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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 61

Mas ía eu dizendo que o outro elemento que a India nos podia fornecer era, o da colonisação.

Isto não quer dizer que eu possa ter idéa de que um paiz pequeno como é a India nos de toda a colonisação da que precisâmos para a extensissima provincia de Moçambique; mas está me a parecer que nos dará o nucleo, e base a semente da qual a colonisação ha de brotar.

Nem o governo póde fazer mais que iniciar, propiciar e proteger.

Eu ficarei satisfeito se na minha vida de ministro, que bem póde ser ephemera, poder deixar aberto o caminho para a grande riqueza da Africa. É lá, sr. presidente, que vejo desde aqui o germen da nossa riqueza e da nossa grandeza.

Desde que Moçambique deixou de dar escravos, digo-o sinceramente, ficou pobre, pobrissima, ella, tão rica inconscientemente, carecendo todos os dias das esmolas da metropole, o que é uma vergonha para nós todos. Pois se ha paiz com elementos de riqueza, como talvez outro não haja, é decerto a nossa Africa oriental, principalmente aquella região da Zambezia, que conta cento e cincoenta leguas de extensão de Quilimane alem de Tete, e é regada por um dos mais importantes rios da Africa, rio que fertilisa os seus campos e se presta á navegação e ao commercio, bem como muitos dos seus affluentes em grande parte navegaveis. A fecundidade extraordinaria d'aquella região tem desde sempre attrahido as attenções dos governos.

Houve uma providencia que podia ter sido de grande vantagem, que foi a instituição dos prazos da corôa na Zambezia.

Nós temos lutado sempre com a falta de braços, ao passo que a Inglaterra tem tal abundancia d'elles, que carece de lhe dar saída profusamente para as colonias.

A nossa metropole é pequena, ao passo que as nossas possessões de alem mar são tão extensas quanto desertas.

O que fizeram os nossos maiores na India?

Um d'elles, o maior homem d'aquelle tempo, e digo - o maior - não só considerado assim por nós, mas tambem pelos estrangeiros, o grande Affonso de Albuquerque, quando tomou posse de Goa pela segunda vez, confiscou apenas os bens dos mouros e não os dos gentios, procurou as nativas mais formosas, e formosas na verdade, apesar da sua côr acobreada, e casou-as com os seus ajudantes e com os demais capitães da sua comitiva, tudo isto para constituir e radicar bem o nosso dominio ali pela constituição da familia, visto que não podia fazia colonisação.

Desgraçadamente errou, porque na terra das castas tudo em castas degenera, e em vez da assimilação que desejava, não fez mais do que constituir uma nova casta, a dos descendentes.

Eu não sei se estou a cansar a camara, mas o desejo de responder o mais cabalmente possivel ás observações do digno par leva-me a ser um pouco mais extenso.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O Orador: - Vieram, pois, os prazos da corôa para a Zambezia; eram instituidos em mulher que casasse com europeu, mas como n'aquelle tempo se conhecessem pouco as questões de hygiene, e ainda menos se cuidasse d'ella, a descendencia nunca passou da terceira geração, em consequencia das febres e outros accidentes filhos do clima.

Sr. presidente, já comecei a fallar da força publica como elemento necessario para a colonisação, mas não deve esquecer fallar agora de outro elemento que lhe é indispensavel: a saneação. Não podemos tratar da colonisação da Africa sem primeiro tratar da sua saneação, isto é, sem a tornar habitavel.

Em tudo isto já pensavam os meus antecessores e acho dadas n'esse intuito as devidas instrucções para as diversas provincias, e entre ellas para Moçambique.

Tenho apenas de continuar os seus cuidados.

Ainda duas palavras relativamente á força publica.

Eu desejava, primeiro que tudo, estabelecer uma boa força respeitavel em Tete, por ser o extremo d'aquelle extenso e feracissimo valle do Zambeze e outra força sufficiente em Quilimane.

As instrucções que os meus dignos antecessores deram á commissão de obras publicas que está n'aquella provincia não são estranhas a este pensamento.

É preciso sanear e fortificar aquelle paiz; alem da praça de Tete e das forças de Quilimane é forçoso construir intermediariamente fortins, que sirvam de abrigo ao commercio é de protecção á cultura colonial.

O meu intuito é que esses fortins sejam edificados em pontos que sirvam como de nucleo a futuras povoações; e para dizer tudo já para lá dei instrucções n'este sentido, mandando que os principaes cuidados da respectiva commissão de obras publicas revertessem para aquelle ponto e para aquellas obras.

Sem isto é humanamente impossivel tratar da colonisação e do commercio, porque o nosso territorio tem vizinhos que por vezes têem sido audaciosos, e que é preciso conter no respeito que nos é devido.

Sr. presidente, eu sei que uma grande parte da Zambezia se presta á cultura da canna do assucar.

É certo que em uma das provincias mais populosas da nossa India, em Bardez, se procede já em grande escala á cultura da canna do assucar, e eu tenho tenção de ver se posso encontrar alguns colonos que, sob condições favoraveis, queiram ir habitar n'aquellas regiões, do que resultariam duas vantagens: a primeira era achar para ali a gente que mais facilmente se aclimata n'aquella região, a segunda era achar colonos laboriosissimos e conhecedores da cultura que lá desejo introduzir.

Para constituir companhias, parece-me que era esse o alvitre do digno par, confesso que tenho receios.

Em primeiro logar parece-me que nós não estamos no caso de qualquer grande nação, como é a Inglaterra, a Franca e a Allemanha, que não se assoberbam de ver diante de si uma companhia poderosa.

Nós devemos ter todo o cuidado com estas entidades.

Sr. presidente, se podessemos antes fazer concessões a particulares que quizessem cultivar os nossos terrenos de alem mar, não seria isso mais conveniente?

Ensinando-lhes o caminho, proporcionando-lhes grandes lucros, garantindo-lhes com a força e com a lei, e offerecendo-lhes commodidades que por emquanto não têem; protegendo-lhes o commercio e assegurando-lhes a propriedade; dando-lhes, emfim, todo o auxilio, auxilio efficaz compativel com as nossas forças, creio que chegaremos ao desejado fim sem constituir companhias, que sempre têem sido perigosas. S. exa. referiu-se á companhia das Indias dizendo que ella dera grande proveito á Inglaterra. Daria; convenho, que deu, mas é justo não esquecer que tambem lhe creou grandes embaraços e que praticou actos que não deram demasiada honra aquelle nobre paiz, e não o digo eu, dil-o a historia e proclamam-no os annaes do parlamento britannico.

Se eu soubesse que, havia de dar-se esta extensão á interpellação de s. exa., o que eu lhe agradeço, tinha trazido dois documentos curiosos que por acaso tenho em meu poder, e vem a ser duas cartas da companhia das Indias, escriptas a duas auctoridades nativas que governaram outr'ora um dos reinos do Indostão.

Trazia-os pelo que são de curiosos, mostrando a quantas abjecções obriga a ambição exclusiva do lucro.

Repito pois: não me inclino a formação de uma companhia pelo molde da fallada companhia ingleza.

Receiaria sempre dar de mão beijada a essa companhia territorios quasi tão extensos como toda a Europa, se não maiores. E não duvide d'isto a camara.

Chamam-nos todos os dias, aquelles que mal nos conhecem, um paiz pequeno; mas a verdade é que ha poucos paizes no mundo ainda hoje tão grandes como o nosso.

A questão é podermo-nos apresentar diante dos povos ci-