CAMARA DOS DIGNOS PARES.
EXTRACTO DA SESSÃO DE 29 DE JANEIRO DE 1858.
PRESIDENCIA DO EXMO. SR. VISCONDE DE LABORIM, VICE-PRESIDENTE.
Secretarios os Srs. Conde de Mello
Visconde de Balsemão.
Achando-se reunido na sala o numero legal, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão. Fez-se leitura da acta, que se julgou approvada na fórma do Regimento, por não haver reclamação em contrario.
O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta da seguinte correspondencia:
Um officio do Digno Par Marquez de Pombal, expondo os motivos justificados que tinha tido para não podér fazer parte da grande deputação que devia levar a resposta do discurso da Corôa, para que tinha sido nomeado Presidente da Camara dos Srs. Deputados, enviando uma proposição de lei sobre ser o Governo auctorisado a contrair um emprestimo de quarenta contos de réis para applicar ao estabelecimento d'uma fabrica d'assucar na ilha da Madeira. A commissão de fazenda. O Sr. Presidente disse que lhe constava achar-se nos corredores da Camara o Sr. Conde de Linhares, e devendo S. Ex.ª ser admittido a prestar juramento e tomar assento, nomeava os Dignos Pares os Srs. Marquez de Fronteira e Marquez de Vallada para o conduzirem.
Conduzido á Presidencia, prestou juramento, e tomou assentou na Camara.
O Sr. Marquez de Vallada declarou que pedíra a palavra para" apresentar uma nota de interpellação ao Sr. Ministro da Guerra, sobre um facto escandaloso praticado em Guimarães pelo commandante da força; mas como não tinha alli presentes os apontamentos de que carecia, se reservava para na seguinte sessão dirigir ao Governo a nota de interpellação a que alludia.
Aproveitava a occasião para dizer ao Sr. Ministro da Marinha (único membro do gabinete que estava presente), que provavelmente nos proximos dias terá de dirigir interpellações mui serias e graves, principalmente ao Sr. Ministro, Marquez de Loulé. Como S. Ex.ª no anno passado foi o Ministro que concorreu com menos assiduidade a esta Camara, chegando a ponto de bem poucas vezes comparecer, o previnia de que esperava que S. Ex.ª neste anno concorra mais vezes á Camara dos Pares; bem como que se não demore em responder ás interpellações que se lhe annunciarem, como fez no anno proximo passado, em que succedeu dar-se, como o Sr. Presidente sabia, caso de esperar debalde cincoenta e cinco dias sem que se respondesse á interpellação que o mesmo Digno Presidente annunciara. Elle orador como menos soffredor, ou talvez por ser mais moço, conta de certo não ter tanta paciencia e prudencia. Levado pelo desejo do
bem do paiz, protesta fazer as notas das suas interpellações, insistir nellas, esperando conseguir o fim a que se propõe.
O Sr. Conde de Linhares — Sendo hoje a primeira occasião em que me é dado levantar a voz perante esta tão respeitavel Assembléa, não estranhará V. Ex.ª, nem a Camara, que eu a aproveite para cumprir um dever de gratidão.
Sr. Presidente, ha sete mezes que dirigi um officio ao Ilustre Prelado, hoje infelizmente fallecido, e cuja perda todos lamentamos, que então se sentava nessa cadeira, como Presidente desta Camara, participando-lhe a morte de meu pai..... Por essa occasião differentes Dignos Pares se levantaram de ambos os lados desta casa, e em bem sentidas palavras, manifestaram o seu sentimento particular, que julgaram, e depois se demonstrou, ser tambem partilhado pela Camara (apoiados). Entre elles, um disse mesmo, que ainda que não houvesse precedente sufficiente, propunha que a expressão dos sentimentos da Camara pela perda daquelle seu antigo e honrado membro, se tornasse bem clara e de maneira alguma duvidosa. Em seguida a isto, resolveu a Camara que se votasse, e unanimemente se votou, que a Mesa dirigisse ao herdeiro e successor do fallecido Digno Par, assim como a sua viuva, dois officios nos quaes se lhes participasse esta mesma resolução da Camara, e a cópia da acta relativa a este incidente. É pois este honrosissimo incidente e resolução da Camara, que hoje me cumpre agradecer, como de facto agradeço, e me compellio a pedir sem demora a palavra a fim de protestar o meu sincero leal e profundo reconhecimento a V. Ex.ª, por aquella tão lisongeira manifestação. Já que me acho em pé, pedirei a V. Ex.ª que me permitta que diga, que julgo que a Camara honrou e honrou muito, de maneira que me penhorou em extremo, um membro, que em tudo me parece era digno de tão alto e distincto favor (apoiados). Meu pae foi um homem, como todos reconheceram, summamente modesto (apoiados), intelligente e probo (muitos apoiados). Elle foi sempre fiel aos seus juramentos (apoiados), fiel ao seu Rei (muitos apoiados), e ás instituições liberaes. As idéas politicas que sinceramente professou com intima convicção, alta e distinctamente as manifestou em todo o logar, sem que força alguma ou conveniencia particular o desviassem do seu caminho; foi, digo eu, sinceramente liberal (muitos apoiados), porém amigo da ordem e da auctoridade legal (apoiados). (O Sr. Marquez de Vallada — Muito bem, muito bem). Foi summamente modesto, ainda que sabio, pois passou muitos annos da sua vida, principalmente os ultimos vinte, inteiramente dedicado ao estudo, e se lhe não foi dado prestar á sua patria os relevantes serviços que seu pai D. Rodrigo, primeiro Conde de Unhares, e seus tios, prestaram, e dos quaes existem ainda não poucos vestigios no paiz e principalmente na repartição da Marinha, elles por certo o não excederam em patriotismo nem talvez em talento, saber, e verdadeiro espirito de progresso, faltando-lhe com tudo occasiões de empregar devidamente tão preciosas qualidades no serviço do paiz e utilidade publica. Repito, Sr. Presidente, meu pai sendo modesto e destituido absolutamente de ambição, não teve muitas occasiões de subir ao podér, e V. Ex.ª não ignora que o excesso de certas virtudes se torna algumas vezes prejudicial. Não são infelizmente no tempo em que vivemos, a modestia e a falta de ambição as qualidades mais necessarias a quem se quer collocar em posição de servir o paiz, ou que deseja fazer alguma cousa em proveito da sua patria.
Sr. Presidente, talvez este não seja o logar mais proprio para tractar de pessoas, ainda que neste caso segui o precedente honroso da Camara; porém usando eu daquelle direito que se costumam arrogar os que pela primeira vez fazem parte de uma assembléa desta natureza, apresentando a sua profissão de fé, precedente este geralmente admittido; peço á Camara que acceite este tempo perdido para os seus trabalhos, como aquelle que teria soffrido que eu lhe roubasse no uso deste supposto direito ou pratica admittida, como quizerem. As profissões de fé geralmente costumam ser o proprio elogio do orador; ora, como eu nada tinha a elogiar em mim, preferi occupar a attenção de V. Ex.ª sobre a memoria de meu pai, e neste segundo caso alguma cousa tive a dizer (apoiados — Vozes — Muito bem), e demais, eu não quiz ser taxado ou de ingrato, ou de não ter sabido avaliar a grande honra que em sessão publica fez esta Camara ao seu fallecido membro. Sr. Presidente, a meu vêr devem partir sempre desta casa os exemplos da mais alta moralidade, é um desses exemplos o