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N.º 17

SESSÃO DE 2 DE MARÇO DE 1878

Presidencia do exmo. sr. larquez d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Conde da Ribeira Grande

(Assistiu o sr. ministro da marinha e ultramar.)

As duas e meia horas da tarde, achando-se presentes dezenove dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

O sr. Presidente: - Convido o digno par, o sr. conde da Ribeira Grande, a vir fazer as vezes de segundo secretario.

Leu-se a acta da precedente, que se julgou approvada na conformidade do regimento por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio da nunciatuva, participando que no dia 2 do corrente, pelas cinco horas da tarde, na igreja da Estrella, se ha de cantar um solemne Te Deum, em acção de graças ao Altissimo, pela exaltação do Papa Leão XIII á cadeira de S. Pedro, e que no dito templo haverá logar reservado para os dignos pares, que quizerern tornar este acto mais solemne com a sua presença.

Ficou a camara inteirada.

Um officio da associação commercial do Porto, remettendo alguns exemplares da representação dirigida á camara dos dignos pares, a fim de serem distribuidos.

Tiveram o competente destino.

O sr. Presidente: - Quando recebi o officio do sr. nuncio, julguei dever nomear immediatamente uma grande deputação para assistir a este Te Deum. Persuado-me de que a camara approvará o meu procedimento.

Não me parece que por aquelle motivo seja necessario deixarmos de ter hoje sessão.

Como o Te Deum é ás cinco horas, podemos estar aqui até ás quatro e meia, e a essa hora levanto a sessão, se a camara não resolver o contrario.

Se não ha observação alguma a este respeito, entendo que a camara me auctorisa a levantar a sessão ás quatro horas e meia, e approva o meu procedimento, quanto a ter nomeado a grande deputação. (Muitos apoiados.)

O sr. Marquez de Sabugosa: - O sr. duque de Palmella encarregou-me de participar a v. exa. e á camara que, por falta de saude, não póde acompanhar hontem a deputação para que foi nomeado e deixa tambem de assistir á sessão de hoje.

O sr. Visconde de Seabra: - Requeiro que seja prevenido o sr. ministro da marinha ácerca de uma interpellação, ou antes, algumas considerações, que desejo apresentar a s. exa. sobre a necessidade de melhorar a administração da justiça civil e militar nas possessões ultramarinas, especialmente na provincia de Angola.

Espero que o sr. ministro, em quem todos reconhecem muita illustração e patriotismo, as tomará na merecida conta.

Eu poderia talvez dirigir hoje algumas palavras a s. exa., porém como eu não contava com a sua vinda aqui e deixei alguns apontamentos em casa, o sr. ministro dirá quando quer ter a bondade de me ouvir.

O sr. Ministro da Marinha (Thomás Ribeiro): - Com a melhor vontade ouvirei hoje mesmo as considerações do digno par, se quizer fazer-me a honra de as apresentar. De mais a mais, como s, exa. não lhes dá positivamente a fórma de interpellação, posso ouvil-as para, ou estudar o assumpto, ou dizer desde já a s. exa. o que estiver habilitado a responder.

O sr. Palmeirim: - Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

Leu-se na mesa e foi a imprimir.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia. Começamos pela eleição da commissão de inquerito, proposta pelo digno par o sr. Carlos Bento da Silva, e que, segundo a camara resolveu, deverá ser composta de nove membros.

Peço aos dignos pares queiram ter a bondade de formular as suas listas.

(Pausa.)

O sr. Secretario (Visconde de Soares Franco): - Chamo a attenção do digno par o sr. marquez de Vallada.

O mesmo sr. secretario leu o seguinte officio do ministerio da marinha.

Um officio do ministerio da marinha, participando, para satisfazer ao requerimento do digno par marquez de Vallada, que o estado effectivo do corpo de marinheiros da armada é de 1:512 praças.

Ficou a camara inteirada.

Procedeu-se á chamada.

O sr. Presidente: - Convido os srs. conde de Cabral e general Sousa Pinto a virem servir de escrutinadores.

Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na uma 34 listas.

O sr. Presidente: - Entraram na uma 34 listas. A maioria absoluta são 18 votos.

Ficaram eleitos os dignos pares:

Carlos Bento da Silva, com................. 32 votos

Barros e Sá.............................. 31 "

Casal Ribeiro,............................ 30 "

Costa Lobo.............................. 29 "

Porto Covo............................... 25 "

Ferrão............................... 23 "

Braamcamp ............................ 22 "

Seabra.................................. 21 "

Palmeirim................................ 21 "

O sr. Presidente: - Continua a interpellação ao sr. ministro da marinha.

Tem a palavra o sr. marquez de Sabugosa.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Se eu podesse ceder á repugnancia de fallar que sinto n'esta occasião, de certo desistiria da palavra; mas não o posso fazer, porque tenho de levantar a voz em favor dos interesses que julgo de ordem muito elevada.

Depois de um intervallo de tres ou quatro dias, depois de uma discussão já longa, depois dos trabalhos que temos tido, falta o animo para de novo entrar n'este debate, principalmente a quem, como eu, está conscio de não possuir voz bastante auctorisada, nem os dotes necessarios para captar a attenção e benevolencia da camara.

Todavia, sr. presidente, vou cumprir o meu dever.

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O sr. ministro da marinha, que, n'uma das ultimas sessões, declarou ter sido sempre guiado na pratica de todas as suas acções pelo amor da patria, ha de comprehender perfeitamente que, por esse mesmo motivo, eu procure cumprir aqui o que considero um dever.

Sr. presidente, não me demorarei na questão colonial, não acompanharei os illustres oradores, que me precederam pelas torridas possessões da Africa e pelos palmares da India.

Não pretendo tomar contas ao sr. ministro da marinha, de actos, que não tem tempo de ter praticado, nem dos planos que possa ter formado com relação á administração colonial, porque não seria eu o mais competente para os avaliar; no emtanto, sempre direi qual o meu desejo a respeito da mesma administração, e dil-o-hei,em poucas palavras.

Eu desejava, sr. presidente, que para a administração das nossas colonias se formulasse um systema geral de administração; que esse plano se formulasse em repartições alheias á politica, e por homens de reconhecida competencia; que esse plano fosse depois sujeito á approvação do parlamento, ficando assim adoptadas as bases essenciaes das relações da metropole com as colonias?

Haver unidade de pensamento na administração das colonias, parece-me muito conveniente, e não é porque, sendo progressista, eu queira o estacionamento, progredir não é sempre mudar, alterar muitas vezes, mas é isso retroceder, progredir é sim caminhar sempre, mas no caminho do justo. .

Se cada ministro que entre para a pasta damarinha mudar completamente o systema de administração, póde isso ser muito prejudicial.

Mas formulado um systema de administração colonial, ainda assim ficaria muito que fazer aos ministros, que de novo se sentassem n'aquella cadeira, e muito teriam em que exercitar a sua actividade, aperfeiçoando o systema, e
melhorando-o conforme as circumstancias o fossem exigindo.

Não entrando na apreciação das considerações genericas que o sr. ministro fez sobre a administração das colonias, permitta-me comtudo s. exa. que eu registe, que uma das idéas apresentadas não me parece muito conforme ao que foi traduzido em factos pelos seus collegas antes de restaurados.

Parece-me que s. exa. disse que a força armada das nossas colonias deveria ser de indigenas, e, se o disse, está isso em desaccordo com a reforma que com a responsabilidade dos outros seus collegas foi feita para a India. Não aprecio se essa medida seria conveniente, o que noto é a divergencia entre ministros solidarios.

Emquanto ás colonias, sr. presidente, não direi nada mais.

Não creio tambem que seja de utilidade n'esta occasião confrontar as opiniões de Thomé de Diu com as do sr. ministro da marinha, e quando entendesse o contrario, nada conseguiria em tratar d'este assumpto, porque tenho a certeza vde que o sr. ministro da marinha nada mais acrescentaria ao que já disse, depois, do conselho tão auctorisado que lhe deu o sr. conde do Casal Ribeiro.

Do que já disse o sr. ministro da marinha, e das considerações do sr. conde do Casal Ribeiro, quem poder tirar alguma conclusão, que a tire; qui potest capere, capiat.

Sr. presidente, pela minha parte em relação á politica externa confesso que limito a muito pouco os meus desejos.

O que eu desejava era que o governo do meu paiz procedesse sempre com energia porá sustentar a boa fé dos tratados, e para defender a força do direito contra o direito da força.

Não posso acreditar de modo algum que os srs. ministros actuaes, ou quaesquer outros ministros portuguezes, tramem contra a independencia d'esta terra; o que receio e que desejo que se evite, é que ambições desmedidas ou vaidades possam envolver-nos eni negociações que de futuro nos compromettam.

O sr. Marquez de Vallada: - Apoiado, apoiado.

O Orador: - Como desejo ser breve, vou entrar no assumpto principal, que me levou a pedir a palavra.

Sr. presidente, se a gravidade do assumpto me levar a dizer algumas palavras severas, espero comtudo não dizer nada que possa individualmente ferir o melindre ou susceptibilidade do sr. ministro, não podia ser essa de maneira alguma a minha intenção, porque confesso ter muita consideração pelo seu talento e pelas suas qualidades; e ainda mesmo conservo a impressão agradavel que julgo toda a camara ter sentido do modo como s. exa. se apresentou n'esta casa logo que lhe foi annunciada uma interpellação.

Quando o sr. ministro da marinha fallou pela primeira vez n'esta discussão, pareceu-me ter dito que era verdade haver praças na armada que tinham acabado o seu tempo de serviço, mas que não restando o numero sufficiente de marinheiros para ter os navios armados, saindo essas praças, entre o desarmar os navios ou conservar no serviço esses marinheiros que tinham direito a baixa, preferira este ultimo alvitre.

Sr. presidente, ouvindo estas palavras, entendi que não podia ficar sem replica essa asserção, assim apresentada perante o parlamento.

Parece-me que a significação natural d'estas palavras é que um ministro da corôa preferia suspender as garantias individuaes para com duzentos ou trezentos cidadãos, garantias que pela carta são inviolaveis, a ter de desarmar algum navio.

Isto é grave, sr. presidente.

Parece-me que um ministro não póde dizer isto perante as côrtes, sem ter apresentado na outra camara uma proposta pedindo um bill de indemnidade, e as medidas necessarias para regularisar o estado d'esse serviço.

Vir aqui dizer como cousa muito natural, que se acham suspensas as garantias individuaes de alguns cidadãos em quanto o sr. ministro não poder arranjar melhor o serviço, é cousa inacceitavel e que não se póde ouvir sem a devida replica.

O artigo 145.° da carta diz:

(Leu.)

O sr. ministro da marinha não tinha nenhuma disposição legal, que o auctorisasse a conservar aquelles homens no serviço; pelo contrario, tinha uma lei expressa que o obrigava a dar-lhes asbaixas; desprezou-se, portanto, a lei, e desprezando-se, feriu-se para um certo numero de cidadãos o direito constitucional inviolavel. Isto é um facto gravissimo.

Sr. presidente, é inacreditavel o estado anarchico em que está o serviço do recrutamento. (Apoiados;) O sr. conde de Cavalleiros já, na sessão passada, apresentou um quadro verdadeiro do modo por que se faz ou se não faz o recrutamento, e dos resultados que tem produzido. Permitta-me, comtudo, v. exa. que eu diga tambem alguma cousa a esse respeito.

Ouvi ler ha pouco um officio do sr. ministro da marinha em resposta a um requerimento do digno par, marquez de Vallada, dando alguns esclarecimentos a respeito da força da armada.

Eu já tinha procurado esclarecor-me a este respeito, e parece-me que as minhas notas conferem com essas apresentadas officialmente.

A força da armada que se acha fixada para o anno corrente, bem como a que se pede este anno no projecto apresentado na outra camara, é de 3:100 praças. Esta força, que talvez seja insufficiente, mas que, vem virtude de certas circumstancias, não póde ser mais numerosa, compõe-se de diversos empregados e de 1:956 praças de marinhagem; para completar este numero faltam 446 homens, e estão apenas 1:510 em serviço, incluindo 284 que já completaram o tempo, e que, por consequencia estão contra lei.

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Sabe v. exa. o que acontece com isto? Abyssus, abyssum invocat.

O sr. ministro da marinha que diz conservar estes homens no serviço para ter os navios armados, mal armados os tem.

Parte d'elles recusa-se a receber o fardamento, porque não quer concorrer para o pagar, tendo acabado o tempo de serviço; outra parto deserta; e os conselhos de investigação tem absolvido os accusados, porque não consideram o crime como militar; o promotor de justiça appella para o tribunal superior, e o supremo conselho de justiça militar tem condemnado os réus, não na pena indicada na lei, que é a de quatro annos de serviço em Africa, mas apenas em um anno, e recommenda-os ainda assim á clemencia do poder moderador.

Sr. presidente, não posso, nem devo de maneira nenhuma, censurar os tribunaes; sei muito bem que fazem parte do poder judicial, que é tão independente como o que nós aqui representamos; respeito, como não posso deixar de respeitar, o seu julgamento; mas, o acto do poder executivo, esse censuro eu, tenho direito de o censurar, porque levou as cousas a estas circumstancias.

Tem tido estes suppostos réus quem advogue com efficacia o seu direito perante os tribunaes?

Tem tido quem represente perante os mesmos tribunaes as circumstancias exactas em que se acham?

Não sei.

O que sei é que esses homens que reagiram contra um acto tyrannico, são condernnados, não á pena da deserção, mas a pena menor, e recommendados á clemencia regia.

Cabe aqui dizer que na ultima sessão pedi a palavra, na occasião em que o sr. conde de Cavalleiros recommendava ao sr. ministro da marinha, que apresentasse ao poder moderador a supplica para que fosse perdoado um individuo, que estava nas circumstancias d'aquelles a quem acabo de me referir.

Sou um dos admiradores do sr. conde de Cavalleiros, applaudo sempre os seus bons intuitos, e estou quasi sempre de accordo com as idéas de s. exa., se bem que não sejamos correligionarios em politica, pois s. exa. não pertence a nenhum partido, e eu pertenço a um dos partidos militantes; no entanto combatemos ambos no campo da opposicão, e inspiramo-nos na merecida desconfiança da politica do actual ministerio; comtudo, declaro francamente, que a recommendação, que s. exa. fez ao sr. ministro da marinha, não me agradou.

N'esta occasião não posso conformar-me com o modo de ver do digno par, por isso que entendo não dever um cidadão, no regimen liberal, pedir por graça aquillo a que tem direito por lei.

Os individuos que são abusivamente obrigados a servir na armada, tendo acabado o seu tempo de serviço, têem direito á sua liberdade, e não podem ser condemnados a servir contra a disposição da lei.

O sr. Ministro da Marinha: - Peço a palavra.

O Orador: - Pois esses individuos, que são victimas de uma grande illegalidade, devem ser punidos por quererem fugir a essa illegalidade?

Se a fórma do processo não permitte a annullação das sentenças que estão dadas contra elles, o que devemos pedir é, não uma graça especial do poder moderador, mas que se faça uma lei para que sejam annulladas ou revistas todas as sentenças condemnatorias de crimes militares com relação aos individuos que tenham acabado o seu tempo de serviço na armada e foram obrigados a continuar nesse serviço.

Sr. presidente, se esta camara tivesse iniciativa sobre materia de recrutamento, e eu não soubesse antecipadamente que a minha proposição seria rejeitada, concluiria as minhas considerações por um projecto de lei concebido pouco mais ou menos n'estes termos:

Artigo 1.° É o governo relevado de ter conservado em serviço contra lei as praças de pret da armada, e de ter assim atacado o artigo 145.° da constituição.

Art. 2.° Fica o governo auctorisado a dispender o que for necessario (e n'esta occasião dava prova de confiança ao governo) para engajar as praças de pret necessarias para poder licenciar essas outras que se acham já indevidamente fazendo serviço. E, finalmente, no caso da fórma do processo actual não o permittir, serão revistos todos os processos em que tenha havido condemnaçao por crimes militares, e contra individuos da armada que a esse tempo tivessem concluido o tempo legal do serviço.

Eu não dou conselhos ao sr. ministro da marinha, nem os posso dar, porque não tenho a auctoridade do sr. conde do Casal Ribeiro; mas o que entendo que o sr. ministro devia fazer era ir d'aqui para a outra camara apresentar uma proposta de lei n'este sentido, ou pelo menos ir para a secretaria licenciar desde já todas as praças que acabaram o seu tempo de serviço.

Sr. presidente, se o que ha de inviolavel na carta é assim menosprezado, se não só o seu espirito é sofismado para a acceitação de formar ministerio, mas até a sua letra é assim desprezada a respeito das garantias individuaes. Se a lei não vale nada, que systema é este que nos rege, e que exemplo estão os poderes publicos dando ao paiz? Para defendermos as instituições liberaes, para sustentarmos a independencia da nossa terra, é necessario que os poderes publicos sejam os verdadeiros defensores da constituição do estado, e que sejam os primeiros a dar o exemplo do respeito á lei.

Sr. presidente, eu acabo estas minhas considerações, fazendo um pedido a Deus, quasi identico áquelle que fez o digno par, o sr. conde de Cavalleiros, na sessão passada. O sr. conde de Cavalleiros disse: que para a boa administração das nossas colonias precisavamos de tres cousas: juizo, navios e dinheiro. Pois eu peço a Deus só uma d'estas cousas, mas tres vezes, e vem a ser: juizo, juizo e juizo; se tivermos juizo, teremos dinheiro e navios.

O sr. Presidente: - Está tambem inscripto o digno par, o sr. Carlos Bento, mas como o sr. ministro da marinha tambem pediu a palavra, vou dal-a primeiro a s. exa.

Tem o sr. ministro da marinha a palavra.

O sr. Ministro da Marinha: - Eu quando pedi a palavra não suppuz que fosse anticipar-me ao digno par o sr. Carlos Bento; se s. exa. quizer fallar antes de mim abstenho-me eu de usar da palavra.

(Pausa.)

Se acaso, porém, s. exa. me dá licença, o que me parece pela sua obsequiosa reserva, fallarei antes.

Sr. presidente, para fallar pela ordem que me parece mais natural, devo primeiro que tudo dizer ao digno par, o sr. conde de Cavalleiros, que tendo s. exa., inspirado pelo seu nobre coração, formulado um pedido, a que não podia por mim satisfazer, tomei comtudo a deliberação de ser seu intermediario para com o poder moderador.

Sem julgar que o ministro da marinha actual, assim como todos os que o antecederam, e que muitissimo bem geriram a pasta que eu não sei se poderei sustentar na altura em que s. exas. a sustentaram; sem julgar, digo, que commettessem os crimes terriveis do que o sr. marquez de Sabugosa acabou de os accusar, na minha pessoa, entendo comtudo, que é obrigação do governo tratar quanto antes de pôr cobro a irregularidades que não podem facilmente
desculpar-se quando a machina administrativa funcciona em condições normaes. Entendo que devemos sem demora proporcionar as baixas a todos os marinheiros que estão servindo já fóra do tempo que a lei lhes determina e marca.

Esse é o meu maior desejo.

Manifestei-o no primeiro dia em que tive a honra de fallar n'esta assembléa: então declarei que fôra meu primeiro cuidado pedir ao sr. ministro do reino, que me habilitasse o mais depressa possivel para eu poder fazer justiça na minha repartição; portanto, não só demonstrei assim o res-

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peito que tenho pelas leis, mas antecipei os desejos dos dignos pares, que fizeram favor de me recordar esse ccver, e cujas considerações me merecem muito respeito. Felizmente para mim, no primeiro ou no segundo dia de entrar para o ministerio assignei aquelle officio que dirigi ao meu collega do reino.

Quanto aos soldados que s. exa. lamenta ver condomnados pelos tribunaes competentes, posto confesse que nenhum outro poder tem faculdade de ingerir-se nas attribuições do judicial, pareceu-me ver nas reticencias do digno par que podia ter a apprehensão de que o poder executivo influisse por qualquer modo nas decisões dos respectivos juizes. Permitia-me v. exa. que proteste... Não, eu não proteste contra as palavras do digno par, - permitta-me que me colloque da parte dos tribunaes, dizendo, asseverando ao meu illustre contendor, que não se deixariam elles infuenciar por quem quer que fosse, e da parte do poder executivo, affirmando igualmente que elle não quiz nunca e nãe quererá jamais intrometter-se em funcções estranham, e que devem ser desafrontadas e serenas. As diversas espheras não se perturbam, nem as suas acções se confundem.

Repito que prometto fazer quanto em mim caiba, não só no conselho d'estado em occasião propria, mas depois perante Sua Magestade, que tem de decidir este recurso em derradeira instancia, para que seja satisfeito o justissimo desejo do digno par.

Agora, seguindo a ordem dos meus apontamentos, vou responder ao sr. marquez de Sabugosa, meu amigo, a quem agradeço as benevolas palavras que me dirigiu, não por merecimento meu, porém por generosidade sua.

Em primeiro logar, deseja s. exa. que se formule um plano systematico para a administração das nossas colonias.

Entendo que cada ministro que tem de gerir a pasta do ultramar, ou qualquer outra, precisa, antes de começar a dar expediente aos negocios da sua incumbencia particular, de calcular de si para comsigo, e depois em conselho de ministros com os seus collegas, qual deve ser a ordem dos seus trabalhos para que ella se torne systemaiica; de outra maneira o proprio ministro tem de se atropollar nas suas proprias decisões; e se s. exa. quizesse, ou houvesse tempo para nos explanarmos sobre este assumpto, que é tão vasto, não tinha duvida nenhuma em dizer, com a mesma franqueza com que fallei na primeira vez que tive a honra de tomar a palavra n'esta camara, o plano que pouco mais ou menos me proponho seguir na gerencia da pasta que me está confiada. Isso, comtudo, não quer dizer que um dia não pensasse em modificar a minha opinião anterior, porque em verdade não se póde n'uma occasião dada descobrir tudo quanto ha a fazer, nem os inconvenientes que se podem encontrar.

V. exa. sabe que a gerencia administrativa não póde ser sempre subordinada a uma certa e determinada norma, porque ás vezes são taes os obstaculos, que o ministro, ou qualquer funccionario, que exerça cargo administrativo, tem de fugir da linha recta, ou do rumo projectado, como o navegante que tem muita vez na sua derrota de se desviar dos cachopos e restingas, e de contornal-os para não se arriscar a perder o seu navio, o fructo do seu trabalho, os valores de que é depositario, e as vidas que lhe estão confiadas.

Seria certamente a minha vontade dizer em geral, e a traços largos, qual o plano que desejo seguir, mas não me cabe fazel-o n'esta occasião.

O digno par tinha muita rasão no principio que concebeu, se elle podesse ser realisado.

É certo que nós encontramos na gerencia de outros paizes, a respeito das suas pessessões do ultramar, alguns systemas que os ministros que se succedem vão herdando dos seus antecessores; isso faz em grande parte a gloria da administração hollandeza, a primeira de todas as administrações relativamente a colonias. O mesmo succede com relação á administração colonial ingleza. Os irancezes a este respeito é que têem sido um pouco mais variaveis; comtudo, as obras que principiam, procuram leval-as a cabo. Ora nós, desgraçadamente, somos bem differentes d'estes paizes em tudo o que respeita, a administração, especialmente á administração colonial; é triste confessal-o. E noto v. exa., que o que se dá no reino, dá-se no ultramar. Um governador, em qualquer provincia de alem mar, começa a pôr em pratica um plano com as melhores intenções, e com o mais illustrado criterio. Chega novo governador, e a maior parte das vezes leva já o intuito de destruir tudo quanto o seu antecessor tinha começado, e ás vezes tão sem motivo e tão sem juizo, que d'ahi resulta, algum tempo depois, ter de recomeçar aquillo que tinha destruido, e que podia muito bem ter continuado.

Isto tambem acontece um pouco no reino, para o que concorre em primeiro logar a ephemeridade das situações. Todos sabem que para se estabelecer um systema, que possa ter este nome, é preciso um certo tempo de aprendizagem e de trabalho prolongado, e que os governos contem com a confiança dos parlamentos, e, por consequencia, com o seu voto, para obterem os meios necessarios.

Eu apresentei-me aqui, desacompanhado do um passado que podesse merecer a confiança da camara, confiança de que realmente careço para poder governar; hei de tentar, por todos os modos, conquistar essa confiança.

Sr. presidente, entre os meus defeitos tenho uma virtude: a de dizer sempre francamente a minha opinião, e por isso hei de dizer a verdade, e declarar as difficuldades que possa, que hei de infallivelmente encontrar.

Este systema terá, quando menos, a vantagem de que, quando sair do logar que hoje occupo, hei de sair com a estima dos homens de bem.

Não posso prometter desde já ao digno par que hei de tratar de estabelecer um systema; o que tenciono, é estudar os pontos principaes, de accordo com os meus collegas, e submetter ao parlamento medidas que dêem garantias de futuro, e que não possam facilmente, ou innocentemente, ser destruidas por aquelles que venham depois. Eniquanto, porém, isto se não fizer, é conveniente que se vá aproveitando o que houver de bom na nossa actual legislação; e ha muitissimo.

S. exa. imaginou tambem que eu tinha dito que para a segurança das nossas possessões ultramarinas preferia organisar uma força militar de indigenas. Eu não disse isso. O que disse, é que os ministros meus antecessores tinham entendido que deviam estabelecer um deposito militar, unico, em Lisboa, d'onde pcdessem destacar forças europeas para algumas das nossas possessões. A minha idéa é outra.

Para as possessões de Macau e Timor, e para a Africa oriental, tenciono estabelecer um deposito militar na India, porque me parece que esta tem bons soldados, e que facilmente se podem aclimatar na Africa oriental, o que não acontece aos soldados que vão do continente europeu. Os que sairem do deposito de Lisboa devem ser aproveitador na Africa occidental e na India.

Já vê o digno par que não era com os indigenas que eu desejava guarnecer as nossas possessões de alem mar.

Uma das nossas primeiras necessidades é não deixar apodrecer nas possessões ultramarinas os soldados europeus; fallo da podridão corporal e moral, porque no fim de tres annos estão quasi sempre inutilisados, uns por causa dão doenças, e outros pelos vicios que ali adquirem, tornando se muitas vezes um elemento de desordem, em logar de serem uma garantia de segurança e de paz.

Portanto, se eu poder encurtar os prasos para a permanencia das forças europeas no ultramar, fal-o-hei, até por um principio de humanidade, e tão conforme com o meu modo de ver.

S. exa. proferiu no seu formoso discurso uma phrase la-

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tina, que conheço, e que sei traduzir, mas que não sei entender, talvez porque não sei a que proposito veiu.

Pelos antecedentes, porém, e pelas phrases subsequentes do seu discurso creio que o digno par se não referia injuriosamente ao governo. Deixando portanto, intacta a phrase, que s. exa. soltou tão intacta, que a deixo em latim, sem traducção, continuarei a responder ás suas observações.

Referindo-se ás praças da armada, disse o digno par, invocando, a carta constitucional, que eu tinha suspendido as garantias.

Se podesse ser acceitavel esta proposição, eu podia, acceitando-a, ser levado pela força da logica do digno par a responder-lhe, que se as garantias estão suspensas, achei-as já suspensas quando entrei para o ministerio, e suspensas por um governo a quem o digno par prestou sempre o apoio do seu voto e da sua auctorisada palavra.

É necessario, porém, sr. presidente, não exagerarmos os factos.

Eu sou o primeiro a acompanhar s. exa. no sentimento que lhe causam as difficuldades em que os poderes publicos se têem encontrado para se poder realisar o recrutamento.

Não póde, porém, ser-me imputada responsabilidade, porque ha apenas um mez que me sento n'esta cadeira, e ao occupal-a encontrei as cousas no estado em que actualmente estão.

Tenho de repetir ainda, que desde logo procurei prover,de remedio a este mal.

Existe um regulamento feito por pessoas muito competentes, mas que tem encontrado difficuldades na execução. Procuro ver se essas difficuldades podem ser remediaveis, e se o não forem, virei pedir ao parlamento a substituição da lei, apresentando proposta que mais convenientemente regule o assumpto.

São estas as disposições em que estou, e não me parece que possa ser bem cabida a responsabilidade que se me quer attribuir; para a ter, era necessario que os meus deveres antecedessem as minhas faculdades legaes.

N'estas questões de direito quem decide não somos nós; feitas as leis é por ellas que julgam os tribunaes competentes, e para seguir as indicações do digno par, para pedirmos ao parlamento eu e, principalmente, os que me antecederam, um bill de indemnidade, era necessario que não tivéssemos as decisões dos tribunaes competentes a nosso favor.

O digno par comprehende perfeitamente a importancia d'este assumpto, lamenta como eu os factos, e avalia as circumstancias que os motivam; mas quer, sem attender á injustiça, não da sua causa, mas da sua invectiva, impor-me responsabilidades que me não pertencem.

Para defender, não a mim, ao governo, não a este, mas a todos, bastava-me allegar as decisões dos tribunaes e provar com ellas o direito do seu procedimento n'este assumpto, mas não me soccorro a essa coarctada.

Coraprehendo, e confesso que de facto devemos immediatamente tratar d'este negocio, e já quando respondi a outro digno par, o sr. marquez de Vallada, declarei que estava decidido a occupar-me d'elle, tanto que tinha dado principio a algumas diligencias n'esse sentido. No dia em que me convencer que a lei não póde executar-se, venho com uma proposta ao parlamento.

Disse e repito. Parece-me que não posso ser mais explicito.

Agora deixe-me tambem o digno par observar-lhe, que effectivamente é preciso preencher a deficiencia do numero de praças, mas eu vim encontrar, postos em pé de guerra, menos navios do que os necessarios e auctorisados por lei, e por isso os que existem estão devidamente guarnecidos, e essa deficiencia não se torna sensivel; tornar-se-ha, quando tivermos que armar os navios necessarios; n'essa occasião será indispensavel completar o numero de praças de pret da armada.

Quanto aos que têem pedido a sua baixa, a verdade é que a pedem na maior parte, porque receiam que, á falta do recrutamento, que ha de fazer-se necessariamente, os seus trabalhos cresçam e se multipliquem.

Muitas d'essas praças sei eu, e por confissão dos proprios, que no dia em que estiver preenchido o recrutamento, desejam continuar a servir; o que, estando elles em estado de saude e vigor, é sempre muito conveniente.

(Interrupção do sr. marquez de Sabugosa, que não se percebeu.)

De accordo.

De mais a mais diz o digno par que os conselhos têem sido sempre benignos para com os que têem desertado depois de haverem concluido o seu tempo de serviço.

Esta benignidade, se não fosse verdadeira a asserção que acabo de apresentar á camara, de que acredito que a maior parte dos marinheiros desejam continuar no serviço; esta benignidade dos tribunaes dava-lhes mais um ousio para que elles desertassem em maior numero, e, apesar d'isso, não são tantas as deserções como podiam ser, se realmente houvesse grande vontade de se furtarem ao serviço.

Estas minhas reflexões são attenuantes, porque a nossa obrigação é preencher o numero de praças que a lei determina.

Agora quanto a sentir o digno par tristeza pelo pedido do sr. conde de Cavalleiros, para que eu solicitasse por todos os meios ao meu alcance o indulto para um pobre homem que desertou, devo notar a s. exa. que se deu um engano na sua argumentação, aliás lucidissima, e foi o seguinte.

O digno par disse: "eu revolto-me contra ser concedido um perdão a quem tem por si a justiça".

O sr. Marquez de Sabugosa: - Peço a palavra.

O Orador: - Ora, desde que houve condeninação dos tribunaes, a justiça está na sentença, que, na jphrase da nossa ordenação, póde fazer do direito, torto; e do branco, preto. Por conseguinte, uma vez que em virtude de condemnação dos tribunaes competentes é comminada uma pena para com um homem que deserta do serviço, só o poder moderador, na fórma porque o entendeu o sr. conde de Cavalleiros, é que póde remediar o mal, se mal foi o que produziu a sentença condemnatoria.

Quanto ao bill de indemnidade, creio ter dito o sufficiente, por isso me parece superflua a repetição; e relativamente á auctorisação para engajar marinheiros, não me atrevo a acreditar, que possa haver tanta difficuldade na execução da lei do recrutamento, que seja preciso recorrer a similhante meio; mas repito o que já disse, isto é, se me convencesse de que era impossivel executar a lei, propunha a sua revogação.

Finalmente, pelo que diz respeito á lei que desse como revogadas todas as sentenças condemnatorias a que o digno par se referiu, creio que o parlamento não quererá intrometter-se em attribuições que pertencem a outro poder, que é independente, nem me parece que o mal seja tão grande, que reclame uma medida tão violenta; no entanto se o parlamento quizer votar alguma lei sobre este assumpto, que a vote, porque o póde fazer. Sr. presidente, eu antes de ser ministro fui burocrata, v. exa. sabe que fui director geral dos negocios da justiça; sei, pois, o que é a burocracia, por sciencia propria; assevero a s. exa. que os maiores estorvos que se encontram na administração, não estão nas leis, mas sim nos regulamentos. Se houvesse um pessoal habilitado que comprehendesse as leis, como devia comprehender, a melhor fórma e mais facil de cumprir as leis era não os inçar de regulamentos, que muitas vezes servem apenas de levantar questões interminaveis quando não excedem ou alteram as disposições da propria lei.

Depois em Portugal ha muito quem suscite duvidas, mas ha muito pouco quem se de ao trabalho de resolvel-as.

Nem sempre é possivel evitar os regulamentos, mas sem-

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pre que podessem dispensar-se, a administração lucrava.

Tenho concluido.

O sr. Carlos Bento: - Pedi a palavra quando fallava o digno par que me precedeu, porque me pareceu estar habilitado a dar alguns esclarecimentos a respeito da questão que se trata, por isso que já tive a honra de gerir a pasta da marinha.

Sr. presidente, o illustre ministro, encarregado da gerencia da pasta da marinha e do ultramar, está ha tão pouco tempo occupando aquelle cargo, que de certo ainda não teve occasião de resolver nem mesmo de estudar as questões importantes do seu ministerio, nem se lhe póçle exigir a responsabilidade de não a ter resolvido, porque é tão recente a sua entrada para os conselhos da corôa, que não póde ter tido tempo para o fazer.

Sr. presidente, o meu fim, pedindo a palavra, é poder explicar á camara o modo por que os ministros da marinha e da guerra do gabinete transacto trataram de assumpto tão importante, e as medidas que empregaram para obviar ao inconveniente de estarem sujeitos ao serviço as praças da armada,que já tinham concluido o tempo de serviço marcado na lei.

V. exa., sr. presidente, que tão dignamente presidiu aquelle ministerio, sabe que o resultado correspondeu completamente ao fim que se tinha em vista.

Em virtude do accordo entre os, ministros da marinha e da guerra, mandou-se perguntar aos corpos do exercito quaes as praças que queriam servir na armada, e com facilidade se encontraram duzentas e tantas; e hoje, se se insistisse n'este systema, seria possivel que se encontrasse o numero sufficiente para satisfazer as necessidades do serviço.

Não ha duvida, sr. presidente, que a lei do recrutamento maritimo tem offerecido difficuldades grandes, que é preciso destruir, para que não se repita o facto de serem violentamente obrigadas a servir as praças que acabaram o seu tempo; mas, se o ministerio actual tem a peito, como eu acredito que tem, fazer observar a lei, deve apoiar-se na opinião do parlamento, porque assim ficará verdadeiramente revestido de auctoridade.

Segundo a ultima estatistica publicada, o numero de individuos para o serviço da armada não chegou a oito por cento do que effectivamente era necessario; e, portanto, acho muito louvaveis os esforços feitos pelos dignos pares, conde de Cavalleiros e marquez de Sabugosa, porque os governos, muitas vezes, precisam d'estas admoestações, para terem a força de resistir aos que querem manter este inconveniente estado de cousas.

Decretou-se uma, lei derecrutamento, que está em harmonia com o que se pratica em França e na Hespanha, e que, por falta de um regulamento ou pela existencia d'elle, as suas disposições não têem dado o resultado satisfactorio, que o legislador tinha tido em vista quando se occupou de tão importante assumpto.

O illustre ministro da marinha, que está animado dos melhores desejos, não levará a má conta estas observações, que têem um fim tão humanitario e tão justo, e aproveitará de certo a força que deve resultar das considerações feitas no parlamento, para a não continuação d'estes factos; entretanto, se não podérem ser evitados de outro modo, peço-lhe que se lembre do expediente adoptado pelo ministerio passado, porque é um recurso que não deve ser desprezado.

De passagem, sr. presidente, queria dizer alguma cousa em relação á administração colonial, porque todos os que ligam interesse á questão financeira do paiz não podem ver tranquillos que se gastem sommas enormes no melhoramento das nossas provincias ultramarinas, sem que haja a certeza de que se faz uma despeza productiva.

Em primeiro logar é preciso saber quaes são os melhoramentos de que necessitam as nossas colonias. Entre nós é de ha muito opinião geral, que fazendo uma grande despeza, temos feito um grande melhoramento, e isto em todos os ramos de serviço, tanto nas colonias como na metropole. Uma grande despeza é um grande melhoramento, e não ha outro criterio; e parece que se tem feito muito, quando as mais das vezes se não tem feito nada.

É uma illusão que já vem de longe, de epochas anteriores ás das ultimas administrações.

Gosto ordinariamente, quando se trata de uma responsabilidade, fazer sobresaír a responsabilidade de todos a quem ella compete, porque assim é tão pequena a parte que, compete a cada um, que o seu amor proprio não se rebella, e facilmente a acceita.

Já não succede o mesmo quando se quer fazer recair a responsabilidade de uma certa ordem de idéas ou de factos sobre um pequeno numero de individuos. Ora a verdade é que nós todos temos responsabilidade em muita cousa que se tem feito n'este paiz, e que teria sido muito melhor não se ter feito; e quando digo nós, refiro me a governos e parlamentos; mas isto não quer dizer que não procuremos remediar os males e tratar de caminhar mais acertadamente.

Parece-me que esta receita de fazer muitas despezas para ter muitos melhoramentos poderá ter todas as vantagens que se tem em vista, mas póde tambem trazer grandes inconvenientes, e um d'elles ser que as colonias não melhorem e a metropole peiore.

Isto póde dar-se facilmente, pois vejo que acontece comnosco o que não succede com outras nações.

A Inglaterra, por exemplo, que tem dominios, como todos sabem, em volta de todo o globo terrestre, gasta actualmente com as suas colonias, de que algumas são pontos fortificados destinados a guarnições, 45:000 libras sterlinas, não gastamais que esta somma com todas ellas, note-se bem.

Pois nós, segundo o calculo do antecessor do actual sr. ministro da marinha, o sr. Andrade Corvo, que apresentou no seu relatorio esclarecimentos muito importantes sobre o ultramar, nós gastámos em quinze annos, comprehendendo algumas despezas extraordinarias, uma media regular de 600:000$000 réis por anno. Deviamos ter melhorado muito as colonias com esta despeza, mas não sei se succede assim.

Por esta occasião cumpre-me render os meus elogios a duas administrações anteriores, pelo que fizeram com relação a uma das nossas mais importantes possessões.

Uma d'essas administrações foi a do sr. Andrade Corvo, o qual nomeou uma commissão, a quem incumbiu a modificação da pauta de Moçambique, e a outra administração foi a do meu collega o sr. Mello Gouveia, que adoptou o trabalho d'essa commissão.

O resultado de se acceitarem as indicações da mesma commissão composta de cavalheiros assas illustrados, foi estabelecer-se um systema, em virtude do qual ninguem poderá dizer que applicamos ás colonias o systema de monopolio, o qual, sem dar vantagens permanentes para a metropole, tem inconvenientes incontestaveis para as colonias.

Acredito que o desenvolvimento das nossas provincias de alem mar não depende do monopolio a favor de industrias ou individuos, o que é mais alguma cousa, porque são os que exclusivamente se aproveitam d'elle; entendo, pelo contrario, que nós, estabelecendo uma pauta liberal para Moçambique, fazemos o maior serviço que podiamos fazer áquella provincia economica e politicamente.

Talvez haja outras possessões nossas, a respeito das quaes se possa adoptar um systema de melhoramentos que produzam tambem resultados proveitosos; mas entendo que em tudo quanto tenhamos de fazer em favor das colonias, se deve attender, antes de tudo, a dois grandes principios.

O primeiro é a escolha das auctoridades. Este é essencial. Sei que é difficil resistir a um elemento muito poderoso que existe n'este paiz, devido, segundo creio, ao clima; refiro-me ao empenho.

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O empenho é tudo n'esta terra, e tanto que aos ministros é preciso mais força para resistir aos amigos, que ao seus proprios adversarios.

(Interrupção que se não ouviu.)

Sim, senhores, mesmo em Inglaterra, não se póde negar que houve uma epocha em que se deram abusos muito mais consideraveis que aqui se tem dado, e é exacto que nós mesmos temos melhorado a respeito da nomeação de auctoridades para o ultramar.

Toda a gente sabe que houve uma epocha na administração ingleza, em que os abusos eram muito mais consideraveis, e é facil encontrar na historia de todas as nações epochas muito mais corruptas do que a actual. Isto prova que os abusos eram muito mais consideraveis antigamente, e serve para demonstrar que as gerações não se têem corrompido.

Eu entendo que, adoptem-se as providencias que se adoptarem porá as nossas colonias, a principal e a que deve merecer mais attenção é a escolha das auctoridades; porque muitas vezes de todos os melhoramentos decretados, o resultado é nullo, em vista do pessoal não ser devidamente escolhido e habilitado, embora as camaras se encham de enthusiasmo.

Já um ministro das colonias, o sr. Amaral, disse que, sendo governador de Angola, tinha uma vez pedido para fazer face a umas certas despezas 20:000$000 réis, e lhe haviam dado 200:000$000 réis. Isto foi porque havia enthusiasmo; porque nós estamos acostumados a encarecer todos os melhoramentos que nos tragam qualquer augmento de despeza: em havendo um augmento de despeza já é um melhoramento, sobretudo quando a receita para fazer face a essa despeza nos provenha de um emprestimo, porque sempre nos parecem pequenos os encargos de um emprestimo.

Já em França, na epocha financeira mais brilhante do imperio, disse mr. Rouher: nós queremos que as colonias tenham a independencia necessaria, e que não estejam a cargo do governo da metropole, para que augmentem de importancia.

Effectivamente em 1866 modificou-se consideravelmente a legislação das colonias, de fórma que lhes dava quanto possivel autonomia nos negocios financeiros, dando-se-lhes até a faculdade de lançar impostos sobre os artigos que importavam da mãe patria, não se reservando assim nem o privilegio sobre as producções da industria nacional, foi quando se creou um imposto a que se chamou octroi de mère.

Por consequencia, sr. presidente, quando uma nação das mais ricas e poderosas, como a Franca, entende que o meio real de melhorar as colonias é dar-lhes uma especie de autonomia, prova isso que não é a condição do monopolio excepcional da metropole que devedar vantagem, e que uma das cousas mais necessarias é darmos ás colonias a faculdade de regular os seus negocios financeiros quando as circumstancias sejam favoraveis.

Tanto assim é, que sendo a navegação sob a bandeira franceza e commercio com a metropole antes de 1866 privilegiados, a navegação sob a bandeira franceza, para o commercio com as suas colonias, entrava como 2/3 com relação ao que era proveniente das demais nações; e depois da reforma da legislação colonial franceza, em 1866, o commercio feito sob esta bandeira passou a entrar como um decimo.

Nós vemos, se consultarmos o registo do porto, que, por exemplo, a navegação entre o nosso porto e Demerara tem augmentado consideravelmente n'estes ultimos annos.

Por consequencia entendo que quando a situação financeira das colonias fôr prospera a metropole ha de tirar partido d'ellas; mas não ha de ser com uma legislação artificial, e sobretudo com a escolha de auctoridades que não for feita debaixo das condições do merecimento pessoal dos escolhidos.

Eu li um artigo que appareceu n'um periodico, o qual creio que não faz opposição ao actual governo, escripto por certo cavalheiro que servia no ultramar, que diz a respeito das auctoridades o seguinte.

Note a camara que é um portuguez que falla, e não um estrangeiro.

(Leu.)

Devo dizer ainda uma cousa. A escolha das auctoridades superiores já foi feita n'outros tempos com menos circumspecção; e a este respeito me lembro agora de uma recommendação de D. João II a um governador que mandou para a costa da Mina. Essa recommendação foi: Não sejaes tão pêco, que venhaes de lá pobre. Digo isto para demonstrar que hoje não ha uma decadencia absoluta na escolha das auctoridades superiores que se mandam para o ultramar. Todavia não posso, já dizer o mesmo com relação ás auctoridades subalternas, cuja escolha, infelizmente, não tem sido determinada, em geral, pelos mesmos principios, para o que talvez concorra não haver facilidade em occorrer de melhor maneira a esse serviço.

Peço desculpa á camara de a ter incommodado com estas observações, e como sei que se não póde prolongar esta discussão dou por concluidas as minhas reflexões.

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Presidente - Vae ler-se uma mensagem da camara dos senhores deputados, que acaba de chegar a esta camara.

O sr. Secretario: - (Leu.)

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre a approvação do codigo administrativo.

Foi enviada a commissão de administração publica.

O sr. Marquez de Vallada: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:

"Requeiro que, pelo ministerio da marinha e ultramar, sejam enviados a esta camara os relatorios dos ultimos tres annos apresentados pelos governadores geraes da India, de Angola, de Moçambique, de Cabo Verde e de S. Thomé e Principe; bem como a copia de quaesquer propostas ou consultas do conselho ultramarino e junta consultiva do ultramar desde 1867, nos quaes se aconselhe ao governo a adopção de quaesquer reformas com relação á administração da justiça e ao desenvolvimento da agricultura nas nossas colonias.

"Camara dos pares, em 2 de março de 1878. = O par do reino, Marquez de Vallada".

Mando tambem para a mesa uma moção, para se discutir depois:

"A camara dos pares do reino, espera que o governo, na proxima sessão, apresentará as necessarias propostas para reformar a administração nas nossas colonias, e para desenvolver a riqueza publica nas possessões portuguezas do ultramar.

"Camara dos pares, em 2 de março de 1878. = O par do reino, Marquez de Vallada".

Esta moção não tem caracter nenhum politico, é uma simples moção de administração.

O sr. Presidente: - Na proxima sessão far-se-ha leitura na mesa do requerimento e da moção do digno par.

Ficam inscriptps, para usarem da palavra sobre a interpellação, o sr. ministro da marinha e o sr. marquez de Sabugosa.

A primeira sessão terá logar na proxima sexta feira, e a ordem do dia será a continuação da interpellação, e o parecer n.° 267 sobre o orçamento da receita.

Está fechada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 2 de março de 1878 Exmos. srs. Marquez d'Avila e de Bolama; Marquezes, de Sabugosa e de Vallada; Condes, de Cabral, do Casal

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Ribeiro, de Cavalleiros, de Bomfim, do Farrobo, de Linhares, de Mesquitella, da Ribeira Grande, do Rio Maior; Viscondes, de Alves de Sá, de Fonte Arcada, da Pjaia Grande, de Seabra, do Seisal, de Soares Franco, da Praia, de Villa Maior, da Silva Carvalho; D. Affonso de Serpa, Moraes Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, Paiva Pereira, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Palmeirim, Carlos Bento, Barreiros, Mártens Ferrão, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, José Lourenço da Luz, Franzini, Mello e Carvalho.

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