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N.° 13. Sessão de 6 de Agosto. 1842.
(PRESIDIO O SR. VISCONDE DE SOBRAL.)
FOI aberta a Sessão pela uma hora e meia da tarde; estiveram presentes 35 Dignos Pares — os Srs. Duque de Palmella, Marquezes de Fronteira, de Loulé, das Minas, de Niza, e de Ponte de Lima, Condes de Avillez, do Bomfim, da Cunha, de Lavradio, de Lumiares, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, de Sampayo, da Taipa, de Terena (José), e de Villa Real, Viscondes de Beire, de Fonte Arcada, de Laborim, de Oliveira, de Semodães, da Serra do Pilar, de Sobral, e de Villarinho de S. Romão, Barão do Tojal, Barreto Ferraz, Medeiros, Margiochi, Pessanha, Ferreira dos Santos, Henriques Soares, Silva Carvalho, Polycarpo José Machado, e Trigueiros. — Tambem estavam presentes os Srs. Ministros dos Negocios do Reino, da Justiça, e da Marinha.
Leo-se a Acta da Sessão precedente, e ficou approvada. Disse depois
O SR. TRIGUEIROS: — Mando para a Mesa a Carta Regia pela qual S. Magestade a Rainha Foi servida nomear Par do Reino o Sr. Francisco Tavares de Almeida Proença: peço a V. Exa. que remetta este diploma á respectiva Commissão que me parece está reunida, ou aliàs convide a mesma Commissão para dar o seu Parecer, por que o agraciado está nos corredores da Camara.
O SR. CONDE DE LAVRADIO: — Sr. Presidente, eu já em outra Sessão pedi á Camara que me concedesse a demissão de Membro desta Commissão, e agora torno a renovar o meu pedido, por que tenho razoes que a isso me obrigam.
O SR. TRIGUEIROS: — O Digno Par pedio ja uma vez a sua demissão, e insta agora de novo por ella; parece-me que se lhe deve conceder, por que não ha meio de o obrigar a exercer funcções contra as quaes tem as suas razões: porém, como nós não podemos ficar sem uma Commissão tão necessaria, eu pediria tambem a V. Exa. que houvesse de nomear outro Membro para a Commissão de Poderes. Entretanto creio que ella ainda está em maioria para, tractar de qualquer caso que occorra.
O SR. VICE-PRESIDENTE: — A Commissão ainda está em maioria para dar o seu Parecer sobre a Carta Regia do Sr. Tavares de Almeida; depois se proverá, se a Camara conceder a demissão ao Sr. Conde de Lavradio. (Apoiados.)
(Sahiram da Sala os outros Membros da Commissão.)
O SR. TRIGUEIROS: — Sr. Presidente, creio que a Camara acceitou a demissão do Sr. Conde de Lavradio, e como pelo Regimento V. Exa. póde nomear a Commissão, pedia-lhe que nomeasse outro Membro para assim ficar perfeita.
O SR. VICE-PRESIDENTE: — Eu não propuz a demissão pedida pelo Digno Par o Sr. Conde de Lavradio, e parece-me que provisoriamente, visto a Commissão estar em maioria, ella póde dar o seu Parecer sobre esta Carta Regia; quando o Sr. Presidente occupar a Cadeira será nomeado o outro Membro para completar a Commissão.
O SR. TRIGUEIROS: — Como V. Exa. quizer.
Passando-se à ordem do dia, continuou a discussão do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno. (V. pag. 124, col. 2.ª;
Foi lido o seguinte
§ 5.° O Orçamento da receita e despeza do anno corrente devera chamar sem duvida a maior attenção da Camara, na presente Sessão. A necessidade de estabelecer por uma vez as bases d'um svstema de Fazenda, que equilibre a despeza com a receita do Estado, e que previna as fataes consequencias de um deficit annual, é universalmente reconhecida. A Camara dos Pares esta profundamente penetrada da importancia vital deste dever.
Teve a palavra
O SR. CONDE DE LAVRADIO: — Eu não me levanto para impugnar o paragrapho que está em discussão: desejava com tudo fazer algumas pequenas observações sobre o estado actual da nossa Fazenda, sentindo porém que o Sr. Ministro dos Negocios da Fazenda ainda se não ache presente; mas, como o estão os seus Collegas, sempre farei algumas reflexões.
Primeiro que tudo, Sr. Presidente, lamentarei a continuação do errado systema adoptado tanto para o lançamento dos impostos, como para a sua arrecadação; que o actual systema de arrecadação e inefficaz, basta saber-se que ainda se não pagou em algumas partes o primeiro semestre da decima e mais impostos directos relativos ao anuo economico de 1840 a 41. Mas, como não está presente o Sr. Ministro dos Negocios da Fazenda, não estenderei mais as minhas observações a este respeito, reservando-as para outra occasião mais opportuna.
Não me sentarei com tudo sem lamentar e chamar a attenção do Governo sobre o estado desgraçado em que se acham as Classes chamadas inactivas: estas Classes são compostas todas de pessoas estimabilissimas; são os Militares que derramaram o seu sangue pela Patria; as viuvas e orphãos de homens que morreram defendendo a Liberdade ou a independencia da Patria; os Professores que dedicaram toda a sua vida no nobre emprego do ensino publico, e que hoje estão sem forças para o continuar a exercer; os Empregados Publicos que consumiram uma grande parte da sua vida a servir o Estado, e que hoje se acham sem um bocado de pão; e os desgraçados Egressos lançados fora das suas cazas, e condemnados a viver na miséria. A esta Classe, aos Egressos, entre os quaes ha homens respeitaveis pelo seu saber, por seus estudos, e por sua avançada idade, tem-se feito ainda mais, que é negar-lhes mesmo a promessa dessa migalha de pão, se acaso não se prestam a declarar uma falsidade, isto é, de terem sempre tido adhesão ao systema que lhes tirou tudo quanto tinham. Isto, álem de ser uma tyrannia, é um absurdo. — Eu desejaria por tanto propor (se o Governo o não fizer) um Projecto de Lei no qual se determine que todos os Egressos que provarem ter pertencido a alguma das Ordens Religiosas extinctas, por essa simples prova se lhes conceda, sem mais exigência alguma, a prestação es-
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tabelecida pela Lei: parece-me que isto é justo, e o mais é uma injustiça, uma barbaridade. - Um Egresso homem de mais de oitenta annos, que tinha pertencido a uma Ordem das mais ficas deste Reino, cahio ha poucos dias nas minhas escadas com tome! Os que estão em melhores circumstancias, por que recebem prestação, a ultima que se lhes pagou foi a do mez de Fevereiro deste a anno.
Por esta occasião lamentarei outra injustiça. No fim do anno passado todos sabem que se fez neste Paiz uma bonca-rota parcial, (Apoiados.) querendo porém o Governo adoçar esta calamidade, prometteo que a todas as Classes se lhes pagaria em cada 30 dias um mez dos seus ordenados, soldos ou pensões; com esta promessa porém exigio o sacrificio do pagamento de uma decima: todos se subjeitaram a estas injustas determinações: apezar disso ninguem ignora como o Governo tem cumprido a sua promessa. As Classes inactivas ainda ha poucos dias se pagou o mez de Feveieiro, isto tendo-se feito uma bunca-rota que collocou estas Classes em peiores circumstancias do que estavam antes: os seus recibos não tem credito, e ninguem póde rebater senão o mez que lia esperança de se pagar. Estas Classes necessariamente hão de morrer de fome, não achando quem lhes rebata os seus soldos ou pensões, e recebendo por anno a quarta parte, ou, quando muito , a terça parte do pouco que lhes foi promettido, e que, sendo pago regularmente, chegaria apenas para satisfazer as primeiras necessidades da vida.
Segue-se deste estado de cousas vermos todos os dias homens respeitaveis pelos seus serviços, as viuvas cios militares que derramaram o seu sangue pela Patria, os homens que pagaram a sua vida sobre os livros estudando e ensinando, reduzidos á miseria e á fome! Eu tenho encontrado muitas pessoas de todas estas Classes estendendo a mão, e pedindo-me dez reis para pão! - Este espectaculo e honoroso! Peço por tanto ao Governo que olhe para estas Classes tão respeitaveis como desgraçadas, e que seja justo para com ellas, pagando-lhes cada 30 dias um mez, e indemnisando-as das decimas, que injustamente lhes tem feito pagar. Se não tem meios para pagar a todos com a desejada regularidade, faça um rateio. -Torno porém a repetir, que estou convencido que se a arrecadação fosse como deve sei, se se eliminassem as despezas inuteis, e se finalmente o Governo soubesse desinvolver os elementos de riqueza, que ainda possue este Paiz, haveriam meios mais que sufficientes para fazer face ás suas despezas.
O SR. MINISTRO DOS NEGOCIOS DO REINO: - Sr. Presidente, não pedi a palavra para combater o que disse o Digno Par, por que no meu intender tenho por justo e razoavel tudo quanto S. Exa. acaba de expender. O Governo tambem pensa que o methodo de lançamento e arrecadação que se acha em vigor não e dos melhores, e se resente de muitos defeitos que convém emendar; mas posso assegurar ao Digno Par que este objecto é tido era consideração, que muitos trabalhos ha preparados sobre elle, e que os Ministros es pé ia m occasião opportuna para os apresentar ás Côrtes, certos de que muitas vantagens podei ao resultar de alguns no caso de virem a ser adoptados. - Tambem como o Digno Par, sente o Governo que as Classes inactivas não tenham sido pagas em dia, assim como as activas: umas e outras nos devem merecer a maior consideração, aquellas pelos serviços já prestados, e estas pelos que estão prestando, mas é claro que o Governo, com quanto não deva desprezar os interesses de ambas, não póde deixar de attender com preferencia áquellas que actualmente se acham em serviço, aliás pararia a machina social. Entretanto, o Governo seria culpado de similhantes desigualdades se se demonstrasse que os meios existentes chegavam para todos os pagamentos; porém isto nem o Digno Par o affirmou, nem haverá quem o possa fazer, pois que, comparados os meios que os Ministros tem a seu alcance com as despezas a que estão obrigados, ha de verificar-se que uns não chegam relativamente para as outras. Mas o Governo tem muito a perto este negocio, e tracta de achar modo para que em breve a receita fique equilibrada com a despeza afim de sahirmos das difficuldades com que até hoje se tem lutado. - Sr. Presidente, lamento que alguns individuos, antigos servidores do Estado, se achem nas miseraveis circumstancias de que fallou o Digno Par em relação a um doutor da Universidade, mas esses Professores foi a m lançados fóra daquelle Estabelecimento por faltas que se intendeo haverem commettido; hoje não fazem parte do quadro delle, e por tanto não está o Governo authorisado a dar-lhes soccorros alguns.
Como unicamente se apresentaram considerações geraes sobre a materia do paragrapho, considerações com as quaes eu, o Governo, e toda a Camara estamos de accordo, quer dizer, que e necessario pagar a todas as Classes e melhorar o lançamento e arrecadação; nada mais accrescentarei por agora, concluindo asseverando que os Ministros tem estes assumptos na mais seria consideração, como provarão quando apresentarem os planos de reforma que intendem se devem fazer nos diversos ramos do serviço.
O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Na qualidade de Relator da Commissão, nada tenho a dizer, por que se não propoz emenda alguma ao paragrapho; entretanto não posso deixar de concordar com as reflexões do Digno Par: mas bom será tomar em consideração as observações que acaba de fazer o Sr. Ministro dos Negocios do Reino. Esta materia e nimiamente importante e vasta para que se possa tractar incidentalmenle: deverá occupar as Camaras Legislativas com muita especialidade, e mal de nós se assim não acontecer.
O SR. CONDE DA TAIPA: - Eu não faço uma emenda á Resposta ao Discurso do Throno por que o acho inutil, pois que nisi ntile. est quod facimus stulta est gloria: só pela gloria de fazer uma emenda não vale a pena de a estar escrevendo. - Sr. Presidente, eu não intendo que o actual Ministro das Finanças. .. Tenho pena de que elle não esteja presente porque não gosto de fallar nas costas de ninguem... (O Sr. Presidente: - A discussão principiou mais cedo.) Eu não tenho culpa disso. - Digo que não posso persuadir-me de que o actual Ministro da Fazenda saiba, queira, ou possa organizar as finanças; e a causa desta minha persuação provém de que tendo elle já sido Ministro da Fazenda, creio que uma duzia de vezes, o seu systema tem sido um systema de destruição da Fazenda Publica: não ha Projectos mais vergonhosos do que aquelles que S. Exa. tem alinhavado; apresentou ao Corpo Legislativo uma Proposta, segundo a qual, para lhe adiantarem
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500 contos de réis, deo 49 por cento, e disse que era a melhor cousa que se podia fazer! Ora quando uma Nação vê que um Ministro se collocou na necessidade de fazer cousas destas, quando, álem disto, esse Ministro não tem meios de haver dinheiro, elle deve retirar-se, ou a Nação que o conserva conte que está arrumada.
Sr. Presidente, eu tenho dito isto mesmo muita vez; mas, como não ha emenda, é preciso tambem continuar a dizêlo.
O modo de melhorar o estado, tanto de uma Nação como de uma caza particular, a epocha de sahir do systema de delapidação ou destruição; é quando se faz um inventario. O herdeiro de uma caza que succede a um administrador perdulario, se quer organizar seus negocios, a primeira couza de que cuida é de inventariar seus bens; vê quanto tem e quanto precisa pagar; corta pelas suas despezas, e busca o modo por que as suas fazendas hão de produzir mais, mas partindo de um ponto exacto para se não ir metter no vago da incerteza, por que esta seria a sua morte. Ora um individuo póde não morrer de fome, porque obsta a isso a caridade publica, mas para uma Nação não ha caridade; morre necessariamente; em não havendo com que pagar, principia a anarchia, e depois vem a destruição social. Em que systema temos nós estado desde o principio? Empenhar as rendas futuras do Estado para pagar a divida corrente. E, alem do sacrificio que se faz nesse empenho, ainda ha outro sacrificio - o dos agiotas nossos senhores - no rebate dos ordenados dos Servidores da Nação; desoito que comem todas as tendas publicas adiantando apenas metade daquillo que recebem! Desta maneira, Portugal e o paiz aonde ha só agiotas e mais ninguem. E preciso tomar uma medida forte, energica, e incontrastavel; mas isto não o ha de fazer o actual Ministro das Finanças por que não quer, e por que não sabe... Não tenho culpa de estar persuadido do que acabo de dizer. E no regaço do Tejo está Lisboa... E ahi estão tres Administrações de Fazenda em que servio o Sr. Barão do Tojal: e que tem elle feito?
Sr. Presidente, quando eu fallo de agiotas, não me refiro a esses pobres homens que tem caza de cambio, e que ás vezes até perdem nas transacções em que se mettem; fallo do sancta sanctorum da agiotagem, daquelles sem os quaes os Ministros não dão um passo, e aos pés de quem está o Governo. Se até já exercem poderes magestaticos! Já fazem dinheiro, pois que emittem Notas. Sr. Presidente, na fórma das Leis do Reino, ninguem, senão o Governo, póde cunhar dinheiro, ou então as Corporações a quem as mesmas Leis concedam essa faculdade, como é unicamente o Banco de Lisboa, a respeito das suas Notas; entretanto, hoje não ha argentaria nenhum que não emitta Notas (que vem a ser o mesmo que cunhar dinheiro): ora isto nunca se vio. Comtudo, para se fallar neste abuso, e preciso que algum quebre, ou que pegue no dinheiro que tenha em seu poder, se metta n'um barco, e vá para os Estados-Unidos; então faz-se uma gritaria muito grande: mas a culpa é do Corpo Legislativo, é do Governo que não lhe poz o remedio a tempo. Alas ainda, isto não é o peior. Todo o cobre que andava em circulação tem sido aqui trocado por Notas, as quaes mandaram para as Provincias, e para Lisboa vem vindo os Cruzados novos, que os estrangeiros levam para fóra do Paiz para os fundirem; de fórma que o numerario vai escaceando em Portugal de tal sorte que quando aqui se quizer estabelecer um meio circulante solido hão de ser precisos immensos sacrificios. Mas de nada disto cura o Governo. O Ministro da Fazenda só faz destas cambalhotas de agiotagem: e nós muito socegados a ver como anda o mundo! Pois quando se acabar hade ser terrivel. E ninguem me diga que já se sustentou Governo sem meios: em elles faltando de todo, por força vem a anarchia, e antes de chegar a anarchia é que é preciso mudar de systema. - Entretanto continuamente se diz que o Governo ha de apresentar medidas: e eu ainda não vi nenhuma; diz-se o mesmo no principio de todas as Sessões, está a gente a espera, e depois parturiunt montes nascetur ridiculus mus; scilicet - um Projecto de agiotagem. ...
(Entrou o Sr. Minis1ro da Fazenda.)
Eu tinha estado a fallar do Sr. Ministro da Fazenda, mas não tenho culpa de que viesse tarde. - Disse que não espero nada do Sr. Ministro, por que não tenho confiança, nem accredito nas suas medidas financeiras, por que os suas medidas são todas para destruir a Fazenda Publica, e não para a organizar ou dar-lhe augmento. - Não fallemos na miseria que vai no Paiz; não fallemos na vergonha de se dizer a uns pobres infelizes das Classes inactivas - a Vm. ces ha-de-se-lhes pagar em dia, mas em conpensação dos sacrificios feitos para isto havemos de lhes descontar uma decima: - o resultado e que ha seis mezes se lhes não paga; a decima desconta-se; e os seus recibos, por um favor especial, poderão valer 30 por cento: de maneira que o pobre infeliz que tem dez mil réis fica com tres, que lhe dá o agiota: e não sei como da tanto; eu não o dava se fosse agiota.
Quanto á arrecadação dos impostos directos, parece impossivel que haja Governo que não tenha posto todos os seus esforços para substituir o methodo desta arrecadação por outro. (Apoiados.) Não ha modo de um Ministro da Fazenda poder fiscalizar, ou tornar actualmente contas aos Recebedores. Sr. Presidente, um Recebedor é um grande sugeito que vai para uma Recebedoria como em outras eras ia um Proconsul Romano para uma província longiqua. O unico documento por que o Governo o póde debitar é o lançamento da decima; mas a respeito de tributos eventuaes, como a Siza, as rendas de proprios, os foros, o papel sellado &c. não tem logar a devida fiscalisação: ora em quanto a decima, elle accredita-se com o Thesouro pelo dinheiro que manda e tambem por um rolzinho que faz dizendo - relaxei, - e depois e alma que cahio no inferno, por que se não póde saber se relaxou ou não, quero dizer, se o homem tem ou não em sim o dinheiro, pois que, para o saber, era, necessario ter uma correspondencia aberta com cada um dos Delegados para poder verificar se as contas do Recebedor eram exactas ou não; como porém não é possivel ter esta correspondencia, não ha outro remedio senão estar pelo que elles disserem.
Quando o actual Sr. Ministro da Fazenda entrou para o Ministerio, o seu antecessor, por que tivesse vagado por morte o logar de Recebedor de Lisboa, concebeo a idéa de ensaiar um systema novo, o que é sempre bom fazer em ponto pequeno, para depois, convindo, se generalizar: mas o Sr. Minis-
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tro actual, assim que chegou, não lhe importou o que o seu Collega havia feito, e nomeou logo um Recebedor: lembra-me bem que já o Sr. Ministro me respondeo a isto em outra parte, porém não me satisfez; e se agora novamente o fizer, ficarei por certo no mesmo estado. - Isto já são materias velhas: Infandum, Regina, jubes renovare dolorem; em cada Sessão a mesma catilinaria, mas emenda, de casta...
Ora, Senhores, não nos esqueçâmos de que nós tinhamos um bom systema de arrecadação antigamente, e do qual as bases se acham na Ordenação do Reino, livro muito melhor do que todos quantos até hoje se tem escripto, e em Administração nada se tem feito tão bom, o que é devido a terem os homens que fizeram aquellas Leis analysado, e perscrutado o que convinha pôr em pratica para o bom andamento das cousas. Mas, Sr. Presidente, outros homens depois copiaram e alinhavaram um Codigo feito de bocados de Codigos, e disse-se lá para a Beira, a uns poucos de laponios - ponham vossès esse Codigo em execução que é bom, que é francez.... (Riso.) Eis aqui o que se fez, Sr. Presidente! Eu estou porém persuadido, que se não carece de estar a fazer cousas novas para cada Concelho, mas que, pondo-se em execução a Ordenação do Reino, e juntando-se-lhe para cada Districto o Regimento de Fazenda dado ás Capitanias do Ultramar, nomeando-se para Chefe desta Junta o Governador Civil e para vogaes um Official intelligente do Thesouro, e um outro Membro que se escolhesse, ou o Presidente da Camara Municipal, ou o Administrador do Concelho, parece-me, digo eu, que assim se faria melhor obra; ainda que reconheço que para isto se fazer assim, era necessário que houvessem as Camaras eleitas de outro modo (e não como ultimamente), que houvesse um censo alto, e em fim que não fossem eleições de trimboli: em quanto se fizerem eleições de carneirada, nada se consegue por que tudo pécca na ba-se; e por isso conviria fazer uma nova Lei. Mas vão lá fallar em reformar a Lei eleitoral... . Se o fizerem, acontece-lhes o mesmo que a mim já me aconteceo, e foi que, quando em tal fallei, tudo saltou contra mim, de um e outro lado da Camara dos Deputados, da qual eu era então Membro. - O que porém eu posso asseverar á Camara, é que a differença do que salie da bolsa dos contribuintes ao que effectivamente entra nos cofres do Thesouro (mesmo antes de ser dizimado pelos agiotas), é uma differença muitisimo grande, e isto provém do máu systema de arrecadação, systema que só, e unicamente tem sido sustentado para proteger afilhados, e não para outra cousa.
Concluirei, Sr. Presidente, dizendo que eu não tenho confiança nenhuma nos meios financeiros do Sr. Ministro. (O Sr. Ministro da Fazenda: - Apoiado.) S. Exa. disse apoiado? Ora esta! (Como o Orador se ria, algumas vezes foi ouvida a palavra - Ordem.) - Isto de rir nem sempre é um acto voluntario, e por tanto não tenho a faculdade de deixar de rir quando eu quizer: de mais, quando se reflecte nestas cousas, é preciso que todo o mundo ria ou chore, por que são taes que se não fizessem chorar deveriam fazer rir. - Por agora, só accrescentarei que tenho para mim como certo que em quanto o actual Sr. Ministro não sahir do Ministerio, não poderá Portugal arranjar as suas finanças. E quem falla assim não quer o suor alheio.
O SR. MINISTRO DOS NEGOCIOS DO REINO: - Sr. Presidente, a declaração, a que alludio o Sr. Conde de Lavradio, que se exige dos Egressos, é em virtude do Decreto de 30 de Maio de 1834 (referendado pelo Sr. Joaquim Antonio d'Aguiar) no qual se acham estas palavras: (leu-as) O Decreto póde bem ser reputado filho das circumstancias daquella epocha, mas, em quanto não fôr revogado, o Governo tem obrigação de o cumprir, pois é uma Lei, e por consequencia deve exigir as declarações necessarias para levar a effeito aquella disposição.
Quanto ao discurso do Sr. Conde da Taipa, acho que S. Exa. não combateo nada do que eu tinha dito, e que unicamente entrou em considerações geraes ácêrca da materia. O Digno Par intende que o Sr. Barão do Tojal não sabe organizar as finanças do Paiz; é possivel; mas não me parece muito exacto affirmar-se que o meu Collega o não queria fazer, por que eu posso assegurar a esta Camara que o Sr. Ministro da Fazenda está possuido dos maiores desejos de regular essa organização, e creio que hoje não haverá um só Portuguez que não esteja nas mesmas idéas, por que é evidente que se as finanças se não arranjarem o Paiz não poderá ser governado, e o resultado será a anarchia. Entretanto, Sr. Presidente, para obtermos este fim, desejava eu que o Digno Par se não estendesse tanto em observações geraes, e parece-me que seria mais curial que S. Exa. apontasse os meios de realizar esse pensamento; mas, pelo que ouvi, tendo passado em revista diversos ramos de Administração Publica, o nobre Conde não apresentou em conclusão uma unica idéa de que o Governo se podesse aproveitar para organizar as finanças; e era isto o que eu desejava que apparecesse. Os Ministros não tem objecção a adoptar qualquer medida proficua ao grande fim de regular a Fazenda Publica, e por tanto esteja certo o Digno Par de que, se por ventura apresentar alguns planos para isto se conseguir, o Ministerio não terá duvida de os abraçar: porém, repito, as suas considerações foram muito geraes, e nem uma só idea determinada sobre este bjecto deixou ouvir em todo o seu discurso.
S. Exa. disse que o Sr. Ministro da Fazenda não lhe merecia confiança. Mas se o Digno Par ainda não sabe quaes são as medidas que o meu Collega tem a apresentar, como póde desde já declarar que as não approvará? Parece-me inopportuno, e um pouco precipitado fazer juizo de uma qualquer proposta antes de ver essa proposta.
Tambem o Digno Par fallou muito de dinheiro que corre no Paiz sem o cunho legal, ou sem authorisação; creio que S. Exa. se referia ás Notas que andam no mercado. Sr. Presidente, sem querer agora dar a minha opinião a este respeito, peço licença ao Digno Par para lhe dizer que as suas ideas sobre o assumpto não são bastante liquidas: muitos Jurisconsultos habeis consultou já o Governo, e deram uma opinião contraria á que S. Exa. sustentou. (Sr. Conde da Taipa: - São os bachareis.) São os bachareis, cuja opinião nesta parte e mais digna de seguir-se do que a do Sr. Conde da Taipa, por que os bachareis sabem combinar qualquer facto com as Leis do Paiz... (O Sr. Conde da Taipa: - Ouçam.) Eu tambem digo - ouçam, e espero
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que o Digno Par apresente provas de que isto assim não é. — Sr. Presidente, não basta censurar, é necessario tambem mostiar os meios conducentes a fazer desapparecer aquillo que censuràmos: o Digno Par tem sido Membro de varias Camaras Legislativas, este mal existe em Portugal de ha muitos annos, e não me consta que S. Exa. apontasse uma unica medida repressiva contra a existencia de taes ou taes Notas; prova de que elle não dá grande importancia a este objecto, ou, pelo menos, de que tem estado ate hoje em duvida sobre a exactidão da sua opinião a respeito disto, não obstante o que hoje diz.
O Digno Par mostrou uma opinião antecipada contra o Governo, e principalmente contra o Sr. Ministro da Fazenda; mas, Sr. Presidente, se um Membro do Governo diz que ha alguns trabalhos feitos sobre qualquer objecto, e que os apresentará em tempo, parece de razão dar-se-lhe mais credito do que ás insinuações que pretendem fazer-se para desafiar a desconfiança contra o Ministerio. — Quanto ao mais que disse o Digno Par, já então se achava presente o Sr. Ministro da Fazenda: elle pedio a palavra, e espero que responderá ao nobre Conde de um modo inteiramente satisfactorio.
O SR. CONDE DE LAVRADIO: — Quando chamei a attenção desta Camara sobre o infeliz estado em que se acham as Classes inactivas, enumerei entre ellas os desgraçados Egressos, tanto aquelles a quem foi promettida uma prestação, como aquelles que por, falta de certas habilitações estam privados de a receber ; a respeito destes ultimos julgou o Sr. Ministro do Reino responder-me victoriosamente appellando para a Lei vigente. S. Exa. permittira porèm que eu lhe diga que, quando fallei, reconheci que era necessario ampliar a Lei, e tanto que até pedi ao Governo que houvesse de o fazer, propondo que fossem admittidos a receber prestação todos os Egressos, logo que mostrasem que elles pertenciam a alguma das Ordens Religiosas extinetas quando ellas se extinguiram. Drsejo porêm que se saiba que, quando eu assim fallo dos Egressos, quero que outro tanto se intenda a respeito de todos quantos são considerados como pertencendo ás Classes inactivas, por que todos elles tem iguaes direitos.
Aproveitarei esta occasião paia, em addicionamento ao que disse o Digno Par, o Sr. Conde da Taipa, pedir ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino queira consultar a sua Secretaria, e S. Exa. ali achará a ultima Consulta que sobre esta e outras importantes materias fez subir a Junta Geral do Districto de Lisboa, Consulta que nunca foi resolvida, nem mesmo a sua recepção accusada.
Foi simplesmente para dizer isto que eu pedi a palavra, Sr. Presidente.
O SR. M INISTRO DA FAZENDA: — Sr. Presidente, sinto muito não estar presente quando o Digno Par principiou o seu discurso, (O Sr. Conde da Taipa: — Eu tive a cautella de o repetir outra vez.) mas os meus encargos e que me privaram de poder vir mais cedo, por que foi para executar esse programma a que estou obrigado, e em que o Digno Par fallou, que eu não compareci com aquella brevidade que desejava (O Sr. Conde da Taipa: — Para pagar! E como ?...) Obetendo meios.
Vejo que o Digno Par, pela maneira com que discorre, ainda não foi Ministro da Fazenda. Eu não PARES.
confundo o legislativo com o executivo, por que não posso, e por isso não reformo d`um golpe as Contadorias de Fazenda : conheço os seus defeitos e os seus vicios, porque a experiencia nos tem mostrado, o que é impossivel bem marchar sem haver uma alteração no seu systema que seja mais compativel com os interesses, effectividade , ordem , e segurança da Fazenda. Esta medida tão necessaria ha de occupar a attenção das Camaras durante a presente Sessão, por que o systema actual de certo não preenche os fins para que fòra creado; é tão vicioso tal qual se acha, que se não póde com elle continuar. No entretanto inferio o Digno Par que, pela lazão de eu nomear o Contador do Districto de Lisboa, approvava o actual mechanismo das Contadorias, mas não ha nada mais contrario. Eu nomeei esse Contador por que se tornava; absolutamente indispensavel então fazèlo. Setenta ou sessenta e nove Recebedorias contêm o Districto de Lisboa, e a maior parte dos Recebedores não tinham fianças, outras achavam-se vagas; e alguns Recebedores accumulavam tres e quatro Recebedoras; toda a responsabilidade daquelle confuso e abandonado estado em que achei a Contadoria, do extravio ou desleixo na cobrança dos rendimentos, quando esta estava á porta, recabia sobre mim , e então era indispensavel, para resalvo meu e bem do serviço, attender a este objecto quanto antes; por isso fui buscar um homem, sem empenho algum, nem do pessoas nem de camarilha, como em outra occasião allegara o Digno Par, e só pela circumstancia daquelle individuo (com quem eu não tinha relações nenhumas, nem mesmo conhecimento, por que nem com elle faltava por não ter a honra de o conhecer) ter já anteriormente exercido aquelle mesmo emprego com toda a lisura, actividade, e zèlo, e por me offerecer todas as garantias naquella crise.
Agora por outro lado, ainda direi que as Contadoras, montadas como se acham, não podem satisfazer, nem corresponder aos fins desejados. Talvez uma approximacão do systema das Juntas de Fazenda do Ultramar, adoptada para os Districtos, fosse melhor posto que não applicavel em tudo ao nosso caso. A seu tempo tractaremos deste importante assumpto; entretanto posso asseverar ao Digno Par que não me descuido desta transcendente materia, que não tem havido um dia em que se não tenha meditado do melhor grado sobre este objecto, afim de que se possa apresentar com brevidade ás Côrtes, por que se conhece que é necessario tomar providencias immediatas sobre os males que nos affligem, sobre este cancro que nos consome.
Tenho sido gratuitamente accusado pelo Digno Par de não fazer nada : faço aquillo que posso, estando ligado de pés e mãos em consequencia das Leis de que sou escravo: mas, pergunto eu, que mais tem feito os meus antecessores? O mesmo que eu ! Já disse que não podia accumular as, disposições legislativas com as executivas, e que se podesse fazer Leis, fazia-as; mas não as posso fazer, e só me e permittido propòlas ao Corpo Legislativo quando se acha reunido; e então e necessario esperar a occasião opportuna. Entretanto hei de forçosamente trabalhar com os instrumentos que acho. Esta asseição do Digno Par, por consequencia, não passa de méros desejos de accusar, por que um Ministro, como bem sabe S. Exa. não póde fazer senão
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aquillo que lhe permitte a Lei n`uma tarefa tão ardua. — Accresce agora que o Ministro da Fazenda é obrigado a trabalhar pelo Tribunal do Thesouro (com muita razão), e a consultalo, para que se consiga levar a effeito todas as medidas de maior ponderação , mais bem consideradas, e combinadas: comtudo, por outro lado, concorre consideravelmente para retardar esse progresso rapido, que quer o Digno Par, por que os negocios e as cousas hão de ser pausados e meditados no Tribunal, e seus effeitos consequentemente mais morosos, por isso mais tempo levam primeiro que se apresentem. Porêm o Digno Par verá, com o tempo, que se tem trabalhado, que se não tem estado ocioso: ha uma grande massa de trabalhos em progresso, de que mesmo grande parte já se acha adiantada, e outra vai-se combinando.
A respeito dos lançamentos, veio a Carta e diz que — as contribuições directas sejam por repartição. Eis aqui um outro caso; por que até agora tem sido por lançamento indefinido, e á vontade das Juntas! Por tanto, aqui está um principio novo a que é preciso attender. Se houvessem as bases necessarias sobre as quaes assentasse este resultado, nós estariamos desde ja, por este methodo, em circuimstancias de cubrir o deficit, bem; mas por ora não ha taes bases, nem a area sobre que repouse este systema: para que o Ministro da Fazenda o possa adoptar depende ainda de uma medida legislativa, e por consequencia torna-se injusta contra mim a accusacão do Digno Par, tanto mais que se eu exorbitasse uma virgula da Lei o Digno Par seria o primeiro que aqui me viria accusar!
Em quanto ás Classes inactivas, ninguem tem mais sympathias por ellas do que eu; condòo-me de todas, e de vèr todos os dias viuvas, e mulheres padecendo fome e necessidades sem lhes poder valer; mas que hei de eu fazer, se não tenho nem meios, nem authoridade para os crear, nem o vigor nas Leis actuaes para cobiar mesmo o vencido? As nossas rendas não produzem muito mais que os dous terços da somma necessaria para o gasto: e serão isto meios para o Ministro poder pagar, e exigir-se-Ihe que pague a todos? Houve uma reduccão nas Alfandegas em consequencia do augmento nos direitos, que diminuio uns 454 contos até ao mez de Julho, para a Junta do Credito Publico cubrir o encargo do juro da divida estrangeira, e para o da capitalisacão pelo Decreto de 31 de Dezembro se entrou pela receita do Thesouro em 834 contos de réis annuaes da nata do seu rendimento; logo acha-se desfalcado de mais a mais desta avultada somma: e então terei eu culpa? Serei eu o author, ou a victima de tudo isto ? Talvez que o Digno Par isto não soubesse. (O Sr. Conde da Taipa — Ó lá se sei.) Pois então lhe direi ainda que 394 contos de réis se tiraram da Caixa do Contracto do Tabaco, e 440 contos das Alfandegas Grande e Sete-Cazas para occorrer ao juro da divida externa e da capitalisação do Sr. Avila. — Ora a receita não augmentou, mas diminuio, por que, suppondo-se que pela abolição dos direitos differenciaes e pelo augmento dos de outras mercadorias, ella crescesse, o contrario aconteceo; mas é fado meu entrar sempre no Ministerio da. .Fazenda para passar por debaixo das forcas caudinas armadas por outros, victima sempre e unicamente do desejo de servir bem a minha Patria, por que eu não tenho interesse nenhum pessoal em ser Ministro, e se cubiçasse só os meus prazeres e conveniencia, andava viajando ou vivendo por esses paizes estrangeiros só e sem familia alguma, que não tenho, e não em Portugal soffrendo injustas accusações, e vendo todos os dias miserias que eu não posso aliviar, nem dar remedio a males que eu desejaria curar, e embaraços que eu me esforço por vencer, recebendo em paga as invectivas do Digno Par. Sr. Presidente, por ora não direi mais nada. e a seu tempo, quando se apresentem os differentes Projectos, por que se carece de muitas deliberações, eu os apoiarei, e apresentarei todos os argumentos, que espero hão de satisfazer, senão ao Digno Par, aos outros Representantes da Nação; accrescentando que, se por ora não posso remediar os males da Fazenda, que são mui faceis disso, os Representantes da Nação, se se combinarem para o conseguirem comigo, havemos de vencêlos, por isso que esses males, são mais artificiaes que reaes, e basta dizer que o nosso deficit já não excede a 600 contos de réis, o que não é nada para uma Nação: carece-se unicamente de um verdadeiro desejo, e de uma sincera determinação das Côrtes para se alcançar este objecto, que eu espero se ha de conseguir no presente anno financeiro.
O SR. CONDE DA TAIPA : —Sr. Presidente, eu pedi a palavra para responder aos argumentos do Si. Ministro dos Negocios do Reino: S. Exa. fallou, e fallou como um bacharel, fallou como quem não intende nada desta quentão. O Sr. Ministro quiz decidir uma cousa de Direito Politico pelas regras do Direito Civil, doutrina contraria a todas as idéas de governo. Diz Montesquieu que = as cousas que são de Direito Politico não se devem decidir pelas regras de Direito Civil, e que as que são de Direito Civil não se devem decidir pelas regras de Direito Politico, assim como as cousas de Direito das Gentes se não devem decidir nem pelas regras do Direito Politico, nem pelas do Direito Civil. = Isto é uma doutrina que tem passado por principio. — Eu fallei das regras do Direito Politico, e o Sr. Ministro responde-me pelas do Direito Civil, por que é bacharel, e o Direito Publico que aprendeo foi muito mesquinho. Foi na porta ferrea toda a sua educação.... Ora vejam já os bachareis a abrirem os olhos. (Riso ) — Examinem os compendios, e vejam se lá acham o Direito Publico.... Mas em fim estão no seu direito. Em quanto a emittirem-se Notas, vejam o que dizem todas as Nações civilisadas; que isto é um direito magestatico, e que ninguem o póde exercer se não a Corôa, e só se póde fazer por uma deliberação do governo.
Em Inglaterra nunca se póde estabelecer um Banco sem uma licença do Governo; e não só do Ministerio, mas sim pas ada em conselho.... (O Sr. Ministro do Reino: — Mas cá já ha mais do que isso.) Hoje ninguem póde emittir Notas sem dar uma fiança; e se o governo quizesse saber quantas andam em circulação, podia servir-se do direito que tem, de as mandar sellar, não tanto para tirar o mesquinho direito do sêllo, mas para vir no conhecimento se as Notas que andam em circulação são mais do que aquellas sobre que qualquer associação tivesse dado fiança : o contrario disto não se deve seguir, a não querer por um paiz em risco de ruina. Em Inglaterra, até ao presente, ainda se não estabeleceo um Banca sem licença do governo (como já disse)
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passada em conselho, o que é uma grande differença, por não ser o acto só do governo. — O Banco de Inglaterra por varios sacrificios, que fazia por estar fazendo sempre emprestimos ao governo, não queria limitar a cuculação das suas Notas, e por consequencia não lhe convinha a faculdade de se estabelecerem Bancos: mas que fazia o governo de accòrdo com o mesmo Banco? Difficultava-lhes os meios, e para isso procurava fazèlos desaccreditar, não deixando nunca estabelecer aquillo a que os Inglezes chamam Joint stock bank, e os Francezes commandite; e nunca os consentiram de mais de quatro socios responsaveis. Ora, em consequencia destas circulações de Notas illimitadas, aconteceo que o paiz foi inundado de papeis, e os Bancos fizeram banca-rota , que espalharam a miseria em 1816 e em 1825, a maior miseria que se tem visto, n'uma sociedade commeicial, por que se não fez mais do que fallar-se em banca-rotas: isto não acontece já em Escocia , por que ali os Bancos dão fianças de todas as Notas que emittirem; por isso no anno de 1825 se passaram cento e cinco cartas de banca-rota em Inglaterra; na Irlanda cento e tantas, em quanto que em Escocia não houve uma banca-rota só.
Sr. Presidente, eu não me opponho a que toda a gente emitta Notas, mas quero tambem que dèm uma segurança ao Governo de que ellas hão de ser realizadas; mas a faculdade de cada agiota ter uma imprensa para emittir dinheiro, e illudu o Publico não é permittida em Nação alguma; e ainda que venham quantos bachareis ha, e as cinzas dos que morreram, já eu estou prompto para defender-me contra todos, e persuadido de que hei de ficar victorioso de todos, incluso o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, que não sabe nada disto: eu digo que o Sr. Ministro não sabe, por que o não estudou. — Repito que estas cousas não se decidem pelas regras de Direito, como um negocio entre duas pessoas; não está no Direito Romano, por que os Romanos não conheciam estes Bancos, nem estas transacções, nem cousa que se parecesse com isso. Por consequencia ainda que temos bichareis, não é aos bachareis a quem devemos consultar sobre estes negocios; hade-se ir ás Nações mais civilisadas, por que a historia do passado é a mestra do futuro; nos estamos ainda bastante ignorantes destes negocios para deixai de ir buscar factos a outras Nações, e o que lá é uma verdade não póde ser uma mentira em Portugal.
Diz o Sr. Ministro do Reino—mas o Sr. Conde da Taipa não apresentou nunca medidas, e pregou só (isto ou cousa similhante). — E para que as hei de eu propòr? Para cahirem sem serem intendidas pelas maiorias do Sr. Ministro do Reino? Bastantes tenho proposto, e bastantes me tem sido rejeitadas, e por isso o Paiz cada vez está em peior estado.
O SR. MINISTRO DOS NEGOCIOS DO REINO : — Sr. Presidente, eu não desejo cançar a attenção da Camara, entretanto, o Digno Pai acaba do dizer cousas que não podem ficar sem alguma resposta: serei muito breve.
Parece-me ter dito já que o Governo consultara districtos Jurisconsultos ácêrca da legalidade da emissão das Notas de que fallou o Sr. Conde da Taipa (que não são dinheiro, mas sim Notas promissorias); desta consultação resulta que é muito duvidoso que o Ministerio possa impedir o curso da mesmas Notas, por que ellas não são contrarias á Lei do Paiz. É verdade que isto dizem os bachareis, com a opinião dos quaes o Digno Par se não embaraça muito; mas elles tem obrigação de saber da materia, e a presumpção a seu favor em questões desta natureza. — Como póde o Governo prohibir que cada Cidadão use dos meios que tenha por mais convenientes para facilitar as suas transacções, quando as Leis os não prohibem? Acho que não cabe nas attribuiçôes dos Ministros; e, álem disso, estou persuadido que, se nós o fizessemos, o Digno Par seria o primeiro a censurar-nos por similhante procedimento, que então classificaria de despotico, ou ousaria de outro epitheto que lhe lembrasse.... Sr. Presidente, nada mais direi a este respeito, por que S. Exa. não póde ser convencido quando sustenta cousas (perdôe-me elle) do que provavelmente não está muito ao facto: isto pertence aos bachareis, por que é do seu officio. (Riso. — Apoiados.)
O Sr. SILVA CARVALHO: —Parece-me que todos estâmos conformes em votar o paragrapho pelas razões que tenho ouvido expender na Camara, e se reduzem a que é necessario isto: ( Leo parte do paragrapho em questão.) Cadaum dos Dignos Pares que entraram na discussão tem emittido as suas ideas a este respeito, com as quaes concordo, fazendo a todos ampla justiça.
O Sr. Conde da Taipa disse que um Estado se governava como uma caza particular, fazia o seu delalhe, e dizia — tenho tanto, e não posso gastar senão tanto — peço perdão se fói discordante. Uma caza particular não é como um Estado; as despezas della são differentes: um Estado, assim como uma caza particular, deve examinar o que tem e o que póde gastar, é verdade, mas tambem deve vèr quaes são os meios que tem para não augmentar as suas despezas e neste exame e no de aumentar a receita tem muito que considerar, porque, primeiramente, tem necessidade de a augmentar quando tem deficit, e não póde dizer aos Empregados Publicos = eu hei de diminuir os seus ordenados a ponto que não tenham que comer = que e como estão ; nem póde dizer aos militares e ás viuvas = vão-se embora que não lhe posso dar nada , por que os serviços de seus maridos deixaram de existir: = não póde dizer ao que emprestou o seu dinheiro = não hei de pagar-lhe nada; = e em uma palavra, não póde dizer = hei de viver só com isto, e não hei de augmentar assim a minha receita. — As finanças entram no ultimo logar do Ministerio, são resultados de boas Leis de navegação, de boas Leis de commercio, de agricultura, e de industria, e dependem não menos de boas Leis que regulem os impostos directos e sua cobrança. — Ora para isto não concorre só o Sr. Ministro dos Negocios da Fazenda, mas todos os Ministerios, dizendo as reducções que podem fazer, e obstando aos embaraços que ha, neste porto de Lisboa, principalmente, ao commercio estrangeiro, e pelo que toca ás Alfandegas para regular as suas Pautas de modo que possamos commerciar com as outras Nações; pois é preciso que nos desenganemos de que ninguem compra sem ter facilidade de vender o seu genero, por que aliás vai a outro paiz onde faça esta transacção a seu commodo, desviando-se deste modo o commercio deste para outros onde melhor, e com mais facilidade o possam fazer, por
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que ninguem é tão louco que vá fazer dinheiro a outro paiz para vir empregar em Portugal , por isso que nos calculos de commercio entram as despezas da navegação, o risco que se corre &c. — Eu desejaria por tanto que todos os Ministerios se combinassem e fizessem um systema que désse um resultado vantajoso, em que entre o Sr. Ministro dos Negocios da Fazenda, mas não é só elle que o pode fazer. Assim semeando todos deve a colleita ser boa.
Conheço muito bem que é necessaria e indispensavel uma boa Lei para a arrecadação da Fazenda, por que as que existem são muito defeituosas, principalmente pela demora que sempre ha na cobrança, por que tenho para mim como principio certo que aquelle que e obrigado a pagar promptamente deve receber promptamente; e por isso intendo que se deve fazer uma Lei de cobrança de Fazenda pela qual ella promptamente se cobre, e que evite as grandes demoras que ha nisto. Tambem conheço os defeitos que ha nos lançamentos, e desejaria que se estabelecesse melhor systema a este respeito, assim como nas Contadorias; mas considero que no systema antigo da Ordenação, como disse o nobre Conde da Taipa, não se falla em tal, nem se falla em lançamentos de decima : o systema antigo tambem não era bom, deo grandes prejuisos, e ainda estão por dar contas muitos administradores (O Sr. Conde da Taipa: — Era o do tempo do Marquez de Pombal.) Bem sei; mas já havia antigamente alguma couza e havia o que o Digno Par quizer. . . . (O Sr. Conde do Taipa: — Eu lhe digo o que a Lei dizia: — Leu —Susurro.) Esse systema tinha grandes inconvenientes: muitos recebiam o dinheiro, e não o entregavam, por que não tinham fiadores e eram apenas mal afiançados pelas Camaras. (O Sr. Conde, da Taipa : —Pergunte-o á Camara de Vianna.) Eu não o pergunto a ninguem : e se entrámos em conversas, eu as vexes tambem tenho minhas historietas com que foço rir os outros, e podia contar algumas boas: mas este negocio e muito sério para se tractar de similhante modo.
Eu não duvido que o systema estabelecido seja defeituoso, porêm e muito mais seguro e claro, por que dao contas claras, segundo o systema ordenado, e fiança do que recebem , e bastantes para poderem pòr a Fazenda a còbio de ser roubada como era antigamente; e querer que se hypothequem as propriedades, isso ninguem o faz sem que tenha uma compensação do prejuizo que soffre em não poder distrahilas para outros fins: assim tambem eu desejaria que houvesse melhor systema a este respeito, e que todos concorressemos para isso, apresentando cada um as suas ideas para que o Governo podesse aproveitar o que fosse melhor.
Agora vejo, no estado em que nos achámos, que é da maior necessidade dar-lhe remedio: uma Nação quando chega a certo ponto, de se tornar impossivel satisfazer os seus encargos, como nós estámos, só tem tres meios paia sahir delle; o lançar contribuiçoes, pedir emprestado, ou vender bens.— Destes tres meios, seria do ultimo de que principiaria a lançar mão, por que estou persuadido que ainda há muitos Bens Nacionaes que estão administrados por corporações, e outros que se deram para fins que se não preenchem, que se podem reduzir a dinheiro; e esta é uma das medidas que eu aconselharia para o momento, e em quanto definitivamente se não organiza um systema de Fazenda.
Em quanto ás Notas promissorias, eu tambem lamento que as haja, e em numero tão crescido, mas não sei qual Lei as prohiba, ou ás Letras de cambio, que muito pouco differem destas; e sinto muito que sejam um meio circulante com que o Governo pague as suas dividas; se não fosse isso dizia que as não acceitassem , e se me obrigassem, eu que desconfiava dellas, respondia — não quero . —entretanto é certo que a este respeito alguma fiscalisação devia haver. O que podia acontecer, todavia não tem acontecido: e, em abono das sociedades que emittem as Notas duei, por ser verdade sabida, que apenas se apresentam são logo pagas: as ultimas do Contracto do Tabaco pagaram-se todas, e até se avisou por umas poucas de vezes (como vi em annuncios nos diversos periodicos) que as fossem receber, e completamente foram satisfeitas, não havendo o mal que receia o Digno Par, mas é de receiar por que o póde haver.
Portanto concluo por dizer que approvo este paragrapho da Resposta ao Discurso do Throno, desejando que os Srs. Ministros, cada um pela sua parte, concoriam para fazer um systema de Fazenda que nos livre do abysmo em que estâmos, por que neste estado não podemos durar.
O Sr. VICE—PRESIDENTE: — Vou consultar a Camara sobre se o Sr. Conde da Taipa póde fallar terceira vez, por que acaba de pedir a palavra, e eu não estou authorisado para lh`a conceder , pois neste caso m'o prohibe o regimento.
Effectivamente foi a camara consultada, decidindo que fallasse terceira rez , disse
O SR. CONDE DA TAIPA : — Sr. Presidente , o Sr. Ministro do Reino pensou que eu não sabia o que eram Notas de cobre, e disse la comsigo mesmo — taves que vocé não saiba dizer que isto são Notas promissorias. Quero que o Sr. Ministro me diga o que são Notas promissorias para eu poder responder? ... Notas promissorias são todas as Notas, todo o papel em que se promette que se ha de realizar por dinheiro, em tempo determinado, ou a todo o tempo que seja apresentado: por tanto isto são Letras de cambio, são promessas, são escriptos do Banco, e tudo quanto ha. Ora aqui tem o Sr. Ministro o que são Notas promissorias. — Mas diz o Sr. Ministro — o Governo não as póde prohibir por que não são contra as Leis do Paiz: Sr. Presidente, não ha Lei no Paiz que permitta, a ninguem o podes cunhar dinheiro, senão ao soberano: pergunto, não foi preciso uma Lei para conceder ao Banco de Lisboa uma delegação deste direito magestatico? Qual foi a razão por que as Cortes de 20, concedendo ao Banco esta faculdade, o fizeram com limitaçoes, sendo a principal que as Notas seriam de certa quantia até a de quatro moedas, e não para baixo? Não prova esta restricção, quando outras razões não houvesse , que nenhuma corporação ou particular póde emittir Notas a seu arbitrio? Por tanto o que eu desejava era que o Sr. Ministro apresentasse a Lei que permitte esta emissão ; mas estou certo que a não apresenta, porque não póde. — Se o Sr. Ministro quizer levar os seus principios ao ponto de sustentar, em relação a este objecto, que cadaum pódo levar a sua industria ate ondequizer então respondo-lhe que tambem isso tem limites: ninguem prohibe a um homem
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que seja (por exemplo) carpinteiro, mas quando alguem diz - eu quero ser boticario - responde o Governo - alto lá que tu pódes ir matar alguem, e então quero examinar se tu és boticario, por que não posso permittir a latitude da faculdade que cada qual tem de exercer uma industria até ao risco de resultar d'ahi prejuizo publico. - Vem outro homem, e diz - aqui estou eu que sou medico: - nós não sabemos isso (responde o Governo), e por tanto V. m.ce ha de fazer um exame, para ver se está ou não nas circumstancias (pela mesma razão) de curar, em vez de matar. - Ora em qualquer das hypotheses figuradas esta exactamente um homem que se apresenta fazendo Notas, por meio das quaes póde illudir o Publico; e não ha Lei em Nação nenhuma que tal permittia. O Sr. Ministro citou falso: o que isto tem sido é uma grande incuria do Governo, incuria que chega mesmo a ser uma falta. Agora parece-me que com o Sr. Ministro posso acabar.
O Sr. Silva Carvalho disse que uma caza particular não se podia governar como uma Nação; e diz Adão Smith "o que é bom para uma caza particular, não póde ser mau applicado para um governo:" por tanto o Sr. Silva Carvalho lá se avenha com Adão Smith. - Tambem S. Exa. disse que as Contadorias são boas: ora todo o mundo sabe como neste systema se dão as fianças. Mais: eu conheci mil Recebedor que andava aqui em Lisboa para ver se podia dar as suas contas; insistio nisto, com as maiores protecções para o Thesouro, e não foi possivel conseguilo: se assim acontece aos que querem dar contas, que fará aos que as não querem dar? - Disse o Digno Par que o ultimo Contracto do Tabaco pagara todas as suas Notas: ora tambem ha muitos Bancos em Inglaterra que não tem quebrado, mas não se segue d'ahi que se não passassem em Inglaterra, em 1825, cento e trinta e quatro cartas de banca-rota a differentes Bancos; e não se segue, por este Contracto ter pago as suas Notas, que não haja outro que-deixe de as pagar, por isso mesmo que andam em circulação sem nenhuma garantia. N'uma palavra, isto é a cousa para que um Governo deve ter mais attenção; e todo o que não olhar para ella não merece o nome de Governo.
Tem-se já fallado de mais sobre isto, e por isso concluirei dizendo que estimaria muito que o Sr. Ministro, aqui ou particularmente, me mostrasse essas Leis, por que gosto de aprender.
O SR. SILVA. CARVALHO: - Eu não disse que as Contadorias eram boas, disse que eram menos más, melhores que o systema antigo: foi isso o que eu disse. - Agora em quanto a Adão Smith , que o Digno Par citou, e que eu muito respeito, não posso concordar com o Digno Par na conclusão que tirou; esta não está na logica dos bachareis.
O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Approvo o paragrapho, por que pondo a sua doutrina em pratica sera o meio de conseguirmos o fim que desejâmos.
Fallou-se em Notas, e todos sabemos que as ha de differentes especies, mas o que eu affirmo é que se deve pagar na mesma moeda em que se recebe, e que não acontece assim: os Recebedores, nem nenhuma Estação Publica querem receber essas Notas, e os Empregados são pagos com ellas. No tempo em que eu estava no Ministerio, fallei nisso varias vezes; mas tem continuado esse abuso, o que não deve sei; e por isso fallo nelle para que cesse.
O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Este paragrapho tem sido sustentado por todos: diz elle: (leu.) Esta verdade acha-se comprovada com o que se tem dito de todos os lados desta Camara; todos estão de accòrdo, e não tem havido mais do que uma conversação sobre um objecto de grande importancia, e a respeito do qual cada um tem apresentado as suas idéas; mas, tendo-se fallado nas Notas, devo dizer que não me parece que esta questão esteja ligada com a do augmento das rendas do Estado: comtudo é muito essencial que se adopte alguma medida para evitar os grandes perigos que podem resultar da emissão e circulação de Notas.
O Digno Par Conde da Taipa, fallando das Notas do Banco, disse que havia uma Lei que authorisava a sua circulação; poderia ter accrescentado que a Lei não só as authorisa mas determina que sejam recebidas como dinheiro, dando-lhes assim um curso forçado, o que não acontece com as Notas dos Contractadores do Tabaco nem com outras quaesquer Notas, as quaes comtudo gozam de todo o credito, e circulam sem difficuldade; e isto provém de que se recebem em pagamento em algumas Estações Publicas ainda que não em todas: o que disse o Sr. Conde de Villa Real, de que os Recebedores as não acceitavam, acho que merece louvor e não censura; entretanto tambem me parece que o Thesouro não devia pagar com ellas, e que talvez fosse conveniente authorisar por Lei a emissão de Notas promissorias, com tanto que se exigisse dos capitalistas que as emittem urna fiança sufficiente, no caso de que a somma das Notas por elles postas em circulação excedesse a uma determinada quantia. E' verdade tambem que esta questão tem relações com outra, que é a da superabundancia de moeda de cobre que existe neste Paiz, e que toma estas Notas indispensaveis paia a facilitacão dos pagamentos. Entretanto é certo que, até agora, na sua apresentação estas Notas tem sido pagas, e creio que o principal remedio que deve dar-se é o de acudir com alguma providencia para diminuir a porção de cobre cunhado que existe; uma providencia sem a outra não será efficaz.
E' o que eu queria dizer á Camara, visto que se fallou muito nesta materia; e repito que em quanto ao paragrapho, não ha necessidade de o defender.
O SR. MINISTRO DA FAZENDA: - O Governo não recebe estas Notas nas Repartições fiscaes, posto que toda a gente sabe que ellas tem credito, por que quem tem uma Nota e um vintem sabe que tem dez cruzados novos em prata: estas Notas são pagaveis ao portador, e, Sr. Presidente, a circulação das Notas não seria possivel evitar-se, se se lhes escrevessem estas palavras - a tres dias vista, -- por que assim illudia-se a Lei perfeitamente, porque então eram Notas promissorias. Todas as Nações tem procurado meios para evitar os males que de circulação excessiva e incauta de Notas hão resultado, e as convulsões financeiras que se tem seguido; mas o facto é que nenhuma Nação o pôde effectivamente conseguir até agora.
Tambem eu, Sr. Presidente, estou convencido de que é necessario uma medida; porém, francamente o digo, ella ha de ser sempre illudida, como o tem sido em todos os paizes. Nós todos sabemos que essas Notas de cobre tem sido pagas até hoje, e isto as tem accreditado por tal fórma que ninguem
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deixa de as acceitar, e muitos antes as querem do que receber o cobre ou bronze, sempre mau de contar e de conduzir, não sendo tambem de pequena consideração o pèzo e os patacos falsos que se introduzem por bons nessa contagem; eis aqui, Sr. Presidente, o que obriga a preferir as Notas, e por que o portador, quando as quer reduzir a prata, acha logo quem lhas tome com o trivialissimo desconto de vinte ou vinte e cinco reis por moeda de 4$800 réis.
O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Quando eu fallei parece-me que tive o cuidado de me expressar de fórma que se intendesse que, a pratica actualmente seguida, não é só d'agora, já vem de longe. O que acaba de dizer o Sr. Ministro da Fazenda mostra porém ainda mais a necessidade que ha de se entrai em um systema regular, por que S. Exa. disse que quem tiver uma dessas Notas de cobre do valor de 4$800 réis, dando vinte, ou vinte e cinco réis, recebia por ella a prata correspondente: mas isto o que prova? Que elle não recebe o valor exacto de uma moeda de 4$800, mas sim uma que vale menos vinte ou vinte e cinco réis, o que e mais um desconto que se faz a quem recebe, e não se sabe a favor de quem. (Apoiados.)
Julgando-se o § 5.° sufficientemente discutido, foi posto á votação, e ficou approvado.
Seguidamente obteve a palavra o Sr. Conde de Villa Real, que, por parte da respectiva Commissão, leo e mandou para a Mesa os dous Faleceres seguintes
Parecer (N.° 12.)
Senhores: = Sendo apresentada á Commissão de Poderes a Carta Regia, pela qual foi nomeado Par do Reino o Exmo. Francisco Tavares d'Almeida Proenca, e achando-se em tudo conforme á Lei; é de parecei que seja admittido a prestar juramento, e tomar assento nesta Camara. Sala da Commissão 6 d'Agosto de 1342. - Conde de Villa Real. - Visconde de Laborim.
O diploma a que se refere este Parecer é a seguinte
Carta Regia.
Francisco Tavares d'Almeida Proença. Eu A Rainha vos Envio muito saudar. Attendendo aos vossos merecimentos e qualidades, Hei por bem, depois de ouvido o Conselho d'Estado, Nomear-vos Par do Remo. O que Me Pareceo participar-vos paia vossa intelligencia e execução. Escripta no Palacio das Necessidades em tres de Maio de mil oitocentos quarenta e dous. = RAINHA. - Antonio Bernardo da Costa Cabral. - Para Francisco Tavares d'Almeida Proença.
Como não houvesse reclamação, ficou o Parecer approvado; e sendo logo introduzido o Sr. Tavares d'Almeida, prestou juramento e tomou logar na Camara.
Parecer (N.° 13.)
Senhores: = Parece á Commissão encarregada de verificar os Diplomas, e mais circumstancias das pessoas elevadas á dignidade de Pares, ou que se reputem com direito a serem admittidas na Camara a titulo de herança; que estas devem requerer por escripto, juntando ao mesmo passo os documentos em que firmam a sua justiça: e como nesta posição se acha o negocio pertencente ao Exmo. Marquez d'Abrantes, deve este ser insinuado para que satisfaça áquelle principio estabelecido.
Aproveita esta occasião a Commissão para tomar a lembrar, mui attentamente á Camara, a necessidade que ha de fazer uma Lei que prescreva a formalidades e provas com que deve ser levado á execução o direito hereditario ao parato. - Sala da Commissão 6 d'Agosto de 1842. - Conde de Villa Real. - Visconde de Laborim.
Ficou reservado para ulterior decisão.
O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Sr. Presidente, agora tenho a pedir a Camara, tanto pela minha parte como tambem em nome do meu illustre Collega, o Sr. Visconde de Laborim, a exoneração de Membros da Commissão de verificação de Poderes.
O SR. VICE-PRESIDENTE: - A Mesa proporá este requerimento á deliberação da Camara em occasião opportuna. - Continua a Ordem do dia, e entra em discussão o paragrapho 6.°
Foi lido, e é como segue:
§ 6.° - A Camara tomará igualmente na mais sei ia consideração todas as Propostas que tenham por objecto o desenvolvimento successivo dos vastos recursos que ainda offerecem as importantes Possessões Ultramarinaa da Corôa Portugueza, assim como o aperfeiçoamento de que carecem diversos ramos de Administração Publica.
Tendo primeiro a palavra, disse
O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Eu peço licença a Camara para dizer que, em uma das ultimas Sessões do Senado, se tinha, por votação daquella Camara, pedido ao Governo que nomeasse uma Commissão para se occupar do objecto de que tracta este paragrapho, aliàs de summo interesse, e que é preciso confessar ter estado quasi inteiramente abandonado, não se havendo tomado a este respeito mais do que medidas isoladas e insufficiente, e isto quando, nas circumstancias em que se achei a Nação Portugueza. convém empregar todos os esforços para ver se aceitámos com um systema que nos habilite a tirar vantagens das nossas Possessões Ultramarinas, afim de melhorar a nossa situação. Aproveito pois esta occasião para pedir aos Srs. Ministros que queiram apresentar um Relatorio ácèrca do estado em que se acham as nossas Colonias em geral, acompanhado esse trabalho de um, ou mais Projecto; segundo se julgar necessario, para o desenvolvimento dos recursos daquellas Possessões; ou, quando pareça melhor a SS. Eexas., que &e nomeie uma Commissão encarregada de se occupar deste importante trabalho. (Apoiados.)
O SR. MINISTRO DA MARINHA: - Sr. Presdente, imo me consta que tenha sido nomeada Commissão alguma relativamente ao objecto de que acaba de fallar o nobre Duque; mas o Governo tem tomado sobre si o apresentar todas as medidas que possam concorrer para a prosperidade das Províncias Ultramarinas. Depois que eu entrei para a Administração, tem decorrido muito pouco tempo, e por isso me não era possivel dar cuidado, ou tomar conta de todos os objectos que tem relação com a extensissima Repartição do Ultramar. Sr. Presidente, eu metti mãos a esta emprèza, começando por alguma cousa das muitas que era necessario fazer, tractando de arrancar o cancro que corroia a nossa Marinha de Guerra. Procurei por tanto, e primeiro que tu-
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do, de a vivificar, pois que mortos estavam ahi no Tejo os navios; mortos os Officiaes; e morta estava tambem a marinhagem, por que não podia servir para o desempenho dos fins a que era destinada. - A Camara dos Dignos Pares bem sabe, e o sabe tambem o Publico, se eu levei ou não a effeito a minha intenção de tornar a vivificar a Marinha. (Apoiados.) - Intendi que devia começar por aqui, que este era o prologo da grande obra de prosperidade e melhoramento das Provincias Ultramarinas, objecto que, eu assevero á Camara, occupa incessantemente a attenção do Governo, e do qual elle se não descuida por todos os meios a seu alcance: isto porém só se conseguirá indo de vagar; por que eu não conheço estrada melhor para não fazer cousa alguma do que é querer fazer tudo ao mesmo tempo.
O SR. CONDE DO BONFIM: - Sr. Presidente, eu conheço muito de perto o caracter do nobre Ministro que acaba de fallar, e por isso estou bem persuadido de que elle não tractou de dirigir censura nenhuma a qualquer das Administrações transactas: no entretanto, Sr. Presidente, visto que eu sei vi no Ministerio da Marinha, exige a minha honra que declare á Camara, que, esposando os desejos de S. Exa., no meu tempo, e apezar da escassez dos meios, eu tive a foi tuna de ver conservados sempre vinte e tantos navios armados protegendo o nosso commercio, cruzando nas costas d'Africa Oriental e Occidental. - Sr. Presidente, como V. Exa. se lembrará por certo, já eu tive occasião nesta mesma Caza de mostrar que havia empregado todos os meios possiveis, e os maiores esforços, para manter e conservar a eschola pratica dos nossos maritimos, afim de que esta classe se não perdesse de todo; nem tambem me esqueci de forcejar pelo emprego desses principios que desenvolvam o commercio licito, e façam prosperar a agricultura, cuja pratica só deverá um dia trazer a prosperidade das Provincias Ultramarinas. Fiz pois o possivel, durante o meu Ministerio, para conseguir esse tão desejado fim e foi tambem durante o tempo da minha Administração que se obtiveram do Ultramar as melhores informações, em virtude das quaes se colligiram todas as noticias que foi possivel, e que serviram de base ao longo Relatorio que eu tive a honra de apresentar as Camaras, o qual estou persuadido que demonstra com evidencia que fiz os esforços que me cumpria, e que é exacto o que affirmo. - Direi por esta occasião, Sr. Presidente, que e minha opinião, que em logar de se estarem só dando providencias ainda que muito boas sejam cá de longe, das quaes as vezes não só sabe se por ventura resultará bom effeito quando ali chegarem; em logar disto, digo que convém antes escolhei pessoas de probidade e conhecimentos para irem visitar essas regiões, e indicarem depois os meios de as melhorai , ou em fim, o que mais conveniente julgarem.
O SR. MINISTRO DA MARINHA: - Eu devo declarar que não tive intenção nenhuma de fazer censura ao nobre Par, nem a qualquer dos meus dignos antecessores; por que sei bem que, tudo quanto se tem deixado de fazer, era filho das circumstancias que mais não tinham permitido; e o que eu obtive fazer será talvez o effeito de melhores circumstancias, em que por ventura o Governo se achasse collocado.
O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Eu sinto muito não estar presente quando o Sr. Ministro da Marinha fallou a primeira vez, por que desejava exprimir o meu voto sobre o que S. Exa. disse, e declarar a Camara que tenho grande interesse em que se realizem as promessas por S. Exa. feitas, para arrancar aquellas Provincias do desgraçado estado a que ellas se acham reduzidas actualmente, e isto devido a terem sempre sido muito mal administradas, por que a maior parte dos Governadores que para ali iam, só tractavam de fazer caza, e enriquecer-se. Este abuso deve cessar, Sr. Presidente. - Pelo que respeita porém á Marinha de Guerra, direi que e necessario melhorala, e augmentala, pois é na Marinha que esta o principio do poder de Portugal. Sr. Presidente, se nós tivermos boa Marinha, ainda poderemos tornar a ser uma grande Nação, mas sem ella, muito pouco poderemos esperar. (Apoiados.) - Concluo dizendo que a todas as Propostas, que no Discurso da Coroa se promettem, e aqui se apresentarem para este fim, eu darei o meu fraco mas pleno apoio.
O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Eu queria unicamente observar que o Digno Par, que acaba de fallar, se equivocou quando disse que no Discurso da Corôa havia a promessa de se apresentarem essas Propostas: não se diz tal cousa; no Projecto de Resposta e que se diz isto: (leu.) Foi justamente por que no Discurso nada se dizia a respeito de taes Propostas, que eu julguei sei conveniente fallar nisso na Resposta.
O Sn. CONDE DE LAVRADIO: - Como e costume dizer-se em phrase vulgar, eu direi que não tenho remedio senão dar as mãos á palmatoria. - Confesso que eu não tinha presente o Discurso da Corôa; tinha só presente o Projecto de Resposta: e como o Digno Par, Presidente da Camara, tem dito muitas vezes durante esta discussão que a Resposta é o echo da Falia do Throno, confesso que eu estava persuadido que lá vinha isto; mas, apezar de lá não vir, eu não deixarei de sustentar o pedido que ha pouco fiz ao Sr. Ministro da Marinha.
O SR. DUQUE DE PX.LMELLY: - Apoiado.
O SR. MINISTRO DA FAZENDA: - Confesso, Sr. Presidente, que as nossas Colonias são hoje uma taboa de salvação, por que delias se póde de futuro tirar muito proveito: espero que pelo Tractado com Inglaterra, e commercio estrangeiro ellas vão ser desenvolvidas, e tirar-se-hão, com o tempo, muitas vantagens que até agora se não percebiam. Entretanto, eu não sei que medidas pode o Governo por si só tomar de prompto a respeito das Possessões do Ultramar, a não ser reinstallando o Conselho Ultramarino; e a minha opinião e que, recreando-se este, se poderia ainda desinvolver muito a prosperidade daquellas Possessões tão vastas: mas para isto tambem é preciso Lei, e da parte do Governo, por tanto, não póde haver mais do que executar as medidas que existem, e propor ás Côrtes aquellas que lhe occorrerem, e julgar convenientes para a prosperidade e augmento daquellas Possessões.
Em quanto á Marinha, eu sempre a considerei como o braço principal, tanto para a conservação das Possessões Ultramarinas, como até para o da nossa independencia, e por isso sempre a zeler e protegi por todos os modos ao meu alcance: encarei este ramo do serviço corno de muita importan-
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cia, e assim o considero; sendo para lamentar o que tenho ouvido dizer a muitas pessoas que não avaliam a nossa posição politica e commercial, e tractam de resto e de insignificante a nossa Marinha, com a qual todavia, estando bem arranjada e respeitavel, ponderemos ter um poderoso meio de diversão quando qualquer ataque se nos pretenda fazer pela nossa vizinha, por que tendo-se uma Marinha boa, em material, será facil, em qualquer epocha de crise, acharmos marinheiros nacionaes e estrangeiros, e apresentarmos uma força que nos faça respeitar pelos nossos visinhos ou outros adversarios, por quanto a Marinha é, como Nação maritima que sòmos, a nossa arma natural e essencial como meio de protecção ao nosso commercio e Possessões, e como defeza, portanto, elemento vital, não só para a nossa conscivação, mas até das nossas Possessões, que nos hão de offerecer para o futuro grandes vantagens em consequencia de se achar abolido o trafico da escravatura, por que os braços que até hoje d'ali se exportavam podem d'ora ávante cultivalas, tirando nós assim grande proveito dessas regiões, um grande legado dos nossos maiores.
O SR. DUQUE DE PALMELLA: - O Digno Par, o Sr. Conde de Lavradio, respondendo com urhanidade á minha explicação, pareceo comtudo indicar que eu meachava em contradicção commigo mesmo; visto haver antes declarado que o Piojecto de Resposta, proposto pela Commissão, era um echo fiel do Discurso do Throno. Devo pois confessar, que effectivamente, n'um unico paragrapho, se póde notar uma phrase accrescentando alguma força á idéa indicada no Discurso. Este accrescentamento porém pareceo-me util, e é de uma innocencia tão evidente que não póde, creio eu, deixar de ser approvado por todos os Membros desta Camara, quaesquer que sejam as differenças de opinião que possam existir sobre outros pontos.
Dando-se a materia por discutida, approvou-se o § 6.°
O seguinte (ultimo do Projecto) foi approvado sem discussão:
§ 7.° - Senhora, a Camara dos Pares occupando-se com zêlo, patriotismo e lealdade no entuprimento dos seus deveres, espera dar assim a prova mais cabal, e por certo a mais grata ao Coração generoso de Vossa Magestade, do amor e respeito que consagra a Sua Augusta Pessoa.
(Pausa.)
O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Peço licença para lembrar que existe uma decisão desta Camara ácêrca da nomeação de uma Commissão destinada a formar um Projecto de Lei para regular a hereditariedade do pariato: esta questão não só é de importancia especial para esta Camara, mas até de urgencia, por que se tem apresentado, e continuarão a apresentar-se casos cuja decisão é muito difficil, e faz pezar sobre nós uma grande responsabilidade, sendo alguns delles talvez impossiveis de resolver em quanto não houver uma Lei que remova diversas duvidas, e decida todas ás questões - Por esta occasião tomarei a liberdade de explicar em poucas palavras qual é a idéa que formo desta questão.
Eu julgo que são necessarias duas Leis; uma para regular todos es casos em que se verifique como effectiva a hereditariedade do pariato, quero dizer, quaes são os casos em que haverá direito de reclamar assento nesta Camara: a outra Lei me parece que, quando não seja tão necessaria, ao menos é muito conveniente, e é a que deve regular as condições necessarias, e que as determine, para se poder exercer esse direito; porquanto eu julgo que póde haver direito ao pariato e não se possuirem as habilitações necessarias para o desempenhar. Ora convèm-me declarar da maneira a mais explicita que nesta observação não tenho, nem posso ter em vista, senão o futuro, por que, qualquer Lei que se faça, não deve ter effeito retroactivo: comtudo será conveniente para o futuro determinarem-se quaes são os casos em que ha de ficar excluido um individuo qualquer
(não obstante o direito que lhe resulta do seu nascimento) ou, para melhor dizer, quaes sejam as condições indispensaveis para o habilitar a exercer o seu direito. Está claro que, por exemplo, os dementes, os menores, os sentenciados por crimes infamantes, não devem ser admittidos a exercer as funcções de Par; e poderá ser que se julgue conveniente exigir tambem alguma condição, como, talvez, a de um rendimento que chegue a certa e determinada quantia. (O Sr. Conde da Taipa: -Apoiado.) Com isto não quero prevenir a Camara, mas julguei necessario o dizêlo.
Por tanto, a Camara decidirá se convêm que uma só Commissão se occupe de ambas as Leis, ou se devem ser duas: eu julgaria conveniente que houvesse uma só; e sobretudo peço novamente que a eleição desta Commissão seja feita pela Camara, e não pela Mesa.
O SR. CONDE DA TAIPA: - Pedi a palavra para uma explicação sobre o que ouvi quando eu, citando a Ordenação do Reino, disse que ali estava um systema de arrecadação de impostos. Quando eu disse isto, bem sabia que o Regimento das Suas não existia ali; comtudo póde ser que o nomeasse: (leu.) Vem a ser, que torna o Recebedor do Concelho responsavel pelo que se receber: isto é que eu disse.- Ha muitas outras cousas que eu poderia produzir: mas nunca proferi que o systema da decima estava na Ordenação do Reino, só asseverei que ali havia um systema de arrecadação de impostos muito superior aquelle que se aponta, por que eu, apezar de não ser bacharel, tenho lido a Ordenação do Reino, e julgo que me não enganei.
O SR. SILVA CARVALHO: - Pareceo-me perceber fallar da Ordenação quando se tractava do lançamento da decima, e é isso que eu asseverei que não estava lá, por que ali tracta-se só de impostos municipaes, e não de impostos directos, por que este systema não o havia antigamente antes da Ordenação.- Ora o systema de que tracta a Ordenação é muito bom, mas não é do lançamento da decima, por isso que este é um imposto que agora paga o Povo, e estabelecido depois de feita essa Ordenação: o systema de que ella reza e o das tintas e contribuições municipaes, mui differente do que intende o Digno Par que confundio uma com outra couza.
O SR. CONDE DA TAIPA: - Ainda teimo que não são impostos municipaes... (O Sr. Silva Carvalho: - Tracta-se de impostos directos..) Isso é a mesma couza; ocaso é offerecer garantias, porque uma couza é Recebedor do Concelho. e outra é Thesoureiro: (leu.) Aqui está adiante de - Recebedor do Concelho - a palavra - Thesoureiro do Concelho.
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O SR. DUQUE PE PALMELLA: - Ainda que S. Magestade teve a bondade de mandar declarar que por em quanto dispensava as Deputações para o fim de cadauma das Camaras apresentar os Decretos das Côrtes, comtudo, tractando-se da Resposta ao Discurso da Corôa, acho que isto é um caso especial, e por isso que se deve officiar ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino, afim de se pedirem as Ordens de S. Magestade a este respeito. (Apoiados.) - Agora peço tambem que V. Exa. queira nomear a competente Deputação, e que declare o dia em que ha de haver Sessão.
O SR. ViCE-PRESIDENTE: - A Mesa vai officiar ao Governo. A Deputação será composta dos Dignos Pares - os Srs. Presidente, Secretario Machado, Marquezes de Niza, e de Santa Iria, e Condes de Lavradio, de Linhares, e de Rio Maior.
A proxima Sessão será na Terça-feira, 9 do corrente; e a Ordem do dia Pareceres de Commissoes e leituras, nomear-se-ha tambem a Commissão especial para propor o Projecto de Lei sobre a succussão do pariato. - Está fechada a Sessão.
Tinham dado quatro horas.
N.° 14. Sessão de 9 de Agosto. 1842.
(PRESIDIO O SR. DUQUE DE PALMELLA.)
FOI aberta a Sessão pela uma hora e meia da tarde, e estiveram presentes os Dignos Pares - os Srs. Duques de Palmella, e da Terceira, Marquezes de Fronteira, das Minas, de Niza, e de Ponte de Lima, Condes de Avillez, do Bomfim, da Cunha, de Lavradio, de Linhares, de Lumiares, da Ponte de Santa Maria, da Taipa, de Terena (José), e de Villa Real, Viscondes de Beire, de Fonte Arcada, de Laborim, de Porto Còvo de Bandeira, de Sá da Bandeira, de Semodães, da Seira do Pilar, de Sobral, e de Villarinho de S. Romão, Baireto Ferraz, Ribafria, Gambôa e Liz, Margiochi, Tavares de Almeida, Ferreira dos Santos, Henriques Soares, Silva Carvalho, Polycarpo José Machado, e Trigueiros.
Lida a Acta da Sessão precedente, obteve a palavra
O SR. VISCONDE DE LABORIM: - Sr. Presidente, pela leitura que ouvi fazer da Acta, creio que ha alguma equivocação, quando se diz que um dos Membros da Commissão de Poderes, requereo que, em logar daquelle, que já tinha pedido a sua demissão, fosse nomeado outro: parece-me que isto não é exacto. O Digno Par pedio que se désse a sua, e minha excuasa; pedio o mesmo que havia pedido o Sr. Conde de Lavradio; e como isto não está na Acta, peço que nella. se lance, por que é exacto.
O SR. SECRETARIO CONDE DE LUMIARES: - Tenho que dar uma satisfacção a V. Exa. de não o fazer assim, por que não percebi.
O SR. VISCONDE DE LABORIM: - Talvez que assim acontecesse, por fallar um pouco mais baixo o meu Digno Collega.
Approvou-se a Acta com a alteração indicada.
Mencionou-se a seguinte correspondencia:
1.° Um Officio do Presidente da Camara dos Srs. Deputados, remettendo uma porção de bilhetes da Tribuna reservada da mesma Camara. - Foram distribuidos.
2.° Um dito pelo Ministerio do Reino, em resposta a outro desta Camara, participando que S. Magestade Deliberara receber no Paço de Cintra, pela uma hora da tarde da proxima Quarta-feira, a Deputação encarregada de apresentar a Resposta ao Discurso do Throno. - Ficou inteirada.
PARES.
3.° Um dito pelo Ministerio da Marinha, satisfazendo ao 3.º quesito do Requerimento do Sr. Visconde de Sá da Bandeira, e incluindo copias dos documentos constantes da relação que os cubria, ácêrca dos acontecimentos revolucionarios que tiveram logar em Goa no mez de Abril passado. - Mandaram se para a Secretaria.
4.º Um dito do Escrivão da Commissão Administrativa da Santa Caza da Misericordia e Hospital de S. José desta Côrte, remettendo 60 exemplares da Conta da gerencia da mesma Commissão respectiva ao anno findo em 30 de Junho ultimo. - Foram distribuidos.
O SR. PRESIDENTE: - Antes de passarmos á Ordem do dia, devo participar á Camara que se acha fora da Sala o Digno Par nomeado, o Sr. Serpa Saraiva. (Pausa.) Visto que ha uma questão a respeito da continuação, ou não continuação da actual Commissão, não póde o Digno Par ser admittido sem se ter decidido este objecto.
O SR. VISCONDE DE VILLARINHO DE S. ROMÃO: - Eu pedi a palavra para lêr um Projecto de Lei, por que sempre é costume lêrem-se antes da Ordem do dia: elle ha de levar seu tempo, e disso previno a V. Exa.
O SR. PRESIDENTE: - Parece-me que os Projectos do Digno Par são bastante extensos....
O SR. VISCONDE DE VILLARINHO DE S. ROMÂO: - Mas eu só pedi a palavra, para lêr um.
O SR. VISCONDE DE FONTE ARCADA: - Eu estou igualmente inscripto para apresentar um Projecto de Lei; e como para a primeira parte da Ordem do dia de hoje se deram leituras, por isso peço que V. Exa. me conceda a palavra.
O SR. PRESIDENTE: - Por esta occasião desejava observar á Camara que me parece da mais completa inutilidade a leituia de Projectos antes delles irem a uma Commissão. (Apoiados.)
O SR. VISCONDE DE VILLARINHO DE S. ROMÃO: - Eu não cêdo do direito que me dá a Carta, hei de lêr o meu Projecto, e a Camara poderá depois rejeitalo, imprimilo, ou fazer o que quizer; mas é necessario lêlo, porque o nosso Regimento no Artigo 32 diz que faça o author do Projecto um summario para mostrar qual é a Lei que propõem, e a utilidade que della re ulta: e como este Projecto é de interesse geral e particular, por isso que encerra a unica base da salvação das nossas finanças, razão por
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