isso que um deputado, desde que o é, não deixa de ser cidadão portuguez, e corrobora a sua negativa lendo os §§ 6.° e 7.° do

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artigo 145.° da carta constitucional, deduzindo que esses mesmos direitos tinham sido violados na pessoa do sr. Ferreira de Almeida.

Reputa emfim tão nociva a prisão d'este deputado, quanto a saída do sr. ministro da marinha dos conselhos da corôa; é de opinião que o debate sobre este assumpto, por dignidade de todos, deve terminar, e está convicto, pelo menos emquanto Deus lhe der juizo, de que aquelle que ordena e é obedecido se deve ter como superior, e que, portanto o sr. ministro da marinha cumpre ser considerado como superior de todos aquelles que ás suas ordens devem corresponder com a obediencia.

Manda por ultimo a sua moção para a mesa, e pede ao sr. presidente lhe seja licito retiral-a, quando outro tanto para com as suas façam os seus collegas.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra, guando haja revisto as notas tachygraphicas.)

Leu-se na mesa a seguinte:

Moção

A camara, julgando a materia sufficientemente discutida, passa á ordem do dia. = Visconde de Moreira de Rey.

O sr. Presidente: - Está nos corredores da camara o digno par eleito o sr. Antunes Guerreiro, que pretende tomar assento n'esta casa.

Convido os dignos pares os srs. conde de Campo Bello e Sequeira Pinto a introduzirem s. exa. na sala.

O digno par prestou juramento e, tomou assento.

O sr. Pereira Dias: - Sr. presidente, peço a v. exa. que me inscreva.

O sr. Presidente: - Sim senhor. Tem agora a palavra o digno par o sr. marquez de Rio Maior.

O sr. Marquez do Rio Maior: - Obedecendo ás regras estabelecidas no regimento d'esta camara, tenho a honra de mandar para a mesa a minha proposta:

"A camara dos pares do reino, considerando os graves deveres, que tem a cumprir como tribunal de justiça, abstem-se de emittir opinião sobre o lamentavel incidente, d’onde resultou a prisão de um sr. deputado da nação portugueza, e bem assim sobre todos os factos, que são correlativos, e passa á ordem do dia. = O par ao reino, Marquez do Rio Maior."

Sr. presidente, nas observações, que terei a honra de expor á consideração d'esta illustre assembléa, farei o possivel para ser breve, pede-o o interesse do paiz; estam reunidas as camaras desde 2 de abril, e até hoje não se tratou de uma unica das providencias urgentes, indispensaveis á resolução do problema de fazenda!

Pedi a palavra, quando o digno par o sr. Hintze Ribeiro, fallando com a eloquencia, que lhe é propria, mas violento na idéa e na fórma, arguia asperamente o governo de ter desobedecido a carta, e estando abertas as côrtes. Violação constitucional, fulminada por s. exa. com a mais profunda indignação! Quiz n'este momento solemne lembrar; á opposição, se ainda é tempo, que no processo inopportunamente evocado, perante a camara dos dignos pares, temos de ser juizes, e que todas as reservas são necessarias. Lembrou s. exa. a viagem humoristica á roda do globo de Julio Verne, eu lembrarei antes, e mais vem para o caso, o julgamento do infeliz Luiz XVI. Quando o rei martyr compareceu diante da convenção, que todos os dias pedia o sangue de um innocente, o advogado da victima disse estas tristes palavras, que ainda hoje, passado quasi um seculo, ninguem póde esquecer "procuro juizes, só encontro accusadores!"

Repito com o sr. Hintze Ribeiro, - cuidado! Cuidado, que ámanhã o ministerio publico, representante dos mais altos interesses da sociedade portugueza, póde vir dizer-nos "em nome da disciplina do exercito e da armada, em nome dos principaes e mais efficazes elementos da ordem publica, venho procurar juizes imparciaes, e só vejo em frente de mim politicos facciosos!"

Sr. presidente, digo aos meus collegas pares do reino, que o interesse do réu, que nos é sagrado, a dignidade d'esta camara, que a todos nos cumpre zelar e defender, exige que ponhamos ponto á rhetorica, e que façamos silencio sobre a classificação do crime, se é que o houve, sobre todas as suas circumstancias attenuantes ou aggravantes, bem assim sob a pena, que lhe corresponde. Nem mais uma palavra para honra de todos nós!

Sejâmos francos, como pede a gravidade da materia na tela do debate. Aqui ha uma questão politica (Apoiados.) e um processo criminal. Para que negal-o? Todos o sabemos, todos o sentimos! Dizem não houve flagrante delicto, ao facto incriminado não corresponde a pena maior na escala penal, o artigo 1.° dos artigos de guerra da armada portugueza de 1799 é mal invocado, violou-se a constituição! Mas, sr. presidente, se tudo isto é assim, e fica já provado, este governo, sentado n'aquellas cadeiras, não póde permanecer nem mais um dia nos conselhos da corôa, e, portanto, cáe o ministerio, entra a opposição! E tudo isto não é politica? Não se discute o crime, a pena que deve ser aplicada? Oh! sr. presidente, quanto é exacta a phrase de mr. Laveley "o primeiro dever dos partidos é saber ser minoria".

Console-nos ao menos a palavra do sr. Barjona; o ministro faltou ao seu dever constitucional, mas não foi intencionalmente! Desculpem os meus adversarios, se eu exclamo convencido, a opposição julgou que tocava a defunctos, e quiz enterrar quem estava e está vivo. Ouça, tambem o digno par o sr. Hintze Ribeiro, s. exa. e os seus collegas hão podem resuscitar hoje nos conselhos da corôa, têem muito talento, altas qualidades, não o nego; porém, não estão nas condições de governar actualmente este paiz, já Molière o tinha dito numa das suas immortaes producções:

Non, non: vous vous laissez tromper à l'apparence

O interesse do estado oppõe-se á restauração immediata do partido regenerador! (Apoiados.)

Dizia o sr. Hintze Ribeiro, responda o sr. presidente do conselho com a mão sobre o Evangelho, se entende que não violou a carta?

Respondo eu por parte dos amigos do governo á pergunta formulada. Admittindo, por hypothese, que houve esta violação, quem é o varão justo que se levanta para nos intimar? Tomei nota das palavras do digno par: - "ò ministerio arvorou-se em poder supremo para abusar de de tudo e de todos!"

Quem o diz? O sr. Hintze, dictador em 1881, que praticou um acto, dizia o digno par o sr. Antonio Augusto de Aguiar, na sessão de 9 de fevereiro de 1882, sem classificação historica, porque não tinha precedentes. Cobrou impostos em dictadura. Quem o tinha feito antes, quem o fez depois? Ainda ha mais!

Exclamou s. exa. "este governo dispensa o concurso das camarás, quando estão abertas, é julga-se absolvido pelo voto de uma moção de confiança!" Dizem isto aquelles que em 1884, tendo maioria em ambas as casas do parlamento, fecharam as côrtes sem necessidade, sem urgencia, e tres dias depois publicaram em dictadura a reforma do exercito, augmentando n'este anno de 1884-1885 a despeza ordinaria e extraordinaria em 3.286:968$906 reis! São os mesmos que no anno passado, tendo uma nova maioria, e o auxilio de quasi todos os pares electivos, admittidos por uma lei, obra toda sua, sairam do poder, porque não obtiveram o adiamento das côrtes, unico meio, segundo s. exmas., de poderem resolver as dificuldades existentes!

O illustre orador, a quem principalmente respondo, lembrou o Evangelho; pois, peca a um dos seus marechaes, a um distinctissimo publicista, que o informe, onde melhor deve ler, e elle lhe indicará o capitulo viu do Evangelho de S. João. Escreveu este cavalheiro: "á opposição temos a citar o bello episodio de S. João. Os escribas e phari-

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seus trouxeram diante de Christo uma mulher adultera,; para ser lapidada na conformidade da lei. Christo disse-lhes: Aquelle de entre vós que estiver sem peccado que lhe atire a primeira pedra. E isto o que dizemos aos escribas e phariseus, queremos dizer aos partidos da opposição. A culpa é toda vossa, se não fossem os precedentes, se não fossem os vossos exemplos, nunca este governo teria tal audacia. Não venhaes distinguir as circunstancias, discutir os casos, allegar o mais e o menos. Não é na importancia ou nas circunstancias do acto, é na preterição das formulas e na postergação da lei, quando esta postergação é consciente e manifesta."

Sr. presidente, assim reflectiu uma auctoridade, insuspeita para o digno par, o sr. Hintze Ribeiro, e admittindo por hypothese, repito, que toda a culpa é d'este governo, eu ainda responderei aos oradores contrarios: Abyssus, abyssum invocat.

Não estou tratando directamente do incidente levantado, porém tenho direito de fallar n'este ponto particular, fazer estes reparos, e não devo prescindir d'elles. A vossa historia dil-a o .sr. ministro da fazenda no seu relatorio; em dez annos subiram os vossos emprestimos a réis 80.000:000$000, e os encargos da divida augmentaram tambem do 5.000:000$000 réis por anno! De vós ficou uma lei de recrutamento, que annos antes o sr. Fontes, na parte relativa á remissão dos recrutas a dinheiro, appelidava uma grande immoralidade. Imposto de sangue, incidindo todo sobre o pobre, que não, póde pagar a remissão a dinheiro, e ha de dar ainda o substituto do rico, que se desonerou do mais pesado dos impostos, só porque tinha dinheiro! (Apoiados.)

Sr. presidente, é tempo de entrar no assumpto principal do debate. O sr. Luciano de Castro veiu a esta camara participar a mudança que tinha havido no ministerio, e disse que lhe parecia que deviamos ser parcos e reservados nas considerações referentes ao lastimoso incidente da camara dos srs. deputados. Esta observação tão correcta do nobre presidente do conselho motivou protestos, da opposição, e eu declaro a v. exa. que não os comprehendo, nem os entendo.

O sr. Luciano de Castro como ministro póde tomar parte nos nossos debates, porque a constituição auctorisa a sua intervenção; mas póde igualmente tratar esta materia ca qualidade de par do reino; s. exa. tem direito de discutir e do votar. Diversas são as obrigações do poder executivo e do legislativo; os ministros prestam conta á camara dos seus actos, nós nada temos que affirmar n'este momento, unicamente ouvir a narração do triste incidente., reservando cautelosamente a nossa opinião de juizes.

Temos direito para discutir tudo! Respondo; tudo a sei tempo e hora, não hoje. Invoca-se o artigo 1:020.° da novissima reforma judiciaria para se saber o que é flagrante delicto. Não o invoquem agora, antes procurem na reforma o artigo 1:144.°, que diz por esta fórma:

"Findas as allegações, o juiz, sob pena de nullidade, resumirá o facto, fazendo d'elle e de todas as circunstancias um relatorio simples e claro; apontará, com rigorosa imparcialidade as principaes provas, assim a favor, como contra o réu; e depois proporá os quesitos!"

Sr. - presidente, este artigo, que é para os tribunaes ordinarios, indica a norma do nosso procedimento; depois, das allegações é que devemos discutir, com imparcialidade, apontando as provas a favor e contra o réu.

O sr. Hintze Ribeiro disse, e o argumento fez grande impressão na camara, que deviamos ter em vista o artigo 3.° do ultimo acto addicional, que diz: "nenhum par póde ser preso por auctoridade alguma, salvo por ordem da sua respectiva camara, menos em flagrante delicto, a que corresponde a pena mais elevada da escala penal".

Acrescentou s. exa. que, estabelecendo a hypothese de ser par do reino o não deputado, convinha ler o artigo 4.°, e que este determina: "se algum par ou deputado

for accusado ou pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva camara, a qual decidirá se o par ou deputado deve ser suspenso, e se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções do accusado ou indiciado".

A conclusão da leitura d'estes dois artigos, é que, tratando-se de par do reino, a camara tem de tomar conhecimento do processo antes do julgamento,, e aqui está um caso em que não haverá aquelle silencio, aquella completa reserva, recommendada pelo governo e pelos seus amigos.

Sr. presidente, o argumento do digno par não colhe, n'este caso a discussão previa é obrigatoria, a camara dos pares tem de dar licença...

O sr. Barjona de Freitas: - O digno par confunde o artigo 4.° com o artigo 27.° da carta constitucional; o artigo 27.° da carta foi substituido, esse é que dizia que a camara devia decidir se o processo devia continuar.

O Orador: - Peço perdão ao digno par; reconheço que disse mal, dizendo que a camara tinha de dar licença, a camara, decide, pelo artigo 4.°, se o par deve ser suspenso, e se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções do accusado. ou indiciado; mas este erro meu não destróe o argumento; é facto que a camara tem de tomar conhecimento, e depois tem de se constituir em tribunal. Não o nego, mas o que prova esta observação do digno par, o sr. Hintze Ribeiro? Nada, a meu ver.

A camara, n'este caso, tratando-se de um dos seus membros, é obrigada, fatalmente, a intervir n'um acto anterior ao processo, deve-o fazer com a maior reserva;, porém, sendo um deputado, não é da sua attribuição satisfazer ao que dispõe, o artigo 4.°, pertence isto á outra camara; nós só temos, então de exercer as funcções de juizes. N'estas circumstancias a lei nada ordena; para que discutir antecipadamente o flagrante delicto e a pena que lhe ha de ser applicada?

Isso só ha de resolver o tribunal, e mal procedemos, tratando-o já.

Pergunto, se aqui se votasse, como corolario de tudo quanto está dito, uma moção, negando o flagrante delicto, declarando que o artigo 1.° dos artigos de guerra da armada de 1799 não póde ser applicado, e antes o artigo 19.° ou 62.°, e se depois a camara dos senhores deputados, considerando o flagrante delicto, e o artigo 1.° dos artigos de guerra de 1799, suspendesse o deputado, ordenando o seguimento, do processo, pergunto,, não resultaria d'aqui um conflicto gravissimo entre as duas camarás? Ninguem o ha de negar.

Sr. presidente, houve outro argumento, produzido no notabilissimo discurso da sr. Hintze Ribeiro, a que eu devo responder largamente, pois teve uma grande importancia no animo da assembléa. Refiro-me ao caso occorrido em 1833 com o conde da Taipa.

Ou eu, com o mau espirito acanhado, não comprehendi os documentos, ou este, que foi produzido, sendo examinado em todas as suas partes, e nas outras provas, que lhe são connexas, apresenta uma demonstração, diversa das reflexões feitas pelo illustre orador da opposição.

Sr. presidente, em 7 de dezembro de 1833, os duques de Palmella e Terceira, os marquezes de Fronteira, Ponte de Lima, Loulé e Santa Iria, os condes de Lumiar, Ficalho e Paraty, todos pares do reino, fizeram um requerimento ao Imperador, rogando a Sua Magestade que mantivesse a immunidade da camara dos pares, e se dignasse mandar-lhes declarar se os artigos da carta, que garantem a inviolabilidade dos pares, se achavam suspensos pelo decreto de 10 de julho de 1832, pelo motivo de ter sido intimada uma ordem de prisão, assignada por um dos ministros criminaes da capital, ao conde da Taipa, par do reino, facto que envolvia manifesta infracção do artigo 26.° da carta constitucional, visto não se apresentar caso de

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flagrante delicto de pena capital, unico exceptuado no sobredito artigo.

Este requerimento teve o seguinte despacho em 9 de dezembro, assignado por José da Silva Carvalho:

"A ordem de prisão teve logar em consequencia da pronuncia; se o pronunciado ou os dignos pares têem que allegar em seu favor, por se julgarem lesados, podem usar dos meios que as leis permittem. A inviolabilidade marcada no artigo 25.° da carta constitucional ser-lhes-ha inteiramente guardada. Quanto ao decreto de 10 de julho de 1832, como não faz distincção de pessoas, comprehende a todos, porque, segundo a carta, artigo 145.° § 12.°, a lei é igual para todos, quer proteja, quer castigue."

Effectivamente, sr. presidente, o decreto de 10 de julho de 1832 tinha mandado suspender as garantias, prerogativa concedida ao governo em casos extraordinarios pelo § 34.° do artigo 145.° do nosso pacto fundamental; mas isso era referente á liberdade individual e não á independencia do poder legislativo e á sua suspensão. Por outro lado as côrtes não se achavam reunidas por ausencia forçada, e tão forçada, que provinha da guerra, que lavrava n'esse tempo em todo o reino, e todavia os pares, que eu já mencionei, entendendo que o conde da Taipa não podia ser preso, embora pronunciado, por auctoridade alguma, salvo por ordem da camara, por não haver flagrante delicto de pena capital, renovaram em termos mais energicos o seu primeiro protesto, recorrendo na ausencia das côrtes para o Regente, a quem cumpria velar sobre a manutenção da independencia dos altos poderes do estado.

Sabe v. exa., sr. presidente, qual foi o communicado, feito ao duque da Terceira e seus collegas, de ordem do Imperador? Dizia-se, entre outras cousas o seguinte: "que se taes circumstancias sobreviessem, que forçassem Sua Magestade Imperial a dar qualquer esclarecimento sobre algum ou alguns artigos da carta, Sua Magestade, não como auctor ou doador d'ella, mas como encarregado de salvar a patria que o viu nascer, e com ella o throno de sua augusta filha, o faria, buscando conciliar a independencia dos poderes politicos do estado e os interesses dos membros das camaras com a indispensavel satisfação da justiça devida á sociedade, e que o protesto dos pares do reino seria levado á presença das côrtes, logo que houvesse a fortuna de as ver reunidas, para que decidissem á vista d'elle e do despacho do ministro da justiça se a carta foi ou não violada".

Sr. presidente, aqui tem v. exa. o que se passou a respeito do conde da Taipa; não houve flagrante delicto de pena capital; tinha sido pronunciado e dada a ordem de prisão, sem licença da camara, pelo corregedor do crime, e, todavia, o ministro dizia, de ordem do Imperador, que se taes circumstancias sobreviessem que forçassem a dar qualquer esclarecimento sobre algum artigo da carta, Sua Magestade o faria, buscando conciliar a independencia dos poderes politicos do estado e os interesses dos membros das camaras com a indispensavel satisfação da justiça devida á sociedade!

Esta doutrina vae mais longe que o acto do governo, que mandou prender, segundo a declaração do sr. presidente do conselho, em flagrante delicto, a que corresponde a pena mais elevada na escala penal. E sabe a camara quem foi o ministro que assignou este notavel despacho? Foi o sr. Joaquim Antonio de Aguiar, antigo chefe do partido regenerador, homem cuja auctoridade todos reconhecem, o pontifice maximo da escola seguida pelo sr. Hintze Ribeiro!

Mas, sr. presidente, não paro aqui, vou mais longe. Tambem eu gosto de consultar os annaes parlamentares da nossa historia, e portanto quiz ler a primeira sessão que houve na camara dos pares, depois de reunidas as côrtes. Aqui está a Gazeta official do governo, trazendo a primeira sessão em 16 de agosto de 1834, e a esta sessão só concorreram os pares constitucionaes, porque os outros foram excluidos pelo decreto de 23 de maio de 1834, que os considerou como havendo resignado ás suas cartas, decreto que foi depois annullado pelo de 27 de maio de 1851. O conde da Taipa não era miguelista, por certo, mas não foi convidado, segundo declarou um officio do ministro do reino, por se achar pronunciado, e se ignorar onde permanecia. Levantou-se a questão, e todos foram concordes que, não tendo sido presente a pronuncia á camara, este digno par não podia ser inhibido de tomar assento e de exercer as suas funcções.

Julga alguem que houve grande discussão, e que estes pares, tão ciosos das suas garantias constitucionaes, fizeram tremendas accusações aos ministros? Longe d'isso, sr. presidente, e antes, pelo contrario, o sr. duque de Palmella, presidente, observou que só se tratava de uma participação do governo, explicando a rasão por que não tinha chamado á sessão real o par pronunciado, e que apenas se devia accusar. a recepção do officio do ministro, sem acrescentar mais cousa alguma. Assim se fez, e o incidente logo terminou.

As cousas são o que são, e d'este exemplo da nossa historia constitucional, nada se prova contra o actual ministerio; porém, não quero ficar n'este unico argumento, buscarei mais outro. É fornecido tambem pela iniciativa do sr. conde da Taipa. Tratava se de um par do reino que tinha seguido a causa da usurpação, mas que era um dos mais respeitaveis caracteres do nosso paiz. O conde da Taipa propoz que fosse admittido este distincto cavalheiro a tomar assento na sua qualidade de antigo membro da camara, e sabem s. exas. o que se passou? A grande auctoridade do duque de Palmella interveiu no debate, e disse: "É muito para desejar que a camara considere esta questão friamente, sem a decidir nem por considerações politicas, nem por paixões, e ainda muito menos por odios, e que a considere unicamente pelo lado da justiça, até porque esta camara deve lembrar-se de que póde vir a constituir-se em tribunal de justiça para proferir uma verdadeira sentença, e seria indecoroso que se tivesse pronunciado de maneira que a tornasse incompetente".

Sr. presidente, este era o modo de proceder dos antigos pares, e nós não podemos caminhar por outra maneira. Haja toda a reserva, e não discutamos hoje, aquillo que temos de julgar ámanhã. (Apoiados.} O voto da camara dos deputados não foi um bill de indemnidade, porque não houve infracção, foi unicamente uma moção de confiança sobre a maneira por que tinha procedido o ministerio.

Adiemos o que é inopportuno discutir agora. Não são os membros da opposição mais zelosos das nossas immunidades do que são os amigos do governo, e protesto contra tal pretensão. O governo póde explicar que houve flagrante delicto, a camara dos senhores deputados, que ha de decidir sobre a suspensão do deputado, e determinar quando o processo ha de seguir, póde discutir; nós não o podemos fazer n'esse momento, mesmo invocando as nossas immunidades de legisladores.

Deixemos, portanto, a indagação do que realmente dispõem os n.ºs 1.°, 19.° e 62.° dos artigos de guerra de 1799, nem a analogia do artigo 81.° da lei de 9 de abril de 1875, nem o que diz o artigo 181.° da novissima reforma penal, deixemos tudo isso de parte, que, se o dissermos agora, podia o advogado do réu dar-nos por suspeitos no julgamento.

Foi o deputado no acto de exercer as suas funcções preso por ter commettido um crime? Quando cessam essas funcções? Foi o official do exercito, que offendeu o seu chefe hierarchico? Qual é a situação do ministro da marinha com relação á armada?

Só posso e devo responder n'este ultimo ponto. Para mim, e para todos, que não forem dominados pela paixão politica, o ministro da marinha é o chefe supremo das forças de mar.

Não invoquem o decreto de 10 de novembro de 1832, que nomeou o almirante Sartorius, commandante em chefe

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e major general da armada, nem os decretos de 30 de julho de 1863, e o de 29 de outubro de 1869, a respeito do mesmo assumpto; para mim basta-me o simples bom senão.

O digno par, e meu amigo, o sr. Barros e Sá, que sinto não ver presente, e principalmente por motivo de saude, disse que, encontrando um general da nossa marinha de guerra, lhe perguntou quem era o seu chefe militar, e que a resposta d'este cavalheiro foi immediata e terminante, declarando que não podia considerar outro que não fosse o ministro respectivo.

Mas eu vou mais longe, estão presentes dignos collegas nossos, almirantes da nossa esquadra; pergunte a opposição a s. exas., quem manda na esquadra, estando a bordo o ministro? Não hão de esperar muito pela resposta, que é facil de advinhar.

Hontem, um jornal de Lisboa, o Diario popular, narrava um facto succedido com o marquez de Angeja e Martinho de Mello, ministro da marinha, em 1777; pois levantando-se duvidas sobre a jurisdicção, separou-se esta por carta regia, de 13 de março d'aquelle anno, attribuindo-se ao capitão general da armada toda a superintendencia sobre a marinha real; mas por morte do marquez em 1780 passou novamente a jurisdicção para o ministro.

Repetiu-se a mesma questão em 1812 entre o capitão general da armada o infante de Hespanha, D. Pedro, e o ministro, e por morte do infante passaram outra vez para o ministro as attribuições, que lhe tinham sido concedidas.

Como póde o ministro da marinha ter ás suas ordens um official, se elle não for considerado como o generalissimo das forças de mar? É isto o que dispõe a reforma de 1868.

Ainda hoje, querendo bem informar-me, antes de ter a honra de fallar n'esta camara, procurei saber o numero de tiros de canhão, que, por occasião dás salvas, correspondem ás diversas categorias de officiaes e funccionarios superiores.

A carta regia de 28 de fevereiro de 1743 marca para o ministro d'estado dezenove tiros, e para o almirante dezesete, e, no artigo 33.°, iguala nas honras funebres o ministro da marinha ao almirante ou maior general da armada.

Sr. presidente, o artigo 116.° da carta diz que ao poder executivo compete privativamente empregar a força armada de mar e terra; se o Rei é o chefe supremo da nação, como declara o artigo 71.°, tambem é o chefe do poder executivo, e o exercita pelos seus ministros, como indica expressamente o artigo 75.°; logo que duvida póde haver a respeito do commando superior, pertencente de direito ao ministro da marinha, e da obediencia, que lhe é devida? O ministro não é só um administrador é o general em chefe da armada portugueza.

Cita-se o regulamento disciplinar do exercito de 20 de dezembro de 1875, e, effectivamente, lá se diz no artigo 33.° que o ministro da guerra é a primeira auctoridade do exercito; mas este regulamento é obra do sr. Fontes, que era um distincto militar, e sabia muito bem o que representava no exercito o ministro.

Porém, respondem os membros da opposição, o decreto de 19 de setembro de 1878, reformando a secretaria de marinha, não dispõe nada a este respeito.

É verdade, sr. presidente, este decreto foi obra do meu antigo amigo, o digno par, o sr. Thomás Ribeiro, é s. exa. um admiravel poeta, um illustre advogado e tribuno, porém não é, permitta-me s. exa. a expressão, do officio, o que lembrou ao sr. Fontes, esqueceu a s. exa. Ainda assim, infere-se do decreto, quaes são as attribuições superiores do ministro.

O artigo 1.° diz que a secretaria de marinha está sob a superior direcção do ministro, o artigo 2.° divide-a em duas direcções, de marinha e ultramar; o artigo 3.° diz que á direcção geral de marinha incumbe todos os negocios, relativos á administração da força naval, finalmente, o artigo 5.° diz: á primeira repartição pertence a organisação, constituição e movimento das forças navaes.

O que é isto, sr. presidente, senão o commando superior do ministro, em tudo que diz respeito ao seu ministerio. E não será elle o generalissimo d'estas forças?

Vou apresentar ainda uma observação. Quando n'estes ultimos tempos, se fallou em guerra entre a França e Allemanha, repetiram os jornaes que o general Boulanger seria o commandante em chefe das forças francezas, e porventura é elle o general de divisão mais antigo, e superior em grau aos illustres marechaes Canrobert e Mac-Mahon? Não por certo, mas era generalissimo pela sua qualidade de ministro da guerra.

Este negocio, sr. presidente, é gravissimo; trata-se da sorte de um homem distincto da sociedade portugueza, de um official, e eu tenho como par de satisfazer á lei e aos deveres da minha consciencia. Não posso dizer mais nada. Todos havemos de julgar, livres da politica, em frente das nossas consciencias e responsabilidades; mas, para honra de todos, convem evitar a mais leve suspeição. Pergunta o sr. Hintze Ribeiro se ha nota de culpa formada, não sei se num processo militar a deve haver, creio que não, comtudo liga-se isto com uma nullidade do processo, e eu não posso hoje examinal-a.

Concordo que é indispensavel haver uma lei de incompatibilidades, não comprehendo o official de fileira, sentado na cadeira de deputado; mas este assumpto não póde hoje ser tratado. Sobre as immunidades parlamentares, na parte que se refere ás nossas attribuições como juizes, direi francamente a minha opinião. Nunca me recuso a declarar o que entendo ser util para os interesses do paiz; pois bem, e não me levem a mal os meus collegas, eu sou de voto que este nosso privilegio constitucional acabe. Digo muito de proposito privilegio, os tribunaes ordinarios dão, quanto a mim, sufficiente garantia, e deve ser estudada a questão do modo de organisar esse tribunal. Mas, dizendo acarta, os juizes são perpétuos, organisada, como está hoje esta camara com pares vitalicios e electivos, não póde continuar um privilegio, que a carta estabeleceu, debaixo de outros fundamentos.

Sr. presidente, é tempo de concluir. O paiz exige que o seu parlamento cumpra graves e urgentes deveres. Nós temos mez e meio de côrtes, e até hoje nada se tem feito!

O sr. Hintze Ribeiro: - Não é nossa a culpa, não ha projectos para discutir.

O Orador: - Desculpe v. exa.; mas se a camara dos srs. deputados tivesse já approvado algumas das propostas apresentadas pelo governo, esta camara não estaria sem trabalhar, e teria já discutido algum projecto importante. Eu não censuro a camara dos srs. deputados, constato um facto, sabido de todos.

O sr. Costa Lobo: - Temos a resposta ao discurso da corôa para discutir.

O Orador: - Diz um meu illustre collega e amigo, que temos para discutir a resposta ao discurso da corôa. É verdade, mas porque motivo é que ainda a não discutimos? (Apoiados.)

Sr. presidente, a opposição gritava contra o monopolio do tabaco, contra o banco emissor, contra a dictadura, contra a concordata; pois bem, estão ahi todas estas questões, reunidas no discurso da corôa, falle a opposição sobre estes assumptos, convença o paiz que são justas as suas accusações. (Muitos apoiados.)

Pela minha parte, concluindo, direi como o digno par, o sr. Hintze Ribeiro, cautela e cuidado! Cautela para a opposição em não levantar questões inopportunas, dando razão áquelles que suspeitam o partido regenerador de querer a todo o transe alcançar as cadeiras do ministerio! Cautela para o governo em não commetter os pequenos erros, que se tornam depois as grandes culpas, e que trazem graves difficuldades! Cautela para uns e cautela para os outros! Cautela, finalmente, para todos áquelles a quem

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cabe a suprema honra e o grave dever de proteger os interesses da nação, que a todos nós cumpre zelar e defender.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares de todos os lados da camara.)

Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara dos pares do reino, considerando os graves deveres, que tem de cumprir como tribunal de justiça, abstem-se de emittir opinião sobre o lamentavel incidente, donde resultou a prisão de um deputado da nação portugueza, e bem assim sobre todos os factos, que são relativos, e passa á ordem do dia. = O par do reino, Marquez de Rio Maior.

O sr. Vaz Preto: - Não tinha desejo de responder ao sr. marquez de Rio Maior; e, se o faço, é unica, e exclusivamente pela muita deferencia que tenho por s. exa., porque o assumpto que se debate é muito importante e grave, e a questão que se discute muito seria e de grande alcance, e por isso só queria pedir responsabilidades ao governo e apreciar escrupulosamente e, com toda a imparcialidade, os seus actos.

Examinemos, pois, a defeza que o digno par o sr. marquez de Rio Maior, produziu a favor do gabinete que ali vemos sentado.

O digno par, o sr. marquez de Rio Maior, querendo desculpar as violações das leis, da carta constitucional e do acto addicional, feitas pelo actual governo, argumentou que, se o governo tinha violado a carta, tambem o governo transacto tinha feito violações identicas. Esta affirmação deixa completamente a descoberto o governo, que s. exa. tratou de defender.

Isto quer dizer que os erros não são só peculiares e privativos do partido regenerador; mas que o partido progressista sabe muito bem imital-o.

Sr. presidente, desgraçada argumentação! Glorificar o mal, porque os adversarios tambem o praticaram, justificar um, erro com outro erro, é deploravel!

É deploravel, e muito deploravel esta defeza, e tanto mais deploravel, porque é sempre a escolhida pelo sr. presidente do conselho para justificar os abusos do poder, e attenuar os effeitos das repetidas reincidencias d'esse governo a que preside.

O digno par, a quem estou respondendo, sabe sem duvida que a historia, a experiencia e a observação, devem servir a todo o homem, e muito principalmente aos homens d'estado e aos chefes de partido, para nos factos, para nos exemplos ir buscar lição proveitosa, a fim de evitar o mal, e aprendendo á custa alheia, não cair nas faltas que os outros praticaram.

A responsabilidade do homem d'estado, do chefe de partido, quando está no poder, é grande, immensa, porque dos seus desvarios e das suas imprudencias póde advir para a sociedade, que lhe confiou o seu destino, grave detrimento e enorme prejuizo.

Sr. presidente, era pelo estudo e conhecimento da historia, pela observação de todos os dias e pela experiencia na adversidade, que eu esperava que o sr. José Luciano, no poder seguisse caminho novo, mais serio e proveitoso.

Os erros devem servir não só para os notarmos nos outros e avaliarmos as suas consequencias, mas para nos acautelarmos, e evital-os no futuro. Censurar acremente os adversarios por erros que commettem, e cair depois nos mesmos erros e ultrapassal-os ainda, é indesculpavel, é extraordinario! Não se justifica por modo algum a audacia com que increpam os adversarios, que já n'outro tempo responderam por aquelles actos.

Sr, presidente, é sestro, e mau sestro d'este partido prógressista de faltar sempre ao que promette, e de affirmar sempre o que tem tenção de não fazer.

No poder é a contradição manifesta e viva de tudo quanto defendeu na opposição. Este governo, que accusa os seus adversarios de menosprezarem as leis e os bons principios, logo que sobe ao poder calca aos pés as leis, segue pelo caminho censurado, imita os maus exemplos, e gloria-se ainda de se ter tornado tão bom discipulo. Isto é surprehendente, isto é extraordinario!

Sr. presidente, disse tambem em favor do governo o sr. marquez de Rio Maior, que o que a opposição pretendia, levantando esta questão, era deitar abaixo o actual gabinete. Está s. exa. completamente enganado; a opposição não pretendia, nem pretende, derrubar o governo n'este triste e deploravel incidente; pelo contrario, dar-lhe-ia toda a força, se elle não tivesse sido tão imprudente e tão insensato.

A opposição entende que o governo deve continuar no seu posto, porque seria um mau precedente a queda de um ministerio ante um insulto a um dos seus membros. A opposição quer o prestigio do poder, que não é monopolio de partido algum, e quer o respeito o mais profundo ás leis, porque d'elle dimana o bom regimen constitucional.

A opposição quer a harmonia, a independencia dos poderes, e o seu mutuo respeito, e a liberdade completa dentro das espheras respectivas da sua actividade. Se a opposição não quer derribar o governo por um incidente tão deploravel, reconhece, não obstante, o direito que tem de apreciar os seus actos e de o fazer cair por ter violado os artigos da constituição. (Apoiados.)

O governo póde cair por ter infringido as leis, por ter violado a constituição do estado, mas não póde cair porque, um dos seus membros foi desacatado e insultado. Isto é obvio é intuitivo, não carece de demonstração.

Disse o sr. marquez de Rio Maior, e tambem o sr. presidente do conselho, que os pares não tinham o direito de se pronunciarem n'esta, qurstão, porque mais tarde haviam de julgar o incidente. Nós não julgámos, nem antecipâmos a nossa opinião, usamos apenas do direito que temos de examinar e apreciar o procedimento do governo. Se o governo em logar de infringir a lei, se em logar de corresponder ao insulto que foi feito a um ministro com um enorme insulto á constituição nos viesse pedir o nosso apoio, para manter o prestigio da auctoridade, dar-lh'o iamos da melhor vontade.

Aqui tem o sr. marquez de Rio Maior como a opposição quer derribar o governo.

O sr. marquez de Rio Maior, no fervor de defender o governo, architectou argumentos baseados no artigo 27.° da carta, constitucional, que estabelecia, que nenhum par ou, deputado fosse processado sem auctorisação da sua camara.

Esses argumentos sem duvida seriam de muito força e de muito valor n'outro tempo; hoje porém não valem nada, porque o artigo 27.° da carta foi reformado pelo segundo acto addicional. Hoje em pleno vigor está o artigo 4.° do acto addicional.

Hoje a doutrina corrente é que o par ou deputado, desde o momento que praticou algum acto incriminado pelo codigo penal, é mettido em processo, sem se carecer de licença da respectiva camara. A auctoridade judicial, digo, o juiz, é que tem obrigação de participar á respectiva camara a accusação ou pronuncia, para ella decidir se elle deve ser immediatamente suspenso das suas funcções e se o processo deve continuar no intervallo das sessões ou finda a legislatura.

Hoje a camara não póde impedir o processo; o que a camara póde fazer é decidir se o processo deve seguir logo, ou finda a legislatura, e se deve ficar suspenso das suas funcções o deputado emquanto a camara estiver aberta. Aqui tem o digno par a materia corrente, que s, exa. igno-

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rava. Hoje já se não pede a licença para continuar o processo.

Este ha de seguir fatalmente desde o momento em que se praticou um acto criminoso. A reforma do artigo visa a não deixar sem pena acto algum criminoso praticado por qualquer membro do poder legislativo. Estabeleceu os bons principios, e por isso mesmo mais censuravel é a violencia e o despotismo do governo n'esta occasião.

O que não offerece duvida é que nós temos o direito e o dever de pugnar pelas nossas prerogativas, a, fim de que a independencia do poder legislativo seja uma realidade.

O que não offerece duvida é que nós temos o direito e o dever de respeitar a constituição, de velar por ella e de tomar contas severas a qualquer governo que a desacare e viole.

Os dignos pares que defendem e apoiam o governa, desprezando os seus direitos e prerogativas, dão força ao governo e incintivo para continuar fóra da lei e proseguir no caminho do arbitrio. Mau systema é esse; é pessimo proceder. Dêem-lhe apoio, muito embora, mas façam-o entrar no caminho da legalidade.

Dizia tambem o digno par o sr. marquez de Rio Maior que o sr. ministro da marinha era superior aos officiaes da armada. Ninguem o nega, ninguem o contesta, o que negámos e contestámos é que o ministro seja superior hierarchico.

Segundo o meu modo de ver, a sua superioridade é igual e similhante á que os outros srs. ministros têem relativamente aos empregados dos seus respectivos ministerios.

A superioridade do sr. ministro da marinha, em relação aos officiaes da armada, é a mesma que tem qualquer ministro, o sr. ministro do reino por exemplo, com respeito aos empregados do seu ministerio.

A mesma sem differença alguma; e eu logo tratarei esta materia mais desenvolvidamente, e apoiar-me-hei na opinião ou antes nos actos do sr. presidente do conselho. Agora o que preciso tratar é da questão porque o facto é que os srs. ministros não se importaram com o que diz a carta, violaram as suas prescripções, pondo de parte as suas maio rias, que arrastam após si n'esta senda tortuosa em que se lançaram.

Esta questão é, pois, muito grave e muito seria, e por isso eu hei de aprecial-a com todo o escrupulo, serenidade e imparcialidade.

Mas, sr. presidente, antes de entrar na questão, eu preciso, para poder apreciar bem os actos do governo que o sr. presidente do conselho me de algumas explicações e esclarecimentos. Esses esclarecimentos hão de servir-me para eu poder avaliar até que ponto o governo infringiu ou não a lei. Os esclarecimentos que desejo póde o sr. Presidente do conselho darmos em respostas: simples a perguntas simplicissimas que lhe vou fazer.

Para que o sr. presidente do conselho possa responder cabalmente às differentes perguntas que lhe; dirijo, eu vou mandar a s. exa. essas perguntas por escripto, e espero que s. exa. me responda a cada uma; d'ellas. com a mesma singeleza e simplicidade com que são feitas.

As perguntas são as seguintes:

l.ª O deputado Ferreira de Almeida depois de ter praticado o acto de que é accusado fugiu, da sala das sessões?

2.ª Se fugiu, por quem foi perseguido até ao momento da captura?

3.ª A ordem de quem está e foi preso?

4.ª Quem é, no exercito e na armada o juiz que ha de satisfazer ás prescripções do artigo 4.° do novo acto addicional á carta?

5.ª Qual é a opinião do governo ácerca da fórma de julgamento de qualquer deputado, que pertença ao exercito ou á marinha no caso da respectiva camara entender que elle deve ser julgado finda a legislatura?

A camara pelo simples enunciado d'estas perguntas, comprehende bem qual o seu alcance e o fito a que viso.

Por certo eu não pediria estes esclarecimentos, nem faria estas singelissimas perguntas se os factos que se deram, não tivessem sido deturpados pela imprensa, e se as declarações do governo, com respeito a esta questão não fossem tão embrulhadas e contradictorias n'esta e na outra casa do parlamento. Como eu preciso dos referidos esclarecimentos, de que não posso prescindir, se v. exa. me dá licença, interrompo aqui o meu discurso, a fim de que o sr. presidente do conselho responda ás innocentes perguntas que acabo de ler, porque sem essa resposta eu não posso continuar as modestas reflexões que ia fazendo.

O sr. Presidente do Conselho (José Luciano de Castro): - Sr. presidente, antes de satisfazer ás perguntas do digno par, tenho que declarar a s. exa. que não posso dar mais esclarecimentos do que aquelles que já dei á camara por mais de uma vez.

Visto, porém, s. exa. precisar como esclarecimento que eu responda ás suas perguntas; eu vou procurar satisfazer os desejos do digno par.

A primeira pergunta diz o seguinte:

(Leu.)

Eu já disse hontem n'esta camara que não podia affirmar que o sr. deputado Ferreira de Almeida tivesse fugido; unicamente declarava que tinha desapparecido, porque quando foi procurado não o encontraram.; Se s. exa. desappareceu com intenção de fugir, isso não o posso eu dizer; o que sei é que desappareceu da sala das sessões. Por isso o governo entendeu que tinha fugido. Apesar de estar tia sala na occasião em que teve logar o conflicto, não o vi.

Se fugiu, por quem foi perseguido até ao momento da captura?

Respondo que o sr. Ferreira de Almeida foi perseguido pela policia, desde as seis horas e tres quartos da tarde. Na mesma occasião em que o commissario geral recebia ordem para o perseguir, se deu igual ordem ao commadante geral da armada. Não posso dizer precisamente a hora em que essa auctoridade recebeu-a communicação do governo; mas por um relatorio do commissario. geral de policia sei que as determinações do mesmo commissario principiaram a ser executadas ás seis horas e tres quartos da tarde.

Á ordem, de quem está preso?

Foi preso á ordem do governo. Em virtude d'essa ordem, assignada pelo conselho de ministros, o commandante geral da armada mandou proceder á prisão; não foi o commissario geral de policia que a effectuou.

O sr. Ferreira de Almeida tendo a, casa, em que estava, cercada pela policia, pediu que, para o prender, lhe fosse enviado um official com patente igual á sua

Effectivamente, ás onze horas e meia da noite, foi preso á ordem do commandante geral, que como disse, não fez mais do que dar cumprimento á que receber do governo.

Quem é no exercito de terra ou na armada o juiz que ha de satisfazer ás disposições do artigo 4.° do novo acto addicional?

Creio que o juiz é o presidente do conselho de investigação; é a mesma auctoridade que está realisando as diligencias preparatorias, os interrogatorios, emfim instruindo o processo para ser remettido á camara dos senhores deputados.

Qual é a opinião do governo ácerca da fórma de julgamento de qualquer deputado que pertença ao exercito ou á armada, no caso da respectiva camara entender que elle deve ser julgado finda a legislatura?

Parece-me que o digno par não póde exigir que eu de resposta sobre este ponto. É uma questão que pertence aos tribunaes resolver; não é a mim.

O governo entregou o sr. Ferreira de Almeida aos tribunaes competentes. A fórma do processo é a mesma que

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se tem seguido em todos os mais casos similhantes; nem mais, nem menos.

Se esta resposta não satisfaz o digno par, eu não posso, nem o governo tem competencia para lhe dar outra.

(Áparte do sr. Vaz Preto.)

Mas a minha opinião, quando a tivesse, não deveria o digno par exigir que eu a emittisse, porque ella podia mais ou menos influir no processo que está pendente. Eu entendo que é em harmonia com as leis applicaveis que a fórma do processo ha de ser resolvida no tribunal respectivo, a quem o mesmo processo está entregue.

Não posso dizer mais cousa alguma. Se estas explicações não satisfazem o digno par, creia s. exa. que não tenho outras a dar-lhe; não posso senão reportar-me aos esclarecimentos que apresentei já á camara.

O sr. Vaz Preto: - A camara ouviu as respostas dadas pelo sr. presidente, do conselho ás perguntas que lhe fiz.

Parece-me evidente que de todas essas respostas resulta que o governo procedeu arbitraria e despoticamente.

Por ora não tirarei todas as conclusões do que s. exa. disse, e affirmou; apenas estabelecerei principios geraes. Porém o que das suas respostas resulta já é que o sr. presidente do conselho ainda não sabe o que é um conselho de investigação e como procede esse conselho, e funcciona O conselho de investigação, quando investiga de qualquer acontecimento, não é juiz, nunca o foi nem o póde ser.

O conselho de investigação só ás vezes se constitue em tribunal disciplinar, e julga então, e immediatamente, quando da investigação resulta o conhecimento de alguma infracção disciplinar. Só n'este caso se constitue em tribunal disciplinar para castigar qualquer delicto, que offendesse a disciplina.

Quando o delicto é de maior gravidade, quando não é disciplinar, quando é da natureza d'aquelle que dá logar a este debate, as investigações do conselho de investigação, são todas tendentes a procurar, e a, conhecer o acontecimento tal qual elle se deu. N'estes casos constitue e fórma o corpo de delicto. Nada mais e nada menos. Para o exercito de mar, seguem-se quasi os mesmos tramites que para o exercito de terra. Ha porém aqui uma differença é que para o exercito de terra feito o corpo de delicto é ouvido o auditor.

Feito porém o corpo de delicto, se é no exercito de terra é enviado ao general de divisão, se é no de mar, ao commandante geral da armada, e são estas duas entidades que decidem se deve haver ou não conselho de guerra. Esta decisão equivale ao despacho de pronuncia das justiças ordinarias. Isto é materia corrente.

Na armada a legislação que regula ainda é a de 1799, não obstante na fórma do processo faz-se na marinha por costume antigo, quasi o mesmo o que se faz no exercito.

Já vê a camara que, na parte que diz respeito á marinha, o sr. presidente do conselho é completamente ignorante. Não sabe o que devia saber, e que lhe competia saber para evitar as imprudencias do seu temperamento arrebatado. É por não saber combinar as disposições da carta com a legislação militar, e da armada que tem preso, á sua ordem, arbitraria e despoticamente, um membro do poder legislatativo;

Se o sr. presidente do concelho fosse mais escrupuloso no cumprimento dos seus deveres, e respeitasse as leis, sabia que o unico poder competente para mandar prender qualquer sr: deputado é o presidente da respectiva camara.

N'este caso, e estando a camara aberta, se prendeu o deputado devia logo pôl-o á disposição do presidente, e se estivesse a camara fechada devia entregal-o ao poder judicial.

E o presidente da camara, e a camara tinha obrigação de satisfazer immediatamente ás prescripções do artigo 4.° do novo acto addicional á carta que diz o seguinte:

"Se algum par ou deputado for accusado ou pronunciado, o juiz suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva camara, a qual decidirá, se o par ou deputado deve ser suspenso, e se o processo deve seguir no intervallo das sessões, ou depois findas as funcções, do accusado ou indicado."

É pois á outra casa do parlamento que compete decidir.

1.° se o deputado deve ou não ser suspenso, do exercicio das suas funcções.

2.° se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções do accusado, ou indiciado. A inviolabilidade dos direitos civis e politicos dos cidadãos, que tem por base a liberdade a segurança e a propriedade deve ser respeitada por todos, e muito principalmente pelo governo que deve ser o primeiro a fazer effectivas as garantias estabelecidas na constituição do estado. É triste e desagradavel presencear os repetidos desacertos de um governo, que nem sequer tem ainda opinião firme e accentuada sobre o modo como ha de ser julgado o delicto praticado ultimamente na camara dos srs. deputados.

Eu entendo que nenhum dos ramos do poder legislativo por si só, por qualquer votação exclusiva, ou por qualquer moção de confiança ao governo, póde alterar ou revogar disposições da carta constitucional, e muito menos artigos que são constitucionaes.

Se assim é, se os artigos constitucionaes são irrevogaveis a não ser pelos meios que a mesma carta marca e indica, como é que passou pela mente do sr. presidente do conselho ou dos seus collegas, a possibilidade do deputado accusado ser julgado num conselho de guerra?

Ignora tambem o sr. presidente do conselho que o antigo 41.° do nosso codigo fundamental, está ainda, em pleno vigor?

Ignora por ventura s. exa. que esse artigo 41.° marca expressamente as attribuições dos dignos pares, e que uma d'ellas, é conhecer dos delictos dos srs. deputados durante o periodo de legislatura?

Pergunto eu ainda. Póde qualquer das duas camarás, sem poderes, especiaes, revogar este artigo da carta que é constitucional?

Se não póde, como quer o governo por uma falsa, e criminosa interpretação, revogal-o?

Sr. presidente, o que parece incrivel é que o governo ou não tenha, opinião sobre o modo como deve ser julgado qualquer deputado, ou finja que a não tem ou peior ainda do que isso, no caso sujeito, não tenha coragem para a exprimir e sustentar.

Esta questão é muito seria e grave, mais séria e grave do que parece, porque ataca e fere mortalmente uma das disposições da carta, que garante a independencia do poder legislativo

Sr. presidente, eu entendo que a camara dos dignos pares n'esta discussão deve ser como em todos as outras, mas n'esta, principalmente, serena, circumspecta e imparcial, e ter todo o cuidado, de não antecipar juizos e emittir opiniões que possam averbal-a de suspeita.

Eu pela minha parte durante esta discussão, não avançarei proposições, nem emittirei doutrina de onde pareça deduzir-se a opinião que hei de ter como julgador. V. exa. verá, pelo decurso da minha argumentação, que nem palavra pronunciarei a respeito da natureza da pena, porque não é agora o momento de a! applicar.

Sr. presidente, eu posso maravilhosamente apreciar, discutir e verberar os attentados do governo ás leis e á constituição, sem tratar do julgamento do sr. Ferreira de Almeida.

Vou pois discutir a questão á face dos principios, e com toda a imparcialidade.

Estabelecerei a these, tratarei a questão em absoluto para d'ella deduzir as consequencias e fazer a applicação ao caso sujeito.

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190 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES NO REINO

Estabeleço principios geraes, verdadeiros e que são incontestaveis.

A mim peza-me fallar no incidente desagradavel, que teve logar na outra casa do parlamento, e se o faço ás vezes é porque de todo não me posso eximir a isso. É-me pois agradavel a tarefa que me imponho, de tratar a questão em absoluto, em these.

Sr. presidente eu affirmo, e vou demonstral-o, que o deputado, quer seja empregado publico, quer seja official do exercito ou, da armada, no caso de praticar um acto que seja incriminado pelo codigo, o processo preparatorio deve sempre ser feito pelas justiças, ordinarias.

Eu affirmo mais que na camara dos senhores deputados não ha superiores nem inferiores, não ha categorias nem hierarchias de especie alguma,: ha só deputados que podem livremente expor as suas opiniões, pelas quaes são inviolaveis.

É isto, sr. presidente, o que eu affirmo, é isto que eu vou demonstrar á face da carta e dos principios de direito publico constitucional.

Que diz a carta, constitucional quando estabelece a independencia dos poderes, e declara que d'essa independencia é que resultam todas as garantias para a sociedade? A carta estabelece que o exercicio das funcções de qualquer funccionario, militar, ou empregado publico, seja elle quem for, á excepção dos ministros e conselheiros d'estado, cessa interinamente emquanto durarem as funcções de deputado. Logo que qualquer funccionario é eleito deputado, fica ipso facto isento do exercicio das suas funcções como funccionario.

É o artigo 31.° da carta que o diz:

"Artigo, 31.° O exercicio de qualquer emprego, á excepção dos de conselheiro d'estado e ministro d'estado, cessa interinamente emquanto durarem as funcções de par ou deputado."

O que quer isto dizer, e o que quer dizer a inviolabilidade que estabelece o artigo 25.°? Quer dizer que os deputados são todos iguaes, e que não ha superiores nem inferiores, e que se podem exprimir livremente; quer dizer que as funcções de deputado estão acima de todas as outras, e que todas as outras cessam diante d'ellas.

A carta estabelece, alem d'estas garantias, como v. exa. sabe e a camara, outras tendentes todas a tornar uma realidade a independencia dos poderes, que seria uma verdadeira, ficção, desde que nas duas casas do parlamento houvesse superiores e inferiores.

Se tivéssemos uma lei de incompatibilidades, de certo que não se dariam conflictos entre superiores e inferiores. N'outros paizes, na Bélgica, por exemplo, resolvem este problema por uma lei que marca e indica as incompatibilidades. Entre nós não existe essa lei. A carta é latitudinaria; não fazendo excepções, estabelece uma regra geral.

O artigo 25.° diz que os deputados são inviolaveis pelas opiniões que proferirem no exercicio das suas funcções. Que significa esta garantia? Que aquelle poder é independente, e que todos os seus membros são iguaes. E, sr. presidente, ninguem conhece melhor este principio do que o sr. presidente do conselho. É esta tambem a doutrina que s. exa. tem sempre affirmado, não pela sua voz, affirmando-a, mas pelo seu procedimento, offendendo e faltando ao respeito aos seus superiores.

Quem conhece a historia parlamentar, sabe que, o director geral dos proprios nacionaes muitas vezes fazia phillipicas e verrinas contra os seus superiores de uma fórma tal, que se a carta constitucional não tivesse garantido a independencia e inviolabilidade do deputado, s. exa. offendia o seu superior. E este seu procedimento é tanto mais aggravante, quanto se dava o facto de s. exa. acumular as funcções de deputado, com as de alto funccionario publico.

O partido progressista tem o condão de renegar sempre no poder os principies e doutrinas que sustentou na opposição. Pratica sempre o contrario, o diametralmente opposto de tudo que affirmou na opposição.

Sr. presidente, os governos progressistas, geralmente em Portugal, são perseguidores e intolerantes, e são aquelles que menos se importam com as leis.

Quer v. exa. saber e a camara como procedeu um gabinete progressista com um director geral, que emittiu livremente a sua opinião na camara, apreciando uma questão importante?

Demittiu-o no dia seguinte.

Já n'aquelle tempo os ministerios progressistas ou não conheciam a doutrina do artigo 25.° da carta constitucional, ou a consideravam letra morta. A doutrina d'aquelle artigo é bem clara e expressa, e o seu valor tem subido alcance.

"Artigo 25.° Os membros de cada uma das camaras são inviolaveis pelas opiniões que proferirem no exercicio das suas funcções".

Este é um principio salutar que a carta constitucional consigna para garantir a independencia do poder legislativo. Este artigo que devia ser cumprido religiosamente por aquelles que apregoam a liberdade a todas as horas e a todos os momentos, é por elles calcado aos pés com o maximo desassombro, é que elles exprimem sempre pela bôca O contrario do que sentem e têem no coração.

Sr. presidente, o que os factos mostram e provam é que em Portugal o partido despotico violento e arrojado tem sido sempre o partido progressista. Quando lhe convém combate a liberdade em nome da ordem, e quando lhe torna a convir combate a ordem em nome da liberdade.

É um partido verdadeiramente opportunista, e utilitario, mas que está causando graves prejuizos ao paiz e ás instituições.

Aqui tem v. exa. e a camara o que é o partido progressista no poder e o que costuma ser na opposição. Eu não quero afastar-me do assumpto, porque isso levar-me-ia muito longe.

O sr. Presidente: - Eu peço ao digno par que conserve a serenidade que prometteu, pois é bem cabida n'esta occasião.

O Orador: - Estou sereno, e fallo alto e em voz clara para que a camara e as galerias me ouçam. Eu não tenho dito uma só palavra que não seja parlamentar, não tenho avançado uma unica proposição que não tenha provado.

Estou no meu direito de discutir e apreciar os actos dos srs. ministros e de trazer á memoria de s. exas. factos que estão registados nos annaes parlamentares.

Preciso citar esses factos, porque elles vem corroborar a minha opinião e mostrar á camara que os actos do sr. presidente do conselho estão agora em inteira e diametral opposição com os principios que s. exa. sustentava quando estava fóra do poder.

Sr. presidente, não desejo desviar-me do caminho da argumentação logica. Tendo demonstrado que á face da carta todos os deputados são iguaes, e que no seio da representação nacional não ha superiores nem inferiores, vou agora demonstrar que para todo o deputado é processo preparatorio deve sempre correr no judicial.

A carta constitucional indica qual a auctoridade legitima que póde mandar prender qualquer deputado, e estabelece a fórma e o modo por que deve ser feita essa prisão.

Antes do novo acto addicional, era o artigo 26.º da carta constitucional que estave em vigor, e que diz o seguinte:

"Artigo 26.° Nenhum par ou deputado, durante a sua deputação póde ser preso por auctoridade alguma, salvo por ordem da respectiva camara, menos em flagrante delicto de pena capital."

Hoje esse artigo acha-se substituido pelo artigo 3,° do novo acto addicional, que é do teor seguinte:

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SESSÃO DE 18 DE MAIO DE 1887 191

"Artigo 3.° Nenhum par vitalicio ou deputado desde que for proclamado na respectiva assembléa de apuramento, póde ser preso por auctoridade alguma, salvo por ordem da respectiva camara, menos em flagrante delicto a que corresponda a pena mais elevada da escala penal."

A camara comprehende bem, que tendo acabado a pena de morte, que era necessario harmonisar a carta com o codigo penal, e alem d'isto era necessario attender e dar garantias aos pares electivos, que só existem pelo novo acto addicional.

Este artigo tem por fim garantir ainda a independencia do poder legislativo e bem assim o artigo 4.° do novo acto addicional, que estabelece o seguinte:

"Artigo 4.° Se algum par ou deputado for accusado ou pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á respectiva camara, a qual decidirá se o par ou deputado deve ser suspenso, e se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findar as funcções do accusado ou indiciado."

Este artigo reconhece ainda que a auctoridade legitima a que está sujeito o deputado é a sua respectiva camara, e prescreve ás justiças ordinarias, que logo que lhe seja feita alguma queixa ou accusação do deputado, suspenda todo o processo e de conta á sua respectiva camara, a qual decidirá se elle deve ser suspenso e se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções do accusado ou indiciado. Por esta fórma fica substituido o que dispõe o artigo 27.° da carta constitucional. Se n'este artigo 4.° se diz expressamente, que logo que haja accusação ou pronuncia contra o deputado, o juiz suspende todo o ulterior procedimento e dá conta á respectiva camara; perguntei eu, e pergunto agora novamente ao sr. presidente do conselho qual era e qual é o juiz no exercito e na armada que ha de satisfazer ás prescripções d'este artigo? Logo que o deputado foi accusado, ou pronunciado, devia ter sido satisfeita esta prescripção do artigo 4.°, prescripção que ainda até hoje se não cumpriu, estando o accusado preso ha onze dias!

Sr. presidente, este facto de estar um deputado preso ha onze dias sem saber á ordem de quem, e sem se lhe dar a nota de culpa, mostra que a constituição foi violada, e continua a sel-o, e que o governo não só despreza as leis para satisfazer os seus instinctos vingativos, mas até não tem opinião firme e segura n'este assumpto. Senão vejamos. Eu perguntei ao sr. presidente do conselho, que sendo feita a queixa no exercito ou na armada ás respectivas auctoridades, quem era que devia logo satisfazer ás prescripções do artigo 4.° a que me referi?

Disse o sr. presidente do conselho, respondendo á minha pergunta, que o réu está entregue ao conselho de investigação, e que este era o juiz!!!

Sr. presidente, um dislate d'esta ordem dispensa commentarios.

O conselho de investigação, n'este caso, não exerce funcções de juiz.

O que dispõe o artigo 4.°?

Logo que o delinquente seja accusado ou pronunciado, logo que o juiz receba a queixa ou de a pronuncia, é obrigado a satisfazer ás prescripções d'aquelle artigo.

A quem é feita a queixa no exercito? Ao commandante da divisão. E a quem é feita a queixa na armada? Ao commandante geral da armada. Nem o commandante da divisão, nem o commandante geral da armada são juizes, portanto, nem um nem outro póde satisfazer as prescripções d'aquelle artigo. Logo, a consequencia fatal e lógica, é que quem tem de satisfazer aquella prescripção, é o juiz de direito, e portanto o processo preparatorio é sempre para o deputado, feito no judicial embora elle seja militar ou pertença á armada.

Ha um só caso de excepção á regra geral, que é quando o deputado, sendo official da armada ou do exercito de terra, por sua vontade propria e com auctorisação da camara accumula as funcções legislativas com as funcções do seu cargo. N'esse caso parece que pela sua propria vontade e da da camara desiste das suas garantias. N'este caso, e só n'este caso, poderá questionar-se se elle praticando algum facto incriminado no exercicio das suas funcções deverá ser julgado em conselho de guerra. Mas desde o momento que está estabelecido que os deputados hão de ser julgados pela camara dos pares, e o artigo da carta constitucional que prescreve isto, não póde ser revogado por camaras ordinarias e muito menos por uma camara só, segue-se que a immunidade parlamentar e o fôro especial de deputado existe sempre. No entretanto como é uma excepção a hypothese por mina supposta, e como o acto incriminado é praticado no exercido das funcções de official do exercito ou da armada, e como podia ser preso ali acto continuo ao delicto, n'esse caso, o processo preparatorio é feito n'aquelle fôro especial, e depois de satisfeitas as prescripções legaes, é remettido á camara dos pares para julgamento.

Esta excepção vem confirmar a regra geral de que na camara os deputados são todos iguaes e têem todos as mesmas garantias, e que, quando praticam algum acto considerado como crime, o processo preparatorio deve ser no judicial.

Mas o que vemos nós? Um deputado preso á ordem do governo, quando a carta diz que não póde ser preso senão por ordem da sua respectiva camara!

Que vemos mais? Um deputado lançado por ordem do governo em prisão rigorosa durante onze dias, e com as camaras abertas!!

O que vemos mais ainda? O governo a intervir directamente no processo de um deputado com as camaras abertas; a escolher o tribunal que lhe ha de fazer o processo, e, peior ainda, a sugerir a idéa que póde deixar de ser julgado pela camara dos pares!!

Tudo isto é censuravel, tudo isto attentatorio das liberdades parlamentares, e tudo isto é symptomatico da corrupção que lavra n'aquelles que devem ser os primeiros a dar o exemplo de moralidade, de respeito, e acato ás leis!

E o que resulta de tudo isto? É que o governo violou a constituição, e que ainda hoje continua a violal-a.

V. exa. ouviu, sr. presidente, e a camara, as perguntas que eu fiz ao sr. ministro, ás quaes s. exa. respondeu com evasivas que mostram o proposito firme de continuar no caminho errado, na senda tortuosa em que se lançou.

Com relação ao flagrante delicto, é evidente que o não houve, porque até mesmo o sr. ministro não está convencido do que affirma, nem a camara o póde estar, pelas declarações do proprio sr. presidente do conselho, que asseverou muito terminantemente que o deputado não fugira mas que se retirara.

Se não fugiu, se se retirou, como todos os outros, segundo s. exa. affirma, sem ser perseguido na sua retirada, está claro que a prisão não foi em flagrante, mas sim arbitraria e despotica.

A reforma judiciaria, tratando do caso de flagrante, diz que se dá em tres hypotheses: se o delinquente é preso no acto em que está praticando o crime; se no momento em que acaba de o praticar, ou ainda quando fugiu se foi logo perseguido. Nenhuma d'estas hypotheses se dá com o sr. Ferreira de Almeida, nem mesmo a ultima, porque elle não fugiu, como o proprio sr. presidente do conselho confessa.

Perguntei tambem por quem tinha sido perseguido o deputado accusado, e a camara ouviu a notavel declaração do sr. presidente do conselho. É s. exa. que declara muito positiva, clara e expressamente que reunira conselho de ministros para deliberar ácerca de acontecimento tão grave! Reuniu o conselho, deliberou a decidindo que se mandasse prender o deputado, deu ordem por escripto ao commissario de policia a fim de effectuar a prisão!!

Tudo isto é extraordinario, tudo isto é surprehendente. Não contente, e não achando bastante tudo isto, reuniu segunda

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192 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

vez conselho de ministros e dá ordem, assignada por todos e pelo proprio sr. ministro da marinha offendido, ao commandante geral da armada, para que mandasse capturar o sr. Ferreira de Almeida!

Isto é assombroso, verdadeiramente assombroso! Que não houve flagrante delicto resulta de não ter havido solução de continuidade nas ordens que o governo deu até se realisar a captura, e resulta mesmo da ordem por escripto que é antinomica com a de flagrante delicto.

Isto é expresso no § 9.° do artigo 145.° da carta constitucional, que se expressa pela fórma seguinte:

"Artigo 145.°, § 9.° Á excepção de flagrante delicto, a prisão não pôde ser executada senão por ordem escripta da auctoridade legitima. Se esta for arbitraria, o juiz que a deu, e quem a houver requerido, serão presos e punidos com as penas que a lei determinar."

Sr. presidente, v. exa. vê e a camara ha de reconhecer que eu tenho tratado a questão sem me ser necessario por fórma alguma alludir á natureza do crime e apreciar a respectiva pena.

A camara ha de reconhecer que tenho sido demasiadamente cauteloso para não antecipar o meu juizo como julgador. O que tenho feito é apreciar os actos do governo com relação a este facto, actos que são graves e serios, porque vão de certa fórma envolver um poder mais alto, o Rei, o poder moderador.

O sr. Presidente: - Peço licença ao digno par para lhe observar que não póde discutir aqui a pessoa do Rei.

O Orador: - Eu, sr. presidente, sei perfeitamente até onde chegam os meus direitos e onde acabam os meus deferes. Sei as faculdades e attribuições que aqui tenho, e que me são garantidas pela constituição, do estado e pelo regimento d'esta camará. Sei o que devo a mim e o que devo a esta Acamara, e por isso sinto a advertencia de v. exa., que não posso acceitar. Poderia essa advertencia ser bem cabida e ter logar quando estava em pleno vigor o artigo 74.° da carta constitucional, mas desde o momento, que elle foi modificado pelo artigo 7.° do novo acto addicional, que affirma e estabelece que o Rei exerce o poder moderador com a responsabilidade dos seus ministros, essa advertencia não tem a mais leve rasão de ser.

Sr. presidente, mas ainda mesmo que o novo acto addicional não affirmasse esta -doutrina, ainda n'este caso o pr. presidente da camara era rigoroso de mais, porque; s. exa. sabe perfeitamente que no systema representativo todos os actos praticados hão de ter quem responda por elles.

S. exa. sabe que em direito publico se estabelece a responsabilidade para qualquer acto, ainda praticado pelo Rei exercendo o poder moderador. Se o Rei é irresponsavel, respondem por elle os seus ministros. Elle responde só ante a sua cansciencia e ante Deus. É esta a doutrina corrente, e a que estava acceita mesmo antes da reforma da carta. Os ministros não devem deixar nunca o Rei a descoberto.

Eu sei perfeitamente o que prescreve a carta antes e depois da reforma com relação ao Rei e ao poder moderador; e sei tambem que não me inhibe de levantar aqui a minha voz para livre e independentemente apreciar actos que são publicos. Sei ainda que tenho respeitado sempre o Rei, e que na minha linguagem franca e leal presto-lhe um grande serviço.

Eu posso dizer verdades ao Rei, assim como as tenho dito ao povo e erguer aqui bem alto a minha humilde voz, porque sempre o respeitei. Outro tanto não podem dizer os homens que hoje se sentam nas cadeiras do poder, que já o insultaram miseravelmente, e arrastaram pela rua da amargura, e se continuarem no caminho que estão seguindo, breve o precipitarão d'esse plano inclinado por onde vae resvalando n'um abysmo profundo prestes a sorvêl-o. Os erros praticados pelos partidos monarchicos aplanam o terreno para serem mais facilmente acceitas as idéas

novas. São mais efficazes esses erros do que todas as propagandas.

Sr. presidente, porque tenho combatido sempre o desacato e o desrespeito ao Rei, é que eu posso levantar a voz no parlamento para discutir os seus actos cuja responsabilidade cabe aos ministros.

Posso levantar a minha voz tanto mais alto e desassombradamente, quanto nunca fiz zumbaias nem salamaleques ao Rei, e é por isso mesmo que com a consciencia pura de nunca ter mentido, que me levanto e digo, aproveitando a phrase do sr. marquez de Rio Maior: Cautela! cautela. E eu acrescentarei: que os homens que vos injuriaram e insultaram hontem, fazem-vos hoje zumbaias e queimam-vos insenso, e podem perder-vos ámanhã.

Cautela pois, cautela repito eu, cautela.

Bem sei, sr. presidente, que a carta constitucional, no artigo 71.°, define o poder moderador, e estatue a sua missão, que tem por fim velar pela harmonia e independencia dos poderes. Bem sei que no artigo 72.° affirma que a pessoa do chefe d'este poder, o Rei, é inviolavel e sagrada. Sei tudo isso, sr. presidente. Sei que a pessoa do Rei é inviolavel, sagrada e irresponsavel, porque a constituição lhe confere estas regalias, estas immunidades. Mas sei tambem que se a carta constitucional for violada, deixa o Rei de ser irresponsavel, perde todas as suas immunidades, é discutivel como qualquer outro simples cidadão.

No systema representativo não ha acto algum que não tenha responsabilidade effectiva, e o responsavel dos actos do poder moderador, é o governo, assim como é responsavel por todos actos do poder executivo. Os ministros são delegados do governo, e por isso devem ter o maximo escrupulo em respeitar a lei, e sobretudo a constituição do estado, para não envolver o Rei, que, como poder moderador, deve ser o fiel da balança entre todos os poderes e manter a pureza e a integridade da carta. O Rei, que a constituição collocou muito alto, deve estar e ser sempre superior a todas as paixões mesquinhas, individuaes ou de partidos que se debatem todos os dias é a cada momento.

O Rei não tem responsabilidade perante a carta, mas tem-na perante Deus e a sua consciencia, como homem que é.

O Rei, quando a carta está calcada aos pés, deixa de ser irresponsavel, e podem discutir-se os seus actos como os de qualquer outro cidadão.

Se esta é a doutrina geralmente recebida pelos publicistas, conclue-se que todas as cautelas e escrupulos são poucos para conservar intacta a constituição. Sophismando, violando, calcando aos pés a constituição, cessou o direito, e começa o imperio da Torça.

Veja o governo se e possivel conservar-se por muito tempo este estado anormal!

Veja o governo quanto é grande a sua responsabilidade, porque em tudo, o que se está passando traz envolvida a pessoa do Rei. É a rasão por que esta questão é grave e mais seria do que se affigura.

O ministerio pouco vale, porque representa apenas um partido, o Rei vale muito porque significa uma instituição. A dynastia esta ligada e identificada com o systema que nos rege, e da monarchia representativa depende a nossa autonomia.

É por isso e n'esta convicção, que eu entendo que é necessario dar toda a força, todo o vigor e prestigio ás instituições. D'essa forca e d'esse vigor e d'esse prestigio ninguem tira maior proveito do que a realeza. E mister que todos se compenetrem d'esta verdade, e que os bons exemplos venham de cima.

Sr. presidente, o partido progressista, ou antes os homens que hoje se sentam nas cadeiras do poder, ás vezes na opposição sustentam bons principios e doutrinas sãs, mas chegando ao poder parece que se perturbam com aquella atmosphera, foge-lhes o criterio, e seguem um trilho opposto ao que deviam seguir.

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SESSÃO DE 18 DE MAIO DE 1887 193

A doutrina é sã e boa, mas os processos de governo de todas as situações progressistas são-lhe absolutamente oppostos. Calcam aos pés as leis, começando pela fundamental. Desde que se entra no caminho da violencia, desde que os principios da carta constitucional são desacatados, o dominio da lei acabou e começa o dominio da violencia. Começa o imperio da força e á força responde-se-lhe com a força. N'esta conjunctura muito bem dizia hontem o sr. visconde de Moreira de Rey, que se lhe mandassem uma ordem de prisão, sem ser dada pela sua camara, resistiria á violencia com a violencia. Eu acrescentarei, sr. presidente, eu tomava contas muito severas aos ministros que assignassem essa ordem. Elles é que me haviam de responder em todos os casos por esse acto arbitrario e violento.

(Deram cinco horas.)

Sr. presidente, como deu a hora, peço a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte.

O sr. Presidente: - A primeira sessão terá logar sexta feira, 20 do corrente; a ordem do dia é a continuação d'este incidente.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 18 de maio de 1887 Exmos. srs.: João Chrysostomo de Abreu e Sousa, João

de Andrade Corvo; marquezes, de Pomares, de Rio Maior, de Sabugosa, da Foz; arcebispo de Braga (resignatario); condes, das Alcaçovas, de Alte, de Bertiandos, do Bomfim, de Campo Bello, de Castro, de Ficalho, da Folgoza, de Gouveia, de Linhares, de Magalhães, de Margaride, de Penha Longa, de Paraty, do Restello, da Ribeira Grande; viscondes, da Azarujinha, de Benalcanfor, de Bivar, de Borges de Castro, de Carnide, de S. Januario, de Moreira de Rey, da Silva Carvalho, de Soares Franco; Adriano Machado, Braamcamp Freire, Aguiar, Sá Brandão, Silva e Cunha, Antunes Guerreiro, Arrobas, Couto Monteiro, Senna, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Augusto Cunha, Bazilio Cabral, Sequeira Pinto, Pinheiro Borges, Hintze Ribeiro, Cardoso de Albuquerque, Costa e Silva, Francisco Cunha, Ressano Garcia, Van Zeller, Jayme Moniz, Melicio, Ferreira Lapa, Holbeche, Mendonça Cortez, Valladas, Coelho de Carvalho, Gusmão, Gomes Lages, Braamcamp, Baptista de Andrade, Bandeira Coelho, Castro Guimarães, Andrada Pinto, Luciano de Castro, José Joaquim de Castro, Fernandes Vaz, Teixeira de Queiroz, Lobo d'Avila, Ponte e Horta, Silva Amado, Sá Carneiro, José Pereira, Mexia Salema, Sampaio e Mello, Bocage, Camara Leme, Seixas, Villas Boas, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini, Miguel Osorio, Calheiros, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho, Serra e Moura.

Recactor = Ulpio Veiga.

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