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Extracto da sessão de 31 de janeiro.
Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha. Secretarios os Sr.s Margiochi.
V. de Gouvêa,
Pouco depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado que se achavam presentes 30 D. Parei, o Em.mo Sr. Presidente abriu a Sessão. Leu-se a acta da anterior, contra a qual não houve reclamação.
O Sr. Presidente communicou á Camara, que Sua Magestade tinha recebido com a benevolencia do costume, a Deputação que Lhe tinha ido apresentar os authographos da Lei que se havia votado na antecedente sessão.
O Sr. Secretario V. as Gouvêa deu copta da seguinte correspondencia:
Um Officio do Ministerio dos Negocios da Fazenda, remettendo a cópia da Portaria que mandou dar, livre de direitos, uma porção de louça pertencente ao C. de Thomar.
Para a Secretaria.
-Do D. Par o Ex.mo Sr. Arrochella, participando que continuando a sua indisposição de saude, não póde emprehender a jornada para Lisboa antes do meado do mez de Fevereiro.
Inteirada.
O Sr. C. de Lavradio — Disse, que na sessão de 12 de Junho do anno passado, tinha mandado para a Mesa uma representação da Camara Municipal de Arrayolos, contra os vexames e irregularidades praticadas naquelle Concelho, relativamente ao lançamento da Decima e Impostos annexos; e que mandava agora para a Mesa alguns documentos, que pela mesma Camara lhe tinham sido remettidos, provando allegado naquella representação, e pedia que entre documentos fossem enviados á Commissão que tinha sido encarregada do exame daquella representação.
O D. Par, aproveitando a occasião de estar presente o Sr. Ministro da Fazenda, pediu que S. Ex.ª attendesse aos clamores que, não sabia se com razão se sem ella, todos os dias se levantavam contra as violencias dos seus Agentes.
E que tendo visto pelo Diario do Governo, que na Camara dos Srs. Deputados se havia apresentado o Projecto da Lei eleitoral, que se mandára imprimir, lho parecia conveniente que S. Em.ª se intendesse com a Presidencia daquella Camara, a fim de que a impressão do Projecto fosse em numero tal, que tambem podesse ser desde já repartido pelos Pares, porque, sondo como era, um objecto importante, convinha que ss fosse maduramente estudando e meditando (Apoiados, resultando ao mesmo tempo alguma economia; e que lembrava que tambem seria bom que se distribuísse pelos membros desta Casa o Projecto sobre a mesma materia, que se tinha principiado a discutir na Camara dos Srs. Deputados nas sessões passadas.
A Camara approvou que os documentos apresentados pelo Sr. C. de Lavradio fossem remettidos á Commissão de Legislação; e bem assim que S. Em.ª se intendesse com a Presidencia da Camara dos Srs. Deputados, relativamente á impressão do Projecto de Lei eleitoral
(Assistiam os Srs. Ministros da Fazenda, Justiça' Marinha, e Estrangeiros).
O Sr. D. de Chancelleiros — Participou que o Sr. 13. da Vargem da Ordem, em consequencia do desgosto que acabava de experimentar pela morte de um seu filho menor, não lhe era possivel assistir á sessão de hoje, e a mais algumas.
Entrou-se na
primeira paute da ordem do dia. Explicações.
O Sr. V. de Algés — Disse que seria breve porque intende que, em regra, todas as explicações devem ser succintas e lacónicas, mormente quando são dadas em uma Sessão diferente daquella em que ss tractára da materia sobre que versavam as explicações.
Querendo fazer saber á Camara a razão por que não concorrera á Commissão especial, de que fizera parte, nomeada para examinar o Projecto de Lei ácerca do curso da moeda, e que já ara Lei, ponderou que, no dia e hora em que a mesma Commissão se tinha reunido, o N. Par estivera officialmente empregado conjunctamente com as Câmaras Municipaes de Lisboa e Oeiras, n'uma vistoria a que se procedêra nos limites dos Districtos destas duas Camaras relativamente á construcção de estradas.
Cumpria-lhe pois declarar, como declarava, que se acaso tivesse concorrido na Commissão concordaria com a conclusão do Parecer, sem que, todavia, podesse concordar com os seus motivos.
Intende que o Projecto contém duas partes essencialmente diversas; a primeira, que respeita ao curso da moeda, acha-a defficiente; a segunda, intende que contradiz os verdadeiros principios por importar, posto que indirectamente, uma medida prohibitiva da exportação da prata, de que resultará o seu maior contrabando. Mas que reconhecendo que o homem politico, o Legislador, posto que conheça a exactidão dos principios, deve ser sempre cauteloso "na sua applicação, visto que lhe cumpro attender ás conveniencias, ou aos mãos resultados, que podem seguir-se da adopção de certos principios; foi debaixo deste ponto de vista que, com quanto não adoptasse a doutrina do Projecto, intendera que servia melhor o seu Paiz approvando o mesmo Projecto, do que rejeitando-o, pois tinha toda a certeza de que ainda que o Projecto, pelas suas providencias, nenhum bem podia fazer, nem destruiria o panico, comtudo tambem estava convencido de que nenhum mal viria delle, visto ser tão limitado o alcance de seus preceitos, embora o tenham alcunhado de medida salvadora, que destruiria o, panico é os graves prejuizos que aliás haveria,
Que a imprensa já se tinha occupado deste objecto, e na Tribuna se tinham expendido bellas idéas e excellentes principios ácerca do mesmo negocio, mas que, na sua opinião, tudo fóra inopportuno, porque esta não era a occasião de se tractar das consequencias que podem resultar dá maior ou menor extracção do oiro da Califórnia e da Sibéria, visto que se tractava de um pequeníssimo Projecto: que a questão devia ser Iniciada em grande, de espaço, com estudo, e circumspecção, e para então o N. Orador se guardava, para ser esclarecido. E como tivera a satisfação de ouvir dizer aos Sr.s Ministro da Fazenda, e Fonseca Magalhães, que aquelle Projecto não fóra o verdadeiro fructo dos trabalhos da Commissão externa; e nem era de esperar que de Commissão tão importante sahisse obra tão pequenas esperava pelos seus trabalhos e desejava que viessem quanto antes, pois era necessario que houvesse um systema monetario, porque não havia paiz. que mais carecesse della que o nosso, onde tudo era cabos a tal respeito, não só por haver
grande desarmonia entre os valores da moeda estrangeira e a nossa, como porque tambem a havia entre os differentes valores da nossa moeda, a qual era necessario regular; e por esta occasião pedia ao Sr. Ministro e aos illustres Membros da Commissão externa que não demorassem o resultado dos seus trabalhos, com os quaes esperava instruir-se, e emitiria então humildemente o seu parecer. Que se entendesse que a materia segundo a sciencia ainda não fóra tractada extensamente na discussão de um Projecto, que por muita indulgencia se consentira que levasse uma Sessão; pedindo-se que a sua materia se julgasse discutida quando ainda se achava alguem inscripto para fallar. Que muito estimaria ter ouvido as rasões, sem duvida muito luminosas, do D. Par, author de Projectos sobre o systema monetario; mas que S Ex.ª, não se dignara esclarecer a Camara e principalmente ao N. Orador, porem que viria tempo em que se conseguiria isso, e que era para então que aguardava motivar o seu voto.
O Sr. V. de Castro: — Ouvi dizer ao D. Par Visconde de Algés, que não era da opinião do Parecer dado pela Commissão, e já approvado por esta Camara, porque elle encontrava os verdadeiros principios economicos: mas eu persuado-mo que S. Ex.ª fará a justiça de acreditar, que os seus collegas da Commissão especial tambem professam esses mesmos principios, e que os sustentariam que se tivessem necessidade disso e accrescentarei, que se o D. Par não tivesse tido motivo justo que o impedido de comparecer na Commissão, elle veria que lá mesmo se produziram esses principias, e saberia quaes foram os motivos que tiveram os membros da Commissão para se desviarem delles no caso de que se trata. Não aceito a censura que acaba de dirigir-me o D. Par, por ficar silencioso quando se discutiu o projecto. (O Sr. V. de Algés; — Eu não me dirigi a V. Ex.ª, o sim ao D. Par author do projecto). Ouvi fallar em Membros da Commissão, mas acceito, e acredito a explicação do D. Par, que agora vejo se dirigia ao meu amigo o Sr. Secretario Margiochi que está presente, e que me persuado teria os mesmos motivos que eu para se não julgar obrigado a responder a objecções que ou foram logo desvanecidas, ou não vinham muito a proposito do pensamento deste projecto.
O D. Par o Sr. C. de Lavradio tractou da origem do panico: — que havia a responder a esta parte do seu discurso por parte dos membros da Commissão? Tractou tambem da relação do oiro com a prata, e das alterações que tem tido em diversos tempos e circunstancias: — que havia a responder a isto, quando se não tractava de estabelecer o systema monetario?
Seguiu-se a fallar o D. Par o Sr. C. da Taipa — e o que fez s. ex.ª? Na parte principal do projecto appoiou a Commissão. Não foi aquelle D. Par de opinião que se devia prohibir o curso legal das moedas de ouro estrangeiras? Não admittiu elle a excepção dos soberanos e meios soberanos inglezes? então que necessidade havia de responder a isto? O Sr. C. da Taipa impugnou, é verdade, o direito de sahida da prata, mas tendo-se já dito que a medida era temporaria não havia necessidade, nem eu tinha realmente fundamentos para contestar principios que não admittem controversia. Ainda no nosso caso de falta de um systema fixo, e determinado, póde acaso o direito de exportação da prata, ou dos metaes preciosos, considerar-se um direito protector ou um direito fiscal? Somos nós fabricantes dos metaes preciosos, ou podemos acreditar que o fisco perceba por estes direitos muito centenares de mil réis? Com que rasão pois se podem pôr tropeços a um ramo de commercio que tende a auxiliar todos os outros?
Tencionei dar uma explicação do meu voto no fim da discussão, mas essa mesma se tornou desnecessaria desde que filiou o meu antigo e nobre amido Sr. Fonseca Magalhães.
O D. Par a que me refiro respondeu muito bem quando disse, que tendo um dos motivos do panico a continuada sahida da prata para fóra do reino, o publico desejava que se fizesse algum cobro nessa sahida, e por isso parecia que, em quanto se não tomavam medidas radicaes, a de se lhe augmentar o direito seria a de mais prompto resultado: — é porém verdade que o D. Par queria que esse direito fosse de SOO réis, mas ouviu na Commissão algumas rasões que o convenceram e levaram a approvar o direito de 1$000 réis. Ora, Sr. Presidente, em um commercio que, quando muito, dá meio, ou um por cento de lucro, pareceme que tão prohibitivo se póde considerar o direito de 6 por cento, como o de 12 por cento, que é pouco mais ou menos o de 1$000 réis: quando eu remetto prata para França ou Inglaterra posso logo saccar sobre esta prata: — é por tanto uma operação que eu possa realisar, não quanto aos lucros mas quanto ao embolso do dinheiro, dentro de vinte e quatro horas: ora, já se vê que transacções que se apuram tão rapidamente não são para grandes lucros, e eis-ahi a rasão porque o D. Par o Sr. Fonseca Magalhães ouviu demonstrar na Commissão, que não valia a pena de fazer voltar o projecto á outra Camara, pala differença do direito de 500 réis em vez de 1$000 réis, visto que, tanto um como outro direito se podiam reputar prohibitivo.
São pois estas, Sr. Presidente, as razões por que nenhum dos membros da Commissão deste lado da Camara pediu a palavra: e por agora sómente direi que quando se tractar de fixar o nosso systema monetario, de que vejo com muito gosto se occupa a competente Commissão creada pelo Governo, eu desde ja me comprometto a votar, porque não haja direito algum de sahida nos metaes preciosos, nem tão pouco o chanudo senhorial na Casa da Moeda, porque, Sr. Presidente, estes são os verdadeiros principios (Apoiados). Nós não temos hoje systema monetario, porque o nosso antigo systema está transtornado pela immensa legislação que se tem accumulado, e como
o novo systema não póde deixar de ser filho de muita meditação, não havia remedio senão apressar alguma medida. Confessa-se que esta não fará mal. Já isso não é pouco, mas eu espero que algum bem ha-de fazer, o, segundo o affirmou o Sr. Ministro, algum já tem feito só a sua proposta. Espero isto tanto mais quanto não tenho os mesmos receios do contrabando que tem outros D. Pares. Persuado-me que o contrabandista tendo generos em que exercitar a sua vil industria, que pagam 50 e 100 por cento, e alguns dobem pequeno volume, não preferirá este em que os direitos são comparativamente tão módicos, e os lucros tão insignificantes.
Eis-aqui os motivos por que todos os membros que concorreram na Commissão votaram, neste caso especial, contra os principios que professam, e que tão sensatamente expozeram alguns D. Pares do outro lado da Camara, alludindo á liberdade do commercio. Entenda-se porém, e peço perdão á Camara de invocar a sua attenção para este ponto, que, respeitando o principio, não o entendo adaptável sem uma attenção muito especial ao tempo, aos habitos, aos interesses creados, e a mil outras circumstancias.
Os principios não podem fixar-se bem na nossa consciencia sem um profundo estudo, mas a sua applicação pratica ainda demanda mais estudo e mais tenacidade de observação. Nada favoreceria melhor a indolencia do Estadista do que reduzir P principio a Lei do Estado, e cumprir-se com a authoridade dos homens da sciencia para que tivessemos fé no seu resultado. Quanto individuos ou classes inteiras lhe demonstrassem a sua imminente mina, respondia-lhos que tivessem fé na doutrina, e esperassem pelo futuro.
Sr. Presidenta, o luminoso principio economico da liberdade do commercio prumaram-no até a' evidencia os grandes homens da sciencia, cujos nomos a historia tem de conservar por muitos seculos, mas esses mesmos homens legaram aos politicos das diversas nações o encargo de irem caminhando para o novo systema gradualmente e sem abalos, e ellas assim o vão fazendo.
Ainda ha pouco vi com bastante surpreza no Diario do Governo uma proposta de um caracter bem generico: se taes idéas se adoptassem em globo, desgraçada nação a que ellas se applicassem (Apoiados). A meta a que nos devemos dirigir é a liberdade de commercio, assim é: mis aos homens que estão á justa dos Governos é a quem pertence dirigir com prudencia nossos passos para desviarem o paiz dos grandes transtornos que lhe poderiam resultar de medidas tomadas intempestivamente, e fóra de occasião (Apoiados).
O Sr. C. de Lavradio — Cede do direito que tinha para dar explicações, limitando-se a pedir ao Sr. Ministro da Fazenda que lêa com attenção o Parecer dado ultimamente pela Commissão especial da Assembléa franceza.
O Sr. Ministro da Fazenda — Eu vou dizer poucas palavras em resposta aos D. Pares os Sri. C. do Lavradio, e V. de Algés: — esta ultimo D. Par recommendou ao Governo e á Commissão que elle nomeou, que apressem os seus trabalhos. — póde S. Ex.ª ter a certeza Me que o Governo, e todos os Membros dessa Commissão estão animados do mesmo desejo, e posso certificar-lhe que uns e outros se têem occupado incessantemente deste negocio, e que com o mesmo zêlo continuara a occupar-se delle. Ao D. Par o Sr. C. do Lavradio peço licença para observar que a situação da França não é a mesma, que a nossa: a França tem a sua perita amoedada para o ouro amoedado em proporção de 1 para 15: entre nós desde que o marco de ouro amoedado foi elevado ao valor de 128$000 réis, a relação entra a moeda de prata, e a do ouro é a de 1 para 4; o que deixa á prata um valor muito inferior «o que lhe pertenci. Além disto em França no teem curso legal as moedas estrangeiras. Devo observar tambem que é um grande erro o querer intentar, que deste augmento do direito não ha-de resultar bem nenhum: a não ser assim, a não offerecer este augmento de. direito um obstaculo á exportação da prata, não se haviam ter feito tantos caliços para a despachar antes que a Lei passasse: nem o contrabando que se faz em alguma» parcos do Reino com certos gateiro para servir de argumento; porque era necessario que este contrabando se fizesse em Lisboa, o que não é exacto; ou que se transportasse a prata para esses portos, o que tornaria o contrabando inutil para despezas, que occasionaria o transporte. Nada mais preciso accrescentar depois das luminosas observações que acabou de fazer o D. Par o Sr. V. de Castro, e concluo dizendo, que sendo esta questão espeto grave, e talvez a mais grave que hoje occupa a Europa, não podemos nem devemos tomar qualquer medida precipitada da qual necessariamente haviam de resultar muitos males (Apoiados).
O Sr. V. de Algés — Observa que bem fizera o Sr. V. de Castro em se aproveitar da occasião para faltar da materia; mas que, o N. Orador, quando dissera ter sentido não ouvir a algum D. Pire, não tiniu, por modo nenhum, alludido a S, Ex.ª, nem aos dignos Membros da Commissão em geral, pois não tinha motivo para isso, e até era de observar que o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, que era Membro da Commissão Especial, tinha fallado sobre a materia: que a quem alludira, era consequencia da sua capacidade, e posição espacial, fóra ao Sr. Margiochi, que todos sabiam, que tendo-se dado muito a estes trabalhos, apresentára na Camara dos Purés dois projectos de lei, que se achavam na Commissão de Fazenda, e que tinham sido publicados nos Diários do Governo n.º 50 e 85 de 1818, por ordem da Camara, como homenagem ao seu merecimento, e que ninguem perderia tempo em os examinar: portanto, tendo se S. Ex.ª applicado a esta materia e sendo agora Membro assim da Commissão interna, como da externa, era justamente a quem tinha alludido, e por maneira nenhuma ao Sr. V. de Castro, e que se acaso se referisse a S. Ex.ª, nenhuma duvida teria de o dizer, e o havia de