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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 10 DE FEVEREIRO DE 1865

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

VICE-PRESIDENTE

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Mello e Carvalho

(Assistiram os srs. ministro da guerra, e presidente do conselho.)

Ás duas horas e meia da tarde, sendo presentes 33 dignos pares, declarou o sr. presidente aberta a sessão.

Lida a acta da antecedente foi approvada sem reclamação.

Deu-se conta da seguinte correspondencia:

Dois officios da presidencia da camara dos senhores deputados, acompanhando duas proposições de lei, uma fixando a contribuição pessoal para o anno de 1865; e outra fixando a contribuição predial respectiva ao anno de 1865.

Um officio do ministerio dos negocios ecclesiasticos. e de justiça, enviando treze copias de decretos de suppressão de conventos de religiosas, satisfazendo o requerimento do digno par Sebastião José de Carvalho.

O sr. Presidente: — Eu tenho a honra de declarar á camara que a grande deputação encarregada de apresentar a Sua Magestade a resposta ao discurso do throno, foi recebi da pelo augusto soberano com especial agrado.

O sr. Visconde de Gouveia: — Fui encarregado pelo sr conde de Bertiandos de apresentar a esta camara a carta regia, pela qual Sua Magestade houve por bem nomear par do reino o mesmo cavalheiro. Mando-a para a mesa, e peço a V. ex.ª que lhe dê o destino conveniente.

O sr. Presidente: — A commissão que ha de examinar esta carta regia e dar sobre ella o seu parecer, será com posta dos seguintes membros: viscondes de Gouveia e de Soares Franco, e D. Antonio José de Mello.

O sr. Conde de Thomar: — Mando para a mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro que, pela secretaria dos negocios ecclesiasticos e de justiça, seja enviada a esta camara uma relação dos ecclesiasticos providos em quaesquer beneficios, na conformidade do decreto de 2 de janeiro de 1862, independente de concurso previo perante os prelados diocesanos.

«Quantos d’esses ecclesiasticos, assim providos, têem sido collados, com designação das dioceses em que taes collações se tem verificado; e quantos deixaram de ser collados, e por que motivo?

«Camara dos pares, 10 de fevereiro de 1865. = Conde de Thomar.»

Mandou-se expedir.

O sr. Presidente: — Passâmos á

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA INTERPELLAÇÃO DO DIGNO PAR, O SR. SEBASTIÃO JOSÉ DE CARVALHO, AO SR. MINISTRO DA GUERRA

O sr. Presidente: — Continua com a palavra o digno par Sebastião José de Carvalho.

O sr. S. J. de Carvalho: — Cedo da palavra.

O sr. Presidente: — Segue-se na ordem da inscripção o digno par o sr. marquez de Vallada, tem portanto s. ex.ª a palavra.

O sr. Marquez de Vallada: — Fez varias considerações geraes sobre o assumpto.

(N. B. Não tendo o digno par podido rever as notas do seu longo discurso, a tempo d'esta sessão ser publicada no Diario, será transcripta esse discurso em separado e com a brevidade possivel.)

O sr. Baldy (respondendo a uma citação do sr. marquez de Vallada): — Se V. ex.ª me dá licença, eu explico quaes foram as palavras que proferi. Eu disse que da leitura ou observação dos factos é que se deduziam as leis que presidem a esses factos.

O sr. Vellez Caldeira (reportando-se ao caso contado pelo sr. marquez de Vallada, respectivo a um preso): — Eu não sei se posso fallar; mas o digno par acaba de dizer que viu um preso na cadeia, e que por ser homem do povo não se fazia caso d'elle para o chamar a preguntas. Isto é impossivel, porque não podia haver juiz algum que tal fizesse. Todos os réus que estão presos são tratados com igualdade perante a lei.

O sr. Moraes Carvalho: — Eu não poderei fazer um discurso que mereça esse nome. Não o precederei de um grande preambulo, não me occupam no que vou dizer, como fez o digno par que me precedeu, com grande eloquencia, de divagações, que me parecem um pouco impertinentes para a materia que se discute. Não tratarei de responder aos factos historicos que s. ex.ª aqui apresentou, não tratarei das prelecções sobre philosophia de direito com que s. ex.ª nos mimoseou; não tratarei finalmente dos principios economicos sociaes e irei simplesmente aos factos, porque nos meus discursos sempre me afastei de divagações, e procede isto, talvez, não da falta de desejo, mas da falta dos dotes oratorios.

Sr. presidente, não tencionei tomar a palavra sobre a interpellação annunciada, mas desde que vi que ella tinha degenerado em uma moção de censura, baseada em fundamentos que eu não podia de fórma nenhuma compartilhar, pedi a palavra para responder ao sr. Sebastião José de Carvalho. Nesse mesmo dia dirigi-me ao sr. ministro da guerra para me fornecer os documentos, que eu não tinha, e dirigi-me tambem ao sr. Sebastião José de Carvalho para me facultar o que elle tinha em seu poder, ao que annuiram com a maior generosidade. Examinei-os, e á vista d'elles é que hei de tratar a questão.

Sr. presidente, notei que o digno par o sr. Sebastião José de Carvalho vindo dizer que queria estabelecer os capitulos da accusação contra o sr. ministro, e formulando-os com aquella lucidez que caracterisou o seu discurso, mandou para a mesa uma moção de censura, onde as bases, permitta-me s. ex.ª que lhe diga, não estão em harmonia com o seu discurso. Às bases estão minguadas em relação aos capitulos de accusação que apresentou. (O sr. Sebastião José de Carvalho...) Termina aquella moção por uma censura, na qual não vejo pensamento occulto, mas sim uma lacuna que eu não posso supprir. A moção que s. ex.ª apresentou é uma censura pessoal ao sr. ministro da guerra, ou uma censura collectiva dimanada do principio da solidariedade ministerial? Pretende s. ex.ª accusar por este facto todo o ministerio? Julga que todo elle é solidario n'esse negocio, ou quiz accusar sómente o sr. ministro da guerra? Não o posso dizer; mas deduzo das palavras proferidas pelo sr. marquez de Vallada, quando ha pouco fallou, que se tem em vista todo o ministerio.

Eu entendo que o principio de solidariedade ministerial é um principio que serve de base ao systema constitucional; mas entendo tambem que não é tão absoluto que não esteja subordinado aos dictames da justiça, da rasão e do bom senso. Censurar um ministro por actos que elle praticou, censura-lo por actos por que se responsabilisou em conselho de ministros, acho muito justo. Querer responsabilisar um ministro porque elle é membro de um gabinete, quere-lo responsabilisar por um acto em que elle não teve parte alguma é, no meu entender, uma iniquidade que não posso admittir.

Sr. presidente, em outras epochas havia uma cabeça que era o centro de toda a politica, era o monarcha que concentrava em si todos os poderes; nos tempos constitucionaes reconheceu-se tambem a necessidade de haver um centro de união, uma entidade, um individuo que fosse a alma do ministerio. A essa necessidade occorreu a lei de 18 de junho de 1855, estabelecendo a presidencia do conselho. Naquella lei se diz que os negocios graves, como são aquelles que devem vir ao parlamento e aquelles que devem ser levados ao conselho d'estado em virtude das disposições da carta ou das leis, devem ser tratados em conselho de ministros. Para esses quero a responsabilidade solidaria dos ministros; para os outros não. Portanto, já se vê que se a moção importa implicitamente uma censura collectiva, bastaria isso para eu a rejeitar. Mas poderiam proceder os argumentos para que a censura recaia unicamente na pessoa do sr. ministro da guerra? É o que passo a analysar.

Violou a lei s. ex.ª, affrontou a moralidade? Assim se diz, e factos graves se attribuem ao sr. ministro. Devo dizer preliminarmente que o erro é a partilha de todos os mortaes.

S. ex.ª como homem podia errar e tem errado; não esta fóra da partilha que cabe a todos os homens. Mas perguntarei, poderia a camara, poderia alguem persuadir-se que um homem, como o general Passos, cuja vida tem sido toda de dedicação á sua patria, cujos serviços são conhecidos por todos, cujas virtudes o proprio digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho, aqui reconheceu, quizesse acintosamente menosprezar e calcar a lei, quizesse de proposito recompensar a immoralidade? Na serenidade daquelle rosto com que tem presenciado todas essas accusações se vê a placidez de uma alma que não é pungida pelo remorso.

Mas, sr. presidente, pondo de parte esta consideração, porque o erro não tira a responsabilidade, vamos examinar se o sr. ministro violou a lei, e se calcou aos pés os dictames da moralidade. Vou formular os capitulos de accusação; é isto que aqui repetiu, não uma mas muitas vezes o digno par o sr. S. J. de Carvalho.

Quando ouvi as expressões de s. ex.ª pareceu-me que o digno par, por uma d'essas allucinações que de ordinario acommette o orador e que o faz trocar o nome de par pelo de deputado, a camara electiva pela hereditaria, se julgou no tempo em que era deputado, e se suppoz transportado á outra camara. Era n'ella que podia accusar o sr. ministro; aqui não o póde fazer salvo se já se rasgou o artigo da carta, que determina que a accusação aos ministros é da privativa attribuição da camara dos srs. deputados. Folgo que o digno par tome notas, e vou prevenir a sua resposta. S. ex.ª ha de dizer que a sua proposta não é accusação, é censura. Estou de accordo; mas ha de reconhecer a impropriedade das suas palavras. Os capitulos de accusação que ouvi formular contra o sr. ministro são os seguintes:

1.° Viu impassivel as reclamações militares do corpo de artilheria, vedadas pela lei, e nem punio nem desapprovou o facto;

2.° Concedeu illegalmente ao general Lobo á Avila a medalha militar;

3.º Conservou no commando de artilheria um general, quando devia te-lo demittido, ou ao menos suspendido até se justificar das imputações que se lhe faziam, affrontando assim as regras da moralidade.

Eu desejo que o digno par me corrija quando eu lhe attribuir idéas que não tenha expressado: começarei pela primeira das accusações (leu). Esta accusação respeita ás felicitações. (O sr. S. J. de Carvalho: — À primeira é sobre o acto da nomeação posterior ás accusações feitas pela imprensa.) Eu me occuparei tambem d'esse ponto, mas agora trato do das felicitações.

Diz s. ex.ª que similhantes manifestações estão prohibidas por ordem do exercito de 26 de julho de 1811 e regulamento disciplinar de 30 de setembro de 1856. Vamos a ver se taes violações existem, e começarei examinando a determinação do regulamento. Diz elle, no artigo 51.°, que são vedadas as reclamações collectivas. O preceito é claro, mas resta saber o que são reclamações? Se eu, seguindo o exemplo do digno que recorreu do Bluteau, recorro aos diccionarios de jurisprudencia e da lingua, encontro que a palavra reclamação, exprime umas vezes a reivindicação, outras a queixa ou protesto, mas nunca é synonimo de felicitações. Bastará que s. ex.ª lance os olhos para o artigo 5.° do regulamento citado, para reconhecer que elle emprega a palavra reclamação como significando queixa, e o mesmo se deduz dos artigos seguintes ao 51.°, que todos se acham no capitulo 6.° das reclamações.

Se pois não é possivel confundir a palavra reclamação com a palavra felicitação, reconhecer-se-ha que no caso dado nenhuma reclamação houve; o que houve foi simplesmente a manifestação que não esta prohibida. Assim caduca o argumento, e com quanto se cite tambem a ordem do exercito' datada de 26 de julho de 1811 (que não sei se tem privilegio de lei, e se liga um ministro), questão da qual prescindo, e concedendo que tenha força de lei, empraza-me o meu amigo o sr. marquez de Vallada para lhe dizer se entendo que a falta do observancia ou a pratica em contrario póde destruir a lei, responderei que estou de accordo com o digno par o sr. marquez de Vallada, e não com o sr. Baldy, emquanto este quer que a lei seja o uso e costume seguido. Para mim a lei por mais velha que seja é sempre nova, e deve ser sempre observada emquanto não for revogada (apoiados). Assentada esta doutrina direi que essa ordem do exercito se tem força de lei esta hoje revogada.

Ha uma lei de 14 de julho de 1856, que no artigo 2.° diz:

«É o governo auctorisado a pôr em execução o regulamento provisorio disciplinar para o exercito em tempo de paz, apresentado pelo mesmo governo á camara dos deputados, a proposta de lei de 28 de abril de 1855, podendo fazer n'elle as alterações que entender convenientes.»

E no artigo 4.° diz:

«Fica revogada a legislação em contrario.»

Este regulamento onde se mencionam todas as infracções de disciplina ficou sendo unica lei, só as transgressões ahi mencionadas é que ficaram sendo prohibidas.

Pergunto pois: onde esta o artigo d'esse regulamento que prohiba os certificados de que trata a ordem do exercito? Se não existe esta revogada a ordem. Mas ainda quero conceder que não esteja revogada, poder-se-ha confundir certificados com as simples manifestações? Se não é possivel confundir manifestação com reclamação, muito menos é possivel confundir com certificados, e certificados a pedido, como diz a ordem, as manifestações voluntarias e espontaneas. Eu appello para a intelligencia do digno par que me esta ouvindo.

Sr. presidente, as felicitações não estão prohibidas, e de ahi é que dimana a praxe constante asseverada pelo digno par o sr. Baldy. Se fosse cousa contraria á disciplina, s. ex.ª em vez de as receber havia de repeli-las em vista do seu rigor de disciplina; portanto os dignos militares que felicitaram exerceram um direito, e até digo mais, cumpriram um dever, e sendo assim é evidente que o sr. ministro da guerra não tinha rasão para punir; eu acho que até cumpriram um dever porque desde que alguns jornaes annunciarem que elles tencionavam apresentar uma manifestação contra a nomeação do seu commandante, quizeram mostrar que não eram capazes de commetter um acto de indiscipli-