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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 8 DE FEVEREIRO DE 1865

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

VICE-PRESIDENTE

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Mello e Carvalho

(Assistia o sr. ministro da guerra.)

Pelas duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 49 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da sessão antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. Secretario (Conde de Peniche): — Mencionou a seguinte correspondencia.

Officios do ministerio da fazenda enviando os autographos dos decretos porque se expediram as cartas de lei auctorisando a camara municipal de Villa Nova de Portimão a vender em hasta publica o edificio situado na mesma villa, denominado Guarda Velha, e applicar o seu producto ao acabamento do novo cemiterio.

- Auctorisando o governo a aforar ou subrogar os terrenos e predios urbanos separados, mas dependentes dos palacios, jardins e quintas pertencentes á casa real.

- Auctorisando a reducção a um por milhar do direito de 2 por cento a que estão sujeitas as baldeações de mercadorias.

- Concedendo aos directores geraes e aos chefes de repartição do thesouro publico a gratificação annual de réis 180$000.

- Approvando a pensão annual de 240$000 réis, concedida ao presbytero Manuel Antonio Rodrigues.

- Prorogando o praso estabelecido para a percepção do direito do mel, melaço, e melado estrangeiro, que entrar pela alfandega do Funchal.

ORDEM DO DIA

A INTERPELLAÇÃO DO DIGNO PAR O SR. SEBASTIÃO JOSÉ DE CARVALHO AO SR. MINISTRO DA GUERRA

O sr. Presidente: — O digno par Sebastião José de Carvalho tem a palavra.

O sr. S. J. de Carvalho: — Entende conveniente precisar os termos da nota de interpellação que ha poucos dias mandou para a mesa, e deseja que o digno ministro declare:

1.° Se s. ex.ª considera contrarias ás disposições disciplinares que regem no exercito as representações que os officiaes dos corpos de artilheria dirigiram ao commandante geral da sua arma.

2.° No caso affirmativo, qual é o acto do governo que desapprovou essas representações; e no caso negativo, qual é o acto do governo que revogou a ordem do exercito de 26 de julho de 1811, e a disposição n.° 51 do regulamento disciplinar de 31 de setembro de 1856.

Depois da resposta do sr. ministro fará as reflexões que lhe parecerem necessarias.

O sr. Ministro da Guerra (Ferreira Passos): — Não consta no ministerio da guerra, nem em parte alguma, que tenham sido dirigidas representações ao commandante geral de artilheria; o que consta é, que lhe foram dirigidas felicitações de alguns officiaes, e, como não ha lei nenhuma que prohiba aos officiaes felicitarem os seus superiores, o ministerio da guerra não podia nem devia tolher aos militares o direito de cidadão que por lei lhe pertence. Parece-me ter respondido ao digno par.

O sr. S. J. de Carvalho: — Usando largamente da palavra interpellando o sr. ministro da guerra, procurou provar que o illustre ministro não desapprovando as representações que ao commandante geral de artilheria haviam sido dirigidas por alguns officiaes da mesma arma, havia permittido a infracção da ordem do dia de 26 de julho de 1811 e artigo 51.° do regulamento disciplinar de 30 de setembro de 1856.

Tentou provar quo não estando revogadas por acto algum do governo as citadas leis militares, e estando comprehendidas na letra expressa das suas disposições as representações a que alludiu na nota de interpellação, o sr. ministro as tinha permittido por mera rasão de deferencia pessoal para com o general a que ellas se referiam. Indicando os factos que faziam prova d'essa deferencia, disse que o sr. ministro contra o estabelecido por uma praxe constante nomeara para commandante effectivo de artilheria o general Lobo d’Avila, havendo dois officiaes generaes mais antigos que pela praxe deviam preferir ao dito general. Que este facto era aggravado pela circumstancia de que o general a que alludia se achava na occasião da nomeação sob o peso de gravissimas accusações formuladas na imprensa.

Fazendo largas considerações sobre o facto de haver sido condecorado com a medalha militar o mesmo general, accusou o sr. ministro de haver infringido as disposições de regulamento de 22 de agosto do 1864.

Disse que pelo mesmo regulamento, a designação de especie da medalha cabia apenas ao supremo conselho de justiça militar, mas que referindo-se a consulta do mesmo tribunal apenas á concessão da medalha de prata, o illustre ministro havia infringido a lei que elle proprio referendara. E leu um documento onde lhe pareceu ver a officiosa intervenção de uma terceira pessoa, que não sabia quem seja por não o ter assignado.

O sr. Ministro da Guerra: — Se V. ex.ª dá licença eu dou já uma explicação.

O sr. S. J. de Carvalho: — Com muito gosto.

O sr. Ministro da Guerra: — É costume nas secretarias que qualquer objecto que a ellas é dirigido vá á repartição competente, para esta dar o seu parecer sobre elle. Ora este objecto de que se trata, é daquelles que o empregado competente não costuma assignar, isto não é officio nem consulta, é simplesmente uma exposição em que a repartição emitte a sua opinião, e com a qual o ministro se conforma, ou deixa de se conformar; se se conforma põe á margem, conformo-me, e se não se conforma, põe, não me conformo, e manda expedir o que julga conveniente. Este negocio correu com a maior regularidade, como todos os negocios na minha repartição. Estes papeis foram todos remettidos ao supremo conselho, para consultar.

Voltaram depois á repartição competente, que é dirigida por uma digna pessoa;, o tenente coronel do estado maior, Lacerda, insuspeito a este respeito porque não pertence ao partido que o general Lobo d’Avila segue, e que deu o parecer que vou ler (leu).

Julgo que isto é o mesmo que esta no papel que o digno par o sr. S. J. de Carvalho leu.

O sr. S. J. de Carvalho (continuando): — Disse que o sr. ministro havia feito a proposta da medalha militar ao general Lobo d’Avila, em 30 de setembro de 1864, e que por portaria da mesma data dirigida ao supremo conselho de justiça militar avocara a si todos os processos que naquelle tribunal se estavam preparando para a concessão das medalhas a differentes officiaes; e que subindo a quasi dois mil esses processos, o primeiro que o illustre ministro despachara fôra o do general Lobo d’Avila.

Fazendo varias considerações a este respeito, disse que este facto provava a inqualificavel deferencia do ministro para com o general; o que pela sua grande significação autorisava a suspeita de que a portaria de 28 de setembro de 1864, pela qual o sr. ministro irregularmente modificara uma disposição do decreto de 2 de outubro de 1863, que creára a medalha militar, só teve em vista fazer com que o dito general podesse, á face das disposiçoes da lei, ser agraciado com a mesma medalha. Que não insiste principalmente sobre este ponto por lhe não haverem sido fornecidos os esclarecimentos que pediu com relação a algumas notas que sabia acharem-se nos livros, da secretaria da guerra com referencia ao mesmo general.

Declarou que, se taes notas lhe não fossem fornecidas, proporia a nomeação de uma commissão de inquerito para o exame rigoroso dos livros onde essas notas devem estar lançadas.

O sr. Ministro da Guerra: — Sr. presidente, as notas ainda não estão acabadas de tirar, porque ellas dizem respeito a abonos e vencimentos dos officiaes; e como estão escriptas em muitos livros, por isso levam bastante tempo. Quando estiverem promptas eu as remetterei.

O sr. S. J. de Carvalho (continuando): — Logo que ellas cheguem ha de fazer uso dellas, seja qual for o estado d'esta discussão; e ainda depois de finda, apenas veja ensejo favoravel.

O orador tem mostrado que não deseja polluir a tribuna parlamentar com questões pessoaes. Hoje acha-se aqui uma, mas consola-o a lembrança de que não foi elle que a trouxe. Foi por um lado o sr. ministro da guerra, que respondeu á opinião publica indignada, reclamando uma satisfação á moral, escolhendo o general que deveria ter sido dispensado do commando interino, escolhendo-o entre mais de mil pretendentes para lhe conceder as medalhas militares, e nomeando-o para o commando effectivo; foi por outra parte o proprio general que, vendo a gravidade das accusações que se levantavam contra elle, suspendeu-se a si mesmo das funcções de legislador; passo honroso que o sr. ministro não quiz, ou não soube imitar, suspendendo-o tambem do commando...

O sr. Ministro da Guerra: — Sr. presidente, as accusações que o digno par o sr. Sebastião José de Carvalho me fez, parece-me que assentam em tres pontos. Primeiro, por tolerar as representações que se dirigiram ao commandante geral de artilheria; segundo, por ter concedido indevidamente a medalha de oiro ao general Francisco de Paula Lobo d'Avila; e terceira, por conservar o dito general no commando de artilheria, depois do que appareceu contra elle nos periodicos. Ao primeiro responderei o que já disse, isto é, que estas manifestações, saudações, ou felicitações, nunca se podiam chamar representações, nem estar comprehendidas nas ordens do exercito do marechal Beresford, que o digno par acaba de apontar, porque n'essas ordens falla-se em certificados, e estas manifestações não o são, nem são representações, por conseguinte não posso, como já disse, impedir que um official ou officiaes usem dos direitos de cidadãos, expendendo vocalmente ou por escripto os seus sentimentos, sem que isso offenda a disciplina militar. O segundo ponto é relativo á concessão das medalhas. O processo que diz respeito a este facto, foi mandado para a mesa e examinado pelo digno par. S. ex.ª encontra n'elle grandes irregularidades, eu não as encontro. O supremo conselho de justiça militar foi consultado antes de ser dada a medalha ao general Francisco de Paula Lobo d’Avila.

O sr. S. J. de Carvalho: — Foi a de prata, e não a de oiro.

O Orador: — Foi a de oiro, porque não me conformei com a consulta.

Sr. presidente, o digno par diz que o processo esta irregular, portanto quem ha de decidir esta questão?

Uma poz: — A camara.

O digno par diz, que eu não consultei o supremo conselho de justiça militar; consultei, e a prova esta ali no processo, mas não me conformei com essa consulta, porque segundo ella, pertencia ao general Lobo d’Avila a medalha de prata e foi-lhe concedida a de oiro, em vista do que esta expresso no § 1.° do artigo 4.° da lei de medalhas, que já li, e que não lerei outra vez para não cansar a camara. Isto é uma questão interminavel. O digno par diz que não cumpri a lei, eu digo que a cumpri; a camara é que ha de decidir.

Relativamente a conservar o general Francisco de Paula Lobo d’Avila no commando de artilheria, eu não podia nem posso exonerar um official do logar que exerce sem ser por conveniencia do serviço ou elle commetter um delicto, não consta no meu ministerio que este official tenha commettido delicto algum. A sua conducta esta illibada, e eu não posso fazer obra pelo que dizem os periodicos. Eu procedo segundo a lei, por conseguinte conservo o general no commando de artilheria, e hei de conserva-lo emquanto a lei me auctorisar. E o que tenho a responder ao digno par.

Sr. presidente, emquanto ás desconsiderações que o digno par disse que eu tinha tido com os officiaes generaes, permitta-me s. ex.ª que lhe diga que me fez uma grave injustiça, e appello para a consciencia dos dignos officiaes generaes a quem se referiu o digno par. Nunca desconsiderei pessoa alguma, nem hei de desconsiderar, principalmente generaes probos como aquelles que o digno par indicou. Se estes generaes não têem sido condecorados com as medalhas de valor militar que lhe pertencem, e de bons serviços e comportamento exemplar, é porque a não têem requerido. Eu ainda não propuz medalha a pessoa alguma sem que a requeresse, porque não sei se querem usar d'essa insignia; ha muitos officiaes que capricham em não as usar, isso é da consciencia de cada um. O official que requerer ser condecorado com a medalha de valor militar, de comportamento exemplar e bons serviços, ha de ser attendido sempre, como tem sido, e como consta dos processos que estão em andamento.

Emquanto a chamar os processos todos que estavam no

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supremo conselho foi uma necessidade, e appello para o testemunho do digno par o sr. conde de Mello, porque tendo o supremo conselho de justiça militar de consultar sobre os requerimentos dos officiaes era necessario ministrar-lhe todos os esclarecimentos que existem no ministerio da guerra, onde estão todos os livros e informações que podiam instruir os requerimentos dos pretendentes; acordou-se que todos os processos fossem ao ministerio da guerra, para irem d'ali ao supremo conselho instruidos com todas as informações.

Eu tornarei de passagem á primeira questão.

Vejo que se notou que na manifestação do coronel e mais officiaes do regimento de artilheria n.° 4, apparece a seguinte palavra (leu).

Esta palavra significa quasi o mesmo que o digno commandante geral de artilheria, que desejou deixar aquelle serviço, diz na sua ordem de despedida, como eu vou provar (leu).

Estas expressões, proferidas pelo veterano da artilheria, pelo nosso mestre, não podiam ser interpretadas de outra maneira. Quando se diz que se deseja que se faça saír a arma do marasmo em que tem estado, é dizer o mesmo que disse o nosso respeitavel commandante, e por isso não acho n'estas palavras cousa alguma contraria á disciplina, nem em todos os mais documentos a que se referiu o digno par.

Parece-me ter dito o que me cumpria.

O sr. S. J. de Carvalho: — Vê na defeza do illustre ministro a prova mui cabal do rigor de suas apreciações, que tratou de corroborar, pondo em frente dellas as respostas que a camara acaba de ouvir.

Finalmente, sentindo-se fatigado e que não podia continuar, mandou para a mesa a seguinte proposta, para servir de thema á discussão, na qual espera poder tomar parte:

«Tendo alguns officiaes da arma de artilheria feito publica uma manifestação collectiva em abono dos dotes moraes e qualidades militares do general commandante daquella arma;

«Considerando que taes representações ou manifestações collectivas são absolutamente prohibidas pela ordem do dia de 21 de julho de 1816 e regulamento disciplinar de 30 de setembro do 1856, por serem offensivas da disciplina do exercito;

«Considerando que o silencio do sr. ministro da guerra constitue a approvação tacita do taes manifestações:

«A camara dos pares, sentindo que as regras de disciplina e moralidade não fossem attendidas, passa á ordem do dia. = Sebastião José de Carvalho.»

N.B. Publicar-se-hão na integra os discursos do digno par, logo que os haja revisto.

O sr. Baldy: — Observa que a ordem do dia a que se referiu, e que leu o digno par, é menos uma lei do que um conselho; pelo menos, desde 1834 até hoje, sempre se fizeram d'estas felicitações, ou passaram estes attestados, sem que ninguem tenha sido reprehendido, que elle saiba. Algumas se' dirigiram a elle' orador pelos seus subordinados, quer quando foi nomeado commandante geral, quer quando foi levado ao pariato.

O orador, que ama do coração a arma de artilheria a que pertence, não podia deixar passar a aggressão que lhe parecia haver nas palavras do digno par interpellante, sem dizer duas palavras em defeza d'esses officiaes, a quem é devedor dos mais subidos testemunhos do consideração. Esta bem certo de que lhes não roçou pela idéa nem pelo coração a intenção de desvirtua-lo, quando na exposição que aqui se leu inseriram palavras de magua pelo marasmo em que se acha esta nobre arma, precedida de causas que desnecessario lhe parece referir, e que já existiam no seu tempo, como é facto geralmente sabido, o consta de igual queixa por essas ou outras palavras nas felicitações que lhe dirigiram.

Parece-lho que bem fez o sr. ministro em não suspender o general aggredido, porque não ha accusação contra elle de ter commettido, crime; e pelo que respeita á questão em que tem sua origem a discussão actual, tendo, como tem, um caracter duvidoso, preferiria que o digno par interpellante tivesse esperado que se fizesse publica a defeza do general, para que a accusação podesse por ella ser contrastada.

O sr. Conde de Mello: — Não occuparei por muito tempo a camara, no que vou dizer. Eu não tinha idéa de tomar parte n'esta interpellação, mas pareceu-me não dever ficar silencioso desde que o digno par o sr. Sebastião José de Carvalho começou a alludir ao supremo conselho de justiça militar, por isso que tendo eu a honra do fazer parte d'elle, me julguei obrigado a justificar a maneira porque este tribunal tem procedido sempre nas consultas que tem dirigido ao governo para a concessão de medalhas.

O primeiro decreto, ou para melhor dizer o decreto que creou estas condecorações foi acompanhado de um regulamento que d'elle fazia parte, e marcava o modo porque o tribunal devia proceder para com os requerimentos, o em vista d'estas prescripções, e das circumstancias de cada um, consultava o governo sobre a qualidade e quantidade de medalhas que se deviam conceder; porque se podem dar até tres; isto é, de cobre, de prata, e de oiro, e esta ultima até com pensão. O regulamento determinava tambem que os commandantes das armas especiaes mandassem directamente ao supremo conselho de justiça militar estas supplicas, assim como que os generaes commandantes das divisões militares o fizessem quanto ás dos officiaes que estavam debaixo das suas immediatas ordens, juntando uns e outros os seus pareceres sobre essas pretensões; isto é, se eram bem fundadas ou não.

Logo que o supremo conselho de justiça militar teve conhecimento d'estas novas attribuições que se lhe conferiam; em sessão plena, discutindo o modo porque se devia executar o regulamento, resolveu que os documentos apresentados mais ainda do que os pareceres dos generaes fossem a base em que devera fundar o seu juizo, a fim de que a paixão não tivesse parte na apreciação dos serviços. Era pois sobre os documentos, que o conselho formulou a sua consulta que subiu ao governo. O escrupulo com que o conselho supremo sempre se houve no exame d'esses documentos será reconhecido pela camara, em vista de um pequeno exemplo que eu vou citar.

Apresentou-se entre quinhentos e tantos requerimentos que foram consultados pelo primeiro methodo, o requerimento de um capitão. Esse official apresentava um attestado de assentamento de praça, porque é necessario para se conceder a medalha este attestado tirado do livro de registo; juntava a este documento as boas informações relativas ao seu serviço nos postos de alferes, tenente e capitão, e pedia a medalha correspondente aos serviços que allegava. Eu era o relator n'este processo, e examinando com a attenção devida aquelles documentos, achei tudo bom, desde o posto de alferes até ao de capitão, mas notei que havia uma lacuna desde o dia de assentamento de praça até áquelle em que tinha saído alferes; e como era expresso no decreto que desde o assentamento de praça até ao dia da concessão da medalha a conducta do militar fosse a todos os respeitos illibada, requisitei do governo as informações que faltavam, porque eu queria saber qual havia sido o procedimento do pretendente até ao posto de alferes, e disse no tribunal que emquanto se não provasse que aquelle militar tinha tido sempre boa conducta não se podia fazer a concessão que elle pedia. Effectivamente procuraram-se as informações necessarias, andou-se de corpo para corpo até que a final se achou que sendo sargento tinha tido baixa de posto porque havia commettido um crime gravissimo. A vista d'isto o tribunal consultou que não podia ter a medalha.

As consultas do tribunal foram constantemente approvadas pelo governo, e aquelles quinhentos e tantos militares que assim as pediram todos elles tiveram a medalha que na minha consciencia, e na de todos os meus collegas haviam merecido. Assim íamos procedendo quando appareceu a portaria a que se referiu o digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho, a qual alterou o segundo artigo do decreto, fundando-se n'uma consulta que o tribunal tinha feito subir ao governo sobre outro objecto, mas que o governo julgou applicavel ao citado artigo, dando por isso mais latitude para a concessão da medalha.

Ora, é necessario que se saibam os motivos o phrases da consulta a que o sr. ministro se referiu n'essa portaria. O caso foi este: O governo havia recebido o requerimento de um capitão de engenheiros, em que pedia o habito de Aviz, porque contava mais de vinte annos de bom serviço; tinha comtudo uma pequena nota, a qual era de que anteriormente a estes vinte e tantos annos de bom serviço, no tempo do usurpador, quando o marechal duque da Terceira chegava a Almada, elle tinha saído de Lisboa e seguido o exercito do usurpador. O tribunal chamado a dar o seu parecer, procedeu aos exames mais minuciosos, e tudo quanto ha escripto sobre a concessão do habito de Aviz aos officiaes, pela determinação da Senhora D. Maria I, alvarás, portarias, emfim tudo quanto n'esta materia foi escripto, tudo foi examinado, o d'ahi se colligiu o seguinte: que em nenhuma das disposições a tal respeito se notava que era preciso que o official que requeria o habito do Aviz tivesse tido desde o seu assentamento de praça, uma conducta tal que não merecesse a mais pequena reprehensão.

Neste sentido consultou o governo, dizendo que não encontrando nenhuma disposição nos referidos decretos e alvarás, que inhibisse os officiaes de obterem estes premios, por terem uma vez commettido uma falta, comtanto que nos ultimos vinte annos o seu comportamento fosse bom; entendia que tendo aquelle official merecido a confiança do governo para o promover a alferes, passar depois a tenente, e finalmente a capitão, desempenhando commissões importantissimas de que fóra encarregado pelo governo, que se lhe deviam contar os vinte annos de serviço da epocha que tinha feito o seu requerimento, em que apresentava não só vinte annos de bom serviço, mas vinte e cinco; e que emquanto á sua saída de Lisboa, que reputava um crime, sem que o supremo conselho de justiça militar quizesse lavar esta nodoa, fazia comtudo a observação de que tendo saído do collegio militar, e sendo seu pae um acérrimo defensor do usurpador, tinha ido com elle para fóra da capital, mas que na primeira occasião que teve, abandonou logo as bandeiras da usurpação. O governo conformou-se com esta consulta e concordou em que a contagem devia ser feita pelo modo porque o conselho consultara, por isso veiu com aquella disposição dizendo: que tantos annos de bom serviço, ainda que houvesse uma prisão correccional, que não importasse infamia, isso não seria obstaculo para a concessão da medalha.

Recebida esta - portaria no supremo conselho de justiça militar, o qual n'este caso só é um tribunal consultivo, e por isso não lhe incumbe ver se um decreto póde ser revogado por uma portaria, porque o que lhe cumpre é executar as ordens do governo, deu cumprimento a esta portaria.

Passado pouco tempo veiu a segunda portaria, que, como disse o sr. Sebastião José de Carvalho, era para avocar todos os requerimentos e documentos que estavam no supremo conselho, mas que já estavam em principio de processo, outros que ainda não estavam vistos pelos relatores, e na epocha a que s. ex-a se referiu foram mandados ao sr. ministro mais de mil, e entre elles aquelle a que alludiu o digno par, do general Lobo á Avila, de que a sorte fez com que eu fosse relator.

Repetirei aqui francamente o que. disse já no principio d'isto, a que não chamarei discurso, porque o não é. Eu disse que o supremo tribunal de justiça militar tinha estabelecido que a base para se apreciarem os serviços dos militares não seria a informação do commandante, e portanto devia fazer obra pelos documentos que provassem o bom serviço e não pelas informações desses commandantes; mas que o caso aqui era differente, porque este processo fôra examinado pelo sr. ministro da guerra, e s. ex.ª é aquelle que, como ha pouco disse, tem o poder de conformar-se ou recusar o parecer do supremo tribunal de justiça militar exarado na sua consulta, e quando o sr. ministro da guerra na remessa d'estes processos diz que acha o requerente com direito ás tres medalhas, tem claramente demonstrado o que tencionava fazer a este respeito, não podendo por isso ter applicação a resolução que o conselho tomára a respeito dos pareceres dos generaes que acompanharam os requerimentos dos seus subordinados.

Já disse que a sorte me fez 'ser relator d'este processo; á vista d'elle, disse eu, e repito agora, que não podia considerar o sr. ministro da guerra no mesmo caso em que nós considerámos os generaes de divisão e os commandantes das armas especiaes, porque s. ex.ª estava n'um caso especial, porque era a quem competia apreciar a nossa consulta e apresentar a sua proposta a Sua Magestade para a graça ser conferida; e neste caso, por haver uma commissão especial fóra do supremo tribunal de justiça militar que examinava os documentos, eu entendia que as attribuições que se haviam conferido ao tribunal para este caso tinham caducado, mas que não desejando estabelecer conflictos com o governo, que me limitava a mandar escrever na consulta palavra por palavra a opinião do sr. ministro, e que a assignaria como relator. O conselho assim entendeu tambem, e assim o fez; e como a medalha de oiro é uma excepção, e esta excepção não vinha mencionada, tendo-se aliàs examinado escrupulosamente os documentos, entendi eu e os meus collegas que a medalha que devia ser dada a este official era a medalha de prata, e n'este sentido lavrou-se esta consulta (leu).

Foi a primeira vez, que com pesar meu, sendo relator de um processo não mereci a consideração do governo (apoia' dos). Aqui não ha o desejo de atacar, nem de defender, o que faço é narrar simplesmente um facto (apoiados). Coube-me por sorte examinar este processo, que é desagradavel para mim, porque sendo eu o relator, e tendo até proposto que fosse copiada na consulta a opinião do sr. ministro, porque era quem devia julgar boa ou má a consulta, e propor a Sua Magestade o que julgasse conveniente, fizesse depois uma cousa muito agradavel para o agraciado, porque é melhor a medalha de oiro do que a de prata, mas contraria ao que o supremo conselho de justiça militar julgou que os actos praticados por aquelle official mereciam (apoiados). Se julgou bem ou mal não sei, mas posso asseverar, que julgou em sua consciencia, e demais, conformando-se com a opinião do sr. ministro, como acabo de demonstrar, não tenho mais nada a dizer, esta é a historia verdadeira do que se passou; fizemos obra por portarias, porque nos julgámos obrigados a isso, e o supremo conselho de justiça militar sobre a materia sujeita, não é senão um tribunal consultivo (apoiados).

Mas agora quanto á outra questão, permitta-me o sr. ministro o a camara tambem, que diga mais algumas palavras, que se não são relativas ao objecto de que acabo de tratar, prendem comtudo a outro que eu tenho obrigação de attender como general, que tenho a honra de ser, e como official empregado n'uma posição tão alta como a de vogal do supremo conselho de justiça militar, tendo por isso que estar ao corrente das leis. Eu sinto muito discordar primeiro com o sr. ministro da guerra, e em segundo logar com o nobre general Baldy, em relação á sua opinião a respeito das felicitações.

No meu entender ha certificados e ha felicitações, que são umas mais admissiveis do que outras; eu entendo que as felicitações que recebeu o sr. general Baldy no seu quartel, de mão para mão, as podia guardar na sua gaveta, como s. ex.ª disse que fizera, porque não offendiam nem do modo mais remoto a disciplina militar (apoiados). Mas não entendo do mesmo modo as felicitações que se mandam publicar pela imprensa, de um certo modo ameaçadoras (apoiados); e eu considero que a ordem do dia do marechal Beresford, de 26 de julho de 1811, a que se referiu o digno par o sr. Sebastião José de Carvalho, contém os verdadeiros principios de disciplina, e que embora não esteja em uso, como não esta ainda revogada, estimaria muito que o sr. ministro da guerra a mandasse pôr em pratica, porque, por mais que se diga, eu sou da opinião que os officiaes militares, que estão servindo debaixo das ordens de um commandante, não têem aquella liberdade de acção que se deve permittir a todos os outros cidadãos (apoiados).

Eu já fui commandante de um corpo, e lembro-me que uma vez, tratando-se de eleições, o general que me commandava exigiu de mim que fizesse votar os meus officiaes n'um lista que me apresentou; respondi-lhe, e tenho vivas muitas testemunhas, que não fazia aquillo que censurava nos outros, e que entendia que para ter força no meu regimento não devia exigir senão o que os outros tinham obrigação de cumprir, e aquillo não era serviço militar; aceitei a lista para mim, mas declarei que não a impunha aos outros.

No quartel soube-se isto, e os officiaes vieram procurar-me e disseram-me que estavam promptos para fazer o que eu quizesse, porque era o seu commandante. Ora isto é o que se faz sempre, e por consequencia é necessario evitar que se manifestem os desejos dos superiores, porque desgraçadamente a nossa classe militar não é tão abastada que possa desprender-se da posição que occupa para dizer que se recusa a uma cousa que sabe que é do agrado do seu commandante. Para bem da disciplina peço ao sr. ministro da guerra que mande pôr em vigor o que ainda não esta

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revogado e s. ex.ª que tem dado tantas provas de honradez e do interesse que tem pelo exercito, e que sabe quanto eu o estimo, não tomará de certo estas minhas observações ma. ataque, e só como um desejo que nutro pelo bom nome da classe militar, a que tenho a honra de pertencer

O sr. Presidente: — Agora tem a palavra o sr. S. J. de Carvalho, mas não sei se o sr. ministro da guerra que tambem esta inscripto, quer aproveitar-se da preferencia que a camara lhe concede.

O sr. Baldy: — Eu tambem desejava fazer um pequeno addicionamento ao que ha pouco acabei de dizer.

O sr. S. J. de Carvalho: — Deseja saber se, como auctor da proposta, tem direito a fallar mais de duas vezes.

Vozes: — Tem, tem.

O Sr. Baldy: — Disse que as representações a que se referira? tambem, tinham sido impressas.

O sr. Ministro da Guerra: — Cumpre-me declarar que não foi só a respeito do general Lobo d'Avila, que o governo não se conformou com a consulta do supremo conselho de justiça militar; tambem não se conformou com a que dizia respeito ao tenente coronel do corpo d'estado maior o sr. Antonio de Mello Breyner. O parecer da commissão é este que vou ler (leu).

Por consequencia, foram concedidas duas medalhas de prata, em logar da medalha de oiro, proposta na consulta supremo conselho de justiça militar.

O sr. Conde de Mello: — Basta ouvir o nome do official, a que se referiu o illustre ministro, para se conhecer que não posso tomar parte n'este negocio actualmente, e que fui estranho a elle quando no supremo conselho se fez a consulta que lhe diz respeito.

O sr. S. J. de Carvalho. — Queria que a defeza fosse larga, que tivesse obtido mais vantagens que a accusação, mas que o sr. ministro a apresentára tal, que augmentou a gravidade das censuras, o que passou a mostrar. O sr. Baldy que appellou para o seu coração, que appellou para a benevolencia, não se atreveu a appellar para a lei, porque viu ser-lhe contraria; e que embora lhe chamasse conselho, não é menos certo que, seja qual for a fórma, é lei porque ha uma prohibição com a voz imperiosa do mando, que é a vóz da lei.

O sr. ministro propondo as medalhas podia ter proposto desde logo a especie dellas, para que o conselho podesse examinar os documentos, e se sim ou não elles auctorisavam a qualidade das medalhas; e se esta especie só posteriormente lhe foi suggerida pela repartição da secretaria, deveria para proceder com regularidade mandar consultar de novo o conselho sobre essa especie. Tambem nota que se os generaes a que se referiu não têem a medalha por a não terem requerido, por essa mesma rasão não deveria o sr. ministro da-la ao sr. general Avila, que tambem a não requereu; ao menos no processo que se lhe mandou da secretaria não appareceu requerimento, que deveria ser a base de todo o processo.

Lastima que o sr. ministro dissesse ter tolerado as representações por serem em louvor! Pois não vê s. ex.ª que quem tem direito a louvar, tem direito a arguir, e que portanto, já por uma fórma, já por outra esta offendida a disciplina militar? Com que direito, que força moral póde ter s. ex.ª para punir quaesquer manifestações de censura?...

Estranha que o ministro que se diz de uma situação eminentemente liberal e progressista, faça alardo de desprezar a imprensa, que é a voz da opinião do paiz...

O sr. Presidente. — Perdoe-me o digno par. O que o sr. ministro disse foi, que não fazia obra pelos periodicos (apoiados).

O sr. S. J. de Carvalho: — Estimo que o sr. presidente rectificasse as suas palavras, pois que não se podendo tomar notas, confiou á memoria que vê não lhe ter sido fiel, assim mesmo antes com relação ás palavras do que em relação á idéa, que sempre indica uma opinião muito pouco de accordo com a indole do systema constitucional.

Sempre são para lamentar as palavras do sr. ministro. Os periodicos publicando as accusações sob as quaes verga o sr. general Avila, não as inventaram, publicaram documentos de muita gravidade, que o sr. ministro não devia desattender.

Tendo dado a hora o orador pediu que se lhe reservasse a palavra para a seguinte sessão.

O sr. Presidente — Vae-se ler a lista dos nomes dos dignos pares que hão de fazer parte da grande deputação que deve apresentar a Sua Magestade a resposta ao discurso do throno.

O sr. Secretario. — Leu.

Ex.mos srs. Presidente.

Conde de Peniche.

Marquez de Pombal.

Marquez de Ponte de Lima.

Marquez da Ribeira.

Marquez de Sabugosa.

Marquez de Sá da Bandeira.

Marquez de Vallada.

Marquez de Vianna.

Conde de Alva.

Conde d'Avila.

Conde de Azinhaga.

Conde de Campanhã.

O sr. Presidente: — Teremos sessão na sexta feira, e a Ordem do dia será a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram mais de cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 8 de fevereiro de 1865

Estiveram presentes á abertura da sessão:

Ex.mos srs. Conde de Castro

Duque de Loulé

Marquez de Niza

Marquez de Sabugosa

Marquez de Vallada

Marquez de Vianna

Conde d'Avila

Conde da Fonte Nova

Conde de Linhares

Conde de Mello

Conde de Mesquitella

Conde de Peniche

Conde da Ponte de Santa Maria

Conde do Sobral

Conde de Thomar

Visconde de Benagazil

Visconde de Condeixa

Visconde de Fornos de Algodres

Visconde de Gouveia Visconde de Ribamar

Visconde de Soares Franco

Barão de S. Pedro

Antonio de Azevedo Coutinho Mello e Carvalho

Alberto Antonio de Moraes Carvalho

Antonio José de Mello (D.)

Antonio Luiz de Seabra

Antonio de Macedo Pereira Coutinho

Bazilio Cabral Teixeira de Queiroz

Custodio Rebello de Carvalho.

Diogo Antonio do Sequeira Pinto

Felix Pereira de Magalhães

Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão

Francisco Simões Margiochi

João de Almeida Moraes Pessanha

João Osorio e Sousa

Joaquim Antonio de Aguiar

Joaquim Filippe de Soure

José Augusto Braamcamp

José Bernardo da Silva Cabral

José Joaquim dos Reis e Vasconcellos

José Lourenço da Luz

José Mana Baldy

José Gerardo Ferreira Passos

Luiz Augusto Rebello da Silva

Luiz do Rego da Fonseca Magalhães

Manuel Antonio Vellez Caldeira Castello Branco

Miguel do Canto e Castro

Sebastião José de Carvalho

Vicente Ferrer Neto Paiva

Entraram depois de aberta a sessão:

Ex.mos srs. Marquez de Ficalho

Conde de Alva

Conde de Paraty

Conde de Rio Maior

Visconde de Algés

José da Costa Pinto Bastos

José Maria Eugenio de Almeida

Luiz de Castro Guimarães

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